interior exterior: entre a casa e a escola | TFG FAUUSP 2017 | paola ornaghi

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interiorexterior

entre a casa e a escola



trabalho final de graduação na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo FAUUSP Paola Trombetti Ornaghi orientação Antonio Carlos Barossi Angelo Bucci dezembro 2017



agradeço aos colegas queridos de fau pelo convívio, carinho e pelas conversas e abraços sem tempo entre as rampas e o caramelo; aos meus pais, pelo embasamento e formação; à minha mãe, pela paciência e incentivo à transferência; à minha irmã, primeira arquiteta urbanista da família; ao amor da minha vida, pela imensa ajuda, companhia e carinho; aos professores do dia a dia, Alvaro e João, pela experiência e apoio; a Estevão Sabatier, Bruna Canepa, Fernanda Carlovich e André Vittielo, pelos trabalhos de referência inspiradores e necessários; à Escola da Cidade, pelo início de tudo.

ao Angelo Bucci, pela descoberta que deu o empurrão ao trabalho, por aceitar o desafio, e pelas aulas de segunda-feira; ao Antonio Carlos Barossi, pelas primeiras conversas e sobretudo pelo lindo exemplo de dedicação e amor ao ensino e à FAU que levarei comigo; à Marta Bogéa, pela presença e encanto que reverberam e criam coisas belas e necessárias; ao José Lira por aceitar o convite e enriquecer o debate com outras formas de olhar a arquitetura.

dedico este trabalho à FAUUSP por seus espaços interiores-exteriores de vivência e formação pública.



cidade na cidade procuro casa na casa procuro a varanda na varanda procuro o fora no fora procuro o outro no outro procuro a mim em mim procuro vocĂŞ em vocĂŞ me encontro em mim encontro o outro no outro descubro o fora fora encontro a casa na casa encontro a cidade

Miguel Croce


narrativa


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interior exterior

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entre a casa e a escola

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interior e exterior, instituição e sociedade

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implantação

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projeto e percursos

82

bibliografia


interior exterior

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um ponto de partida ou a procura pela essencialidade Partiremos de uma única figura, que vem de um longo percurso histórico, e delineia como se fosse um roteiro do enfoque que se deseja. Tal roteiro é dado pelo traço de uma linha que delimita a fronteira entre dois vastos territórios: isolamento e dissolução. (...) Essa origem grafa nitidamente, através de uma linha contínua que se desenvolve como um trecho de espiral quadrada, um dentro e um fora; além disso, mostra uma passagem estreita, contínua e gradual entre uma coisa e outra. (...) A origem do fonema bê é a palavra beth, que designava casa, daí beta depois bê. A figura do hieróglifo representa, na interpretação arquitetônica que assumo, (...) o desenho do chão ou a planta daquela casa ancestral. Ali , evidentemente, não estavam os conceitos de público e privado, mas já estavam presentes, (...), as duas dimensões da existência do homem que não deixariam de existir. ¹ Isolamento e dissolução. A partir dessa dualidade – oposta, mas sempre complementar – percebi que é possível interpretarmos as construções realizadas pela humanidade desde a primeira forma de abrigo, a formação das cidades e também a forma como se dá o embate indivíduo – coletivo. Segundo Leonardo Benevolo (1923,2017), o desenho das cidades realizou-se graças ao confronto entre essas duas condições opostas. (BUCCI, 2010) A célebre leitura das palavras de Vilanova Artigas, “a cidade é feita de casas”, baseia a interpretação que Angelo Bucci inicia a partir do hieróglifo egípcio. É como se a primeira unidade que delimita uma relação de fora e dentro fosse a casa e, assim, seu conjunto forma a cidade a partir de várias relações interior exterior. 1. BUCCI, Angelo. São Pau-

Essa essencialidade, ou esse ponto de partida, tam-

lo, razões da arquitetura: da

bém é teorizado pelo filósofo alemão Martin Heide-

dissolução dos edifícios e

gger (1889,1976) em seu ensaio Construir, habitar,

de como atravessar pare-

pensar, mas de um ponto de vista mais elementar

des. P. 53

ainda, onde o ato de construir é inerente à necessida-


de de habitar e transpõe os limites da casa: Parece que só é possível habitar o que se constrói. Este, o construir, tem aquele, o habitar, como meta. Mas nem todas as construções são habitações. Uma ponte, um hangar, um estádio, uma usina elétrica são construções e não habitações; a estação ferroviária, a auto-estrada, a represa, o mercado são construções e não habitações. Essas várias construções estão, porém, no âmbito de nosso ha2. HEIDEGGER, Construir,

bitar, um âmbito que ultrapassa essas construções

habitar, pensar. P.1

sem limitar-se a uma habitação. 2 Todas essas escalas de construções são no fundo, e a partir da leitura do filósofo, fronteiras entre dentro e fora, entre uma margem do rio e a outra, entre recolhimento e dissolução. Christian Norberg Schulz (1926, 2000), arquiteto e pensador norueguês, à procura de sua teoria fenomenológica de Lugar, foi quem traduziu para a pauta da arquitetura os pensamentos de Heidegger: Quando o lugar interage com o seu entorno, um problema de dentro-e fora é criado. Por conseguinte, esta relação topológica é um aspecto fundamental do espaço existencial. Estar dentro é, obviamente, a principal intenção por trás do conceito lugar, que é estar em algum lugar, longe do que está lá fora. Somente quando o homem tem definido o que está dentro e o que está fora, podemos realmente dizer que ele ‘habita’. Através desta ligação, as experiências e memórias dos

12

3. NORBERG-SCHULZ.

homens e mulheres estão localizadas, e o espaço

Existence, Space, Architec-

interior torna-se uma expressão do “interior” da

ture. P. 25

personalidade. 3 A correlação entre espaço interior e o interior da personalidade é, neste trabalho, uma premissa e um ponto absolutamente significativo e definidor do desenho das fronteiras entre o fora e o dentro em todas as escalas.


a reverberação na arquitetura Desde a primeira fronteira construída para conseguir habitar o mundo, a casa desempenha o papel de abrigo, como rebatimento do desconhecido e do incontrolável – a natureza; de lar, como local de aconchego e encontro junto ao fogo; de armazém para estocar suprimentos e posses; de relógio habitado para os momentos de espera e permanência seja para aguardar o tempo da colheita, seja para o amadurecimento próprio; de processamento, para os trabalhos domésticos e a fonte de renda; como um porto seguro para nos referenciarmos e voltarmos após um dia exaustivo de trabalho ou de uma viagem; e, por fim, a casa desempenha também o papel de observatório das dinâmicas exteriores e vidas alheias. (SABATIER, 2016) Até este momento, podemos dizer que os tipos de construções desempenham papéis mais práticos e diretos, ou seja, cumprem a função de envoltório e de limite entre o dentro, conhecido e controlado, e a imprevisibilidade do fora. Entretanto, quando a vida se urbaniza e parte das funções delegadas à casa ocupa espaços exteriores, o sentido de abrigo passa a significar resguardo em relação às dinâmicas efervescentes e do trabalho exaustivo; torna-se também o lugar da moral da família e da simbologia de sentimento, sinceridade, honestidade, verdade e amor. É neste momento que o embate com a multidão impulsiona o desenvolvimento de conceitos como intimidade e privacidade. A literatura do início do século XX, como O homem na multidão de Edgar Allan Poe, versa constantemente sobre o tema e Walter Benjamin (1892,1940) é quem dedicou seus olhares para essa nova dinâmica e seus personagens: As ruas são a morada do coletivo. O coletivo é um ser eternamente inquieto, eternamente agitado, que entre os muros dos prédios, vive, experimenta reconhece e inventa tanto quanto os indivíduos ao abrigo de suas quatro paredes. Para esse ser coletivo, as tabuletas das firmas, brilhantes e es-


maltadas, constituem decoração mural tão boa, ou melhor, que o quadro a óleo no salão burguês; os muros com défense d´afficher – proibido colar cartazes – são sua escrivaninha, as bancas de jornal, suas bibliotecas, as caixas de correspondência, seus bronzes, os bancos, seus móveis do quarto de dormir, e o terraço do café, a sacada de onde observa o ambiente. O gradil, onde os operários do asfalto penduram a jaqueta, isso é o vestíbulo, e o portão que, da linha dos pátios, leva ao ar livre, o longo corredor que assusta o burguês é para ele o acesso aos aposentos da cidade. A galeria é o 4. BENJAMIN, Walter. O

seu salão. Nela, mais do que em qualquer outro

Flâneur. Obras escolhidas

lugar, a rua se dá a conhecer o interior mobiliado e

III, p.192.

habitado pelas massas. 4 Toda essa nova forma de habitar redesenha as fronteiras entre público e privado, cada vez mais segregando a vida íntima da vida pública, através de recuos laterais e frontais, varandas, jardins, etc. E dentro da casa também são desenhados ambientes que variam entre diferentes graus de conforto, privacidade e intimidade dependendo do uso e principalmente de quem usa. Desse modo, falar sobre a relação interior exterior no campo da arquitetura e do urbanismo não pode ser apenas discorrer sobre a oposição física e material entre cheio e vazio, público e privado, edifício e cidade. A construção dessa relação é feita, como podemos ver, segundo um tempo e um determinado contexto social e político, mas de forma geral, na história da arquitetura recente, é possível perceber alguns modos característicos de diálogo – ou não – do interior com o exterior:

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O movimento modernista, em específico o International Style, pregou – em oposição às robustas barreiras entre dentro e fora da privacidade burguesa – a continuidade total entre o fora e o dentro por meio de panos de vidro transparentes e pisos externos que tomaram-se interiores. O que é o caso não apenas das casas de vidro de Mies Van der Rohe (1886,1969) e Philiph Johnson (1906,2005), mas também das resi-


dências brutalistas de Vilanova Artigas (1915,1985) e Paulo Mendes da Rocha (1928) onde a intenção era a de urbanizar a vida doméstica: “São, portanto, casas inteiramente exteriorizadas, ainda que espacialmente introvertidas.” (WISNIK, 2012) Em uma operação absolutamente oposta, a arquitetura pós moderna, sedenta pelo simbolismo e representatividade tratou dos limites entre interior e exterior como invólucros completamente independentes da dinâmica e do programa dos edifícios ou como fachadas completamente espelhadas repelentes da penetração do externo no interno e vice-versa. O diálogo fora e dentro foi, portanto, eliminado e dispositivos para possibilitar tal estanqueidade – como o ar condicionado e as escadas rolantes - foram, inclusive, exautados por Rem Koolhaass (1944) . Mais recentemente, a chamada arquitetura contemporânea retoma em certa medida o diálogo construído pelos modernistas, mas agora a continuidade não é direta e clara e sim sugerida. A busca é pela dissolução e indefinição das fronteiras a partir de superfícies e materiais translúcidos, reflexivos e até mesmo imateriais como no caso do Blur Building de Diller Scofidio, um edifício-nuvem. Outros arquitetos, à parte do caso geral internacional, os ditos regionalistas, como Alvaro Siza – piscinas das marés; Barragán – sua casa-atelie; e Tadao Ando – casa Azuma - trabalham com outras chaves como o percurso, a cor e a luz, respectivamente, na hora de compor suas promenades entre o interior e o exterior. De um jeito ou de outro, de uma forma mais direta ou como algo nas entrelinhas, a relação dentro e fora está sempre presente. Na arquitetura retiramos um pedaço do globo terrestre e colocamo-lo numa pequena caixa. E de repente existe um interior e um exterior. Estar dentro e estar fora. Fantástico. E isto implica outras coisas igualmente fantásticas: soleiras, passagens, pequenos refúgios, passagens imperceptíveis entre interior e exterior, uma sensibilidade incrível para o lugar; uma sensibilidade incrível para a concentração repentina, quando este invólucro está de


repente à nossa volta e nos reúne e segura, quer

5. ZUMTHOR, Peter. In

sejamos muitos ou apenas uma pessoa. Desen-

Atmosferas, p. 47

rola-se então o jogo entre o indivíduo e o público, entre a privacidade e o público. É com isso que a arquitetura trabalha. 5

outros horizontes Durante a pesquisa deste trabalho, tive a oportunidade de entrar em contato – mesmo que superficialmente – com outras disciplinas que têm o duelo interior exterior como foco ou instrumento de análise para compreender a sociedade. A primeira foi a Antropologia e em especial o pensamento de dois autores significativos no tema. O primeiro deles foi José Guilherme Magnani, coordenador do Núcleo de Antropologia Urbana da FFLCH USP. Magnani criou e teorizou categorias que exemplificam a aplicação da disciplina no contexto urbano e dentre eles o conceito de pedaço, “espaço social que se situa entre a esfera da casa e da rua”. Esse método de criação de categorias é uma forma dos antropólogos formarem grupos de observação e a partir deles tirar conclusões. Neste sentido, Roberto da Matta vê a Rua e a Casa como duas categorias sociológicas - a Casa como o lugar do parente, do conhecido e, portanto, do acolhimento e a Rua como o lugar o estranho, do diferente e então do perigo - e por meio do estudo delas, tenta compreender a formação da sociedade brasileira e de onde vem a diferença entre o nosso comportamento dentro de casa, no âmbito privado, e na rua, no âmbito público.

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Quando digo então ‘casa’ e ‘rua’ são categorias sociológicas para os brasileiros, estou afirmando que, entre nós, estas palavras não designam sim-

6. DA MATTA, Roberto. A casa e a rua:

plesmente espaços geográficos ou coisas físicas

espaço, cidadania, mulher e morte no

comensuráveis, mas acima de tudo entidades

Brasil. p.65

morais, domínios culturais institucionalizados. 6 Outro campo de conhecimento – novamente com-


pletamente desconhecido por mim – que me auxiliou neste percurso foi a Psicanálise. Isso se deu a partir da leitura do trabalho final de graduação de Estevão Sabatier – As raízes da casa e o desejo de sair – que justamente tinha como objetivo a compreensão das razões pelas quais as pessoas se fecham e revelar as sutilezas de como abri-las. Sabatier inicia sua pesquisa a partir das bases de formação do indivíduo e como separar-se do mundo exterior faz parte desse processo desde a gestação do bebê dentro do útero. Para isso cita Sigmund Freud (1856,1939), Jacques Lacan (1901,1981) e Donald Woods Winnicott (1896,1971) os quais, cada um em sua especificidade, se debruçam sobre a percepção das dimensões interior e exterior do indivíduo para compreender as formas de lidar com o mundo e de transpor tais fronteiras. E para fazer a conexão dessas teorias com o ambiente construído e a arquitetura propriamente dita, Sabatier lança mão do uso do círculo, figura fechada capaz de ensaiar uma relação dentro e fora a partir de um elemento circundante, como modelo. E é justamente a presença física desse elemento, que conforma um dentro e um fora, que coloca a arquitetura na discussão da essencialidade do indivíduo:

Partindo de uma noção de interioridade — como a existência — e de exterioridade, como o mundo afora, poderíamos desenhar essa questão usando um simples diagrama circular com um ‘eu’ interno e o ‘mundo’ externo circundante, porém, um invólucro estanque é inútil. É preciso adicionar ainda uma comunicação entre o dentro e o fora e essa conexão é a linguagem. Há coisas internas, processadas dentro de cada ser que são levadas img Wie Bleibe Ich Jung

para fora. Traduzir pensamentos em lingua­gem

and Schon , László Moholy-

e levá-los ao mundo é a forma como transpomos

-Nagy, 1925

essa barreira na escala do ser. Do mesmo modo o mundo também toca o indivíduo e modifica sua forma de pensar. Esses espaços in-between, definidos no próprio limite entre os dois pólos contém


7. SABATIER, Estevão. As

não apenas a linguagem, mas também se define

raízes da casa e o desejo

no espaço e uma das bases da arquitetura. 7

de sair. P. 23

arquitetura como linguagem Do ponto de vista do eu versus mundo, esse limite – que deve estabelecer trocas e contatos – é fundamentalmente a linguagem. (SABATIER, 2016) E, se, enxergarmos as fronteiras de Heidegger como as construções que abrigam e formam – no diálogo com o exterior - a interioridade do indivíduo, podemos entender também a arquitetura como linguagem. E, sendo assim, olhar os elementos arquitetônicos de divisa - soleiras, portas, janelas, paredes, coberturas – como meios de diálogo entre fora e dentro, arquitetura e cidade, e, por ser a construção o abrigo do eu, indivíduo e sociedade. Dessa maneira, toda e qualquer intervenção no espaço pretende dizer algo e de alguma forma: Devemos então perguntar como é o solo em que pisamos, como é o céu sobre nossas cabeças, ou de modo mais geral, como são as fronteiras que definem o lugar. O modo de ser de uma fronteira depende de sua articulação formal, que está novamente relacionada com a maneira pela qual ela foi “construída”. Olhando uma construção 8. NORBERG-SCHULZ,

desse ponto de vista, temos de examinar como

Christian. O fenômeno do

ela repousa sobre o solo e como se ergue para o

lugar. in: NESBITT, Kate

céu. Uma atenção especial deve ser dedicada às

(org). Uma nova agenda

fronteiras laterais, ou paredes, que contribuem de-

para a arquitetura: antologia

cisivamente para determinar o caráter do ambiente

teórica (1965–1995). P .345

urbano. 8 O que parece óbvio em um primeiro momento, a ne-

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cessidade de abrigar-se e de proteger do desconhecido e do incontrolável, será aqui compreendido como uma dualidade formadora do indivíduo e, por consequência, base da sociedade e de como estabelecemos relações em todas as escalas de interior-exterior. A discussão, portanto, pode ir muito além da fruição ou não fruição física, da abertura ou não abertura. As


duas condições – interior e exterior – devem ser vistas e trabalhadas como dois opostos essenciais de uma unidade e não colocadas como partes incongruentes ou – quando transpostas para público e privado – atribuídas à juízos de valor. Machado de Assis, no conto O Espelho, poeticamente nos abre os olhos para a essencialidade das duas esferas: não há existência sem a completude da união entre a alma interior e a alma exterior. Dessa forma, para além dos dispositivos construtivos, é possível trabalhar e enxergar estas fronteiras também e essencialmente como um diálogo entre duas condições – opostas, porém complementares – da existência humana: reclusão e abertura, alienação e dissolução. Outro ponto de relevância para a discussão proposta é como o diálogo entre interior e exterior se dá em diversas escalas. Dessa forma, o exterior ora é a rua em contraposição à arquitetura; ora, é a sociedade perante a instituição, ou até o coletivo em oposição ao indivíduo. Neste breve trabalho a intenção é ter em mente que se a formação do indivíduo se dá a partir do embate entre sua interioridade e o mundo exterior - podemos ver a arquitetura, a fronteira entre o dentro e o fora, como reflexo da forma como esses diálogos se dão e também como suporte a essa conversa. Assim a questão primordial não é que os espaços sejam abertos ou fechados, mas entender que eles possuem suas implicações e limitações em função de segurança e liberdade, de modo que a verdadeira preocupação é que eles se comuniquem e nunca se enrijeçam. (...) a vida na cidade [pode ser vista] como um constante processo de se revelar e se retrair, um infinito esconde-esconde, de descobrir-se e recobrir-se. É deste modo que os seres humanos se relacionam com o espaço, nunca com um espaço estático, mas sempre 9. SABATIER, Estevão. As

na existência inconsciente do espaço completa-

raízes da casa e o desejo

mente inverso do que se habita num determinado

de sair. P. 215

instante. 9


entre a casa e a escola

20


Para discorrer sobre o tema interior exterior - e seu reflexo na arquitetura e na forma como ela é vivenciada - a partir do projeto, optei por fazê-lo em conjunto com a descrição de um percurso que é justamente o conjunto das sucessivas passagens interior- exterior, arquitetura-cidade, indivíduo-coletivo. O pólo de partida será a Casa, a unidade da cidade, o lugar de criação dos nossos primeiros embates interior-exterior, o espaço físico mais congruente com a interioridade do indivíduo, e, sem dúvidas, o ponto de partida da nossa formação espacial. Pois a casa é nosso canto do mundo. Ela é, como 1. BACHELARD, Gaston. A

se diz freqüentemente, nosso primeiro universo. É

poética do espaço. P.200

um verdadeiro cosmos. 1 Chegamos aqui a uma recíproca cujas imagens deveremos explorar: todo espaço verdadeiramente habitado traz a essência da noção de casa. Veremos, no decorrer de nossa obra, como a imaginação trabalha nesse sentido quando o ser encontrou o menor abrigo: veremos a imaginação construir “paredes” com sombras impalpáveis, reconfortar-se com ilusões de proteção ou, inversamente, tremer atrás de um grande muro, duvidar das mais sólidas muralhas. Em suma, na mais interminável dialética, o ser abrigado sensibiliza os limites de seu abrigo. Vive a casa em sua realidade e em sua virtualidade, através do pensamento e dos sonhos. (...) A casa, na vida do homem, afasta contingências, multiplica seus conselhos de continuidade. Sem ela, o homem seria um ser disperso. Ela mantém o homem através das tempestades do céu e das tempestades da vida. Ela é corpo e alma. É o primeiro mundo do ser humano. Antes de ser “atirado ao mundo”, como o professam os metafísicos apressados, o homem é colocado no berço da casa. E sempre, em nossos devaneios,

2. BACHELARD, Gaston. A

a casa é um grande berço. A vida começa bem;

poética do espaço. p.200-

começa fechada, protegida, agasalhada no seio

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da casa. 2 Para ser a outra ponta – e o objeto de projeto - oposta e complementar à casa, escolhi a Escola: espaço


interior – e exterior - de formação acadêmica e social do indivíduo. Voltando à imagem de que arquitetura é linguagem, o programa da escola me parece ideal para o exercício de pensar o projeto a partir do diálogo estabelecido entre o dentro e o fora aliados a um certo objetivo pedagógico. Neste sentido, em contraponto à casa, a escola se torna o segundo lugar de formação espacial e psíquica do indivíduo de forma coletiva e pública.

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interior e exterior, instituição e sociedade

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Além de se tratar de uma escola pública, ela será também um condensador social , ou seja, para além do atendimento aos estudantes, toda a infraestrutura da escola será aberta e compartilhada com a comunidade local. Teremos, portanto, uma escola-equipamento pública. Dessa forma, assim como a relação interior exterior do construído em relação à cidade e à casa, haverá também o embate entre instituição e sociedade dentro do programa pedagógico, como algo intrínseco ao processo de formação democrática do indivíduo. Pedro Arantes, falando sobre o atual e o novo campus da Unifesp, sintetiza aquilo que procuro com o desenho desta escola: Nós temos que pensar nessa face urbana que faz o diálogo entre a universidade e a cidade-sociedade como também mais um canal de interlocução entre a experiência universal, internacional, cosmopolita e o local. E é dessa dialética, dessa alimentação recíproca de uma com a outra que a gente acredita que um novo tipo de conhecimento socialmente referenciado, crítico, transformador, questionador, pode surgir. Esses espaços não são simplesmente serviços à comunidade – também é isso – mas sobretudo os espaços experimentais 1. Transcrição de parte da

de relação entre a universidade e a população

fala de Arantes durante pa-

local, seus movimentos sociais para que dali surja

lestra realizada na FAUUSP

conhecimento, pesquisa estética, prática, tecnoló-

em 2013.

gica, política em vários âmbitos. 1

2. expressão utilizada

uma disposição espacial ²

por Angelo Bucci em sua tese São Paulo, razões da arquitetura: da dissolução dos edifícios e de como atravessar paredes.

Para falar sobre a dualidade entre fora e dentro a partir do projeto, a forma de implantação, ao meu ver, é o ponto de partida e a escolha definidora do tipo de diálogo que será travado entre interior e exterior. Uma vez que minha intenção é transpor o caráter físico e material e assim discutir a relação entre instituição (escola) e sociedade (cidade), procurei um tipo de disposição espacial que de certa forma dissolvesse a fronteira entre a proposta e a cidade. Optei, então, pela explosão do programa em um conjunto de terrenos não contíguos, formando um sistema de


equipamentos interligados pelo passeio público e pelo percurso não apenas dos estudantes, mas também daqueles que ali habitam. Uma figura modelo interessante para ilustrar essa condição é a Fita de Moebius, bastante usada por Lacan e citada por Angelo Bucci em sua tese, que em contraposição ao círculo, não restringe o interior e nem o exterior a apenas uma possibilidade espacial. Uma grande referência de intervenção em sistema é o projeto para o Pelourinho de Lina Bo Bardi feito na década de 80. A estratégia foi a de interferir pontualmente em alguns dos edifícios de interesse histórico para que a dinâmica gerada entre eles pudesse recuperar aquele lugar. 3. BUCCI, Angelo. São Pau-

O edifício desfeito, que corresponde ao edifício de

lo, razões da arquitetura: da

funções explodidas, disperso em vários edifícios

dissolução dos edifícios e

ou, melhor dizendo, edifícios desfeitos para consti-

de como atravessar pare-

tuírem cidade. 3

des. P.40 4. BUCCI, Angelo. São Paulo, razões da arquitetura: da dissolução dos edifícios e de como atravessar paredes. P.14

Os edifícios, por sua vez, dissolvidos no ambiente da cidade, tendem a se afastar da noção de forma em si – como forma fechada – para ganharem sentido no conjunto – onde cada um deles participa como forma aberta. 4

arquitetura do programa O programa desta escola foi elaborado a partir da busca pela essencialidade dos espaços de formação, pela busca por equipamentos úteis à estruturação urbana, e muito baseado pela experiência de Hélio Duarte no projeto de Anísio Teixeira para as Escolas Classe Escola Parque e, consequentemente, no 26

exemplo ímpar dos Centros Educacionais Unificados idealizados no governo de Luiza Erundina (19891993) pela equipe do Departamento de Edificações, escritório público de projetos coordenado por Alexandre Delijaicov. O educador e filósofo baiano Anísio Teixeira (1900, 1971), trouxe dos Estados Unidos o modelo das


escolas Platoon de John Dewey (1859, 1972) que consiste na ideia de divisão das classes em dois turnos simultâneos e alternados , um das matérias fundamentais - matemática, história, literatura, etc - e outro das matérias especiais - ginástica, música, arte, etc. Assim toda a infraestrutura da escola elementar era utilizada e eficiente. Disso, Anísio concebeu o sistema das Escolas Classe Escola Parque junto ao arquiteto Hélio Duarte (1906,1989): Naquele tempo (1960-70) a escola americana se baseava em 7 pilares, seguidos também por Anísio na sua concepção de escola ideal: Os fundamentos: Matérias básicas de ensino, fundamentais para instrumentação da ação intelectual; Horas de lazer: Sala de música, estúdio para trabalhos artísticos e sala de leitura. Fortalecendo o poder criativo infantil; Saúde: Ginásio e recreio. Liberdade espacial para realizar exercícios, jogos e danças de preferência ao ar livre; Socialização das atividades escolares: Auditório. Procura sanar a escola da artificialidade e da segregação, funcionando não só como poder socializador, mas também unificador e integrador para a atividade escolar; Atividades vocacionais: Oficinas de trabalho manual, costura e cozinha, buscando ensino vocacional útil a instrução primária; Ciências: Salas especiais aparelhadas para ensino de história natural, geografia, dispondo de herbário, aquário, 5. BELLIZIA. André. Cidade

laboratório; e Atividades especiais: Biblioteca,

Educadora. P. 24

refeitório e clínica médica. 5 O Centro Educacional Carneiro Ribeiro foi o único exemplar construído e sua implantação é dividida entre uma quadra urbana formada por um conjunto de edifícios contíguos que abrigam as atividades especiais (Escola Parque) - um centro gravitacional de estruturação urbana - e quatro edifícios para as atividades fundamentais (Escolas Classe) equidistantes da primeira 500 metros - uma distância do caminhar trabalhando em contraturnos. Os projetos acabaram não saindo do papel como o planejado, mas um fato importante, para além do


modelo exemplar de educação proposta pelos dois, é que Hélio Duarte gestou o conceito das escolas no Convênio Escolar entre 1949 e 1952, uma parceria entre Governo do Estado e a Prefeitura Municipal de São Paulo que tinha como objetivo reestruturar o sistema escolar básico da cidade a partir da execução de uma rede física de escolas e equipamentos como ginásios, parques infantis, teatros populares e bibliotecas públicas, ou seja, isso fazia parte de uma política pública que integrava o processo de formação ao suporte social não apenas dos estudantes, mas da sociedade como um todo: (...) Esse programa de projetos escolares produziu, naquele período, cerca de 70 equipamentos 6. DUARTE, Hélio de Quei-

públicos de reconhecida qualidade arquitetônica

roz. Escolas-Classe, escola

e adequada inserção na paisagem urbana, dentro

parque. Org. André Takiya.

dos conceitos da moderna pedagogia defendidos

2ed.P. 13

pelo filósofo e educador baiano Anísio Teixeira. 6 A antiga Comissão do Convênio Escolar deu origem ao atual Departamento de Edificações - EDIF, escritório público de projetos, responsável pela elaboração dos CEUs. Alexandre Delijaicov, integrante do escritório até hoje, une os conceitos de espaço social e sua interpretação arquitetônica, os condensadores sociais, ao pensamento da Cidade Educadora de Paulo Freire - secretário da educação de então - onde a praça de equipamentos socias seria um lugar de reinvenção coletiva do ser político. O conceito do CEU é, portanto, uma praça de equipamentos públicos, distribuída por cada um dos noventa e seis distritos da cidade de São Paulo, e com o objetivo de criar uma centralidade local com oferta de cultura, educação, esportes, lazer,

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assistência social e de saúde. Dispostos em uma mesma quadra, o conjunto de equipamentos seria de administração intersecretarial e pensado como um centro estruturador da rede de equipamentos já existente no local, ou seja, é como se esses equipamentos públicos existentes fossem as escolas classe que gravitam em torno da praça de equipamentos/ escola parque.


O conjunto de fatores percurso na cidade e equipamento público associados ao processo pedagógico torna as experiências das Escolas Classe Escola Parque, Convênio Escolar e dos Centros Educacionais Unificados grandes referências ao desenvolvimento deste trabalho. Antes de expor o desenho proposto para o programa, é preciso esclarecer que, pensando no sentido mais amplo de Escola, não delimitei a priori o tipo de público a quem ela se destina. Ou seja, os espaços serão pensados como espaços aptos à formação, seja ela qual for. Dessa forma, podem ser ocupados desde o ensino infantil até o superior, ou até mesmo o ensino técnico, ou cursos de pequena duração. A questão aqui é projetar uma estrutura e ambiência suporte ao aprendizado. A Escola, portanto, será composta por Aulários, Estúdios, Biblioteca, Teatro, Piscinas, Quadra e Comedoria. Cada um desses programas estará alocado em um edifício específico, e, da mesma forma como as escolas classe orbitavam em torno da praça de equipamentos públicos, os Aulários - edifícios de salas de aula - estão dispostos entre os outros edifícios e, com um desenho padrão e flexível, podem ainda se multiplicar. O programa detalhado de cada um desses equipamentos foi pensado de forma essencial, ou seja, de forma enxuta e direta ao ponto. E o desenho de cada um foi construído a partir do tipo de relação interior exterior que cada programa necessita. Para isso, sem entrar no mérito de materiais, pensei em superfícies opacas, translúcidas e transparentes. Ou seja, não é porque meu objetivo é fazer uma releitura das fronteiras entre interior e exterior que eu irei abolir os momentos de recolhimento e opacidade: Nessa dissolução não há substituições, nenhuma das partes cede à outra, as duas dimensões se sobrepõem e coexistem, de maneira que ambas


7. BUCCI, Angelo. São Pau-

estão sempre presentes nos espaços que antes

lo, razões da arquitetura: da

eram identificados com cada uma delas: o interior

dissolução dos edifícios e

e o exterior.” 7

de como atravessar paredes. p.63

A integridade do conjunto é percebida no alto das coberturas, todas acessíveis ao público e lugares de estar e permanência. Verdadeiros mirantes.

implantação

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A escolha do local de implantação deste sistema escola-equipamento se deu a partir da procura por um conjunto de terrenos próximos - porém não contíguos – em um local já dotado de infraestrutura urbana de transporte e arruamento, mas que necessitasse de alguma forma de amparo. A região da luz escolhida, entre a movimentada Santa Ifigênia e o território da Estação da Luz já havia sido tema de debate em uma oficina e recentemente habitada por mim devido um trabalho no teatro de container da Cia Mungunzá. Aliás, foi por meio dos percursos que fiz nesses períodos que a escolha do lugar que eu iria me debruçar sobre foi feita. Tomando a Rua dos Gusmões como eixo, o caminhar entre a Avenida Rio Branco e a estação revela um conjunto expressivo de sobrados do início do século XX e, portanto, de interesse histórico ocupados ora por depósitos, ora por cortiços, ora inteiramente abandonados e muitas vezes tomados por estacionamentos. São inúmeros os estacionamentos. Entre os sobrados e alguns edifícios da década de 50-60, também encontramos terrenos maiores vazios – com estacionamentos – , galpões e garagens que parecem autoconstruídas. A escolha dos nove terrenos foi feita entre as Ruas Vitória e General Osório e entre a Av. Rio Branco e a ferrovia. A maioria dos terrenos são hoje ocupados por estacionamentos; um deles por barracos muito precários e os outros por pequenos galpões.


02

a ru

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04

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R

av prestes maia

C

01 estação da luz - metro e cptm

02 estação julio prestes 03 museu da lingua portuguesa 04 pinacoteca do estado de são paulo

05 sala são paulo 06 estação pinacoteca - museu da resistência

07 EMESP tom jobim 08 Teatro de container 09 poupatempo luz

N




projeto e percursos

36





40


biblioteca

Acorda às quatro horas da manhã e observa a paisagem embalado pelo som dos trilhos e por um romance que está já nas últimas páginas. Às seis horas desce na estação da luz e segue a pé para o trabalho. Antes de abrir a loja de eletrônicos, encomprida um pouco o percurso só para poder passar pela biblioteca. Às vezes apenas atravessa o quarteirão olhando a galeria de livros; outras sobe ou desce as rampas para escolher rapidamente uma nova companhia de viagem.


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N

1° pavimento cota + 4.00 balcão de atendimento | área de leitura | varanda | áreas técnicas

0

2.5

5

10

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térreo cota 0.00 acessos | passagem | área de estar | áreas técnicas


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5

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15 0.00

2.5

4.00

área de leitura | jardim | áreas técnicas

0

8.00

subsolo cota - 4.00

- 4.00

N


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A relação interior exterior que procurei estabelecer no desenho da biblioteca é a de fruição. O pavilhão é implantado como uma luneta de onde é possível enxergar a prateleira-empena fazendo a conexão peatonal entre a Rua dos Gusmões e a Rua Vitória. Entretanto, o convite à livre passagem é constantemente seduzido pelo convite dos livros e dos lugares de permanência. O pano de livros ou conduz pelas rampas aos jardins do subsolo - já anunciados pelo piso-grade no térreo - ou ao primeiro pavimento onde a leitura é conduzida pela iluminação vinda apenas da cobertura translúcida.


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comedoria

Cada dia acorda em um lugar, mas estes tempos tem escolhido a Rua dos Gusmões, especialmente em algum canto próximo à comedoria. A movimentada e transparente cozinha, com o vai e vem dos pratos, ingredientes e pessoas, proporciona a ele não apenas as refeições, mas também e principalmente a lembrança do calor do lar que tinha a cozinha como ponto mais vivo e centralizador da casa.


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N

1° pavimento cota + 4.00 salão | escritórios

0

2.5

5

10

15


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N

5

10

15 0.00

2.5

4.00

salĂŁo | cozinha | patio

0

8.00

tĂŠrreo cota 0.00


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Aqui, a intenção é revelar a intensa dinâmica da cozinha. Para isso, o edifício-cozinha é ora absolutamente transparente como uma vitrine, nas áreas de preparo e cocção, ora uma lanterna animada através de painéis translúcidos que tornam visível o vai e vem das áreas de estocagem, lavagem, refrigeração e expurgo. No nível da rua, dois generosos recuos do volume da comedoria tornam possível comer também ao ar livre.


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quadra

Aos finais de semana, depois que as portas do comércio e seus depósitos se fecham, o movimento de vai e vem de mercadorias e seus clientes dá lugar a cadeiras, mesas, sofás e crianças brincando. A sala de estar – ou o quintal – é a rua. É a hora preferida dela que, sem saber, pode ter seu momento, seu tempo, longe do olhar e do controle dos outros, consegue escapar para a rua do lado e assistir os jogos e a brincadeira das crianças mais velhas na quadra. De cima, fica observando cada movimento da brincadeira e também da rua, de onde fica vendo quem passa e olha pra quadra ou quem apenas passa sem perceber a farra.


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N

térreo cota 0.00 praça-arquibancada

0

2.5

5

10

15


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2.5

5

10

15 0.00

quadra poliesportiva | vestiรกrios | salas de apoio

0

- 3.00

N

subsolo cota - 3.00


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A diferenciação entre dentro e fora sai do plano horizontal para se concretizar no vertical. No nível da rua, o prolongamento da calçada em forma de mirante multiplica o espaço público vazio. Escavada três metros abaixo, a quadra, seus vestiários e salas de apoio conformam o edifício esculpido.


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teatro

Ao acordar, passa o café e senta-se à mesa. Olha a sua volta e vê o perfume da fervura passar pela sala – agora grande e calma demais. Veste seu melhor terno e coloca a tiracolo o rebolo. Sai de casa e no caminho escolhe sempre passar pela Rua do Triunfo. A caminhada carrega a curiosidade de saber onde será o espetáculo; na praça ou debaixo da terra. Passa pelo teatro e vê um belo ensaio ao ar livre. Acompanha com os olhos cansados, mas logo retoma o passo, já está atrasado. Sobe as escadas de um simples sobrado e chega até a roda de choro. Ele, que em sua sala vazia e grande demais não encontra aconchego, aqui sente-se em casa.


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N

tÊrreo cota 0.00 palco ao ar livre | praça | bilheteria

0

2.5

5

10

15


78


5

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- 9.00

2.5

0.00

auditório 300 pessoas | foyer | sala de projeção | camarins

0

8.00

subsolo cota - 5.00

- 5.00

N


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Para concretizar o desejo pelo teatro ao ar livre e pela infraestrutura de um auditório em um mesmo lugar, lançou-se mão do compartilhamento da caixa cênica que ora suporta robustos cenários e iluminação específica para espetáculos tradicionais, ora é um pórtico que emoldura intervenções no nível da praça que podem ter como pano de fundo a cidade ou ter uma platéia espelhada. Isso é possível pois o piso do palco no nível da rua é móvel, e quando o auditório usa o potencial máximo da caixa cênica, o teatro fecha-se para a rua. A presença do teatro subterrâneo é sugerida também por um piso-grade que garante a iluminação e ventilação natural do foyer.


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piscinas

Gosta da movimentação e do agito de morar junto aos seus colegas, mas é em outro canto que consegue dar atenção ao seu eu interior. Dentro ou fora d’água, ela consegue se concentrar e pescar inspirações no movimento e no barulho da umidade. Quando pode, fica horas, mas sempre entre uma aula de percussão e outra de teoria, gosta de apenas estar ali e observar as crianças em suas primeiras braçadas.


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N

cobertura cota + 7.00 piscina | solรกrio

0

2.5

5

10

15


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N

1° pavimento cota + 4.00 banheiros e vestiårios

0

2.5

5

10

15


90


N

tĂŠrreo cota 0.00 mirante | acesso

0

2.5

5

10

15


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N

1° subsolo cota - 3.00 banheiros e vestiårios

0

2.5

5

10

15


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10

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- 6.00

5

0.00

2.5

4.00

piscina semi olĂ­mpica | tanque multiuso

0

7.00

2° subsolo cota - 6.00

- 3.00

N


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De forma análoga à implantação da Quadra, o pavimento térreo do edifício das piscinas é na verdade o prolongamento do passeio público e lugar de livre contemplação. Apesar de isoladas, as duas piscinas são visíveis a qualquer pessoa que pela rua do Triunfo passa.


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estúdios

Durante o dia é ela quem conduz os pequenos nas atividades de imaginação e criatividade, mas quando anoitece e seu papel de educadora se encerra, ela vai até os estúdios para buscar sua pequena, que passou a tarde na oficina de robótica. A transparência dos estúdios maiores torna o edifício uma lanterna habitada, enquanto os menores guardam o segredo das fotografias e das gravações. Quando chega em casa, sente aflição do enclausuramento das torres apinhadas e rodeadas por muros altos e absolutamente opacos.


100



102


N

pavimento tipo cotas 7.20 | 10.80 | 14.40 estúdios transparentes (música, dança, atelier) e opacos (fotografia, video, música)

0

2.5

5

10

15


104


15

0.00

10

3.60

5

7.20

2.5

10.80

estúdio ao ar livre | exposições | atendimento

0

14.40

térreo cota 0.00

18.00

N


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Os estúdios são distribuídos entre um volume transparente, onde são realizadas atividades de artes, dança, projeto, etc; um volume opaco, para as atividades de video, fotografia, música; e - entre estes dois últimos - um estúdio aberto e ao ar livre onde podem ser realizadas oficinas, encontros, apresentações.


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aulários

É ele quem cuida daquele lugar todos os dias quando acorda. O que parece ser um lugar de cenários e espetáculos, é na verdade, seu lugar no mundo. Faz parte da companhia e às vezes até interpreta um personagem ou outro. Mas, há algum tempo, decidiu se dedicar a outra paixão: voltar a estudar. Toda manhã, caminha até o predinho e, desacostumado ao ritmo das aulas expositivas, gosta de subir e descer as escadas para dar uma espiada nas outras salas de aula. Gosta da chuva que às vezes toma ao passar de uma sala a outra.


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N

pavimento tipo cotas + salas de aula

0

2.5

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10

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5

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6.00

salas de aula | patio

0

9.00

tĂŠrreo cota 0.00

12.00

N


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Os edifícios de sala de aula, replicáveis e desenhados de forma mais ordinária, realizam de forma sutil o diálogo interior exterior por meio da abertura de um pátio central entre as salas vencido por passarelas metálicas perfuradas, uma verdadeira varanda em que se pode sentir o vento e olhar o movimento entre salas.


bibliografia

118


BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Tradução Antonio de Pádua Danesi — 2ª edição — São Paulo: Martins Fontes, 2008. BENEVOLO, Leonardo. A cidade e o Arquiteto. São Paulo, Perspectiva, 1984. BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas III. São Paulo, Brasiliense, 1994. BUCCI, Angelo. São Paulo, razões da arquitetura: da dissolução dos edifícios e de como atravessar paredes, Romano Guerra, São Paulo, 2010. DA MATTA, Roberto. A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991. DE ASSIS, Machado. O Espelho: esboço de uma nova teoria da alma humana. DUARTE, Hélio de Queiroz. Escolas-Classe, escola parque. Org. André Takiya. 2ed. Ampliada. São Paulo: FAUUSP, 2009. HEIDEGGER, Martin. Construir, habitar, pensar. (Bauen, Wohnen, Denken. Vortäge und Aufsätze, G. Neske, Pfullingen, 1954. Tradu­ção de Marcia Sá Cavalcante Schuback. MAGNANI, J. G. Cantor. Transformações na cultura urbana das grandes metrópoles. In Sociedade Global: Cultura e religião. Petrópolis, Editora Vozes, 1998. NESBITT, Kate(org). Uma nova agenda para a arquitetura: antolo­gia teórica (1968-1995) Tradução de Vera Pereira — São Paulo: Cosac Naify, 2006. (Face norte) NORBERG-SCHULZ, Christian. O fenômeno do lugar. in: NESBITT, Kate (org). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965–1995). — São paulo: Cosac Naify, 2006, pp. 443-461.


NORBERG-SCHULZ, Christian. O pensamento de Heidegger sobre a arquitetura. in: NESBITT, Kate (org). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965–1995). — São paulo: Cosac Naify, 2006, pp. 461-481. WISNIK, Guilherme. Revista Poiesis - Espaço público em fuga: arte e arquitetura brasileiras na virada dos anos 1960s. Poiesis (Niterói) , v. 01, p. 17-32, 2012. WISNIK, Guilherme. O silêncio e a sombra. In: NOVAES, A.. (Org.). Mutações: o silêncio e a prosa do mundo. 01ed.São Paulo: Edições Sesc SP, 2014, v. 01, p. 409-423. ZUMTHOR, Peter. Atmosferas. Tradução de Astrid Grabow. — Barcelona. Gustavo Gili, 2009.

aulas e palestras

ARANTES, Pedro. Unifesp Campus Zona Leste. FAUUSP, São Paulo, 2013. Palestra. Disponível em: http://intermeios.fau.usp.br/midia/79225506 DELIJAICOV, Alexandre. O projeto original dos ceus centro educacional unificado. In: Seminário de Cultura e Realidade, Escola da Cidade, São Paulo, 2017. Palestra. Disponível em: http://escoladacidade.org/bau/ alexandre-delijaicov-o-projeto-original-dos-ceus-centro-educacional-unificado/ MAGNANI, J. G. Cantor. Antropologia e cidade. In: Seminário de Cultura e Realidade, Escola da Cidade, São Paulo, 2017. Palestra. Disponível em: http://esco120

ladacidade.org/bau/jose-guilherme-magnani-antropologia-e-cidade/


trabalhos finais de graduação

BELLIZIA. André. Cidade Educadora. Trabalho Final de Graduação, FAUUSP, 2016. CANEPA, Bruna. 5 Casas. Trabalho de Conclusão. Escola da Cidade, 2014. CARLOVICH, Fernanda. Projeto de um edifício em explosão. Trabalho Final de Graduação. FAUUSP, 2015 SABATIER, Estevão. As raízes da casa e o desejo de sair. Trabalho Final de Graduação, FAUUSP, 2016.

imagens google e pinterest (em especial desenhos de Aoki Tetsuo)







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