Papiro: Um olhar sobre a atividade editorial independente

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Universidade Federal do Rio de Janeiro Escola de Belas Artes (EBA) Departamento de Comunicacão Visual (BAV)

Um olhar sobre a atividade editorial independente

Felipe Conrado Orientadora: Julie Pires Projeto de Graduação em Comunicação Visual Design

2018.2



Agradecimentos Ao longo desta jornada, Mãe e Pai, por todo apoio e incentivo ao longo da vida. Por serem minha base, permitindo que eu pudesse priorizar meu conforto em meio as realizações pessoais e profissionais. Vocês são meu exemplo e agradeço diariamente por tê-los como minha fonte de amor, cuidado e carinho. Amo vocês. Lucas, por me mostrar que não há limites na busca de nossos sonhos, obrigado por me mostrar que a verdadeira felicidade vem da conquista de nossas realizações pessoais. Vamos voar alto! Wendell, por ser o conforto e porto seguro durante os últimos 6 anos. Você é minha maior inspiração artística, minha base em todos os momentos. Obrigado por me permitir estar ao seu lado. Te amo. Josh, por ser a minha melhor companhia em noites viradas. Mesmo com seu eterno silêncio, a compreensão, carinho e suporte emocional eram sensoriais e sempre presentes. Carol, Joanna e Nicole, minhas artistas favoritas! Obrigado pela companhia ao longo da formação. Sem vocês, teria sido impossível. Resistimos. Às professoras Bárbara, Dandara e Julie, por me guiar ao longo das aulas, orientações e acompanhamentos, vocês me motivaram a me encontrar como designer, abrindo portas ao pensamento crítico e artístico. À cada editor e/ou artista que encontrei durante o processo de pesquisa de campo e, com seus relatos e diálogos, me inspiraram a continuar. E à cada copo de café e chá que se revezaram ao longo deste ano na função de me dar uma dose de energia extra ou calmaria em meio ao caos. Gratidão à todos.



_ resumo

CONRADO, Felipe. PAPIRO: um olhar sobre a atividade editorial independente Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Comunicação Visual Design) Escola de Belas Artes. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018 Esta pesquisa se propõe a refletir sobre a produção editorial indpendente, não apenas como artefatos produzidos, mas em relação ao ato envolvido. A partir do desenvolvimento realizdo na história do livro, até os dias atuais, em que a editoração já é feita por conta própria, sem intermédios editoriais e processos autônomos. O projeto final é composto de uma pesquisa de campo ao longo de feiras independentes, conversas e questionário com editores e a partir deste levantamento, uma reflexão sobre o cenário atual através de uma publicação independente assinada pela Papiro. Uma nova editora independente nascida a partir deste projeto de conclusão de curso. Palavras chave: Publicações independentes; Produção editorial, Design.

_abstract

CONRADO, Felipe. PAPIRO: a look at independent publishing activity Escola de Belas Artes. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018 This research proposes to reflect on independent publishing production, not only as artifacts produced, but in relation to the act involved. From the development carried out in the history of the book, to the present day, in which publishing is already done on its own, without editorial intermediation and autonomous processes. The final project is composed of a field research through independent fairs, conversations and questionnaire with editors and from this survey, a reflection on the current scenario through an independent publication signed by Papiro. A new independent publisher born out of this course completion project. Key-words: Publicações independentes; Produção editorial, Design



Introdução

1 A concepção da atividade editorial

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1.1 A escrita como gênese do livro

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1.2 As origens do livro e a eclosão da atividade editorial

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1.3 A (r)evolução de Gutemberg

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1.4 A conquista de espaço da atividade editorial

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2 A publicação editorial independente

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2.1 O ato de publicar como resistência editorial

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2.2 A liberdade da publicação independente

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3 Um olhar sobre a publicação editorial independente

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3.1 A metodologia para a pesquisa de campo

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3.2 Criação do material de pesquisa

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3.3 Feira Tijuana (RJ)

64

3.4 Feira Cria (PB)

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3.5 MOTIM (DF)

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3.6 Feira Miolo(s) (SP)

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3.7 Resultados e desdobramentos

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4 O ateliê editorial PAPIRO

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4.1 Proposta editorial

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4.2 Identidade visual

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4.3 As publicações da PAPIRO

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Considerações finais

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Bibliografia

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Control what you can Confront what you can’t _ John O’Callaghan

Tradição, é a inovação que deu certo _autor/a desconhecidx



Introdução Este projeto tem como objetivo principal compreender a atuação livre que a produção editorial independente oferece, como um novo e emergente espaço de fala, e o processo criativo envolvido em relação ao âmbito do design editorial. As motivações para a definição da temática deste projeto foram impulsionadas pelas vivências e experiências obtidas ao longo do curso de graduação em Comunicação Visual Design, que por fazer parte da Escola de Belas Artes, sempre permeou um contraste entre a liberdade de expressão que a arte possibilita e à gestão gráfica e projetual que permeia durante as etapas de atuação profissional em design, seja lá qual for a especialização. A liberdade de criação, que o ambiente acadêmico possibilita no processo de formação da consciência projetual em comunicação visual, foi essencial para a criação de um repertório visual e prático ao longo do curso, fazendo com que os alunos pudessem se debruçar sobre os projetos de forma mais livre e autônoma, e que a própria prática fosse um processo de aprendizado. Esta talvez tenha sido uma das maiores heranças da graduação, por percorrer lado a lado durante o curso inteiro, se refletiu como um dos objetivos específicos neste projeto final.

13 Atrelado à liberdade criativa, o reconhecimento da produção editorial sempre despertou interesse durante a graduação, compreender todas as etapas, viabilizar projetos e transformar ideias inusitadas em artefatos físicos e material impresso, numa gestão projetual, foi a principal inspiração na escolha de um ramo do design para aprofundamento. Deste modo, na busca de um ponto em comum entre a liberdade de criação artística e a identificação com o design editorial, a produção de publicações independentes surge como o encontro entre os principais aprendizados eminentes desta graduação. A experiência em feiras livres de artefatos impressos e o despertar da curiosidade sobre o processo projetual envolvido, trouxe a atenção e interesse sobre o autocontrole autônomo, mas objetivo, que este tipo de produção artística oferece, se firmando como a temática escolhida. Uma compreensão maior sobre como este tipo de produção ocorre, despertou o interesse pela busca de bibliografia sobre a temática e a realização de confrontos entre esta liberdade viável e os conceitos fechados que o mercado oferece. A experimentação se torna um ponto de destaque, o contraste entre o novo e o clássico provoca reflexões sobre a contemporaniedade (ou não) deste tipo de criação, se tornando uma das linhas de pesquisa do presente projeto, que nasce, a princípio, como uma indagação simples e curiosa.


O ponto de partida para o projeto retoma à gênese dos processos de comunicação da história da humanidade, tratando o desenvolvimento dos registros gráficos e o nascimento da escrita como forma de expressão em superfície física que marca o instinto humano representado pela necessidade de gravar informações além da limitação que o cérebro oferece. As inovações, rudimentares, nos processos de gravação levam a comunicação a novos patamares, representando uma evolução a caminho do que um dia se tornaria a produção editorial. Esta retomada histórica, em relação ao progresso comunicativo desenvolvido pelo homem, se torna o primeiro viés de pesquisa ao longo do capítulo 1, chegando ao nascimento da imprensa e a massificação dos processos de impressão possibilitados por Gutenberg, abrindo portas a uma produção em nova escala. A imprensa abre portas para o desenvolvimento em números, públicos e produtores, a produção editorial se firma de fato, se desenvolvendo ao longo da modernidade, se consagrando como atividade específica e essencial, de fato. Uma reflexão sobre este tipo de produção ainda é necessária, e finaliza o primeiro capítulo, diferenciando as publicações em si e o ato envolvido em seu processo de concepção.

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Após considerações sobre a atividade editorial e sua importância como difusora de informações, a publicação livre é explorada ao longo do segundo capítulo, que tem como objetivo compreender sua geração a partir do ponto de vista autônomo e uma conquista de um espaço de fala, representado como um ato de resistência e luta política no contexto brasileiro. A temática é explorada e confrontada por alguns autores ao longo do desenvolvimento desta pesquisa, mas instigado pela proposição que, consagra de fato a publicação independente como uma atividade distinta do pensamento envolvido nas produções mais tradicionais, fato que é atenuado a partir da liberdade artística e de expressão que permeiam as mais diferentes temáticas, nichos e propostas pessoais dos publicadores envolvidos. Após uma análise de vasto contexto editorial em sua essência de formação, despertou-se o desejo de constatar de fato, em ambiente real e contemporâneo, como a atividade editorial independente é realizada no Brasil dando voz a quem a produz. A partir deste objetivo, o projeto prático ao projeto se inicia com a concepção, planejamento e organização de uma pesquisa de campo ao longo de quatro feiras ao redor do país, com a proposta de ouvir diferentes pontos de vistas, realidades, e olhares, dos próprios publicadores, como forma de tentar compreender ou apenas analisar a pluralidade envolvida neste tipo de atividade.

Introdução


Se tratando de uma temática que envolve relação com artefatos impressos, somado ao objetivo de explorar a comunicação visual aplicada a um objetivo prático, para coleta de relatos e questionário, a pesquisa foi concebida a partir de um formato de publicação independente, trazendo mais ainda a temática para o centro da discussão acadêmica, gerando registros físicos e fotográficos de todo processo. Após a realização da pesquisa de campo, os dados são expostos com o objetivo de servir como material de pesquisa e informação para terceiros, e o projeto finaliza sua ambição com o lançamento da própria editora, que retoma toda a essência explorada e acumulada ao longo das etapas de formação. Para a criação ser pregnante, inusitada e criativa, o ato artístico deve se manter ativo e presente. Este projeto tem ainda este objetivo, mostrar que uma produção em tiragem se torna viável a partir de vozes livres, que a produção editorial é um processo que demanda um conhecimento e planejamento projetual, que tange com a proposta da atuação do designer em sua essência primordial.

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CapĂ­tulo 2


1. A concepção da atividade editorial Para falar sobre a função do livro e sua evolução como artefato físico, é necessário analisar sua história de modo a compreender todo o trajeto percorrido para o surgimento deste tipo de mídia. Muitas modificações ocorreram em seu formato, dentre elas, as inúmeras possibilidades adotadas nas escolhas de matéria prima, posturas em relação à leitura e principalmente nos processos de reprodução, impressão e acabamento adotados. Repensar as decisões que foram tomadas durante este processo de desenvolvimento é um meio de compreender seu formato atual e suas inúmeras possibilidades de reverberação, tanto na produção industrial de grande escala, quanto no processo de produção independente realizado por pequenas editoras, publicadores e artistas autônomos. O livro, conforme ressaltado por Albert Labarre (1981), está diretamente ligado ao registro de uma mensagem em algum tipo de suporte, seja este em mídia física ou digital. Partindo deste raciocínio, o nascimento da escrita é apontado pelos estudiosos como o ponto de partida para traçar a evolução da comunicação, compreender seu desenvolvimento e consequentemente, levar ao formato “livro” tal qual é reconhecido atualmente.

(...) o livro é acima de tudo texto, esta é a sua razão de ser. Foi durante muito tempo o principal, mesmo o único meio de difusão e conservação do conhecimento; por isso, participa profundamente na história da civilização e da cultura. (LABARRE, 1981 | p. 2)

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1.1 A

escrita como gênese do livro

Durante milhares de anos, a comunicação em sua prática cotidiana era limitada à fala e à memória de quem detinha as informações. A vida útil dos conhecimentos dependia destes recursos para ser efetiva e se tornar possível passar conhecimentos de um emissor aos receptores. Os meios utilizados eram limitados, afetando significativamente a disseminação de conteúdos entre pessoas da mesma época ou entre gerações distintas. O ato de escrever e a própria escrita em si, segundo Philip Meggs (2013) em seu livro sobre a História do Design Gráfico, se apresenta como o primeiro passo no longo processo de desenvolvimento da comunicação. O ato de registrar conteúdos, através da geração de mensagens e conteúdos se torna uma inovação na comunicação humana, apresentando-se como um meio de transcender estas limitações existentes. Segundo Meggs (2013), através de uma análise contextual em relação ao surgimento da escrita, é possivel compreender as necessidades envolvidas em relação ao processo de busca para solucionar uma necessidade: superar as limitações da memória humana de guardar e armazenar informações, e consequentemente desenvolver de uma nova forma de exercê-la, tendo como objetivo a valorização e preservação do conhecimento.

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A escrita é a contrapartida visual da fala. Marcas, símbolos, figuras e letras traçadas ou escritas sobre uma superície ou substrato tornam-se o complemento da palavra falada ou do pensamento mudo. (MEGGS, 2013 | p. 18) Os primeiros registros de escrita foram encontrados na África e possuem mais de 200 mil anos. Esses traçados, chamados de pinturas rupestres [1.1], foram produzidos no período pré-histórico e são primitivos no processo de desenvolvimento da escrita, considerados os primeiros registros de expressão do homem gravados em meio físico. São marcos históricos e de extrema relevância pois representam os instintos de comunicação aflorando, como marco no processo de desenvolvimento da história humana. [1.1] Registros de pintura rupestre (British Museum)

Capítulo 2


Apesar do registro pré-histórico através das pinturas rupestres como primeiros indícios de comunicação escrita, foi somente a partir do período mesopotâmico que ela se estrutura como uma convenção social, se desenvolvendo gradativamente e assumindo maior importância e funcionalidade na vida cotidiana e consequentemente no desenvolvimento da sociedade. Neste período a escrita era básica se utilizando de pictogramas simples para gravação de mensagens literais [1.2], entretanto a usabilidade da escrita se desenvolve de forma tão eficaz que por volta de 3.100 A.C, segundo Meggs (2013), há registros de que sua utilização era comum através do uso de tabletes de argila como suportes portáteis e maleáveis para a escrita. Este pode ser considerado como o primeiro passo no desenvolvimento de artefatos físicos transportáveis que deram origem aos livros, mesmo com um formato distante dos concebido pelo senso comum atualmente, entretanto, pensando-se em sua função, são os primeiros artefatos produzidos com a finalidade de armazenar informações gravadas sobre uma superfície física transportável.

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[1.2] Tabletes de argila com registro de escrita pictográfica (British Museum)

Por volta de 2.800 A.C. a pictografia se apresenta de forma mais aprimorada com pictogramas menos literais e mais complexos. Meggs (2013) aponta que uma mudança essencial em relação a usabilidade foi a adoção da escrita na horizontal, da esquerda para a direita e de cima pra baixo, que pode ser interpretada como um indício de aproximação da escrita com o raciocínio da fala. [1.3] Tabletes de argila com registro de escrita cuneiforme (British Museum)

A inovação em relação ao desenvolvimento e utilização da escrita continua com o surgimento de novos pictogramas para trazer novos significados, mas é a partir de 2.500 A.C. que a aproximação com a fala ocorre de forma mais eficiente. A partir do uso de uma nova ferramenta para a gravação, o estilete pontiagudo com ponta triangular, se desenvolve a escrita cuneiforme [1.3] feita com mais detalhes e maleabilidade. A abstração da linguagem escrita é total, dando origem aos ideogramas que se apresentam como registros de ideias abstratas, não literais, se aproximando cada vez mais de uma escrita fonética.

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Um sistema mais complexo demandava especialização para uma convenção de leitura e escrita. A limitação deste conhecimento elevava a valorização àqueles que eram capazes de ler e escrever, assim nasciam as Edubbas, que funcionavam como escolas de escrita formando escribas, pessoas capacitadas a ler e registrar através da escrita cuneiforme as mensagens demandadas. Em paralelo, com o desenvolvimento e massificação da escrita, estes artefatos ganham prestígio e adoração. Esta valorização representa uma nova postura e o princípio de uma atividade específica, voltada para o processo de gerar mensagens gravadas da época.

A explosão do conhecimento possibilitada pela escrita foi notável. Foram organizadas bibliotecas contendo milhares de tabuletas sobre religião, matemática, história, direito, medicina e astronomia. Houve um começo de literatura, à medida que poesia, mitos, épicos e lendas eram registrados. (MEGGS, 2013 | p. 23) A queda da Mesopotâmia, causada pela invasão dos persas em 530 A.C., ocasiona uma aniquilação da cultura local, entretanto, a escrita foi reconhecida como um avanço social e preservada na nova sociedade da Suméria. Sua expansão chega ao Egito, onde se desenvolve pela pictografia, e à Fenícia, evoluindo aos sinais fonéti-

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cos, de onde se replica para a Grécia antiga e Roma, dando origem ao Latim, que se firma como o precursor do alfabeto utilizado atualmente. A importância da escrita foi essencial para o desenvolvimento social, pois esta atividade possibilitou o surgimento não apenas de alfabetos, como também o nascimento de uma nova forma de se armazenar e difundir informações (MEGGS, 2013). Os suportes utilizados se tornam mais dinâmicos e possibilitam a presença de tabletes de argila como mídia para outros temas, confirmando a explosão do conhecimento gerado por este novo tipo de comunicação, se mantendo como o principal meio de fixação e conservação do pensamento. O livro tal qual é reconhecido atualmente ainda não existia, mas é interessante pensar nas intenções e objetivos gerados com a finalidade que se levou a desenvolver a escrita como forma de comunicação. Este foi o nascimento de uma nova postura em relação aos meios de comunicação com conteúdo informacional gravado. É a primeira etapa na conquista de espaço e desenvolvimento de uma futura atividade editorial que se desdobra em novos formatos, soluções viáveis e técnidas adotadas. O ato de escrever se desenvolve, a inovação consagra uma tradição à época, trazendo as superfícies escritas como fonte de informação e disseminação de notícias, conteúdos e sabedoria.

Capítulo 2


1.2 As

origens do livro e a eclosão da atividade editorial

Até se chegar ao formato atual que o senso comum reconhece como “livro”, inúmeros suportes e tipos de gravação foram utilizados como experimentos e adotados ao longo deste processo. Conforme dito anteriormente, um dos primórdios adotados foram os tabletes de argila, massificados e utilizados na Mesopotâmia e Suméria por sua abundância de matéria-prima. No livro História do Livro, de Albert Labarre (1981) o autor faz um panorama histórico e evolutivo deste processo ao longo dos experimentos e soluções viáveis adotadas. Posterior aos tabletes de argila, gravados apenas de um único lado, adotase a madeira como suporte para a escrita. O autor afirma que este foi o verdadeiro ponto de partida no desenvolvimento de uma linha evolutiva para o livro, tal qual se conhece nos dias de hoje. Além de seu formato possibilitar de forma rudimentar e ainda simples a união de mais de uma lâmina de madeira, similar ao formato de páginas, uma análise morfologica da palavra “livro”, que vem do grego biblos, e em latim liber que significavam “casca de árvore”. Até então, os suportes utilizados para a escrita eram rudimentares (pedra, argila e madeira) e apesar de sua farta utilização durante muitos séculos, não geraram muitas inovações em relação ao formatos concebidos. Foi com a adoção de novos materiais para escrita que a história do livro foi levada a novos patamares. É o [1.4] Folha de papiro utilizada para escrita hierogláfica (British Museum)

caso da utilização do papiro [1.4] pelos egípcios a partir do Cyperus papyrus, uma planta abundante na região do Nilo. Sua relevância foi tanta que, segundo Labarre (1981), o papiro permaneceu como suporte principal no Egito antigo, difundindo-se no mundo grego e império romano, mantendo-se até o século X da nossa era.

Após ser retirada a pele, a casca interna e branca dos caules era cortada em tiras longitudinais e estendidas lado a lado. Uma segunda camada de tiras era então estendida sobre a primeira, ortogonalmente. Essas duas camadas eram embebidas no rio nilo e depois prensadas ou marteladas até que se tornassem uma única folha. (...) Após secagem, as folhas eram alisadas com um polidor de marfim ou pedra. (MEGGS, 2013 | p. 29) Assim como na Suméria, a sociedade egípcia associava o conhecimento como sinônimo de poder. Aprender a ler e escrever os hieróglifos era uma tarefa complexa mas bem vista, esta característica incentivou o avanço dos manuscritos através do uso do papiro como suporte para a escrita. O papiro era utilizado tanto para registros contemporâneos de armazenamento de informações como nos Livro dos Mortos, uma das mais importantes e fortes características culturais do Egito Antigo.

1.2

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O Livro dos Mortos [1.5] expressava um dos rituais da mitologia egípcia sobre a crença na vida após a morte, registrando todo o conhecimento obtido pelos faraós para serem enterrados com ele, levando os conhecimentos para a vida posterior. Eram produzidos em formato de rolo de papiro chegando até 27 metros de comprimento, misturando escritos verticais e ilustrações, se tornando os pioneiros nesta mistura de linguagem em manuscritos. (MEGGS, 2013). A eficiência do papiro como suporte para a escrita foi revolucionária para o desenvolvimento da atividade editorial, pois além de possibilitar a elaboração de manuscritos de melhor qualidade, proporcionou o rompimento com o padrão de formatos utilizado até então, adotando-se o rolo, volume em latim, como novo formato de feitura para o livro antigo.

O livro de papiro apresentava-se sob a forma de um rolo constituído por folhas coladas umas a seguir às outras (...) o livro desenrolava-se horizontalmente; era dividido em colunas verticais e quase sempre escrito de um só lado. (LABARRE, 1981 | p. 9) Apesar de seus pontos positivos para a prática da produção editorial, devido ao

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crescimento da planta ocorrer apenas na região do Nilo, no Egito Antigo, seu monopólio gerava altos custos para a utilização no império romano e grego. Este fator dificultou sua utilização em maior escala nos grandes centros urbanos, mas proporcionou uma busca de novos suportes para utilização e consequentemente a evolução de formatos e técnicas neste processo histórico. Por volta do século II A.C. na região de Pérgamo, passou-se a utilizar pele de animais como suporte para escrita. As peles eram lavadas e estiradas, num processo de secagem e escovação, tornando-as mais finas e resistentes (LABARRE, 1981). Seu maior diferencial em relação ao papiro era uma maior durabilidade e resistência, podendo ainda ser reutilizada através da raspagem para apagar escritos antigos. Este novo material, chamado de pergamineum no latim, supre as necessidades exigidas para a atividade editorial se portando bastante similar ao papiro e com menor custo. Sua adoção foi realizada aos poucos devido o longo processo de confecção envolvido, porém a partir do século IV D.C. o pergaminho tomou um espaço quase que total do papiro na confecção de livros. Neste período um único livro era composto por diversos rolos chamados volumen, esta divisão além de dificultar o transporte e manuseio, ocasionava inúmeras perdas de partes dos textos ao longo da história. Uma superação destas limitações permanecia na vontade de reinventar a produção de manuscritos da época e este obstáculo foi superado a partir da adoção de um novo formato: o códice.

Capítulo 2

[1.5] Livro dos Mortos (British Museum)


A origem exata do códice é incerta, sabe-se que os romanos utilizavam tábuas de madeira cobertas de cera aos pares ligadas pela lombada, entretanto foi apenas com o pergaminho que esta mudança ocorreu de fato ditando um novo formato. O códice dispunha de textos divididos por páginas costurados pela lombada unificando todas em um mesmo volume e rompendo a utilização de rolos soltos. A mudança estrutural foi um gigante passo no contexto evolutivo do livro e é encarado por muitos autores como um dos principais momentos deste processo. Emanuel Araújo (2008) ressalta a importância da adoção do códice como uma mudança radical, talvez até mais importante que o resultado obtido por Gutenberg a partir da invenção de tipos móveis, pois o códice modifica a essência do livro atingindo seu formato e concepção, afetando todo o contexto de produção, leitura e pensamento sobre o que é um livro.

A adoção do códice significou uma mudança radical na históriado livro, talvez mais importante que a de Gutenberg, pois o atingiu em sua forma. (ARAÚJO, 2008 | p. 41) Em paralelo ao desenvolvimento de formatos, o pensamento social em relação ao livro se consagra. Tão importante quanto compreender a forma como os livros eram produzidos, para compreensão do processo envolvido na atividade editorial, é necessário conhecer o contextos que envolveram o nascimento desta atividade como força de uma nova linha de produção em sua essência. O livro era visto como uma entidade pelas pessoas, tanto por sua capacidade de armazenar mensagens quanto por apreciação aos seus exemplares, visto que não havia uma produção em massa. Deste modo, cada exemplar era singular, demandava tempo de produção e era reconhecido como uma obra única. A religião exerceu um grande impacto na proliferação e confecção de livros durante seu processo histórico, em parte pelo fato da igreja estar junto ao poder público como também pela utilização de livros nos cultos e atividades religiosas. Os monges dividiam suas atividades em dois momentos, o trabalho intelectual, baseado em orações e leitura das escrituras sagradas e o trabalho de transcrição, onde manualmente as obras eram copiadas de forma manuscritas nos scriptoriums, definido por Labarre (1981 | p. 21) como ”Uma espécie de academia cristã onde os monges serviam a Deus através da leitura e cópias dos textos”.

Os monges desenvolveram efetivamente intenso trabalho de compilação de manuscritos, transcrevendo, ilustrando, reunindo os melhores exemplares destinados à mais ampla divulgação possível (ARAÚJO, 2008 | p. 43)

2.2

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No início da atividade editorial, a demanda por livros era feita por grandes imperadores como forma de difundir conhecimentos, entretanto com a proliferação de escribas e a expansão cultural, a produção alcança novas linhas de produção e comercialização, impulsionando uma nova forma de se pensar a produção de manuscritos, além do trabalho desenvolvido nas bibliotecas para gerar novas cópias. Para manter a fidelidade com os originais, passa-se a valorizar e respeitar o conteúdo original, deste modo, um exemplar do texto base era reservado e utilizado como modelo a ser seguido pelos demais, chamado de arquétipo. A partir desta postura, estimula-se a função do revisor. A Biblioteca de Alexandria, criada por volta de 3.A.C. pelos dois primeiros Ptelomeus da cidade, foi um marco não apenas por seu volumoso e exemplar acervo de livros, como também por ser uma referência de centro educacional reconhecido e construído com este propósito na época, um dos precursores no desenvolvimento da atividade editorial.

Bibliotecas mantinham oficinas de copistas, tanto para suas próprias necessidades, como para difusão comercial, desempenhando assim um papel capital na transmissão dos textos. (LABARRE, 1981 | p. 15) 24 O firmamento da atividade editorial pode ser confirmado e reconhecido nos estudos históricos através do registro de divisões de funções na formação de uma linha de produção dos manuscritos, decorados e encadernados através dos copistas. A atividade editorial se concretizava aos poucos visando uma fidelidade aos originais cada vez maior e a produção de artefados mais elaborados, iluminados, com misturas de técnicas e acabamentos.

Esses primeiros editores, entregaram-se principalmente à tarefa de estabelecer texto definitivos, de fixar um texto único e completo a partir de inúmeras cópias (ARAÚJO, 2008 | p. 39) A difusão de conhecimento através dos manuscritos consagrou a atividade editorial da época, transformando não apenas o formato físico e a postura do leitor diante das cópias produzidas, como também uma reformulação social e de pensamento na proliferação de conteúdos. Ao longo dos séculos seguintes, esta mudança gerou novas e altas demandas de produção no campo da produção editorial. Para atender com a velocidade e volume exigidos superar a barreira das limitações técnicas era um desafio mas que, com o passar dos anos, foi realizada através da mecanização do processo, sendo consagrada por Johanes Gutenberg na Alemanha.

Capítulo 2


1.3 A

(r)evolução de Gutenberg

Com a demanda de se produzir cada vez mais cópias a partir de um original e o avanço da comercialização dos mesmos, uma forma de tornar o processo de cópia mais rápido e com qualidade se tornou necessário visto que o trabalho manual realizado não era suficiente para o ritmo exigido. A invenção do processo de impressão foi realizada pelos chineses por volta do século III d.C., assim como a invenção do papel, que possui data incerta. Nos primórdios da impressão, a primeira forma utilizada foi a partir do relevo de sinetes entalhados para produzir marcas de identificação, e posteriormente para a adoção de argila carimbada, evoluindo para a xilografia [1.6], massificando o pro[1.6] Processo de gravação de matriz em xilografia e a evolução que se levou para prensa por Gutenberg (MEGGS, 2013)

cesso de cópias a partir de uma matriz original. (MEGGS, 2013)

Este processo consistia em talhar um bloco de madeira de forma a deixar um desenho em relevo, trabalhando-o no sentido das fibras. A parte saliente era então entitada, depois aplicava-se por cima uma folha de papel que se prensava brunindo o seu verso com uma bola de brina. (LABARRE, 1981 | p. 43) Este método foi adotado no Egito para impressão de tecidos a partir do século IV, no Ocidente entre os séculos XII e XII, foi adaptado no Oriente para impressão de papel pelos chineses entre no século IX e X e chegou à Europa por volta do século XIV (LABARRE, 1918). A princípio a técnica era utilizada para ilustrações, mas posteriormente, introduziu-se pequenos textos, feitos a mão em blocos separados. A adoção da xilografia se torna eficiente pela facilidade de uma matriz que produz cópias iguais, entretanto o processo longo e delicado de gravação e impressão junto a alta demanda de volumes de textos cresce, dando origem à tipografia.

Os textos tinham que ser gravados página a página, os caracteres um a um; os blocos deterioravam-se depressa e não permitiam senão uma tiragem limitada. A solução residia na descoberta de caracteres móveis, que se pudessem reunir consoante se desejasse e que fossem fabricados num material resistente ao desgaste. (LABARRE, 1981 | p. 44) Desenvolvida por Bi Sheng, o processo inovador de produção de tipos móveis a partir de uma mistura de argila e cola se tornou uma solução viável para compor textos, colocando sobre uma placa os caracteres lado a lado. Apesar da solução técnica inovadora ser um importante passo no processo de impressão, a técnica não se generalizou na Ásia devido o enorme volume de caracteres do idioma.

2.2

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Com a disponibilidade de papel, a impressão em relevo com blocos de madeira e a demanda crescente por livros, a mecanização da produção por meios como o tipo móvel foi buscada por gráficos na Alemanha, Holanda, França e Itália. (MEGGS, 2013 | p. 95) A tipografia como meio já existia, entretanto, a busca por uma viabilidade mecânica abriu uma nova etapa na evolução dos processos de composição do livro. Várias tentativas de aplicação e desenvolvimento da tecnologia foram feitos, e foi neste contexto que Johannes Gutenberg [1.7] “reune pela primeira vez os complexos sistemas e subsistemas necessários para imprimir um livro tipográfico por volta de 1450”. (MEGGS, 2013, p. 95) Foi a partir da essência da xilografia e a mecanização da tecnologia que Gutenberg viabiliza o processo de impressão a partir da criação de tipos móveis, feitos em metal, organizando o processo de produção durante 10 anos até obter sua primeira impressão e posteriormente mais 20 anos para imprimir a chamada Bíblia de 42 linhas [1.8], um marco histórico no processo de produção de livros.

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[1.8] Edição Fac Similar de uma bíblia de 42 linhas (Fundação Biblioteca Nacional)

A técnica desenvolvida por Gutenberg consistia na gravação de caracteres em superfície resistente e de metal cada sinal tipográfico, gerando os tipos móveis gravados em metal. Este método, ao contrário da xilografia em madeira, se tornava uma matriz mais resistente que poderia ser combinada lado a lado conforme a necessidade para aquele determinado texto a ser impresso. Atrelado a esta nova forma de compor matrizes, Gutenberg sugere a adoção da prensa mecânica de imprimir, um processo mais ágil e que viabilizaria a produção em escala de forma mais concreta, rompendo com os processos lentos e manuais ao gerar novas cópias.

Capítulo 2

[1.7] Johannes Gutenberg (Nyomda)


A tipografia móvel não foi uma invenção de Gutenberg, seu trabalho e realização para o processo histórico da produção editorial foi viabilizar as tecnologias existentes e, através da prática, estudo e inovação, gerar uma nova solução que atendesse uma demanda e o desejo de se produzir mais, em menor tempo e com um esforço inferior ao exigido nos processos manuais utilizados até então. A evolução da tecnologia desenvolvida por Gutenberg foi revolucionária, pois além de realizar uma mudança significativa na estrutura física e na técnica do pensamento envolvido na concepção e produção de impressos, influenciou uma série de posturas no âmbito social e comercial deste tipo produção, expandindo e diversificando a criação de livros a novos horizontes, incentivando uma maior produção e consequentemente sua distribuição em toda cultura europeia da época e nas seguintes gerações. Outra influência de sua criação foi o fim da hegemonia de saber e poder medieval que era marcante nas sociedades da Europa. Os livros que até então eram restritos a elite intelectual da época, passam a ser produzidos e distribuídos a outros nichos, em novos formatos (portáteis, outra ruptura aos grandes manuscritos produzidos até então) e a preços mais acessíveis, permitindo que novos leitores pudessem adquirí-los. O aperfeiçoamento técnico da tipografia possibilita novas criações, como tipografias, formatos, ilustrações, papeis, acabamentos e encadernações.

A criação gutenberguiana viria possibilitar a expansão dessa produção e a sua diversificação, mas, principalmente, a invenção da tipografia permitiu a emergência de um novo lugar social para a produção do livro, que paulatinamente esmagou o universo social da produção e circulação do livro manuscrito dominado por uma estrutura fortemente hierarquizada e conservadora, cerceadora da expansão do conhecimento, especialmente se novo. (BRAGANÇA, 2002 | p. 2) As funções do impressor e editor nascem com essa nova forma de se pensar sobre os impressos. É uma nova metodologia de trabalho, que exige novos profissionais e especializações ampliando os conceitos sobre o avanço possibilitado por Gutenberg e reafirmando sua relevância e importância para o desenvolvimento de impressos na história da humanidade, desenhando e concebendo um formato de indústria que estabeleceu e viabilizou este tipo de produção naquela época evoluindo até os dias de hoje. A massificação da produção possibilitada por Gutenberg consagra a atividade editorial como um caminho difusor de conteúdo e informação para todo o mundo.

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1.4 A

conquista de espaço da atividade editorial

O advento da imprensa gera uma nova forma de produção e reforça a conquista de espaço da atividade editorial. Novas funções e profissões surgem em relação a atividade e a comercialização de livros a classifica como indústria.

A imprensa não se integrou de imediato num quadro preestabelecido, mas a sua extensão fê-la entrar em ligação com os antigos misteres do livro: copistas, iluminadores e livreiros passaram progessivamente da frabricação e do tráfico de mauscritos ao comércio do livro impresso. (LABERRE, 1981 | p. 67) O avanço da atividade conquista novos patamares a medida que novas profissões são criadas para compor o longo processo de criação de livros e a aproximação do capitalismo consagra a produção como mercado valioso. Em toda a Europa, grandes famílias de livreiros fundaram estabelecimentos em diferentes cidades para ampliar seus negócios além das fronteiras. (LABARRE, 1981) Novas preocupações surgem em relação a atividade a medida que questões legisla-

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tivas são confrontadas para gerir o lucro e desenvolvimento da atividade e em paralelo a questão da autoria se torna relevante para manter o controle da produção e garantir os lucros a seus idealizadores. É importante ressaltar que em paralelo a história do livro, a atividade editorial se desenvolve se consagrando como uma prática específica dentre as inúmeras áreas de produção gráfica. Entretanto, este reconhecimento nem sempre ocorre durante os estudos e pesquisas realizadas em relação à história do livro. Este ponto é questionado por alguns autores, como Annette Gilbert (2016) que discorre sobre isso na introdução de seu livro “Publishing as Artistic Practice”.

O potencial envolvido no ato de publicar para facilitar e ativamente moldar o produto (livro), muitas vezes é menosprezada, se não negligenciado inteiramente em relação à este processo. (Annette Gilbert, 2016 | p. 10) Encarar um livro simplesmente como mais um artefato dentre as inúmeras criações produzidas pelas artes gráficas é um erro que perpetua atualmente. Encara-se o livro como um artefato já estabelecido e fechado, ignorando o processo envolvido em relação a atividade editorial que, conforme pesquisado nos capítulos anteriores, demandou um longo processo de experimentação, inovação e quebra de barreiras para se tornar viável.

Capítulo 2


Em meio aos processos de produção gráfica, nota-se que o reconhecimento da atividade editorial como uma especialização própria para a existência dos livros muitas vezes é ignorada ou desconhecida. São muitas etapas envolvidas na produção de publicações e este raciocínio somado a um planejamento projetual consiste na base desta atividade. Uma especialização técnica e de pesquisa são vitais para consagração da produção editorial como uma atividade genuína. Contrapondo alguns pensamentos do senso comum, a produção editorial é um longo processo ativo, essencial e em constante desenvolvimento durante as etapas de publicação. Para propor e produzir um livro, é exigido um pensamento constante de análise projetual em todas as etapas, e não apenas uma consequência passiva no ato de transformar um texto em algum artefato público e acessível em qualquer livraria, biblioteca ou ponto de venda. “Na criação e disseminação de textos, o ato de publicar não é apenas um pensamento posterior, ele co-constitui textos e livros”. (GILBERT, 2016 | p. 10) O reconhecimento da importância da atividade editorial como um segmento próprio em relação as outras atividades de design gráfico e dos profissionais envolvidos nesta atividade merece ser reconhecida por todos pela sua especificidade. Este processo, desde os instantes que inovaram a forma de se relacionar com a escrita aplicada no cotidiano, ainda passa despercebido em relação às outras atividades industriais do âmbito social. O desenvolvimento que ocorreu desde os primórdios de gravação em tablete de argila até a massificação de impressão proposta por Gutenberg marcaram não apenas a história da comunicação, mas a origem de uma atividade específica: a editoração, concebida como atividade essencial no desenvolvimento de conteúdos e informações para o avanço da humanidade. No pensamento total da atividade, o livro é “apenas” o resultado, um produto final deste processo, enquanto a editoração se define como o trabalhoso processo de concepção deste artefato. Publicar não deve necessariamente ser equalizada a livros (GILBERT, 2016), a atividade envolvida, não se resume ao artefato gerado e sim ao pensamento projetual envolvido. Por se tratar de coisas diferentes, esta distinção precisa ser esclarecida e explicitada a todos para a valorização da atividade editorial como uma essência aos livros ser reconhecida.

Nós precisamos começar a pensar e encarar de forma diferente entre o que são os livros e como eles são produzidos. Nós precisamos reconsiderar todo o processo de produzir livros em relação ao que a atividade é: a criação, o consumo e tudo que acontece ao redor disso. (Annette Gilbert, 2016 | p. 12)

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Tratar o livro como algo mais do que apenas um artefato físico é o ponto de partida para a consagração da atividade editorial, que o encara como o resultado de um árduo trabalho de concepção. O processo evolutivo da literatura dependeu da existência de artefatos físicos e esta atividade foi desempenhada pela editoração. Uma definição para “atividade editorial” ainda permanece em aberto, são poucos os estudos especificamente voltados para esta área que a definem a fundo, como formação filosófica e sociologia de uma atividade ao longo dos anos. Entretanto, por andar lado a lado com a evolução da história do livro, muitos relatos auxiliam em sua concepção. O processo evolutivo da literatura dependeu da existência de publicações para ocorrer, e esta tarefa foi desempenhada desde o início da atividade editorial. (GILBERT, 2013) No cenário da produção editorial tradicional, a atividade pode ser definida como um circuito de comunicação que percorre um longo caminho desde o original criado pelo autor, o trabalho prático de editoração feita pelo editor, sua impressão exercida pelo impressor, a distribuição para os vendedores de livros e o leitor, como consumidor final. É um longo caminho que atinge diversas pessoas, finalidades e momentos com atividades específicas.

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O ato de publicar é a tarefa primordial para a existência da atividade editorial. Desde os primeiros tempos realizada a partir de manuscritos, a essência de tornar público e amplificar seu alcance, fazendo com que mais pessoas tenham acesso as publicações, a finalidade desta atividade. Tornar público, portanto, é pré requisito para qualquer atividade editorial, a essência da editoração é a prática de filtrar o conteúdo e amplificar seu alcance, fazendo com que mais cópias de um mesmo trabalho sejam produzidos, distribuídos e consumidos.

Editores não são apenas produtores de livros, mas filtros para conteúdos e construtores de narrativas amplificadoras. (GILBERT, 2016 | p. 11) Após o conhecimento de todo o processo envolvido no desenvolvimento da atividade editorial, é possível (re)encarar a editoração como tal. O mercado tradicional visa o lucro e se desenvolve a partir de uma produção em massa para amplificar a grandes níveis o alcance de livros produzidos. É uma visão capitalista e comercial da atividade, que existe e torna a produção viva. Entretanto, desde o início da atividade houve o questionamento sobre a centralização de quem produzia os livros e isso gerou, desde o início, uma produção paralela e autônoma em contraponto a este tipo de produção.

Capítulo 2


A produção editorial se consagra a partir de seu grande alcance e desenvolvimento em massa para todos os níveis e camadas da sociedade, mas junto a essa massificação, produtores e criadores independentes também são capazes de realizar de forma livre e espontânea, suas próprias publicações, mantendo uma produção editorial independente ativa. A produção editorial conquista seu espaço como atividade e relevância, possibilitando a conquista de uma solução tecnológica e gráfica para produção de materiais físicos e impressos, e atualmente também digitais e virtuais, de uma indústria. O pensamento envolvido evoluiu ao longo de centenas de anos, tanto em relação às possibilidades de criação, narrativas e formatos, consagrando a editoração como uma frente de produção gráfica infinita, inovadora e essencial para o desenvolvimento da comunicação. São muitas vertentes de atuação e nichos específicos, com seus próprios conteúdos informativos. O objetivo proposto desde o início, de conseguir registrar conteúdos informativos de modo a compartilhá-los entre as pessoas sem depender da memória e fala de quem a detinha, ainda se mantem presente na essência da editoração atual, produzindo livros, publicações e artefatos e que podem ser distribuídos, comercializados e compartilhados entre as pessoas, garantido uma globalização de conteúdos informativos e artísticos capazes de passar de geração a geração.

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32

CapĂ­tulo 2


2. A publicação editorial independente O ato de publicar e a publicação em si, conforme mensurado no capítulo anterior, são coisas diferentes e devem ser encaradas separadamente. Enquanto os artefatos podem ter formatos e características similares entre as inúmeras publicações existentes, tradicionais ou independentes, é a atitude gráfica, durante o processo de publicação, que as distinguem entre cada produtor. A produção editorial tradicional pertence a um grande sistema composto por inúmeras etapas, metodologias de trabalho, além de funções bem distribuídas entre momentos e cargos distintos. A escala industrial é explícita em todos os processos onde a autonomia criativa não atua de forma tão livre e espontânea. O autor, editor e produtor são inseridos num regime de trabalho que demanda acordos entre si. Conforme ressaltado por Anne Moeglin-Delcroix (2011) sob a perspectiva da produção editorial independente, o processo é outro. Para concepção e viabilidade da produção autônoma, as realidades e processos envolvidos demandam um autocontrole e conhecimento de todo processo. A liberdade criativa e infinidade de possibilidades para produção entram em contraste com as barreiras disponíveis em relação a orçamento, prazo e viabilidade projetual autônoma neste tipo de produção em confronto ao desejo de ser livre e produzir suas próprias publicações.

A liberdade de publicar trabalhos, tão rápido quanto possível, na forma que quiser e sem permanecer submetido à outras pessoas. (DELCROIX, 2011 | p. 41)

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2.1 O

ato de publicar como resistência editorial

O desenvolvimento da atividade editorial independente é um campo de pesquisa não muito abordado em livros clássicos de design, entretanto esta atividade é mais recorrente e presente no desenvolvimento de peças de comunicação do que se imagina. Um questionamento e reflexão sobre a independência criativa e projetual nestes processos autônomos deveria ser mais frequentes nos estudos e discursos acadêmicos para se entender e aprender sobre a liberdade e busca por viabilidade projetual envolvida neste tipo de produção. A conquista de espaço das publicações independentes percorreu um grande período de diferentes contextos históricos e sociais para seu firmamento. Foi a insistência, persistência e resistência do ato que a tornou factível, trazendo a produção artística e independente para novos patamares, centros de discussões e reflexões sobre a liberdade e manifestos envolvidos neste tipo de prática.

O momento atual da produção de publicações (independentes) é madura o suficiente para colocá-la no centro dos discursos estéticos e acadêmicos. (GILBERT, 2016 | p. 7) 34

Uma das fontes encontradas para esta pesquisa sobre a abordagem da produção editorial independente brasileira foi a plataforma par(ent)esis [2.1], uma rede autônoma que foi criada em 2006 por Regina Melim, pesquisadora e professora na Graduação e na Pós-Graduação em Artes Visuais, na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), na cidade de Florianópolis, com o intuito de produzir conteúdos que abordem a publicação livre como objeto de pesquisa. Como parte desta plataforma, a questão brasileira do ato de publicar por conta própria é colocada em pauta por de Fábio Morais (2018) em seu texto Sabão [2.2], primeiramente publicado digitalmente em seu blog e posteriormente lançado em formato de publicação impressa pela par(ent)esis. Seu texto retrata a postura nacional em relação a produção editorial independente comparando-a com textos e pesquisas de arte e suas abordagens e pensamentos mais clássicos, contextualizando e pontuando a postura brasileira e seu histórico extremamente amplo que, segundo o autor, se distancia da realidade editorial encontrada na forma como a editoração se desenvolveu e foi concebida pela indústria tradicional do país. Além desta comparação, esta publicação faz um confronto entre o conceito de livro de artista, proposto por alguns autores em relação às publicações autônomas, e a “auto edição marginal ao circuito, técnicas baratas e/ou caseiras de impressão, revistas coletivas, atividade gráfica na rede de arte correio, produção gráfica como guerrilha simbólica”. (MORAIS, 2018 | p.15)

Capítulo 2

[2.1] a par(ent) esis possui 14 publicações em seu catálogo (par(en)tesis)


[2.2] Sabão (2018) de Fábio Morais | Publicação independente diponível em mídia digital e impressa, sobre o contexto editorial independente no Brasil (par(ent)esis)

Junto a este ensaio, o contexto político de desenvolvimento das publicações independentes sob a perspectiva underground da produção de zines brasileiras, é abordada por Márcio SNO (2015) em seu livro que apresenta um grande panorama histórico deste tipo de atividade no Brasil que foi, e ainda é, uma das principais vertentes neste campo de publicação livre. Atualmente, a publicação de zine já consagra inúmeros formatos diferentes e propostas diversas, realizadas pelos mais variados perfis de pessoas, não apenas artistas – auto reconhecidos como tal. O contraste de cenários nacionais e internacionais, no desenvolvimento da atividade editorial independente é tratado pelos dois autores em seus textos. Segundo eles, uma comparação entre tais cenários é indevida pois as realidades políticas e sociais somadas ao avanço tecnológico editorial do Brasil em relação ao resto do mundo não são comparáveis.

No exterior, o movimento está quase uma década a frente, entretanto o avanço nacional tem sido surpreendente e a realidade nacional se aproxima com o cenário de publicações independentes do exterior. (SNO, 2015 | p. 28) No processo histórico de desenvolvimento da atividade editorial brasileira, o contexto cultural do Brasil-Colônia em relação a produção e veiculação de livros era totalmente dependente de Portugal, enquanto na Europa e Estados Unidos já se produziam livros por conta própria. A edição de livros no Brasil ficou proibida até 1808 e mesmo após este período, no início das produções no país, as poucas obras editadas por autores brasileiros precisavam ser enviadas a Portugal para serem impressas e retornavam de forma oficial e com distribuição controlada. (MORAIS, 2018)

2.1

35


Foi apenas com a vinda da família real ao Brasil que nasce oficialmente uma produção tipografia nacional, de início para atender apenas as demandas gráficas do capital administrativo do império. Com o tempo, a atividade editorial foi se tornando mais frequente, apesar de seu controle e interdição durante o período colonial se tornar um indício de trauma na estrutura brasileira que limitava os livros à uma elite da população e não algo disponível à todos. (MORAIS, 2018) Com esta reflexão e abordagem realizada pelos autores, é possível repensar sobre o ato de publicar no contexto histórico de implementação brasileiro e notar que o problema na comparação entre a produção nacional com a situação mundial é injusta, pois põe em confronto realidades distintas, tanto em relação às questões tecnológicas e meios de impressão, quanto em relação às motivações culturais envolvidas na implementação do movimento. Realizar uma comparação das características físicas e conceituais entre publicações independentes brasileiras, que surgem a partir de um ato de improviso e resistência, e os textos teóricos sobre o desenvolvimento da atividade nos Estados Unidos e Europa, a partir do descobrimento da publicação como manifestação livre e artística dos anos 60, é incoerente e reforçado a partir de um recorte nacionalista que considera não apenas o perfil estético desenvolvido no Brasil, mas suas

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intenções e motivações. A produção editorial autônoma brasileira, por motivos políticos e sociais, assume uma postura de insubordinação como forma de quebrar o controle da corte e se manter livre, em busca de uma liberdade de expressão. Esse traço é visível e reforçado mesmo antes da formação de um mercado específico e voltado para a comercialização de impressos autônomos, como por exemplo as circunstâncias em que, durante a inconfidência Baiana, o ato de produzir, massificar e reproduzir informações de revolução e insubordinação foi realizada através da produção de cartazes e distribuição de panfletos manuscritos por Salvador, em uma época em que imprimir era proibido pela corte portuguesa. Esta forma de comunicação encontrada, representa a ação política e social disponível neste tipo de produção autônoma na luta pela conquista de um espaço de fala, realizada de forma livre e com interesses políticos e sociais para sobrevivência e resistência. (MORAIS, 2018) Décadas após o período colonial, este perfil de produção marginal é renovado com a atuação e proliferação das zines ao longo da década de 1970. Em parte como contraponto à ditadura militar, vivida no país ao longo deste período, em que a censura se consagra fazendo com que os meios e mídias fora do eixo tradicional se proliferem como ato de resistência na fuga do controle realizado pelo governo autoritário, fazendo com que a publicação independente se torne um espaço de voz e de luta pela liberdade de expressão.

Capítulo 2


A existência do movimento zineiro (SNO, 2015) demandava uma mobilização em rede entre o nicho de uma maneira que, mesmo sem a internet e a disponibilidade de meios de contatos digitais dos dias atuais, a distribuição das publicações funcionava e preservava a essência do movimento. A troca de zines através do envio de cartas era corriqueira e os laços e relações entre as pessoas era mais fortes e necessárias para o movimento existir, uma característica que ainda atualmente a produção editorial independente demanda para existir e superar as barreiras físicas e geográficas de um país com proporções continentais. A característica do “faça você mesmo” se torna uma característica frequente e vital para a viabilidade da produção livre de publicações independentes. Mais do que apenas um método utilizado para publicar, a característica manual representa um ato de resistência para se ter voz e conquistar um espaço de fala com um pouco mais de visibilidade, mesmo que em meios de produção e distribuição de uma mídia clandestina. É por esse motivo que em relação ao processo de produção editorial independente, “nossa história talvez paute-se mais no ato editorial que no objeto por ele produzido” (MORAIS, 2018 | p. 15). Para se falar do processo de desenvolvimento da publicação editorial independente, o artefato é o resultado de um ato expressivo, e este ato é o principal envolvimento com este tipo de publicação e a liberdade exigida, demandada e presente em todos os processos envolvidos na atividade autônoma.

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liberdade (...) era a palavra chave naqueles anos de auto afirmação e struggle por independência em todas as áreas da vida social e cultural. (...) o ato de publicar era estreitamente controlado e a auto-publicação era a única solução. (DELCROIX, 2016 | p. 41) O reaproveitamento de selos e a utilização das cartas como meio de divulgação “parasita” movimentou o desenvolvimento das zines e da produção editorial independente, que encontra neste movimento seu primeiro espaço de existência. Panfletos eram a principal forma de divulgação, desse modo, o envio espontâneo e repasse dos mesmos para outras pessoas através das cartas alimentava a comunidade e atuava como um meio de fazer a informação, e seu nome circular e ganhar reconhecimento.

O meio undeground existe então como meio de expressão, veiculação e pertencimento. Enquanto a grande mídia estimula as pessoas a consumirem, os zines encorajam as pessoa a fazerem parte e produzirem algo por eles mesmos. (SNO, 2015 | p. 41)

2.1


A estética simples e barata utilizada para garantir uma viabilidade de produção e uma boa tiragem, servia com dois viés: reforçar a estética desse meio de produção contrarregra e o exemplo vivo da busca por soluções e viabilidades alternativas para a essência do “faça-você-mesmo” se proliferar, conquistando novos autores, zineiros e com isso, novas temáticas e o aumento da comunidade. A produção autoral e independente, desse modo, se mostra possível, conquista novos públicos e prova que produzir seu próprio material; existir, espalhar, enviar, ter sua voz ouvida e leitores dispostos a se interessar é algo viável.

Zine é um veículo de divulgação alternativo e independente, geralmente reproduzido em pequenas tiragens e distribuído para um público segmentado. (SNO, 2015 | p. 18) O avanço da tecnologia ajuda o desenvolvimento deste movimento por trazer possibilidades aos produtores. Edições e métodos de impressão que até então era restrita a uma estética padrão disponibilizada pelo uso da xerox, conquista novos patamares e possibilidades com o surgimento de novas técnicas e tecnologias, como por exemplo a impressora caseira, que traz o processo de produção para dentro de casa. Antigamente o formato padrão era a zine e xerox, o ato de publicar por conta própria, entretanto, foi preservado, estimulando novas possibilidades.

38 Atualmente, a publicação editorial independente não se restringe apenas à estética e essência das zines, com seus formatos simples e de fácil reprodução. A liberdade criativa da produção autônoma, somada à possibilidade de se ter à disposição novos meios de impressão e produção, já é presente em todo o pensamento editorial e de desenvolvimento narrativo, característica que, nos dias de hoje, estimula novas soluções gráficas através de “um uso consciente de máquinas (...) este modelo orgânico não só pode ser preservado, mas reforçado através da tecnologia”. (STARRE, 2016 | p. 77) A possibilidade de produzir seus próprios materiais, somados à força do movimento que conquista novos leitores e produtores, num ambiente livre, barato e com capacidade de expansão, incentiva uma produção cada vez maior e diversificada entre os zineiros ao longo da década de 1970. A produção editorial independente ganha seu espaço e se firma como um ato de resistência cada vez mais forte.

Aqui sempre teve, e tem, gente das mais variadas linguagens que edita de forma misturada, miscigenada e guerrilheira. Ou gente que leva adiante suas experimentações estético-formais até chegar, por motivos variados, aos vocabulários gráfico, editorial e livresco. (MORAIS, 2018 | p. 3)

Capítulo 2


Com esta rápida passagem e provocação sobre a postura adotada durante a formação de uma prática autoral, independente e autônoma, a produção de mídias e suportes por conta própria se desenvolve ao longo do contexto histórico e político de formação e desenvolvimento do Brasil. Deste modo, pensar a publicação independente brasileira como apenas uma atuação artística é irreal e desrespeitosa com os anos e insistências de resistências envolvidos em sua consagração de espaço. A postura política e social da produção independente não se restringe apenas aos seus anos de surgimento e conquista de espaço, ainda nos dias de hoje, o espaço proporcionado pelas publicações são utilizadas como meio de expressão e de provocação do pensamento em terceiros para realidades, principalmente em contraponto e oposição à atuação da curadoria e censura existente nas grandes editoras tradicionais em que muitos assuntos não são explícitados e tratados com tanta clareza, firmeza e resistência como no meio independente.

No Brasil, a atividade editorial parece-me um ato de guerrilha em relação à história de um país autoritário fundado como empresa capitalista. (...) Nossa relação com a página, com o espaço público que ela é, passa pelo ato de roubá-la de uma elite letrada e monopolista, e é isso que vejo nas atuais feiras de impressos: pequenos editores e auto-editores desafiando o monopólio de editoras que atuam não só arbitrando e legitimando o que deve ser publicado, como reforçando nossa proibição editorial ao colocar livros no mercado cujo preço beira a um décimo do salário mínimo. (MORAIS, 2018 | p. 6) Deste modo, é possível concluir que o espaço da atividade editorial independente no Brasil se expandiu a tal ponto que, por sua constante criação livre, é quase imensurável. Os artefatos encontrados pelos produtores se tornam itens únicos, personalizados e, em outras palavras, exclusivos, trazendo a seu público conteúdos essenciais em diagramações inusitadas e formatos variados, explorando ao máximo o que o suporte pode oferecer, diferente do livro tradicional que possui, em sua grande maioria, um formato já estabelecido e acabamentos parecidos entre as opções disponíveis no mercado. A liberdade encontrada neste tipo de produção se torna sua maior força, em questões da livre expressão e exploração de temas e nichos específicos, na autônomia envolvida durante o processo de publicação e o ato editorial que precisa efetivamente ser uma alternativa viável e de baixo custo para sua existência e na essência da existência dessa atividade. São pessoas livres que depositam seu tempo, paixão e trabalho nas publicações com o intuito de terem seu espaço de voz preservado nos acabamentos, narrativas e formatos idealizados.

2.2

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2.2 A liberdade disponível na publicação independente Existem inúmeras e distintas propostas para a produção editorial na indústria tradicional, seguindo de uma forma ou outra, um padrão em relação ao pensamento envolvido na concepção de livros e na metodologia de lucro deste mercado. Entretanto, para a publicação independente a relação entre autor e obra é mais livre, ampla e diversa. Os artefatos produzidos e presentes na criação autônoma não possuem limites conceituais e se destacam entre si de forma mais evidente, com propostas mais ousadas e uma relação forte com quem a produz. A liberdade criativa talvez seja a principal característica nas produções autônomas em que os limites para a produção são definidos pelas diferentes realidades de seus produtores, prazos e orçamentos disponíveis. Essas limitações são particulares em cada projeto e baseados na vivência e relação de quem a produz. Conforme ressaltado no capítulo anterior, a produção de publicações independentes foi consequência de um longo processo de conquista de espaço daqueles que gostariam de expor seus conteúdos e ter seus lugares de fala. A ausência de controle externo sobre os conteúdos marca esta atividade livre, tanto em relação as narrativas propostas quanto em relação ao tipo de publicação produzida.

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O aparecimento, nas décadas de 1960-70, de trabalhos na forma de peças gráficas de baixo custo, que podiam ser facilmente reproduzidas, trouxe consigo novas formas de nos aproximarmos e de nomearmos algo como arte. São pequenos papéis, pôsteres, livros, catálogos, revistas que representam uma mudança que estava no auge de sua investigação: a capacidade de ser arte daquilo que não se apresentava fisicamente diante de nossos olhos. (MOEGLIN-DELCROIX, 2016 | p. 41) São inúmeras as possibilidades de formatos, aplicações, estéticas e narrativas, a riqueza de possibilidades mantém este tipo de produção surpeendente, inovadora e inusitada. Cada vivência de seu respectivo autor/editor é refletida em seu trabalho, as escolhas raramente são aleatórias e sem fortes motivações, deste modo é possível observar, conhecer e conversar com os idealizadores das publicações mergulhando na infinidade de contrastes possíveis entre o material presente. A reflexão nesse sentido se expande, se tratando de uma produção livre, diferente e específica para cada produtor, quais são os pontos chaves em comum entre as publicações realizadas para que se feche a classificação de que todo este conjunto de distintos impressos expostos podem ser classificados como uma mesma coisa?

Capítulo 2


Este questionamento é tratado por alguns autores que tentam definir a ambição envolvida na contemporaniedade da produção editorial independente. Não apenas em relação as narrativas envolvidas, mas principalmente em relação a infinidade de suportes e tipos de impressos apresentados, que variam desde as tradicionais zines e publicações de pequenas tiragens, até mídias e suportes não tão comuns que tangem a arte como meio de manifestação de um propósito de mensagem.

Publicar não é apenas imprimir uma publicação ou distribuí-la; isso é um ato essencialmente político (...) um editor não precisa apenas imprimir suas obras de arte, mas também criar condições para que outras pessoas as vejam como tal. (LEFEBVRE, 2016 | p. 61) Esta discussão retorna ao questionamento levantado na introdução deste capítulo em relação não apenas à parte técnica, mas ao ato de publicar e todo o processo em que está envolvido o surgimento de conceitos de temas para cada autor/artista/editor, a livre exploração de meios de expressão para tal narrativa e a elaboração física destas publicações. Se existe uma motivação para transformar em publicação, o verdadeiro e principal desafio para produtores autônomos é como torná-la viável, tanto em relação a forma de expressar a narrativa como em sua confecção física, que envolve questões de custo, prazos e os processos gráficos disponíveis. Este, de certo modo, cativa os seus produtores que buscam em seu método de trabalho, ter todo o controle do processo.

O desejo de controlar todo o processo de produção e fazer sem intermédios, ou seja, verificações e obstáculos entre o projeto (concepção) e sua realização (impressão). (MOEGLIN-DELCROIX, 2016 | p. 41) Tratando-se da produção editorial independente, seu desenvolvimento é livre mas tange-se com as limitações da disponibilidade de recursos e o autocontrole demandado para sua viabilidade. O produtor independente se torna um multitarefas, é preciso ter total controle sobre o processo e, mesmo que de forma amadora e artesanal, saber manter o pensamento de produção em tiragem para dar volume a sua produção. A liberdade criativa e de realização se torna um ponto forte na produção que apresenta tantas diversidades estéticas e conceituais de editor para editor. O processo se torna então uma metáfora entre o desejo de ter uma publicação própria, e o desafio de transformá-la em algo tátil, físico e real através dos processos gráficos.

2.2

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A liberdade é tão grande que é difícil traçar padrões entre as editoras independentes, mas sabendo que são independentes, quais características são apontadas em comum entre elas? Cada um tem sua propria motivação, estética, público e espaço de fala que o mercado tradicional não possibilita. A autoria e relação com os impressos, em alguns casos, são mais introspectivos e artísticos, o autor produz seu conteúdo como forma de expressão pessoal e, por sua sinceridade e relação íntima com o conteúdo apresentado, muitas vezes atinge seu público aberto e desconhecido por empatia e reconhecimento da narrativa apresentada.

Na autopublicação, as pessoas agem sem filtros. Em alguns trabalhos, os afetos e percepções do autor levam a um tipo estranho e profundamente pessoal de expressão. (FINDEISEN, 2016 | p. 192) Neste pensamento sobre a expressão autônoma e livre de cada publicador, as motivações livres se expressam na pluralidade de temas produzidos. Neste segmento, a independência editorial se reforça em relação a possibilidade de se materializar a liberdade de expressão desejada, cada um possui uma razão de publicar e as vivências em cada publicação reforçam isso, seja em relação ao tema ou ao ato de tornar viável.

42 O ato autônomo atua nesse sentido como uma desconcentração de poder do mercado tradicional da produção editorial. Em editoras comerciais, o tema é definido por uma curadoria e proposta editorial fechada, o catálogo de cada editora seguem diretrizes, controles e recortes que muitas vezes inibem temas mais livres e, de uma forma ou de outra, censuram a liberdade de expressão. Deste modo, a publicação independente firma seu espaço de fala, representando não apenas uma voz, mas um plural de visões de mundo, refletindo pessoas sobre a capacidade de cada um de produzir novos conteúdos em uma descoberta diária de novas possibilidades.

Mas há outros autores que vão um passo além. Não contentes com a expansão da liberdade artística no desenho de textos e livros, eles se esforçam para revisar todo o processo, incluindo todos os seus agentes e responsabilidades. (GILBERT, 2016 | p. 19) Um dos principais e mais reconhecidos centros de encontro são as feiras que possuem este viés e espaço de concentração e de rotatividade desta produção. São inúmeros atos independentes que juntos formam um conjunto livre de publicação autônoma e sem limites de produção, narrativas, formatos ou propostas. Além de sua função como espaço de venda, elas são reconhecidas pelos expositores e pro-

Capítulo 2


dutores de publicação como um dos principais meios de trocas de informação sobre a atividade, espaço de criação de contatos e aproximação com leitores, além da possibilidade de conhecer outros editores e através das trocas de experiências gráficas, conhecer mais sobre o que está sendo produzido atualmente e que firma o movimento com uma escala nacional mais forte. A produção editorial livre e autônoma representa um conjunto de vozes e visões de mundo, refletindo as pessoas que a produzem de algum modo, seja através das narrativas exploradas ou através da manifestação artística e solução gráfica explorada como ato de existência. São possibilidades de leitura e inspiração que provocam pensamentos e reflexões de uma proposta autoral livre, sem intermédios e no mais amplo sentido da palavra, autêntica.

A convicção implícita de que essas formas artísticas de publicação são categoricamente diferentes da prática da arte padrão e de suas condições de enquadramento e, além disso, que poderiam ser libertadoras e revolucionárias para tais condições. (GILBERT, 2016 | p. 13)

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CapĂ­tulo 3


3. Um olhar sobre a produção editorial

independente

Para o desenvolvimento deste projeto, os levantamentos históricos da evolução do livro e a pesquisa realizada sobre o pensamento envolvido na atividade editorial independente como um meio de manifestação autoral e artesanal, foram essenciais para entendimento das motivações de surgimento deste movimento. Entretanto, para uma compreensão mais aprofundada, se notou necessário constatar num recorte contemporâneo as motivações, estratégias e meios utilizados pelos mais variados publicadores do país, a fim de constatar como a atividade é desenvolvida, se mantendo tão rica, ampla e viva atualmente. Neste sentido, se viu necessário ir a campo para conversar com quem produz e, além de entrevistas com os editores, fazer uma abordagem física e pessoal através de uma ação mais íntima e direta. Deste modo a pesquisa de campo, uma das formas propostas por Ellen Lupton (2016) como estratégias adotadas para solução de problemas em comunicação visual, foi escolhida como estratégia de implementação do projeto como método para observar de perto a atividade editorial independente nos dias de hoje ao redor do país e dar voz a quem a produz, para a partir de seus relatos e vivências, reunir dados quantitativos e qualitativos sobre os processos e atos envolvidos na implementação da produção no Brasil.

A pesquisa de campo envolve ir até o ambiente dos participantes, observá-los, fazer perguntas e conhecer as suas preocupações e paixões. (LUPTON, 2013 | p. 6)

45


3.1 A

metodologia para a pesquisa de campo

Após pesquisa e estudo teórico sobre a conquista de espaço e desenvolvimento da atividade editorial independente, a etapa seguinte para este projeto foi de verificar, no mundo real e contemporâneo, o seu desenvolvimento prático através de editoras independentes brasileiras, a partir de seus relatos, falas e vivência em feiras – destacado como o principal meio de circulação e presença de editores nesta atividade. (SNO, 2015) O início do desenvolvimento para esta etapa foi esboçado em visita à 16ª Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), mais especificamente em uma das casas do festival, “A Casa da Porta Amarela” [3.1] que contou com uma programação de quatro dias voltada exclusivamente para a publicação independente, reunindo 14 artistas e editoras de todo país com a proposta de se discutir a atividade editorial autônoma através de entrevistas, debates, sarau e exibição de filmes em paralelo à tradicional feira de livros da cidade.

[3.1] Registro na Flip da “A Casa da Porta Amarela”, em Paraty - RJ

Provocada por diversas temáticas, a publicação independente teve seu destaque, questionamento e espaço de reflexão diante de outras casas da FLIP com editoras e publicações tradicionais. A troca de experiências, discussões e relatos entre os

46

editores e o fluxo de visitantes novatos e curiosos no eixo de publicações independentes foi algo relevante para se observar. A curiosidade e estranheza no olhar dos leitores e as reações de surpresa e admiração serviram como exemplo de como a atividade se fortalece a partir de suas particularidades. Esta vivência despertou o desejo de conhecer mais sobre a multipluralidade de assuntos, propostas e motivações envolvidas nas produções autônomas. A presença de publicadores do Nordeste do país, relatando suas próprias questões locais, discutidas e narradas em suas publicações, em contraste à exibição do filme “Impressão Minha” [3.2] que retrata as motivações de alguns editores da região Sudeste, exemplificou a imensidão envolvida neste tipo de produção e como é difícil definí-la ou mensurá-la. Esta foi mais uma característica que motivou uma compreensão e constatação presencial na realização de uma pesquisa de campo para dar voz aos editores independentes de todo país. A partir desta experiência, o desejo de estar presente, mais próximo e conhecendo editores de todo o país para ouvir suas motivações, realidades e conhecer os materialis impressos produzidos fechou o conceito para a elaboração e realização de uma pesquisa de campo em território nacional – em feiras de publicações independentes, onde os editores normalmente já se reunem – para apresentar o projeto, e convidar os editores a contar um pouco sobre suas próprias publicações e vivências, com o objetivo de retratar como a produção atual é realizada no país.

Capítulo 3

[3.2] Impressão Minha apresenta um recorte da cena de livros e publicações independentes, em São Paulo


Escolhas dos locais de pesquisa Considerando o desejo de ir a campo colher relatos de publicadores de norte a sul do país, por questões de viabilidade projetual, uma definição prévia para a abordagem foi necessária para realização desta etapa do projeto. O intuito primordial para esta pesquisa é abranger o maior número de publicadores possível, de diferentes locais do país, em seu espaço real de trabalho. Os locais escolhidos para a abordagem e realização da pesquisa de campo foram as feiras de publicações independentes, considerando a possibilidade de se encontrar no mesmo local e ao mesmo tempo, um relevante número de editores e publicadores autônomos reunidos. Além da concentração de possíveis entrevistados, estar presente nas feiras proporcionaria uma imersão no local onde a movimentação de impressos autônomos ocorre de fato e em paralelo, ter a disposição inúmeros produtores a artistas independentes já selecionados e com seus materiais expostos a partir das [3.3] Feiras de publicação independente escolhidas para realização da pesquisa de campo

curadorias e seleções realizadas pelos organizadores dos eventos. Como o propósito da pesquisa é retratar a atividade editorial independente em um cenário macro, a primeira etapa no planejamento foi escolher quais feiras fariam parte do roteiro considerando o período disponível: agosto a novembro de 2018. Para conhecimento de quais feiras seriam realizadas neste período, a pesquisa se iniciou através de buscas por eventos no facebook e, através de posts que discutem a atividade, chegou-se ao “Calendário de Feiras e Arte Impressa e Publicações

Feira Tijuana (RJ)

Independentes”, um arquivo colaborativo que é disponibilizado e atualizado constantemente entre os editores independentes listando mensalmente onde, quando e quais feiras serão realizadas no Brasil. A partir deste calendário, o desejo inicial era escolher uma feira por região brasileira para observar cenários distintos, entretanto ao analisar a programação e tem-

Feira Cria (PB)

po disponível para a realização desta pesquisa, as regiões norte e sul não se encaixaram no cronograma projetual. A região norte, por não ter feiras ocorrendo, e a região sul por coincidir com a data de outra feira, e neste momento, o custo foi decisivo para seleção. Ao final do planejamento, quatro feiras foram selecionadas [3.3] para contemplar

Feira Motim (DF)

este trabalho: A 19ª Feira Tijuana, realizada nos dias 18 e 19 de agosto no Rio de Janeiro; a 6ª Feira Cria, realizada no dia 25 de agosto, na cidade João Pessoa na Paraíba; o 5ª MOTIM, realizado entre os dias 2 e 4 de novembro em Guará, no Distrito Federal; e a Feira Miolo(s), realizada no dia 10 de novembro, na cidade de São Paulo. Esta seleção foi feita para tentar abrangir, a partir da lista de expositores, a

Feira Miolos (SP)

presença de editores de todo país, do maior número de regiões possível, considerando o tempo e verba disponíveis.

3.1

47


Abordagem e funcionamento Assim como os desafios enfrentados ao longo dos processos de publicações autônomas, a realização desta pesquisa, também realizada de forma totalmente independente, demandou um longo processo de planejamento e organização na busca por soluções para se tornar viável. Na metodologia de sua concepção, por se tratar de uma coleta de relatos realizada presenciamente nas feiras, a abordagem demandou uma reflexão em relação à sua execução e formato. O desejo desde o início foi de entrevistar os publicadores, mas o modo utilizado para as pesquisas estava em aberto. Optou-se pela utilizacão de uma mídia física como suporte para propor um questionário, impresso em formato de livreto e com a criação de uma comunicação visual que pudesse instigar a participação dos entrevistados e ser viável para a participação dos entrevistados em paralelo a exposição de seus trabalhos nas feiras. Retomando um pouco o processo histórico realizado durante o desenvolvimento do ato de publicar de forma independente, ao invés de se realizar uma pesquisa digital através do preenchimento de questionário online, que poderia ter sido mais fácil, rápido, barato e talvez até com mais participantes, o desejo de realizar as en-

48

trevistas de uma maneira analógica e presencial instigou a proposta deste projeto na tentativa de obter um resultado mais humano, palpável e composto. A entrevista digital seria uma solução mais prática, entretanto, perderia a poética que este projeto se propõe a resgatar através da relação de tato com o papel e da troca de material impresso via carta, como era feito antigamente. (SNO, 2015) Somado a estes valores, a ideia de se realizar uma entrevista impressa foi reforçada a partir da subjetividade desejada ao resgatar, a partir do formato de zine, os conceitos e aspectos estéticos que o movimento trouxe, fazendo com que o objeto de pesquisa fosse o próprio assunto a ser mensurado: uma publicação independente. A aplicação de uma entrevista impressa gera um retorno escrito e físico possibilitando o colhimento de registros, traços, letras e a própria caligrafia pessoal dos entrevistados, se tornando uma valorização subjetiva, mas essencial, para a proposta de coleta de depoimentos, pontos de vistas e realidades distintas entre os editores de todo país. A estratégia para a pesquisa é resgatar as trocas de material impresso presentes no movimento zineiro (SNO, 2015) através de uma postura colaborativa, estreitando relações com os participantes de modo a poder voltar a contatá-los. Deste modo, um planejamento para a implementação foi pensado através de um circuito que pudesse gerar algum tipo de retorno aos participantes. Sendo assim, durante o processo de planejamento do questionário, a abordagem para o material de pes-

Capítulo 3


quisa foi desenhado [3.4] de modo a servir como uma via de mão dupla: gerar contato com os entrevistados, entregar uma zine aos participantes, manter uma relação com os mesmos e obter seus relatos. Pensando neste objetivo projetual, foi decidido montar e produzir a entrevista através de um kit impresso composto por duas zines . Uma que apresenta a pesquisa ao entrevistado de modo a situá-lo em relação a proposta projetual, contextualize em relação ao questionamento levantado e os objetivos envolvidos e para manter retorno, com os dados de contato para gerar uma relação com os entrevistados, chamada de Zine Conceitual; e uma outra em que a entrevista é realizada de fato, a partir de um questionário impresso com perguntas divididas em coleta de dados quantitativos e outras questões mais subjetivas para suprir o objetivo desta ação, chamada de Zine Questionário.

zine conceitual

zine questionário

apresentação do projeto com as zines conceitual e quesitonário

editoras

pesquisa

49

zine conceitual

recebem o kit das duas zines e participam com seus relatos a zine conceitual fica com o entrevistado

a zine questionário é respondida e posteriormente devolvida

[3.4] Estratégia de comunicação e implementação da entrevista

O desdobramento pretendido a partir dos resultados coletados nesta pesquisa, é uma mensuração do cenário editorial independente atual e a partir de tal constatação, a criação da própria editora e o lançamento de uma publicação expressando de forma lúdica, subjetiva e pessoal a experiência obtida ao longo da realização desta pesquisa através do preenchimento dos relatórios, diálogos e conversas obtidas e dos dados coletados que possui maior colaboração acadêmica em relação a um levantamento nacional da produção editorial independente realizada, reunindo informações quantitativas e opiniões subjetivas a partir do contraste de vivências destacados a partir da voz dos próprios editores, que são aqueles que de fato fazem o movimento acontecer.

3.1


3.2 Criação do material de pesquisa A utilização de uma mídia impressa para realização desta pesquisa demanda mais etapas no planejamento, produção e implementação, entretanto a subjetividade de falar sobre publicações independentes através de um mídia impressa e com essência similar ao produzido pelos entrevistados, além de criar um maior vínculo com a pesquisa, serve como um primeiro exercício de aplicação de uma identidade visual no projeto gráfico, a ser desenvolvida para a editora a ser lançada ao final deste projeto de conclusão de curso. A divisão de duas zines foi realizada pois, além da proposta de gerar retorno e vínculo com os entrevistados, os objetivos específicos para cada uma foram pensadas na intenção de obter uma melhor concepção e diagramação: Zine Conceitual: Captar a atenção do entrevistado; apresentar os objetivos do projeto e sua relevância para uma pesquisa contemporânea sobre o assunto; expor de forma lúdica os conceitos e intenções da pesquisa; provocar o entrevistado a refletir sobre os conceitos e limitações envolvidas na produção editorial independente; e gerar contato através de e-mail e redes sociais.

50

Zine Questionário: Coletar dados sobre o entrevistado; obter relatos sobre o método de concepção e desenvolvido do trabalho; colher opiniões e pontos de vista

[3.4] Esquema de formato para o material de pesquisa

sobre os conceitos de produção editorial independente; e mapear a distribuição e presença destas editoras. A primeira etapa para a criação dos impresos foi considerar a verba disponível para

Lâmina A3

definir o formato, tipo de impressão e tiragem. A impressão seria de início digital, entretanto o custo de uma impressão em risografia foi mais baixo além de criar um acpecto manual e independente ao projeto. Após a verificação do melhor custo-benefício, adotou-se uma tiragem de 100 lâminas no formato A3, impressas em 1 cor na frente e verso. Esta lâmina deveria contemplar as duas zines, deste modo, a partir de estudos e experimentações com dobras e recortes, conforme apresentado no esquema [3.4], foi estipulado que, para se tornar viável, o formato fechado adotado para cada zine seria o A6.

Zine Conceitual A4 com duas dobras, resultando em A6 (fechado)

Após a definição de formato e tipo de impressão, o conteúdo a ser apresentado precisava estar definido e as questões para o questionário fechadas e alinhadas aos conceitos e objetivos da pesquisa como um todo para não haver risco de alteração após as 200 zines (sendo 100 de cada) estarem impressas, montadas e preparadas para implementação da pesquisa de campo. Foi um trabalhoso processo de reflexões e questionamentos, numa tentativa de abranger todos os objetivos propostos de mensuração.

Capítulo 3

Zine-Questionário Dois A5, dobrados ao meio, resultando em A6 (fechado)


Se tratando de uma pesquisa de campo realizada ao longo de 4 meses, os cuidados na elaboração do conteúdo foram bastante cuidadosos pois, uma vez que o material estivesse impresso, não haveria possibilidade de alteração, inclusão de novas perguntas e abordagens ou de reimpressão, pelo custo demandado e como forma de reafirmar a viabilidade como centro de pensamento em todo tidpo de produção e criação de comunicação visual.

[3.5] Composição tipográfica para o pôster presente na Zine Conceitual

A impressão foi realizada pela Risotrip. no Rio de Janeiro, utilizando o processo de risografia como técnica. Após ter os materiais impressos, num processo artesanal, as zines foram montadas artesanalmente, cortando as lâminas, dobrando manualmente, agrupando as folhas e grampeando ou dobrando. (ver páginas 50 e 51) Para a Zine Conceitual (ver páginas 52 - 55) o conteúdo proposto foi claro e direto, apresentando os objetivos gerais e específicos da pesquisa, frases de reflexão sobre o que pode ser considerado publicação independente e, ao desdobrar, se apresenta um mini pôster com a frase-conceito principal desta pesquisa, através de uma composição tipográfica: “A tradição é a inovação que deu certo” [3.5], que resume a essência e pensamento envolvido neste projeto.

51 Para a Zine Questionário (ver páginas 56 - 61), o maior desafio na elaboração das perguntas foi prever quais os cenários e temáticas seriam encontrados ao longo das entrevistas somadas ao receio de que alguma pergunta importante pudesse surgir e despertar o interesse durante o processo da pesquisa. A forma encontrada para elaborar o questionário e compreender as impresivibilidades foi dividir em duas categorias: perguntas objetivas, com o fim de gerar dados quantitativos e facilmente mensurados, e a abertura de perguntas subjetivas, para explorar as inúmeras possibilidades e individualidades entre diferentes propostas editoriais. Somado a isso, a última página do questionário apresenta uma folha em branco com o questionamento “minha atividade editorial é importante porque...” para provocar uma reflexão da importância da produção editorial independente para aquela editora, de modo a deixar o entrevistado livre para se expressar e preencher a página como desejar.

3.2


52

Processo de impressão em risografia das zines Conceitual e Questionário, deste projeto.

Capítulo 3


53

Processo de montagem artesanal feita manualmente.

3.2


Planificação da “Zine Conceitual”

54

Capítulo 3


55

3.2


Planificação da “Zine Questionário”

56

Capítulo 3


57

3.2


Planificação da “Zine Questionário”

58

Capítulo 3


59

3.2


Planificação da “Zine Questionário”

60

Capítulo 3


61

3.2


Planificação da “Zine Questionário”

62

Capítulo 3


63

3.2


3.3 Feira Tijuana (RJ) A Feira Tijuana de Arte Impressa é a pioneira na realização de feiras de publicações de livros de artista e publicações independentes no Brasil, sendo realizada desde 2009. Ela foi idealizada pela Galeria Vermelho, a partir de uma parceria com o Centre National de L’Édition et de L’Art Imprimé (CNEAI, França), acumulando até 2018 a realização de 20 edições pelo Brasil, Argentina e Peru, se tornando a principal referência neste tipo de evento no país. A 19ª edição, realizada na Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage (RJ), ocorreu durante os dias 18 e 19 de agosto de 2018 e contou com a participação de 64 editoras independentes de diversos estados brasileiros e alguns expositores internacionais, de variados países da América Latina. A escolha dos entrevistados para o projeto começou semanas antes da realização do evento a partir da divulgação da lista de expositores pelos organizadores em suas redes sociais. Com esta lista, uma rápida pesquisa sobre cada editora foi realizada para conhecer melhor o perfil e proposta dos trabalhos presentes e expostos antes de entrar em contato para apresentar o projeto da pesquisa de campo.

64

Uma das preocupações em relação à execução foi a viabilidade de preenchimento do questionário durante a feira por se tratar de um evento movimentado e que demanda tempo e atenção dos expositores com seu públio. Por ser a primeira experiência com pesquisa de campo, a estratégia adotada foi de estar presente nos dois dias e em tempo integral, para acompanhar de perto todos os momentos desde a chegada dos editores até a desmontagem dos stands. Essa presença foi escolhida para ver com outro ponto de vista os bastidores destes eventos além de poder aproximar dos expositores de maneira mais amigável e garantir a adesão e preenchimento com o questionário. Estar próximo dos editores foi fundamental para que a pesquisa pudesse se desenvolver e se estruturar com mais relevância pois o contato pessoal colaborou para um reconhecimento da pesquisa ocorrer de forma mais dinâmica e expor a importância de sua realização. De forma independente, assim como os próprios editores produzem seus catálogos, todo o processo foi realizado com a mesma ambição, força e desejo de produzir algo relevante por conta própria. A realização das pesquisas de campo por conta própria inspirou a repensar a atuação independente do projeto, como uma provação característica da produção independente. Transformar a intenção e objetivos da pesquisa em resultados bem executados e proveitosos foi um desafio mas que, com organização e planejamento, se tornou viável.

Capítulo 3


65

Zines conceitual e questionário na pesquisa de campo durante a 19ª Feira Tijuana

3.3


A primeira abordagem, após a abertura da feira, foi com a VERSO, da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Uma editora com apenas 5 meses formada por dois jovens estudantes de pré-vestibular que começaram a publicar uma zine com amigos e a partir de então, descobriram a possibilidade de publicar seus próprios conteúdos, dando início a sua editora.

Estimulamos os artistas independentes a produzir e movimentar o cenário cultural da grande Zona Oeste. O zine “Alter Ego”, nosso primeiro lançamento, reuniu 36 escritores e envolveu 150 pessoas de forma direta com o projeto. (VERSO) A recepção satisfatória e animada das editoras, empolgadas em participar da pesquisa e se abrindo mais do que o esperado, foi enriquecedor para o projeto com seus relatos de detalhes e experiências em relação as motivações editorias, além de todo o catálogo de publicações em suas mesas para folhear e mergulhar nas propostas individuais, como a Cactus Edições, de Porto Alegre - RS, ao relatar sobre seu processo de curadoria e publicação.

Busco publicar projetos inéditos e ideias diferentes (...) que tenham ligação com causas que acredito, no formato de livro de artista e zines. (Cactus)

66

Ao longo dos dois dias de feira, cada editora apresentava sua proposta e objeto de estudo, trabalho e inspiração. Dentre as conversas, as editoras internacionais chamaram atenção pela motivação envolvida em viajar até o Rio apenas para participar da feira. Foi um contato com publicações do Chile, Colômbia, México e Uruguai, numa troca que num cenário tradicional seria improvável. A entrevista com editores internacionais não estava no escopo, mas a oportunidade de colher relatos tão distantes e criar laços com essas pessoas engajou a fazer a mesma pesquisa com eles, até mesmo para confrontar possíveis questões culturais, como os relatos da Jardín Publicaciones (Colômbia) e Ediciones Hungría (México).

Em um mundo onde cada vez mais importa mais a forma e não o conteúdo, é importante insistir, fazer resistência, manter a produção intelectual, conceitual e criativa à tona daqueles que resistem e nadam contra a corrente de uma sociedade que se movo cada vez mais pela superficialidade do mundo material (Jardín Publicaciones) É importante fomentar atividades que promovam valores contrário ao do neoliberalismo. Fazer livros é uma tarefa nobre que promova a empatia e irmandade (Ediciones Hungría)

Capítulo 3


A relação entre mundo real e as publicações foi relatada pela Fada Inflada, editora carioca, ao ressaltar a importância do ato de publicar que a produção independente revela na rotina dos desafios encontrados na implementação do movimento.

Publicar é repensar a si mesmo e o mundo o tempo todo. A gente não vive da editora (financeiramente), mas a gente vive a vida que a editora nos dá, com os encontros, conversas, trocas e parcerias que vão nos transformando e que, talvez, transformem os outros. (Fada Inflada) Os desafios da produção independente também se refletiram na execução da pesquisa, foram 29 formulários distribuídos ao longo do primeiro dia, entretanto, o retorno desta distribuição foi baixa. Foi necessário repensar a pesquisa e a postura adotada pois, estando por conta própria, as adversidades parecem se multiplicar, entretanto, lidar com pessoas que estavam ali vivenciando, produzindo, e expondo, também de forma autônoma, aquilo que é o objetivo final deste projeto, ter a própria editora e estar presente em feiras, motivou a repensar as frustrações e continuar com o projeto em mente pois, a persistência e dedicação de todos ali foi essencial para cada editora estar lá expondo, e aplicado ao contexto da pesquisa, é necessário persistência para ver os resultados surgirem.

67 No segundo dia, os retornos vieram aos poucos. A timidez foi deixada de lado e os editores já mostravam reconhecimento da presença deste projeto ali e por isso, a circunstância foi proveitosa para relaxar e circular pela feira como espectador, conhecendo os trabalhos mais de perto, folheando e interagindo com as narrativas, compartilhando conhecimentos técnicos dos bastidores de produção gráfica entre os expositores e seguir com a essência da feira, que é fazer trocas, difusão de conhecimento e criar contatos com outras pessoas que seguem a mesma proposta.

Somos poucas pessoas, com ideais e valores parecidos. até que nos encontramos, nos descobrimos e nos fortalecemos (Piña Ruda) A experiência desta etapa da pesquisa de campo foi uma mistura de sentimentos e relações inesperadas. Foi a primeira experiência prática deste projeto e possibilitou constatar que, independente da circunstância, a produção independente depende de um esforço autônomo para acontecer. Com empenho, foco e perseverança, é possível tirar planos do papel e alcançar novos patamares. A proposta da produção independente foi comprovada e refletida na essência deste projeto através dos retornos de fala e vivências gráficas., a relação com o impresso, os questionários em formato de zine e a motivação de se aproximar para conhecer mais, passou a ser mais valorizada como um todo.

3.3


Respostas dos participantes durante a Tijuana (RJ), entre os dias 18 e 19 de agosto de 2018

68

Publicam há quanto tempo?

Quantos títulos possuem?

Se banca com as publicações?

Qual a área de formação?

Cactus Edições (Porto Alegre - RS)

4 anos

8 publicações

Não

História

Carolina Veiga (Rio de Janeiro - RJ)

5 anos

6 publicações

Não

Comunicação Social

Chorona (Rio de Janeiro - RJ)

5 meses

5 publicações

Não

Jornalismo, Cinema e Artes Visuais

Contravento (São Paulo - SP)

14 anos

9 publicações

Não

Arquitetura e Design

Ediciones Hungria (México)

8 anos

15 publicações

-

Creative Business Management

Fada Inflada (Rio de Janeiro - RJ)

10 anos

15 publicações

Não

Antropologia, Letras e Design

Fotolab Linaibah (São Paulo - SP | Colômbia)

3 anos

6 publicações

Não

Publicidade e Propaganda

Florencia Lastreto (São Paulo - SP | Uruguai)

2 anos

3 publicações

Não

Artista

Inutensílios Poéticos (Rio de Janeiro - RJ)

6 anos

-

Não

Música, Medicina e Cinema

Jardin Publicaciones (Colômbia)

10 anos

+20 publicações

Sim

Publicidade e Propaganda

Livro Inventado (Rio de Janeiro - RJ)

2 anos

-

Não

Variados

Miríade Edições (Florianópolis - SC)

4 anos

32 publicações

Não

Artes Visuais

Nómada Ediciones (Colômbia)

-

10 publicações

-

Design e Artes

11 anos

20 publicações

-

Design, Arquitetura e Programação

6 anos

20 publicações

Sim

Publicidade e Propaganda

5 meses

7 publicações

Não

Estudantes de Pré Vestibular

Piña Ruda (Chile) Savant Editora (Brasília - DF) Verso (Rio de Janeiro - RJ)

Capítulo 3


Quais tipos de publicação produz?

Os conteúdos publicados são...

Quais meios de impressão utilizam?

A editora foca em algum público?

Zines, Livros e Postais

Autorais e de terceiros

Digital, Xerox e Risografia

Não

Experimentais

Autorais

Serigrafia

Não

Zines, Livros e Experimentais

Autorais

Digital, Risografia e Fine Arts

Depende do projeto

HQs, Revistas, Pôsters e Experimentais

Autorais

Xerox, Risografia e Offset

Depende do projeto

Livros, Experimentais, Pôsters e Postais

De terceiros

Risografia e Offset

Depende do projeto

Zines, Livros, Adesivos e Experimentais

Autorais

Digital e Offset

Depende do projeto

Zines, Livros, Experimentais e Fotolivro

Autorais

Digital e Jato de Tinta

Depende do projeto

Zines, Livros, Pôsters, Experimentais, Postais e Popup

Autorais

Digital, Xilografia, Serigrafia e Offset

Depende do projeto

Livros, Pôsters, Experimentais, Postais e Objetos

Autorais

Digital e Outros

Não

Livros

De Terceiros

Litografia

Sim, Artístico

Zines, Livros e Prints

Autorais

Digital, Cianotipia e Jato de Tinta

Não

Zines, Experimentais e Livros

Autorais e de terceiros

Digital, Xerox e o que o trabalho pedir

Depende do projeto

Zines, Livros e Pôsters

-

Litografia

Sim, Artístico

Zines, Livros, Adesivos, Pôsters, Experimentais e Roupas

Autorais e de terceiros

Digital, Xerox e Risografia

Sim, Amigos

Zines, Livros, Pôsters e Fotolivro

Autorais

Digital

Sim, Fotografia

Zines, Experimentais, e Pôsters

Autorais

Xerox e Jato de Tinta

Não

69

3.3


70

Feira Tijuana, realizada na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (RJ).

CapĂ­tulo 3


71

Alguns dos trabalhos apresentados pelos expositores participantes da 19ÂŞ Tijuana.

3.3


3.4 Feira Cria (PB) A segunda etapa das pesquisas de campo foi na 6ª edição da Feira Cria realizada na cidade de João Pessoa, no estado da Paraíba. A iniciativa surgiu em 2017 idealizada pela Marina Brazil e Gabriela L’Amour, que apresentam uma proposta itinerante de reforçar a cultura local da produção artesanal e livre dos publicadores e artistas autônomos da região Nordeste. Se trata de uma mostra de arte impressa e publicação independente sem local fixo, a cada edição ela é realizada em uma capital diferente da região com o propósito de levar a novos públicos a produção de novos expositores, com esta abordagem a feira se reinventa a cada edição, com uma curadoria diferente possibilitando novas trocas e experiências com públicos distintos. Desde o início deste projeto, o desejo de visitar, conhecer e estar próximo da produção editorial independnete de outras regiões era instigante. Por admiração e curiosidade à cultura local e também pelo desejo de desolcar para um local distante e diferente do lugar comum, esta etapa da pesquisa foi motivante para observar a riqueza de possibilidades neste tipo de produção e sentir as grandes proporções que este projeto, também realizado de forma independente, pode tomar. A lista de expositores foi divulgada algumas semanas antes do evento e como o

72

planejamento para a realização da pesquisa demandava, o primeiro passo foi realizar um levantamento dos artistas e editoras selecionados para conhecer um pouco mais sobre seus trabalhos realizados e pesquisar o histórico dos mesmos. Para a realização desta edição, foram selecionados 70 expositores, em sua grande maioria dos estados da Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Baseado na experiência obtida na etapa anterior, foi necessário fazer um contato prévio com os editores e autores de modo a apresentar a proposta da pesquisa e os objetivos pretendidos para que pudessem se contextualizar e refletir sobre o assunto, para que no dia do encontro, durante a feira, já estarem mais contextualizado com a pesquisa e preparado para a abordagem, de modo a responder as perguntas de forma mais confortável. Por esta etapa envolver grandes distâncias entre pesquisador e entrevistados, a preparação demandou maiores cuidados no planejamento. Adotou-se a estratégia de levar envelopes endereçados e já selados para que, caso o editor não consiga preencher o questionário durante a feira, possa responder em casa e enviar as respostas posteriormente por carta, sem custo. Esta escolha foi feita tanto para expor a seriedade e comprometimento com a pesquisa, quanto para otimizar o tempo exigido para sua realização, pois como esta feira ocorre durante apenas em um dia, havia o risco de não dar tempo de preencher os questionários em paralelo à realização da feira, que é o objetivo principal dos editores e artistas estarem ali.

Capítulo 3


73

Material de pesquisa utilizado durante a 6ª edição da Feira Cria

3.4


O deslocamento diurno entre Rio de Janeiro e João Pessoa possibilitou observar da janela do avião a imensidão deste país e as grandes distâncias entre pessoas, nichos editoriais e centros urbanos. Esta reflexão foi uma imersão à proposta da pesquisa a ser desenvolvida. Somado a isto, estar sozinho e sem ajuda de terceiros proporcionou uma atmosfera de independência ainda maior durante a execução da pesquisa e refletiu na valorização dos indivíduos que, por conta própria, realizam seu trabalho e são capazes de estar presente nas feiras, pensamento que foi reforçado a partir de alguns relatos ao longo da pesquisa.

É muito importante que as pessoas que conhecem seu trabalho pela internet, te conheçam pessoalmente para saber que existe realmente uma pessoa por trás de tudo. (Dessamore) A chegada à João Pessoa foi simultânea ao horário de montagem da feira, com isso, possibilitou uma observação dos cuidados e comprometimentos das editoras em relação aos seus trabalhos desde o início. A edição foi realizada no Espaço Cultural José Lins do Rego, um centro artístico com um público aberto a novas narrativas. Uma adaptação na abordagem da pesquisa foi necessária para não perder novos relatos. Como as perguntas foram formuladas direcionando à editoras, com ter-

74

mos específicos a este nicho, alguns artistas se questionaram se poderiam participar da pesquisa, por não se classificarem como editora de fato. Este foi um alerta para repensar durante o processo sobre a produção independente, incluindo também os artista autônomos que possuem seu catálogos sem tal classificação, elevando o termo “independente” a outras circustâncias e gerando a possibilidade de qualquer um poder produzí-la de fato.

A arte permite que sejamos nós mesmas, e publicar como artista independente reforça essa liberdade (INKana Studio) A feira propôs contrastes e atos de resistência em relação a cultura local. O propósito da feira foi evidente, numa imersão de vozes e relatos de suas realidades em contraponto a uma visão distante de um pesquisador de fora, realizando seu primeiro contato com todos os artistas e trabalhos expostos. Entre as conversas e relatos, a humanização das propostas editoriais e a motivação de estar ali era evidente, como a Padoca Editora, da cidade de Caruaru, ao relatar seu conceito de dar voz aos artistas do agreste pernambucando através de sua futura editora.

Nós queremos publicar os amigos e amigos de amigos que produzem arte + literatura, e que fazem isso a partir do interior. A gente também queria poder trabalhar o design e editorial fora do caminho mais tradicional (Padoca Editora)

Capítulo 3


Os trabalhos expostos, conforme mencionado, não eram apenas de editores denominados como tal, entretanto, a liberdade criativa e solução para novos formatos em mídia impressa foi curioso apresentado através de artefatos ricos e diferenciados, apresentando costuras, impressos e manifestações manuais e artísticas. Esta atividade artesanal, em contraponto com as reflexões editoriais concebidas até então, foram interessantes para ressaltar a liberdade que a produção autônoma proporciona e os resultados improváveis, mas que se tangem em relação à essência.

Muitas vezes você ao trabalhar neste ramo e acaba se sentindo sozinho, é uma solidão por escolha. E poder notar os olhos brilhandos de outra pessoa, é notar o sentimento ali impresso de fato. (Hiperbolizando Letras) Somado às liberdades poéticas e artísticas, a ambição editorial era notável nas mesas com impressos e zines de fato. A realização da feira, dividida em seções e propostas artísticas apresenta um cenário grande e diversificado. A motivação como realizadora da feira por parte da da Gabriela, que também possue sua editora, revela o retorno de quem a produz.

Pra gente é a parte mais legal e o que faz a gente continuar produzinto, são as feiras e a troca com as pessoas. (Chuvisco Editora) O ponto de vista como pesquisador e visitante, foi de um ambiente cativante e inspirador. As motivações dos expositores não são explícitos apenas em circular pela feira e observar os trabalhos nas mesas, são os relatos e contatos humanos que revelam as maiores histórias e inspirações sobre a essência de suas realizações.

Poder fazer publicações é, para mim, uma forma de poder retribuir o que tantos autores fizeram por mim. É dizer o que há de mais íntimo em mim na esperança que alguém, ao ler, tenha a mesma sensação que costumo ter, a de ter conseguido um grande amigo. (Minna Miná) O sentimento ao final desta experiência foi de plenitude em relação a constatação de uma atividade editorial ampla e viva. Somado a isso, a inspiração como ato de resistência à cultura local, preservando as características próprias sem perder a identidade, fato mais do que explícito nesta feira, com lindos trabalhos autênticos e motivadores para manter o cenário independente ainda mais vivo.

3.4

75


Respostas dos participantes durante a Feira Cria (PB), realizada no dia 25 de agosto de 2018

Publicam há quanto tempo?

Quantos títulos possuem?

Se banca com as publicações?

Qual a área de formação?

Camisas Lunáticaz (Recife - PE)

1 ano

2 publicações

Sim

Design

Chuvisco Editora (Recife - PE)

3 anos

6 publicações

Não

Design, Artes e Publicidade

Dessamore (João Pessoa - PB)

7 anos

3 publicações

Sim

Rádio e TV

Georgia Cardoso (Fortaleza - CE)

10 anos

Muitos

Não

Design de Moda e Artes Visuais

Hiperbolizando Letras (Recife - PE)

3 anos

-

Sim

Publicidade e Propaganda

Ilustralu (Natal - RN)

4 anos

6 publicações

Sim

Publicidade e Propaganda

INKana Studio (Natal - RN)

4 anos

6 publicações

Não

Arquitetura e Urbanismo e Artes Visuais

Juliana Fiorese (João Pessoa - PB)

3 anos

6 publicações

Sim

Arquitetura, Design e Comunição e Marketing

Karla Farias (Natal - RN)

5 anos

2 publicações

Não

-

6 meses

3 publicações

Não

Mídias Digitais

4 anos

6 publicações

Não

Jornalismo

-

-

Não

Design

Rhebe Morais (Olinda - PE)

1 ano

2 publicações

Não

Ciências Sociais

Roger Vieira (Recife - PE)

3 anos

2 publicações

Não

Pedagogia

Saulo Monteiro (Fortaleza - CE)

9 anos

Vários

Sim

Artes Visuais

76

Minna Miná (João Pessoa - PB) Oi, Zine (Natal - RN) Padoca Editora (Caruaru - PE)

Capítulo 3


Quais tipos de publicação produz?

Os conteúdos publicados são...

Quais meios de impressão utilizam?

A editora foca em algum público?

Zines, Adesivos, Pôsters, Experimeitais, Lambelambe

Autorais e de terceiros

Serigrafia

Sim, pessoas Lunáticaz

Zines, Livros, HQs, Adesivos e Postais

Autorais e de terceiros

Digital

Depende do projeto

Zines, Adesivos, Pôsters e Postais

Autorais

Digital

Não

Adesivos, Pôsters, e Experimeitais

Autorais

Digital e Linoleogravura

Sim, mulheres

Adesivos, Pôsters e Postais

Autorais

Digital

Não

Zines, Livros, HQs, Pôsters e Postais

Autorais

Digital

Depende do projeto

Zines, Livros, HQs, Adesivos, Pôsters, Experimeitas, Bottons

Autorais

Digital e Linoleogravura

Não

Zines, HQs, Adesivos, Pôsters e Postais

Autorais

Digital

Sim, leitores e artistas

Zines e Adesivos

Autorais

Digital

Não

Zines, Livros, Adesivos, Pôsters e Postais

Autorais

Digital, Xilografia, Serigrafia, Gravura e Linogravura

Não

Zines, Livros, HQs, Pôsters e Experimentais

Autorais

Digital

Não

Zines, HQs, Adesivos, Pôsters, Experimentais e Postais

Autorais e de terceiros

Digital, Xerox, Risografia e Serigrafia

Depende do projeto

Zines, HQs, Adesivos e Pôsters

Autorais

Digital

Não

Zines, HQs e Experimentais

Autorais

Digital

Não

Zines, HQs, Adesivos, Pôsters e Experimentais

Autorais

Digital, Xerox e Xilografia

Sim, cultura pop

77

3.4


78

Registros da realização e movimentação da Feira Cria, em João Pessoa - PB.

Capítulo 3


79

Alguns dos materiais produzidos e expostos pelos participantes.

3.4


3.5 Motim 2018 (DF) Incentivada pelo FAC (Fundo de Apoio a Cultura), a quinta edição anual do MOTIM (Mercado de Produção Independente) reuniu, entre os dias 2 e 4 de novembro de 2018, um total de 101 expositores de todo país, variando entre editores e artistas independentes, além de oferecer shows, cursos, filmes e palestras sobre o cenário de produção de material artístico, editorial e autônomo. A feira é organizada pelos irmãos Felipe Honda e Leandro Mello que desde 2014 a realizam na cidade de Brasília como forma de reafirmar e dar maior visibilidade ao cenário e movimentação envolvida na produção editorial independente do país [3.4]. Para esta edição a temática da feira foi focada na descentralização existente neste tipo de produção e gerou uma reflexão sobre como este método de atuação é necessário para compreensão do movimento. Conforme relatado pelos organizadores, em palestra realizada durante a feira, isto impactou até mesmo o processo de produção para o evento que, a partir de uma mudança de local, representou mais ainda a descentralização da proposta da feira. Entre outros motivos, esta foi a primeira vez em que o MOTIM foi realizado fora do eixo central de Brasília (antigamente a feira ocorria no Museu Nacional da República, próximo ao Congresso Nacional e eixo turístico da cidade) e passou a ser realizada no distrito de Guará, uma

80

cidade satélite do Distrito Federal. A expectativa em relação ao volume de público com esta mudança foi motivo de preocupação e gerou dúvidas em relação à recepção dos visitantes, entretanto com a importâncoa e consagração obtida ao longo dos anos de realização da feira, a edição de 2018 se manteve cheia e movimentada ao longo dos três dias de atividades, reforçando a quebra de paradigmas da produção autônoma. A intenção e motivação da realização da feira é ressaltada por Felipe Honda, em seu texto de apresentação do MOTIM, impresso no folheto de divulgação da feira:

O que mais gosto do meio independente é o fato de se ter um produto ‘real’ do público local e não ‘plástica’ do grande capital que tenta extrair ao máximo um conteúdo, muitas vezes estrangeiro que não faz sentido algum com a realidade e cultura da nossa gente. (HOLANDA, 2018) Esta etapa da pesquisa de campo foi extremamente rica e importante para a concepção e intepretação do que é de fato produzir de forma autônoma e a comunidade que existe entre os editores. A recepção foi calorosa, e entre os relatos, conversas, trocas de materiais e conceitos editoriais, a relação humana entre todos os envolvidos foi inspiradora para uma reflexão da essência de se produzir de forma livre e na busca por meios de sobrevivência na luta pela liberdade de expressão.

Capítulo 3

[3.4] Relatos obtidos em palestra realizada no dia 4 de novembro de 2018 no MOTIM. Tema: “outros capitais: potencial das feiras de publicações independentes para além das vendas”


81

Zines deste projeto utilizados na pesquisa de campo realizada no MOTIM 2018

3.5


A lista de expositores foi divulgada no dia 15 de setembro, na página oficial do evento no facebook, e desde então movimentou os primeiros passos em relação a organização e produção para esta etapa da pesquisa de campo. Mudando totalmente a forma de abordagem para o projeto, nesta etapa o contato prévio com os expositores também incluiu o envio das zines que compõe a pesquisa por carta, combinando com os entrevistados que a coleta do material já preenchido seria realizado na feira. Esta decisão foi feita para viabilizar a implementação do projeto e otimizar o tempo de todos, de modo a permitir uma circulação pela feira livremente sem cobrar o preenchimento dos questionários. O ativismo presente foi extremamente marcante, tocante e necessário. A proposta do MOTIM como ato de resistência se refletiu em todos os momentos, falas e conversas realizadas ao longo desta etapa de pesquisa de campo. A feira foi realizada uma semana após a eleição presidencial do país e talvez por este motivo, ficou tão evidente a necessidade desse espaço de fala. Por questões políticas, a resitência no ato de se auto publicar se tange com a realidade do país em tempos pós eleições e se reflete na fala de cada um.

Em tempos de marginalização e repressão, conhecer narrativas diferentes é fundamental. (Extraterrestre) 82

Publicações independentes representam resistência e conseguem tocar leitores atraves da experiência visual. Em tempos efêmeros, ter um impresso em mãos acaba se tornando significativo e conecta pessoas ao que o outro produz. (Netuno Press) Vejo as feiras como um espaço de resistência e autonomia diante à hegemonia do mercado globalizado que limita nossas escolhas (Santa Brígida) Temáticas atuais e importantes, dando voz àqueles que precisam manter ainda mais seu espaço de fala preservado e existente, foram frequentes. Temas como feminismo, resistência indígena, luta contra o racismo, presença LGBT e a resistência pela democracia, foram temas explícitos em quase totalidade da feira, numa busca de tocar e expor as tristes realidades da atualidade do país. A questão da independência foi elevada a outros níveis. Sentir, de fato, a censura e o risco ao qual a liberdade de expressão está exposta, demandou uma reflexão sobre todo o estudo realizado até então neste projeto. As conversas e observação do material exposto foram essenciais para reafirmar a importância do trabalho de todos os autopublicadores e a relevância de suas publicações para uma conscientização social para existência da justiça e autonomia de vida.

Capítulo 3


Acredito no poder de transformação da arte e cultura, e publicações independentes são um ótimo meio de circulação. (Andorinea) A criatividade é o espaço e o caminho para “conversar” com o outro. Assim, novas possibilidades de diálogo para a construção de um mundo mais diverso, se dá. Trabalhos autorais, feitos com liberdade, são fundamentais para que o novo aconteça. (Ateliê ReTina) Em paralelo à feira, palestras e debates sobre o ato de publicar por conta própria eram realizados durante o evento. A discussão foi pautada na atividade independente em um formato acolhedor. A disposição das mesas dos expositores no mesmo espaço que o palco para tais discussões, representava uma democracia de acesso a informação para todos. Era possível circular pela feira e estar presente nos debates simultaneamente. A liberdade de expressão foi a maior lição da experiência no MOTIM. A motivação envolvida criou uma atmosfera amigável entre todos, resultando em um volume de participação alto, com conteúdos relevantes e fortes declarações no preenchimento dos questionários, além de uma maior abertura em relação à pesquisa.

83

Me sinto fazendo parte da resistência (já me sentia antes das eleiçoes) em boa companhia (Borogodó Editora) Arte só é arte quando é compartilhada. Até a indiferença e a crítica negativa são legais. O contato com leitores e editores é fundamental (Editora Nautilus) Porque vivemos em uma sociedade que o monopólio midiático concentra poder e resulta em uma falsa pluralidade. Se publicar é mostrar que eistem novas ideias e novas formas de organização e disseminação de materiais e informações. Se publicar é maretializar a liberdade de expressão (Vulva Revolução) O MOTIM foi inspirador e necessário. Uma metáfora à revolução que a liberdade proporciona em tempos conturbados de insatisfação política e injustiça social. O movimento autônomo se mantém vivo, relevante e mais importante que nunca, mantendo um canal de comunicação sem censura ou intermédios editoriais baseados em ideologias capitalistas ou de interesse maior. O movimento se reinventa, se reinicia, numa busca por dias melhores e mantendo a conscientização e informação através dos impressos cada vez mais viva.

3.5


Respostas dos participantes durante o MOTIM (DF), entre os dia 2 e 4 de novembro de 2018

Publicam há quanto tempo?

Quantos títulos possuem?

Se banca com as publicações?

Qual a área de formação?

À Margem (Brasília - DF)

2 anos

7 publicações

Não

Letras Português

Andorinea (Porto Alegre - RS)

4 anos

3 publicações

Não

Letras e Produção Multimídia

Ateliê ReTina (Santa Maria - RS)

5 anos

-

Não

Artes Visuais e Autodidata

Borogodó Editora (São Paulo - SP)

2 anos

13 publicações

Não

Artes Visuais

CCBSB (São Paulo - SP e Brasília - DF)

4 anos

5 publicações

Não

Design

12 anos

+10 publicações

Não

-

Criatura (Brasília - DF)

6 anos

+20 publicações

Não

Ciências Sociais e Artes Visuais

Editora Nautilus (Brasília - DF)

6 anos

10 publicações

Não

Filosofia e Jornalismo

Experimentos Impressos (Canoas - RS)

2 anos

+40 publicações

Sim

Publicidade e Jornalismo

Extraterrestre (Brasília - DF)

4 anos

Vários

Não

Design

-

3 publicações

Não

-

Martokos (São José da Lapa - MG)

3 anos

Vários

Sim

Comunicação Visual

Nega Lilu (Goiânia - GO)

5 anos

19 publicações

Sim

-

Netuno Press (Fortaleza - CE)

3 anos

5 publicações

Não

Moda, Publicidade, Jornalismo e Artes Visuais

Quadrada (Salvador - BA)

5 anos

+20 publicações

Sim

Jornalismo

QG Feminista (Brasil inteiro)

6 meses

3 publicações

Não

Variadas

Santa Brígida (Goiânia - GO)

3 anos

2 publicações

Não

Design

Thaïs Kisuki (Lençois - BA)

9 anos

5 publicações

Não

Arte e Mídia

Vulva Revolução (Brasília - DF)

3 anos

4 publicações

Não

Jornalismo e Esp. em Gênero e Sexualidade e D.H.

Chupa Manga Records (São Paulo - SP)

84

FZZ (Brasília - DF)

Capítulo 3


Quais tipos de publicação produz?

Os conteúdos publicados são...

Quais meios de impressão utilizam?

A editora foca em algum público?

Zines, Pôsters, Experimentais e Fotos

Autorais

Digital, Xerox e Risografia

Depende do projeto

Zines, HQs e Postais

Autorais

Digital

Não

Postais, Pôsters e Experimentais

Autorais

Digital, Xilografia, Carimbo e Stencil

Não

Livros, Pôsters e Experimentais

Autorais e de terceiros

Digital, Serigrafia, Carimbo e Stencil

Não

Zines, Adesivos, Pôsters e Experimentais

Autorais e de terceiros

Digital, Risografia e Indigo

Sim, cultura urbana

Zines, Livros e Discos

Autorais e de terceiros

Digital, Xerox e Serigrafia

Depende do projeto

Zines e Postais

Autorais e de terceiros

Digital e Xerox

Não

Zines, Livros, Revistas, Pôsters e Experimentais

Autorais e de terceiros

Digital, Xerox e Serigrafia

Não

Zines, Livros, Pôsters, Postais e Experimentais

Autorais

Digital e Xerox

Depende do projeto

Zines, Adesivos, Pôsters e Experimentais

Autorais

Digital, Xerox e Risografia

Não

Zines, Adesivos e Pôsters

Autorais

Digital, Xerox, Risografia, Serigrafia e Xilografia

Não

Adesivos, Postais e Pôsters

Autorais

Digital e Serigrafia

Depende do projeto

Zines, Livros, HQs, Adesivos, Pôsters, Experimentais e Postais

Autorais e de terceiros

Digital e Offset

Depende do projeto

Zines, HQs, Adesivos, Pôsters e Postais

Autorais

Digital e Risografia

Não

Zines, Livros, HQs, Revistas, Pôsters e Adesivos

Autorais

Digital, Risografia e Jato de Tinta

Depende do projeto

Zines

Autorais e de terceiros

Digital

Sim, mulheres e meninas

Zines, Adesivos, e Pôsters

Autorais

Digital e Fine Art

Não

Zines, Livros, HQs, Revistas, Adesivos e Pôsters

Autorais

Digital, Xerox e Offset

Não

Zines, Adesivos e Experimentais

Autorais e de terceiros

Digital, Xerox e À mão

Depende do projeto

85

3.5


86

A 5ª edição do MOTIM, realizada no Ginásio do Cave, em Guará - DF.

Capítulo 3


87

Amostragem do material produzido e exposto pelos participantes do MOTIM 2018.

3.5


3.6 Feira Miolo(s) (SP) Para fechar a última etapa da pesquisa de campo, a Feira Miolo(s), realizada no dia 10 de novembro de 2018, na cidade de São Paulo pela editora Lote 42 e Banca Tatuí, foi escolhida por ser considerada um dos mais importantes e grandiosos eventos de publicação independente no país desde 2014, reunindo em sua quinta edição mais de 150 editoras, artistas ou coletivos que repensam o modo como o livro impresso é compreendido e encarado em seu processo de publicação. Nesta edição, além da feira de expositores que ocupou os salões da Biblioteca Mário de Andrade, uma exposição em homenagem ao editor e poeta mineiro Sebastião Nunes foi realizada, expondo seus mais importantes trabalhos como um ousado e inovador publicador independente, shows em uma das entradas do prédio, viodemapping durante a noite como forma de intervenção artística, além de uma série de nove palestras com a presença de alguns dos expositores e do próprio Sebastião Nunes, tratando e trazendo a publicação independente para centro das discussões e reflexões em relação ao mundo editorial. Esta foi a maior feira presente no escopo da pesquisa de campo realizada em questões de números de expositores, se tornando um desafio enorme para fechar a sé-

88

rie de entrevistas, tendo em vista que sua realização coincidiu com as últimas semanas de desenvolvimento deste projeto, influenciando um pouco o resultado de coletas de questionários dentre os editores que ficaram de enviar por correio nos dias seguintes ao fim da feira. O processo de abordagem foi semelhante ao do MOTIM, com contato prévio e envio de carta com o kit de zines semanas antes do evento, para dar tempo dos entrevistados refletirem e preencherem com tranquilidade e apenas devolver no dia do evento. Apesar deste envio prévio, por ser um evento grandioso e com muitos editores expondo, a maior parte das abordagens ocorreu presencialmente na feira pois o conteúdo apresentado foi tão diverso que, por ser a última etapa e os últimos kits de pesquisa disponíveis, a escolha foi pontual para garantir o melhor índice de respostas e a pluralidade de vivências possível. A temática em vigor entre os expositores desta feira foi bem ampla, colocando a publicação independente como uma manifestação livre e artística que não possui limites ou regras. Entre as mesas de expositores, não houve um padrão entre as exposições, uma representação cultural do centro de aglomeração cultural e de pessoas que a cidade de São Paulo provoca e proporciona em sua realidade natural. Em paralelo a miolos, um espaço dedicado apenas para as publicações independentes infantis chamou atenção, despertando novamente a pluralidade de opções e caminhos disponíveis no processo de publicação livre.

Capítulo 3


89

As zines da pesquisa de campo, na Ăşltima etapa realizada na Feira Miolo(s) em SĂŁo Paulo - SP.

3.6


A expansão de pensamento em relação aos impressos livres e autônomos ganhou seu espaço no processo de conclusão nesta etapa da pesquisa de campo. Repensar a publicação livre como um amplo mundo de possibilidades e até mesmo em relação ao termo “independente” em todo este conceito.

Acho que perdeu um pouco o sentido usar o “independente” porque temos os mesmos meios de produção e demais ferramentes usadas pelas “grandes editoras”. Temos esse fenômeno de pequenas e médias editoras, que não utilizam os memsos meios de distribuição e indústria. Talvez o termo mais apropriado fosse “alternativas”, por ser uma alternativa ao mercado editorial tradicional (Beleléu) A produção autônoma se baseia na viabilidade projetual. Ter uma ideia e adaptá-la aos recursos disponíveis para sua existência, independente do formato ou padrão que o mercado de livros de editoras tradicionais oferece. Esta liberdade foi marcante e evidente nesta, e em todas as outras feiras, mas por conta do extenso e volumoso número de publicações expostas lado a lado e no mesmo espaço, a feira Miolo(s) propocrionou uma análise de campo desse infinito mundo de possibilidades de forma mais evidente, por ter tantos cenários misturados.

90 As motivações pessoais foram frequentes e reafirmadas em quase todas as propostas dos publicadores em exposição. Um entendimento de porquê as pessoas se autopublicam, é facilmente compreensível ao encarar a essência do movimento e confirmado através de seus relatos sobre suas publicações.

Se o trabalho soa verdadeiro pra mim, se ele desperta alguma reflexão, incômodo e/ou conforto no público, se consigo fazê-lo com minhas ferramentas em casa de forma autônoma (Sismo) me sinto relevante no mundo e conheço pessoas que acreditam em coisas parecidas que eu. isso é o que me faz feliz e me basta. (RVITORELO) Poder existir de fato e ver o trabalho materializado e existindo em suma. Estar nesse meio e trocar informações e visibilidades é enriquecedor (Abajur) O conceito de publicação independente em relação aos coletivos e produções colaborativas também pode ser analisado através dos relatos obtidos. Apesar de se tratar de um processo de publicação livre e por consequência, associar esse tipo de produção a projetos e propostas de um único dono, muitas publicações são produ-

Capítulo 3


zidas em parcerias e união de mais de uma pessoa. O “multi” e amplo também pode ser refletido nesse sentido, as publicações autônomas são livres por questões conceituais e de razão de existir, mas a colaboração da produção e até mesmo entre as editoras para o cenário existir, é fortemente presente.

Conseguimos pelo coletivo, ir além do que conseguimos no mercado tradicional; temos a possibilidade de participar ativamente de todo o processo produtivo, inclusive ter contato com nossos leitores (Babayaga) Permite evoluir não só a partir das minhas experiências, mas das pessoas que estão comido nessa empreitada. Um puxa o outro, muito melhor do que subir ou cair sozinho. (Coletivo Discórdia) Ainda se tratando de parcerias, durante a feira foi possível encontrar com o Márcio SNO, um dos autores presentes na bibliografia deste projeto. Sua dedicação para compreensão e análise da história dos impressos independentes no Brasil é vital para uma análise do movimento no geral, além de sua produção de zines que fomenta a produçnao em escala nacional.

Estar próximo do público é algo como o cantor estar num show trocando energia com a galera. Nem sempre a experiência financeira com é favorável, porém, sempre a experiência com o público e os demais colegas é incrível! Acho que isso faz todo o sentido para o trabalho. Tenho várias histórias legais que ocorreram nesses momentos que me alimentam muito artisticamente (Márcio SNO) Para a execução deste projeto, a feira Miolo(s) fechou a etapa de pesquisa de campo com uma pluralidade inspiradora em relação às possibilidade de produção existentes, estreitando contatos e reafirmando a importância da realização e existência desses eventos para a produção de impressos independentes. Apesar dos grandes volumes e contatos obtidos na feira, o retorno para a pesquisa foi o mais baixo, o intenso volume de visitantes dificultou o preenchimento do questionário e por questão de prazo para fechamento deste projeto, as cartas que alguns expositores ficaram de enviar não chegaram a tempo.

3.6

91


Respostas dos participantes durante a Feira Miolo(s) (SP), no dia 10 de novembro de 2018 Publicam há quanto tempo?

Quantos títulos possuem?

Se banca com as publicações?

Qual a área de formação?

6 meses

3 publicações

Não

Artes Visuais

BABAYAGA (São Paulo - SP)

2 anos

12 publicações

Não

Design

Bebel Books (São Paulo - SP)

5 anos

+100 publicações

Não

Arquitetura

Beleléu (Aracaju - SE e Rio de Janeiro - RJ)

9 anos

+20 publicações

Não

Design

Coletivo Discórdia (São Paulo - SP)

1 ano

15 publicações

Não

Variados

Edições Nectarina (São Paulo - SP)

4 anos

6 publicações

Não

Artes Visuais

Escape Zines (São Paulo - SP)

3 anos

13 publicações

Não

Design

La Tosca (São Paulo - SP)

15 anos

+20 publicações

Não

Letras, Artes e Jornalismo

Márcio SNO (São Paulo - SP)

25 anos

Muitas

Sim

Jornalismo

RVITORELO (São Paulo - SP)

3 anos

5 publicações

Não

Multimeios e Semiótica

Sismo (Brasília - DF)

1 ano

Muitas

Não

Design

YOYO (São Paulo - SP)

5 anos

6 publicações

Não

Jornalismo

Abajur (Brasília - DF)

92

Capítulo 3


Quais tipos de publicação produz?

Os conteúdos publicados são...

Quais meios de impressão utilizam?

A editora foca em algum público?

Zines, HQs, Pôsters, Experimentais e Adesivos

Autorais

Digital e Xilografia

Não

Zines, Livros, Postais, Pôsters, Experimentais e Adesivos

Autorais

Digital e Offset

Não

Zines, HQs, Postais, Pôsters, Experimentais e Adesivos

Autorais e de terceiros

Digital, Risografia e Offset

Depende do projeto

Zines, HQs, Adesivos e Pôsters

Autorais e de terceiros

Digital e Risografia

Não

Zines, Livros e HQ

Autorais

Digital e Xerox

Não

Zines, Adesivos e Pôsters

Autorais e de terceiros

Digital e Xerox

Sim, mulheres e LGBT

Zines, Adesivos, Pôsters e Experimentais

Autorais

Digital, Xerox e Serigrafia

Não

Zines, Livros, HQs, Adesivos, Revistas, Pôsters, Experimentais, Camisetas Postais

Autorais e de terceiros

Digital, Xerox, Artesanal e Offset

Não

Zines

Autorais e de terceiros

Digital

Depende do projeto

Zines, HQs, Adesivos, Pôsters e Experimentais

Autorais

Digital e Jato de Tinta

Depende do projeto

Zines, Adesivos, Pôsters, Postais Experimentais, Bottons e Patches

Autorais

Digital, Carimbo e Serigrafia

Não

Revistas

Autorais e de terceiros

Digital

Sim, infantil

93

3.6


94

Fachada e interior da Biblioteca MĂĄrio de Andrade, onde aconteceu a Feira Miolo(s).

CapĂ­tulo 3


95

Alguns exemplos das publicações expostas na edição da feira.

3.6


3.7 Resultados e desdobramentos A experiência de realizar esta pesquisa de campo foi extremamente inspiradora e importante para repensar a motivação envolvida neste tipo de produção autônoma. O grande teor reflexivo em relação aos e processos envolvidos na atividade de publicação independente sempre se manteu presente. Cada contato, em suas próprias particularidades, serviu para conhecer um novo olhar sobre a concepção do que é publicar por conta própria. Ao final da realização das quatro feiras, que proporcionou a distribuição de 100 questionários, o retorno, até o fechamento desta pesquisa, foi de 62 questionários preenchidos. O fato da realização das duas últimas etapas ter acontecido a poucas semanas do fechamento deste trabalho justifica algumas ausências. A intenção com a entrega ainda é manter a pesquisa ativa, visando uma disponibilização para consulta posteriormente e uma série de publicações sobre o tema, de modo a dar ainda mais voz aos relatos de todos os participantes. É interessante observar o comparativo geral dos resultados (página 95), assim como fazer uma relação dos dados de cada feira, considerando os relatos obtidos e as questões culturais e propostas editoriais envolvidas.

96 O objetivo desta pesquisa em nenhum momento foi de mensusar uma resposta fechada sobre o processo de publicação independente. O coletivo de respostas obtidas e relatos visam apenas apontar um olhar, compreender como são múltiplas as possibilidades de produção e como cada editora, com sua própria proposta, encontra uma narrativa, técnica ou solução gráfica para seu próprio trabalho. Muitas editoras não participaram da pesquisa e portanto, esta pesquisa não fecha uma resposta totalitária da produção atual. Os recortes obtidos com as respostas visa, conforme dito anteriormente, dar voz e destacar as tendências e possibilidades existentes neste tipo de produção. A produção editorial independente possibilita a livre produção e escolhas próprias para produzir artefatos únicos e autênticos, através de diferentes formatos, narrativas e técnicas. Esta se torna então uma pesquisa aberta e livre para obter novos e mais relatos, com o único objetivo de coletar dados e oferecer uma livre consulta a quem desejar.

Capítulo 3


Abrangência da pesquisa

Estados brasileiros: Bahia (2), Ceará (3), Distrito Federal (10), Goiás (2), Minas Gerais (1), Paraíba (3), Pernambuco (6), Rio de Janeiro (7), Rio Grande do Norte (4), Rio Grande do Sul (4), Santa Catarina (1), São Paulo (12) e Sergipe (1). Internacional: Chile (1) , Colômbia (3), Uruguai (1) e México (1).

Tipo de publicação produzida

13%

20,9%

17,6%

13,8% 7,9%

11,3%

8,8% 4,6%

2,1% Adesivo Experimental

HQ

Livros

Postal

Pôster

Revistas

Zines

Outros

Tipo de impressão utilizada 41,9%

6,2% Digital Jato de Tinta

Offset

8,5%

10,1%

Risografia

Serigrafia

15,5%

13,2% 4,6%

Xerox

Xilografia

Outros

Tempo de atividade como publicador independente

Tipo de conteúdo publicado por editora

36,2%

65,5%

32,8% 22,4%

31,2% 8,6% 3,3% Apenas autoral

Apenas de terceiros

Autoral e de terceiros

Menos de 1 ano

Entre Entre 1 e 2 anos 2 e 3 anos

Mais de 3 anos

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CapĂ­tulo 4


4. O ateliê editorial Papiro Após o levantamento bibliográfico sobre o processo de concepção do livro e consequentemente sobre a afirmação de uma atividade editorial no primeiro capítulo de uma pesquisa sobre o desenvolvimento dos atos de resistência e existência que motivaram as produções impressas livres e autônomas no segundo capítulo, coube realizar uma pesquisa de campo pelo país, conversando com publicadores e conhecendo na prática a implementação da produção editorial independente, conforme registrado ao longo do capítulo anterior. Por fim, este projeto apresenta sua proposta de pesquisa e contribuição acadêmica com a criação de uma nova editora autônoma e a realização de uma publicação que resgata a experiência pessoal obtida ao longo da execução da pesquisa de campo das inspirações surgidas a partir dos diálogos e conversas com os editores entrevistados. O desejo de ter a própria editora sempre foi algo presente no processo de minha formação como profissional em Comunicação Visual Design, que mistura a subjetividade existente na liberdade artística e a gestão gráfica que o design proporciona. A produção editorial independente, principalmente a partir da produção de zines, abre as portas para um novo caminho em crescimento que instigou a realização deste projeto.

Zines são produzidos por pessoas criativas com visões independentes e o compromissoo de olhar para conteúdos peculiares de seus próprios pontos de vista. (LUPTON, 2011 | p. 73)

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3.1 A

proposta editorial

Ser livre e produzir material gráfico de forma autônoma e artesanal sempre foi uma meta, baseado nos estudos e vivências de uma formação dentro de um curso da Escola de Belas Artes. O design atrelado à comunicação visual atua na prática com o propósito de atender alguma demanda baseada num objetivo específico, atendendo algum tipo de comunicação. Atrelado a este desejo, a experiência profissional em escritórios e agências de comunicação proporcionaram esta atuação, de criar peças gráficas para atender um terceiro que solicita tais serviços. Entretanto, para ser bem consagrado e inovador na produção de peças de comunicação, o repertório visual e conhecimento técnico precisam estar constantemente em movimento e inovando-se para gerar novas soluções gráficas que atendam tais demandas. Foi neste contexto que o desejo de ter um espaço gráfico e criativo livre e ativo se despertou.

Tradicionalmente, os designers gráficos trabalhavam para clientes, ajudando-os a colocarem ideias na forma impressa. Hoje, muitos designers estão produzindo seus próprios projetos, utilizando sua capacidade visual e conhecimentos do ramo editorial para produção própria. (LUPTON, 2011 | p. 155) 100 A experimentação e ousadia que a produção artística e autoral proporciona não possue limites em questões de propostas criativas. Esta liberdade de produção se choca apenas com o cerne de qualquer produção em comunicação visual, a viablidade projetual, que sugere uma gestão de cenários e prazos para suprir tais demandas. Este sempre foi um campo de interesse pessoal e que a produção editorial necessita em todo o processo para ser concebida e realizada.

O designer como editor está em uma posição singular para juntar texto, imagem, leiaute e produção final em um todo que seja mais representativo que suas partes. (LUPTON, 2011 | p .155) A produção editorial autônoma surge então como não apenas um campo de atuação livre e expontâneo nos processos de criação e construção de repertórios e portfólios criativos e autorais. A produção editorial é encarada para este projeto como uma fonte de pesquisa e inspiração constante. O despertar para este caminho surge a partir de vivências ao longo dos últimos anos em feiras de publicações independentes, no consumo de livros e observação de soluções gráficas adotadas nos mais diversos projetos, em algumas disciplinas da graduação que provocaram a ousadia criativa e a liberdade na concepção de

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projetos de comunicação visual, e na busca por bibliografia que tratasse o assunto, como o livro de Guilherme Cunha Linha (2014) que me serviu de inspiração, a partir de artistas e designers que ao longo da história se propuzeram a atuar neste campo de produção visual autônoma, como na junção de Orlando da Cosa Ferreira, José Laurenio, Gastão de Holanda e Aloísio Magalhães e sua criação coletiva com o Gráfico Amador.

O Gráfico Amador foi fundado porque o grupo desejava publicar seus próprios escritos e o circuito editorial comercial não lhes era acessível. Naquele tempo, não havia editoras em Pernambuco. Quem quisesse publicar um livro teria não apenas de contratar uma gráfica, mas também se envolver em todos os passos relativos à distribuição dos exemplares. (LIMA, 2014 | p.55) Com a conceituação e a motivação já estruturada e fixada em relação ao processo pessoal e autoral de experimentação e produção gráfica, nasce om desejo de ter a própria editora para publicar tudo aquilo que fosse desejado. O maior intuito com a criação da editora é ser livre para fazer o que quiser, se autodesafiando a encontrar soluções gráficas distintas através de narrativas livres.

101 A experimentação é o principal motivador na concepção desta editora que, por ser livre na produção deverá provocar os sentidos com a utilização de diferentes papeis, formatos, dobras e soluções gráficas na criação de publicações instigantes e deleitosas, em que a narrativa esteja tão alinhada com o artefato físico quanto possível. Inspirado e motivado por esses objetivos, surge a proposta editorial para uma editora livre que se reinvente a cada publicação.

Publicar envolve tanto produzir quanto distribuir um trabalho. Primeiro você tem de apresentar seu conteúdo de uma forma física que as pessoas possam entender, e então precisa possibilitar que as pessoas o encontrem. (LUPTON, 2011 | p.12) A escolha para o nome foi um longo processo de meses em que a ideia já existia mas a forma e caminho a se seguir ainda não. Através de uma união de duas dinâmicas de instigação criativa, o brainstorm e posteriormente o mapa mental, ferramentas utilizadas no processo primordial de soluções criativas. (LUPTON, 2011)

Brainstorming significa atacar um problema a partir de todas as direções possíveis de uma só vez, bombardando-o com perguntas rápidas para chegar a soluções viáveis. (LUPTON, 2011 | p.155)

4.1


A partir do brainstorm, como primeira etapa para concepção de um nome para a editora, ficou evidente a forte relação com o suporte em que as publicações são produzidas como ponto forte a ser explorado para a proposta de nome. Partindo do papel como eixo principal na produção de publicações, a etapa seguinte de mapa mental [4.1] estimulou o pensamento em volta do tema para buscar um nome que pudesse fechar o conceito desejado para a futura editora.

[4.1] Mapa mental para escolha de nome para a editora

102 Notou-se que o aspecto histórico e de concepção do livro foi presente no mapa mental e este caminho chamou atenção. Somado aos estudos de processos de conquista de espaço e desenvolvimento da atividade editorial e a forte relação ao suporte utilizado para produção de impressos, a palavra papiro se destacou. Papiro diz respeito ao tipo de suporte produzido no Egito antigo e foi um dos percursores da mudança de postura e utilização de mídia para produção de impressos na história do livro, a tradição e ousadia de criação podem ser comparadas a este nome, carregando dois valores a serem explorados pela editora. Conforme o tempo foi passando, novos significados e interpretações surgiram, dando a certeza de que a escolha havia sido realizada: Editora Papiro. A escolha deste nome tange o confronto entre clásico (papiro remetendo ao suporte utilizado no Egito Antigo) e a inovação (produção contemporânea de publicações independentes e a própria inovação que o papiro significou à época, na mudança de formato para a concepção dos livros)

Fazer livros à mão é uma arte e um trabalho artesanal que encerra muita nobreza. Por outro lado o processo industrial de produção de um livro é considerado a forma mais antiga de produção de massa. (LUPTON, 2011 | p .155)

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De principio, a editora teria apenas este nome, pela sonoridade, facilidade de reconhecimento e os valores que permeiam a palavra. Entretanto, o uso do termo “editora” era um pouco restrito em relação a proposta da produção editorial desejada. Deste modo, inspirado pela bagagem artística que a graduação proporcionou, o uso do termo “Ateliê” entrou em discussão, fechando assim a escolha para o nome final: Ateliê Editorial Papiro. A proposta editorial estava estabelecida. Ser não apenas uma editora que produz seus impressos autônomos e livres, mas um ateliê que proporcione uma pesquisa gráfica de experimentação no campo de produção em design editorial, de modo a cada publicação ser uma nova experiência para o leitor, em sua relação com os artefatos através da ousadia criativa, mas mantendo a essência que os fatos históricos de concepção do livro foram capazes de oferecer ao se reinventar. A definição de uma única temática para as publicações, de início, demandou um grande esforço ao ser fechada ou, em outras palavras, limitada, algo que seria contrário à proposta pretendida. Deste modo, a Papiro se apresenta como uma editora sem recorte temático. A intenção com a produção é explorar as narrativas livremente, sem cobranças ou focados em nichos, possibilitando, caso seja necessário, a criação de selos ou coleções para dividir o tema, mas este não é algo pretendido e, portanto, conforme as publicações sejam lançadas, as decisões serão tomadas. Alguns experimentos prévios já foram realizados no campo da produção editorial, mas nenhum com a assinatura da Papiro aplicada de fato. A primeira publicação será um relato da experiência vivida ao longo das 4 etapas da pesquisas de campo realizadas neste projeto, explorando o pensamento envolvido na produção de publicação livres e a liberdade como um todo, sendo este o assunto principal, quase como um manifesto em relação à liberdade de cada um. A médio prazo, a Papiro pretende obter um catálogo composto e bem acabado para poder participar das feiras como expositora, um grande desejo que só aumentou a partir da experiência de viajar o país para ver de perto como as produções são recebidas leitores e outros expositores. Num segundo momento, a Papiro lançará seu site, com blog, este voltado para toda experiência envolvida na criação doas publicações, além de dar ainda mais voz e destaque aos entrevistados e os 61 livretos devolvidos, que por si só, já consagram uma coleção coletiva e colaborativa entre tantos editores. Os aspectos acadêmicos e de criação como design de fato serão explorados em todos os âmbitos de atuação da editora, como forma de reforçar a importância de colocar em pauta esta discussão de publicações independentes.

4.1

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4.2 Identidade

visual

Com a proposta editorial estabelecida e o nome para a editora selecionado, o processo de concepção para uma identidade visual se iniciou. A intenção era gerar uma marca que fosse facilmente reconhecida, lida e de fácil reprodução, baseada nas limitações técnicas e artesanais que o projeto se propõe a manter. A ideia inicial era utilizar a forma da folha de Cyperus papyrus [4.2] como ícone para a editora, remetendo iconograficamente à planta que deu origem ao papiro. Posteriormente, de forma mais livre e tipográfica e partindo da sonoridade da palavra, quebras foram realizadas na estrutura do nome como forma de desconstruir a palavra, remetendo à inovação pretendida com as publicações da editora além do uso de uma forma retangular na proporção áurea, como a dos formatos de papel A4, A5, A6, das publicações, expressado graficamente como margem para a logo. [4.3]

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[4.3] Redesenho das ideias primordiais para a logo da Papiro

Com o rascunho gráfico para a logo, a etapa seguinte foi de seleção de cores para a identidade visual. Alguns tons de bege e marrom foram testados de início, se assemelhando à cor dos rolos de papiro, entretanto não expressavam a força e pregnância desejada. A segunda opção foram tons escuros e neutros numa variação tonal de cinza. Esta escolha foi totalmente realizada por gosto pessoal, como forma de representar a pessoa por trás da editora que usualmente, nas relações familiares e de ciclo social, já é reconhecido pelo uso constante de preto como característica pessoal. Deste modo, dois tons foram escolhidos para gerar contraste:

CINZA 1 | PAPIRO C: 60 M: 50 Y: 50 K: 70 R: 55 G: 55 B: 55 #363735

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CINZA 2 | PAPIRO C: 15 M: 10 Y: 10 K: 0 R: 223 G: 224 B: 226 #DFE0E2

[4.2] A folha de Cyperus Papyrus


Como o logotipo criada é composto basicamente de tipografia, a escolha da fonte foi realizada com atenção e diversos testes de famílias distintas, na busca de uma fonte que tivesse em seu desenho características clássicas, mas com algum tipo de intervenção moderna. A presença de serifa foi primordial para a seleção, eliminando algumas opções de imediato. Após alguns testes e aplicações, a fonte Kefa foi escolhida por obter em seu desenho as características pretendidas, sendo clássica, com serifa, mas redesenhada pelo designer francês Jérémie Hornus em 2013, trazendo consigo alguns detalhes modernos ao desenho.

ABCDEFGHIJKLMNOP QRSTUVWXYZÀÊÍÕÜ abcdefghijklmnopqrs tuvwxyzàêíõü 123456789($%&.,!?)

ABCDEFGHIJKLMNOP QRSTUVWXYZÀÊÍÕÜ abcdefghijklmnopqrst uvwxyzàêíõü 123456789($%&.,!?)

Com o conjunto da identidade visual quase completo, o último passo em sua construção foi unir todos os elementos [4.4] para ver seu funcionamento, realizar alguns ajustes e testes de impressão para verificar a escala e redução máxima.

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[4.4] Marca principal | Cor, Negativo e Positivo

O logotipo principal possui uma proporção vertical semelhante a um selo, para outras aplicações fez-se necessário criar uma versão secundária mais horizontal [4.5], para alguma aplicação em que a redução não prejudicasse a legibilidade. Para constatar a leitura, a logo foi apresentada para pessoas aleatórias para observar que nome era lido, e todos os consultados identificaram o nome papiro sem problemas.

[4.5] Marca horizontal | Cor, Negativo e Positivo

A aplicação da marca será realizada de forma manual nas publicações da Papiro, portanto, nos livretos produzidos, a marca será sempre inserida através de um ato artesanal, seja através de carimbo, stencil ou outra intervenção que converse com a proposta da editora. A versão digital será utilizada apenas em mídias digitais ou aplicações de terceiros.

4.1


4.3 As

publicações da Papiro

O processo de concepção e criação de uma publicação independente é livre e não possui um roteiro específico para produção. Entretanto, este campo criativo é tratado por Ellen Lupton (2011), que apresenta um passo a passo sobre as etapas de elaboração que, mesmo feitas com outros olhares ou abordagens, contemplam de um modo ou de outro esta construção.

Publicar envolve tanto produzir quanto distribuir um trabalho. Primeiro você tem de apresentar seu conteúdo de uma forma física que as pessoas possam entender, e então precisa possibilitar que as pessoas o encontrem. (LUPTON, 2011 | p. 11) A proposta editorial para a criação de publicações da Papiro tem como objetivo explorar formatos diferentes em narrativas únicas, formando um catálogo autoral e experimental através de processos artísticos livres, no intuito de se consagrar como uma editora que seja reconhecida por suas soluções gráficas inusitadas. Após a realização desta pesquisa, realizada ao longo deste de 2018, a liberdade de

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expressão somada aos conceitos de livre arbítrio e o trabalho desenvolvido pelas editoras independentes no Brasil, observado durante a pesquisa de campo, serviram de ponto de partida na criação de duas zines que pudessem abordar este tema. Estas publicações têm como objetivo provocar uma reflexão sobre os conceitos de liberdade e expor os relatos obtidos a partir das editoras entrevistadas sobre a produção que este campo de atuação autônoma oferece, deste modo, o acúmulo de aprendizado, relatos e vivências ao longo do ano foram fontes de inspiração para escrever uma narrativa editorial. Apesar de serem temáticas parecidas, a intenção foi dividir cada tema em sua própria zine. A liberdade de expressão gerou muitos pensamentos e reflexões, dando origem a um texto crítico e pessoal sobre o conceito de ser livre. Já os depoimentos obtidos através das perguntas subjetivas da zine questionário (p. 58) geraram um volumoso conteúdo que poderia ser publicado para alcançar novos leitores, se concentrando em uma outra publicação. Os primeiros passos no processo de concepção foram os rabiscos e rascunhos de uma publicação, pensando em que tipo de narrativa a zine terá, o formato que se enquadra melhor à este conteúdo, o número de páginas gerado, a própria edição do conteúdo e por fim, o conceito geral que a publicação possuirá, de modo a unificar a narrativa com seu suporte, fazendo da publicação um artefato diferenciado através do formato adotado em relação ao conteúdo.

Capítulo 4


Ao longo da pesquisa de campo, a partir da observação da concepção de atos livres que transformam o desejo de publicar em algo viável e real, a autonomia envolvida na atividade de cada editor inspirou a apreciação pela liberdade de cada editora. Somado à esta observação, reflexões pessoais a partir de viagens feitas por conta própria e sozinho ajudaram a aprofundar ainda mais na vivência do que é estar livre na busca pelo que se deseja. Várias dessas reflexões foram anotadas ao longo dos meses de realização do projeto, e através de folhas e notas soltas, se construiu um texto bastante pessoal sobre questionamentos de liberdade, criando-se o manifesto Como ser livre?. A ideia foi reunir em folhas soltas as partes do texto, de forma ordenada para que faça sentido. A partir desta intenção, o projeto gráfico foi se desenvolvendo, adotando uma impressão sobre fichas pautadas, de modo que as letras fiquem soltas ao longo das páginas, formando uma narrativa livre. Para reunir as folhas, adotou-se o grampo triplo, que permite que as folhas possam ser retiradas se desejado. Para a segunda publicação, a inspiração partiu da troca de questionários e entrevistas realizadas ao longo da pesquisa de campo, que gerou surpresas em relação às respostas obtidas. Esta impresivibilidade foi um ponto bastante presente neste projeto e por esse motivo, foi desejado que estivesse presente de algum modo na construção de uma publicação que apresentasse as respostas obtidas. Deste modo, pensou-se em fazer uma publicação surpresa. Considerando as cartas como elementos fundamentais ao longo da aplicação da pesquisa, adotou-se um envelope lacrado como formato para a publicação, de modo que o leitor compre a zine sem ter acesso a seu conteúdo e apenas ao abri-lo seja revelado. A pergunta “nossa atividade editorial é importante porque...” é seguida de um conjunto de 8 aleatórias de editoras diferentes, gerando zines únicas e distintas entre si. Pela estética e narrativa utilizada, o nome Carta ao leitor foi escolhido para esta publicação que traz como mensagem, a importância da atividade editorial independente, apresentando aos leitores outras editoras que compõe o cenário nacional. Esta zine visa apresentar as editoras a novos públicos. O acabamento da publicação foi feito a partir da criação de um selo, similar ao dos correios, para trazer mais sensibilidade em relação ao artefato. Essas duas publicações inauguram o processo de publicação em tiragem da Papiro, explorando a inovação criativa e narrativa em relação aos impressos.

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Processo de impressão e montagem da zine “Como ser livre?”

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Processo de criação e montagem da zine “Carta ao leitor.”


Planificação da publicação “Como ser livre?”

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Planificação da publicação “Carta ao leitor”

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Considerações finais A realização deste projeto superou as expectativas pessoais em relação à compreensão do que é publicar de forma autônoma no Brasil nos dias de hoje. Proferir ou sintetizar uma definição fechada sobre o que é ou não publicar de forma livre, se este tipo de produção é considerada independente ou não, são questões menos importantes em relação ao propósito da atividade. O contato humano na realização de uma pesquisa de campo foi um dos maiores aprendizados ao longo deste projeto me aproximou ainda mais da compreensão do que pode se definir como o ato de publicar e o artefato produzido. A essência projetual de cada publicador foi evidenciada nas entrevistas e nos relatos individuais de cada expositor, que puderam através do preenchimento manual dos questionários impressos, ampliando a visão sobre as ambições existentes neste tipo de produção livre. Quando questionado sobre qual foi a conclusão deste projeto, surgem tantas lembranças de todo processo que fica difícil delimitar um só ponto. A realização pessoal de diferentes propostas talvez se aproxime de uma resposta fechada sobre o que é publicar de forma autônoma. São liberdades de expressão coordenadas, planejadas e viabilizadas através de uma produção editorial coerente, praticável e real. A motivação primária no nascimento deste projeto foi constatada ao final, de verificar que as publicações são tão livres quanto possível, se tornando práticas artísticas para seus próprios produtores que aprendem a cada nova tiragem, a se reniventar e acumular mais bagagem às suas jornadas como publicadores e amplificadores de vozes. Cada feira possibilitou um recorte distinto sobre a editoração, a Tijuana mostrou o lado arte explorado através de publicadores que se debruçam sobre os artefatos de forma mais artística, a Feira Cria ressaltou o lado de valorização cultural, mostrando que o que é produzido num local possui seu extremo valor e deve alcançar cada vez mais novos espaços, o MOTIM amplificou a resistência no mais extremo sentido da palavra, numa circustância histórica para o país, as vozes se unindo como um ato amplo e necessário, reunidos de forma autônoma e com uma finalidade em comum se provou ser capaz, e a Feira Miolo(s) encerrou a pesquisa ampliando a pluralidade existente no ramo, gerando contrastes, contatos e amplitudes criativas em um único local. A atividade editorial independente é viva, mais viva do que nunca. A ambição e proposta individual de cada um é posta a prova diariamente para ser real e presente, são cenários e realidades mistas que se colocam no desafio único de driblar as difi-

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culdades do dia a dia com o único objetivo de se tornar possível, de depositar energias, tempo de trabalho e verba, para ver seus próprios trabalhos ganhando forma e expostos feiras à fora. A percepção de cooperação numa comunidade entre os publicadores foi evidente ao longo da realização deste projeto, nas relações colaborativas entre os expositores e ao aceitarem o convite de um estranho que esteve presente nas feiras pedindo para que preenchessem um questionário no formato de zine, com o desejo de compreender, conhecer e reunir informações sobre os mesmos, é um recorte da relação humana e colaborativa presente. São tantas perspectivas reunidas no recebimento dos questionários que o sentimento ao final é de que o trabalho não se encerra na entrega deste projeto. São vozes reunidas em 62 publicações que expõem as mais particulares realidades em relação aos seus trabalhos. O projeto acadêmico se encerra com a reflexão sobre o contexto, mas o conteúdo gerado se torna um ponto de partida para novas produções, pesquisas e publicações. Somado a este sentimento, o lançamendo da própria editora reflete esta intenção. A Papiro surge como mais uma editora autônoma neste cenário livre e rico de ins-

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pirações artísticas e pessoais, se propondo a produzir mais publicações que se unirão ao acervo nacional de publicadores independentes. Apesar de não haver um controle restrito no volume de publicações ou ISBNs num cenário macro, esta é uma atividade real e que existe, que resiste, que se multiplica e conquista novos leitores com seus artefatos únicos e restritos a uma pequena parcela da população. Confrontar o cenário contemporâneo encontrado e os atos e experimentos inovadores ressaltados ao longo dos primeiros capítulos desta pesquisa, causa uma reflexão sobre as circunstâncias distintas, mas da mesma necessidade. Registrar e superar obstáculos. Naquele período, o problema era as limitações técnicas e ausência de soluções para um desafio em comum à humanidade: eternizar conteúdos informativos para outras gerações. Na atualidade, o desafio é múltiplo, beira a busca pelo sustento, a luta por um espaço de fala, as questões político e sociais abordadas ou o simples desejo de se satisfazer como artista autônomo que encontra na editoração uma atividade prática. A produção autônoma é livre em todos os sentidos, é ampla, múltipla e sem controle, se expressa livremente e como for capaz de se apresentar. É um ato grandioso e sem um único propósito, permite que qualquer um se identifique e seja capaz de se expressar através de suas limitações gráficas, técnicas ou pessoais, se torna uma superação de tirar ideias da cabeça e transformar em artefatos físicos que podem tocar algum desconhecido com suas próprias questões e narrativas pessoais.

Introdução


A produção de publicações livres, ou independentes, é um meio de reinvenção, de resistência a um padrão de mercado e que abre portas para a expressão artística, seja ela qual for, que se aplique a um projeto gráfico e técnico. É a expressão livre do papel do designer, que une tanto a responsabilidade social de uma proposta necessária e relevante, ao desafio de tornar viável uma produção em escala (por menor que seja sua tiragem). É uma gestão de negócio, de matéria prima, de processos gráficos, de inspiração, que gera bagagem artística, portfólio físico, repertório visual, e se torna pública, livre como uma publicação que ao sair do estoque de seu publicador pode atingir pessoas inimagináveis. A conclusão ao final deste projeto é uma só: Seja livre, independente de tudo.

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Introdução


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Introdução


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