[REGISTRANDO PERCURSOS FORMATIVOS] Autoria: Daniela de Santana e Lucília Mota Função: Coordenadoras pedagógicas Instituição: Creche Gleba C Município: Camaçari - BA Que bom que temos um ambiente fértil para partilharmos saberes, experiências e afetos! Esta é uma conquista histórica, que vem se renovando constantemente e hoje se fortalece com os laços do projeto Paralapracá. Muitos caminhos já foram trilhados, num vai e vem de mudanças geradas por demandas pessoais e sociais. A vida humana é assim... somos impulsionados à busca, à conquista, isto é próprio da humanidade, e cada vez mais na contemporaneidade observamos as coisas surgindo e se transformando em intervalos de tempo cada vez menores. Na educação não é diferente, o nosso grande desafio enquanto profissionais é buscar refletir: como os processos de mudança estão nos afetando, como estamos vivenciando isso pessoalmente e profissionalmente? Este encontro ilustrou alguns recortes significativos de como os processos de mudanças estão sendo vivenciados em determinados contextos escolares. No acolhimento, a assessora do projeto, Rita Margarete, socializou fotos de algumas escolas que tiveram espaços físicos modificados; durante a apreciação percebemos o “antes” e o “depois”, vimos fisicamente as transformações e a necessidade de um momento para algumas explicações e observações que ampliassem a leitura das imagens e fornecessem ao grupo de coordenadoras mais informações. Destas, algumas inferiram durante as observações, questionando as situações ali expressas, a exemplo das ações que davam uma maior liberdade de atuação das crianças, reforçando a importância de permitirmos a elas cada vez mais a possibilidade de serem protagonistas da ação pedagógica junto a suas educadoras. Mediante isso, Rita comentou que um espaço físico só se transforma em um ambiente de aprendizagem quando instiga a criança a pensar, experimentar e ampliar saberes. De acordo com a foto do refeitório onde as crianças se serviam livremente, a coordenadora Mynuska fez observações referentes à importância de as crianças escolherem, diante do cardápio oferecido, o que desejam comer e a sua quantidade, que isto é formação pessoal e social. Jaciara, coordenadora da Escola Angiolina, compartilhou a experiência em que as crianças organizaram o lanche saudável. Elas trouxeram, cortaram e arrumaram as frutas do seu jeito, sem muitas interferências de adultos. Jaciara salientou que foi uma atividade que gerou aprendizagem significativa e prazerosa.
A coordenadora Edna destacou a construção da cortina do banheiro pelas crianças, durante uma oficina de arte mediada pela artista plástica Mari Conceição, que já se tornou uma parceira da Creche Comunitária Brincando e Criando e faz um trabalho belíssimo com as crianças. Rita ressaltou a importância de valorizarmos a arte regional e o trabalho de Mari. As coordenadoras Rita e Mynuska fizeram algumas intervenções referentes à disposição de alguns pneus no espaço externo da Creche Nossa Senhora do Amparo, sugeriram que não deveriam estar enfileirados, mas dispostos de uma forma que diversificasse as possibilidades de exploração e que as crianças pudessem ter mais mobilidade corporal. Mynuska comentou que se faz necessário conciliar os pneus com os orgânicos, usar também troncos e madeiras, plantar árvores nesses espaços, e “é importante compor o orgânico com o inorgânico, a criança e todos nós precisamos ter mais contato com o que vem da natureza”. Ainda sobre as fotos, Rita Margarete comentou que é fundamental que as crianças participem das mudanças e da organização dos espaços juntamente com os professores e/ou outros adultos, para que se reconheçam como parte integrante deste ambiente. A socialização das imagens e a partilha de ideias evidenciaram as reais possibilidades para promover mudanças nos espaços escolares e nos fizeram pensar no cenário em que as experiências sensoriais, físicas e afetivas sejam valorizadas e reconhecidas enquanto fatores de desenvolvimento da criança. O espaço precisa ter uma intenção, ele é o orientador da ação. Na sequência retomamos a leitura do registro do último encontro, haja vista o mesmo não ter sido lido no início. Dando prosseguimento ao encontro, a assessora Rita dispôs alguns recortes do caderno de orientação Assim se organiza o ambiente, solicitou que as coordenadoras pensassem na instituição em que trabalhavam e escolhessem dois fragmentos e com a colega ao lado conversassem sobre o tema. Após a discussão em dupla, orientou o grupo que a roda de partilha fosse alimentada por falas referentes às dimensões do tema trazido nos fragmentos. Na plenária, foram expostas, socializadas e complementadas as ideias dos grupos, a partir das dimensões contidas nos recortes. O bate-papo foi aberto, com a perspectiva de trocas de teorias aliadas à prática. Foi sugerido pela mediadora que as coordenadoras evitassem ilustrar com ações da escola. Contudo, em alguns momentos, estas fizeram o alinhamento com a prática já existente nas unidades onde trabalham, atribuindo assim a transposição do que é teorizado com o que se vivencia, extraindo várias inquietações sobre o objeto em construção, que neste caso nos remete ao “estar nos ambientes”, interagir nestes, gerando aprendizagens significativas a partir da exploração investigativa.
Este espaço dialógico foi muito importante para o nosso processo formativo, pois gerou indagações, evidenciou dúvidas e equívocos, mobilizou emoções, validou projetos e atividades exitosas, exemplificou de fato que a formação não ocorre numa estrada reta, mas cheia de atalhos, curvas, idas e vindas. Este é o fluxo de toda aprendizagem, as certezas e incertezas são provisórias e estimuladoras do nosso crescimento pessoal e profissional. Sobre a organização dos espaços foram reafirmadas a necessidade e a importância de criar ambientes nos quais as crianças sejam protagonistas, precisam fazer parte deste processo de transformação, que por sua vez dependem da proposta a ser desenvolvida nos diferentes momentos da rotina. Segundo Stela Barbieri (2012, p.45), o espaço em si é um educador, e o ambiente que criamos no espaço também (...) A organização é uma das intervenções do professor, por isso precisa ser planejada. Atentar para a teoria viabiliza uma interação maior com o que está sendo efetivado nas escolas e aponta também ações futuras, de acordo com a realidade de cada instituição. Ou como enfatizou Rita Margarete, quando nos disse que não dá para comparar o cenário das diferentes instituições, pois cada realidade referenda seu compasso e seu momento de ação-reflexão. Em relação à mobilidade dos trabalhos produzidos pelas crianças, a coordenadora Rita Margarete afirmou que as paredes falam sobre a proposta pedagógica da escola. A intencionalidade das propostas traduzidas nas produções das crianças e a poluição visual ou ausência de exposições expressam uma determinada concepção de educação. A coordenadora Carla acrescentou que as relações interpessoais que ocorrem entre os membros da equipe dizem também muito sobre a visão que a escola tem da infância. Simone chamou a atenção sobre a seleção do que vai ser exposto e a estética dos trabalhos. A exposição deve mostrar o cuidado do professor com a produção das suas crianças. A clareza deste momento dialógico traduz a importância do educador e da criança no momento da ação pedagógica, qualificando também a importância dos ambientes e sua representatividade simbólica na construção do conhecimento por parte das crianças. Outro ponto de destaque foi a relação entre concepção e fazer pedagógico, com a pergunta que está circulando em muitas escolas da rede: “Eu organizei os cantinhos, e agora?”. Cantinho: o quê? Para quê? E como? Olha outro processo de mudança vivenciado em nossas escolas e que bom que isto esteja acontecendo, esta inquietação e incerteza fazem parte do processo de reformulação de saberes e implementação de novos projetos.
As dúvidas são comuns quando os desafios são apresentados. A coordenadora Simone comentou sobre o cuidado para que os cantinhos não se transformem em apenas um espaço para deixar a sala mais bonita, mas sem uma mobilidade e intencionalidade educativa. Mediante isto, a coordenadora Daniela comentou sobre o cuidado que precisamos ter com o modismo pedagógico e que muitas práticas não se efetivam de fato, devido à superficialidade das intenções pedagógicas. Compor os cantinhos e mudar a arrumação da sala e de outros espaços não garantem a qualidade do ambiente em que as crianças convivem. Neste momento de transição, como administrar a composição das práticas já existentes, com uma abordagem em que a criança é o centro do processo educativo? A coordenadora Rita Margarete salientou que “só nos alteramos enquanto concepção, quando alinhamos teoria e prática”. Se voltarmos o olhar de modo mais direto para o contexto educativo e a formação profissional, reconhecemos cada vez mais o quanto nós, coordenadoras pedagógicas, temos sido desafiadas a mudar, revendo o nosso papel e funções dentro das instituições educativas. Sobre tal contexto, a coordenadora Mynuska comentou que surge uma necessidade de fazer junto com o professor e com as crianças. Diante desses processos de mudança o coordenador precisa estar mais junto das crianças, observá-las, escutá-las, perceber o que o seu corpo e expressões dizem, o que elas querem. Participar de ações com as professoras, experimentar para ver o que acontece, estudar, avaliar, refazer. Segundo a coordenadora Rita Margarete, é perigosa a fala “o que a criança quer”. Precisamos observar com cuidado para não ser repetido o erro de anos atrás, deixar a criança à vontade, pois ela vai aprender no tempo certo. A criança como protagonista da aprendizagem não diminui, mas aumenta o protagonismo do professor, requer deste muito mais sensibilidade, criatividade e competência técnica. De acordo com esta conceituação, podemos dizer que os rumos e as escolhas que as crianças nos apresentam precisam ser analisados para que o educador busque estratégias educativas e pedagógicas significativas para a construção e ampliação dos seus saberes. A assessora Rita Margarete também ilustrou a sua experiência pessoal enquanto professora, validou os momentos formativos de tematização sobre a prática. Comentou que, ao se ver atuando em sala de aula, percebia não só as estratégias metodológicas que utilizava, mas também via o que o seu corpo, seus gestos e forma de falar diziam. Esta estratégia mostra muito ao professor que o que ele está fazendo não é o que ele diz. Ressaltou ao dizer que, quando a concepção não aparece na prática, não é concepção. E Mynuska acrescentou que concepção vem de conceber, de fazer surgir – discurso é diferente de concepção.
A coordenadora Cristina Conceição falou sobre a importância de refletirmos sobre o tempo de aprendizagem de cada pessoa. As características individuais precisam ser pensadas com cuidado. Cabe ainda destacar que este entendimento é indispensável ao coordenador pedagógico, a aprendizagem é uma experiência única e intransferível e, por isso, precisa ser vivida por cada sujeito. No processo formativo, o coordenador muitas vezes é o mediador da aprendizagem do professor, é o responsável em provocar reflexões, problematizar, levantar hipóteses. Mas é o professor o protagonista da sua experiência e cabe a ele ressignificar a sua prática e reelaborar seu conhecimento. Segundo Tardif, o professor é um sujeito que (...) assume sua prática a partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimentos e um saber-fazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele a estrutura e a orienta. Sobre tal assunto, na concepção de Larrosa (2004), o termo formação representa na contemporaneidade um “processo temporal pelo qual um sujeito singular alcança sua própria forma, constitui sua própria identidade, configura sua particular humanidade ou, definitivamente, converte-se no que é”. A fala da coordenadora Maria Cristina Nazaré exemplificou muito bem esse processo de construção da própria identidade quando diz que hoje não somos as mesmas pessoas que antes. Tínhamos uma visão diferente antes do processo formativo, as inquietações, as experiências e as trocas de saberes estão sendo oportunidades únicas para o nosso crescimento pessoal e profissional. Em relação ao exercício do coordenador pedagógico, Rita Margarete, numa postura firme, considerou que não dá para ir para as escolas e não ver que nada está acontecendo. Algo precisa mudar nas instituições. Como as crianças exploram e circulam nos espaços? Os resultados estão nas atitudes das professoras e das crianças. O que estamos fazendo enquanto coordenadoras para melhorar o processo educativo nas escolas? A escola também é a cara do coordenador pedagógico. Se este não consegue intervir dentro da instituição, é preciso questionar o seu papel e função que vem exercendo. Além das problematizações, Rita também falou do respeito e admiração que tem pelo grupo de coordenadoras, validou o trabalho comentando que cada passo é importante para a mudança nas escolas. As inquietações não são poucas, mas é assim que nos constituímos e vamos construindo a educação que almejamos, a partir da reflexão compartilhada. Para crescermos em nossa área de atuação, é importante e necessário validar o nosso compromisso dentro da escola. Precisamos nos conectar com o mundo à nossa volta e renovar o olhar sobre ele.