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NA ESCOLA, O CORPO SILENCIADO... Léa Tiriba1 “(...) se pudermos nos reconciliar com a misteriosa verdade de que o espírito é o corpo vivo visto por dentro, e que o corpo é a manifestação externa do espírito vivo – e estes são na verdade uma só entidade – então poderemos entender por que é que a tentativa de transcender o nível atual de consciência deve obrigatoriamente ceder ao corpo o seu merecido lugar” (JUNG)
Pela pele experimentamos as sensações de calor, frio, dor, prazer. A pele é a raiz cobrindo o corpo inteiro. O corpo, que vive intensamente a pele, é raiz, caule, folha, flor e fruto. O corpo é inteiro e por isso mesmo ouve, fala, se cala, sente sabores e dessabores, mostra e revela. Este texto tem o objetivo principal de nos desafiar para uma escuta sensível das necessidades, das vontades, dos desejos do corpo. Inicialmente, ele aponta referências na história e na cultura, enfatizando o conflito entre corpo e mente, marcante em nossa civilização ocidental. A seguir, busca elementos para compreender como a escola reproduz este conflito em suas estruturas curriculares e rotinas; e, finalmente, indica pistas que poderão nos auxiliar a aconchegar o corpo na escola.
Nossos corpos são significados pela cultura A vida humana na Terra se substantiva através do corpo. É ele que nos faz vivos e materializa a nossa existência. Da mesma maneira que os conhecimentos e os valores, as expressões corporais são constituídas na cultura: o meio em que vivemos sugerem, anunciam, ensinam, promovem determinadas posturas físicas socialmente aceitas. Portanto, o jeito de ser do nosso corpo não é algo que possuímos “naturalmente”, não é apenas uma construção pessoal, mas social e política: é algo aprendido, construído ao longo de toda a vida. Portanto, a história e a cultura significam os nossos corpos! O tempo que passa, as mudanças de hábitos alimentares, as doenças, as novas tecnologias médicas, as diferentes possibilidades de prazer que a pós-modernidade oferece2, tudo isto transforma o nosso corpo, altera as relações que estabelecemos com ele. “Através de muitos processos, de cuidados físicos, exercícios, roupas, aromas, adornos, inscrevemos nos corpo marcas de identidade e, conseqüentemente, de diferenciação. Treinamos nossos sentidos para perceber e decodificar estas marcas e a aprendemos a classificar os sujeitos pelas formas como eles se apresentam corporalmente, pelos comportamentos e gestos que empregam e pelas várias formas com que se expressam” (Louro, 2000: 15) 1
Professora do Curso de Especialização em Educação Infantil, da PUC-Rio. “(...)As novas tecnologias reprodutivas, as possibilidades de transgredir categorias e fronteiras sexuais, as articulações corpo máquina a cada dia desestabilizam antigas certezas; implodem noções tradicionais do tempo, de espaço de “realidade”; subvertem as formas de gerar, de nascer, de crescer, de amar ou de morrer”(Louro, 2000:10)” 2
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O reconhecimento do outro está relacionado às redes de poder da sociedade: somos reconhecidos e identificados a partir do lugar social que ocupamos. Se o processo de constituição de identidades e diferenças corporais se dá num contexto de relações de poder que se materializam em interações sociais, este processo é cultural, é político e é afetivo. Em que contexto histórico, civilizatório nossos corpos se inserem? Que heranças filosóficas, culturais nossos corpos ‘pós-modernos’ herdaram?
O conflito entre corpo e mente As relações que estabelecemos com nosso corpo estão inseridas e marcadas por uma visão de mundo em que a razão ocupa o centro da cena. Somos parte de uma civilização ocidental que, para realizar o seu projeto de modernidade, precisou provocar algumas cisões filosóficas e epistemológicas. Entre elas, a cisão ser humano-natureza. Valorizamos em nós mesmos, seres humanos, a capacidade intelectual; e subestimamos, ou até mesmo ignoramos
o que nos identifica enquanto animais. Nosso corpo é a
expressão desta identidade, é a prova da nossa condição animal, algo que nos faz iguais a outras espécies que habitam conosco um mesmo ecoespaço. Mas não nos reconhecemos como tal, não nos vislumbramos enquanto uma – apenas uma - das espécies que habitam o planeta. O projeto de modernidade enquanto desenvolvimento/progresso material, que foi gestado ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII e floresceu nos séculos XIX e XX, está, ainda hoje, sustentado numa supervalorização da razão em detrimento de outras dimensões humanas. René Descartes (1596-1650), o filósofo francês que construiu bases fundamentais da visão de mundo moderna, pretendeu a formulação de uma ciência matemática universal capaz de abarcar todo o conhecimento humano e nos levar à verdade pelo uso da razão. Para ele, dois tipos de substâncias constituíam o mundo: a matéria e o espírito. Em sua concepção, o espírito era inextenso e indivisível, enquanto que a matéria obediente às leis da física, ou seja, extensa e divisível. Mas uma questão intrigava o filósofo: como pode um espírito incorpóreo estar alojado em um corpo mecânico? Como o espírito livre interage com um corpo que pode obedecer apenas às leis da mecânica?
Na falta de respostas
plausíveis, o espírito foi edificado; e o corpo relegado a uma espécie de “eu de segunda categoria”. Assim, nossa civilização ocidental foi construída nos marcos de uma filosofia que supervaloriza os processos mentais; em que os discursos da ciência e a tecnologia fundados na racionalidade - gozam de maior legitimidade que a filosofia (campo da ética e da política), que a religião (com sua tradição e sabedoria intuitiva) e que a arte - espaço
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privilegiado da percepção sensorial, da criação. Em conseqüência da hipertrofia da razão, junto com o corpo foram relegados a um segundo plano algumas dimensões e canais de expressão da experiência humana, entre elas as sensações físicas, as emoções, os afetos, os desejos, a intuição, a criação artística. Num período de plena expansão do ideário burguês, a idéia de que o corpo é “lugar” de energias humanas incomparáveis às forças superiores da mente encaixa como luva no projeto de desenvolvimento econômico e progresso material que a modernidade inaugura. Ao invés de um corpo feudal, amarrado à terra e submisso à Deus, um corpo livre para trabalhar nas indústrias e produzir riquezas: um corpo produtor de mercadorias. Se o objetivo fundamental de uma sociedade já não é suprir as necessidades humanas, mas criar novas necessidades, com o objetivo de vender novos produtos, que lugar ocupa o corpo nesta sociedade? O corpo, como locus da força de trabalho, é uma mercadoria. O corpo deve estar, como a mente, a serviço da produção desta sociedade, subordinado as suas necessidades de produção de bens, regido pela lógica do desempenho, em que a racionalidade ocupa um lugar central. (Gouvêa e Tiriba, 1998: 110)
Mas o tempo passou... e, se no capitalismo liberal moderno o corpo é produtor, no capitalismo neo-liberal pós moderno, ele é erigido a consumidor. Pois, na ânsia de lucrar sempre mais, também neste domínio privado o mercado necessita que a mídia assuma seu papel de sincronizar os ritmos do consumo com os ritmos de produção da industria: adentrando dimensões singulares, relativas ao mais íntimo da experiência humana, a mídia tem se encarregado de ditar os modismos culturais, as modas, os modelos gestuais e padrões
sexuais
que
pretendem
dominar,
colonizar,
mercantilizar,
terceirizar
as
necessidades e vontades do corpo e da sexualidade. Assim, o modo de produção capitalista industrial vem ferindo profundamente, vem deixando cicatrizes e seqüelas, vem produzindo desequilíbrios também nas ecologias pessoais. Ao nível do corpo, campo das sensações mentais e físicas - os estragos são tão graves quanto os que este modelo de desenvolvimento produz no campo das relações entre os seres humanos - ecologia social e no campo das relações destes com a natureza - ecologia ambiental. (Guattari, 1983)
Abrindo espaços para o corpo Na modernidade, ao assumir a função de formar as novas gerações para a reprodução da sociedade industrial, a instituição escolar inspirou-se e fundamentou-se na mesma filosofia, na mesma metodologia cartesiana que possibilitou o desenvolvimento científico, econômico e político desta época: divorciou o ser humano da natureza, separou o corpo da mente, fragmentou o pensar e o fazer, o trabalho e o lazer... As grades curriculares, as rotinas das instituições educacionais expressam claramente esta evidência: a de que a escola não tem pelo corpo o mesmo apreço que tem pela mente. O resultado é um processo educacional “do pescoço para cima”.
4 “Ao mantê-lo por tanto tempo imobilizado, a escola trata o corpo também como natureza inesgotável, capaz de ceder infinitamente às necessidades da mente, assim como o meio ambiente natural cede matérias primas às necessidades impostas pelo mercado(Gouvêa e Tiriba, 1998:109).
Agora, quando o desafio é a produção de conhecimentos e valores que orientem a edificação, não mais de uma sociedade industrial, mas de uma sociedade sustentável, a escola vê-se frente à necessidade de questionar estas cisões, assim como as concepções e práticas educativas que delas decorrem, que hipervalorizam o intelecto e fortalecem o ego. Na visão de Alexander Lowen, discípulo de Reich e criador da Bioenergética, o ego se desenvolve através de seu controle sobre as funções corporais, provocando um conflito entre a natureza racional e a natureza animal do ser humano. “É o conflito entre ego e sexualidade, no qual o ego representa a consciência do si mesmo, conhecimento, poder; por sua vez, a sexualidade representa as forças inconscientes que agem dentro do corpo (...) e devem ser reconhecidas e dotadas de um status equivalente ao que é atribuído às funções ‘superiores’ da mente”(Lowen1991:300). Como subverter concepções e práticas educacionais centradas no desenvolvimento cognitivo, atentas, sobretudo, ao aspecto intelectual do desenvolvimento das crianças e jovens? Para caminhar na contramão de uma lógica escolar racionalista, não basta compensar a ausência ou a frágil presença das atividades corporais, introduzindo ou sofisticando oportunidades de exercício da imaginação criadora, da fantasia, da inteligência: com isto, apenas forçamos o centro intelectual a suprir “uma carência que na verdade não pode cumprir porque corresponde a outros níveis de existência” (Palcos, 1998:2). Trata-se de abrir, na escola, espaços objetivos e subjetivos para o corpo e seus movimentos; trata-se de “recuperar a liberdade de movimentos que a vida na cidade grande e seu respectivo modelo de funcionamento escolar restringiram, impedindo as mais simples e fundamentais manifestações como correr, pular, saltar, etc...(Gouvea e Tiriba, 1998:107); trata-se de impedir a formação de travas3 (Palcos, 1998) ou de couraças que ferem ou prejudicam a harmonia de movimentos, reduzindo a confiança no próprio corpo e gerando sensação de alienação de si mesmo e impotência frente à vida, à existência (Lowen, 1979). Trata-se de subverter currículos e rotinas escolares que são indiferentes, são alienadas em relação às vontades do corpo, às suas mais elementares necessidades de respirar profundamente, alimentar-se sadiamente, dormir bem, relaxar, não fazer, não pensar.
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Palcos chama atenção para os prejuízos de um estilo de vida em algumas articulações não se movem, alguns músculos não se desenvolvem o suficiente, alguns ossos não adquirem o necessário alongamento e força por não serem trabalhados por esses músculos, criando-se travas que prejudicam um crescimento harmônico”. (1998:2)
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O corpo na escola Em geral, nossas escolas ainda estão aprisionadas a uma visão que relaciona movimento à bagunça, confusão, dispersão! Aí, é o não-movimento que assegura a aprendizagem: só no recreio - diminuto em relação ao tempo que permanecem na escola crianças e jovens são liberados de uma postura quieta, estática, atenta, fiel às exigências de uma mente raciocinadora. São valorizados os movimentos que visam a prontidão: exercícios sistemáticos e mecânicos que têm o objetivo de aprimorar a coordenação motora e assegurar a aquisição da leitura e da escrita, que são repetidos muitas vezes (independentemente da significação que tenham para os alunos); que ignoram as interações infantis e a sua capacidade de realizar autonomamente atividades que proporcionam descobertas e desafios não programados. São valorizados também os movimentos que interessam à prática esportiva, à preparação física e ao aprendizado de regras. Para desenvolver metodologias de trabalho comprometidas com a educação de pessoas que sejam sujeitos de seus corpos e de seus movimentos, antes de qualquer coisa, precisamos assumi-las como sujeitos dos espaços onde vivem e convivem. Para isto, precisamos superar nossa obsessão pelo controle. “(...) o poder, primeiro da sociedade, depois das instituições representativas desta sociedade e, terceiro, dos adultos em geral, se apodera dos espaços da criança e o transforma num instrumento de dominação. A organização e a distribuição dos espaços, a limitação dos movimentos, a nebulosidade das informações e até mesmo a falta de conforto ambiental estavam e estão voltadas para a produção de adultos domesticados, obedientes e disciplinados –se possível limpos- , destituídos de vontade própria e temerosos de indagações.(...) A liberdade da criança é a nossa insegurança, enquanto educadores, pais ou simples adultos, e, em nome da criança, buscamos a nossa tranqüilidade, impondo-lhes até os caminhos da imaginação”. (Lima 1989:10-11)
Esta obsessão pelo controle nos leva a interferir até mesmo em domínios mais íntimos e privados, como por exemplo, o de seus ritmos fisiológicos4. Aconchegando o corpo na escola As crianças vão construindo conhecimentos, valores, afetos a partir de sua experiência com o mundo. Experiência vivida num universo de corpos que tocam, olham, cheiram, comem, escutam. Corpos que sentem o mundo, lêem o mundo... É a partir das referências do corpo que os seres humanos fazem cultura. Os movimentos corporais e as sensações que provocam são textos lidos desde a mais tenra infância e se constituem como fontes de experiências, satisfações e insatisfações físicas, emocionais, espirituais. Neste sentido, olhares, toques, sons, odores, sabores são constituidores de subjetividade humana. Como nos versos de Bartolomeu Campos de
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Queirós,
“...os ouvidos têm raízes pelo corpo inteiro...os olhos têm raízes pelo corpo
inteiro...o nariz tem raízes pelo corpo inteiro...a boca têm raízes pelo corpo inteiro...e a pele é a raiz cobrindo o corpo inteiro...5 A confiança no próprio corpo está relacionada à confiança na vida (Lowen, 1979). Por isto, uma escola comprometida com uma transformação social que tenha a qualidade de vida como perspectiva, precisa ensinar a atenção às verdades 6 do corpo. Entre elas a que revela a necessidade do toque: expressão de amor, afeto, aceitação. Os corpos humanos, como o de todos os seres vivos, necessitam interagir com a natureza, ela é a sua fonte de energias. Isto requer que nossos planejamentos pedagógicos superem uma visão de educação enquanto processo intra-muros, entre-paredes. Se, nas cidades, é tão difícil oferecer uma escola, como propunha Freinet, cercada pelo verde dos campos, dos bosques, dos jardins, hortas e árvores frutíferas, pelo menos precisamos assegurar ao corpo uma relação cotidiana com o sol, com a terra, com a água.(...) Precisamos levar as crianças a conhecerem o bairro, a cidade, seus acidentes geográficos, pontos históricos e pitorescos, as montanhas, o mar.... Ainda mais numa realidade como a brasileira, em que muitos de nossos alunos, por sua condição sócio-econômica, têm poucas ou nenhuma oportunidade de acesso a experiências que ampliem seu universo físico e cultural. (Gouvea e Tiriba, 1998:113)
Também a organização das salas de aula, e mesmo da escola, poderá favorecer a movimentação das crianças e o livre acesso aos espaços e aos materiais. Ao invés de uma dinâmica pedagógica em que elas estão sempre em função e à disposição das definições do adulto, as crianças terão brinquedos ao seu alcance, poderão circular pela sala, servir-se nas refeições, terão acesso a outros espaços nos intervalos das atividades coletivas. Potencializando a sua autonomia, a própria organização dos espaços da sala e da escola pode ser definida pelas crianças, em função das necessidades e dos interesses que emergem em cada situação ou em cada fase de seu desenvolvimento. Se desejamos transformar a escola num espaço que contribua para a saúde física e emocional de jovens e crianças precisamos, ainda: -
desafiar suas possibilidades motoras, mantendo abertos os canais para a circulação e expressão das vontades/energias do corpo, ajudando-as a superar suas dificuldades e a respeitar os seus limites.
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Nas escolas de educação infantil é muito comum que as crianças estejam impossibilitadas até mesmo de decidir sobre questões de foro íntimo, como comer, defecar e dormir. 5 Extraído do poema “Os cinco sentidos”, de Bartolomeu Campos de Queirós 6
“A verdade do corpo se refere a uma captação da expressão, da atitude e do estado do corpo. (...) Saber a verdade do corpo é ter consciência de seus movimentos, de seus impulsos, de suas limitações, quer dizer, sentir o que acontece dentro do corpo. Se uma pessoa não sente as tensões, a rigidez ou as ansiedades de seu corpo, ela está, neste sentido, negando a verdade do corpo”. (Lowen, 1991:302)
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colocar cordas e bolas à disposição das crianças, assim como pneus, cavaletes, escorregas, trepa-trepas, tábuas que funcionem como rampas ou pontes e que permitam subir, descer, escalar, saltar, arrastar, pular...
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mesclar atividades que exigem maior ou menor movimentação; correr, pular, saltar, subir, descer, enfim, atividades que exigem a movimentação do corpo são fundamentais; tanto quanto aquelas que exigem reflexão.
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incentivar a construção da imagem corporal e o jogo simbólico - a fantasia e a imaginação que são próprias da infância - criando camarins, introduzindo adereços, maquiagens e espelhos onde crianças possam dar asas à imaginação, observar seus corpos, suas mímicas e caretas.
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investir na descoberta e na valorização dos espaços ao ar livre – os pátios, os parques, os quintais, as quadras de esporte do entorno, os descampados, as praias, os riachos entendendo que, além de se constituírem como locais de brincar e relaxar, podem também ser explorados como espaços de aprendizagem, em que se trabalha a matemática, as ciências, etc... Na perspectiva de re-invenção de uma pedagogia atenta às vontades do corpo, vale
apostar nos caminhos da dança7 e da música, das melodias, ritmos e harmonias que são expressões de diferenciadas culturas humanas. Podemos também contribuir para que as crianças conheçam e imitem estilos e movimentos definidos pelo professor ou pela mídia. Mas o fundamental é ajudá-las a criar “a dança de cada um”, isto é, “o jeito de ser, que é, em outros termos, a expressão de nossa psiquê, de nossa alma. Através da dança do corpo se mostra o interior de cada um”. ( Robim, 1997:1). Vale lembrar que só faremos uma leitura sensível à expressão corporal de nossos alunos se exercitarmos o auto-conhecimento, se estivermos atentas ao nosso próprio corpo, pois é através de gestos, expressões faciais e corporais que nosso corpo responde ou não às necessidades afetivas de nossos alunos. Num momento em que explodem manifestações de violência praticadas por crianças e jovens, é importante sabermos que “(...) a privação do prazer sensorial é a principal causa básica da violência. Existe uma relação recíproca entre os dois fatores: a presença de um inibe o outro. A ira não é possível na presença do prazer”. (Montagu, 1988:218). Entretanto a prevenção da violência não deve estar na origem da oferta de aconchego. A razão do afeto é o prazer que ele gera, é a sensação de acolhimento e plenitude que ele propicia. Na perspectiva de uma educação de corpo inteiro, o jogo também é um aliado. O jogo revela, com força e intensidade, sentimentos de raiva, de medo, de inveja, de paixão. 7
Muito mais que outras expressões artísticas, como a música e as artes plásticas, a dança está ausente da vida escolar. A dança não está presente porque o corpo e a sexualidade não são privilegiadas pela escola: ela só acontece nos períodos de festejos juninos e natalinos (LEVY, 1998).
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Estes sentimentos se refletem na qualidade do movimento corporal. Ao invés de estimularmos a repetição mecânica de movimentos e a competição podemos investir na capacidade de improvisar e de ousar que têm as crianças. Ao invés de privilegiarmos o aspecto puramente motor do comportamento, a análise mecânica dos movimentos e o crescimento dos ossos, dos músculos, das articulações, podemos investir, através do jogo, no desenvolvimento da função lúdica, da criatividade, da habilidade, da personalidade (Silva, s/d).
Concluindo Romper com paradigmas que divorciam ser humano e natureza, superando a fragmentação corpo e mente, que caracteriza a civilização atual, é um desafio fundamental, neste milênio que inicia. As atividades corporais que a escola realiza não são simples degraus, não podem funcionar, simplesmente, como vias de acesso aos aprendizados intelectuais. Os movimentos têm valor em si porque mantém o equilíbrio saudável do corpo. Mas, além disto, os movimentos físicos libertam a mente de uma sobrecarga, sem a qual ela poderá lançar-se mais leve e livremente, à aventura do pensamento.(Montagu, 1988) . As escolas podem transformar-se em locais de escuta das vontades do corpo, de atenção aos sentimentos, porque “o conhecimento do ego precisa ser temperado com a sabedoria do corpo”(Lowen,1979:255); porque o conhecimento divorciado do sentimento é vazio, é alienado, perde seu sentido de contribuir para a felicidade-integridade de cada pessoa e para o bem-estar dos seres humanos. A escola é espaço de aprender a pensar, mas deve ser também espaço de aprender a sentir, relaxar, meditar, brincar, amar, aconchegar. Para isto vai ser necessário assegurar ao corpo o seu merecido lugar.
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