Fé e Política Robson Leite
“Educação para a paz”
T
odos nós ficamos sempre muito chocados quando vemos alguns crimes bárbaros de assassinato frequentemente noticiados pela grande imprensa. E esses crimes, quando praticados por jovens e adolescentes, despertam sempre o debate sobre a redução da maioridade penal como solução para o problema da violência. Não quero restringir a minha análise a essa questão específica, mas trazer alguns outros elementos como, por exemplo, o papel do estado na solução efetiva da questão da violência. Para melhor ilustrar essa análise, gostaria de relatar uma interessante história que aconteceu há uns 20 anos com um ex-aluno de um dos núcleos de pré-vestibular comunitário onde sou professor. Nascido em uma favela marcada pela violência, aos 16 anos ele se envolveu com um grupo criminoso que dominava a favela onde vivia. Tinha acabado de concluir, com muita dificuldade, o segundo grau que hoje chamamos de ensino médio. Andava armado e, conforme recentemente me confidenciou, fazia isso simplesmente pela sensação de poder que a arma trazia. Foi flagrado pela polícia cometendo um furto e levado, por determinação judicial, para uma unidade de aplicação de medidas socioeducativas para jovens e adolescentes. Lá, depois de ficar alguns meses interno e com sua liberdade cerceada, ele sai e, após muito relutar, mas percebendo os graves riscos que corria com aquele estilo de vida que levava, mesmo meio desconfiado e sem-jeito, aceita o convite de alguns amigos de infância e ingressa em um curso de pré-vestibular comunitário que funciona até hoje próximo de sua casa. Depois de um ano de aulas ele experimenta um início de mudança. Larga de vez a antiga vida que levava e começa a se dedicar às aulas e ao projeto. Faz por três anos o pré-vestibular e, finalmente, alcança o sucesso nas provas e ingressa em uma universidade. Hoje, formado e com um emprego, ele diz que não foram apenas as aulas de física e matemática que mudaram a sua vida, mas sobretudo as aulas de “cultura e cidadania”, onde ele aprendeu a enxergar o mundo de forma diferente. Passou a perguntar o que ele podia fazer em prol da sociedade com a mesma intensidade que cobrava do Estado um papel de maior presença e atuação junto às comunidades pobres. Uma história muito bonita que faço questão de trazer aqui para ilustrar um pouco a nossa reflexão sobre as soluções que vemos surgir nos debates realizados sobre os caminhos para a superação da violência. A pena de morte e a redução da maioridade penal ganharam uma importância enorme nessas discussões. Entretanto, os principais problemas que causam a violên-
20
O Mensageiro
Fevereiro 2022
cia quase sempre ficam de fora dessas análises: uma educação pública completamente falida e a total ausência do Estado nas comunidades de baixa renda. Não preciso me aprofundar muito sobre os motivos que me levam a questionar a redução da maioridade penal como solução para a escalada da violência em que estamos mergulhando a cada dia. Digo isso em função da história que cito acima. Será que o meu ex-aluno teria conseguido ingressar em uma universidade e ter a vida que leva hoje se tivesse sido condenado e jogado em uma penitenciária de adultos aos 16 anos, onde a taxa de reincidência criminal, segundo o Ministério da Justiça, é três vezes superior a taxa de reincidência das unidades de aplicações de medidas socioeducativas para jovens e adolescentes? Provavelmente teríamos mais um criminoso em nossa sociedade formado pelas grandes universidades do crime: as Penitenciárias. Enquanto não priorizarmos efetivamente a educação pública e não entendermos que muito antes da polícia entrar nas favelas, outras frentes de ação do estado – como a educação, a cultura, o urbanismo, as creches, o saneamento, os postos de saúde e os programas profissionalizantes de geração de emprego e renda – precisam estar presentes, dificilmente deixaremos de sair da terrível situação em que nos encontramos hoje. Outro aspecto fundamental é refletir sobre o que leva um jovem a ingressar no crime. Será que esse jovem fez uma escolha consciente dialogando com os pais? Será que algum dia ele foi a escola? Essa escola remunera bem os professores? Possui infraestrutura para os professores trabalharem? Fica mais fácil compreender a origem do problema quando refletimos mais a fundo. Matar também não é e jamais será a solução. Pelo contrário: quem comete crime para combater o crime torna-se criminoso e aumenta ainda mais o número de homicídios e de crimes. O caminho é outro completamente diferente. Ou deixamos de pensar as questões de exclusão social como apenas um problema de polícia ou vamos, infelizmente, assistir inertes e passivos ao sepultamento da nossa sociedade que está cada vez mais distante do Reino de Deus que conclamamos quase que diariamente na oração do Pai Nosso.
(*) Robson Leite é professor, escritor, membro da nossa paróquia, funcionário concursado da Petrobras e foi Deputado Estadual de 2011 a 2014. Site: www.robsonleite.com.br Página do Facebook: www.facebook.com.br/ robsonleiteprofessor