[PLANEJANDO UM PASSEIO PELAS PAISAGENS E PARAGENS DE NATAL] Autoria: Evely Barros Paz de Lima, diretora pedagógica; Ariadna de Carvalho Barbosa, diretora administrativo financeiro; Maria das Graças Dantas Bezerra, coordenadora pedagógica; Kelle Cristine Mendonça dos Santos, professora. Instituição: CMEI Irmã Dulce Município: Natal - RN Não podemos negar às crianças o acesso á diversidade cultural. Podemos falar do nosso país, do nosso Município:
Data: município, mas podemos falar também do que há no entorno da Instituição. Como é a comunidade na
qual a escola está inserida? Quem são as pessoas que fazem parte dessa comunidade? Quais são os seus hábitos, seus gostos? O que há de manifestação cultural para ser conhecido? Muitas são as indagações que podem surgir no processo e os professores podem, junto às crianças, promover muitas descobertas. Com essa inspiração, podemos buscar intimidade com a cultura à nossa volta, a mais próxima, a que está nas pessoas, lugares e histórias, e, com os sentidos despertos, adentrar no reino da sabedoria comunitária. Mas como pensar coletivamente essa noção? Podemos pensá-la mais facilmente através de uma palavra vizinha: comunidade(s). Comunidades são lugares que articulam sentidos geográficos (bairro, cidade, microrregião) e sentidos simbólicos, dando a seus membros a sensação de pertencimento a um corpo social e a uma vivência comum, na qual sentimentos, pensamentos e experiências são partilhados coletivamente. (Estação Palalapracá, 2012, p. 6)
O CMEI Irmã Dulce está localizado em Felipe Camarão, bairro periférico da cidade do Natal. Esta condição geográfica não tem sido obstáculo para a realização de experiências educativas, principalmente, no tocante à valorização cultural. Temos mantido propostas de conhecimento e resgate de ícones como o Mestre Manoel Marinheiro, por exemplo. Ou mesmo, quando nos dispusemos a trabalhar um ano inteiro sobre o que fazem e como são os homens e mulheres do bairro, permitindo aos filhos conhecerem os talentos e/ou ocupações de seus pais. As comunidades, a um só tempo, são baús e usinas culturais. Nelas, os saberes da memória (da vida ancestral, passada, vivida), da percepção (de tudo aquilo a que os sentidos têm acesso) e da imaginação (imaginário, sonho, fantasia) são dinamizados e transformados num saber local, que, por sua vez, na interação com outras comunidades, se transforma e provoca alterações no saber global. (Estação Palalapracá, 2012, p. 6-7)
Nessa busca por unirmos experiências referentes às turmas de Educação Infantil e o resgate cultural, colocamos em prática o que aprendemos na formação de coordenadores do Paralapracá e com seus materiais formativos, assumindo “o compromisso de respeitar, valorizar e ampliar a diversidade de histórias, costumes, crenças e valores da cultura das crianças.” (Caderno de Orientação do Coordenador Pedagógico, p. 73). Sugerimos às professoras o trabalho com as paisagens culturais, motivadas pela Estação Paralapracá, que as conceituam da seguinte forma: Quando a natureza dispõe suas forças de maneira harmoniosa aos nossos olhos, chamamos a isso, no senso comum, de paisagem. Aqui queremos chamar a atenção para aqueles momentos, ocasiões e oportunidades em que é a cultura que dispõe suas forças de maneira especial, criando diferentes paisagens culturais, por vezes bastante afinadas com as naturais. Dada à diversidade das paisagens culturais, sugerimos alguns títulos para facilitar o fluxo de organização e de leitura dos registros. (Estação Palalapracá, 2012, p. 7)
Sendo a cidade de Natal um celeiro cultural riquíssimo, dando-nos a oportunidade de colhermos informações que, associadas às paisagens, engrandecem as particularidades do Bairro de Felipe Camarão, citamos: as Paragens, que se justificam por notícias sobre lugares, espaços culturais e pontos turísticos visitados pelas crianças e educadores e/ou que merecem ser visitados pelos que estiverem naquelas imediações. Alguns já estão consagrados na própria comunidade, outros sinalizam a singularidade, para que mais gente se interesse em ir visitá-los, como por exemplo: a lenda do Peixe-boi, a lenda da Cruz da Cabocla, a historia de vida do Índio Antônio Felipe Camarão... As Festivas: compõem esta paisagem, as descrições e narrações sobre as festas populares, folguedos e manifestações tradicionais. Contar, visitar, legitimar e propor situações afins para as crianças pode ser fonte de aprendizados e de muitas alegrias, inclusive contando com a participação dos brincantes, com o bônus de vinculá-las a essas paisagens de maneira sensível e, como referência para a comunidade, tem-se as quadrilhas juninas. As Artísticas passam pela identificação dos artistas e artesãos da comunidade, bem como das artes visuais (desenho, pintura, escultura), da dança, da música, do teatro ou das demais artes espetaculares. O foco está nos artistas/artesãos em questão (biografia, iniciação, influências, processos criativos), na análise de
sua produção (materiais empregados, técnicas...). Com relação a esta paisagem, a comunidade em questão detém nomes significativos no cenário cultural, como: o boi de reis do Mestre Manoel Marinheiro; a capoeira do Mestre Sinal; a tribo carnavalesca de Índios Tabajara, ao comando do cacique Paulo Lyra; as obras de arte do jovem pintor Adonias Assunção... E tantos outros nomes a serem resgatados do anonimato. Nas Gastronômicas, que englobam aromas e sabores das práticas alimentares das comunidades. O ato de comer está permeado de ritos e hábitos tradicionais, e é bom ter atenção a estes detalhes. Vale lembrar que, em tempos de fast-food (comida rápida), prestar atenção aos modos da gastronomia comunitária é algo bastante educativo para a sensibilidade e o paladar das crianças. Quanto a esta paisagem focamos na cultura de subsistência local: famílias que fazem do seu lar o seu local de trabalho, oferecendo lanches como batata frita, milho cozido, tapioca e uma infinidade de alimentos. A Figurinha Carimbada refere-se a personalidades artísticas culturais e/ou do cancioneiro potiguar ou local que representem os ritmos, músicas, teatro... Para exemplificarmos esta paisagem, tomamos como objeto de estudo o poeta Zé Barros. Poeta das canções populares, poeta que não declama seus versos, mas canta com a alma encantando a todos. […] Serão igualmente reconhecidas e valorizadas muitas outras possibilidades de criação simbólica, expressas em novas práticas artísticas e em modos de vida, saberes e fazeres, valores e identidades. Os saberes tradicionais estarão protegidos e mestres e mestras poderão transmiti-los na escola, possibilitando, assim, uma nova experiência na educação. (BRASIL, 2010, p. 17)
Conversamos com as professoras e elegemos trabalhar duas dessas paisagens coletivamente: as Paisagens Gastronômicas e as Festivas e acrescentamos uma, às já existentes, as Vegetativas, devido ao período junino que estávamos entrando. Nos planejamentos, as professoras elencaram os objetivos gerais, para os conteúdos que pretendiam trabalhar, das paisagens escolhidas. Gastronômicas: desenvolver o hábito de uma alimentação saudável, compreendendo a origem do alimento, seu valor nutricional e, assim, conhecer a diversidade das comidas típicas regionais e locais.
Especificando: trabalhar em equipe; aprender bons modos à mesa; conhecer comidas típicas do período; aprender a experimentar novos sabores; participar de atividades como: misturar, bater, picar, enrolar, abrir embalagens; desenvolver coordenação motora fina e ampla; participar de atividades de oralidade; expressar suas preferências alimentares. Também, nomear e listar os alimentos que pertencem ao seu cotidiano; conhecer e registrar receitas de lanches rápidos (fast-food); relacionar o cardápio da escola com o seu de casa; identificar, quantificar ingredientes, participando do preparo; conhecer, através de uma vivência, um restaurante “na sala”; conhecer receitas feitas com milho e coco; alimentar-se com autonomia, servindo-se e ajudando na organização do ambiente; seriar alimentos por cores, forma, textura; diferenciar, através do paladar, os tipos de sabores (doce, amargo, azedo e salgado). Festivas: explorar os conhecimentos acerca das festividades do mês junino, assim como ampliar seu repertório cultural conhecendo novos ritmos (locais e regionais). Especificando: conhecer festas populares, a tradição regional e do nosso bairro; participar de momentos que envolvam as danças e ritmos locais; vivenciar a festividade junina; conhecer símbolos juninos; conhecer brincadeiras da festividade junina; desenvolver a motricidade ampla e fina. Vegetativas: conhecer o tipo de vegetação regional, as paisagens nordestinas e suas modificações ao longo do tempo. Especificando: reconhecer a importância da vegetação regional e local para subsistência de algumas famílias; conhecer os alimentos que compõem esta cultura; comparar a diversidade de cores encontradas na vegetação local; conhecer as diferentes características dos variados tipos de vegetação; realizar plantio de sementes; reconhecer a importância da preservação dessa paisagem; conhecer a vegetação predominante no sertão. As professoras iniciaram as vivências de acordo com os interesses e curiosidades das crianças – que iam surgindo no decorrer das vivências –, e nos momentos de planejamentos iam dialogando e acrescentando novos elementos aos estudos. Após vivenciarmos atividades referentes às paisagens gastronômicas e vegetativas entramos na paisagem festiva, passando, assim, a conversar sobre um dos ritmos que envolve as festas juninas, o forró. Em um momento de planejamento coletivo, uma das funcionarias do CMEI, ao escutar que iríamos trabalhar o ritmo forró, disse que no bairro havia um forrozeiro “arretado”. Fomos à procura de informações sobre o forrozeiro e acabamos nos deparando com a riqueza de um poeta local; este, não é
simplesmente um daqueles iluminados que escrevem, mas, também, um senhor carismático, alegre, inteligente, que há mais de trinta anos se viu acometido com uma cegueira gradativa. O mesmo perdeu a visão dos olhos ao final da terceira década de vida, mas abriu seu coração em definitivo para a música. Falo do cantor e compositor Zé Barros. No decorrer do projeto, buscamos informações da sua discografia e da sua biografia. Homenagens póstumas são corriqueiras, porém, homenagear alguém vivo é algo fantástico e desafiador. Em atividades dessa natureza, não temos o interesse de apenas apresentar a figura para as crianças, mas, tornar o objeto de estudo prazeroso, palpável, próximo da realidade delas.