UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
LAÍS SANTANA MUNIZ
REINVENTANDO O ESPAÇO DA SALA DE EDUCAÇÃO INFANTIL A PARTIR DO OLHAR DAS CRIANÇAS PARA O APRENDER BRINCANDO
Salvador 2016
LAÍS SANTANA MUNIZ
REINVENTANDO O ESPAÇO DA SALA DE EDUCAÇÃO INFANTIL A PARTIR DO OLHAR DAS CRIANÇAS PARA O APRENDER BRINCANDO
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Especialização em Docência da Educação Infantil, Universidade Federal da Bahia. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Paula Silva da Conceição
Salvador 2016
LAÍS SANTANA MUNIZ
REINVENTANDO O ESPAÇO DA SALA DE EDUCAÇÃO INFANTIL A PARTIR DO OLHAR DAS CRIANÇAS PARA O APRENDER BRINCANDO
Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista em Docência na Educação Infantil, Faculdade de Educação, da Universidade Federal da Bahia.
Aprovada em 18 de junho de 2016.
Profa. Ana Paula Silva da Conceição–Orientadora ___________________________ Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia Universidade Federal da Bahia (UFBA)/Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Profa. Jucineide Lessa de Carvalho________________________________ Mestra em Educação pela Universidade Federal do Ceará Faculdade Batista Brasileira
AGRADECIMENTOS
Agradecer sempre e indistintamente. Agradeço a todos que contribuíram no processo de pesquisa: As crianças do CIEI Areias pela inspiração e alegria em participar da pesquisa. Ao Curso de Especialização em Docência na Educação Infantil, no nome da Prof.ª Dr.ª Lícia Beltrão pelos momentos poéticos e brincantes que percorreram todo o curso. A minha orientadora e professora de ACPP Prof.ª Dr.ª Ana Paula
Conceição
pela
orientação
qualificada,
alegria
contagiante e as palavras positivas nos momentos certos. A
minha
família,
minha
mãe
admirável
guerreira
e
companheira, meus irmãos e sobrinhos pela paciência. A Alex, meu esposo, amigo e companheiro durante o percurso da pesquisa. Todas a graças ao ser supremo que me cobre de força, perseverança e sabedoria.
MUNIZ, Laís Santana. “Reinventando o espaço da sala de Educação Infantil a partir do olhar das crianças para o aprender brincando”. 54 f. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso (Pós Graduação em Docência na Educação Infantil). Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016.
RESUMO Analisar o cotidiano da nossa prática pedagógica é uma tarefa difícil, pois percebemos algumas das nossas limitações enquanto educadoras. Organizar o ambiente de educação infantil de forma que permita às crianças aprender brincando é um dos entraves em meu cotidiano pedagógico. Percebo que o ambiente no qual estamos inseridos não proporciona às crianças uma exploração do espaço que possibilite o seu desenvolvimento. Acredito que esse espaço de brincar e aprender não deve ser pensado e organizado somente pelo professor, ele deve ser pensado para as crianças e pelas crianças. Foi desta forma que surgiu o meu problema de pesquisa: Como o espaço da sala poderá ser reorganizado para aprender brincando a partir do que dizem as crianças? A pesquisa aqui apresentada tem como objetivo geral analisar como as crianças do grupo 4 de um Centro Integrado de Educação Infantil no município de Camaçari pensam e desejam a organização do espaço da sala no qual estão inseridas, e os objetivos específicos são compreender a organização dos espaços e sua importância para a criança, tratados no quadro teórico que está composto por Horn (2001,2004) e, Kishimoto (2001, 2010); Valorizar as expressões das crianças sobre a organização do brincar na sala, nos estudos vygotskyniano, apoiado nas pesquisas wallonianas acerca do desenvolvimento infantil sua relação com o espaço e o brincar, com os estudos de Kishimoto (2001, 2010, 2014) e Cruz (2008), entre outros autores sobre a escuta da criança. A análise das observações revelou através das condutas das crianças, que ao brincar explorando o espaço da sala elas transcendem a realidade e vivenciam na brincadeira experiências que as levam a pensar e agir além das suas condutas diárias Palavras-chave: Organização do espaço. O brincar. Criança.
LISTA DE TABELAS Tabela 01 – Nível de escolaridade das professoras da instituição CIEI Areias ....................................................................................................................................22 Tabela 02 – Brinquedo e brincadeira preferidos na sala ...........................................44
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACCP
Ação Crítica da Prática Pedagógica.
ADI
Auxiliar de Desenvolvimento Infantil
CMEI
Centro Municipal de Educação Infantil
DCNEI
Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil
ECA
Estatuto da Criança e do Adolescente
FACED
Faculdade de Educação
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LDB
Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC
Ministério da Educação e Cultura
RCNEI
Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
SEB
Secretaria de Educação Básica
SUMÁRIO
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PARA INÍCIO DE CONVERSA ..................................................................................... 9
1.1 O CAMINHAR DA PROFESSORA............................................................................... 12 1.2 A CHEGADA NA PESQUISA ....................................................................................... 16 2
É HORA DE VER, OUVIR E CONVERSAR .............................................................. 18
2.1 ABORDAGEM METODOLÓGICA................................................................................ 18 2.2 CENÁRIO DE PESQUISA E SEUS ATORES ............................................................. 21 2.3 DISPOSITIVOS E PROCEDIMENTOS ....................................................................... 24 2.4 TRATAMENTO E ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES ................................................... 26 3
ESPAÇO E EDUCAÇÃO INFANTIL .......................................................................... 28
3.1 ESPAÇO PARA O BRINCAR E A CRIANÇA.............................................................. 33 4
O RESSOAR DAS VOZES DAS CRIANÇAS ........................................................... 36
4.1 PRIMEIRO SÓ OBSERVAR ......................................................................................... 36 4.2 AGORA VAMOS CONVERSAR ................................................................................... 38 5
A CONVERSA NÃO TERMINA AQUI! ...................................................................... 44
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 47 APÊNDICE A – ROTEIRO RODAS DE CONVERSAS..................................................................... 53 APÊNDICE B: AUTORIZAÇÃO DE PESQUISA ............................................................................. 54
9
1
PARA INÍCIO DE CONVERSA O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso
existem
inexplicáveis
e
momentos pessoas
inesquecíveis,
incomparáveis.
coisas
(Fernando
Pessoa)
Observando o meu contexto, uma turma de Educação Infantil, percebo que as brincadeiras e atividades realizadas têm tempo e espaços determinados por mim e que não é proporcionado às crianças a livre escolha para brincar, como também o espaço não está organizado adequadamente para que possam explorar o ambiente. Além disso, em alguns momentos da nossa rotina as crianças ficam ociosas justamente por não terem a possibilidade de brincar livremente em um espaço acolhedor. Pensar em um espaço escolar em Educação Infantil não deve ser papel unicamente do professor. As crianças que ali estão precisam ser ouvidas, e suas opiniões levadas em conta no momento da organização e/ou reorganização do mesmo. Desta forma, a partir das experiências vividas em turmas de Educação Infantil onde o espaço muitas vezes, mesmo que de forma inconsciente, é organizado de modo a não permitir o livre acesso das crianças aos materiais disponíveis, surge a escolha de realizar uma pesquisa para ouvir o que as crianças pensam sobre esse espaço, por acreditar que ao ouvi-las será possível compreender como percebem e desejam esse espaço. A organização do espaço da sala em turmas de Educação Infantil é tema de várias pesquisas e estudos, além de estar presente em documentos legais que regem o nosso país. Mas em sua maioria são estudos e pesquisas nos quais a criança é apenas observada como sujeito passivo. Durante a elaboração do Estado da Arte encontrei apenas pesquisas e estudos sobre o tema que tinham a criança como sujeito ativo, mas que mesmo sem ouvir as crianças apontavam a importância de um ambiente escolar bem organizado. Viera (2009) em uma dissertação intitulada “A reorganização do espaço da
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sala de Educação Infantil: uma experiência concreta à luz da teoria HistóricoCultural”, analisa a influência que a organização e o uso do espaço têm no desenvolvimento das crianças pequenas. A autora observou a sua sala de aula em uma escola da rede municipal de ensino no interior de São Paulo, com crianças de 4 e 5 anos onde elas realizavam atividades “típicas” (atividades mimeografadas, roteiro estipulado pela professora, brinquedos e materiais fora do alcance das crianças). Após reorganizar o ambiente da sala, a pró volta a observar as crianças e a análise dos dados produzidos demonstram que a reorganização do espaço da sala em cantos específicos, com objetos, materiais, brinquedos, jogos, adereços, entre outros, acessíveis às crianças proporcionam a interação dos pares infantis e adultos, tornando um espaço rico e diversificado, e favorecendo a troca e a transmissão de conhecimento. Barboza e Volpini (2015), em uma pesquisa bibliográfica publicada em Cadernos de Educação: Ensino e Sociedade no ano vigente, concluíram que o ambiente e o espaço são interligados e que a sala é um espaço que precisa ser planejado com cuidado, sendo um ambiente com estímulos, proporcionando às crianças situações para que se desenvolvam significativamente, e que cabe ao professor, mediador do processo ensino-aprendizagem, criar e organizar os espaços e ambientes lúdicos onde as crianças aprendam brincando. As autoras ainda acrescentam que a modalidade de cantinhos, também chamados de zonas cruciais, possibilitou uma grande mudança na forma de conceber as aulas em turmas de educação infantil favorecendo o desenvolvimento da imaginação e faz de conta das crianças em suas brincadeiras onde essa pode brincar sozinha ou em pequenos grupos utilizando as diversas linguagens. Dentro dessa organização, o professor tem mais contato com as crianças, podendo observá-la melhor e assim atuar como mediador no processo de aprendizagem. O artigo intitulado “Organização do espaço no contexto da educação infantil de qualidade”, Moura (2009), baseado em uma pesquisa qualitativa realizado em uma instituição de educação infantil da Rede Pública do Distrito federal, apontou que a organização do espaço possibilitou às crianças tornarem-se atores em seu processo de aprendizagem e desenvolvimento, contribuindo para uma educação de qualidade.
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Martins (2010), em sua dissertação de mestrado destaca a carência de estudos sobre o tema levando em consideração o ponto de vista das crianças: Eles são, geralmente, pautados em reflexões em que se discute sobre a organização dos espaços para as crianças: para que as crianças brinquem, para que as crianças aprendam, para que as crianças se desenvolvam, para favorecer o período de inserção das crianças, etc. Nestes estudos foi possível perceber uma carência de pesquisas que respondam as questões a partir das necessidades das próprias crianças, ao invés disto respondem as necessidades de quem se preocupa e se ocupa delas. (p.21).
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, volume 3, Conhecimento de mundo (Brasil, 1998), aponta a necessidade da participação das crianças na organização da sala, destacando o livre acesso e manipulação dos materiais, a exposição das produções das crianças, além da manutenção desse espaço. Nesse movimento de ouvir as crianças torna-se necessário também observar como elas se comportam no espaço da sala, seus brinquedos e brincadeiras preferidas, e assim desenvolver o conhecimento e a percepção acerca do que pensam e desejam o espaço escolar. “Este conhecimento é fundamental para que a estruturação espaço-temporal tenha significado.” Barbosa e Horn (apud Craidy e Kaercher, 2001, p. 67) Trago o brincar porque é brincando que a criança interage no ambiente, é brincando que as crianças se relacionam desde muito pequenas. É brincando que ela se desenvolve e, a escola precisa oferecer a elas um ambiente no qual seja possível a brincadeira livre e não somente com objetivo pedagógico. “A brincadeira é algo que pertence à criança, à infância. Através do brincar a criança experimenta, organiza-se, regula-se, constrói normas para si e para o outro.” (DORNELLES, 2001, P. 104) Pesquisa realizada por Kishimoto (2001), destaca que oportunizar espaços de brincar na Educação Infantil depende de uma concepção de criança e de educação que valorize a expressão e a socialização da criança. Sendo assim, a organização desse espaço educacional pode ser favorável ou não ao desenvolvimento das crianças, tendo em vista as concepções e os objetivos da instituição.
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Os estudos sobre a importância do espaço escolar para o desenvolvimento da criança tem se apoiado nas discursões das correntes psicológicas. De acordo com Felipe (2001), as teorias sociointeracionistas concebem o desenvolvimento infantil como um processo onde as crianças ao interagir com o corpo e as coisas do ambiente, e interagir com outras crianças e com os adultos vão desenvolvendo sua capacidade afetiva, sua sensibilidade e autoestima, seu raciocínio, pensamento e sua linguagem. O estudo da influência do meio no desenvolvimento infantil, realizados por Wallon, aponta que existe uma relação entre o cognitivo e as práticas sociais. Levando em consideração que o indivíduo se constrói de acordo com suas interações com o meio torna-se necessário o estudo contextualizado das condutas infantis buscando compreender o sistema de relações estabelecidas entre a criança e o ambiente (GALVÃO, 2005, p. 12). Ainda de acordo com Wallon, é na escola que a interação entre a criança e o meio se dá de maneira mais eficiente, por ser a escola, muitas vezes, um meio rico e diversificado diferente do ambiente familiar (HORN, 2004, p. 16). Dentro das teorias sóciointeracionistas, Vygotsky também evidencia a importância do meio e do brincar no desenvolvimento da criança. A brincadeira e o jogo de faz-de-conta perpassam o universo infantil, dessa forma, é fundamental que o espaço onde a criança brinca seja favorável a esse desenvolvimento devendo ter objetos que possibilite a criação, imaginação e construção, afirma Horn (2004, p. 29). O enfoque dos estudos aqui apresentados evidenciam a importância da organização do espaço infantil para o desenvolvimento da criança do ponto de vista do adulto. Martins (2010, p. 17), destaca a importância de “ouvi-las por acreditar que são elas que poderão ampliar nossa compreensão sobre como percebem os espaços”. Nesse contexto percebo a necessidade de ouvir o que as crianças pensam sobre o espaço da sala no qual estão inseridas, possibilitando reinventá-lo.
1.1 O CAMINHAR DA PROFESSORA
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Durante a minha trajetória profissional na Educação Infantil sempre tive um olhar atento e respeitoso de observação intervenção acerca das preferencias das crianças. Logo após concluir o Magistério tive a minha primeira e grande experiência em Educação Infantil. Fui trabalhar em uma escola com crianças do jardim I, o que hoje corresponde ao grupo 4. Para mim foi um choque, pois cheguei cheia de ideias e muito animada e me deparei com uma escola que tratava as crianças como pequenos adultos, elas pouco brincavam e passavam a maior parte do tempo na sala, sentadas em cadeirinhas de braço fazendo atividades em cadernos e livros. Foi um susto, mas aos poucos consegui modificar a rotina da minha sala levando diariamente jogos e brincadeiras. Tenho que destacar que nesse mesmo período havia na turma uma criança que não falava. Ela não era muda apenas não falava na escola e todos queriam obrigá-la a falar. Foi muito difícil conquistar a confiança daquela menina de 4 anos. O mais gratificante foi vê-la falando normalmente comigo e com os colegas. Essa é uma parte da minha vida profissional que nunca vou esquecer. Uma outra experiência inesquecível e proveitosa em Educação Infantil foi em uma creche comunitária onde frequentavam crianças carentes que as mães saiam para trabalhar. Nesse período já estava cursando Pedagogia na Faculdade Olga Mettig, instituição de grande importância em minha formação profissional. Por está adquirindo conhecimento sobre o desenvolvimento infantil, ao estudar Freud, Piaget e a Zona de Desenvolvimento de Vygotsky, a minha contribuição para a aprendizagem daquelas crianças era muito grande. Na creche eu ensinei mas também aprendi com as crianças e a coordenadora pedagógica que me apresentou a Rodinha de conversa, momento primordial em uma turma de Educação Infantil. Não existe Educação Infantil sem Rodinha pois é esse o grande momento de ensino/aprendizagem. Após a conclusão do curso de Pedagogia fui aprovada no concurso da Prefeitura Municipal de Camaçari, onde eu conheci o Próinfancia, curso de formação para professores em Educação Infantil. As formações só fizeram acrescentar e aprimorar os meus conhecimentos sobre o universo infantil, pois temos como principal eixo a criança no centro do processo de aprendizagem. Seus desejos, anseios e necessidades são primordiais na elaboração dos nossos planejamentos. Em seguida o município foi contemplado pelo projeto Paralápracá do Instituto C&A,
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que muito enriqueceu as nossas formações. Os eixos abordados no projeto contemplam o que rege as leis voltadas para a Educação Infantil. No município de Camaçari tive a oportunidade de vivenciar experiências prazerosas em turmas de Educação Infantil, por conta disso resolvi me inscrever na seleção para o Curso de Especialização em Docência na Educação Infantil com o intuito
de
aprofundar
os
meus
conhecimentos
acerca
do
universo
do
desenvolvimento infantil. Após dias de apreensão recebi o resultado de aprovação. O IV Seminário de Pesquisa em Educação Infantil “como se fosse brincadeira de roda” realizado para a abertura do curso de Especialização em Educação Infantil realizado pela FACED/UFBA foi enriquecedor, na verdade ele renovou os meus ânimos que já estavam exaustos ao final do ano letivo. Muito do que eu ouvi e aprendi lá levei para minha sala de aula no dia seguinte. Os fios foram se tecendo a cada palestra nova. Uma conversa puxando a outra e a roda girando em uma linda sincronia de conhecimentos. Alguma leituras foram feitas durante todo esse processo aqui descrito, vale ressaltar o livro “A escola vista pelas crianças” organizado por Júlia OliveiraFormosinho. Como diz o título o livro traz inferências das crianças acerca dos contextos escolares nos quais estão inseridas destacando o papel das educadoras e a qualidade do processo ensino/aprendizagem do ponto de vista infantil. Para elas os adultos acreditam que a Educação Infantil é uma preparação para a vida adulta dentro de uma expectativa de vida melhor, e tem a função de torná-las mais inteligentes (Oliveira-Formosinho,2008). Os Estudos Interativos Infâncias e crianças na cultura contemporânea e nas políticas de Educação Infantil: diretrizes nacionais e contextos municipais com a Prof.ª Ms.ª Marlene Oliveira Santos apresenta uma indagação pertinente ao nosso curso: “Qual o significado de infância e criança?” Esse questionamento foi a mola mestra para desencadear momentos de pesquisas em torno do tema, estudos esses realizados na Universidade com as professoras de ACCP, em casa e na escola de atuação. Todos esses estudos me fez compreender que a infância é uma construção histórica, social e política, embora ainda se acredite que a criança chegue à escola como indivíduo sem cultura, sem história, que terá seu conhecimento construído pelo professor pois está no início da sua formação.
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Conhecer
os
diferentes
olhares
(filosófico,
pedagógico,
sociológico,
antropológico) sobre infância/criança dentro de um contexto histórico nos faz perceber a importância de uma escola de Educação Infantil que tenha como objetivo a autonomia e a cooperação dentro de um Projeto Político Pedagógico com propostas que apresentem os requisitos necessários para que essa criança se desenvolva no contexto atual: a sensibilidade, a solidariedade e o senso crítico (Oliveira, 2011). A importância de permitir às crianças viver uma infância significativa perpassou todos os momentos de estudos realizados pela professora Marlene em suas aulas e nos Estudos de Aprofundamento com as professoras de ACPP (Análise Crítica da Prática Pedagógica) que “contextos significativos possibilitam experiências ricas para as crianças no conhecimento de mundo social, matemático, artístico, etc.” (Brasil,2012, p. 34). Essas experiências se dão nas interações proporcionadas pelas brincadeiras. O brincar e o interagir são ações indissociáveis que devem estar presentes no contexto da Educação Infantil, garantidos no Projeto Político Pedagógico da escola e em sua Proposta Curricular e alicerçados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (MEC, 2009). As oficinas de Linguagem, Oralidade e Cultura Escrita na Educação Infantil ministradas pela professora Jucineide Melo foi um diálogo entre teoria e prática. Destaco a leitura e discussões dos textos do livro Educação Infantil: enfoques em diálogo de Rocha e Kramer (orgs.). Nessas discussões foi ressaltado a criação de rotinas escolares abertas ao novo, o inesperado e não como algo engessado e imutável. Uma outra discussão importante foi a respeito das rodas de conversa. O questionamento feito pela professora foi como se dá esse momento para a fala da criança na sala de Educação Infantil. Para De Angelo (apud Rocha e Kramer, 2011), É um desafio para nós educadores fazer desse dispositivo um direito da criança como sujeito da fala. Toda essa análise acerca da rotina e da roda de conversa só veio ratificar o meu objeto de estudo. Acrescento a isso a apresentação da tese de doutorado da Prof.ª Dr.ª Risonete Almeida, intitulada Cenas Simbólicas e Enunciação Oral: ressonância de sentidos na Educação Infantil. A pesquisa foi apresentada pela
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própria pesquisadora que teve a intenção de compreender o que revela a linguagem e as construções simbólicas das crianças da Educação Infantil. Ela destaca que: A criança tem sido muito considerada como Objeto de estudo, mas pouco ouvida como Sujeito ativo nas pesquisas. Embora teóricos e comunidade científica tenham construído relevantes conhecimentos sobre a aprendizagem e o desenvolvimento infantil, ainda é incipiente o conhecimento da experiência a partir da voz da criança para a criança. O conhecimento sobre a criança restringe-se, predominantemente, a uma representação do adulto a respeito dela, constituindo, desse modo, tão somente uma percepção dos sentimentos e pensamentos de crianças sobre aspectos de interesses daquele. (Almeida, 2014, p. 14)
1.2 A CHEGADA NA PESQUISA
Após analisar pesquisas e estudos e também observar o contexto as minhas experiências e mais especificamente da turma de grupo 4 do ano de 2015, surgem alguns questionamentos: quais os brinquedos que as crianças mais gostam de brincar na sala? O que mais gostam de fazer? O que pensam sobre esse espaço? Quais modificações gostariam que fossem feitas? O espaço está organizado visando o aprender brincando? Todas as perguntas se resumiram em uma, a pergunta de pesquisa: Como o espaço da sala poderá ser reorganizado para o aprender brincando a partir do que as crianças dizem? Visando responder essa indagação realizei uma pesquisa na instituição na qual trabalho, com as crianças do grupo 4, com o objetivo geral de analisar como as crianças pensam e desejam o espaço da sala que frequentam. A pesquisa do tipo qualitativa foi realizada utilizando a abordagem metodológica Etnopesquisa Crítica (MACEDO, 2004,2015) pelo fato de estar pesquisando a minha experiência com autores sociais. Dentro dessa perspectiva o estudo voltou-se aos etnométodos das crianças. Assim sendo, os objetivos específicos são compreender a organização dos espaços e sua importância para a criança, tratados no quadro teórico que está composto por Horn (2001,2004) e, Kishimoto (2001, 2010), valorizar as expressões das crianças sobre a organização do brincar na sala, e, destacando a escuta das crianças em pesquisas, trago Cruz (2008) para enriquecer a discussão. Para apresentar a pesquisa o segundo capítulo denominado “É hora de ver, ouvir e conversar” trazendo a abordagem metodológica e mostrando os caminhos da
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pesquisa, o método, o campo de pesquisa, os dispositivos e procedimentos metodológicos. No terceiro capítulo “O espaço e a Educação Infantil”, destaco as leituras realizadas sobre a organização dos espaço em Educação Infantil e a sua relação com o brincar e a criança, além da importância de escutá-las. O capítulo traz também diálogos com documentos oficiais que fundamentam a pesquisa. No capítulo 4, “O ressoar das conversas”, como o nome já diz, apresento e analiso o que dizem as crianças e os atos observados durante o processo de pesquisa. Esse capítulo é dedicado a ressoar as vozes das crianças sobre o espaço da sala demonstrando que são o foco principal da pesquisa. Em seguida, no capítulo 5 “A conversa não termina aqui”, faço as considerações finais informando que a conversa com as crianças sobre o objeto de estudo não terminam com essa pesquisa. Pelo contrário, só abre um caminho para que novas pesquisas sejam realizadas.
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2
É HORA DE VER, OUVIR E CONVERSAR Escutar é obviamente algo que vai mais além da possibilidade auditiva de cada um. Escutas, no sentido aqui discutido, significa a disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para a abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro. (Paulo Freire)
2.1 ABORDAGEM METODOLÓGICA Pesquisar a própria prática requer a escolha de um método que favoreça o bom desenvolvimento da mesma. A pesquisa aqui apresentada é do tipo qualitativa por se ocupar em compreender as realidades sociais que não podem ser quantificadas (Minayo, 2009). A autora ainda acrescenta que: A pesquisa qualitativa trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. Esse conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes. (MINAYO, 2009, p. 21)
A abordagem metodológica aqui escolhida para melhor captar a realidade do objeto de estudo em questão é a etnopesquisa crítica. De acordo com Macedo (2004, p. 30), a etnopesquisa crítica se apresenta como um estudo voltado para o conhecimento das ordens sociais e culturais em organização. Cabral e Silva (2010, p. 3), descrevem a etnopesquisa como sendo “uma pesquisa de natureza qualitativa, visando compreender e explicitar a realidade humana tal qual como é vivida pelos autores sociais em todas as perspectivas possíveis”. A etnopesquisa crítica no âmbito educacional conduz seu interesse para compreender as práticas educativas a partir do ponto de vista dos atores sociais ali inseridos, nesse caso as crianças. Saber o que pensam as crianças é necessário para se reconstruir a realidade pesquisada. Sendo assim, torna-se imprescindível compreender qual o papel social ocupado pelas crianças na relação com o adulto dentro de uma pesquisa. Segundo Souza e Castro (2008): Na medida em que a criança não é vista apenas como um objeto a ser
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conhecido, a relação que se estabelece com ela, no contexto da pesquisa, começa a ser orientada e organizada a partir dessa visão. (...) colocando-a como parceira do adulto-pesquisador, na busca de uma permanente e mais profunda compreensão da experiência humana (p. 53).
Ouvir as crianças em pesquisas é algo novo, nos estudos científicos realizados nas diversas áreas do conhecimento a criança ocupava o lugar de objeto de observação ou um dado a ser tabulado. A partir de estudos da área de ciências sociais se evidencia a urgência em captar as vozes das crianças em pesquisas científicas. O ecoar de suas vozes possibilita uma melhor compreensão do contexto educacional analisado. Utilizar a etnopesquisa para compreender a própria experiência demonstra a valoração atribuída a esses “agentes-atores-sujeitos” (Macedo, 2015, p. 30). Macedo (2015) evidencia a relevância da experiência na etnopesquisa, segundo o autor “(...) a experiência dos atores sociais torna-se para etnopesquisa uma radicalidade fundante com legitimidade própria” (p. 29). O autor acrescenta destacando que: Para a etnopesquisa a partida é considerar que o ator social nunca deve ser percebido como um “imbecil cultural”, porque concebido como portador e produtor de significantes, de singularidades experienciais que interativamente, instituem, por suas ações, as realidades com as quais também é constituído. É nesse processo dialógico e dialético que produz seus etnométodos, ou seja, suas formas de perceber para compreender e intervir de forma estruturante e propositiva na vida (p. 30).
Desta forma torna-se necessário uma escuta sensível das vozes dessas crianças e, mais que escutar é imprescindível perguntar, indagar e assim, tentar compreender os etnométodos produzidos por elas. Nessa pesquisa da experiência visando a compreensão da prática é que se destaca a narrativa. A experiência se expressa a partir das narrativas, é através da narração enquanto dispositivo de pesquisa que se desperta e dá sentido à experiência. “Nesses termos a experiência precisa da narração para expressar-se e fazer-se como tal, por consequência, e em geral, o saber da experiência tem uma forma narrativa” (MACEDO, 2015, p. 46). Para saber o que pensam e como desejam o espaço da sala de Educação Infantil, e compreender quais etnométodos foram produzidos pelas crianças para interagir nesse espaço, a narrativa se fez fundamental no processo de apreensão da experiência a partir das vozes das crianças com seus dizeres e fazeres. Diante do tipo de pesquisa escolhida e da abordagem metodológica que
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direcionará todo o processo junto às crianças, evidencia-se a necessidade de utilizar dispositivos que permitam uma produção de dados de qualidade, onde o pesquisador, que também é pesquisado, torna-se um mediador. A produção de dados será realizada com o uso de observações participantes, rodas de conversas e documentos escritos. De acordo com Ludke e Andre (2015): (...) a observação possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado, o que apresenta uma série de vantagens. Em primeiro lugar, a experiência direta é sem dúvida o melhor teste de verificação da ocorrência de determinado fenômeno.
Macedo (2004) acrescenta que a observação participante permite o envolvimento do investigador com a situação de pesquisa e que esse envolvimento deve acontecer também com a população pesquisada. As observações realizadas serão registradas em Diários de campo. Segundo Macedo (2004) a prática do diário de campo diz respeito a “descrição minuciosa e intimista”. Ainda de acordo com o autor: Em realidade, a prática do diário de campo permite melhor nos situarmos nos meandros e nuances em geral descartados (nem por isso pouco importantes) da instituição de pesquisa, naquilo que são suas características explicitas e tácitas (p. 195).
Assim, percebe-se a necessidade de desse dispositivo de pesquisa para que a mesma seja realizada de forma clara e eficiente. A roda de conversa é aqui o dispositivo escolhido para a realização da pesquisa por acreditar ser o que melhor se adapta a realidade a ser pesquisada. Por se tratar de crianças da Educação e os nossos diálogos acontecerem, na maioria das vezes, na rodas de conversas. De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil: A roda de conversa é o momento privilegiado de diálogo e intercâmbio de ideias. Por meio desse exercício cotidiano as crianças podem ampliar suas capacidades comunicativas, como a fluência para falar, perguntar, expor suas ideias, dúvidas e descobertas, ampliar seu vocabulário e aprender a valorizar o grupo como instância de troca e aprendizagem. (Brasil, 1998, p. 138)
De Angelo (2011) aborda a roda de conversa enquanto dispositivo pedagógico que vem sendo utilizado como uma atividade na qual a criança tem garantido o seu direito a voz, e também a ouvir. É um momento de diálogo entre as crianças e das crianças com o adulto, no caso o professor.
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Macedo (2015), traz a roda de memórias e conversas como dispositivo para a pesquisa da experiência. Para o autor esse dispositivo favorece a narração de fatos experienciados, além de proporcionar a escuta e o diálogo. Delgado e Muller (2008), citando Graue e Walsh (2003), destacam o desfio em realizar entrevistas com crianças pequenas e sugerem o uso desse dispositivo em duplas ou pequenos pares. Diante dessa particularidade em Educação Infantil que utilizo a roda de conversa como instrumento de pesquisa. Encerrando a descrição dos instrumentos para a produção de dados trago a análise dos documentos escritos. Para Ludke e André (2015) a análise documental apresenta algumas vantagens, entre elas: “Os documentos constituem também uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidências que fundamentam afirmações e declarações do pesquisador” (p. 45). Desta forma, utilizarei documentos oficiais que validarão a pesquisa aqui apresentada. 2.2 CENÁRIO DE PESQUISA E SEUS ATORES A pesquisa foi realizada no Centro Integrado de Educação Infantil de Areias (CIEI – Areias), município de Camaçari – Ba, localizado no bairro de Areias. A comunidade está inserida na parte litorânea da cidade e em virtude dessa localização geográfica rebe crianças oriundas de diversos lugares e que em sua maioria são filhos de caseiros. O CIEI é composto de quatro salas, uma diretoria, uma sala de professores, uma cantina, um pátio/refeitório, um parque infantil e uma enorme área verde. O nome de Centro Integrado de Educação Infantil, se refere a um educação integral do sujeito, abordando o ser humano em sua totalidade, considera-o em suas dimensões física, mental e social (Camaçari, 2012). O ensino acontece em regime de turnos (matutino e vespertino com quatro horas de duração cada turno). O CIEI, como a maioria das escolas da rede municipal de Camaçari é contemplada pela lei federal 11.738 de 2008 que determina o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos, desta forma cada turma conta com dois professores com carga horária diferenciada. O quadro de professores indica o bom nível de formação das profissionais da
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instituição, o que é refletido na prática docente. A tabela abaixo confirma essa afirmação: Tabela 01 – Nível de escolaridade das professoras da instituição NÍVEL DE ESCOLARIDADE
QUANTIDADE DE PROFESSORAS
Nível Médio/ Magistério
0
Superior Completo
1
Especialização Incompleta
3
Especialização Completa
3
Fonte: Dados da pesquisa “Reinventando o espaço da sala de educação infantil a partir do olhar das crianças para o aprender brincando”, coletados em 23.05.2016.
A turma escolhida para a realização da pesquisa foi o grupo 4 do turno matutino por ser uma turma com maior número de crianças e apresentar uma ótima frequência. O grupo é composto por 21 crianças matriculadas e 19 frequentando, que em sua maioria fizeram parte do grupo 3 no ano anterior no qual fui professora. Elas frequentam regularmente e os maiores índices de ausência são registrados nos períodos de chuva pelo fato de algumas morarem em regiões de difícil acesso. As crianças que fazem parte do nosso grupo já estão adaptadas ao ambiente escolar e acolheram facilmente os novos colegas envolvendo-os nos subgrupos já existente na turma por conta das suas afinidades. Elas são muito comunicativas e gostam bastante do momento da rodinha, onde podem fazer relatos do cotidiano, cantar e contar histórias, apresentar ou conhecer novidades. Temos uma relação de afeto e respeito consolidada. Os pais são parceiros no processo pedagógico, valorizando as produções e interagindo quando necessário. O diálogo é constante, independente das reuniões oficiais. As crianças em sua maioria chegam à escola de ônibus, por morarem em uma localidade mais distante. As outras também chegam no mesmo horário e ficam na varanda da escola à espera da professora, como acontece nas outras turmas. Como aguardam juntas o momento da entrada na sala, elas ficam conversando e já entram falantes e a procura dos brinquedos. Quem chega depois vai se encaixando nos grupinhos já formados ou criam novas brincadeiras. A nossa escola foi uma das escolhidas pela Secretaria de Educação do
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município, como já foi mencionado anteriormente, para receber o projeto Paralápracá do Instituto C&A. O projeto tem como objetivo: (...) contribuir para a melhoria da qualidade do atendimento às crianças na educação infantil, com vistas ao seu desenvolvimento integral. O processo de formação dos professores baseia-se no desenvolvimento de seis eixos: Assim se brinca, Assim se faz artes visuais, Assim se faz música, Assim se faz literatura, Assim se explora do mundo e Assim se organiza o ambiente.
O projeto teve início em nossa escola em março de 2013, a escolha aconteceu por conta do número de turmas de Educação Infantil de cada instituição (mínimo 4 turmas). A nossa escola era composta por seis turmas. O projeto continua em andamento dialogando sempre com a proposta pedagógica da escola e em consonância com a proposta do município. O paralápracá converge com o trabalho realizado na rede municipal de Camaçari, muito do que se propõe já vinha sido realizado no município. A inserção no campo de pesquisa aconteceu de forma natural, pelo fato de estar pesquisando a minha própria experiência. Iniciei solicitando autorização à Secretaria de Educação do Município de Camaçari no nome da gestora da escola, em seguida aos meus colegas, principalmente a colega com quem divido sala por conta da reserva de carga horária. Com as crianças, realizei uma conversa informal acerca da pesquisa. Não foi necessário pedir autorização dos pais porque a escola já realiza essa solicitação para pesquisas e direito de imagem no ato da matrícula. A sala pesquisada é ampla, arejada e bem iluminada. As mesas e cadeiras adequadas ao tamanho das crianças estão dispostas no fundo da sala, estando livre o centro e a frente para o quadro-branco. A mesa da professora fica bem no cantinho e as estantes nas paredes laterais. Existe um cantinho com um fogão e uma geladeira de brinquedo em madeira, um outro, junto ao local onde os livros ficam expostos, com almofadas em forma de animais, uma mesinha com jarra de água e copos para beber água e onde colocam suas garrafinhas d’água. Conversei com as crianças informando-as sobre o objetivo e que juntas iriamos construir a pesquisa. Falei também sobre os dispositivos e instrumentos a serem utilizados, todos ficaram animados e dispostos a participar. Embora não tenha sido necessário a criação de vínculo com a turma pelo fato de ser o grupo no qual trabalho, foi preciso criar um ambiente acolhedor para que a pesquisa acontecesse.
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2.3 DISPOSITIVOS E PROCEDIMENTOS No intuito de refletir sobre a relação entre organização do espaço em uma turma de Educação Infantil e aprendizagem, foram realizadas observações focadas no desenrolar da exploração do espaço da sala pelas crianças. As observações foram realizadas no momento da chegada por ser esse o período onde as crianças mais brincam livremente e melhor exploram o espaço da sala. Foi possível perceber que ao entrarem na sala as crianças escolhem livremente o brinquedo que querem brincar, a brincadeira que querem realizar e os colegas com os quais desejam realizar a brincadeira escolhida. Identifiquei que as crianças se agrupam por afinidades nas brincadeiras: algumas brincam com os brinquedos de encaixe, outras de bonecas, algumas de carrinhos, tem as que gostam de jogos (memória, dominó ou quebra-cabeça) e as que preferem ler livros e/ou revistas. Nesses períodos de observação o olhar do professor/pesquisador precisa estar apurado para não perder o foco da pesquisa, o seu objeto de estudo. As observações não foram neutras e, de certa forma, aconteceram algumas intervenções da pesquisadora que é também professora. E não tinha como ser diferente, pois a pró era sempre solicitada a participar de alguma brincadeira ou para resolver conflitos durante a realização das mesmas. Pesquisar a experiência tem dessas singularidades. Macedo (2015, p. 32) destaca a especificidade de pesquisar a experiência: “Experiências
vivem
itinerâncias
e
errâncias
onde
identificações,
lucidez,
ambivalências, paradoxos, contradições, derivas, perdas, faltas aparecem em estado de fluxo e entretecidos.” Diante dessa modalidade de pesquisa, se torna evidente a importância de um registro minucioso das observações realizadas dentro de um contexto tão inusitado. Durante o período da pesquisa de campo, as escolas contempladas com o projeto Paralápracá iniciaram o estudo sobre o eixo Assim se organiza o ambiente. Após estudos teóricos sobre o tema, a sugestão da coordenadora foi perguntar às crianças como gostariam de decorar a sala. Cada sala deveria ter um tema. Ao final da pesquisa a turma escolheu a decoração de animais. Observar as crianças durante esse momento foi fundamental no processo inicial da pesquisa, pois serviu de orientador para a realização das rodas de conversas.
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Com o objetivo de analisar como a construção/exploração de um ambiente lúdico pode influenciar nas relações entre o brincar e a aprendizagem das crianças foi utilizado o dispositivo roda de conversas. As rodas de conversas acontecem na turma após o período de acolhida e brincadeira livre. Com as crianças sentadas em círculo, conversamos sobre o tema que estamos trabalhando e também trazemos algumas novidades do nosso cotidiano fora da escola. Nesse momento também catamos e contamos histórias. Foram realizadas quatro rodas de conversas com perguntas sobre o tema (Apêndice A) Na realização da primeira roda de conversa sobre a organização da nossa sala enquanto espaço pedagógico perguntei se gostavam da sala e da forma como estava organizada, também indaguei se desejavam modificar ou acrescentar algo na sala. Esse foi o nosso primeiro momento com o celular como recurso para captar as vozes. Conversei com eles como o celular iria nos auxiliar, gravei inicialmente, eles cantando e reproduzir para que percebessem como tudo iria acontecer. Para obter as respostas solicitei que levantassem o dedo para responder e fui gravando que diziam. No início foi bem tumultuoso, mas fomos nos ajustando e consegui captar todas as vozes. A segunda roda de conversa foi planejada baseada no eixo “Assim se organiza o ambiente” do Projeto Paralápracá. Nessa roda de conversa foi definido o tema da nossa turma e como enfeitaríamos a nossa sala. Foi uma festa! A nossa terceira roda de conversa surgiu a partir de um acontecimento inesperado: a chegada de mobiliários novos. Cada turma da escola recebeu duas estantes, uma específica para livros, e também uma caixa para guardar brinquedos, tudo em madeira. Ao sermos surpreendidos com esse novo material questionei a elas (as crianças) como iriamos arrumar a nossa sala para termos um ambiente agradável. Foi proposto por mim uma grande faxina. As crianças foram falando as modificações que gostariam de realizar e eu fui listando no quadro. Durante essa mudança foram retirados os brinquedos quebrados, sem condições de uso, o que fez surgir mais uma roda de conversa. A roda da imaginação. Na quarta roda não utilizei o gravador e sim o quadro-branco para registrar as respostas. Coloquei uma música relaxante, solicitei que fechassem os olhos e pensassem na brincadeira que mais gostam de realizar na sala. Cada um foi dando
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a
sua
resposta
e
surpreendentemente
justificando
sem
que
a
professora/pesquisadora solicitasse essa justificativa. Na realização das rodas de conversas senti as crianças bem à vontade pra expressar suas opiniões. Para resguardar o anonimato dos participantes utilizei as três primeiras letras do nome para identificá-las. Dentro dessa perspectiva de escuta da criança na Educação Infantil para uma ressignificação do contexto escolar, Cruz (2008, p. 79), acrescenta: Na área da Educação Infantil, as informações que as crianças podem dar são relevantes para se conhecer melhor o que se passa nas instituições de cuidado e educação de crianças pequenas e também para entender como elas veem os processos que aí se desenvolvem, como se sentem, o que temem, o que desejam na sua experiência educativa.
Na trajetória da pesquisa, uma criança me surpreendeu ao sugerir que mudássemos o mobiliário de lugar. Prontamente levei a indagação para turma que concordou em realizar a troca. Percebe-se aí os “etnometodos” (MACEDO, 2004) criados pelas crianças para explorar o mundo que a cerca. Toda essa dinâmica de roda de conversas sempre fez parte da minha prática pedagógica, e ganhou reforço após o curso de Especialização de Docência em Educação Infantil, principalmente na oficina de Linguagem, Oralidade e Cultura Escrita, com a Prof.ª Jucineide Melo e as leituras sobre o tema. Em um dos textos trabalhados na aula da prof.ª Jucineide, De Angelo (2011), aborda a importância das discussões sobre o diálogo na educação das crianças. Para o autor: Esse processo tem sido importante para consolidar um espaço-tempo pedagógico privilegiado para a formação da criança como sujeito social/epistémico/cidadão crítico, ético e estético, criativo e responsável, capaz de entender criticamente o mundo e intervir criticamente nele (DE ANGELO, 2011, p. 57).
Dentro dessa perspectiva foram realizadas as rodas de conversas com o grupo pesquisado, por acreditar na possibilidade intervenções pertinentes baseadas no diálogo. 2.4 TRATAMENTO E ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES As informações produzidas serão analisadas durante todo processo de pesquisa. É necessário durante a análise das informações em uma etnopesquisa o
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exame atento e detalhado das informações coletadas, pois a mesma se transformará em um produto final aberto (MACEDO, 2004). Embora a análise das informações aconteçam no desenrolar da pesquisa torna-se necessário um momento para um exame detalhado de tudo que foi construído para a elaboração de um produto final. Foram interpretadas e analisadas as observações descritas no Diário de Bordo e rodas de conversas com a gravação de áudio e algumas fotografias. A análise dessas informações levaram em consideração as relações de aprendizagem construídas pelas crianças, a exploração do espaço da sala para realizar suas brincadeiras, a produção de sentidos na construção de um ambiente novo. A análise dos dados pode contribuir para que educadores possam fazer do seu espaço de educação infantil um ambiente de aprendizagem prazerosa, onde ocorra o desenvolvimento das crianças.
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3
ESPAÇO E EDUCAÇÃO INFANTIL Brincar com as crianças não é perder tempo, é ganhá-lo. Se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem. (Carlos Drummond de Andrade)
Vários são os estudos que abordam a organização e o uso do espaço do espaço na Educação Infantil. A partir do Estado da Arte alguns fundamentos teóricos servirão de auxílio na compreensão do tema e análise das informações pesquisadas. Começo destacando a influência da organização do espaço na Educação Infantil e em seguida, evidencio a utilização desse espaço para o brincar favorecendo a aprendizagem. Várias são as definições de espaço. Somente o dicionário Michaelis Uol traz mais
de
uma
dezena
de
significados,
entre
eles
“es.pa.ço
sm (latspatiu) 1 Fís Extensão tridimensional ilimitada ou infinitamente grande, que contém todos os seres e coisas e é campo de todos os eventos”. No campo educacional alguns autores utilizam o termo ambiente como sinônimo de espaço, embora outros prefiram fazer uma distinção entre os termos. Para Barbosa (2006) é uma tarefa difícil diferenciar os conceitos dos termos. Dessa forma, a autora utiliza o termo ambiente pois segundo ela: “Um ambiente é um espaço construído, que se define nas relações com os seres humanos por ser organizado simbolicamente pelas pessoas responsáveis pelo seu funcionamento e também pelos seus usuários”. (p. 119) Forneiro (1998), acredita se fazer necessário estabelecer uma diferenciação entre espaço e ambiente. Segundo a autora: O termo espaço refere-se ao espaço físico, ou seja, aos locais para a atividade caracterizados pelos objetos, pelos materiais didáticos, pelo mobiliário e pela decoração. Já, o termo ambiente refere-se ao conjunto do espaço físico e às relações que se estabelecem no mesmo (os afetos, as relações interpessoais entre as crianças, entre crianças e adultos, entre crianças e sociedade em seu conjunto). (p. 232-233)
Ainda Forneiro (1998) citando Battini define o espaço a partir da visão das crianças. Para a criança, o espaço é o que sente, o que vê, o que faz nele. Portanto, o espaço é sombra e escuridão; é grande, enorme ou, pelo contrário,
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pequeno; é poder correr ou ter que ficar quieto, é esse lugar onde pode ir, olhar, ler, pensar. O espaço é em cima, embaixo, é tocar ou não chegar a tocar; é barulho forte, forte demais ou, pelo contrário, silêncio, é tantas cores, todas juntas ao mesmo tempo ou uma única cor grande ou nenhuma cor ... O espaço, então, começa quando abrimos os olhos pela manhã em cada despertar do sono; desde quando, com a luz, retornamos ao espaço. (BATTINI apud FORNEIRO, 1998, p. 231)
Dentro dessa perspectiva e ampliando o foco para a Educação infantil, o espaço é para a criança o lugar onde ela vivencia experiências diversas, relacionando-se com outras crianças e também com os adultos, se tornando ambiente. Horn (2004, p. 28) acrescenta que: “É no espaço físico que a criança consegue estabelecer relações entre o mundo e as pessoas, transformando-o em um pano de fundo no qual se inserem emoções. Essa qualificação é o que o transforma em um ambiente”. Horn (2004) destaca os estudos de Wallon e Vygotsky acerca da importância da relação entre o meio, enquanto “campo onde a criança aplica as condutas de que dispõe e retira os recursos para sua ação”. (p.15) Para Horn (2004) os estudos de Vygotsky consideram que a maneira como o espaço é organizado influencia significativamente na aprendizagem da criança. A autora completa: “Isto é, quanto mais esse espaço for desafiador e promover atividades conjuntas, quanto mais permitir que as crianças se descentrem da figura do adulto, mais fortemente se constituirá como parte integrante da ação pedagógica”. (p. 20) Para Vygotsky o desenvolvimento da criança se dá na relação social com outras crianças e com os adultos que neste caso é o sujeito com mais experiência e deve promover e organizar situações de interação entre a criança e o meio. Assim, o espaço se constitui como cenário para o acontecimento dessas ações. (HORN, 2004) A autora cita Wallon ao tratar da importância do meio no desenvolvimento infantil, pois para o autor a escola, enquanto espaço de aprendizagem, geralmente é mais diversificado que o ambiente familiar. Galvão (2005) também apresenta as concepções de Wallon com relação ao espaço pedagógico e o planejamento das ações ali desenvolvidas:
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Se for estruturado adequadamente, pode desempenhar um decisivo papel para o desenvolvimento infantil. (...) o planejamento das atividades escolares não devem se restringir somente à seleção de seus temas, isto é, do conteúdo de ensino, mas necessita atingir as várias dimensões que compõem o meio. (p.101)
Dessa forma, visando o desenvolvimento da criança, o espaço da sala de Educação Infantil torna-se evidente a importância de um espaço adequado para o desenvolvimento dessa criança e esse espaço deve ser planejado de modo a proporcionar uma interação entre as crianças e das mesmas com o meio. Para Carvalho e Rubiano (2010), ao se pensar nessa organização o educador deve estar atento a promover cinco funções da organização do espaço: identidade pessoal,
desenvolvimento
de
competência,
oportunidade para
crescimento,
sensação de segurança e confiança, além de oportunidades para contato social e privacidade. Ao detalhar as funções da organização do espaço as autoras evidenciam a necessidade de se planejar os ambientes infantis para atender as necessidades das crianças, embora geralmente sejam pensados e planejados de acordo com a perspectiva do adulto, com enfoque no controle da rotina escolar. Barbosa e Horn (2001) corroboram com a discussão acerca da perspectiva do adulto na organização do espaço da sala, as autoras acrescentam que: (...) a sala de aula não é propriedade do educador e que, portanto, deverá ser pensada e organizada em parceria com o grupo de alunos e com os educadores que atuam com este grupo de crianças. (...) entendemos que uma organização adequada do espaço e dos materiais disponíveis na sala de aula será fator decisivo na construção da autonomia intelectual e social da criança. (p. 76)
Torna-se evidente a necessidade de proporcionar às crianças a participação na organização do espaço da sala tornando-o mais um recurso pedagógico no qual a criança vivencie experiências no âmbito físico, sensorial e estabeleça relações sociais de convívio. Nessa construção do espaço em conjunto com o professor a criança sente-se parte daquele ambiente, cresce nela o sentimento de pertencimento. Ela passa a ter cuidado com os materiais pedagógicos, com os brinquedos e consegue entender por que e para que esses objetos estão ali. Percebo isso facilmente com relação aos cartazes expostos na sala (chamada, calendário, aniversariante, alfabeto, números,
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etc.), quando as crianças não fazem parte dessa construção elas não veem sentido naquele monte de papel colado nas paredes e acabam rasgando tudo, principalmente as crianças menores. É preciso dar sentido ao espaço da sala, tornalo acolhedor e significativo, e isso só pode ser feito em conjunto, com as crianças. Forneiro (1998) apresenta alguns aspectos que devem ser levados em consideração na organização do espaço na sala de educação infantil. (...) na organização do espaço devem ser considerados quatro aspectos: os elementos que condicionam as possibilidades de organizar o espaço, os critérios a serem levados em consideração para implementação de uma organização adequada, o papel do professor na organização do espaço e os modelos habituais de organização dos espaços de salas de Educação Infantil. (p. 242)
A autora em seu texto “A organização dos espaços na Educação Infantil”, no livro “Qualidade em Educação Infantil” (Zabalza, 1998), faz uma análise detalhada desses elementos que condicionam a organização dos espaços visando estabelecer uma relação entre esse espaço e os sujeitos que nele estão inseridos. Destaco nesses elementos o papel do professor. Segundo Forneiro: Para uma adequada organização do espaço da sala de aula e um projeto ideal do ambiente de aprendizagem, é fundamental que o professor(a) exerça um papel ativo em todo o processo que envolve a organização e que começa com a concretização das intenções educativas e do método ou métodos de trabalho que irá utilizar (trabalho por cantos, oficinas, unidades didáticas, projetos de trabalho, etc.), já que isto irá incidir diretamente na tomada de decisões para o planejamento e a posterior organização do espaço. (p. 261)
Ao pensar no processo de organização do espaço da sala o professor recorrerá as suas concepções de pedagógicas que irão determinar como essa organização será realizada, quais os caminhos a se percorrer e quais os papéis que serão desempenhados. Barbosa (2006, p. 122) aborda a relação entre a organização do espaço em turmas de Educação Infantil e as concepções pedagógicas do educador. Para a autora: A organização do ambiente traduz uma maneira de compreender a infância, de entender seu desenvolvimento e o papel da educação e do educador. As diferentes formas de organizar o ambiente para o desenvolvimento de atividades de cuidado e educação das crianças pequenas traduzem os objetivos, as concepções e as diretrizes que os adultos possuem com relação ao futuro das novas gerações e às suas ideias pedagógicas.
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A partir dessa perspectiva, o educador deve perceber esse espaço como parte integrante da sua ação pedagógica e, junto com as crianças organizá-lo de forma a proporcionar o desenvolvimento integral e a autonomia intelectual e social delas. Barbosa e Horn (2001), destacam a importância de se pensar o espaço da sala como propiciador da construção da autonomia infantil. Na medida em que planejamos um ambiente onde ela possa por si só dominar seu espaço, fornecendo instalações físicas para que com independência possa beber água, ir ao banheiro, pegar toalhas, materiais, ter acesso a prateleiras e estantes, estamos pensando num ambiente não somente como cenário, mas, certamente, como parte integrante da ação pedagógica. (p. 77)
Ao dominar esse espaço com autonomia a criança consequentemente o perceberá como “lugar rico e estimulante de aprendizagem” (FORNEIRO,1998). Neri e Vecchi apud Forneiro (2001) abordam o espaço como um educador a disposição dos atores do processo educativo, contanto que esteja organizado para esse fim. Várias são as formas de se organizar o espaço em turmas de Educação Infantil. Carvalho e Rubiano (2010) apresentam três tipos de arranjos espaciais (maneira como o mobiliário estão posicionados) que serão classificados tomando como base as zonas circunscritas, que “são áreas espaciais claramente delimitadas pelo menos em três lados por barreiras formadas por mobiliário, parede, desnível do solo etc. A característica primordial destas zonas é a circunscrição ou fechamento, por tanto, um aspecto topográfico” (p. 128): O arranjo semiaberto e caracterizado pela presença de zonas circunscritas, proporcionando a criança uma visão fácil de todo o campo de ação, incluindo a localização do adulto e demais crianças. As crianças, geralmente em subgrupos, ocupam preferencialmente as zonas circunscritas, mesmo quando afastadas do adulto; em tais zonas geralmente ocorrem interações afiliativas entre crianças. Suas aproximações do adulto, embora menos frequentes, tendem a evocar mais respostas deste em comparação com outros arranjos. No arranjo aberto há ausência de zonas circunscritas, geralmente havendo um espaço central vazio. As interações entre as crianças são raras, as quais tendem permanecer em volta do adulto, porem ocorrendo pouca interação com o mesmo. No arranjo fechado há presença de barreiras físicas, por exemplo um móvel alto, dividindo o local em duas ou mais áreas, impedindo uma visão total da sala. As crianças tendem a permanecer em volta do adulto, evitando aéreas onde a visão do mesmo não e possível, havendo poucas interações entre as crianças. (CARVALHO; RUBIANO, 2007, p. 129)
As autoras apresentam formas de organização espacial levando o educador a analisar
qual
estará
desenvolvimento infantil.
adequado
a
sua
concepção
de
aprendizagem
e
33
3.1 ESPAÇO PARA O BRINCAR E A CRIANÇA O brincar é tema de grande relevância nos estudos sobre a criança e o universo infantil, relacioná-lo ao espaço da sala das turmas de Educação Infantil não é tarefa fácil. Partindo dos estudos de alguns teóricos como Kishimoto (2001, 2010, 2014), Vigotski (2007), Horn (2004), entre outros, pretendo fazer uma relação entre a organização do espaço da sala de Educação Infantil para o brincar desenvolvendo a aprendizagem. Começo evidenciando a importância do brincar no desenvolvimento infantil. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Brasil, 2009) em seus vários artigos destaca a importância do brincar no desenvolvimento infantil. Destaco o Artigo 4º que determina: As propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar que a criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.
Kishimoto (2010) ao definir o brincar o engloba em todas as atividades cotidianas, a autora afirma que: O brincar é a atividade principal do dia a dia. É importante porque dá o poder à criança para tomar decisões, expressar sentimentos e valores, conhecer a si, os outros e o mundo, repetir ações prazerosas, partilhar brincadeiras com o outro, expressar sua individualidade e identidade, explorar o mundo dos objetos, das pessoas, da natureza e da cultura para compreendê-lo, usar o corpo, os sentidos, os movimentos, as várias linguagens para experimentar situações que lhe chamam a atenção, solucionar problemas e criar. Mas é no plano da imaginação que o brincar se destaca pela mobilização dos significados. Enfim, sua importância se relaciona com a cultura da infância que coloca a brincadeira como a ferramenta para a criança se expressar, aprender e se desenvolver. (p.1)
Já Vigotski (2007), em seu livro “A formação social da mente” destaca que o brinquedo não é somente uma atividade prazerosa, pelo fato de existir outras experiências que propiciam o prazer de forma mais intensa. Além disso, existem alguns jogos que trazem a possibilidade do ganhar e do perder, esses jogos só dão “prazer à criança se ela considera o resultado interessante” (Vigotski, 2007, p. 107). Dentro dessa visão, o autor complementa: (...) é impossível ignorar que a criança satisfaz certas necessidades no brinquedo. Se não entendemos o caráter especial dessas necessidades, não podemos entender a singularidade do brinquedo como uma forma de atividade (p. 108).
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Ainda de acordo com Vigotski (2007): (...) o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal na criança. No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo, é como se ela fosse maior do que na realidade. Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento sob forma condensada, sendo ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento (p. 122).
Nessa perspectiva da zona do desenvolvimento proximal Horn (2004) afirma que a brincadeira se torna uma promotora do desenvolvimento por ser uma atividade na qual a criança “aprende a atuar em uma esfera cognitiva que depende de motivações internas” (p. 19) como acontece nas situações do faz-de-conta vividas por elas. Ao
citar
Vygotsky,
Horn
(2004)
acrescenta
que
para
o
autor
“o
desenvolvimento humano é uma tarefa conjunta e recíproca” (p. 20). Destaca a importância da figura do adulto enquanto sujeito devendo promover e organizar situações de interação entre as crianças e o meio visando o desenvolvimento infantil. A autora evidencia o papel do professor enquanto esse adulto experiente que deve organizar o espaço da sala de forma que essas interações aconteçam, na qual se descentralize a figura do adulto no processo de aprendizagem, e este por sua vez ocupem o papel de interferir na zona de desenvolvimento proximal da criança. Essa organização do espaço deve levar em consideração a relevância do brincar no desenvolvimento dessas crianças. Essa intervenção, sobretudo na escola infantil, dependerá do modo como o professor, o parceiro mais experiente, organiza, por exemplo, jogos e materiais relacionados aos mais diferentes campos do conhecimento (linguagens, matemática, ciências, artes) que, em tal estágio de desenvolvimento das crianças serão os mais adequados e do modo como organiza cantos e recantos da sala, como biblioteca, casa de boneca, recanto das fantasias, das construções, os quais permitirão enredos com a participação em duplas, trios ou grupos maiores de crianças. (Horn, 2004, p. 20)
Kishimoto (2001) em seu estudo intitulado “Brinquedos e materiais pedagógicos nas escolas infantis” acrescenta que: Cada sala de atividade deveria comportar, em seu interior, áreas de brincadeira, incluindo faz-de-conta, construções e jogos e tempo na rotina
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para essa atividade, caso se deseje respeitar o direito de brincar da criança, fugindo do espontaneísmo ou do jogo educativo. (FRANÇA apud KISHIMOTO, 2001, p. 243)
Ao organizar o espaço da sala proporcionando o brincar se estará contribuindo para que a aprendizagem aconteça de forma prazerosa já que para a criança tudo pode ser realizado de maneira lúdica (Horn, 2004). Ainda de acordo com a autora: O brinquedo satisfaz as necessidades básicas de aprendizagem das crianças, como por exemplo as de escolher, imitar, dominar, adquirir competências, enfim, de ser ativo em um ambiente seguro, o qual encoraje e consolide o desenvolvimento de normas e de valores sociais. Assim, deve haver também conexões entre desenvolvimento e aprendizagem, considerando a diversidade de linguagens simbólicas e, consequentemente, a relação entre o pensamento e a ação (p. 71).
Assim, torna-se necessário permitir à criança viver sua infância interagindo com outras crianças, com os adultos e com objetos, vivenciar experiências diversas, descobrindo coisas novas, expondo seus desejos e necessidades atribuindo sentidos a essas interações. Nesse sentido, Conceição (2012), evidencia que As crianças, na sua singularidade, interagem de forma única com o mundo, procurando compreendê-lo. Nesse processo utilizam as mais diversas linguagens, desempenhando a capacidade que possuem de questionar sobre o que pretendem descobrir. (p. 137)
Ao utilizar as diversas linguagens as crianças protagonizam, enquanto atores sociais, a construção do seu desenvolvimento evidenciando a importância de viver a sua infância enquanto tempo de brincar, sonhar, desenhar, colorir. Segundo Oliveira (2010), as brincadeiras e outras atividades que acontecem nas creches e pré-escolas possibilitam às crianças vivenciar papeis diferentes se colocando no lugar do outro, coordenando seu comportamento com seus pares e desenvolvendo habilidades variadas. Pensando em tornar o ambiente infantil mais lúdico para as crianças os teóricos aqui apresentados trazem contribuições importantes para reflexão sobre o brincar, a organização do espaço e o desenvolvimento infantil, revelando a relação existente entre temáticas tão caras para a Educação Infantil.
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4
O RESSOAR DAS VOZES DAS CRIANÇAS
Escutar é obviamente algo que vai mais além da possibilidade auditiva de cada um. Escutar, no sentido aqui discutido, significa a disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para a abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro. (Paulo Freire, 2005)
As observações e rodas de conversas realizadas fizeram ressoar as falas das crianças do CIEI Areias. Durante as observações realizadas foi possível perceber os movimentos brincantes das crianças na sala e o quanto elas exploram esse ambiente. É importante destacar que as observações foram realizadas nos momentos da brincadeira livre, principalmente no momento da chegada das crianças à escola. Como o espaço da sala já foi descrito anteriormente, irei focar na descrição do que foi observado. Focar o olhar nas crianças no momento do brincar livre demonstrou que ao realizarem essas brincadeiras sem pressão, em um ambiente familiar com ausência de tensão ou perigo a criança tende a apreender as normas sociais com menor risco (KISHIMOTO, 2014).
4.1 PRIMEIRO SÓ OBSERVAR As crianças chegam e são recebidas pela professora na porta da sala, uma por uma, elas colocam suas mochilas na cadeira, o copo ou garrafinha de água na mesinha destinada a esse fim, o classificador em cima da mesa da pró e vão brincar. Elas chegam, animadas e, geralmente, chegam juntas por conta do transporte escolar. As que chegam depois vão se encaixando nos grupos de seu interesse ou criando novas brincadeiras. Algumas, nesse momento, os meninos disputam os carrinhos e caminhões por não ter em quantidade suficiente. Toda essa sequência de atitudes alinhada com a escolha do brinquedo e dos colegas com quem desejam brincar demonstram o quanto estão desenvolvendo a autonomia. As crianças fazem essas escolhas pelo fato dos brinquedos e objetos
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estarem dispostos em mesas e estantes com altura acessível. Kishimoto (2010), destaca a relevância da brincadeira e da organização do ambiente no desenvolvimento da autonomia da criança em conjunto com as intervenções do educador. Após escolher seus brinquedos e seus colegas, as crianças selecionam o melhor local da sala para realizarem as brincadeiras. Um grupo de meninas com suas bonecas e utensílios de cozinha em plástico se dirigem para o espaço com a geladeira e um armário de cozinha para brincar de casinha. Percebe-se que entre si as crianças elegem os papéis que irão desempenhar: mãe, pai, filhos, etc. Após decidirem sobre os personagens é criada uma situação para ser vivenciada: SAM: Eu sou a mãe e você a filha. [Apontando para a colega] YAS: Eu sou a madrinha, e quem vai ser o pai? [Elas olham para os meninos que estão brincando com os brinquedos de encaixe] WES: O pai foi trabalhar. SAM: Vou fazer comida pra quando ele chegar do trabalho. [Pegando a panelinha e de dirigindo ao fogão improvisado com uma cadeira] YAS: Eu vou dar comida a sua filha. [Coloca a colega no colo e com uma mamadeira lhe dá o mingau] A cena analisada resulta da ação e significado no brinquedo (VIGOTSKI, 2007). A criança, na brincadeira de faz-de-conta é levada a agir como num mundo imaginário, no qual a situação vivenciada é definida pelo significado instituído pela brincadeira. Além da situação imaginária o brinquedo, como na cena analisada, também se estabelece como uma atividade regida por regras. Ao brincar de casinha as meninas preestabelecem uma relação como as que ocorrem na vida real e desta forma, elas se comportam de acordo com as regras semelhantes a de uma família, criando uma zona de desenvolvimento proximal. No brinquedo a criança comporta-se de forma mais avançada do que nas atividades da vida real (...) a promoção de atividades que favoreçam o envolvimento da criança em brincadeiras, principalmente aquelas que promovem a criação de situações imaginárias, tem nítida função pedagógica. (KOOL, 2010, p. 58)
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O mesmo acontece com o grupo de meninos que estão brincando com brincando com brinquedos de encaixe. Em um outro canto da sala todos os meninos da turma estão brincando, uns montando carrinhos e caminhões que saem empurrando pela sala como se fossem motoristas, emitindo sons de arrancada, freadas e buzinas. Os outros formam torres coloridas bem altas. Poucas meninas escolhem livrinhos de história e sentam no espaço com almofadas onde uma quer “contar” história para outra como se estivessem no momento da rodinha de conversa. Percebe-se, diante da observação, que ao brincar as crianças desenvolvem enredos e regras, reproduzem cenas do seu cotidiano, da relação familiar, expressam sentimentos e assim, vão construindo as condutas sociais (HORN, 2004) e a relação objeto/significado como já foi citado anteriormente. Durante as outras observações a rotina era a mesma, as crianças chegavam, guardavam seus pertences, escolhiam os brinquedos, se organizavam em grupos e brincavam em algum espaço da sala. Pouca coisa mudava por que embora os brinquedos e matérias estivessem expostos em estantes na altura que eles pudessem escolher, estavam todos expostos ao mesmo tempo e nos mesmos lugares. Não havia um revezamento dos brinquedos expostos. Horn (2004) citando Moylés, reforça que “nem sempre elas (as crianças) utilizam grande variedade de materiais, as vezes, restringem bastante os recursos. Ao observar essa restrição no uso dos materiais e do espaço da sala iniciei as rodas de conversas e assim ouvir o que as crianças tem a dizer sobre esse espaço que ocupam para aprender brincando.
4.2 AGORA VAMOS CONVERSAR A nossa primeira roda de conversa aconteceu após o momento do recreio, depois de relaxarmos um pouco, pedi que fizessem um passeio pela sala observando tudo que ali estava. Em seguida sentamos no chão e lancei a pergunta: “Vocês gostam da nossa sala?” Todos responderam “sim”. Depois perguntei: “E das coisas que tem nela e o local onde estão arrumados?” Todos queriam responder ao mesmo tempo, sugeri que cada um respondesse no sentido horário da rodinha e
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desta forma captei as respostas. Apesar de todas as crianças relatarem que gostam da sala, alguns propuseram mudanças: WES: Pró enfeita a sala cheia de flores. LUC: Pró eu já sei, “umbora” arrumar a nossa sala todinha pra ficar bonita!?” ANA: Pegar o dado que tá em cima do armário e bota embaixo. [Repetidas vezes] JOA: Tira a geladeira e o armário. Todas as meninas gritam que não MAD: Arruma pra ficar brilhando. A primeira roda de conversas revela que embora gostem de como a sala está organizada as crianças sugerem mudanças. A partir das sugestões realizadas é perceptível a necessidade de torná-lo mais colorido, mais alegre. Quando LUC diz: “(...) arrumar a nossa sala todinha pra ficar bonita”, revela que o espaço no seu ponto de vista não está tão legal como tinham dito os seus colegas anteriormente. Cruz (2008) acrescenta que ouvir o que as crianças tem a dizer fornece subsídios para transformar os espaços escolares em locais para o cuidar e o educar respeitando seus anseios. Outro aspecto relevante é a fala de ANA: “Pegar o dado que está em cima do armário e bota embaixo”. A atitude nos permite perceber o quanto a criança desejava aquele brinquedo. Horn (2004, p. 86) alerta sobre a importância da disposição dos objetos: Entre outros fatores, os materiais, os livros e os objetos deverão estar dispostos de modo que o aluno interaja com eles sem a intermediação sistemática direta da professora na construção dos conhecimentos envolvidos e mediados no projeto em desenvolvimento.
O brinquedo havia sido colocado em um lugar alto por conta da “bagunça” realizada pelas crianças quando manuseavam o objeto. Essa ação da professora evidencia uma postura controladora do uso do espaço e de alguns brinquedos.
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Após essa roda de conversas, com o advento do projeto Paralápracá e o eixo “Assim se organiza o ambiente”, pensamos juntos, na nossa segunda roda em como deixaríamos nossa sala mais bonita e as crianças propuseram vários temas: TAI: Faz toda de flores RAF: Não pró, flor é de mulherzinha. Faz de floresta, de bicho, de leão. UAU!!!!!!!!! [Imitando o rugido do leão] CAI: É mesmo pró, faz de floresta cheia de bichos. ISA: Não pró faz de florzinha e borboletas. JOA: Eu já sei, faz de floresta com bichos e florzinha. PROFESSORA/PESQUISADORA: Quem concorda com JOA em enfeitar a nossa sala de floresta com bichos e florezinhas levanta a mão. E assim, todos levantaram a mão e fomos traçando metas para decorar a nossa sala. Durante essa mesma semana fomos surpreendidos com a chegada de mobiliários novos o que fez surgir a nossa terceira roda de conversas. Horn (2004, p. 87) enfatiza que: Se a professora permite às crianças a construção desses espaços, compartilhando com os alunos as suas normas de funcionamento, certamente vínculos de confiança serão estabelecidos. As possibilidades de múltiplas vivências permitirão o contraponto nas ideias e nas opiniões diferentes entre as crianças, estabelecendo na sala de aula um clima de cumplicidade.
Validando a compreensão da autora em relação a organização do espaço foi realizada a terceira roda de conversas resultante da chegada de novos materiais. A professora/pesquisadora inicia perguntando: “Como vamos arrumar a nossa sala agora com esses móveis novos?” LUC [Imediatamente responde]: Tira tudo velho e bota tudo novo. PROFESSORA/PESQUISADORA: Acho que tem algumas coisas que podem ficar na sala. O que vocês acham? O que faremos com os livros que estão na mesinha? SAM: Botar na estante nova.
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PROFESSORA/PESQUISADORA: Vamos colocar todos os livros até os rasgados? SAM: Não pró, vamos ver os que tá bom. PROFESSORA/PESQUISADORA:
E
na
outra
estante
nova,
o
que
colocamos? RAF: O giz de cera e papel pra gente desenhar. JOA: Bota o lápis de cor também. CAI: E tesoura e cola. PROFESSORA/PESQUISADORA: Ok! Colocaremos na estante nova os materiais para que vocês possam desenhar, pintar, recortar e colar nos momentos livres. Todos gritam e batem palmas. PROFESSORA/PESQUISADORA: Agora temos o baú, o que faremos com ele? Vamos colocar os brinquedos? TODOS: Vamos. [E correm para trocar os brinquedos de lugar] PROFESSORA/PESQUISADORA:
Calma,
vamos
fazer
a
faxina
dos
brinquedos e separá-los em três grupos: o que estão bons para brincar, os que podem ser consertados e os que não servem mais para brincar. Assim fizemos a separação e, ao final percebemos que tínhamos poucos brinquedos para brincar. As crianças ficaram tristes mas aceitaram a situação e prometeram cuidar mais dos materiais da escola. Daí resolvi pegar alguns jogos que estavam guardados dentro do armário, organizei a turma em grupos para explicar cada jogo e fui fazendo o revezamento dos mesmos para que todos pudessem brincar. O momento dessa “faxina” me fez refletir sobre a importância do brincar para as crianças. Todo o percurso no Curso de Especialização, em especial nas aulas de ACPP (Análise Crítica da Prática Pedagógica), no qual a importância do brincar esteve sempre evidenciado, além das oficinas, em especial a de “Linguagem, Oralidade Cultura Escrita” onde a professora nos mostrou jogos e brinquedos
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facilitadores do desenvolvimento infantil. Também a oficina “Brinquedos e Brincadeiras no Cotidiano da Educação Infantil”, que só veio acrescentar e firmar a essencialidade do brincar na cultura da infância. Todo esse aporte teórico-prático descortinou a minha visão sobre o brincar e a prática pedagógica nas turmas de Educação infantil. Essa roda de conversas e conjunto com a “faxina” foi um divisor e águas em minha prática enquanto educadora infantil. Mais uma vez Horn (2004) vem corroborar com esse estudo. Citando Perrenoud (2002) ela acrescenta que: A forma de agir e de estar no mundo de uma pessoa não pode mudar sem transformações advindas de suas atitudes, de suas representações, de seus saberes, de suas competências e de seus esquemas de pensamento e ação. Essa modificação pode até ser modesta, limitando-se a modificar um pouco o olhar sobre as coisas. (p. 87-88)
A nossa última conversa aconteceu de forma relaxante após o recreio. Com o chão forrado, todos deitados a meia luz, um som ambiente ao fundo, as crianças foram descrevendo os brinquedos e brincadeiras que mais gostam de realizar na sala. Tabela 02 – Brinquedo/ brincadeira preferidos na sala BRINQUEDO/BRINCADEIRA
QUANTIDADE DE CRIANÇAS
Brinquedo de encaixe
5
Boneca
4
Jogo da memória
3
Dominó
2
Escrever no quadro
3
Carrinho
3
Fonte: Dados da pesquisa “Reinventando o espaço da sala de educação infantil à partir do olhar das crianças: como pensam e desejam esse espaço para o aprender brincando”, coletados em 10.11.2015.
Alguns foram justificando as suas respostas: KLE:
Gosto do brinquedo de montar porque faço torre bem grande e colorida.
JOY:
Eu brinco de boneca pra dá comidinha e botar pra dormir.
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PAU:
Eu gosto do jogo da memória pra acertar.
ALI:
Eu gosto de jogar dominó com a pró.
AND:
É bom desenhar e escrever meu nome no quadro. Ele é grande
CAI:
O carrinho é bom pra correr. As observações e rodas de conversas apresentadas demonstram os sentidos
atribuídos pelas crianças sobre o espaço da sala e a sua relação com o brincar. Embora se sintam acolhidos, desejam mudanças visando uma melhor interação entre elas e os objetos e entre elas e seus pares. Dar vez a essas crianças é valorizar o que elas tem a dizer. Durante a pesquisa, observando os momentos de brincadeira livre, foi possível também perceber que as crianças se dividem em grupos de meninas e grupos de meninos demonstrando o estereótipo de gênero. Além disso, durante as rodas de conversas percebe-se uma visão estereotipada dos meninos com relação aos brinquedos e objetos. Diante do exposto, percebe-se o quanto é necessário esses momentos de diálogos na sala, ouvir o que as crianças tem a dizer é realizar um trabalho na perspectiva da cooperação e da autonomia no qual o educando pode expressar seus sentimentos e desejos atribuindo significado à prática educativa. Ao proporcionar o diálogo, permite-se a sua livre expressão, sem castração possibilitando intervenções nos contextos vividos.
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5
A CONVERSA NÃO TERMINA AQUI!
A pesquisa “Reinventando o espaço da sala de Educação Infantil à partir do olhar das crianças o aprender brincando” foi realizada buscando compreender os sentidos atribuídos pelas crianças do CIEI Areias ao espaço da sala como ambiente do brincar, bem como analisar as relações entre a organização do ambiente, o brincar e a importância para as crianças. Os estudos de Vigotski (2007) e Wallon (apud GALVÃO, 2005), entre outros, foram necessários para uma melhor compreensão do desenvolvimento infantil numa perspectiva sócio histórica que atribui ao meio social a preponderância do desenvolvimento humano. Dentro dessa abordagem encontram-se também estudos sobre o brincar enquanto construtor de aprendizagens, dentre eles, os estudos de Kishimoto (2001, 2010, 2015). Ancorado a essas discussões está a pesquisa de Horn (2004) sobre a organização do espaço na busca de proporcionar uma interação entre os fatores aqui apresentados (o meio e o brincar) para o desenvolvimento das crianças. Ouvir as crianças sempre fez parte da minha história de educadora. Embora não seja tarefa fácil, é um exercício necessário entender o seu universo a partir os seus dizeres. Os estudos organizados por Cruz (2008) ratificaram a necessidade de ouvir o que dizem as crianças sobre temas relacionados a elas. A escolha da metodologia também fundamentou a pesquisa. A Etnopesquisa Crítica possibilita a legitimação da criança enquanto atores sociais, as observações participantes tanto quanto as rodas de conversas reverberavam as vozes das crianças e seus etnométodos. Por se constituir forte ferramenta de aprendizagem e, consequentemente aporte para o desenvolvimento infantil, o espaço
escolar, e aqui mais
especificamente o espaço da sala das turmas de Educação Infantil, tem sido frequentemente tema de pesquisas no âmbito educacional. Mas poucos são os estudos que evidenciam o ponto de vista da criança sobre o assunto e a professora como pesquisadora. Pesquisar a sua experiência não é tarefa fácil e requer um certo rigor. Ao analisar o contexto da turma em que trabalha o professor precisa ser imparcial e garantir a equidade dos dados pesquisados.
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Buscando refletir sobre a organização do espaço como suporte da aprendizagem realizei observações na turma. A análise das observações revelou através das condutas das crianças, que ao brincar explorando o espaço da sala elas transcendem a realidade e vivenciam na brincadeira experiências que as levam a pensar e agir além das suas condutas diárias. No momento em que se organizam para brincar de casinha e escolhem os brinquedos que desejam utilizar na brincadeira a criança está desenvolvendo a sua autonomia. Para que isso aconteça o espaço deve estar organizado de forma que possibilite essa livre circulação das crianças. Inicialmente essa organização não era preponderante em nossa sala, mas com a chegada dos novos mobiliários foi possível torná-lo mais acessível. Observando as crianças foi possível compreender que além de desenvolver a autonomia elas desenvolvem a criatividade e a linguagem. Ao pensarem em como arrumarão suas “casas” e ao determinarem os papeis a serem desempenhados elas adentram num mundo mágico da imaginação, da criatividade. E nessas relações construídas com seus pares e o meio desenvolvem a linguagem, fator primordial para o desenvolvimento humano. A realização das rodas de conversas para ouvir o que pensam e desejam as crianças sobre o espaço da sala legitimou o estudo aqui realizado. As falas das crianças sobre o que pensam da sala foram reveladoras, pois mesmo expondo que gostam como o espaço para o aprender está organizado elas evidenciaram a necessidade de mudanças. Para as crianças a sala não é somente um lugar para realizar atividades pedagógicas, planejadas pela professora, é também um local para o brincar e elas desejam esse ambiente estruturado para que possam brincar com autonomia. As crianças desejam brinquedos diversificados, expostos ao seu alcance, materiais didáticos que possam ser utilizados nos momentos livres. Aqui destaco o momento em que a criança “ANA” exprime seu desejo pelo dado, ela expressa a necessidade de que o espaço esteja acessível a todos. Assim como, na escolha do tema da sala revelou toda a criatividade dos educandos. Envolvidas com o tema “Animais da floresta”, trabalhado anteriormente, elas decidem enfeitar a nossa sala com animais, árvores e flores. Todo esse
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processo permitiu perceber que o planejamento pedagógico para fazer sentido precisa ser realizado levando em conta os dizeres das crianças. O ápice da pesquisa foi o momento que aconteceu após a chegada dos móveis novos. Foi o momento daquelas crianças revelarem e colocarem em ação o desejo de mudança do espaço para o brincar. Ouvir as sugestões de mudança, fazer a “faxina” do espaço junto com as crianças foi um sentimento único. Emergiu a vontade e a necessidade de colocar os materiais pedagógicos e os brinquedos em locais em que possam ser manipulados. Ao permitir a construção dos seus espaços e o compartilhamento de normas possibilita-se a formação de vínculos de segurança e a aprendizagem de regras. Já a roda de conversas sobre o brinquedo/brincadeira preferido revela na fala da criança JOY que ao brincar a criança vivencia uma situação imaginária. É uma representação avançada da realidade. JOY diz: “Eu brinco de boneca pra dá comidinha e botar pra dormir.” Ao transformar blocos coloridos em casa, castelo, carro ou caminhão, KLE faz uma representação de uma realidade ausente, separando o objeto do significado (HORN, 2004), o que também acontece quando pegam peças de madeira com formas geométricas para brincar de telefone, como visto nas observações. As rodas de conversas realizadas também fizeram ressoar uma visão estereotipada dos brinquedos e brincadeiras, principalmente por parte dos meninos. Ao falar que “flor é de mulherzinha”, RAF revela essa visão estereotipada do universo feminino. Para Cruz, Silva e Souza (2012), os estereótipos originam-se dos pais e das pessoas que convivem com as crianças, pois elas já nascem num ambiente planejado de acordo o seu sexo/gênero. A partir desse momento, são inseridas as marcas e são dadas as regras do permitido e do não proibido. É neste contexto de família que as escolhas vão produzindo o gênero. As brincadeiras de casinha realizadas pelas meninas que estão separadas dos meninos que brincam de carro ou de construção de torres, também evidenciam uma postura estereotipada das questões de gênero. Kishimoto e Ono (2008, p. 215), citando Brougère (1995), “a escolha por sexo e por gênero de brinquedos e de brincadeiras do universo feminino muitas vezes se restringe à casa e à família, enquanto o masculino se relaciona aos ‘carrinhos’, ao mundo do trabalho”.
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De acordo com Carvalho e Guizzo (2016) pelo fato da escola ser uma instituição implicada na produção das diferenças torna-se necessário abordar temáticas de gênero e sexualidade na formação inicial e continuada dos educadores visando não reforçar regras e comportamentos de desigualdade entre meninos e meninas. A pesquisa aqui apresentada indica a relevância de colocar a criança como protagonista do processo educativo, agregando sentidos aos seus dizeres. Nessa direção emerge a necessidade da escuta das crianças no contexto educacional na qual estão inseridas, pois enquanto sujeito ativo no processo de aprendizagem constrói saberes, desenvolve a linguagem, a autonomia, a criatividade, a imaginação, convive socialmente criando e respeitando regras dos grupos que participa. É através do brincar em um espaço organizado adequadamente que essas aprendizagens vão sendo construídas. E a escola precisa oportunizar e validar as falas das crianças criando uma atitude de escuta constante, valorizando a construção da prática docente baseada no diálogo. Na pesquisa busquei fazer ressoar as vozes desses pequenos educandos que precisam ser ouvidos, pois tem muito a dizer. Como no título do capítulo, a conversa não termina aqui. O estudo desenvolvido indica a necessidade de novos debates acerca de concepções pedagógicas que atribuam sentido a construção coletiva do espaço escolar para o brincar aprendendo ou o aprender brincando. Ouvir o que as crianças pensam do espaço em que estão inseridas, que foi preparado antecipadamente a sua chegada e que elas tiveram que se adaptar para se inserir foi muito precioso. O ecoar das vozes infantis percorreu todo o nosso espaço de tal forma que os acontecimentos fizeram florescer uma nova sala. Que o ecoar das vozes infantis transcenda a sala do grupo 4 do CIEI Areias e avance por todos os espaços de Educação Infantil. Que todas as crianças possam falar e serem ouvidas. Que os seus dizeres transformem os espaços de suas salas e ambientes para o aprender brincando.
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APÃ&#x160;NDICE
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO CURSO EM ESPECIALIZAÇÃO EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
APÊNDICE A – ROTEIRO RODAS DE CONVERSAS 1ª Roda: 1.Vocês gostam da sala? 2. Vocês gostam das coisas que estão na sala e o local onde estão arrumados? 3. Gostariam de mudar alguma coisa na sala?
2ª Roda: 1. O que podemos fazer para deixar a nossa sala mais bonita?
3ª Roda: 1. Como vamos arrumar a nossa sala com os móveis novos?
4ª Roda: 1. Qual o brinquedo/ brincadeira que vocês mais gostam de brincar na sala?
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APÊNDICE B: AUTORIZAÇÃO DE PESQUISA