4 minute read

It's a Sin

Next Article
Pomar de Monsanto

Pomar de Monsanto

Num ano de pandemia causada por um vírus, falar de outro que que assolou os anos 80 e 90, não podia ser mais oportuno. Estávamos em Inglaterra e após um período da formação e visibilidade da comunidade e cultura gay em Londres, o vírus da SIDA, vem interromper o sonhos e a vida de muita gente. Esta é a proposta RUSSELL T. DAVIES, o roteirista do sucesso televisivo, Queer as Folk. Nesta nova série, It's a Sin que estreou na britânica Channel 4 e está agora disponivel na HBO Portugal, o famoso roteirista quis relembrar a sua própria juventude, incluindo a memória de uma Londres onde chegava no início dos anos 80, que fervilhava em parte devido a explosão da cultura gay que crescia livremente depois da homossexualidade ter sido descriminalizada na Inglaterra em 1967. Para RUSSELL T. DAVIES, Londres passa a representar o sítio certo onde estar, por permitir viver em liberdade a felicidade de amar quem se quisesse. No entanto, o evento da SIDA viria a interromper drasticamente a vida de toda uma geração que apenas começava a desenhar os seus sonhos. No desenrolar dos cinco episódios os preconceitos e as zonas mais escuras de toda uma sociedade são-nos servidos de forma hilariante e dramática. Umas vezes temos muita vontade de rir e outras de chorar. Vivesse um carrossel de emoções que não deixa ninguém indiferente.

Advertisement

It's a Sin é pois um filme marcado pela alegria de viver de uma geração, embalada por todos os grandes sucessos da época da Pop britânica inglesa. É uma verdadeira playlist para os nostálgicos que viveram essas épocas. Os protagonistas fogem de vidas mesquinhas e encontram-se no Pink Palace, um decrepito apartamento vitoriano que alugavam, um verdadeiro refúgio onde podem viver as suas diferenças sem preconceitos. Contudo passado os momentos de euforia, passamos a assistir a um vertiginoso processo que vem destroçar as suas esperanças. Chegavam as primeiras notícias e a seguir os primeiros casos do HIV, e a ameaça que inicialmente era uma doença dos outros, a dos americanos, passa rapidamente a ser uma doença dos amigos dos amigos, até verem sucumbir os seus próprios amigos e por fim eles próprios. Os seus preconceitos e o dos outros, são servidos gota a gota até ao caos final, onde sobram só destroços, vidas e sonhos interrompidos.

O enredo vive de um conjunto de personagens principais que se encontram casualmente em Londres formando uma espécie de família alternativa. No Pink Palace encontramos Ritchie (OLLY ALEXANDER), que chega de uma recatada zona na Ilha de Wight e que em Londres procura viver apressadamente a sua verdade, ainda que contida, forçada pela sua educação e pelo reprimir de emoções que era quase obrigatório para um jovem homossexual da sua época. Junta-se Roscoe (OMARI DOUGLAS), que se liberta da sua família nigeriana conservadora, e Colin (CALLUM SCOTT HOWELLS), um envergonhado jovem de Gales, que mal ousa existir. Ao lado dos rapazes, temos Jill (LYDIA WEST), a melhor amiga de Ritchie e a alma da casa. No desenrolar do drama, Jill joga um papel importante porque é a figura solidária que dá coesão ao grupo familiar e à comunidade em que se envolve. Na série, é a voz que está sempre ao lado da ciência que vai captando as informações corretas, ao contrário dos amigos. Ela torna-se o grito que desperta para uma consciência social levando a questão a patamar nacional e por isso, a primeira a lutar contra os preconceitos e a juntar indivíduos em torno do combate contra a SIDA, manifestando-se publicamente para sensibilizar os políticos e a sociedade em geral para esse flagelo público. It's a Sin dá-nos a imagem de vírus que avançou muito rapidamente. É captado a partir dos ângulos de cada uma das suas personagens e respetivas famílias afetadas, expondo como o medo, a ignorância e a negação consumidas por um vergonha imposta por uma sociedade, foram o fermento para o seu desenvolvimento. Mostra ainda como os sistema de saúde, mesmo os mais sofisticados, não são imunes aos próprios preconceitos e em vez de proteger os doentes, acabam por os expôr a opressão pública de forma desumana. Muito rapidamente estes doentes passaram a ser tratados como criminosos da saúde pública e uma comunidade que lutava pelos seus direitos era remetida para um sentimento de culpa e vergonha

Mas para além da exposição das más políticas públicas, a série ainda invoca a crueldade das próprias famílias envolvidas que cegas pelo seu desejo de uma normalidade, entram em estado de negação. Perante a notícia da infeção, vemos nesta série, famílias que se sentem envergonhadas, e que estão prontas a tudo para desacreditar a realidade, procurando ocultar factos e criando verdades alternativas para os demais. Nesse aspeto, a série ganha o seu epílogo dramático quando Val, (KEELEY HAWES), a mãe de Ritchie, captura o filho no seu quarto de infância, presa a uma negação a tudo o que o filho viveu e é, deixando-o morrer sozinho, sem o calor dos amigos que o desejavam visitar.

This article is from: