Reserva Natural das Ilhas Selvagens
Neste documento estão condensados uma série de artigos que foram publicados em 2011, pelo Serviço do Parque Natural da Madeira, ano em que a Reserva Natural das Ilhas Selvagens celebrou o seu 40º aniversário.
Vários temas são abordados ao longo de vários artigos, dando a conhecer as particularidades e riquezas destas ilhas, desde:
- Descoberta das ilhas - Cagarra – ex-líbris da reserva - Exploração das plantas - Tentativas de colonização - Farol - Jaques -Soberania Portuguesa -Galardões - Geologia - Cagarra - Aves marinhas - Osga -Recuperação dos habitats terrestres da Selvagem Grande - Lenda do Ccapitão Kidd -Visitantes
Reserva Natural das Ilhas Selvagens
A descoberta Diogo Gomes foi o descobridor oficial destas ilhas, em 1438, mas segundo algumas fontes, na Antiguidade já eram referenciadas duas Selvagens conhecidas pelos nomes de Heres e de Antoloba e, em registos de 1345, aparecem incluídas no grupo das treze Ilhas de Canárias.
Porquê Selvagens? Segundo Gaspar Fructuoso ( In Saudades da Terra), assim foram chamadas “por serem hermas e desconversáveis assi de navegação como de gente, e com huns perigosos baixios, em distância de trinta léguas entre huma e outra, as quais pode ser que sejam do número das doze que, segundo o historiador João Barros, se dizem Canárias”.
Proprietários das Ilhas As Selvagens foram incorporadas na Ordem de Cristo, durante o reinado de D. Manuel, tendo sido feitas concessões das Ilhas a fidalgos e guerreiros que se distinguiam nos feitos das conquistas e guerras na época do expansionismo português. Desde esta data passaram a pertencer ao Estado Português, estando sob a administração territorial da Região Autónoma da Madeira.
Presença humana… Várias tentativas de colonização foram feitas, das quais ainda existem alguns vestígios na Selvagem Grande - muros de pedra, uma velha cisterna e respectivos canais – mas nunca foram colonizadas devido à inexistência de água e à inospicidade do local.
…e suas actividades As Ilhas, desde cedo, foram exploradas para a recolha de Barrilha para ser utilizada na produção de soda e de Urzela, um líquen usado na tinturaria, que imprimia uma cor púrpura nos tecidos e papel, cujo comércio prosperou no século XVIII, tendo sido exportado para a Inglaterra e Flandres. Outras boas fontes de rendimento eram a pesca e salga do peixe, que era vendido na Ilha da Madeira, assim como a extracção de estrume resultante da acumulação de excrementos de Cagarra, usado na fertilização das terras agrícolas na Ilha mãe. No século XV foram introduzidos na Selvagem Grande cabras e coelhos que serviam de alimento às pessoas envolvidas nessas actividades. Segundo alguns relatos, de Agosto a
Setembro, os proprietários das Ilhas exploravam a caça ao coelho, cuja carne salgavam e as peles eram secas para exportação.
A caça da Cagarra A actividade mais lucrativa na história das Selvagens foi a caça das cagarras, ave marinha que nidifica nestas Ilhas. De Setembro a Outubro de cada ano, ou no fim da época de reprodução, eram organizadas expedições a estas ilhas com o intuito de capturar o máximo possível de juvenis. Os animais eram mortos e aproveitados para serem utilizados de várias formas: consumo humano, fabrico de colchões com as penas e outros fins. Estas actividades foram mantidas de uma forma controlada até se iniciar a utilização de barcos a motor, altura em que a colónia começou a mostrar fortes indícios de regressão. A última expedição às Ilhas Selvagens para a matança dos juvenis da cagarra, partiu do Funchal a 15 de Setembro de 1967.
Necessidade de proteger… E foi com base na urgente necessidade de acabar com o declínio da população de cagarras e preservar aquelas Ilhas, possuidoras de valiosíssimo e inigualável património natural que foi criada a primeira reserva natural de Portugal! A 29 de Outubro de 1971 é reconhecida a importância das Ilhas Selvagens e do seu Património Natural levando-as à classificação de Reserva Natural Integral. Esta área protegida contempla toda a parte terrestre assim como a parte marinha envolvente até à batimétrica dos 200m de profundidade.
Trabalhos de investigação e monitorização O estudo da flora das Ilhas Selvagens despertou o interesse de botânicos e naturalistas de todo o Mundo, como foi o caso do capelão e botânico inglês Richard Thomas Lowe que em 1869 publicou a primeira lista sistemática conhecida das plantas das Ilhas Selvagens, que foi actualizada e publicada, após 55 anos, por Carlos Azevedo de Menezes. Ao nível da fauna, os trabalhos começaram em 1963 com a nidificação de aves e em 1968, o notável naturalista Paul Alexander Zino, começou o primeiro trabalho de anilhagem de Cagarras, que teve continuidade até à presente data.
Reserva Natural das Ilhas Selvagens
Na origem da criação desta Reserva esteve a sobrexploração daquela ave que é o seu ex – libris: a Cagarra.
A caça da Cagarra leva à criação da Reserva Natural A criação da Reserva Natural das Ilhas Selvagens está intimamente ligada à caça da Cagarra. Esta foi a atividade mais lucrativa na história destas ilhas e foi a sobrexploração da população desta ave marinha que originou os primeiros esforços para a criação da referida Reserva. No fim dos anos 60, Paul Alexander Zino adquiriu os direitos de caça destas ilhas com a intenção de as proteger. Foi este o primeiro passo que conduziu à criação da Reserva Natural das Ilhas Selvagens…
Quando começou… A caça a estas aves remonta muito provavelmente a muito antes de 1841, já que nessa data Berthelot afirmava ter havido uma caçada anual de 30 mil aves e que era considerada uma “boa caçada”. Em 1901, o padre Ernest Shmitz referia que eram caçadas 20 a 22 mil aves por ano mas que o seu número não diminuía comprovando a elevada densidade da população e, em 1921, já havia quem afirmasse existir uma população de 60 mil aves!
Expedição e sua preparação… De Setembro a Outubro de cada ano, ou no fim da época de reprodução, eram organizadas expedições a estas ilhas com o intuito de capturar o máximo possível de juvenis. Os preparativos para as expedições eram um processo moroso e longo, em que era necessário angariar e escolher o pessoal que iria caçar, os mantimentos para uma estadia que demoraria cerca de um mês e meio a dois meses, barris para guardar as aves, sal para a sua conservação, cestos, embalagens, etc. O grupo de pessoas que compunha a expedição era cerca de 15 a 20 homens, que provinham especialmente da Freguesia de São Gonçalo e Caniço, perto do Funchal. A viagem até à Selvagem Grande levava cerca de 2 a 4 dias, com a navegação à vela, dependendo do favorecimento dos ventos e o navio após deixá-los em terra, voltava ao Funchal.
A caça Depois eram organizados em grupos de 8 orientados por um “assistente”. A estratégia baseava-se em se colocarem em linha e passarem pelos ninhos, onde iam retirando os juvenis dos ninhos e matando-os.
O aproveitamento… Os animais depois de mortos eram aproveitados para serem utilizados de várias formas: consumo humano inclusive os pescoços que eram considerados uma iguaria, a gordura que era posta ao sol e derretida transformando-se em óleo, fabrico de colchões com as penas que também eram usadas para confecionarem flores artificiais, e outros fins, tal como o engodo. A carne da Cagarra era vendida nos concelhos do Funchal, Santa Cruz e Machico e consisti num importante suplemento no consumo alimentar das populações menos favorecidas.
Duração A expedição durava cerca de 3 semanas, de manhã à noite, até ao navio voltar e levar de volta os homens para a Madeira. No entanto, a população de Cagarras mantinha-se estável pois o número de juvenis que escapavam era suficiente para repor o equilíbrio na população.
Fim da atividade Estas atividades foram mantidas de uma forma controlada até se iniciar a utilização de barcos a motor, altura em que a colónia começou a mostrar fortes indícios de regressão, pois as Cagarras eram indiscriminadamente caçadas furtivamente à revelia dos proprietários das ilhas, caçando juvenis e adultos! A última expedição às Ilhas Selvagens para a matança dos juvenis da Cagarra, partiu do Funchal a 15 de Setembro de 1967, a bordo do barco “Milano”.
Reserva Natural das Ilhas Selvagens No passado explorou-se nestas ilhas tudo o que era possível ser fonte de rendimento, como foi o caso das plantas naturais!
A exploração de plantas naturais Logo após a descoberta, os homens tentaram rentabilizar todos os recursos disponíveis nas Ilhas Selvagens. Como exemplo temos a recolha de plantas naturais para utilização na indústria da tinturaria e dos curtumes, como sejam a urzela, o pastel e o sumagre.
A Urzela… As Ilhas Selvagens foram exploradas para a recolha de urzela, um líquen que cresce espontaneamente nas escarpas. O seu comércio tornou-se muito próspero no século XVIII e os proprietários das ilhas celebraram contratos temporários para esse fim. A urzela era muito usada na tinturaria, imprimindo uma cor púrpura nos tecidos e papel, e era exportada por caravelas para a Inglaterra e Flandres.
Utilização da Urzela…o seu incremento e declínio… Segundo o autor das “Ilhas de Zargo”, a aplicação deste líquen à tinturaria fazia-se depois de «convenientemente preparado com adicionamento de urina para o curtimento, (uma vez) libertada do amoníaco pela ação da cal, e reduzida a uma pasta de consistência sólida, tendo a coloração
violeta
avermelhada».
Continuando o mesmo autor, «tomou tanto incremento o comércio de urzela no arquipélago madeirense que suscitou uma legislação especial, constituiu monopólio do Estado, foi empresa de contratadores e traficância de contrabandistas quando, por proteção à urzela de Cabo Verde, se desacreditou intencionalmente a da Madeira, depois de aceita e preferida em toda a Europa como a melhor no mercado; e proibiu-se a sua exportação com grande prejuízo dos Municípios». (…). «Nem a qualidade do produto, nem as providências dos Governadores resolveram o problema, porque o trabalho dos negros em Cabo Verde e a Descoberta das anilinas na Europa deram o golpe de morte na urzela da Madeira retirando a importância comercial da também colhida nas Selvagens».
O Pastel Um outro produto natural de igual riqueza comercial na Europa, que valorizou as ilhas Selvagens a partir do século XV, foi o pastel, planta glauca, de cujas folhas se extraía um líquido azul empregado na coloração de panos comerciais. Segundo relatos: «Teve o pastel muito emprego no continente europeu desde João Gonçalves Zarco. Exportava-se, já seco ao sol ou amassado em bolas depois de sua fermentação».
O Sumagre O sumagre foi muito explorado nestas ilhas, pois empregava-se esta planta no curtimento de couros e peles destinados à indústria de calçado, muito usado pelo povo da época. O curtume era feito com as folhas e casca da referida planta que era muito consumida na Europa.
A Barrilha Outras plantas eram igualmente exploradas nestas ilhas, mais conhecidas por Barrilha, colhidas para serem utilizadas no fabrico de sabão. Extraía-se a soda destas plantas, pondo-as a secar ao sol e queimando-as depois dentro de covas feitas no terreno. Depois de queimados os corpos que entram na composição da barrilha, ficava pelo arrefecimento uma substancia dura e alcalina denominada soda bruta, e a que os madeirenses chamavam pedra de barrilha ou pedra de fazer sabão. A soda bruta era descarbonatada pela cal. Note-se que existem registos da existência de um forno de soda na Selvagem Grande, tal era a exploração destas plantas e que todas as atividades referidas constituíam excelentes fontes de rendimento.
Reserva Natural das Ilhas Selvagens As ilhas foram alvo de várias tentativas de colonização mas, devido à inospicidade e, principalmente, falta de água, nunca passaram disso mesmo: de tentativas!
As tentativas de colonização… Desde a sua descoberta no século XV, que as Ilhas Selvagens foram várias vezes alvo de tentativas de colonização mas tal não aconteceu devido à falta de água e por serem um local inóspito. Desses períodos, na Selvagem Grande, ficaram alguns vestígios, tais como: muros de pedra que serviam de suporte à proteção das culturas, construídos pelos colonos originários do Minho e do Algarve, uma velha cisterna e respetivos canais.
A falta de água… Já no séc. XVI aparecem registos relativos a uma fonte de água, atualmente designada por Furna da Água. Esta nascente não é mais do que uma pequena gruta, onde saem do teto aproximadamente dois pingos de água doce de sete em sete segundos. Segundo Frutuoso (1968), “…uma fonte, que enche somente, cada dia, três ou quatro jarras de três canadas de água doce nas botijas, chamadas meias arrobas…”. Tudo leva a crer que houve tentativas de armazenamento e transporte testemunhado pelos vários fragmentos de cerâmica que foram encontrados nas proximidades desta fonte.
Os proprietários das ilhas Desde o século XVI, como território de privados, as Ilhas Selvagens foram mudando de posse por herança. Ficou na família do banqueiro Luís da Rocha Machado de 1904 até ao início dos anos 70 e na tentativa de controlar as visitas às ilhas, deu-se o direito de coutada aos seus proprietários.
Paul Alexander Zino Este direito de coutada foi vendido a Paul Alexander Zino, em 1967, cuja intenção foi a de pôr fim ao abate anual de aves. Neste mesmo ano, conseguiu também uma licença para construir uma casa.
Criação da Reserva Em 1971, as Ilhas Selvagens ficam sob a administração territorial da Região Autónoma da Madeira e são classificadas como Reserva. Desta forma as Selvagens passaram a ser uma
Reserva, "essencialmente ornitológica", como uma das mais importantes áreas de nidificação de aves marinhas de todo o Atlântico Norte.
1976…período “conturbado” No período de mudança de regime político em Portugal (1974/75), as Selvagens foram também “alvo desta época revolucionária” da história do País, não sendo imunes aos "excessos" próprios deste período. Assim, em 1976, populares "conhecedores das ilhas" em embarcações de pesca desembarcaram na Selvagem Grande e destruíram as casas existentes. Estes, alegando chavões políticos relacionados com o direito à propriedade, exigiam a liberdade da apanha das cagarras, não licenciada nem autorizada por força da lei da Reserva Natural, tendo sido impedidos pela acção de Paul Alexander Zino e dos guardas que este tinha contratado na altura.
Necessidade de vigilância…os guardas das Ilhas Consequentemente, desde 1976, a Selvagem Grande tem vigilância permanente, tendo sido construída uma casa de abrigo para os guardas da Ilha na altura. Nestes homens, destaca-se um, Fernando Almada, pela forma contínua que efetivou constante vigilância nas Ilhas. Vários foram os seus parceiros, mas estes acabariam sempre por desistir, pois não estava só em causa o isolamento mas as condições de estada que eram parcas ou mesmo
inexistentes.
Depois de várias tentativas para arranjar um companheiro para formar equipa com Almada, surge então Jacques da Mata e o próprio filho de Almada, Filipe Almada (hoje, ambos Vigilantes da Natureza!) que dariam seguimento ao projeto de proteção e a ligação com os futuros Vigilantes da Natureza.
Corpo de Vigilantes da Natureza Posteriormente, em 1982, o Parque Natural da Madeira foi criado, dando início à gestão da Reserva Natural das Ilhas Selvagens apenas em 1991. Desde então, os guardas das ilhas passam a incorporar o Corpo de Vigilantes da Natureza, os quais hoje em dia continuam a desempenhar um papel fundamental nas demais ações de conservação como sejam, a fiscalização e vigilância da Reserva, a manutenção do estado de conservação da biodiversidade, a divulgação dos programas de investigação desenvolvidos nesta área protegida bem como a receção, explicação e transmissão de valores aos visitantes.
Reserva Natural das Ilhas Selvagens A construção do farol e a presença dos faroleiros constitui uma etapa importante na história desta Reserva!
Quando surgiu a ideia… Segundo reza a história, foi em 1881 que surgiu a ideia da construção de um farol nas Selvagens. É relatado que a iniciativa de construção de um farol nas ilhas Selvagens partiu de Espanha, propondo que Portugal repartisse as despesas, numa altura em que já discutiam se a soberania das ilhas pertenciam a Espanha ou Portugal. Devido à falta de entendimento, a construção do Farol ficou suspensa.
Soberania das ilhas…. Posteriormente, em 1938, a Comissão Permanente de Direito Marítimo Internacional certificou a soberania das ilhas para Portugal e foi colocado no planalto da Selvagem Grande, um marco Astronómico pela Missão Hidrográfica das Ilhas Adjacentes, neste mesmo ano.
Necessidade de um farol As ilhas Selvagens foram testemunhas de vários naufrágios ao longo dos tempos, pois a existência de baixios e a falta de um farol, em nada ajudaram os navios que ali passavam. Nos anos 70, o petroleiro Cerno, de bandeira norueguesa, ao desviar-se para ilegalmente lavar os seus tanques, encalhou na Selvagem Pequena e passados três meses, outro petroleiro, Morning Breeze, afunda-se próximo da Selvagem Grande. A responsabilidade de Portugal pela segurança marítima nas Ilhas Selvagens foi posta em causa, dado que estes naufrágios aconteceram por falta de farolagem nestas ilhas.
Primeiro farol A 6 de Junho de 1977 foi instalado um farol na Selvagem Grande - no Pico da Atalaia, e a 17 do mesmo mês, um farol na Selvagem Pequena - no Pico do Veado. A instalação foi efetuada pela Direção de Faróis da Marinha, que presentemente é um organismo da Direcção-Geral da Autoridade Marítima, integrado no Ministério da Defesa Nacional.
Modernização do farol… Em Portugal, as Ilhas Selvagens foram as primeiras a utilizarem células fotovoltaicas nos seus faróis, recorrendo desta forma a energias limpas. Isto aconteceu em 1981!
Curiosidade… Integrado na equipa de montagem do Farol foi Jaques da Mata. Na altura gostou tanto da Selvagem Grande que informou o Sr. Fernando Almada, o primeiro Guarda da Ilha, designação dada na altura, que se por acaso algum dia precisassem de alguém para vir trabalhar para a Selvagem Grande, o contactassem. No ano seguinte, Jaques é contactado e desde então que contribui para a preservação do importante património natural existente nas Ilhas Selvagens, sendo já uma figura emblemática destas Ilhas, pois é Vigilante da Natureza ao serviço do Parque Natural da Madeira.
Reserva Natural das Ilhas Selvagens A história de Jaques, um homem que há mais de 30 anos trabalha naquelas ilhas não deve passar despercebida…
Como começou… No fim dos anos 70, Jaques trabalhava no Porto Novo, nas bananeiras, mas tinha um amigo faroleiro, de nome Eduardo que o convidou a ir até ao Ilhéu Chão, uma das Ilhas Desertas, para transportar oxigénio para o farol que lá existe. Era uma manutenção que exigia carregar garrafas de oxigénio de 100 e 120 kg, às costas… Certo dia, o referido amigo convidou Jaques para ajudá-lo no farol da Selvagem Grande, isto em 1981. E lá foi Jaques, todo entusiasmado, para estas ilhas distantes…e foi assim, a primeira de muitas viagens, mal sabia ele, que fez até ao extremo Sul de Portugal.
Viagem à Selvagem Grande… Partiu no Schultz Xavier com 2 companheiros, João Quintal e o Freitas, e permaneceram 20 dias na Selvagem Grande. Na altura, o dinheiro que o Sr. Jasmins pagava por este trabalho era bastante aliciante para Jaques… Foi na Selvagem Grande que encontrou o Sr. Fernando Almada com o seu genro. Foi a Fernando Almada que manifestou o desejo de voltar e trabalhar naquela ilha, e pouco tempo depois, foi contactado por este, já na Madeira, para a possibilidade de lá ir trabalhar. Jaques nem hesitou…agarrou logo a oportunidade e lá partiu para as Selvagens, começando uma nova atividade: ser Vigia das Ilhas!
Trabalho de Vigia das ilhas Passados 15 dias, entra Filipe Almada, filho de Fernando Almada que apesar de na altura ter 17 anos, já muitas vezes tinha ido aquelas ilhas a bordo de atuneiros. Jaques lembra que até foi necessário o pai Almada assinar um documento para que o filho pudesse também participar e ser Vigia. Ambos integraram então, a equipa de Vigias que na altura era constituída por 3 pessoas, e realizavam estadias de 40 dias cada um, ficando sempre 2 Vigias nas Selvagens!
Tempos difíceis…Aventuras… Os tempos eram difíceis, pois, as estadias eram longas e não tinham muitas comodidades! O frigorífico era pequeno e funcionava a petróleo e por isso recorriam ao que a natureza lhes dava, peixe e coelho, mas Jaques lembra que chegou a ficar 76 dias na Selvagem Grande… Quando o tempo não permitia, ou havia avarias nos navios, a rendição prolongava-se. Não viu
o nascimento do filho! Quando chegou à Madeira, o primogénito já ia a caminho dos 2 meses de idade… Lembra que por 3 ou 4 vezes, o aviocar largou comida no topo da Selvagem Grande, pois devido ao mau tempo, as rendições foram adiadas! Para tal, marcavam com um lençol branco, no topo da ilha, a zona onde poderiam atirar os mantimentos do avião, que correspondia à área onde não nidificavam os Calcamares…. Conta que quando o mar estava mau para o desembarque faziam-no na Baía das Pardelas, o que implicava carregar os mantimentos todos às costas, encosta acima, atravessar o planalto da ilha e descer do outro lado, até às instalações… A rir, relata que quase faltou ao casamento! Quando foi para as Selvagens tinha 26 anos e aos 28 iria casar…Mas, a data da rendição foi alterada e Jaques avisou a noiva, via rádio, que corria o risco de não chegar a tempo ao casamento! Sorte foi que pediu boleia a uma embarcação de pesca, “Baía de Machico”, e chegou 2 dias antes do casamento! Também conta que num almoço de Natal, Fernando Almada cozeu milho e como não tinha couve, picou salsa…e lá comeram, mas com muita saudade e tristeza no coração… Outro momento complicado foi quando não choveu durante 1 ano e tiveram que recorrer à Furna da água (cai uma pinga de água de 6 em 6 segundos) para terem água para beber e cozinhar.
Tempos bons…e a vontade de sempre voltar Mas as condições melhoraram muito! Jaques relembra que desde que entrou no Serviço do Parque Natural da Madeira, tal como Filipe, ambos atuais Vigilantes da Natureza, as condições da casa foram melhoradas! Afirma que com a erradicação dos murganhos, que eram na ordem dos milhares, através do projeto de recuperação dos habitats terrestres da Selvagem Grande em 2000, é um privilégio ir e trabalhar naquelas ilhas. É uma alegria ver o coberto vegetal recuperar, a natureza a repor o seu equilíbrio…. Para este homem, que não enjoa no mar, e faz viagens de 12 horas ou mais, a sensação de estar numas ilhas cheias de vida, afastadas e isoladas de tudo, é razão de viver! Afirma ainda que se lhe tirassem as Selvagens ficaria doente…
E aqui fica um curto apontamento, uma breve entrevista, a um homem humilde e simpático, de grande coração, cheio de satisfação e orgulho naquilo que faz e que abraça todos os dias, com a mesma intensidade de há 30 anos atrás…
Reserva Natural das Ilhas Selvagens
Estas ilhas sempre foram um marco importante na soberania portuguesa!
As Selvagens e a ZEE… As Ilhas Selvagens, pela sua localização, assumem particular importância no contexto político português, tendo já sido visitada por anteriores presidentes da República. Este conjunto de ilhas tem um valor indiscutível relativamente à ZEE portuguesa. A ZEE é uma faixa que se inicia a partir da linha base de costa com 370400 km (200 milhas marítimas). Em termos práticos, nesta faixa é permitido prospetar, explorar, conservar e gerir todos os recursos naturais vivos e não vivos, do fundo do mar, do seu subsolo, e das águas sobrejacentes. São ainda permitidas todas as outras atividades que tenham por fim o estudo e a exploração económica da zona, tais como a produção de energia a partir da água das correntes e do vento, tanto na plataforma continental como na ZEE.
Portugal e a ZEE… Desta forma, Portugal (com todos os seus arquipélagos) fica num lugar de destaque e de responsabilidade no “domínio” do Atlântico Nordeste. Portugal detém a mais extensa ZEE da 2
União Europeia, ou seja, cerca de 1,6 milhões de km , qualquer coisa como 18 vezes a área continental.
Soberania portuguesa… Assinalar a soberania portuguesa nas Ilhas Selvagens é garantir a tutela sobre esta ZEE e pelas respetivas águas territoriais. O arquipélago é pequeno, mas permite um aumento significativo da ZEE portuguesa e, assim, acréscimo das possibilidades de exploração de recursos. A soberania sobre as Ilhas Selvagens é uma também uma forma de salvaguardar os interesses de Portugal. A questão deste grupo insular e da sua soberania ganham destaque quando são conhecidas as pretensões espanholas e todo o tipo de estratagemas para reverter uma parte substancial da ZEE portuguesa para parte espanhola.
Espanha… Dado que não é já possível reclamar soberania espanhola, a Espanha procurou alterar o estatuto das Selvagens para rochedos, em vez de ilhas. Os rochedos não têm ZEE pelo que a mediana da ZEE passaria a ser traçada entre as Canárias e a Madeira, ficando as Selvagens
completamente dentro da ZEE espanhola (apenas as águas territoriais em torno de cada rochedo seriam portuguesas).
A afirmação portuguesa… Em 1996, foi feita uma declaração em que se aludiu às ilhas Selvagens como rochedos, devido a uma forte pressão espanhola mas o Ministério da Defesa logo inverteu esta situação e evitou que a ratificação da Convenção sobre os direitos do mar mergulhasse as ilhas na posse espanhola. Neste aspeto, a constituição portuguesa e o estatuto político-administrativo da região Autónoma da Madeira, são bastante conclusivos.
A verdade é que as ilhas Selvagens são um importante, e raro local de riqueza biológica, tal como um ponto estratégico de enorme valor!
Reserva Natural das Ilhas Selvagens Por possuírem um fantástico património biológico já foram consagradas com diversos galardões!
A riqueza destas ilhas…. A ostentação da diversidade biológica torna as Ilhas Selvagens um local genuíno, que “exige” ser protegida. A singularidade de algumas espécies, tem suscitado a atenção de biólogos e ornitólogos nacionais e estrangeiros que, desde há algumas décadas, têm vindo a realizar estudos sobre a biologia de algumas espécies, sustentando um rigoroso esquema de monitorização das diversas populações.
Reserva… Todos estes fatores suportaram a criação de uma Reserva, constituindo uma das mais importantes áreas de nidificação de aves marinhas de todo o Atlântico Norte. Foi a primeira Reserva de Portugal!
Diploma Europeu do Conselho da Europa… A Reserva Natural das Ilhas Selvagens foi criada em 1971, e atualmente é a única galardoada com o Diploma Europeu para Áreas Protegidas do Conselho da Europa, como reconhecimento do grande interesse do seu Património Natural, bem como do trabalho desenvolvido em prol da Conservação.
Rede Natura 2000…ZPE…ZEC… Integram a Rede Natura 2000, como Zona de Proteção Especial (ZPE) e Zona Especial de Conservação (ZEC). Esta rede considera um compromisso europeu em que cada país (ou região) identifica os Sítios de Importância Comunitária, numa ótica de conservação da Natureza, protegendo os ecossistemas, os habitats e as espécies selvagens que estão ameaçados ou que são característicos de determinadas regiões. As Ilhas Selvagens contêm ecossistemas representativos e importantes para a conservação in situ da biodiversidade, em particular de espécies mundialmente vulneráveis. Compreendem vários tipos de habitats, alguns dos quais estão classificados em cinco categorias de habitats contempladas na Rede Natura 2000, de acordo com a Diretiva Habitats: bancos de areia permanentemente cobertos por água do mar pouco profunda; lodaçais e areais a descoberto
na maré baixa; enseadas e baías pouco profundas; falésias com flora endémica das costas macaronésias e formações baixas de euforbiáceas junto a falésias.
IBA… As Ilhas Selvagens estão ainda classificadas como Zona Importante para as Aves (IBA – Importante Bird Area), ou seja, constituem um sítio com significado internacional para a conservação das aves à escala global.
Todo este reconhecimento deve-se ao facto das Ilhas Selvagens combinarem uma variedade de fatores, nomeadamente: localização geográfica, isolamento e condições de colonização muito difíceis. Assim sendo, estas Ilhas apresentam habitats e espécies que são representativos e importantes para a conservação in situ da biodiversidade, particularmente dos que são vulneráveis, a nível Mundial.
Reserva Natural das Ilhas Selvagens Os aspetos geológicos destas ilhas são de grande valor e, provavelmente, foram as primeiras ilhas do arquipélago a se formar!
Origem…. As Ilhas Selvagens são um grupo de ilhas oceânicas de origem vulcânica. A sua história geológica está relacionada com a abertura e expansão do Oceano Atlântico, processo que teve início há cerca de 200 milhões de anos e que continua nos nossos dias. Instaladas na rampa continental africana, sem nunca terem estado em contacto com o Continente Africano, estas ilhas não são mais que afloramentos rochosos que constituem a parte imergida de um único edifício vulcânico que nasceu há cerca de 27 milhões de anos das profundezas do Oceano Atlântico. Por assim ser, compreendem um património geológico de grande valor e tudo indica que estas detêm o título de primeiras ilhas da Região Autónoma da Madeira a se formarem.
Selvagem Grande…. A ilha maior, Selvagem Grande, é caracterizada pelo relevo bastante acentuado e por uma extensa zona de planalto que cai abruptamente sobre o mar em agrestes falésias vulcânicas resultantes da erosão e eleva-se a cerca de 100 metros acima do nível do mar. É constituída por escórias vulcânicas porosas que dão origem a um solo de superfície vitrificada e estrutura nicrolítica.
Na base visível da Selvagem Grande observam-se estratos fenoliticos e nefeneliticos no topo dos quais se depositou uma espessa camada de areia calcária amarela durante o Mioceno, período em que a ilha esteve submersa. Esta areia infiltrou-se nas fraturas causadas pelas explosões vulcânicas dando origem a diques calcários. Mais tarde formaram-se depósitos de cinzas, areias vulcânicas e lapilli sob imersão. Finalmente as últimas erupções cobriram a maior parte da ilha com uma camada de lava basáltica.
Nesta ilha existe uma extensa galeria subterrânea, que terá provavelmente resultado de um canal de lava vulcânico, onde se podem encontrar depósitos de sulfato de cal de cristalização sacaróide. Há também outros depósitos conquilíferos de diferentes eras geológicas, desde o Mioceno até tempos mais recentes.
Selvagem Pequena e Ilhéu de Fora… A Selvagem Pequena apresenta forma muito irregular, perfil baixo e achatado, sendo quase totalmente coberta por areias calcárias, onde existem deposições de areias marinhas formando baías originadas por erosão. É circundada por numerosos recifes que tornam o desembarque difícil. Nas marés baixas existem baixios planos extensos que ficam emersos duplicando a superfície da Ilha. O Ilhéu de Fora é ainda mais baixo e também coberto por areia calcária.
Particularidade…Chão dos Caramujos A Selvagem Grande, a Selvagem Pequena e o Ilhéu de Fora representam o que resta de picos vulcânicos submarinos. Estas ilhas estão sujeitas a um clima do tipo subtropical marítimo. Tal como a Madeira, as Ilhas Selvagens estão sob a influência dos ventos dominantes que sopram de Nordeste, os ventos alísios, carregados de humidade, mas as baixas altitudes não favorecem a condensação e consequente precipitação, que é muito inferior à verificada na Ilha da Madeira. No entanto, no passado, estas Ilhas deverão ter tido um grau de humidade mais elevado do que o atual. Isto justificaria a presença de elevado número de conchas sub-fósseis de caracóis terrestres existentes no planalto da Selvagem Grande, mais propriamente no Chão dos Caramujos.
Para além da paisagem e todo o património natural, estas ilhas encerram um património geológico muito rico e de elevado interesse. É mais uma razão para tentar conhecer melhor esta Reserva que celebra 40 anos!
Reserva Natural das Ilhas Selvagens O símbolo desta Reserva é a cagarra, ave marinha que ocorre em grande número e que motivou a criação desta área protegida.
Avifauna… A fauna vertebrada das Ilhas Selvagens é caracterizada pelo largo domínio das aves marinhas nidificantes e pela ausência de mamíferos nativos. Estas ilhas são um santuário de nidificação de aves marinhas, possuindo condições singulares e únicas em todo o Mundo. Da avifauna nidificante conhecem-se nove espécies, entre as quais: a cagarra, o calcamar, a alma negra, o roque de castro e o pintainho.
A cagarra… A cagarra nidifica em pequenas ilhas, ilhéus e falésias costeiras. O ninho pode ser construído em cavidades existentes nas rochas e por baixo de grandes pedras. Nas Ilhas Selvagens, pela inexistência de perturbação e de predadores, a cagarra nidifica no solo entre a vegetação rasteira, pelo que qualquer visitante, principalmente na altura de Verão, se apercebe durante a visita guiada da expressão que esta espécie tem na biodiversidade das Selvagens, tanto pela observação de vários ninhos como pelo som que estas aves emitem. Ou não existisse ali a maior colónia mundial desta ave!
O regresso ao ninho… Nestas ilhas, as aves regressam aos ninhos sempre ao fim da tarde… É um espetáculo único ver tamanho número de cagarras, em pleno dia… uma vez que os casais que ali nidificam são cerca de 30000 casais! Não há mais sítio nenhum no mundo que as cagarras venham a terra durante o dia.
Trabalho de monitorização… Como têm uma taxa de sobrevivência elevada, a maior parte das aves já foi anilhada. Há aves cuja idade é superior a 30 anos. Descobriu-se, através de recetores GPS nas costas das cagarras, que estas aves das Ilhas Selvagens vão alimentar-se muito longe durante a nidificação. A maior parte vai à costa de Marrocos, a 400 quilómetros. No Inverno, as cagarras das Ilhas Selvagens vão até ao largo de África do Sul, mas podem ir até Moçambique e Madagáscar. Algumas, porém, ficam no Atlântico Noroeste, entre os Açores e os EUA. Além do Atlântico Noroeste, dirigem-se ao meio do Atlântico Sul e às correntes de
Agulhas, de Benguela, do Brasil e das Canárias. Há registo de um dos juvenis ter explorado todas estas áreas em 2 anos, pelo que voou mais de 30 mil quilómetros por ano.
Sabia que… ... todos os anos as cagarras regressam à mesma ilha e ao mesmo ninho onde se reproduziram pela primeira vez e o seu parceiro é quase sempre o mesmo? As crias nascem em Julho e a partir de Outubro/Novembro abandonam os ninhos rumo ao mar. Os adultos regressam no ano seguinte, mas os juvenis ficam no mar alto e só regressam a terra ao fim de 3 ou 4 anos. Só nidificam em média aos 9 anos. Um dado curioso é que os cantos das fêmeas são mais graves do que o dos machos!
Reserva Natural das Ilhas Selvagens Dando continuidade ao último artigo publicado, e dado as Selvagens serem um paraíso para as aves marinhas, abordaremos novamente o referido grupo.
As aves marinhas… No artigo anterior foi destacada a ave marinha mais emblemática desta Reserva, a cagarra, que esteve na origem da criação deste espaço protegido. Ao longo deste artigo serão referidas outras aves, igualmente importantes, que nidificam nestas ilhas.
O calcamar… Se observarem uma ave marinha a sobrevoar rente à água ou a andar aos saltos estarão provavelmente na presença de um calcamar! Esta ave migratória impulsiona as longas patas na superfície para ganhar altitude, e por ter patas grandes, praticamente não consegue andar nas colónias, andando por isso aos saltinhos. O calcamar forma a colónia mais numerosa das Ilhas Selvagens, com cerca de 40 mil casais reprodutores, sendo que, é na Selvagem Pequena que existe o maior número de ninhos. As ilhas Selvagens albergam a quase totalidade da população mundial da subespécie de calcamar. Estas aves só emitem vocalizações dentro dos ninhos!
Alma-negra Esta ave não emite vocalizações durante a aproximação às colónias, nem durante o tempo que passa a alimentar-se no mar, só se ouvindo os seus tons graves, vindos dos ninhos e que em muito se parecem com o ladrar de um cão. Estas aves são todas escuras, daí o seu nome, com asas longas e estreitas e têm uma cauda comprida. Nas ilhas Selvagens, entre Abril e Setembro, nidificam mais de 4 mil casais, que só regressam aos ninhos depois de anoitecer.
Roque-de-castro Outra ave que se ouve aos milhares é o roque-de-castro. É necessário ter atenção para o sentido da audição porque dificilmente se consegue seguir o voo desta ave… A maior parte das vezes faz voltas muito apertadas, algumas quase de noventa graus, e voa sempre em ziguezagues. A colónia nas Selvagens ultrapassa os 4 mil casais mas existe uma particularidade: ocorrem duas populações de roque-de-castro nestas ilhas, os que nidificam de Inverno e os que
nidificam de Verão! É possível que as duas populações sejam espécies distintas mas até agora não existem estudos conclusivos, pelo que se assume as duas populações como sendo da mesma espécie. As de Inverno chegam em Agosto e ficam até finais de Março do ano seguinte. As de Verão têm o seu período nupcial entre os meses de Abril a Outubro. Ou seja, nas Ilhas Selvagens encontram-se roques-de-castro durante todo o ano.
Sabia que… - o Corre-caminhos é uma ave residente que pode ser encontrada durante todo o ano nas Ilhas Selvagens, sendo um passariforme cuja subespécie é a mesma que se encontra nas Ilhas Canárias mas diferente da subespécie que ocorre nas restantes ilhas do Arquipélago da Madeira? - Por vezes são observadas outras aves que, ocasionalmente ou acidentalmente visitam as Ilhas Selvagens, sobretudo no Outono e na Primavera. São aves que se perdem das rotas migratórias e que encontram aqui, no meio do Atlântico, o sítio ideal para descansar e recuperar forças, para o prosseguir da viagem.
Reserva Natural das Ilhas Selvagens Na riquíssima biodiversidade, uma das espécies de fauna que se destaca pela sua beleza e singularidade é a endémica Osga das selvagens.
Répteis da Reserva… Qualquer visitante, por pouco tempo que se encontre nas Ilhas Selvagens, logo se depara com um dos répteis terrestres que habitam nestas ilhas e que por aqui se passeia em abundância…trata-se de uma subespécie endémica… a Lagartixa. Mas não é o único! A Osga das Selvagens também ocorre exclusivamente nas Ilhas Selvagens.
A Osga das Selvagens… A Osga das Selvagens ocorre em três subpopulações isoladas, as quais correspondem às três ilhas que constituem o arquipélago das Selvagens: Selvagem Grande, Selvagem Pequena e Ilhéu de Fora. Esta osga faz parte de um grupo de espécies, presente não só no arquipélago das Selvagens como também em duas ilhas do arquipélago das Canárias – Gran Canaria e El Hierro - o qual se situa a sul das Selvagens, na continuação das correntes marítimas principais.
Ancestrais… Este grupo é aparentado com um grupo de espécies próximas da osga-comum, provenientes do Norte de África, do qual se terá separado há cerca de 17,5 milhões de anos, como resultado de uma invasão antiga da Macaronésia. A estimativa de tempo de colonização é mais antiga para as ilhas Selvagens do que para qualquer uma das ilhas Canárias, sugerindo as Ilhas Selvagens como o local de ocorrência das primeiras formas desta osga.
Descrição… A Osga das Selvagens, tal como as outras espécies deste género, é crepuscular e noturna. Na Selvagem Grande encontra-se desde o nível do mar e ao longo das escarpas, onde é pouco abundante, até ao planalto central, onde atinge as maiores abundâncias. É frequente em zonas onde ocorre a planta Barrilha e alimenta-se de insetos. A sua época de reprodução ocorre na Primavera, entre Abril e Julho, podendo por vezes encontrar-se ainda algumas fêmeas grávidas em Agosto.
Estatuto de conservação… A Osga das Selvagens está atualmente classificada como Vulnerável no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal devido a possuir uma distribuição muito restrita e a estar
concentrada em apenas três populações, duas delas em ilhas muito baixas, vulneráveis à subida do nível do mar (Selvagem Pequena e Ilhéu de Fora). Apesar desta vulnerabilidade, toda a área de distribuição da espécie está incluída numa Reserva Natural onde o acesso é condicionado.
Efetivo populacional… Na Selvagem Grande, alguns autores apontam ainda para uma população com um efectivo populacional de cerca de 10.000 indivíduos, ocupando esta espécie, com densidades distintas, cerca de 70% da área desta ilha. Após a total erradicação do coelho e do murganho, a população de osgas da Selvagem Grande tem evidenciado uma tendência populacional crescente a partir dos cerca de 10.000 indivíduos previamente estimados. Este aumento populacional poderá estar então relacionado com uma combinação da redução da pressão predatória dos murganhos sobre os recém-eclodidos e juvenis e/ou com o aumento da disponibilidade de insetos.
Reserva Natural das Ilhas Selvagens Em 2000, teve início o Projeto de Recuperação dos Habitats Terrestres da Selvagem Grande. Anos passados, verifica-se que o projeto foi um sucesso, com resultados visíveis aos olhos de quem visita aquela ilha…
Problema da introdução de espécies… A introdução de animais e plantas em ecossistemas insulares oceânicos é um dos grandes problemas de conservação dos nossos dias. Este panorama começou a desenhar-se quando o Homem passou a ter capacidade para “continentalizar” estas pequenas porções de terra, isoladas desde o dia em que surgiram.
Nas Selvagens… Tal como aconteceu um pouco por todo o Mundo, em tempos históricos a Selvagem Grande foi alvo da introdução de pelo menos quatro espécies que se revelaram lesivas para o equilíbrio dos seus habitats; estamos a falar de três vertebrados: a cabra, o coelho e o murganho e de uma planta, a tabaqueira. Se a introdução dos murganhos acontece normalmente de forma involuntária, o mesmo não se passa relativamente às outras espécies, sendo sobejamente sabido que os navegadores faziam-se tradicionalmente acompanhar pelos seus animais domésticos, os quais iam soltando à medida que novas terras eram encontradas. Este procedimento não só garantia a existência de alimentos num eventual regresso a estas paragens, como também servia para testar a sua prestabilidade para uma eventual posterior colonização. O problema surge porque as espécies oriundas de outras áreas apresentam uma extraordinária capacidade de competir com as indígenas, algumas vezes levando-as à extinção, mas sempre alterando a dinâmica dos ecossistemas insulares.
Projeto de Recuperação dos Habitats Terrestres da Selvagem Grande Em 2000, e por se verificar que a degradação existente na Selvagem Grande apresentava ainda um carácter de reversibilidade, foi iniciado o projeto de Recuperação dos habitats terrestres da Selvagem Grande. O objetivo desta iniciativa passou pela criação das condições que permitissem a recuperação das espécies nativas e endémicas e respetivos habitats através da erradicação e controlo dos animais e plantas introduzidos.
Espécies alvo Se o trabalho relativamente ao coelho e à tabaqueira era difícil, a erradicação do murganho apresentou-se como um desafio adicional, por tratar-se de uma ação pioneira em ilhas com esta dimensão e características. Com os murganhos, histórias de sucesso só haviam sido conseguidas em pequenas porções de terra insulares no Pacífico; no Atlântico nunca tinha sido sequer tentada. Em traços gerais, as razões para estas dificuldades prenderam-se com a pesada logística, humana e material, que obrigatoriamente estas ações envolveram, a qual, no caso das Selvagens era amplamente potenciada pela distância e inospitalidade destas ilhas.
Espécies não alvo Um projeto desta natureza só tinha viabilidade se no processo não fossem afetadas irremediavelmente espécies indígenas ou endémicas. Sendo assim, os trabalhos só avançaram quando existiram garantias absolutas que a sobrevivência das populações de aves marinhas, de corre-caminhos e de osgas, estava assegurada.
Monitorização Todo este esforço tem sido acompanhado ao longo dos anos, por um sólido programa de monitorização, que permite um acompanhamento dos processos regenerativos que os ecossistemas já apresentam. De uma forma geral, e passado pouco tempo sobre a eliminação dos herbívoros e da tabaqueira, a Selvagem Grande já era uma ilha mais rica e diversa, onde se verificou a explosão de endemismos macaronésicos como a Lobularia canariensis. O aumento da população de corre-caminhos é outro indicador dos impactos positivos que se verificaram. Estes pequenos passeriformes, por nidificarem junto ao solo, eram alvo da pressão de predação imposta pelos murganhos, e da perturbação provocada pelo grande número de coelhos que aqui existiam.
Em suma foram criadas as condições para que os habitats da Selvagem Grande evoluam em direção a uma situação de equilíbrio, tal como se encontra a Selvagem Pequena e Ilhéu de Fora, que nunca foram alvo de introduções.
Consideração final É importante reforçar o facto de que a erradicação dos murganhos põe-nos perante um caso pioneiro e único no panorama mundial, e que com certeza será mais uma afirmação da qualidade do trabalho desenvolvido na Região em prol da biodiversidade mundial
Reserva Natural das Ilhas Selvagens Estas ilhas estão envoltas em lendas e mistérios…de onde se destaca a famosa lenda do temível Capitão Kidd!
Segundo uma velha lenda, na Selvagem Grande existe um tesouro escondido ... Diz-se, que no séc. XVIII, o capitão Kidd, comandante de um navio pirata assaltou um galeão que transportava ouro, jóias e outras riquezas, tesouro resultante de um saque efetuado à catedral de Lima, Perú. O navio pirata naufragou perto das Selvagens depois de esconder numa ilha desabitada “às vistas de Tenerife” o tesouro. Esta informação revelada por um sobrevivente da tragédia foi passada através dos séculos, motivando a curiosidade e cobiça de muitos.
Expedições ao tesouro… Ao longo do tempo, várias expedições foram feitas, como é o caso de uns ingleses que estiveram à procura durante 4 anos, em meados do Séc.XIX. Percorreram toda a ilha, escavaram a terra, levantaram rochas, exploraram grutas mas o tesouro não apareceu. Gastaram uma soma considerável de dinheiro e dado o fracasso do trabalho, dedicaram-se a cultivar umas plantas – barrilhas. No entanto, apesar de o tempo ir passando houve sempre pessoas interessadas na descoberta do tesouro. No início dos anos 20, o explorador irlandês Sir. Ernest Shackletor afirmava ter encontrado certos documentos que faziam referência ao local onde estava escondido o tesouro. Chegou a um acordo com o proprietário da ilha, mas quando regressava de uma expedição ao Polo Sul, morreu durante a viagem (1922) e nunca mais se soube nada sobre esses documentos.
A Gruta do Capitão Kidd… A última expedição à procura deste lendário tesouro foi nos anos 40, mas em Canárias e na Madeira, sempre existiram pessoas convencidas da veracidade desta história, até aos dias de hoje. A ilha foi revolvida de lés a lés, em particular uma gruta conhecida por “Gruta do Capitão Kidd” ou “Furna do Tesouro”. A gruta abre-se numa enseada batida pelas vagas, a Enseada das Pardelas, escondida pelas rochas e, no seu interior, chegou a ser cavado um largo e profundo fosso, até ao nível do mar. No teto da gruta as lanternas descobrem um brilho estranho: são cristais de sulfato de cálcio.
Referência em Ilhas de Zargo… O pirata Kidd, conhecido como o Temerário, é referido na obra Ilhas de Zargo. Relata o naufrágio do navio e a passagem da informação secreta entre várias personagens: “O único sobrevivente expirou nas Canárias, revelando à hora da morte, a um marinheiro inglês, o segredo de que fora testemunha e também agente. O inglês, como bom patriota, não se conteve, ao regressar a Londres, de comunicar o facto ao Departamento da Marinha. Desde então sucederam-se as pesquisas nas Selvagens que foram cavadas e revolvidas pelos Morgados, seus primitivos donos, e por inúmeros argonautas e aventureiros” A título de curiosidade refere as várias tentativas que diversas expedições realizaram com o intuito de encontrar o tão afamado tesouro: “A. Mellersh, comandante da corveta inglesa “Rattler”, por exemplo, esteve quatro vezes nas Selvagens, nos anos de 1848 a 1851, à procura do velo de ouro tão cobiçado, em cuja empresa gastou umas 3.000 libras esterlinas. O próprio Almirantado inglês participou nesta tentativa, mandando a corveta “Myrmidow” fornecer água aos exploradores. O insucesso levou Mellersh a escrever ao cônsul britânico no Funchal, a 22 de Novembro de 1851, que ‘têm sido feitas escavações em ambas as Ilhas, e acho poucas probabilidades de encontrar o tesouro, não obstante crer bem que ele esteja aqui enterrado.”
O tesouro das Selvagens… Até ao dia de hoje, o tesouro da capitão Kidd nunca foi encontrado mas… Provavelmente o verdadeiro “tesouro” que o Homem encontrara nestas ilhas fora outro…prendia-se mais com os verdadeiros valores naturais da área…
Reserva Natural das Ilhas Selvagens Na Selvagem Grande, os visitantes poderão adquirir alguma informação e material divulgativo no Centro de receção.
Os visitantes… As Ilhas Selvagens são visitadas ao longo de todo o ano por centenas de pessoas que ali se deslocam através de embarcações privadas, marítimo-turísticas e, pontualmente, pequenos cruzeiros de turismo. Muitas destas embarcações estão a realizar viagens de longo curso, entre o continente europeu e americano pelo que aproveitam para conhecer esta Reserva, visita esta muitas vezes recomendada por outros velejadores. Dado a investigação ser um instrumento fundamental à Conservação da Natureza, muitos também são os investigadores que por lá passam, neste caso com o apoio do SPNM e da Marinha Portuguesa, quando em missão de rendição das equipas de vigilantes de natureza que estão nesta Reserva em exercício de funções.
A visita… As visitas necessitam de autorização do SPNM e consistem, na sua maioria, no desembarque na Selvagem Grande, seguido de um percurso interpretativo. Contudo, a procura destas Ilhas para a atividade de observação de aves tem sido cada vez mais frequente.
O Centro de Receção… No Centro de Receção, os visitantes podem adquirir material divulgativo alusivo à Reserva, assim como enviar um postal, levando assim uma recordação do lugar e simultaneamente estão a contribuir para as inúmeras ações de conservação da Natureza desenvolvidas nesta área protegida. Existe um marco de correio na Selvagem Grande, o posto de correio mais a Sul de Portugal! Para descansar, existe uma área de lazer com mesas de apoio e uma baía linda para nadar.
Conhecer para preservar… Continuamos a acreditar que dar a conhecer o património natural da Região e das ações de conservação desenvolvidas, constitui um aspeto determinante para que sejam tomadas medidas adequadas, com vista à salvaguarda do meio ambiente e à melhoria da qualidade de vida da população. Uma das ferramentas que está ao dispor de quem tem por missão fazer a gestão de áreas protegidas, são as ações de sensibilização ambiental,
permitindo desta forma aproximar cada vez mais as reservas das populações. A abertura destes espaços conduz a um melhor e mais atrativo usufruto dos mesmos pela população, tendo como retorno uma maior valorização e maior empenho na sua preservação. A realidade é que a atividade de ecoturismo está em ascensão, sendo as áreas protegidas uma parte integrante deste desenvolvimento, com grandes benefícios em termos de promoção do Arquipélago da Madeira como destino de ecoturismo nos próximos anos.