Violencia e etica no cotidiano das escolas

Page 1

VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

1


Universidade da Amazônia

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO SUPERINTENDÊNCIA DE PESQUISA NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EM EDUCAÇÃO Área Temática/Linha de Pesquisa Educação e Desenvolvimento na Amazônia/Políticas e Gestão da Educação Violência e Ética no Cotidiano das Escolas Pesquisadores/Centro Prof. Dr. Hélder Boska de Moraes Sarmento – CCHE - coordenador Prof. Dr. Carlos Jorge Paixão - CCHE Profa. Dra. Cely do Socorro Costa Nunes - CCHE Bolsistas de Pesquisa: Altair Vergne Aline Aguiar Washington Correa Período de realização Abril de 2006 a Julho de 2007 FINANCIAMENTO: FIDESA/UNAMA Fevereiro/2008

2


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

HÉLDER BOSKA DE MORAES SARMENTO (COORD.) CARLOS JORGE PAIXÃO CELY DO SOCORRO COSTA NUNES

VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

Belém UNAMA 2009 3


Universidade da Amazônia

VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS © 2009, UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA REITOR Édson Raymundo Pinheiro de Souza Franco VICE-REITOR Antonio de Carvalho Vaz Pereira PRÓ-REITOR DE ENSINO Mário Francisco Guzzo PRÓ-REITORA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO Núbia Maria de Vasconcelos Maciel SUPERINTENDENTE DE PESQUISA Ana Célia Bahia

EXPEDIENTE EDIÇÃO: Editora UNAMA COORDENADOR: João Carlos Pereira SUPERVISÃO: Helder Leite NORMALIZAÇÃO: Maria Miranda FORMATAÇÃO GRÁFICA: Elailson Santos

“Campus” Senador Lemos “Campus” Quintino “Campus” Alcindo Cacela “Campus” BR Av. Senador Lemos, 2809 Trav. Quintino Bocaiúva, 1808 Av. Alcindo Cacela, 287 Rod. BR-316, km3 66120-901 Belém-Pará 66035-190 - Belém-Pará 66060-902 - Belém-Pará 67113-901 - Ananindeua-Pa Fone: (91) 4009-7100 Fone: (91) 4009-3300 Fone geral: (91) 4009-3000 Fone: (91) 4009-9200 Fax: (91) 4009-7153 Fax: (91) 4009-3349 Fax: (91) 3225-3909 Fax: (91) 4009-9308

Catalogação na fonte www.unama.br S246v

Sarmento, Hélder Boska de Moraes Violência e ética no cotidiano das escolas / Hélder Boska de Moraes Sarmento (Org.); Carlos Jorge Paixão; Cely do Socorro Costa Nunes. – Belém: Unama, 2009. 96p. ISBN 978-85- 7691-092-3 1. Violência escolar. 2. Ética na Educação. 3. Cotidiano escolar I. Paixão, Carlos Jorge. II. Nunes, Cely do Socorro Costa. III.Título. CDD 371.58

4


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Karla, idade: sem identificação, Série: sem identificação – Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos ................... 57 Figura 2 - Patrícia Sharlene, 14 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos ...................................................... 58 Figura 3 - Paula Rayane, 10 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos ...................................................... 58 Figura 4 - Trycya, 12 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos .................................................................. 59 Figura 5 - Thayane, 9 anos, série: sem identificação - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos ...................................................... 60 Figura 6 - Raquel Kely, 13 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos .................................................................. 60 Figura 7 - Nivaldo, 12 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos .................................................................. 61 Figura 8 - Lucas, 12 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos .................................................................. 61 Figura 9 - Aline Patrícia Corrêa da Silva, 10 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos ................................. 62 Figura 10 - Ingrid Karolina Silva Cardoso, 10 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos ................................. 63 Figura 11 - Ruam Carlos Martins Rodrigues,11 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos ................................. 63 Figura 12 - Débora santos Favacho, 12 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos ................................................. 64 Figura 13 - Juliana Ornelas, 10 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos ..................................................... 64 Figura 14 - Jakeline Carvalho, 11 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos ..................................................... 65 Figura 15 - Jaermeson de Souza Pessoa, 14 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos ................................. 65 Figura 16 - Rildianny Suelem Lima de Oliveira, 9 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos ................................. 66

5


Universidade da Amazônia

Figura 17 - Roberto Felipe Lobato, idade: sem identificação, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos ................... 66 Figura 18 - Naiara da Silva Cruz, 11 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos ................................................. 67 Figura 19 - Bianca Ramylly, 10 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos ................................................. 67 Figura 20 - Izabela Maués da Silva, 9 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos ................................................. 68 Figura 21 - Rene Nascimento Ribeiro, 13 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos ................................................. 68 Figura 22 - Lia Bargês de Oliveira, 11 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos ...................................................... 69 Figura 23 - Adriana do Socorro, 10 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos ...................................................... 69 Figura 24 - Renato Lobato Trindade, 14 anos, 4ª série - Escola Estadual de Ensino Fundamental Humberto de Campos ...................................................... 70

6


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

Sumário

PREFÁCIO ....................................................................................................... 8 RESUMO ..................................................................................................... 11 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 13 CAPÍTULO 1 – ÉTICA E VIOLÊNCIA ESCOLAR ............................................... 22 1.1 SITUANDO OS CONCEITOS DE ÉTICA E VIOLÊNCIA ESCOLAR ................ 22 1.2 ÉTICA NA CONTEMPORANEIDADE ....................................................... 28 CAPÍTULO 2 – A ÉTICA E A VIOLÊNCIA ESCOLAR NO COTIDIANO DAS ESCOLAS PESQUISADAS ..................................................................... 33 2.1 VIDA COTIDIANA: questões e conexões ................................................ 33 2.2 OS DEPOIMENTOS DOS SUJEITOS DA PESQUISA A RESPEITO DA ÉTICA E VIOLÊNCIA ESCOLAR ...................................................................... 37 2.3 A REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DOS ALUNOS SOBRE VIOLÊNCIA ............ 54 CAPITULO 3 – A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA ÉTICA E A SUPERAÇÃO DA VIOLÊNCIA ESCOLAR NAS ESCOLAS PESQUISADAS .............................. 72 3.1 A VOZ DOS SUJEITOS DA PESQUISA ...................................................... 72 3.2 PROJETOS SOCIAIS DA SEDUC/PA PARA O COMBATE A VIOLÊNCIA ESCOLAR ................................................................................... 76 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 84 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 90 SOBRE OS AUTORES .................................................................................... 95

7


Universidade da Amazônia

P REFÁCIO Uma das coisas importantes da não violência é que não busca destruir a pessoa, mas transformá-la. Martin Luther King

C

omo estamos vivendo em plena era da informação, somos bombardeados a todo momento, em todas as mídias possíveis, por um aluvião de notícias diárias sobre todo tipo de violências, inclusive aquelas praticadas nas escolas ou no seu entorno, o que nos passa a clara sensação de descontrole e insegurança. Sensação que não necessariamente traduz toda a realidade, haja vista a tendência mediática à crescente espetacularização da violência. Que aumenta a sensação de insegurança e medo. No entanto, dando por descontado o exagero mediático, inegável considerar que algo grave está ocorrendo no clima de convivência escolar (e não só as públicas), denunciando preocupante mudança no padrão de relacionamentos intra-escolares e entre escola e seu entorno comunitário. Devido a paradoxal situação de crescimento de registros de vários tipos de violências no âmbito escolar – lugar antes considerado seguro e sede de reprodução de valores humanizantes - muitos dados sobre este fenômeno tem sido divulgado, boa parte deles ainda refém da limitada quantificação de eventos violentos, e, com ênfase na conceituação de violência restrita àquela que afeta ao corpo e ao patrimônio, pois são as formas mais visíveis. Este não é o caso de VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS, livro que vem a lume num momento privilegiado, já que aparece quando o debate em torno ao tema galvaniza a opinião pública, instiga a academia e desafia ao Estado. Hélder Boska de Moraes Sarmento (coord), Carlos Jorge Paixão e Cely do Socorro Costa Nunes, autores do livro – que me deram a enorme honra e prazer de prefaciar esta obra – fogem criativamente de repetir fórmulas quantitativistas de análise de fenômenos sócio humanos e desen-

8


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

volvem pesquisa qualitativa em duas escolas localizadas em regiões violentas e periféricas de Belém e Ananindeua, respectivamente. Os autores, tirando partido da riqueza de suas largas e bem sucedidas experiências investigativo-pedagógicas, e, de suas distintas áreas de procedências acadêmicas (Serviço Social, Filosofia e Pedagogia), optaram por trabalhar através de oficinas pedagógicas, que lhes permitiu ao mesmo tempo coletar dados (orais e escritos) de professores, técnicos, alunos e pais (digo, mães...), ao tempo em que debatiam o assunto, criavam espaços de manifestações e de alguma maneira criavam formas de prevenção ao refletir com “algozes” e “vítimas” de violência nas escolas, nas suas próprias palavras logravam “ampliar o universo crítico, criativo e propositivo dos sujeitos”. O retorno e socialização de dados deu-se pari passu com o desenrolar da pesquisa, o que denota a coerência e compromisso ético-político dos autores para com os sujeitos da pesquisa, e porque não dizer, com a própria população. Mas, outro aspecto extremamente feliz nas escolhas de Hélder Boska de Moraes Sarmento, Carlos Jorge Paixão e Cely do Socorro Costa Nunes refere-se ao arcabouço teórico sustentado no enlace categorial que articula ética, violência escolar, cotidiano e cidadania. Na condição de pesquisador do assunto desfrutei sobremaneira da revisão destes conceitos (nada simples) e que se manifestam a-cada-dia, em todas-as-escolas. Mas, o que parece óbvio, não o é. Ao trazerem de volta o debate filosófico ancestral entre ética e violência, mediatizada por uma instigante vivência pedagógica, os pesquisadores ousaram e provocaram um certo debate esquecido. Ética essa, que em muitos casos de muitas escolas no nosso mundinho (e arredor do mundo) foi substituída por um lugar nos temas transversais dos PCN’s, e que estaria de “bom tamanho”, não fosse o desafio diário da invasão de violências cotidianas, grandes e pequenas, deixando gestores, pais e professores perplexos. Retornar ao debate da ética num mundo que parece substituir a ética da igualdade-equidade e da justiça das práticas sociais humanizadas, pela globalizada e corrosiva ética mercantilista do ser-consumidor/consumido (bem expressa por Marx no célebre “tudo que é sólido se desmancha no ar”...), é um caminho necessário e urgente, já que educação sem ética, é (de)formação. Uma grande novidade, que certamente o leitor, especialista ou não, vai lucrar: a percepção do que é ética e violência no cotidiano escolar, oral e graficamente definidos pelas lentes dos sujeitos plurais da pesquisa. As eloquentes falas dos sujeitos são categorizadas em concepções, causas, tipos e conseqüências, permitindo uma visualização didática e comparativa das visões. A apresentação categorizada e comparada das visões dos sujeitos permite capturar a heterogeneidade de percepções do mesmo problema, indican-

9


Universidade da Amazônia

do, inclusive, que nessa assimetria de percepções reside a causa de conflitos, que quando mal trabalhados, dão lugar a eclosão de graves violências. Um tema de extrema relevância para a comunidade escolar presente no livro é: a como ética como tema transversal vem sendo trabalhada. Em poucas palavras os próprios autores resumem: o tema tem “presença turística no cotidiano escolar”, o que não deixa de ser um alerta aos avaliadores e planejadores da política educacional quanto à efetividade do PCN’s. Não posso negar meu encantamento pela utilização dos desenhos dos alunos sobre a violência. Encantamento metodológico evidentemente, já que, em termos de conteúdo, os desenhos não encantam, estarrecem pela clareza e crueza. Numa palavra: é uma cabal demonstração da banalização da violência no cotidiano das escolas e seu entorno. Nota-se que o olhar das crianças e adolescentes, autores dos desenhos, está maculado pelo realismo da dor e do medo, que cobra seu preço ao clima escolar, mas, não só nas escolas, conseguem se aperceber, dentro dos seus limites, da extensão da violência por todos os espaços de convivência social, deixando entrever sua “naturalização”. Os autores demonstram enorme sensibilidade ao permitir que se ouça a voz dos sujeitos ao longo de todo o texto, e se perceba a sabedoria da experiência e da vivência cotidiana dos sujeitos nas sugestões para o combate e prevenção à violência, constatando-se aspectos pedagógicos, didáticos, institucionais e principalmente éticos. Esta obra, pela incontestável seriedade de seus autores, pela consistência teórico-metodológica, pela originalidade epistemológica, no que tange à investigação do fenômeno da violência nas escolas, traz uma contribuição ponderável à compreensão das raízes do problema, que interessa a todos os profissionais que atuam na política educacional e também em políticas afins. A apreensão dos conteúdos de pesquisas desta envergadura favorece a preparação do educador sintonizado com os desafios ético-políticos contemporâneos de construção uma escola em que se aprenda a viver como iguais; e que os conflitos são apenas pauta de crescimento em respeito às diferenças, numa escola cidadã para cidadão(ãs) pacíficos. Profº Dr. Reinaldo Nobre Pontes Coordenador do Observatório de Violências nas Escolas Brasil – Núcleo Pará (Unama)

10


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

R ESUMO

O

presente trabalho versa sobre a ética e violência escolar. Este estudo analisa as concepções e manifestações da violência escolar e discute como a ética, na perspectiva do tema transversal dos Parâmetros Curriculares Nacionais - (PCN´s), vem sendo trabalhada no cotidiano de duas escolas públicas estaduais localizadas nos municípios de Belém e Ananindeua no Pará. Como fundamento teórico para o aprofundamento do estudo destacamos os autores Abramovay (2002), Adorno (1986, 2002), Bourdieu (1998), Rios (1995), Gentili (1998), Heller (1972; 1987), Pinheiro (1999), PCN’s (2001), Sarmento (2005). A trilha metodológica utilizada pautou-se nos princípios da pesquisa qualitativa, cujos dados foram construídos a partir da análise de documentos e realização de oficinas pedagógicas para a obtenção de depoimentos orais e escritos de gestores, professores, pais e responsáveis. Nas oficinas com os alunos foram produzidos desenhos e redações. Em ambas, oportunizou-se o registro de duas categorias centrais de análise: ética e violência escolar. Os resultados da investigação apontam que, para os sujeitos da pesquisa, a violência escolar tem sua origem nos problemas derivados da estrutura familiar resultantes das questões sociais e econômicas que envolvem a sociedade; concebem a violência escolar como ato físico; não conseguem visualizar a violência simbólica/moral que se faz presente explicitamente no cotidiano escolar; consideram o castigo como forma legítima de punir aqueles que infringem a norma padrão de comportamento; destacam que a violência escolar se manifesta nas mais variadas relações sociais vivenciadas pelos professores, alunos, gestores; denunciam que as escolas não estão preparadas pedagogicamente para trabalhar a violência escolar e a ética como tema transversal do currículo. Conclui-se que as escolas vivem em um imobilismo

11


Universidade da Amazônia

que as fazem com que esperem uma medida, ora das instituições não governamentais, ora dos poderes públicos para se mobilizarem em torno de ações que minimizem a violência escolar. Julgamos necessário que as escolas pesquisadas invistam em ações pedagógicas e relacionais envolvendo seus sujeitos e a comunidade que a circunda na tentativa de criar uma cultura de respeito ao patrimônio público, às relações pessoais, à ética, à cidadania, cujos desdobramentos possam culminar com uma convivência mais ética no cotidiano escolar.

12


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

I

NTRODUÇÃO

• A gênese da pesquisa

I

niciamos o novo século XXI marcado por um contexto social que não é um dos mais esperançosos, ou melhor, paira sobre todos nós um conjunto de dúvidas e incertezas que penetra fundo em nossas consciências, contribuindo para instalar uma sensação de medo sobre o presente e o futuro. Este contexto e a atual condição humana não são frutos do acaso, mas de um histórico processo civilizatório marcado pela violência em suas mais diferentes expressões, sejam coletivas ou individuais; simbólicas ou físicas; sociais, culturais, políticas ou econômicas. Vivemos um cotidiano violento, que naturalizou o ato e as conseqüências da violência, como se não fosse expressão de nossas próprias ações humanizadoras. Isto se legitima em nossa consciência e comportamentos a tal ponto, que a miséria, a agressão física e o individualismo tornam-se não apenas expressão de nossa natural forma de ser, pensar e agir, mas uma condição inexorável do homem contemporâneo. A naturalização da violência na sociedade brasileira é resultado da banalização do ato de agredir o outro, isto é, no cotidiano das relações sociais o fenômeno da violência normalizou-se, não há mais surpresa com relação a atos de barbárie, pois estes atos se sucedem em quantidade e intensidade de tal forma, que o homem não se surpreende mais, não é mais sensibilizado para seus efeitos e suas consequências. Esta sociedade, ao que tudo indica, encontra dificuldade de apresentar um contraponto ético capaz de minimizar as condutas de desrespeito que afetam a dignidade humana e seus direitos elementares.

13


Universidade da Amazônia

Essas constatações preliminares nos fazem formular alguns questionamentos: será que esta condição não está determinada por uma sociedade eminentemente consumista, onde o mercado econômico transformou uma das últimas fronteiras humanas em objeto de consumo, qual seja, o próprio homem? Nossos gostos, preferências, roupas, posturas, pensamentos, hoje, podem ser comprados e vendidos em qualquer esquina, por camelôs ou grandes lojas como os shoppings centers? Nossos pensamentos, vontades, desejos, na maioria das vezes, são facilmente previsíveis e correspondidos, basta comprar algo para satisfazê-los? Será que o processo civilizatório (humanização do homem), longe de sua emancipação, retirou a centralidade do homem enquanto valor, para desumanizá-lo, transformando-o de sujeito em objeto? Não são questões fáceis de responder, além do que, não são meras questões teóricas. Quaisquer tentativas de respostas implicam reconhecer toda a complexidade de nossa vida social, a tal ponto que a materialidade da violência tornou a ética um dos temas centrais em nossas vidas. Esta centralidade da ética - mais do que uma temática é uma problemática - a coloca para além do plano discursivo, ou seja, vem se consolidando como uma das grandes referências para a conquista da cidadania em todas as esferas de nossa vida social. Portanto, este é o desafio que se coloca ao homem na contemporaneidade: o da ética no horizonte da cidadania. Mas de que ética estamos falando? Será que temos clareza do que queremos para nós, para os outros e para a sociedade em termos de projeto civilizatório marcado pela justiça, paz, democracia e cidadania? Em uma sociedade onde historicamente a cidadania não se consolida, participamos de um projeto de sociedade marcado pela desigualdade de oportunidades, opressão, discriminação, concentração cada vez maior do poder econômico e político em pequenos grupos, cujos desdobramentos revelam-se em uma das facetas mais violentas da humanidade: a da exclusão social. A relação entre ética e cidadania não é fortuita, casual ou puro voluntarismo, mas uma condição societária que se instaura pela sua negação e contradição. É possível, hoje, falar em ética sem levar em conta a cidadania ou falar em cidadania sem a prevalência da ética? É fundamental compreender que ambas, ética e cidadania, não são pura expressão da natureza e sim construção social, portanto são práticas humanas, situadas histórica, cultural e politicamente. Vivemos hoje uma forma de ética e cidadania que é expressão de nossas decisões e ações históricas das quais somos responsáveis pelo presente e pelo futuro desta sociedade e, consequentemente, responsáveis pela cidadania que temos e pela que queremos.

14


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

Esta compreensão nos leva a afirmar que a materialização da ética e da cidadania constituem-se um desafio para a sociedade por ser uma necessidade humana contemporânea. Por serem necessidades humanas historicamente constituída, são de tal relevância que seu enfrentamento é, hoje, tema recorrente em estudos, pesquisas ou projetos de ação. A indissociabilidade entre ética e cidadania é vista como desafio societário para melhoria das condições de vida. Qualquer projeto de investigação, mesmo que não tenha como objeto de estudo a ética, não pode, por exemplo, prescindir dos cuidados com os sujeitos da pesquisa: os sentidos e significados das falas; o respeito as ideias formuladas, entre outros. Afirmamos, ainda, que todos os projetos de ação devam ter em seu eixo a preocupação ética, visando a resultados que contribuam para o avanço da cidadania. Portanto, realidade e necessidades históricas são objetos de preocupação de nossas vidas e também de nossa formação para a cidadania, o que implica pensar a educação. É nesta perspectiva que a educação, hoje, implica, sem qualquer dúvida, um compromisso com a cidadania. Esta afirmação é tão significativa que o governo brasileiro Fernando Henrique Cardoso, nos idos da década de 90, assegurou em suas políticas educacionais, mais precisamente nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), a ética e cidadania como Temas Transversais, ou seja, são conteúdos considerados pelo poder oficial essenciais à formação do homem e à democracia da sociedade brasileira. Segundo o MEC (BRASIL, 2001, p. 36), os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental constituem o primeiro nível de concretização curricular. São uma referência nacional para o ensino fundamental; estabelecem uma meta educacional para o ensino fundamental a qual devem convergir as ações políticas do Ministério da Educação e do Desporto, tais como os projetos ligados à sua competência na formação inicial e continuada de professores, à análise e compra de livros e outros materiais didáticos e à avaliação nacional. Tem como função subsidiar a elaboração ou a revisão curricular dos Estados e Municípios, dialogando com as propostas e experiências já existentes, incentivando a discussão pedagógica interna das escolas e a elaboração de projetos educativos, assim como servir de material de reflexão para a prática de professores.

15


Universidade da Amazônia

Este documento constitui-se numa coleção de dez volumes, organizados da seguinte forma: um documento de introdução; seis documentos referentes às áreas de conhecimento: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia, Arte e Educação Física e três volumes com seis documentos referentes aos Temas Transversais. O documento Introdução assim justifica a definição dos Temas Transversais e a importância de estudá-los no interior das escolas: Se a escola pretende estar em consonância com as demandas atuais da sociedade, é necessário que trate de questões que interferem na vida dos alunos e com as quais se vêem confrontados no seu dia-a-dia. As temáticas sociais, por essa importância inegável que têm na formação dos alunos, já há muito têm sido discutidas e freqüentemente incorporadas aos currículos das áreas ligadas às Ciências Naturais e Sociais, chegando até mesmo, em algumas propostas, a constituir novas áreas. Mais recentemente, algumas propostas indicaram a necessidade do tratamento transversal de temáticas sociais na escola, como forma de contemplá-las na sua complexidade, sem restringi-las à abordagem de uma única área. Adotando essa perspectiva, as problemáticas sociais são integradas na proposta educacional dos Parâmetros Curriculares Nacionais como Temas Transversais. [...] Os principais temas transversais são ética, saúde, meio ambiente, pluralidade cultural e orientação sexual, eleitos por envolverem problemáticas sociais atuais e urgentes, consideradas de abrangência nacional e até mesmo de caráter universal (BRASIL, 2001, p.64). (grifo nosso)

No entanto, por maior que esta determinação seja uma referência curricular para a prática educativa como possibilidade de construção da cidadania e de uma sociedade ética, nos interrogamos: como se efetiva esta referencialidade na escola? quais os desafios que os professores enfrentam para materialização dos PCN’s? Como são articuladas as ações pedagógicas no campo da ética e da cidadania no cotidiano das escolas, mais precisamente na sala de aula? Como transformar uma “cultura vivida” marcada pela violência cotidiana em uma relação que tenha como parâmetros à ética e a cidadania? Não se pretende com estas interrogações o retorno a um tecnicismo utilitarista e imediatista que marcaram a história recente da educação brasileira e que contribuiu para uma desqualificação do ensino no cotidiano das escolas. O que buscamos é o desafio de estudar e analisar a ética e a violência no cotidiano escolar.

16


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

Nas últimas décadas, diante das graves contradições e desafios que as sociedades contemporâneas enfrentam em todas as áreas, principalmente pela descaracterização do homem como valor central, tem sido de uso comum expressões como “estamos vivendo uma crise de valores” ou “a falta de princípios éticos”, entre outras. Um dos principais fatores que contribuem para isto é o processo cada vez mais acelerado de mercantilização no mundo globalizado e o consumo das relações humanas, culminando no individualismo, na delinquência e no cinismo (COSTA, 1994). Processo este que acelera de forma intensa a exclusão, a desigualdade e a violência em todo o mundo. Esta condição humana contribui, de fato, para a manifestação de novas formas de violência, atingindo principalmente aqueles que estão mais suscetíveis por viverem a “infância de seu processo formativo”: as crianças e adolescentes. Desta maneira, e não por acaso, as sociedades vêm, cada vez mais, clamando pela ética como resposta à violência que se instala e referência para nossas condutas, seja na política, na esfera pública, na família, na escola, enfim, em todas as facetas da vida cotidiana. Porém, é um reclamo cotidiano que se reduz a uma moralização das atitudes que recriminamos, mas que, muitas vezes, reproduzimos em outras situações. É como se a ética (que pretendemos ou gostaríamos) aparecesse descolada do cotidiano, quando é exatamente o contrário: é a ética do cotidiano que está presente e sustenta nossas opções, escolhas e ações violentas. Vale destacar que o cotidiano é o lugar do espontâneo, do hábito, do desempenho de papéis, da rotina, mas é um lugar onde o homem participa por inteiro, onde põe em funcionamento todos os seus sentimentos, paixões, idéias e ideais. É onde apreende o mundo e nele se objetiva de forma única dentro das possibilidades oferecidas por este mundo. Portanto, é o lugar onde o homem vive sua particularidade, mas, também, é onde pode superá-la em direção à humanidade (HELLER, 1972; SAWAIA, 1995). É na vida cotidiana que este complexo e contraditório contexto contemporâneo se manifesta e do qual a educação, como uma das manifestações humanas, faz parte, reafirmando sua condição e presença como maneira de contribuir para dar sentido as nossas vidas, para atribuirmos significado as nossas ações. Podemos afirmar, então, que a educação tem como referência central a formação de valores em nossas vidas, daí seu sentido ético-moral e político. Isto porque a vida cotidiana é insuprimível da vida do homem, e nesta, a ética e a educação são mais do que temas, ambas, fazem parte de nossa formação sociocultural, portanto extremamente necessárias para o enfrentamento das adversidades da vida no mundo de hoje.

17


Universidade da Amazônia

Mesmo assim, não são poucos (professores, pais, entre outros) os que ainda acreditam que um discurso moral (o bom sermão) seja suficiente para garantia da ação moral, da prática do “bem”. Percebemos, no entanto, que é na vida cotidiana, em suas contingências, nas situações vividas, que a criança poderá exercitar/construir sua autonomia ou autoritarismo, cooperação ou coerção, como já afirmava, a seu tempo, Piaget (1994). Não é preciso nos delongarmos em longas justificativas para demonstrar a vulnerabilidade das crianças e adolescentes diante das diversas situações de risco e/ou violência a que estão expostas na vida cotidiana no Brasil. Assim como, é inegável que a nossa preocupação com as temáticas da ética e violência escolar são sintomáticas, nos dias atuais. Portanto, acreditamos ser de grande relevância social e científica construir uma análise crítica das relações entre ética e violência no cotidiano da escola. A partir destas análises, pretendemos contribuir para um debate destas categorias como condição necessária a uma educação crítica e responsável guiada por um compromisso ético-político com as gerações atuais e futuras. A partir do exposto, indicamos os seguintes objetivos orientadores desta pesquisa: - analisar o conceito de ética e violência presentes no cotidiano escolar; - identificar, categorizar e problematizar as diferentes manifestações de ética e violência presentes no cotidiano escolar. - refletir como as escolas trabalham com os PCN’s: Temas Transversais/Ética. • TRILHA METODOLÓGICA O temo utilizado para intitular este tópico “trilha metodológica” é resultado de uma opção investigativa: de uma tomada de posição quanto à metodologia da pesquisa. É lógico que definimos antecipadamente um caminho para nosso trabalho de pesquisa, porém, entre o percurso definido e o apresentado a seguir, refizemos nossos trajetos, encontramos novas alternativas, possibilidades, caminhos, chegando a algumas trilhas sem as quais não alcançaríamos os nossos objetivos. Daí o nome deste subitem. Para a construção desta trilha metodológica partimos de um referencial de análise crítico-dialético voltado à compreensão da violência, da ética e da educação e nos prevalecemos dos princípios da abordagem qualitativa em pesquisa educacional para a construção e análise dos dados. Pesquisa porque é atividade básica da ciência em seu trabalho de indagação e reconstrução da realidade, vinculando pensamento e ação, ou seja, nossos problemas de pes-

18


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

quisa são, acima de tudo, problemas da vida prática. Qualitativa porque nem tudo nesta realidade pode ser esgotado na quantificação. A pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (CHIZZOTTI, 1991; MINAYO, 1998). Por se tratar de pesquisa qualitativa, o percurso metodológico estruturou-se em cinco movimentos distintos, mas articulados em torno do seu objeto. São eles: 1- Estudo Teórico: nesta etapa desenvolvida durante toda a pesquisa, buscouse aprofundar e sistematizar conhecimentos sobre as categorias: cotidiano, violência escolar e ética, construindo-se um referencial crítico e analítico, que permitiu a análise de documentos e da realidade das escolas investigadas. 2- Análise Documental: nesta segunda etapa analisou-se o documento Parâmetros Curriculares Nacionais – Apresentação dos Temas Transversais: Ética – MEC (2001, 3. ed.) com a intenção de melhor compreender o conceito de ética e confrontá-lo com os conceitos formulados pelos sujeitos pesquisados a respeito de ética e violência escolar. 3- Oficinas Pedagógicas: foram realizadas de forma sistemática, no período de agosto a dezembro de 2006, totalizando 15 encontros de 2h cada em média, nas Escolas Estaduais “Humberto de Campos” e “Oneide Tavares”, localizadas nas cidades de Belém e Ananindeua, respectivamente. O critério de escolha das escolas devido estarem localizadas em bairros com significativa incidência de violência, segundo dados recentes da Secretaria de Segurança Pública do Pará. Participaram destas: pesquisadores, gestores, pais, alunos, professores em momentos distintos e de forma voluntária e consentida, com o intuito de manifestarem opiniões, concepções, natureza, causas e consequências de violência escolar e a ética no cotidiano das escolas. Este procedimento permitiu captar uma variedade de depoimentos orais e escritos (desenhos, bilhetes, cartas, redações, relatórios, gravações de áudio) sobre situações cotidianas relativas ao fenômeno pesquisado. As oficinas foram realizadas a partir de um plano de trabalho semiestruturado, buscando discutir o conceito, as manifestações, causas e consequências da violência escolar e ética, bem como registrar os depoimentos dos sujeitos. É interessante destacar que, no momento de realização das oficinas, muitos sujeitos se emocionaram, ao falar de situações de violência de que foram vitimas na escola, na família e na sociedade. Relembra-

19


Universidade da Amazônia

ram situações constrangedoras e sofridas, dramatizaram medos e angústias, demonstrando com isto que não estão imunes às dores da vida decorrentes desta violência. 4- Tratamento e organização dos dados: os depoimentos orais e escritos foram tratados e organizados segundo as categorias de análise: violência e ética no cotidiano escolar. Os dados foram organizados primeiramente por escolas, configurados em dois quadros informativos. Posteriormente, elaboramos vários quadros com o objetivo de agrupar as informações das duas escolas pesquisadas por categorias de análise: concepção, origem, tipos e conseqüências da violência escolar; concepção de ética, ética como Tema Transversal dos PCN’s e expressão gráfica dos alunos sobre violência. Buscou-se com esta organização dos dados identificar falas convergentes e divergentes; recorrentes e silenciadas acerca destas categorias 5- Retorno e socialização dos dados: à medida que a pesquisa se desenvolvia retornávamos as escolas para apresentar e refletir com os sujeitos da pesquisa acerca das primeiras análises do fenômeno em questão com o intuito de produzir novas reflexões e de definir alternativas de ação para o enfrentamento dos problemas apontados pela comunidade. Este retorno, mais que uma alternativa metodológica, significa uma condição e compromisso dos pesquisadores com os sujeitos da pesquisa, uma forma também de garantir direitos. Conforme indicado no início da descrição metodológica, esta pesquisa não teve como foco apenas a leitura teórica da realidade, mas problematizar a realidade e as práticas sociais que se produzem e reproduzem no cotidiano escolar. Assim, não teria sentido, nesta perspectiva, realizar as oficinas pedagógicas apenas na direção de coletar informações que subsidiassem nossa análise e desenvolvimento da pesquisa. Ao considerarmos as atuais condições de ensino em nosso país, urge que as práticas de pesquisa busquem (além dos seus resultados) dinâmicas colaborativas que permitam a qualificação dos sujeitos durante o processo de desenvolvimento da pesquisa. Esta condição e compromisso em uma pesquisa qualitativa não é obstáculo, mas possibilidade de captar o real, o vivido, suas experiências e, ao mesmo tempo, ampliar o universo crítico, criativo, propositivo dos sujeitos envolvidos. Com esta intenção é que realizamos as oficinas pedagógicas, por entendermos serem estas um espaço dinâmico para reflexão crítica e troca de experiências, tendo como elemento motivador as vivências cotidianas, falas, relatos e experiências de situações vividas. Assim, ao mesmo tempo em que se garante o retorno das informações e dos conhecimentos

20


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

produzidos pelos próprios sujeitos e pelos pesquisadores, torna-se possível desvendar novos caminhos (objetos) para futuros trabalhos de pesquisa. São estas as trilhas metodológicas percorridas. Assim sendo, os sentidos e significados dos dados da pesquisa foram desvelados por meio da técnica de análise de conteúdo, na perspectiva da análise categorial temática, fundamentados nos estudos de Bardin (1997). Este relatório se estrutura em três capítulos. O capítulo 1, intitulado: “Ética e violência escolar: situando os conceitos”, apresenta um debate a respeito dos conceitos de ética e violência escolar evidenciando que não são apenas temas de estudos recorrentes na atualidade devido ao patamar civilizatório da humanidade, mas categorias centrais de balizamento da conduta humana. O capítulo 2, denominado: “A ética e a violência escolar no cotidiano das escolas pesquisadas”, analisa a concepção, origem, tipos e conseqüências da violência escolar e a concepção de ética a partir dos depoimentos dos sujeitos da pesquisa, bem como, identifica como esta é trabalhada como Tema Transversal dos PCN’s, destacando o quanto é complexa esta relação, o que justifica a necessidade de avançar nos estudos sobre esta problemática e desvendá-la para melhor nos posicionarmos no espaço da escola e na vida social. Este capítulo, também, apresenta a expressão gráfica dos alunos sobre violência, com o intuito de revelar as representações simbólicas que os mesmos têm acerca desta temática. O capítulo 3, nomeado de “A institucionalização da ética e a superação da violência escolar nas escolas pesquisadas”, apresenta sugestões, a partir dos depoimentos dos sujeitos e os programas oferecidos pela SEDUC/PA para minimizar a violência escolar e instaurar a ética no cotidiano escolar, sinalizando com possibilidades para institucionalizá-la.

21


Universidade da Amazônia

CAPÍTULO

1 ÉTICA E VIOLÊNCIA ESCOLAR

1.1 SITUANDO OS CONCEITOS DE ÉTICA E VIOLÊNCIA ESCOLAR

A

expressão ética vem do grego ethos, que tem por significado o modo de ser ou caráter que, por sua vez, está ligada ao habitus, como conjunto de regras e normas adquiridas pelo homem em sua vivência. Desta maneira, a ética foi se constituindo como condição para um viver seguro, ou seja, viver de acordo com as leis, os costumes, as virtudes e os hábitos gerados pelos indivíduos em sociedade. Assim, a ética contempla o coletivo e o individual, o sentimento e a razão, o pensamento e o comportamento, a vida social e política na sociedade. Este conceito nos revela que a ética é uma construção humana, resultado de sua sociabilidade, da qual a educação sempre foi elemento fundamental não apenas para reprodução das regras e dos costumes, mas para propiciar ensinamentos que permitissem o desenvolvimento de juízos e decisões no seio da vida pública. Pequeno (2003, p. 20) nos ajuda a entender a educação como instrumento de desenvolvimento moral do homem. Desde os gregos, portanto, a educação se configura como um elemento fundamental para a constituição da sociabilidade. Assim, enquanto os costumes determinariam as normas e valores a serem seguidos ou transmitidos pelos sujeitos morais, a educação iria se impor como um importante instrumento para o desenvolvimento moral do indivíduo. Isto porque no universo da polis as virtudes que determinam a excelência moral dos agentes sociais poderiam ser transmitidas mediante os ensinamentos. A educação estaria, pois, na base da formação do homem bom e do cidadão exemplar. A formação do indivíduo em suas singularidades, engendra também a formação do animal político, como dizia Aristóteles. A ética não apenas

22


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

representa o instrumento fundamental para a instauração de um viver em conjunto, como serve de alicerce à construção do espaço da política. Disso se infere que, para os gregos, ética e política são instâncias indissociáveis, realidades que se complementam.

Portanto, a ética implica sempre o outro, daí a responsabilidade do homem nas suas relações sociais, pois os pensamentos, sentimentos e atitudes decorrentes de tais relações têm equivalência sobre os resultados de seus feitos e de suas consequências, sejam estas negativas ou positivas para os indivíduos ou para a sociedade. Oesselmann (2001, p. 34) defende esta ideia, quando afirma que: A atitude ética do ser humano não existe como um fato dado ou propriedade estática de alguém. Relações justas e equilibradas devem ser buscadas e conquistadas a cada momento histórico, cultural e social. A formação do indivíduo como sujeito e as relações interpessoais na complexa construção da sociedade precisam constantemente ser repensadas, recriadas e transformadas a partir de reflexões éticas críticas. Dentro da moralidade estabelecida e da rotina cotidiana necessita-se abrir e assegurar espaços que permitem a busca crítica de alternativas. Estes espaços são eminentemente educativos, sejam eles formais e/ ou informais, por estimular e permitir questionamentos sobre a normalidade indignante, diálogos com a diversidade dos outros e encontros numa utopia coletiva.

Podemos perceber a partir destas análises preliminares que a ética não é apenas uma questão histórica fundamental. Ela é uma construção humana edificada pela dimensão histórica, cultural e política. Isto equivale a dizer que não há apenas uma ética ou um modelo de conduta ética, mas sim diversas formações sociais e culturais, que formulam diferentes fundamentos éticos e comportamentos morais para lidar com a liberdade e o determinismo, a vontade e a obrigação, os direitos e deveres. Esta condição humana, a qual o indivíduo relaciona necessidade, desejo e liberdade, não se constitui tarefa fácil em nossas vidas, porque esta não se realiza apenas no íntimo de nossas consciências, mas está diretamente vinculada à esfera social e valorativa, ou seja, aos determinantes e condicionantes societários da complexa vida cotidiana, na maneira como nos relacionamos com os outros e nas formas como a sociedade se relaciona conosco. É desta complexa rede de relações que se origina a possibilidade da cidadania, seus valores, suas contradições e conquistas.

23


Universidade da Amazônia

Do ponto de vista conceitual, a cidadania se instaura quando o sujeito usufrui dos direitos civis, políticos, sociais e desempenha deveres para com a sociedade. Porém, esta cidadania somente se efetivará, se realmente o indivíduo gozar estes direitos e respeitar as liberdades democráticas, ou seja: se estas condições se materializarem no seu cotidiano de vida. Assim, podemos afirmar que a cidadania é a constituição de valores reconhecidos pelas sociedades e expressos, objetiva e materialmente, na vida cotidiana. É, portanto, também, uma conquista histórica dos indivíduos e da sociedade. Todavia, sempre que há quebra destes valores ou impedimentos para sua materialização a violência se instaura. Quando o homem perde sua centralidade – passa a ser tratado como coisa, objeto supérfluo ou descartável –, há comprometimento da ética e da cidadania. Esta posição nos leva a afirmar que a realidade de nossa vida cotidiana está marcada por lutas e conquistas do ponto de vista da cidadania, mas também traz um conjunto significativo de obstáculos para sua construção, gerado por uma história social de desigualdade, exclusão e violência. Podemos, então, perceber que as questões da ética e da cidadania estão imbricadas com as diferentes formas de manifestação da violência na vida cotidiana. Assim, a violência torna-se um fenômeno de grande porte e visibilidade (suas manifestações) e, consequentemente, de difícil delimitação e compreensão, bem como com distintas formas de intervenções sobre esta. Para entender a violência, portanto, é preciso compreender que várias culturas e sociedades imprimem definições e práticas diferenciadas em sua história, mas há um certo fundo comum, como nos lembra Chauí (1994, p. 336). A violência é percebida como exercício da força física e da coação psíquica por obrigar alguém a fazer alguma coisa contrária a si, contrária aos seus interesses e desejos, contrária aos seu corpo e à sua consciência, causando-lhe danos profundos e irreparáveis, como a morte, a loucura, a auto-agressão ou a agressão ao outros. [...] Em nossa cultura, a violência é entendida como o uso da força física e do constrangimento psíquico para obrigar alguém a agir de modo contrário à sua natureza e ao seu ser. A violência é violação da integridade física e psíquica, da dignidade humana de alguém.

24


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

Para Zenaide (2003, p. 79), a violência se manifesta de duas maneiras: -

-

A violência física implica violação da integridade da pessoa, resultando sobre a vida e a saúde, que são direitos fundamentais, os quais, no ser humano, não podem e não devem ser desrespeitados. A violência simbólica ou moral utiliza-se de imagens construídas socialmente contra pessoas, grupos sociais, comunidades, regiões, como base para a produção e a reprodução de relações de desigualdades sociais, econômicas e políticas.

Estes diferentes tipos de manifestação da violência também se diferenciam quanto aos espaços e atores implicados, podendo ocorrer nas relações familiares, no espaço urbano ou rural, no meio ambiente, nas instituições do Estado, dentre elas, nas escolas. Portanto, a violência está presente em vários segmentos da sociedade e pode se manifestar de diferentes maneiras. Bernard Charlot (1997) classifica a violência escolar em três níveis: i)

Violência: golpes, ferimentos, violência sexual, roubos, crimes, vandalismo. i i ) Incivilidades: humilhações, palavras grosserias, falta de respeito. i i i ) Violência simbólica ou institucional: falta de sentido em permanecer na escola por tantos anos; o ensino como um desprazer, que obriga o jovem a aprender matérias e conteúdos alheios aos seus interesses; as imposições de uma sociedade que não sabe acolher os seus jovens no mercado de trabalho; as violências das relações de poder entre professores e alunos; a negação da identidade e satisfação profissional aos professores, a sua obrigação de suportar o absenteísmo e a indiferença dos alunos.

O que podemos constatar, a partir de vários estudos e pesquisas da área, (ABRAMOYVAY et al, 2002; ADORNO, 1986; PIRES, 1995; PINHEIRO, 1999) é que a violência escolar tem expressado em sua dinâmica cotidiana todas as formas de violência, tanto físicas ou simbólicas, como também sobre “o indivíduo (o corpo, a mente, os afetos, os bens pessoais), o sujeito político (a condição de cidadão com direitos e deveres) e o espaço público (a propriedade coletiva, a gestão da coisa pública, o conhecimento e o respeito aos valores humanos e as leis construídas democraticamente como padrão ético de sociabilidade)” (ZENAIDE, 2003, p. 80).

25


Universidade da Amazônia

Porém, segundo Maffesoli e Rifiótis apud Zenaide (2003), o fenômeno da violência pode apresentar uma positividade (quando propicia a instauração de identidades, quando se contrapõe aos processos de controle, entre outros), associando a violência à potência que move as relações humanas frente à instabilidade social. Esta compreensão é significativa, pois a referida autora percebe a violência na escola como “uma tessitura, cujos fios são, ao mesmo tempo, destruição e vida, retração e expansão” (op.cit., p. 89). Desta maneira, compreender o fenômeno da violência no espaço escolar é captar não apenas as suas formas de expressão, mas os distintos e contraditórios sentidos que se manifestam por meio dos diferentes atores que interagem no cotidiano escolar (alunos, família, professores, funcionários, entre outros). Portanto, compreender a educação, do ponto de vista da ética e da cidadania, é também compreender o cotidiano de vida dos indivíduos, suas diferentes maneiras de sentir, pensar e agir sobre o fenômeno da violência em suas vidas. Tal perspectiva nos permite compreender o espaço escolar, sua dinâmica e relações, como um espaço institucional carregado de avanços, irregularidades e contradições, que refletem o conjunto das relações societárias, como nos faz lembrar Jorge (1993, p. 17). Na escola, dão-se os conflitos como produto de uma sociedade de classes, vale dizer, as crises da família, as mudanças políticas ou culturais e as flutuações econômicas. Enfim, tudo o que define a sociedade em um dado momento serve também para definir a escola.

Diante disto, nossas atenções/tensões constantemente são questionadas se o que ensinamos/aprendemos, no cotidiano escolar, tem o significado ou valor que lhe atribuímos, ou ainda, se os sujeitos que interagem na prática educativa conseguem proceder a análises e a articulações entre o vivido e o aprendido. Estas questões têm reforçado uma tendência de que um ensino de qualidade implica uma mudança de conteúdo do que se ensina, e esta, por sua vez, implica uma mudança curricular. Esta posição tem propagado uma visão muito restrita de currículo, como se este fosse apenas uma organização dos conteúdos que devem ser ensinados/aprendidos. O que se buscou, nos últimos anos, foi uma revisão crítica deste conceito, reafirmando-se a concepção de que o currículo não pode estar desconectado da realidade, da história, da sociedade, das instituições que o produzem a partir dos seus conflitos, códigos, valores, práticas e finalidades. Nesta perspectiva, Jorge (1993, p. 24) afirma:

26


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

Visto desta maneira, pode-se dizer que o currículo é uma realidade que reflete a própria realidade, anterior à sua existência. Nele se representam todos os sistemas de interesses que constituem a sociedade (econômicos, políticos, religiosos e sociais). À medida que a relação de forças entre estes interesses se modifica, o currículo das escolas sofre o mesmo tipo de influências ou pressões para modificar-se, já que este é, antes de tudo, práxis. Ver o currículo como uma práxis significa aceitar que muitos tipos de ações intervêm na sua configuração e que o processo tem lugar dentro de condições concretas que se configuram um mundo de interações culturais e sociais.

Mesmo assumindo esta concepção de currículo como referência, observamos que as práticas curriculares não fluem nesta direção por diversas razões históricas, políticas, institucionais, pedagógicas, entre outros. Isto porque os modos como se organizam e reproduzem as relações sociais e de produção ou as formas como se controlam as instituições dominam a vida cultural, isto é, as práticas cotidianas, expressando a vida cotidiana. É a filósofa húngara, Heller (1972, p. 17), que nos demonstra a complexidade da vida cotidiana, ao explicar que: A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa da vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade, colocamse ‘em funcionamento’ todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, idéias, ideologias. O fato de que todas as suas capacidades se coloquem em funcionamento, determina também, naturalmente, que nenhuma delas possa realizar-se, nem de longe, em toda sua intensidade. O homem da cotidianidade é atuante e fazedor, ativo e receptivo, mas não tem nem tempo nem possibilidade de se absorver inteiramente em nenhum desses aspectos; por isso, não pode aguçá-los em toda sua intensidade.

Portanto, pensar e fazer a prática educativa e o currículo é situá-los na vida cotidiana e seus determinantes, suas necessidades, suas contingências. É levar em conta a cultura vivida como sublinha Paixão (2002, p. 12): Os elementos da cultura vivida manifestam-se no cotidiano escolar juntamente com o conteúdo das disciplinas do

27


Universidade da Amazônia

currículo formal, e a sala de aula constitui-se no espaço onde melhor se pode observar e descrever o ir e vir dos sujeitos em torno das expressões do vivido e das temáticas do conhecimento científico, que são distribuídas na famigerada ‘grade curricular ’.

Perguntamos-nos até onde as diferentes formas de expressão da ética e da violência cotidiana, assimiladas/produzidas na “cultura vivida” são trabalhadas como conteúdo curricular do Tema Transversal – Ética, ou ainda, se tais conteúdos são ensinados aos alunos, levando-se em conta o conjunto de mediações existentes na vida cotidiana. Ao questionarmos esta problemática, afirmamos o quanto à compreensão de currículo crítico por parte dos professores e gestores é fundamental para a qualidade do que se ensina e do que se aprende, entendido como uma linguagem que veicula sentidos, significados, sons, falas, conceitos, representações, entre outros. Portanto, traz em seu agir contradições (CORAZZA, 2001). É preciso compreender com mais propriedade e analisar com mais radicalidade o nosso dizer, querer e fazer ético no processo curricular, destacando que este é, também, expressão da política educacional. O discurso do compromisso ético na prática educativa é recorrente, mas quem é efetivamente o sujeito deste currículo? O que se quer deste currículo? O que se quer deste sujeito? Que ética? Qual cidadania? A partir da problematização dos conceitos de ética e violência apresentados neste capítulo, achamos conveniente enveredar por uma reflexão da ética no contexto escolar. 1.2 ÉTICA NA CONTEMPORANEIDADE A sociedade contemporânea está marcada por avanços tecnológicos e científicos, que caracterizam uma economia globalizada, provocando implicações nas relações humanas uma vez que a esta busca regular aquela. Nestas implicações detectamos a presença de uma crise societária, em que o homem perde a dimensão do mundo social e dos valores para o mercado econômico. A educação faz parte deste tecido social e sua participação no contexto da sociedade é de grande relevância, não só por ser um veículo de formação humana, mas, também, de transmissão de conteúdos científicos, escolares e valorativos. É por meio do processo educacional que se pretende que o homem, por meio de uma atitude reflexiva e questionadora, seja capaz de construir conhecimentos de forma crítica sobre si e a sociedade, constituindo-se como um ser filosófico.

28


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

O cenário mundial caracteriza-se pela produção capitalista e pela globalização da economia e da cultura, que dita os rumos da sociedade e das transformações tecnológicas e sociais, induzindo o homem a um consumo desordenado e alienado. A crise societária é fruto da intensa crise produtiva da sociedade capitalista. Ambas atingem a vida social do homem, nas esferas cultural, ética e política. Estas crises geram diversos problemas sociais: violência, exclusão social, desemprego, miséria, marginalidade, desigualdades sociais, degradação cultural e simbólica, entre outros que se fazem evidentes na realidade cotidiana da sociedade brasileira. Com o processo de industrialização e o desenvolvimento de novas técnicas cientificas gerenciadas pelo mercado econômico, ele passa a exigir uma nova sociabilidade baseada em valores e condutas morais, que responda aos anseios de uma sociedade pautada no consumo. A modernidade que estamos vivendo nos direciona para uma cultura do novo, do progresso e das mudanças. A tecnologia oferece recursos e avanços, mas impõe determinadas normas e regras para a sociedade. A mais significativa delas é a de que a educação deva preparar os cidadãos técnica, política e competentemente para enfrentar essas mudanças de forma ética na análise e enfrentamento das questões sociais. Desta forma, o mundo contemporâneo vive uma crise societária na medida em que o sistema econômico que impera na sociedade direcione-se apenas para a expansão da lucratividade. É nesse sentido que a ética está sendo repensada pela sociedade atual, tendo em vista contrapor-se à crise civilizatória produzida pelo capitalismo e estabelecer uma nova referência de conduta e valores para a vida humana. [...] a ética é para nós uma dimensão que nos permite o questionamento sobre as práticas, atitudes, regras e ações humanas. Para que esse questionamento seja possível é necessário saber qual o critério que estamos usando para avaliar a ação humana. O critério que assumimos é a própria vida humana. Partindo do princípio que as sociedades existam para garantir a sobrevivência dos seres humanos e, mais do que isso, uma existência digna com acesso a tudo que seja necessário ao seu pleno desenvolvimento [...]. (SARMENTO 2004, p. 137).

A ética é inerente à vida humana, uma vez que é construída no seio das relações sociais e está presente no cotidiano da sociedade, na medida em que passa a constituir-se como um elemento da condição humana. O homem é um ser inacabado, que constrói e destrói o meio ambiente e social e que tem a capacidade de interferir na sua própria natureza humana.

29


Universidade da Amazônia

O desenvolvimento científico contribuiu de forma incisiva para a complexidade da sociedade nos aspectos da industrialização, da modernização, da urbanização e da organização do trabalho, mas, a partir do momento em que há um choque com os valores sociais, o homem, por estar em constante transformação, acaba por perder sua identidade, sua posição em relação ao mundo, seu senso crítico. Assim, esvazia culturalmente e torna consumidor regular. Podemos caracterizar a ética como a capacidade de construção humana pela ação livre e consciente, já que é ponto central das nossas ações e reflexões, ou seja, uma conscientização crítica do homem diante de qualquer forma de exploração e discriminação, agindo de forma racional perante a liberdade. Desta forma, a ética é um dos fatores que contribui para a emancipação humana. No momento, vivemos uma série de mudanças em todos os setores da sociedade e há que se pensar em uma educação contextualizada. A educação ocupa nesta modernidade, junto com a ciência e a tecnologia, um lugar de destaque, principalmente se consideramos como uma prática social que visa à formação do indivíduo livre, autônomo. Grinspun (1999, p. 146-147), ao discutir a questão da tecnologia e da educação, afirma: [...] a escola moderna, formadora do cidadão emancipado e autônomo, nascia sob o signo da palavra impressa que tinha uma conotação democrática e subversiva. A escola da pós-modernidade terá que formar o cidadão capaz de ‘ler e escrever’ em todas as novas linguagens do universo informacional em que está imerso.

A educação deve estabelecer princípios éticos que orientem as relações do homem com a natureza, do homem com os outros homens e, também, proporcione a construção de uma nação mais justa e mais humana, pois o seu papel é de geradora de idéias, criadora de valores, investigadora de conhecimentos e realizadora de ideais. A ética, em sua essência, é ainda uma realidade muito distante da sociedade capitalista devido à mesma estar pautada no poder econômico, baseada na exploração do trabalho, na violência, enfim, na exclusão dos direitos sociais e políticos. Desta forma, não há como os valores éticos serem implantados e efetivados em uma sociedade em que a maioria da população não é respeitada de forma plena. O caráter normativo da moral é composto por um conjunto de deveres, normas, costumes de sociabilidade que o indivíduo adquire por meio das instituições sociais (família, escola, religião, entre outros) e que são transfor-

30


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

mados em hábitos culturais no momento em que responde às necessidades de convivência social. A isto se chama consciência moral, ou seja, o momento em que o homem consegue distinguir o bem do mau e responder por seus atos. Nós vivemos em uma sociedade, em cujo contexto econômico, político e social globalizado, onde encontramos situações de desrespeito à vida, aos direitos humanos e ao ambiente, situações de pobreza e de miséria, exploração e discriminação por fatores de etnia, gênero e classe, caracterizando-se como uma sociedade excludente. Uma sociedade que, regida pela lógica do mercado, apresenta um discurso moral individualista, situada no plano do deverse, que favorece a situação de miséria e de exclusão social (OLIVEIRA, 2003, p. 201 e 202).

A moral é histórica por ser uma prática de convívio social estabelecida desde as sociedades primitivas. Pode ser definida como “um conjunto de normas e regras destinadas a regular as relações dos indivíduos numa comunidade social dada” (RIOS, 2005, p. 22). Na realidade, é o modo de agir de cada sociedade, seus valores e seus costumes em um consenso. É por meio da moral que a sociedade se organiza nas suas esferas política, econômica e social. Estas são determinadas pelas diferentes formas de cultura e instituições que intermedeiam as relações entre os indivíduos e a sociedade. A ética surge com os gregos, por meio do conhecimento filosófico, como uma teoria sobre a moral. Assim, cabe à ética a indagação em busca da transformação, e a moral nasce devido às necessidades práticas da vida cotidiana, uma vez que a ética vai ser isenta de qualquer forma de discriminação sobre a realidade social. Portanto, a moral e a ética diferenciam-se entre a vida prática e o conhecimento teórico. Podemos definir a moral como prática dos indivíduos no cotidiano social, com princípios e valores que legitimam uma sociedade visando ao bem-estar coletivo, e a ética como uma reflexão teórica voltada à conduta do ser humano. No entanto, o desenvolvimento científico tem sido avaliado de forma crítica do ponto de vista da ética, pois não contribui para a garantia dos direitos sociais e políticos. Para que a ética seja implantada de forma plena é necessária à recuperação dessa humanidade, na qual o homem está desumanizado. Pretende-se construir uma nova forma de sociabilidade, em que a ética seja um dos elementos primordiais na busca da transformação humana de forma consciente e responsável.

31


Universidade da Amazônia

A ampliação da tecnologia trouxe à sociedade o poder do conhecimento do homem sobre o próprio homem. Por outro lado, rompeu com mais intensidade com a relação estabelecida entre homem-natureza. É nesse sentido que a esfera ética-moral manifesta sua produção e reprodução capitalista à vida social da humanidade, sendo que os valores impostos pelas instituições comprometem as relações sociais, evidenciando a crise societária, promovendo uma auto-reflexão na contemporaneidade. O homem, por meio da ação e reflexão, é o único ser social que age eticamente com consciência e liberdade. Desta forma a ética passa a ser fundamental para a construção da emancipação humana, além de estabelecer a socialização pautada na constituição de valores que possam expressar as necessidades objetivas de uma sociedade, sendo reconhecedora dos direitos humanos e sociais. No momento em que o indivíduo for adquirindo uma consciência crítica do significado das normas e deveres por meio da razão, a sociedade provavelmente poderá se desenvolver sem tantas injustiças. Com o avanço da tecnologia, a vida em sociedade vem sofrendo várias transformações, implicando não só a manutenção, como também, a construção de novos valores, tanto sociais quanto culturais. O homem é o que mais vem sentindo essa mudança, pois novos valores são constituídos, novas regras e normas são estabelecidas com o intuito de pregar a paz social. Entretanto, a escola assume um papel indispensável para a formação da cidadania e da ética do indivíduo, visto que a ética na educação deve ser sempre objeto de reflexão da escola.

32


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

CAPÍTULO

2 A ÉTICA E A VIOLÊNCIA ESCOLAR NO COTIDIANO DAS ESCOLAS PESQUISADAS

E

ste capítulo objetiva apresentar os depoimentos orais e escritos dos sujeitos da pesquisa acerca da ética e violência escolar, analisando-os à luz do conceito de cotidianeidade. Julgamos que tal conceito pode nos revelar uma concepção singular a respeito do objeto de investigação em questão. 2.1 VIDA COTIDIANA: questões e conexoes O sentido de cotidiano está geralmente associado à rotina e à mecânica da repetição, isto é, ontologicamente ao ser que leva a vida inteira norteado por respostas e soluções com base em um conhecimento informal, que resulta do senso comum. Pais (2003, p. 28) confirma essa noção de cotidiano, quando afirma: o que se passa no cotidiano é rotina, costuma dizer-se. A idéia de rotina é próxima da de quotidianeidade e expressa o hábito de fazer as coisas sempre da mesma maneira, por recurso a práticas constantemente adversas à inovação. É certo que, considerado do ponto de vista de sua regularidade, normatividade e repetitividade, o cotidiano manifesta-se como um campo de ritualidades.

O conhecimento informal deriva de certezas quanto à realidade e à confiança sensível no aparente. No conhecimento prático ou cotidiano, a rotina aparece como uma espécie de ‘cunha’ entre as ações inconscientes (tomada a expressão no seu corrente sentido psicológico) e aquelas que são levadas a cabo de uma forma deliberadamente consciente. Neste sentido, o conceito de rotinarização reporta-se à prevalência de determinadas formas de conduta sustentadas por uma ‘segurança ontológica’, isto é, por uma confiança ou

33


Universidade da Amazônia

certeza de que a realidade é o que aparenta ser (PAIS, 2003; MAFFESOLI, 1985; GIDDENS, 1986). A vida cotidiana, com seus rituais rotineiros e repetitivos, é marcada pela transitoriedade. Como nos aponta Heller (1989): “o homem está por inteiro” em seus mais variados e distintos momentos. O cotidiano é uma rota de encontros, desencontros, resistências. Nele se vivem momentos de afetos e de solidão. Cumprimentamos pessoas. Presenciamos anônimos: em uma faixa de trânsito, pagando contas na fila de um banco, comprando alimento no supermercado, interagindo no balcão da farmácia, contando um sonho a um amigo. No cotidiano, vemos o sujeito inseguro em uma rua escura, com medo da violência, alegre diante de um rádio, trocando idéias no balcão da padaria, executando uma atividade em seu trabalho, falando de dores, dizendo de amores, caminhando pela cidade, projetando o futuro, relembrando o passado, vivendo e encarnando o presente, ou seja, existindo socialmente em “dias comuns e em dias de feriados”, como escreveu Kosik (2002). O movimento do cotidiano é parte determinante e integrante da vida social e não deve ser desconsiderado pela tradição sociológica que, debaixo da sombra de “alguns positivismos”, secundarizou, por algum tempo, os estudos e as pesquisas dos problemas e questões micro-sociais que partem das variantes interacionistas da vida dos seres comuns, que não fazem parte diretamente das questões estruturais. A cotidianidade sempre existiu no decorrer da história da existência humana, em cada tempo e em cada sociedade, com as características típicas de cada ambiente e as particularidades dos seres humanos, com suas pautas rotinizadas e naturalizadas no dia a dia dos antigos e rústicos feudos do passado, ou na vida diária dos burgos e cidades da modernidade. Kosik (2002, p. 79) esclarece que: Todo modo de existência humana ou de existir no mundo possui sua própria cotidianidade. A Idade Média com sua cotidianidade, se dividia entre as várias classes, camadas e corporações. É fato que a vida diária de um servo da gleba era diferente da de um monge, de um cavaleiro andante e de um senhor feudal, mas o denominador comum, que marcava o tempo e impunha o ritmo segundo o qual se desenrolava a vida de todos era um fundamento único: a sociedade feudal. A indústria e o capitalismo, juntamente com os novos instrumentos de produção, as novas classes e as novas instituições políticas, trouxeram consigo também um novo tipo de existência cotidiana, essencialmente diferente do das épocas anteriores.

34


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

A vida cotidiana sofre as determinações estruturais do modelo econômico, político e social de cada época, refletidas nas rotinas utilitárias dos seres. Então, tanto a vida cotidiana de um caseiro, como a vida de um presidente, tem o seu lado mecânico, movido pelo sentimento de familiaridade, que produz certezas fenomênicas que revelam a realidade em parcelas dentro dos limites da objetividade, deixando de fora, em geral, o que se oculta nos aspectos da subjetividade, que carecem da construção de hermenêuticas para uma compreensão dessa mesma realidade, como totalidade concreta. No cotidiano nem sempre o que se apresenta como “verdade” sobre uma determinada questão social pode ser considerada como resposta, pois a familiaridade com os acontecimentos da vida diária pode produzir saídas baseadas em mistificações de preconceitos, que não correspondem à realidade, mas, sim, a um falseamento da mesma. A familiaridade na solução de problemas cotidianos compromete a construção do conceito e a passagem da “pseudoconcreticidade” para “concreticidade”. Segundo Kosik (2002) a pseudoconcreticidade que está vinculada a vida cotidiana deve sofrer um choque violento provocado pelo afastamento do que é marcado pela familiaridade e que produz as respostas feitichizadas, que são naturalmente assumidas pelos seres humanos como verdade no contexto de suas existências. O mundo da cotidiana familiaridade não é um mundo conhecido e notório. Para que seja reconduzido à própria realidade, ele tem que ser arrancado da familiaridade intimamente feitichizada e revelado na sua brutalidade alienada. A experiência acrítica e ingênua da vida cotidiana como o ambiente humano natural, e bem assim a tomada de posição crítica do niilismo filosófico, apresentam um traço comum essencial: consideram um determinado aspecto histórico da cotidianidade como o fundamento natural e imutável de qualquer convivência humana. A alienação da cotidianidade reflete-se na consciência, ora como posição acrítica, ora como sentimento do absurdo. Para que o homem possa descobrir a verdade da cotidianidade alienada, deve conseguir dela se desligar, liberá-la da familiaridade, exercer sobre ela uma ‘violência’. Em qual sociedade e em qual mundo os homens têm de transformar-se em percevejos, cães ou macacos, para que o seu aspecto real possa exprimir-se adequadamente? Sob quais metáforas e similitudes ‘forçadas’ têm de ser representados o homem e o seu mundo para que os homens vejam a própria face e conheçam o

35


Universidade da Amazônia

próprio mundo? A nosso ver um dos princípios essenciais da arte moderna – poesia, teatro, artes plásticas e cinema – é a ‘violência’ exercida sobre a cotidianidade, a destruição da peseudoconcreticidade.

Os estudos do cotidiano tomaram vários rumos epistemológicos da segunda metade do século XX em diante. Uma boa parte deriva da matriz marxista, seguida pelo ramo fenomenológico. Atualmente, os fundamentos bio-sociais somam algumas de suas investigações com as teorizações sobre a vida cotidiana. Terreno fértil, a vida cotidiana passa a ser objeto de estudo, principalmente de pesquisas de cunho qualitativo, dentro das ciências humanas e sociais. Para um entendimento sobre a “vida cotidiana” e a relação com o processo de escolarização, a idéia de Agnes Heller pode ser um ponto de partida para articulações com a vida diária e os sujeitos no ambiente da escola (1989, p. 17): Nela, colocam-se em funcionamento todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, idéias, ideologias.

Luckács (1971 apud HELLER, 1971) também nos ajuda a compreender a complexidade da vida cotidiana, ao afirmar que: La sociedad sólo puede ser comprendida en su totalidad, en su dinámica evolutiva, cuando se está en condiciones de entender la vida cotidiana; constituye la mediacion objetivo-ontológica entre la simple reproducion espontanea de la existencia física y las formas más altas de la genericidade... La particularidad y la genericidad, actuen en su interrelación inmediatamente dinámica.

O estudo da ética e da violência precisa estar presente no cotidiano de cada escola e nas manifestações simbólicas dos elementos da cultura como experiência vivida, marcada pelas determinações do poder estrutural, o movimento dos sujeitos dentro de seu mundo concreto.

36


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

2.2 OS DEPOIMENTOS DOS SUJEITOS DA PESQUISA A RESPEITO DA ÉTICA E VIOLÊNCIA ESCOLAR A violência se tornou uma problemática bastante presente em nossa sociedade. Os meios de comunicação e a sociedade civil denunciam, a todo momento, a crise na segurança pública que vem se tornando um grande desafio para a população e o estado brasileiro, frente às diversas manifestações de violência que intentam contra a vida humana, o patrimônio público e contra a estabilidade social. É neste quadro de violência na sociedade brasileira que a ética desponta como norte de enfrentamento de tal quadro. Ela é ovacionada, conclamada e requisitada pela sociedade civil como uma das formas necessárias para se estabelecer, novamente, a humanização do homem, ao que parece perdida no seio de sua própria violência. A violência presente na sociedade, na família e no bairro também se manifesta e abala fortemente as instituições escolares. Mas, é na escola, sobretudo, por meio dos alunos e professores, que a violência vem sendo materializada de forma emblemática durante as atividades curriculares, na difícil relação entre alunos e/ou professores/gestores. Muitas manifestações de violência que ocorrem no interior das escolas são reflexos da própria violência instalada no meio social – bairros periféricos e violentos, desprovidos de políticas sociais – onde a exclusão social, cultural e política se manifesta de modo mais acentuada. A escola, portanto, inserida neste contexto, não estaria imune a atos de vandalismo, arrombamentos, ameaças, depredações, invasões, roubos, agressões físicas e verbais, incivilidades, hostilidades, indisciplina, transgressões, entre tantos outros adjetivos que caracterizam a violência. A escola, sendo vítima e algoz, também, desse quadro de violência que se alastra dia a dia na sociedade, não consegue, em muitos casos, trabalhar esse problema, decorrendo daí a formação de gangues, o uso indiscriminado de drogas, a agressão ao patrimônio público e à vida humana, criando-se um clima de insatisfação, impunidade, instabilidade no interior das escolas, comprometendo não só a aprendizagem dos alunos, como também a qualidade do ensino, ao aumentar a insegurança de pais, alunos e professores no ambiente escolar. As questões relacionadas à violência escolar geraram bastantes repercussões entre os sujeitos da pesquisa. Nas oficinas pedagógicas realizadas, estes destacavam a importância das escolas em oferecer espaço de debate a respeito da violência escolar e da ética e relatavam suas concepções a respeito desta problemática, tão presente em suas vidas, já que as escolas pesquisadas – “Oneide Tavares” e “Humberto de Campos” – situam-se em bairros periféri-

37


Universidade da Amazônia

cos do Coqueiro e do Guamá, respectivamente, desprovidos de serviços públicos de qualidade, com altos índices de violência urbana, conforme constata o Diagnóstico do Observatório de Violências nas Escolas/Núcleo Pará (PONTES; CRUZ; MELO, 2006). O bairro do Guamá, por exemplo, em diagnóstico realizado pelo Governo do Estado do Pará, por meio do Centro Estratégico Integrado, em 2004, foi o bairro com maior registro de violência em Belém (agressões, homicídios, lesões corporais, tentativas de homicídios) entre seis bairros (Bengui, Guamá, Terra Firme, Batista Campos, Nazaré e Umarizal). Organizamos a análise dos dados desta pesquisa em seis eixos: concepção, causas, tipos, consequências da violência escolar; concepções de ética e cidadania no currículo. Nas referidas oficinas, julgamos necessário debater com os sujeitos a concepção de violência escolar. Perguntamos a eles, primeiramente, o que entendiam por violência escolar e só depois, no debate, apresentávamos a nossa compreensão sobre este fenômeno. Interessante destacar que o debate fluiu naturalmente, talvez, porque esta temática esteja muito próxima a eles em virtude de residirem em bairros considerados violentos, de presenciarem e/ou serem vítimas da violência na família, na escola e na comunidade. Este fato nos leva a crer que nos sujeitos predominam uma compreensão maior de violência escolar como agressão física e um menor entendimento deste fenômeno como agressão psicológica, moral e verbal, como podemos observar nos depoimentos a seguir, cujos sujeitos, a partir de então, serão representados da seguinte forma: P (professor); A (alunos); T (técnicos); M (mães): P: Os alunos brigam a socos e pontapés. T: O aluno deu um soco nos colegas... Achei uma violência bárbara. Resultado: pegaram três dias de suspensão. A: Eu e a Thyciane estávamos na escola escrevendo, quando os meninos começaram a brigar na sala de aula. Aí o menino jogou a esponja na cara da Thyciane, ela foi em cima dos meninos e pegou um tapa na cara e a professora não fez nada, nem levou para a diretoria.... Mães: Os alunos brigam na escola e fica por isso mesmo...

Entretanto, a manifestação da violência escolar não está associada tão somente a agressão física. A agressão verbal, psicológica e moral também são reconhecidas pelos sujeitos da pesquisa como manifestações da violência escolar. A violência verbal apresenta-se, em grande medida, por meio de palavras de baixo calão, xingamentos, ameaças, ofensas, humilhações e discussões entre alunos e entre estes e professores, podendo evoluir para a agressão física e afetar a integridade física das pessoas, quando imperam a força e a

38


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

irracionalidade dos envolvidos, como podemos constatar nos depoimentos a seguir: P: A violência Escolar é aquela que agride a parte Física e Psicológica do aluno. P: É toda e qualquer atitude por parte do aluno quanto do professor, que venha causar danos físicos, moral ou psicológico a uma das partes envolvidas. A: Já presenciei um aluno agredindo o professor verbalmente e estava ameaçando fisicamente. A: Na hora da saída, um menino da minha sala quis bater no menino da 2 ª série. Fui defender o menino e bati nele, mas antes que eu batesse o menino chamou minha mãe de puta, vaca e muito mais. Eu fui à diretoria e fiquei de castigo. Quando fui para casa, minha mãe me bateu, mas foi por uma boa causa.

A agressão física, ao que tudo indica, é sempre precedida da agressão verbal, cujo conteúdo ofende a moral e os valores dos sujeitos envolvidos em uma dada manifestação de violência. Entretanto, observamos que tanto uma quanto a outra é mais praticada por um dado sujeito, pois alguns professores relataram nas oficinas pedagógicas que os alunos resolvem a grande maioria de seus problemas na escola com as agressões físicas. Por sua vez, os alunos destacaram que a agressão psicológica e moral de que são vitimas na escola são produzidas pelos professores A violência física provocada, em grande parte, pelos alunos e não pelas alunas, é a mais fácil de ser identificada, classificada e resolvida pela escola por deixar marcas visíveis e imediatas, embora a violência psicológica e moral, praticada em grande parte pelos professores, faça tanto estrago quanto a agressão física e nem sempre seja resolvida pela escola. O fato dos sujeitos, em sua grande maioria, fazerem referencias a violência física na escola pode nublar um debate a respeito da presença da violência simbólica (verbal, gestual, incivilidade, humilhações, xingamentos) na escola, tão perversa quanto a outra. Interessante registrar que a violência física entre as meninas vem ganhando grande expressividade no interior das escolas pesquisadas, envolvendo, na maioria das vezes, conflitos de namorados, ciúmes, preferências, entre outros. Se antes eram os meninos os grandes responsáveis por este tipo de violência, agora as meninas começam a manifestar suas insatisfações perante algo que as aborrece ou incomoda. Caracterizar a violência escolar não é uma tarefa fácil. Charlot (1997, p. 1) já nos advertia da dificuldade de se definir a violência no cotidiano das

39


Universidade da Amazônia

escolas, pois para ele, este é um fenômeno heterogêneo, difícil de delimitar e de ordenar devido à complexidade do ato em si, dos envolvidos nele e do juízo de valor que se emite em relação às suas consequências. Esta constatação nos leva a buscar o conceito de violência, procurando identificar onde reside a diferença entre violência, incivilidades e agressividade humana. Para Abramovay apud Freire e Fukui (2002, p. 75), a violência é o emprego desejado de agressividade com fins destrutivos. Assim sendo, agressões físicas, brigas, conflitos podem ser expressões da agressividade humana, mas não necessariamente manifestações da violência. A violência ocorre quando há desejo de destruição.

Segundo Charlot (1997), se a agressão física ou a pressão psicológica aparecem mais espetacularmente no ambiente escolar, são as incivilidades que representam a principal ameaça para o cotidiano escolar. As incivilidades sinalizam um conjunto de insatisfações manifestadas por alunos, professores e gestores, expressas em atos de humilhação, agressividade, falta de respeito, ocorrências consideradas de pequenos delitos e transgressões, que não se caracterizam como atos de criminalidade ou delinquência. Entretanto, tanto faz se uma dada situação de conflito instalada na escola é decorrente da violência, incivilidade ou mesmo da agressividade humana. O que importa é conhecer sua origem, as pessoas envolvidas, as conseqüências deste conflito para a comunidade escolar e o juízo de valor proferido pela escola, pois, como nos alerta Hayden e Blaya, (2002, p. 44): todos os conceitos sobre comportamentos são discutíveis, particularmente aqueles que concernem ao que se considera como comportamento anti-social, delinqüente ou perturbado. Importante ter em mente que o define, quem é qualificado como tal e o ato ou o que é perturbado.

Os depoimentos dos sujeitos anteriormente destacados centram-se predominantemente na dimensão das relações humanas e sociais. Foram pouquíssimos os que associaram a violência escolar à depredação do patrimônio público, talvez porque as escolas pesquisadas possuam um conjunto arquitetônico bem cuidado. Spósito (2001, p. 90), ao realizar um estudo sobre a concepção de violência escolar, explica que esta vem sofrendo alteração a partir da década de 80. Para esta, nestes idos,

40


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

o tom predominante era o de expor as precárias condições dos prédios quanto aos equipamentos mínimos de proteção. Eram denunciadas, também, as constantes depredações dos edifícios e invasões, observadas nos períodos ociosos, em especial nos fins de semana. [...] Nesses primeiros anos da década de 1980 observava-se certo consenso em torno da idéia de que as unidades escolares precisavam ser protegidas, no seu cotidiano, de elementos estranhos, os moradores de bairros periféricos, atribuindo a eles a condição de marginais ou delinqüentes. Tratava-se, assim, de uma concepção de violência expressa nas ações de patrimônio público, especialmente, e, em menor grau, no medo da invasão dos prédios por adolescentes ou jovens moradores, aparentemente, sem vínculo com a unidade escolar.

Ë a própria autora que mostra a evolução e a complexidade deste conceito nos anos 90. Afirma a autora (op.cit., p. 91) que a violência escolar, nesta década, passa a ser observada nas interações dos grupos de alunos, caracterizando um tipo de sociabilidade entre os pares ou de jovens com o mundo adulto. Mas quem resolve os conflitos decorrentes da violência escolar? Para os sujeitos da pesquisa, a melhor instância para resolver tais conflitos é a direção da escola. Vejamos como alguns sujeitos se manifestaram a este respeito: P: Quando o caso é grave, procuro a direção. A: Você sabia que uma menina veio me agredir porque falaram para ela que eu teria dito que ela era puta e ela acreditou? Quando ela me agrediu, a professora viu e levou ela para a diretoria. A diretora falou que não era mais para ela fazer isto, pois isso era uma violência. Ela me pediu desculpas e agora somos amigas. A gente não briga e também não há mais violência. A: Uma vez, a Iza, minha colega de sala de aula, brigou com um outro colega. Eles se agrediram. A professora chegou e levou os dois para a diretoria e chamaram os pais deles. A: Um dia, na escola, um menino me chamou de preta. Eu me senti ofendida e fui à diretoria e ele não me apelidou mais. Na escola, na hora do recreio, os meninos me chamem de testuda. Certo dia, a diretora veio aqui na sala e perguntou para os alunos quem era o apelidado. Eu levantei a mão. A diretora perguntou quem me apelidava. Eu apontei para o João. A diretora deu uma bronca nele. Daí ninguém me apelidou mais.

41


Universidade da Amazônia

A: A Maria começou me mandar uns bilhetinhos escritos com coisas muito feias. Mandei para o SOESE todos os bilhetes. A Maria ficou com raiva de mim e começou a discutir comigo e me deu um tapa. Falei para minha professora e ela levou a gente para a Secretaria da escola.

Estes depoimentos ilustrativos nos demonstram que os casos de violência escolar não são resolvidos imediatamente entre os pares afetos, mas preferencialmente em instâncias superiores. No caso, a direção. A escola ,em seu cotidiano, estabelece uma hierarquia das instâncias minimizadoras do problema gerador da violência, construída a partir da relação de poder dos sujeitos envolvidos nos conflitos: na primeira instância estão os envolvidos diretamente no conflito (vitima/algoz); na segunda estão os funcionários subalternos (inspetores, serventes, funcionários), na terceira, estão os professores e técnicos e, na instância superior, a direção. Em muitos sentidos, a superação da violência percorre todas estas instâncias, só minimizada quando chega a última, muito mais pela voz de autoridade (ou medo) proferida pela pessoa que exerce o cargo do que pelo trabalho pedagógico coletivo que a escola realiza. Instala-se, portanto, uma versão de delegacia de polícia escolar, cujo objetivo é identificar e penalizar os culpados. A direção é o grande tribunal de julgamento. O diretor, o interventor que julga, sentencia, estipula a penalidade e manda cumprir a pena. Mas com toda esta autoridade, a escola não consegue diminuir o volume da violência. Uma questão interessante a destacar é que poucos alunos dizem ter recorrido aos professores para solucionar um problema de violência escolar. É provável que estes alunos não reconheçam no professor a autoridade necessária para o enfrentamento de tal problema. Ademais, podemos inferir também que, devido á desprofissionalização e à proletarização docente que desqualificou a sua formação e o seu trabalho, o professor não se sente preparado e, portanto, não sabe enfrentar tais questões, ou mesmo não se vê responsável por este enfretamento, desobrigando-se desta responsabilidade, frente a tantas outras que tem que dar conta, no cotidiano escolar. O locus onde se resolverá o conflito instalado faz com que seja determinada a sentença para minimizar tal conflito. Para os sujeitos da pesquisa, preferencialmente, a escola se utiliza de castigos e punições para resolver o problema da violência, que pode ir desde uma simples advertência verbal, evoluindo para suspensão, até chegar à expulsão definitiva dos alunos, como demonstram os depoimentos a seguir.

42


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

T: O aluno deu um soco nos colegas... Achei uma violência bárbara. Resultado: pegaram três dias de suspensão. A: Na hora da saída, um menino da minha sala quis bater no menino da 2 ª série. Fui defender o menino e bati nele, mas antes que eu batesse, o menino chamou minha mãe de puta, vaca e muito mais. Eu fui à diretoria e fiquei de castigo.

O problema da violência escolar é bem mais amplo e complexo e sua resolução vai para além do estabelecimento de penas e sanções (castigos e punições) e do endurecimento das relações pessoais. Tais estabelecimentos acabam sendo associados ao fato de que é necessário punir o transgressor. Este não pode ficar impune e incólume ao ato transgressor e sua pena deve ter o mesmo peso que seu “crime”. A ideia é de que o castigo deva estar relacionado, em alguma medida, ao o grau do delito cometido. A raiz desta ideia reside no fato de que a impunidade não pode ser moralmente aceita. Historicamente, a escola sempre se prevaleceu dos castigos e punições para controlar a indisciplina, desobediência, rebeldia instalada na escola (castigos corporais, repreensões verbais de advertência, ameaça de delação aos pais, exclusão momentânea da sala de aula ou mesma definitiva da escola, aplicação de pontos negativos e diminuição de pontos obtidos na prova, impedir a participação no recreio ou em outras atividades prazerosas, entre outros) e quando aplicados pareciam ser ineficientes, ao se constatar seu efeito nulo. Houve épocas em que o castigo corporal era visto como pedagógico e corretivo: castigos de joelho no milho, reguadas, beliscões, puxões de orelhas e palmatórias eram frequentes, no meio escolar. Embora moralmente se recrimine, se combata e não se aceite mais a o uso de tais práticas, muitas delas ainda estão presentes no cotidiano de determinadas escolas. Se, em determinadas épocas, tais sanções e castigos poderiam ter algum valor corretivo, hoje, ao que tudo indica, estas parecem não mais funcionar, pois os alunos não dão mais importância a elas como imposição de limites. Isto é: não se revestem de valor moral para eles. Desta forma, podemos inferir que as incivilidades – comportamentos anti-sociais – estão presentes no cotidiano escolar, produzidas pelas manifestações de violência física, verbal, psicológica e moral. Prosseguindo o debate, perguntávamos aos sujeitos onde a violência escolar se originaria. A origem (causa) principal da violência escolar, segundo os sujeitos da pesquisa, está na família, no bairro e na sociedade em geral, como podemos perceber em alguns depoimentos:

43


Universidade da Amazônia

P: Observa-se que a violência está centrada na família, sendo repassada para seus filhos, produzindo alunos totalmente agressivos, violentos e sem limites. T: Muitas vezes se traz a violência do ambiente familiar. A educação familiar é muito crítica, os alunos não têm que estudar só na escola, devem também ocupar o seu tempo para não ficarem ociosos. A: Geralmente, a violência vem de fora e é trazida pelos próprios alunos que são a causa de muitos casos de violência dentro da escola. A violência familiar influencia no comportamento agressivo do aluno.

A grande maioria dos sujeitos debita a causa da violência escolar à questão da desestrutura familiar1 como decorrência dos problemas sociais e econômicos que enfrentam. O desemprego, miséria, fome, doenças, abandono, ausência de diálogo, sem orientação profissional, sem trabalho e renda, desassistidos pela oferta de serviço público de qualidade são elementos que contribuem para que os membros das famílias se fragilizem como seres humanos, a ponto de chegarem a cometer atos de violência contra si e os outros, reproduzindo-os em outras esferas sociais, como na escola, no trabalho, entre outros. Assumir que a violência escolar é produto da violência praticada na família e da sociedade é ver esta como uma reprodução/transmissão tão somente, uma causa natural como desdobramento de um ato em si. Ora, a violência escolar não pode ser atribuída apenas à violência da família e da sociedade, embora reconheçamos o quanto elas fragilizam as relações humanas e detonam uma crise do padrão civilizatório no mundo. Para além destas questões é necessário concebermos que esta também tem sua origem na dimensão social, moral e ética do individuo, que mesmo ao ser cerceado em seus direitos, consegue sair de um clima de barbárie, intolerância, desrespeito, agressão para consigo e com os outros. Ou seja: não podemos dizer que a violência escolar é fruto da violência da família e da sociedade. Estas são compostas por seres humanos, portanto, pessoas com concepções e valores próprios, construídos socialmente, que demarcam um dado contexto histórico. Não podemos generalizar que a violência seja um produto do meio social, gerado na família, tão somente. Esta compreensão pode recair em uma categorização parcial e determinista quanto a origem da violência escolar ao se atribuir a uma única dimensão social a responsabilidade pela gênese deste fenômeno. 1

Diferente dos dados de nossa pesquisa, o levantamento realizado por Abramovay, em 1997, envolvendo jovens das cidades da periferia de Brasília, apontava que a família é indicada, por ampla maioria (75% dos entrevistados), como local de não-violência (ABRAMOVAY et al, 1999, p. 61 apud SPÓSITO, 2001, p. 94).

44


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

Assim sendo, os sujeitos da pesquisa têm uma clara percepção de que a violência está em todo lugar, é generalizada e não está afeta a um único setor da sociedade: no governo, na sociedade civil, na família, na escola, no campo, no urbano, na mídia, nos jornais, na Tvs, nos presídios, nas praias, nas religiões. A violência se tornou onipresente na sociedade brasileira, alastrando-se e afetando todas as classes sociais, independente da raça, cor, sexo, idade, religião, profissão, situação econômica dos envolvidos, tornando-se um grande mal deste século com grandes repercussões para a qualidade de vida do homem, difícil, ao que tudo indica, de ser acabada ou minimizada. A tese de que há uma indissociabilidade ente violência e pobreza não se sustenta mais hoje em dia. Identificar a origem da violência não é tarefa fácil numa sociedade tão complexa quanto a nossa e não há certo consenso onde ela de fato reside. Entretanto, várias são as tentativas de se tentar identificar suas raízes. Vejamos como alguns autores se posicionam a respeito deste debate. Silva (2004) apresenta várias razões que justificam a violência nas escolas, as quais classificam como de caráter mais amplos e aquelas ligadas a política educacional. São elas: As razões mais amplas

As razões ligadas à política educacional

A morte ou a relativização dos valores morais

O aumento quantitativo de vagas no ensino público e consequentemente o ingresso de crianças das camadas populares

A divulgação distorcida do saber psicológico sobre os efeitos maléficos de uma educação extremamente repressiva e violenta

A falência das formas tradicionais de se impor disciplina

A passagem de um modelo de sociedade adultocêntrico para um modelo centrado nas demandas das crianças e dos adolescentes

A crise em relação aos objetivos da educação formal

A situação política e econômica do país A influência dos meios de comunicação de massa O aumento exorbitante da violência real e virtual A crise de valores

45


Universidade da Amazônia

As pesquisas desenvolvidas por Costa (1993), Rodrigues (1994), Paim (1997) e Guimarães (1995) constatam que o tráfico de drogas e a disputa pelos territórios nos morros são considerados as grandes causas da onda de violência nas escolas públicas do Rio de Janeiro, conforme destaca Spósito (2001, p. 95). Candau (1999), citada por Spósito (2001, p. 96), ao investigar na cidade do Rio de Janeiro a violência escolar no universo de professores da rede pública, atribui o crescimento desta violência como mais uma das expressões do aumento da violência social. A partir do quadro teórico de análise que orienta esta pesquisa, podemos inferir que a origem da violência escolar não reside em uma só questão. Embora os sujeitos, em grande parte, apontem a família como a instância micro em que a violência é gerada e propagada quer seja por falta de condições econômicas e culturais, estrutura material, educação; ausência de limites nas crianças, jovens, e adultos, entre outros, ou mesmo os problemas sociais e econômicos decorrentes do capitalismo, o certo é que a humanidade passa por uma crise do padrão civilizatório, instalada, sobretudo, pelos ditames do neolibelalismo. Neste meio, o homem vem perdendo a noção do que significa ser humano, ser solidário, ser justo, ser companheiro, ser fraterno, ser honesto, ser generoso, ser leal, conceitos valorativos que foram construídos e aceitos pela humanidade como fatores de sobrevivência da espécie na sociedade. A vida humana deixou de ter significado, de ter importância, quando se corre o risco de morte fruto de um assalto, por exemplo. Assim, violências que até então não eram aceitas do ponto de vista da moral, da ética e do estado de direito, como por exemplos, roubos, homicídios, falcatruas, mentiras, brigas, agressões verbais e simbólicas, incivilidades, xingamentos, humilhações passam a ser praticadas como algo corriqueiro e banal (fenômeno da naturalização), revelando que parte da sociedade brasileira não tem mais qualquer estrutura de valores e que a vida humana não tem mais significado e importância, pelo menos par aqueles que perderam a noção da convivência fraterna. Interessante registrar que, para alguns pais, quando a escola não dá conta de resolver o problema da violência, faz-se necessário recorrer ao sobrenatural, como demonstra os depoimentos a seguir: M: Aconselharia a família dos alunos envolvidos nos casos de violência primeiramente a buscar ajuda de Deus, pois só com nossas próprias forças não conseguiremos nada. M: As famílias precisam de um acompanhamento com psicólogos, sociólogos e rezar muito pedindo para Deus ajudá-los.

46


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

Este é um dado interessante da pesquisa porque nos faz levantar a hipótese de que as manifestações religiosas podem ser consideradas como um possível freio da violência escolar, já que impõem limites ao homem por trabalharem com a noção do certo e do errado, do permitido e do não permitido dito pelo divino para a condução da vida humana, e de um ser superior que virá julgar os mortos e os vivos conforme seus pecados. Os dogmas da profissão de fé pregados pelas mais variadas manifestações religiosas inibem a violência? O que leva o homem religioso, temente a Deus, a não produzir atos de violência? Os valores da ética cristã vêm sendo invocados como um modelo de moralização das questões sociais como uma forma alternativa de solução para o problema da violência. Neste sentido, os valores processados pela escola, somados aos valores que derivam da religiosidade, são destacados por alguns sujeitos como norteadores de uma vida mais humana, menos violenta, menos desigual, um escudo protetor contra a violência física e simbólica. Os sujeitos da pesquisa ao não encontrarem uma “saída racional” para o problema da violência invocam as “saídas teológicas”. A instituição religiosa, provavelmente, pode desenvolver uma prática que inibia a violência, contribuindo para que as pessoas que partilham desta sociabilidade possam ser mais cuidadosas com a construção de um mundo mais fraterno e justo. As questões religiosas permearam alguns depoimentos, ganhando destaque como solução para o problema da violência instalada no cotidiano da escola. Este problema é significativo e merece ser investigado com mais profundidades para verificação do estabelecimento da religiosidade com o fenômeno de combate à violência. Quanto ao tipo de violência escolar, os sujeitos da pesquisa manifestam que esta ocorre por meio de pequenos furtos que acontecem na sala; invasão da privacidade nos banheiros; brigas dentro da sala de aula; alunos que levam armas de fogo para a escola; crianças maiores que ameaçam e até batem nos menores; discriminação das idades; agressões com palavrões e fisicamente; ausência de respeito. Percebe-se, mais uma vez, que a violência física é a mais destacada pelos sujeitos, como manifestação da violência escolar e, por conseguinte, a mais aparente e que exige ações de intervenção por parte da escola, tendo em vista minimizar o problema. M: Minha filha me disse que a professora fica gritando com os alunos na sala de aula. Fica dizendo que os alunos vão matar ela, mas ela vai sair da escola antes que isso aconteça, porque não está acostumada a trabalhar com crianças. Fui debater com ela na reunião, porque até onde eu estudei gritar com o aluno na sala de aula, dizendo que

47


Universidade da Amazônia

eles vão matar ela, é falta de ética. M: Podemos expressar a violência física como puxar cabelo, bater e brigar. Também pode ser violência quando colocamos uma criança de castigo, tratando-as com palavras grosseiras, além de deixar sem comer. P: Tu não vais passar de ano porque tu és burro.

É importante destacar que, para determinados sujeitos da pesquisa, a violência escolar chegou a um patamar de naturalização/banalização, como se evidencia nos depoimentos a seguir: P: Os alunos trazem essa violência do meio que eles vivem. Para eles isso é normal. P: A violência, principalmente na sociedade, tudo se tornou muito banal...

Este é o tipo de depoimento nos leva a uma constatação preocupante, porque nos induz a pensar que a violência faz parte da condição humana, é algo inerente ao homem, portanto, restando a nós acostumarmo-nos a ela e assumila como natural. A cultura da violência na sociedade, como produto do meio, naturaliza-se, também, no interior das escolas, como se fosse consequência e resultado da outra. Contudo, este entendimento é perigoso, pois a moral, os valores e a ética sempre foram tomados historicamente pelo homem para compor um certo bom senso de civilidade e para impor determinados padrões sociais, regulando a vida em sociedade. A violência não está predeterminada no genoma humano, portanto não é marcada pelo DNA e sim uma manifestação decorrente de vários problemas relativos às questões sociais, econômicas, educacionais, culturais e, também, psicológicas e antropológicas. A escola sozinha não pode arcar com o ônus deste fenômeno, uma vez que ela não dá conta de resolver o problema da violência escolar, pois este depende de variáveis que extrapolam o processo pedagógico. A escola precisa se instrumentalizar de forma competente para enfrentar com sabedoria o problema da violência. Isto requer profissionais qualificados, enfrentar o problema cientificamente, dialogar com a comunidade, desenvolver projetos pedagógicos de intervenção que alcance a raiz do problema, entre outros. Ao perguntarmos sobre as consequências da violência escolar para a comunidade educativa, obtivemos os seguintes depoimentos: P: O mau aproveitamento do aluno. P: As consequências são as piores possíveis. Como ensinar com qualidade? Como o professor consegue mudar ou

48


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

amenizar a violência que ocorre em sala de aula? O professor se desgasta física e mentalmente, chegando a ter problemas de saúde. P: A escola acaba formando cidadãos sem ética, sem respeito e sem amor ao próximo e a sua pátria. T: Causa sérios prejuízos, não só aos alunos, mas também a comunidade escolar como um todo, porque a escola passa a ser taxada como uma das piores, professores e funcionários perdem o estímulo, os alunos abandonam seus estudos por medo de serem violentados.

Como podemos observar, a violência escolar atinge tanto alunos quanto professores, ocasiona um mal estar em ambos, debilita a saúde física e mental destes, deixando sequelas na vida pessoal e profissional de uma pessoa. Destacamos que os sujeitos desta pesquisa têm clareza das mazelas advindas da violência escolar e, valorativamente, entendem que este fenômeno não pode ser mais aceito por uma sociedade moderna. É inaceitável conviver com esta situação, sem medidas que possam tornar o ambiente escolar um espaço agradável e de paz, para que seja desenvolvido o processo educativo de qualidade. Todavia, os valores humanos construídos pelos sujeitos da pesquisa nos mais diferentes espaços sociais contribuem para que seja edificado um dado ethos acerca do problema da violência. Vejamos os depoimentos a seguir, que indicam o quanto de idéias valorativas estão presentes nestes discursos. P: Às vezes a educação familiar é muito crítica. Os alunos não têm que estudar só na escola, devem também ocupar o seu tempo para não se tornarem ociosos. P: Um ser humano sem educação se torna nocivo à sociedade e mais tarde esse indivíduo se encontra fora do mercado de trabalho. P: As famílias têm que aprender desde cedo a passar valores para os seus filhos e assim refletirão bons frutos no ensino.

Estes depoimentos nos fazem refletir que a escola é considerada um espaço fundamental para que as crianças e jovens ocupem seu tempo, evitando-se, com isto, o ócio, a vagabundade e a marginalidade, práticas consideradas nocivas e que podem levar o homem a marginalidade e a violência. Os indicativos que os sujeitos apontam é que ela inclua, para além do processo ensino–aprendizagem, processos de formação humana e para o trabalho. Neste domínio podemos inferir que, quando a família falha neste processo, espera-se que o Estado, por meio da escola, venha a suprir esta lacuna.

49


Universidade da Amazônia

A escola, por meio de seu processo educacional, inculca certos valores de ordem, obediência, respeito, disciplina, controlando mentes, corpos, sexualidade. Molda-se, portanto, um certo padrão de homem e de sociedade, tendo em vista os interesses de grupos hegemônicos. Neste sentido, se defende a ideia de que a escola precisa dar um novo redimensionamento para o trabalho pedagógico de forma que este não seja um instrumento a serviço do Estado de controle e manutenção da ordem social vigente. Fundamentalmente, trata-se de um trabalho veiculador da promoção da dignidade humana e da formação ética e humanística da sociedade. Uma outra categoria explorada nas oficinas pedagógicas realizadas com os sujeitos da pesquisa foi a ética. Importa registrar a grande dificuldade desses sujeitos em tentar conceituar o que significa a ética em suas vidas. Vários exemplos foram dados por eles, fazendo alusão ao comportamento duvidoso dos políticos brasileiros. A (ausência da) ética sempre era associada à classe política do Estado brasileiro, como se para as demais pessoas esta não fosse necessária para a condução da vida humana. M: Os próprios governantes são culpados porque a violência começa com eles, ensinando a roubar, a caluniar e o povo vê e quer também fazer a mesma coisa. A violência começa com o mau exemplo dos nossos governantes.

Pela atual conduta dos parlamentares brasileiros, que a mídia, a toda hora, explora, e a impunidade decorrente de atos ilícitos os quais praticam, não é surpresa que esta compreensão venha à tona. Entretanto, é notável a compreensão dos sujeitos de que a ética trabalhada nas escolas visa a discutir questões de valores e direitos individuais e coletivos para o bem da humanidade e para a construção de uma sociedade mais justa. Vejamos como os sujeitos se pronunciaram a respeito do conceito de ética. M: É o respeito para com o ser humano. M: É tudo que se relaciona com o certo ou errado, ao caráter da pessoa ou postura. M: Entendo por ética o profissionalismo, o caráter e a dignidade de uma pessoa. M: Ética é você ter caráter, ser digno e honrar a educação que você teve quando criança e não se deixar influenciar pelo mau caratismo de outras pessoas.

Nota-se que os depoimentos transitam por uma alusão à moral (o que é certo ou errado), passando pela referencia a um tipo de comportamento

50


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

socialmente aceito (caráter/postura/respeito/dignidade/honra). Para estes sujeitos, a ética é uma conduta humana que contribui para regular a vida em sociedade, estabelecendo limites em que o certo e o errado são os balizadores da civilidade do homem. Mas como a ética vem sendo trabalhada nas escolas pesquisadas? Para os professores, a ética como Tema Transversal vem sendo trabalha da, eventualmente, nas escolas pesquisadas por meio de projetos, conversas informais, discussões de textos informativos, trabalhos de recorte e colagem e outros que falam de temas como companheirismo, não violência, respeito entre colegas, participação, preservação do patrimônio da escola, higiene, solidariedade, valores e direitos, como podemos observar nos depoimentos a seguir: P: Sim, através de conversa informal sobre amizade, respeito, companheirismo, solidariedade, etc. P: Falando de companheirismo, não violência e respeito entre colegas. P: Sim, através de projetos colocados no planejamento curricular, como temas sobre preservação do patrimônio escolar, higiene, solidariedade etc. P: Sim, trabalhamos os valores e tentamos ajudar nossos alunos a conquistar seus direitos e a colaborar para uma sociedade mais justa.

Embora os professores reconheçam a importância de se trabalhar a ética e de afirmarem que tiveram poucas oportunidades para ler com profundidade o documento Ética: Temas Transversais dos PCN’s, constata-se que este estudo tem uma “presença turística” no cotidiano escolar, em comparação aos demais conteúdos curriculares valorizados e priorizados pela escola. A discussão sobre a ética aparece de forma casual, assistemática, por iniciativa pessoal de alguns professores, sem ter o mesmo status nas previsões do projeto pedagógico da escola. O silêncio ou o tangenciamento desta discussão por parte da escola é prejudicial para a construção de uma cultura de respeito a si, pelas pessoas e pelo patrimônio público, ou seja, a escola vem perdendo a oportunidade de ser um espaço de reflexão sobre os valores humanos, que devem alicerçar a promoção de uma sociedade justa e igualitária. Os Temas Transversais, como o próprio nome indica, constituem-se num conjunto de temáticas do cotidiano articuladas entre os conteúdos escolares e a realidade nacional em uma perspectiva de cidadania. São eles: a ética, o meio ambiente, a saúde, a orientação sexual e a pluralidade cultural. O estudo da ética como Tema Transversal dos PCN’S, no cotidiano escolar, não pode limitar-se a uma verificação da dimensão técnica e das partes

51


Universidade da Amazônia

componentes desse aspecto, pois a multiplicidade de teorias e práticas contidas em cada disciplina criam, dentro da escola, um campo de “tradições” de diversas ordens pedagógicas e metodológicas, que se apresentam de forma contraditória em relação ao que é oficializado como parte funcional de um sistema educativo. Os PCN’S são um direcionamento oficial do Estado para a área educacional. Por esse motivo, faz-se necessário dar conta de uma análise do momento histórico em que eles foram produzidos. Pode-se arriscar como hipótese que, na sociedade brasileira, as reformas na educação originam-se de interesses econômicos, mas é bom atentar que, nem sempre, quando as “esferas econômicas e culturais” se cruzam dentro da instituição educacional, não estão em jogo, pura e simplesmente os interesses econômicos do Estado e de sua ideologia, principalmente, se for o caso de uma escola, pois o processo educacional, em sua totalidade, não pode ser encarado como uma mera armação do Estado para passar sua ideologia e garantir a sua perpetuação. Fourquin (1993, p. 13) nos ajudar a entender esta contradição da escola: Toda reflexão sobre a educação e a cultura pode assim partir da ideia segundo a qual o que justifica fundamentalmente, e sempre, o empreendimento educativo é a responsabilidade de ter que transmitir e perpetuar a experiência humana considerada como cultura, isto é, não como a soma bruta (e aliás inimputável) de tudo o que pode ser realmente vivido, pensado, produzido pelos homens desde o começo dos tempos, mas como aquilo que, ao longo dos tempos, pôde aceder a uma existência pública, virtualmente comunicável e memorável, cristalizando nos saberes cumulativos e controláveis, nos sistemas de símbolos inteligíveis, nos instrumentos aperfeiçoáveis, nas obras admiráveis. Neste sentido, pode se dizer perfeitamente que a cultura é o conteúdo substancial da educação, sua fonte e sua justificação última: a educação não é nada fora da cultura e sem ela. Mas, reciprocamente, dir-se-á que é pela e na educação, através do trabalho paciente de uma “tradição docente” que a cultura se transmite e se perpetua: a educação realiza a cultura como memória viva, reativação incessante e sempre ameaçada, fio precário e promessa necessária da continuidade humana.

É justamente a compreensão de uma educação que responda aos desafios do mundo, mas também, que se antecipe a estes, que o Brasil, nas últimas décadas, vem definindo suas políticas educativas afinadas a uma or-

52


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

dem mundial de educação. Dos diversos embates e desafios destas políticas, resultou a Lei n 9.394/96, que institui as Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDBN e, a partir dela, a concepção de Parâmetros Curriculares NacionaisPCN’s, cujos conteúdos curriculares, além das áreas de conhecimento tradicional, privilegiaram Temas Transversais, entre eles a ética, considerada uma dimensão importante para a formação do homem. A concepção de Temas Transversais nasce da necessidade que professores e alunos, enfim, a educação, tenham como referência conteúdos centrais que perpassam toda a nossa formação. Mas vale perguntar: como a escola vem trabalhando com estes? Quais os conceitos de ética que os alunos vêm produzindo? Como o discurso e a prática da ética vem se materializando? Como são enfrentadas as contradições entre ética e violência na vida escolar cotidiana? Se tomarmos como perspectiva as questões macro-societárias apontadas anteriormente e a diversidade de manifestações micro-societárias que emergem no cotidiano escolar – situações e fatos que envolvem necessidades e contingências de crianças e adolescentes –, vale a pena perguntar se estas referências educacionais, em particular, a Ética, como Tema Transversal, vem conseguindo contribuir de maneira efetiva para a formação das crianças e adolescentes. É Corazza (2001, p. 110) quem nos adverte criticamente a esse respeito, ao dizer: Não parti lho da posição que postula que fomos ‘nós’, educadores/as críticos/as, quem elaboramos os ‘fundamentos psicopedagógicos, socioantropológicos e epistemológicos’ presentes nos PCNs. Fundamentos, que nos foram expropriados. Que ‘elas/eles nos tiraram, apropriaram-se, assimilaram os resultados de nosso trabalho e acúmulos críticos. Também não é possível aceitar que foram ‘elas/es’ que elaboraram e estabeleceram tais fundamentos no currículo oficial. Afinal, não podem tanto. Todos/as nós fizemos, mantivemos, perpetuamos. Este é o ‘horror’ do hibridismo educacional e pedagógico, que nos constitui atualmente. Este é o nosso ‘horror ’ político: descobrir que aqueles currículos, que considerávamos ‘nossos’, estão também ‘capitalizados’, globalizados, ‘neoliberalizados’. Que eles dizem a mesma coisa que aqueles currículos contra os quais lutamos. Que, talvez, já tenha chegado o tempo em que a dissipação das diferenças nos leva a não saber mais quem somos, o que queremos, o que propomos. Em que a dispersão dos limites nos leva a não identificar mais pelo que educamos e estudamos, pesquisamos e escrevemos, lutamos e vivemos.

53


Universidade da Amazônia

Não bastasse esta advertência, vale ainda uma outra questão: que fundamentos ético-valorativos se apresentam no Tema Transversal da Ética? De que cidadania falamos? De que sujeito? De qual sociedade? Que violência e que direitos são esses? Afinal, nossas referências são efetivamente construídas socialmente ou nos pautamos em um absolutismo de valores que não ultrapassa uma nova moralização da cultura vivida, permeada por uma ética já instaurada que aniquila os sujeitos, suas falas, suas histórias, suas vidas, suas possibilidades? Este é o desafio, compreender as mediações presentes na educação, tendo como referência a política educacional e as expressões da ética e da violência no cotidiano da escola. Iniciar o estudo e investigação do cotidiano escolar com suas rotinas e problemas diários, buscando refletir de que forma são materializadas as propostas dos PCN’S relativas à ética e à violência, nesse ambiente plural do processo de escolarização, levanta a proposição de que a condição existencial dos sujeitos determina os rumos de pedagogias e metodologias, mesmo que oficializadas como parte da realidade da instituição de ensino. 2.3 REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DOS ALUNOS SOBRE VIOLÊNCIA O desenho manifesta o desejo da representação, mas também o desenho, antes de mais nada, é medo, é opressão, é alegria, é curiosidade, é afirmação, é negação. Ao desenhar, a criança passa por um intenso processo vivencial e existencial (DERDYK, 1989, p.51).

A criança, ao desenhar, manifesta naturalmente sua percepção do mundo, uma vez que, por meio do grafismo ela busca e relabora seu autoconhecimento ao relacionar, inter-relacionar e integrar suas vivencias cotidianas. Entendemos que a expressão gráfica é uma importante ferramenta na construção de seu conhecimento e compreensão da realidade e está diretamente relacionada à criatividade, ao impulsionar a construção de outras manifestações que estruturarão o imaginário infantil. Segundo estudos piagetianos, o desenho é uma representação, isto é, supõe uma imagem bem distinta da própria percepção. Por isso, o grafismo infantil é considerado como uma forma de expressão da realidade e deve ser levado em consideração, tanto por pais quanto por professores, pois nos mostra a percepção daquela criança de seu cotidiano. A evolução do grafismo infantil ocorre, obedecendo aos estágios do desenvolvimento infantil conforme sinaliza Piaget, que são:

54


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

No Estágio Sensório Motor (0 a 2 anos) – há o processo de rabiscação. Nele a criança não tem habilidade adquirida, percebe o meio com simplicidade e subjetividade, imitação crescente, pesquisa de movimentos, curiosidade e exploração de materiais diversos, reflexo de sucção (leva tudo à boca). Os movimentos são desordenados e incontrolados, mas proporcionam prazer à criança. A garatucha desordenada se justifica pela ausência de controle dos movimentos. Uso da cor pelo simples prazer de experimentá-la, sem intenções. A figura humana não aparece e o espaço não é totalmente utilizado. Ainda muito próxima da rabiscação, seus desenho variam muito: ora fracos e concentrados, ora fortes e dispersos pelo papel. Já na longitudinal, há movimentos repetidos em várias direções, principalmente na vertical e horizontal, estabelecimento da coordenação entre a atividade visual e a motora. Há controle dos movimentos. A cor ainda é usada inconscientemente. O espaço é utilizado somente de base sinestésica, muitas vezes não saem de um mesmo lugar, outras vezes riscam uma folha inteira, misturando tudo que já experimentaram. Na garatucha circular há autoafirmação do controle por meio de desvios do tipo de movimento, com o treino aparecem ensaios repetidos de pequenas células ou pequenos círculos ainda sem intenção, significado ou expressão. É a exploração do movimento circular feito com todo o braço, que varia do tamanho de um pequeno ponto até o círculo que ocupa a folha toda. Quando controlada, há mistura de movimentos com freqüentes interrupções. A criança desenha a figura humana de modo imaginativo por meio do ato de comentar, os pequenos círculos se transformam em pessoas e animais, dando-lhes cabelos, olhos e membros (em geral braços). A cor é usada para distinguir diferentes significados da garatuja. O desenho deixa de ser simples expressão motora e começa a representar coisas de sua realidade, em geral figuras humanas. A intencionalidade aparece nos desenhos com marcas de outros elementos, além da figura humana, quase compondo uma cena, ainda rudimentar. Enquanto desenha, a criança fala e conta histórias, explicando seus rabiscos de diversas maneiras. A figura humana é mais completa com cabeça, tronco e membros definidos com pés e mãos. Estágio pré-esquemático (4 a 6 anos): há a descoberta da relação entre desenho, pensamento e realidade. A criança começa a representar coisas de sua realidade e a exprimir sua fantasia, desenhando vários objetos ou o que imagina deles. A ação é voltada para resultados concretos, há maior poder de concentração e intensa formação de conceitos.

55


Universidade da Amazônia

Estágio esquemático (6 a 9 anos): inicia-se a descoberta de um conceito definitivo de homem e meio, dependendo do conhecimento ativo e da personalidade por meio da repetição. A linha do horizonte exprime o céu. O afastamento do esquema da cor (mesma cor para o mesmo objeto), mostra experiência emocional. Em continuação à fase esquemática na evolução do grafismo infantil ocorre um período estacionário, durante o qual o desenho se mantém sem tantos progressos como os que ocorreram até esta fase. Ele melhora em acabamento e detalhes, mas não evolui. A grande evolução agora é na escrita e é comum aparecer balões representando conversas entre personagens de seus desenhos ou pequenos textos, que parecem explicar melhor a situação ou ação deles. Estágio do início do realismo (9 a 11 anos): ocorre o afastamento do esquema, linha de base e do horizonte se encontram cobrindo o espaço em branco que existia na fase anterior, tendência para as linhas realísticas. Maior rigidez resultante da atitude egocêntrica e da ênfase sobre detalhes como roupas, cabelos etc. Diferença acentuada entre meninas e meninos, maior consciência do eu em relação ao sexo. É a idade do bando, com meninos junto de meninos e meninas junto de meninas. A arte gráfica como linguagem é um instrumento de conhecimento. A criança, por meio do desenho infantil, retrata a concretização de suas carências e desejos. O desenho tornou-se objeto de estudo de especialista da área infantil de psicólogos, educadores e pedagogos, que afirmam ser este a representação de formas, pontos, traços e manchas em uma superfície com objetivos lúdicos, artísticos ou técnicos. Existem várias classificações com relação ao estágio e fases do desenvolvimento gráfico, tendo em vista aspectos sociais, culturais e psicológicos, que elevam o imaginário da criança ao seu universo, que é constantemente reinventado. O desenho também é manifestação de inteligência, a criança vive, inventa, constrói e reconstrói explicações para compreender a realidade. O desenho, como índice humano, é uma manifestação gráfica que a criança utiliza para expressar uma inter-relação com o processo existencial, busca demonstrar a dimensão da concepção de mundo, expressa por meio de objetos, pessoas, situações, animais, emoções e ideias. Desta forma, sugere novas configurações ou significados que indiquem elementos de ordem familiar, social e cultural que estejam, de algum modo, presentes nas relações sociais de que faz parte. A criança é um ser em contínuo movimento. Este estado de transformação psíquico e emocional acentua a sua curiosidade e a criatividade. O

56


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

grafismo infantil expressa o desenvolvimento do conhecimento cognitivo, estabelecendo relações com a vivência prática que ocupa um papel fundamental e inegável no cotidiano. O desenho é uma tentativa de aproximação com o mundo e com a realidade, ou seja, apregoa uma postura criativa, fruto de um processo, de vivência e socialização. Ao desenhar, a criança expressa formas especificas de comunicação ou de ideias, que são manifestadas por meio da linguagem gráfica. Vejamos como os alunos representam de forma gráfica a violência em sociedade. 1) Agentes de violência – gênero masculino e feminino

Figura 1 – Karla, idade: sem identificação, Série: sem identificação – Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”. O desenho de Carla (Figura 1) expressa a violência de gênero feminino no trânsito, quando uma mulher tenta assaltar um carro e fazer as vitimas (mãe e filho) de reféns, mas é impedida por um policial militar. Na fuga, é coagida e espancada pelos moradores do bairro. Esse fato retrata que não há mais diferença de gênero no ato de violência, entre homens e mulher. Ambos podem enveredar pelo caminho da marginalização, fruto de um contexto social excludente e desigual, uma vez que não garante oportunidade de direitos a todos os cidadãos.

57


Universidade da Amazônia

2) Agentes de violência – gênero feminino

Figura 2 - Patrícia Sharlene, 14 anos, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”. O desenho de Sharlene (Figura 2) faz referência a uma briga dela com outra pré-adolescente (meninas) que frequentam a mesma escola e reside no mesmo bairro. A violência física ocorreu na frente da casa de Sharlene Para se defender, ela fez uso de arma branca. As agressões físicas e verbais entre meninas são cada vez mais visíveis. Normalmente iniciam-se no ambiente escolar, por meio de boatos ou brigas por namorados, acarretando conflitos pessoais, no interior da escola e da sociedade. 3) Agentes de violência – gênero masculino

Figura 3 - Paula Rayane, 10 anos, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”.

58


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

O desenho de Paula (Figura 3) retrata a violência física do gênero masculino entre dois colegas de turma, que se agridem no interior da escola, por meio de socos e pontapés. Tal desenho demonstra a contradição da escola que, se por um lado deve oferecer educação de qualidade, por outro não apresenta suporte estrutural e socioeconômico para desenvolver atividades lúdicas e recreativas com a finalidade de trabalhar valores éticos e morais, como, por exemplo, cidadania e respeito. 4) Armas brancas - faca

Figura 4 – Trycya, 12 anos, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”. O desenho de Trycya (Figura 4) diz respeito à violência observada por ela, no bairro em que reside. Um homem esfaqueou o outro por causa de uma lâmpada. Em alguns bairros periféricos, objetos de pequeno valor provocam diversos conflitos, que chegam até a morte. A violência sempre leva à consequência drástica, não só para a vitima, mas também para o agressor. A discussão sobre a violência deve ser ampliada e contar com a participação da comunidade escolar, da sociedade civil e das organizações governamentais, a fim de encontrar respostas eficazes no combate à violência principalmente, no ambiente escolar.

59


Universidade da Amazônia

5) Armas de fogo - revólver

Figura 5 – Thayane, 9 anos, série: sem identificação - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”. O desenho de Thayane (Figura 5) expressa uma repulsa contra a violência que presencia diariamente no bairro e na escola. A utilização de armas de fogo é vista por ela como um fator que quantifica a violência, bastante perceptível em seu apelo. Nas grandes metrópoles, a violência é advinda do crime organizado, configurando em uma guerra social que produz na vida da população o distúrbio do pânico. 6) Manifestação de violência – bens materiais

Figura 6 - Raquel Kely, 13 anos, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”.

60


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

O desenho de Raquel (Figura 6) também diz respeito a uma forma de violência presenciada no bairro onde mora, após um assalto, iniciou-se o conflito com troca de tiros entre a policia e os assaltantes. Um dos assaltantes era adolescente e foi morto pela policia. Esse fato retrata a realidade de muitos jovens cujas oportunidades lhe foram amputadas bem como as garantias sociais, a educação, o lazer, a cultura, a profissionalização e o emprego. A opção pelo crime, em muitos casos, é vista por esses adolescentes como uma saída para suprir suas necessidades individuais ou até mesmo para contribuir na renda familiar, uma vez que não apresentam qualificação para serem inseridos no mundo do trabalho globalizado. 7) Manifestação de violência – briga de gangues

Figura 7 – Nivaldo, 12 anos, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”. 8) Manifestação de violência – brigas de gangues

Figura 8 – Lucas, 12 anos, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”.

61


Universidade da Amazônia

O desenho de Nivaldo e Lucas (Figura 7 e 8) demonstra adolescentes integrantes de gangues muito presentes hoje no interior das escolas. A rivalidade entre elas é uma forma de adquirir status entre os jovens envolvidos. Quanto maior for o poder do grupo, mais respeitados e temidos serão pelas demais gangues. A formação de gangues se dá em sua maioria entre escolas e em bairros distintos e as brigas são, em grande parte, por disputa de “território”. A violência tem espalhado terror na população e é responsável pelo grande número de morte entre os jovens. 9) Manifestação de violência – patrimônio público

Figura 9 - Aline Patrícia Corrêa da Silva, 10 anos, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos” O desenho de Aline (Figura 9) retrata a violência contra o patrimônio público: adolescentes pichando o muro da escola. A pichação é vista como uma transgressão que não é permitido dentro do convívio social, funciona como correio, que apresenta mensagens que vão desde declaração de amor até expressões que demonstram a convivência com as drogas. Ao analisarmos a pichação neste desenho, percebemos que também não deixa de ser uma expressão de violência na perspectiva visual, mas também funciona como uma forma de válvula de escape para aliviar as tensões, conquista de espaço e marcação de território, por meio de linguagem, signos e símbolos próprios.

62


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

10) Manifestação de violência – uso de drogas

Figura 10 - Ingrid Karolina Silva Cardoso, 10 anos, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”. O desenho de Ingrid (Figura 10) expressa a utilização de drogas e entorpecentes por adolescentes no bairro onde reside. O trafico de drogas e a delinquência não atingem somente as periferias pobres, mas é presente também nas classes média e alta, voltadas com mais frequência para o consumo. Os traficantes controlam e monitoram os bairros e escolas, oferecendo “trabalho” para aqueles que são excluídos pela sociedade. 11) Manifestação de violência: na loja

Figura 11 - Ruam Carlos Martins Rodrigues,11 anos, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”.

63


Universidade da Amazônia

O desenho de Ruam Carlos (Figura 11) faz referência ao episódio que presenciou, quando viu seu tio sendo baleado em frente a uma loja, numa tentativa de assalto. 12) Manifestação de violência: no trânsito

Figura 12 - Débora santos Favacho, 12 anos, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”. O desenho de Débora (Figura 12) diz respeito também à violência no trânsito. Os assaltantes utilizam armas como forma de reprimir a vítima para assaltá-las. Faz-se urgente a criação de políticas públicas para a juventude, a fim de garantir a inclusão dos direitos dos jovens, contribuindo para a promoção e a potencialização na construção da cidadania. 13) Manifestação de violência: na sociedade

Figura 13 - Juliana Ornelas, 10 anos, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”.

64


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

O desenho de Juliana (Figura 13) mostra uma tentativa de assalto, seguida de ameaça de morte contra uma criança. 14) Consequências da violência - humilhação

Figura 14 - Jakeline Carvalho, 11 anos, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”. O desenho de Jakeline (Figura 14) retrata as diversas formas de violência e suas consequências, que refletem fatores voltados para a humilhação e medo. Também podem desenvolver, em alguns indivíduos, traumas e distúrbios do pânico, que acabam afetando e envolvendo todos os membros da família. algumas vezes 15) Consequências da violência - morte

Figura 15 - Jaermeson de Souza Pessoa, 14 anos, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”.

65


Universidade da Amazônia

16) Consequências da violência - morte

Figura 16 - Rildianny Suelem Lima de Oliveira, 9 anos, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”. 17) Consequências da violência: medo

Figura 17 - Roberto Felipe Lobato, idade: sem identificação, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”. Os desenhos de Jaermeson, Rildianny e Roberto (Figura 15, 16 e 17) são apresentados como consequência da violência o medo da morte pelas vitimas que não impõem resistência para abdicar de seus bens materiais. O papel da escola é desenvolver projetos educativos, que estejam voltados para conscientizar o aluno de que a violência no ambiente escolar repercute de forma negativa, pois, além de causar danos físicos, sensações de medo e insegurança, contribui, também, para a falta de interesse e concentração nos estudos e, consequentemente para a evasão escolar.

66


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

18) Violência na família

Figura 18 - Naiara da Silva Cruz, 11 anos, 4ª série -Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”. O desenho de Naiara (Figura 18) configura a violência intra-familiar. Ela é causada por diversos fatores ligados à situação socioeconômica e à utilização de drogas licitas ou ilícitas. Casais se agridem na presença dos filhos, provocando traumas, prejudicando a aprendizagem e o desempenho dos mesmos na escola. A questão da violência doméstica não pode ser analisada fora do contexto social, pois os danos psicossociais provocam efeitos devastadores e atingem todos os membros da família. 19) Violência na mídia

Figura 19 - Bianca Ramylly, 10 anos, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”.

67


Universidade da Amazônia

O desenho de Bianca (Figura 19) expressa como a violência na mídia influencia a vida cotidiana das diversas pessoas. Muitas crianças, jovens e adultos enveredam pelo caminho da delinquência para poderem consumir produtos que a mídia lhes oferece, uma vez que a renda intra-familiar não permite gastos. 20) Violência verbal

Figura 20 - Izabela Maués da Silva, 9 anos, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”. O desenho de Izabela (Figura 20) refere-se à violência verbal que muitas crianças sofrem de seus pais ou familiares por meio de palavras de baixo calão, que agridem psicologicamente e provocam, muitas vezes, revolta. Este tipo de violência se ampara na relação de poder e autoritarismo estabelecido na família. 21) Vítima de violência – a criança

Figura 21 - Rene Nascimento Ribeiro, 13 anos, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”.

68


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

22) Vítima da violência – a mulher

Figura 22 - Lia Bargês de Oliveira, 11 anos, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos” 23) Vítima da violência – a mulher

Figura 23 - Adriana do Socorro, 10 anos, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”

69


Universidade da Amazônia

24) Vítima da violência – a mulher

Figura 24 - Renato Lobato Trindade, 14 anos, 4ª série - Escola Municipal de Ensino Fundamental “Humberto de Campos”. Os desenhos da figura 21, 22, 23 e 24 referem-se a assaltos contra crianças e mulheres para subtrair bens materiais. Em geral, elas são vistas pela sociedade como seres frágeis, que apresentam menor resistência aos assaltos. Durante a realização das oficinas e por meio da representação do grafismo elaborados pelos alunos percebemos que, para eles, a violência está presente em todos os lados: seja no trânsito, em frente de casa, na loja, escola, na rua, em casa, enfim, não há lugar específico para que tal violência possa ocorrer. Esta é naturalizada entre os agentes de violência, quando se utilizam de armas brancas, de fogo, palavras ofensivas, agressões físicas e pichações para violar algo e colocar em risco suas vidas e de outras pessoas. Identificamos que agressão física é representada pelos alunos por meio de manifestações de pontapés e socos e que a causa da violência reside em vários motivos, seja por briga por namorado, subtração de carteira, dinheiro, objetos valiosos dentre outros. Para eles, o uso de drogas e de bebida alcoólica contribui para que pessoas cometam violência. Observamos também que a violência é praticada em grupos, quando se formam gangues. O agressor sempre está armado, ameaçando a vítima com palavras ou por meio de armas. A violência também se manifesta, quando agride-se o patrimônio público e quando este é pichado e depredado, tornando a escola e a sociedade

70


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

feias e sujas. Muitos agentes da violência destroem o patrimônio público como forma de manifestação de repúdio ou pelo simples prazer de destruição, causando um sério prejuízo aos cofres públicos e à beleza da cidade. Nos desenhos, é possível verificar que a violência se manifesta de várias formas, porém a agressão física e o uso de palavras grosseiras são as mais comuns, em que a pessoa é agredida física e verbalmente, podendo comprometer seu estado físico e emocional, com sequelas para a vida toda. Podemos perceber também, por meio dos desenhos, que os alunos sentem medo das consequências da violência e que o medo de morrer é o que mais assusta, nestes casos. A família é responsável pela educação e criação dos filhos, porém, ultimamente, esta também passou a ser geradora e vítima da violência. As principais vítimas da violência representadas pelos sujeitos são as crianças, as mulheres e os idosos, sendo o gênero masculino o principal agressor e responsável pela violência familiar. Porém, muitos desses atos violentos ocorrem devido à influência da televisão, que apresenta uma programação com várias cenas de violência em horários impróprios, sem a devida fiscalização e orientação dos pais ou adultos. Estudos comprovam que crianças menores de 7 anos estão mais propícias a se influenciar pelo que estão assistindo na televisão, principalmente no que se refere a desenhos com cenas violentas, uma vez que ainda não sabem distinguir entre o que é certo ou errado. Elas precisam da mediação do adulto sobre do que podem ou não ver na tv.

71


Universidade da Amazônia

CAPÍTULO

3 A INSTITUICIONALIZAÇÃO DA ÉTICA E A SUPERAÇÃO DA VIOLÊNCIA ESCOLAR NAS ESCOLAS PESQUISADAS 3.1 A VOZ DOS SUJEITOS DA PESQUISA O estudo da violência escolar nas oficinas pedagógicas realizadas nesta pesquisa gerou uma gama de expectativa nos sujeitos, no que se refere à efetivação de ações afirmativas por parte da escola para minimizá-la. Esta expectativa teve dois aspectos: a) esperava-se uma ação propriamente dita, uma tomada de atitude por parte da escola; b) e, ao mesmo tempo, uma concordância e aceitação do processo como algo positivo, reunir, discutir, entender, buscar alguma saída. Os sujeitos têm a nítida percepção de que a escola tem grandes dificuldades em criar possibilidades para que tal prática possa ser resolvida ou minimizada, a partir de uma convivência democrática e ética. Ou seja: punições, sansões, autoritarismo não respondem mais como conduta para o enfrentamento da violência escolar. Ademais, é evidente, também, que, para os sujeitos da pesquisa, o combate às manifestações de violência escolar não se resume somente à escola, já que estas são produzidas por fatores sociais mais amplos, tornando-se necessário que a família, sociedade, Estado em trabalhos coletivos e compartilhados desenvolvam um conjunto de ações, tendo em vista o alcance de tal objetivo. Vários têm sido as sugestões apresentadas pela sociedade para enfrentar a violência escolar. Silva (2004) sublinha as seguintes sugestões: 1234-

substituir a cultura da culpa pela da responsabilidade; oferecimento de condições para a conscientização de todos os envolvidos; deixar de ver o aluno indisciplinado e violento como problema; oferecer orientação pedagógica, psicopedagógica e psicológica;

72


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

5- ter a dignidade do ser humano como parâmetro educativo; 6- articular os conteúdos tradicionais à vida; 7- substituir o uso de punições expiatórias (aquelas em que a qualidade do castigo é estranha à da infração cometida) pelas sanções por reciprocidade (as que primam em privilegiar tal relação); 8- abolir qualquer forma de humilhação; 9- priorizar valores morais e éticos; Importa destacar que, para este autor, o uso de punições não só é recomendável como tem um caráter pedagógico. Para ele, a punição é uma forma de estabelecer limites às pessoas envolvidas no conflito e servir de exemplo para aqueles que intencionam adentrar por atos de violência. Recorda Silva (op. cit.) que muitos pais e educadores baniram da educação das crianças e jovens a noção de limites, como se ela fosse nociva a uma vida democrática em sociedade. Impor limites, para este autor, significa preservar a harmonia, a disciplina, a ordem dos filhos e alunos. Sem a construção de limites – pela ausência da imposição deles por parte de pais e educadores e pela defesa do puro deixar fazer -, ter-se-á crianças e adolescentes completamente perdidos (sem saber o que lhes pertence e o que lhe é alheio, tanto material quanto psicologicamente) e, por isso, transgressores de regras sociais (SILVA, 2004, p.45).

Esta é uma conduta ainda muito polêmica no interior das escolas e das famílias que está associada a um dado juízo moral do que é permitido ou proibido fazer em relação a alguma coisa. Daí a necessidade de impor limites, freios - as pessoas. É a moral estabelecida pela sociedade que regula a vida em sociedade. O referido autor, baseado em estudos Piagetianos, defende a idéia de que a moral – entendida como conjunto de regras e de valores que têm por finalidade garantir a convivência humana e alguma forma de felicidade – se desenvolve quantitativa e qualitativamente, passando por algumas fases: anomia, heteronomia e autonomia, assim como o desenvolvimento cognitivo.

73


Universidade da Amazônia

Anomia

Heteronomia

Autonomia

Vai do nascimento até apro- Compreende a idade de seis Desenvolve-se a ximadamente a idade de a nove, dez anos, em média. partir de nove ou cinco a seis anos. dez anos de idade. Nesta etapa, as crianças não submetem seus comportamentos à forma de pensar e às regras coletivas, mas visam, essencialmente, à satisfação motora e simbólica.

Os indivíduos mostram-se, pela primeira vez, interessados em participar de atividades coletivas permeadas de regras.

Respeita e cumpre as regras como tem consciência da contradição, caso elas não sejam cumpridas, tal como foram apregoadas.

Apresentam um acentuado interesse pela repetição de ações, cuja prática será fundamental para o desenvolvimento moral posterior, pois as regras pressupõem justamente regularidades.

As regras são concebidas como imutáveis e independentes. A participação das crianças se processa de modo egocêntrico. A relação estabelecida com outras crianças é muito mais aparente do que concreta. A criança tem grandes dificuldades para se colocar no lugar do outro.

Não concebem mais as regras como imutáveis e independentes da vontade para serem concretizadas. As regras são vistas como produtos de acordos mútuos e os seu criadores, como legisladores.

O conhecimento e o respeito pelas regras só ocorrem no discurso e sua incorporação é decorrente de sentimentos de amor e ódio em relação aos pais.

74


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

A partir destas considerações, conclui Silva (op. cit.) que, se o juízo moral também se desenvolve, a violência pode estar relacionada: • •

ao fato de muitas escolas terem limites morais insuficientemente desenvolvidos ao fato de os indivíduos não terem os valores morais públicos suficientemente desenvolvidos ou que não os têm como centrais em sua personalidade.

Para o autor, estas constatações são baseadas nos seguintes argumentos: Se a moral é um conjunto de regras e valores que têm por finalidade regular as relações entre as pessoas, numa determinada realidade social, então ela é absolutamente necessária para se garantir a convivência. Sem ela, todos estariam condenados ao desaparecimento, já que, constantemente, um interferiria no espaço do outro, sem sofrer qualquer tipo de punição, além de ser inconsciente desta invasão, pois lhe faltaria exatamente a condição de ser moral para isto (SILVA, 2004, p. 196).

Silva (op. cit.) sublinha que a moral é vista atualmente, pela maioria dos jovens, como algo terrível e contra vida. Observa que os valores da glória (beleza, status social e financeiro e força física) são igualmente valorizados pelos professores em detrimento dos valores morais e éticos, estes ocupando cada vez mais posição periférica na sociedade. Na perspectiva dos sujeitos da pesquisa, o combate à violência escolar pode ser efetivado a partir das seguintes sugestões: • • • • • • • • • • • •

Responsabilizar os autores dos atos agressivos enturmar os alunos por idades não deixar turmas sem aulas na ausência do professor, colocar substitutos em seu lugar oferecer a merenda escolar de forma disciplinada realizar reuniões com a comunidade escolar de maneira sistemática melhorar a água, os banheiros e a higiene ter esportes em cada escola o professor explicar mais as matérias ter em cada escola bastante policiamento separar as crianças repetentes que, geralmente, são bem maiores que as outras que as professoras conversem e tenham mais paciência com os alunos.

75


Universidade da Amazônia

3.2 PROJETOS SOCIAIS DA SEDUC/PA PARA O COMBATE A VIOLÊNCIA ESCOLAR Importa registrar que as sugestões apresentadas pelos sujeitos desta pesquisa estão relacionadas de forma preponderante a questões de: punição (faz-se necessário punir e castigar o responsável pelo ato de violência); ocupação (manter os alunos ocupados, portanto, controlados, evitaria o começo de práticas de violências); disciplina (impor limites por meio da instauração da ordem); vigilância (policiamento/supervisão). Poucas foram as sugestões de caráter pedagógico, talvez porque, para grande maioria dos sujeitos, esta dimensão pouco pode contribuir para minimizar a violência instalada nas escolas pesquisadas. O caráter pedagógico foi tão silenciado pelos respectivos sujeitos que os mesmos relataram desconhecer os projetos que a SEDUC/PA realiza para o combate da violência nas escolas e em seus entornos. Neste contexto de sugestões para minimizar o quadro da violência escolar, importa destacar os vários projetos sociais de combate à violência escolar que a Secretaria de Estado de Educação do Pará vem desenvolvendo. Entre os mais representativos, destacamos2:

1 – BIBLIOTECA ESCOLAR Objetivo: Implementar atividades de promoção da leitura nas escolas estaduais..

2 – CONCERTOS DIDÁTICOS 2

Informações retiradas da home-page da SEDUC: www.http/seduc.pa. gov.br, em 13 de abril de 2007.

76


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

O projeto “Waldemar Henrique: Série Concertos Didáticos” é desenvolvido pela Secretaria Executiva de Educação em parceria com a Fundação Carlos Gomes, Secretaria Executiva de Cultura e Theatro da Paz. O projeto é realizado no Theatro da Paz, onde os alunos assistem a apresentações culturais. O Projeto é desenvolvido desde 1988 e consta da realização de dois concertos mensais no Theatro da Paz, atendendo a clientela oriunda da rede pública estadual de ensino. O objetivo é oferecer aos estudantes conhecimentos nos gêneros musicais erudito e popular.

3 – ESCOLA SOLIDÁRIA Idealizado pelo Faça Parte – Instituto Brasil Voluntário, o Programa Jovem Voluntário Escola Solidária tem como ideal disseminar e consolidar a cultura das ações voluntárias, incentivando os jovens a desenvolver projetos de voluntariado educativo, integrando sua escola à comunidade. O programa tem por finalidade promover o voluntariado jovem, de forma integrada aos objetivos pedagógicos mais amplos da escola.

4 – ESTAÇÃO LEITURA

77


Universidade da Amazônia

O projeto Estação Leitura consiste em promover nas escolas programações culturais, como exposições, danças, apresentações teatrais e outras que incentivem o gosto pela leitura.

5 - GALERA APRENDIZ Dar oportunidade aos estudantes de ter contato com as práticas e comportamentos profissionais dentro da própria escola. Esse é um dos principais objetivos do projeto “Galera Aprendiz”, que oferece estágio aos alunos do 2º ano do ensino médio, nas escolas públicas.

6 – JEPIARA O Jepiara, que na língua Tupi Guarani significa ‘defesa’, é um projeto de prevenção, atendimento e repressão à violência sexual praticada contra crianças e adolescentes. O objetivo é implementar políticas educacionais de enfrentamento à violência sexual contra a criança e o adolescente, através da identificação de sinais dessa prática, no ambiente escolar.

7 – JOVENS EMBAIXADORES

78


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

O programa é voltado para jovens da rede pública de ensino, que tenham perfil de liderança e consciência de cidadania e não visa a apenas a dar aos jovens a chance de viajar para os Estados Unidos da América (EUA), ou aprimorar o inglês. A ideia é que os participantes transformem-se em embaixadores que vão fortalecer os vínculos de amizade, respeito e colaboração entre Estados Unidos e Brasil. Por meio deste intercâmbio, os Jovens Embaixadores vão adquirir ferramentas para continuar fazendo a diferença em suas comunidades, através de projetos sociais. O programa Jovens Embaixadores é uma iniciativa de responsabilidade social da Embaixada dos EUA, em parceria com mais de 50 instituições em todo o país, dentre elas a Secretaria Executiva de Educação do Estado do Pará. Entre os benefícios do programa para os participantes estão: o crescimento acadêmico, pessoal e profissional, através da troca de informações sobre história, cultura e sociedade entre os dois países, além da ampliação dos horizontes e promoção da autoestima. Os candidatos devem ter entre 15 e 18 anos (até a data da viagem); jamais ter viajado para o exterior; ter boa fluência oral e escrita em inglês; pertencer ao ensino médio na rede pública de ensino e à camada socioeconômica menos favorecida; ter bom desempenho escolar e iniciativa e boa desenvoltura oral; ser flexível e ter facilidade em adaptar-se a realidades culturais diferentes; possuir boa relação em casa, na escola e na comunidade e estar engajado em atividades de responsabilidade social e voluntariado.

8 – NAVEGANDO NO SABER

O projeto visa a proporcionar conhecimentos históricos e geográficos a estudantes e professores, através da visualização e observação dos rios, ilhas e pontos turísticos, ressaltando seu valor cultural, político, econômico e social, além das transformações ocorridas desde o início da colonização de Belém até os dias atuais. A meta é promover a participação de cinco mil integrantes das escolas estaduais, entre professores, técnicos, diretores e Conselho Escolar do ensino Fundamental e Médio.

79


Universidade da Amazônia

9 – OS PAIS VÃO À ESCOLA O projeto, lançado no ano de 2004, pela Secretaria Executiva de Educação, visa a abrir as escolas aos sábados e a desenvolver atividades de cunho educativo e cultural, envolvendo a comunidade escolar. O calendário das programações é proposto pelas próprias escolas. Durante os encontros são feitas considerações psicológicas acerca do papel da família na escola, sempre com o objetivo de integrá-las. Os pais, alunos e educadores também assistem às palestras e participam da recreação com a distribuição de lanches.

10 – PRÓ PAZ EDUCAÇÃO

Promover nas escolas da rede estadual de ensino a disseminação da Cultura de Paz. Esse é o objetivo do Programa Pró-Paz Educação, que tem como público alvo os jovens e adolescentes das escolas públicas estaduais. O projeto é realizado pelo Governo do Pará, através da Secretaria Executiva de Educação (Seduc) e do Departamento de Trânsito (Detran), além de diversos outros órgãos.

80


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

11 – REVISTOTECA Durante a Feira Pará Educar, a Secretaria Executiva de Educação assinou convênio de cooperações técnicas com a Associação Nacional de Editores de Revistas – ANER, que é uma entidade nacional, sem fins lucrativos, e representa as editoras de revistas periódicas de consumo, para implantar o Projeto “Jogue sua Revista na Escola”. A ANER, objetivando utilizar as revistas que, semanalmente, ficam retidas nas distribuidoras, propôs encaminhá-las às escolas públicas para serem aproveitadas nas atividades pedagógicas.

12 – RONDA ESCOLAR No final da década de 80, constatou-se um elevado índice de violência em algumas escolas da rede pública de ensino, que se manifestava de diversas formas, em decorrência de um conjunto de complexas causas. Nesse contexto, o clima de insegurança e medo imperava no ambiente escolar, dificultando enormemente o bom andamento das atividades escolares, pois professores, funcionários e alunos tinham receio em ser mais uma vítima da violência. A partir daí, a Polícia Militar, em parceria com a Secretaria Executiva de Educação, idealizou e implantou, em 20 de fevereiro de 1989, o Programa “SOS Escola” que, posteriormente, transformou-se na Cipoe (Companhia Independente de Policiamento Escolar). O Policiamento Ostensivo Escolar (policiais fixos nas escolas) e Ronda Escolar (policiamento motorizado) são as áreas que

81


Universidade da Amazônia

representam a atividade fim da Companhia e que concentram praticamente 90% do efetivo empregado em serviço policial militar. Existe ainda o desenvolvimento de trabalhos educacionais junto à comunidade, como palestras e seminários, que versam sobre temas como o uso de drogas.

13 – ÉTICA E CIDADANIA O projeto é uma iniciativa em que a comunidade escolar inicia, retoma ou aprofunda ações educativas que levem à formação ética e moral de todos os membros que atuam nas instituições escolares. Foi proposto pela Secretaria de Educação Infantil e Fundamental (SEIF), do Ministério da Educação (MEC), e realizado pela Secretaria Executiva de Educação do Estado do Pará (Seduc). O Projeto está voltado para a formação docente e para o fortalecimento de ações que dêem apoio ao protagonismo de alunos na construção da ética e da cidadania. Assim, o material foca formação de professores que se disponham a promover, em suas unidades escolares, a constituição de um fórum permanente de ética e cidadania, ancorados em quatro eixos: Ética, Convivência Democrática, Direitos Humanos e Inclusão Social. Os principais objetivos desses eixos são levar ao cotidiano das escolas reflexões sobre ética, gerando ações e discussões sobre os seus significados; promover a construção de relações interpessoais mais democráticas dentro da escola; trabalhar a temática dos direitos humanos visando a construção de valores socialmente desejáveis e; construir escolas inclusivas, abertas as diferenças e à igualdade de oportunidades para todas as pessoas.

14 - XADREZ NAS ESCOLAS

82


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

O projeto “Xadrez nas Escolas” é fruto de uma parceria entre a Secretaria Executiva de Educação (Seduc), Ministério da Educação e Cultura (MEC) e o Ministério do Esporte. O objetivo é estimular nas escolas a implantação de clubes de xadrez, como uma atividade complementar do projeto político-pedagógico desenvolvido nestas instituições. O xadrez é uma importante atividade para os alunos porque oferece um ambiente ímpar para o desenvolvimento da criatividade, sendo um meio de recreação e de formação de caráter dos jovens. Além de ser uma ótima atividade complementar. Ele estimula o espírito competitivo, de autoconfiança e estimula o desenvolvimento de habilidades cognitivas, como atenção, memória, concentração, raciocínio lógico, inteligência e imaginação, adequando os estudantes às exigências da educação moderna, possibilitando a cada aluno progredir, segundo seu próprio ritmo.

83


Universidade da Amazônia

C ONSIDERAÇÕES FINAIS

A

nalisar violência e ética na educação não é tarefa fácil. Questões como o que é ética? o que é ser ético? o que é moral? qual o papel da ética na educação? qual é a função da escola no processo de formação de valores? como a ética e a moral regem o comportamento das pessoas em sociedade e combatem a violência? nos motivam a compreender o homem na sua complexidade frente a uma nova forma de civilização, que se constrói neste início de século, balizada pelo neoliberalismo e pela globalização da economia e da cultura. A reflexão ética nos remete ao nosso agir em sociedade, como lidar com as regras e as normas morais, que nos são impostas dia a dia, em busca da tão sonhada harmonia social. Fala-se muito em ética e moral, criam-se leis, regras, normas e teorias que tentam explicar e controlar as ações humanas. Oliveira, (2003, p. 198) nos ajuda a compreender estas questões quando assinala que: As questões éticas estão presentes em nosso cotidiano social, envolvendo, nas relações pessoais e culturais entre indivíduos e grupos sociais, aspectos individuais e atitudinais (liberdade, consciência moral, responsabilidade) e culturais ou eticidade (valores, normas e outros). Nesse sentido, a ética como reflexão sobre a moral humana, com uma pretensão de universalidade, se depara com o problema das variações dos costumes e dos valores humanos.

Apesar de a ética ter um caráter universal, ela se depara com certas peculiaridades acerca da moral na medida em que se depara com problemas de variações na construção de costumes e valores humanos, que são singulares a cada indivíduo e a sociedade a qual está inserido. Sabemos que tanto a ética quanto a moral são princípios que fazem parte da existência humana, uma vez que a formação de valores é

84


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

determinante para o convívio social. Cortina (2003) nos mostra que a moral pertence ao cotidiano dos indivíduos em sociedade e a ética é um saber filosófico que diz respeito às reflexões sobre as condutas humanas. A autora (2003, p.14) nos aponta ainda os significados das palavras ética e moral: A verdade é que as palavras “ética” e “moral”, em suas respectivas origens grega (ethos) e latina (mos), significam praticamente a mesma coisa: caráter, costumes. Ambas as expressões se referem, no final das contas, a um tipo de conhecimento que nos orienta no sentido da formação de um caráter, que nos permite enfrentar a vida de maneira compatível com nossa humanidade, que nos permita, em suma, ser justos e felizes.

Por isso, se faz necessário sabermos a distinção entre as palavras ética e moral. Assim, ética nos remete a ethos, que significa costume, caráter, marca. É o que nos mostra Zenaide (2003, p. 20): A ética trata, portanto, do comportamento do homem, da relação entre sua vontade e a obrigação de seguir uma norma, do que é o bem e de onde vem o mal, do que é certo e errado, da liberdade e da necessidade de respeitar o próximo. A ética revela que nossas ações têm efeitos na sociedade, que cada homem deve ser livre e responsável por suas atitudes. A responsabilidade se constitui como um elemento fundamental da vida ética do indivíduo.

Por isso, a ética é singular a cada pessoa e está situada ao que é certo ou errado (moral). O como deve-se agir diante de uma dada situação perante a sociedade é que vai determinar nossa atitude ética, visto que o agir humano desenvolvido com responsabilidade é o primeiro passo para o comportamento ético em sociedade. A ética é uma teoria acerca do comportamento moral dos homens em sociedade, ou seja, ela trata dos fundamentos e da natureza das nossas atitudes normativas. Compreender a relação entre vontade e obrigação constitui-se, portanto, como uma tarefa eminente da ética. Refletir sobre a liberdade de decidir e a obrigação de seguir o que nos é imposto pelos ordenamentos sociais é também uma de suas funções precípuas. Eis por que cabe à ética a tarefa de definir os contornos e as dificuldades que envolvem a relação entre direitos e deveres (ZENAIDE, 2003, p. 21-22).

85


Universidade da Amazônia

Ao levarmos em consideração o que diz a autora, a ética pode ser entendida para regular as ações humanas e controlar o uso da razão. Já a moral é definida como o [...] conjunto de regras, princípios e valores que determinam a conduta do indivíduo, teria sua origem nas virtudes ou ainda na obrigação de o sujeito seguir as normas que disciplinam o seu comportamento (ZENAIDE, 2003, p. 2). Assim, cada sociedade tem suas regras e valores a seguir fazendo com que estes regulem o comportamento dos indivíduos que a constituem, tornando-se aptos para o convívio social. Zenaide (2003, p. 22) nos mostra que: A obrigação moral supõe a liberdade de escolha e, ao mesmo tempo, a limitação dessa liberdade. Nesse sentido, o desenvolvimento moral de uma sociedade, bem como o dos indivíduos particulares, depende não apenas da vontade objetiva social (interesse coletivo), mas também da vontade subjetiva individual.

De acordo com a autora, o progresso de civilização não poderia ser alcançado sem o cumprimento dos valores de liberdade, responsabilidade, justiça, solidariedade, respeito e entendimento mútuo, em defesa da natureza e das gerações futuras, uma vez que “a ética é a condição de existência de tais valores. Tais valores são a condição de possibilidades da cidadania” (ZENAIDE, 2003, p. 22). O fato de que os seres humanos são capazes de concordar minimamente entre si sobre princípios como justiça, igualdade de direitos, dignidade da pessoa humana, cidadania plena, solidariedade, etc., cria chances para que esses princípios possam vir a ser postos em prática, mas não garante o seu cumprimento [...] É preciso que cada cidadão e cidadã incorpore esses princípios como uma atitude prática diante da vida cotidiana, de modo a pautar por eles o seu comportamento (OLIVEIRA apud CASALI, 2003, p. 198).

Nota-se que, segundo a autora, o fazer ético ainda encontra-se muito em teorias, necessitando assim que os indivíduos absorvam mais este princípio e coloquem em prática por meio das relações construídas e estabelecidas com outras pessoas em sociedade. Por outro lado, falar de ética na educação é falar das relações humanas presentes no interior da escola que envolve todos os membros desta instituição, assim como a comunidade ao seu entorno. E para isso, incorporar a questão da ética no currículo escolar é de fundamental importância para se compreender as mudanças (ou não) na dinâmica social.

86


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS), em seu documento Temas Transversais vêm ao encontro desta perspectiva. Tal documento afirma que os temas transversais deverão ser trabalhados de acordo com a realidade de cada localidade, favorecendo, assim, a descoberta e o incentivo das raízes culturais de cada região. O Ministério da Educação – MEC – nos apresenta os PCNS, com objetivo de alcançar e fortalecer a formação do cidadão, tornando-se um instrumento de referência para os profissionais da área de educação, visto que ele se propõe a discutir várias temáticas sociais que estão presentes no cotidiano das pessoas e que deverão fazer parte do currículo de forma transversal dos conteúdos de cada disciplina. Os PCNS objetivam dar subsídios teóricos à escola, para que possa favorecer um ensino de qualidade. Para os PCNS, a escola deve trabalhar os valores morais de maneira reflexiva e não impostos, onde os alunos têm a oportunidade de dialogar e exteriorizar suas ações e emoções acerca de determinada situação ao qual está vivenciando. O volume 8 dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997, p.22), que apresenta a ética como tema central, sublinha que: “parte-se do pressuposto que é preciso possuir critérios, valores, e, mais ainda, estabelecer relações e hierarquias entre valores para nortear as ações em sociedade”. A educação tem a tarefa de transmitir os valores que são sustentados pelo ethos de cada sociedade. A escola, como instituição educativa e aparelho ideológico do Estado, tem o papel específico de se encarregar dessa transmissão, como também transgredi-la. Quando a escola transmite, ela também modifica condutas e valores que foram construídos socialmente, e dessa forma, acaba transformando a cultura desses indivíduos. Rios (2005, p.38) analisa que o processo educativo tem sido reconhecido “como um conjunto de práticas que, ao mesmo tempo, mantêm e transformam a estrutura social [...]. Com isso, passamos a nos acostumar com a reprodução do ato educativo e assim, acabamos ficando presos a aparência, passando a ver a “escola, [...], como ora mantendo, ora transformando”. Tornando-se contraditória, pois “ [...] ela mantém e transforma ao mesmo tempo. A escola intervém nos rumos da sociedade e é também continuamente influenciada pelo que ocorre fora do seu âmbito, na sociedade global.” Sendo assim, ao mesmo tempo em que a escola mantém certas regras e normas que lhes são impostas pela sociedade, ela também apresenta um pensar crítico e transformador acerca da realidade. A escola exerce uma função importante para o desenvolvimento do ser humano, visto que ela “deve ser um lugar onde cada aluno encontra a

87


Universidade da Amazônia

possibilidade de se instrumentalizar para a realização de seus projetos; por isso, a qualidade do ensino é condição necessária à formação moral de seus alunos” (PCNS, p. 55). Discutir ética na educação se faz necessário, sendo que é preciso possuir valores que são construídos por meio das relações e que são fundamentais na constituição dos papéis sociais. Os papéis sociais são definidos levando-se em consideração as instituições onde se desenvolve a prática dos sujeitos. O educador desenvolve sua prática no espaço da instituição que é a escola. Enquanto instituição social, é tarefa da escola a transmissão/ criação sistematizada da cultura, entendida como o resultado da intervenção dos homens na realidade, transformando-a e transformando a si mesmos (RIOS, 2005, p.45).

A ética na educação assume um papel extremamente respeitável para o convívio social, pois, a partir do pensar, do refletir e do construir é que o ser humano vai ser capaz de agir eticamente em sociedade. Desta forma, a partir do exposto, concluímos que, para os sujeitos da pesquisa: – a violência escolar origina-se dos problemas socioeconômicos enfrentados pelas famílias. De certo que, por um lado, esta afirmativa não deixa de ser verdade, pois, se as crianças não encontram uma sociabilidade positiva em seu núcleo familiar, serão prejudicadas em seu processo formativo, levando para a escola as marcas da exclusão. Por outro lado, este tipo de compreensão pode retirar da escola a responsabilidade de lidar com esta manifestação em seu cotidiano uma vez que tal origem “não é problema dela”. A violência não tem origem em uma dada manifestação. Ela se apresenta de diferentes formas, como resultado de um conjunto de condicionantes sociais, econômicos, culturais, psicológicos, entre outros. – concebem a violência escolar como ato físico sem visualizar a violência simbólica/moral. No cotidiano escolar, o que aparece é o mais imediato: o físico é o que agride mais. As demais violências presentes também nem sempre são percebidas, até porque a escola é um dos mais eficazes agentes desta violência simbólica, que reforça e se soma as formas de violência já trazidas das famílias. Estas práticas de violência não se excluem, ao contrário, se somam, se articulam, se autoimplicam, formando uma sólida base

88


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

para institucionalização de uma ética da violência, de moral da sobrevivência, de um cotidiano de existência. – a escola não está preparada para trabalhar a violência escolar e a ética em seu currículo. É importante resgatar a responsabilidade do Estado na definição de políticas públicas que combatam/minimizam a violência presente na sociedade. Especula-se se o Estado está preparado para confrontar tal questão, pois, se a ética é uma construção humana, o desafio é permanente. – a escola espera medidas das instituições não governamentais e dos poderes públicos para mobilizar-se em torno de ações que minimizem a violência escolar. Ao que tudo indica, a autonomia dos sujeitos e da escola ficou secundarizada neste processo de mudança do quadro de violência, em muitos sentidos, frente a este quadro, a escola não sabe o que fazer. Diante do exposto, recomenda-se que as escolas pesquisadas precisam investir em ações pedagógicas e relacionais; manter sempre um diálogo aberto com as famílias e a sociedade; estabelecer parcerias; envolver os diversos segmentos da comunidade na tentativa de criar uma cultura de respeito ao patrimônio público, às relações pessoais, à cidadania, cujos desdobramentos possam culminar com uma convivência mais ética nas escolas e na sociedade. Como vimos, com a globalização e o avanço da tecnologia, o homem vem sofrendo com as mudanças advindas da sociedade, em que a exclusão é apenas um dos reflexos dessas variações e a escola, apesar de se preocupar com a manutenção das regras e normas que são estabelecidas socialmente, também é capaz de ser transformadora na medida em que pretende formar ser crítico e questionador da realidade social. É preciso, portanto, ter claro que não existem normas acabadas, regras definitivamente consagradas. A ética é um eterno pensar, refletir, construir. E a escola deve educar seus alunos para que possam tomar parte nessa construção, serem livres e autônomos para pensarem e julgarem (PCNS, 1997, p. 72).

A ética e a moral, enquanto princípios básicos para a existência humana e como formas simbólicas de combate a violência, se fazem necessárias a partir do momento em que o processo educativo começa a se preocupar com o pensar e agir de seus alunos acerca da violência escolar, pois nossas atitudes são determinantes para sermos bem aceitos ou não em sociedade. A escola exerce um papel fundamental nesse processo, uma vez que ela prepara os seus alunos também para serem aceitos socialmente, visando à constituição das relações ético-humanas para a paz social.

89


Universidade da Amazônia

REFERÊNCIAS ABRAMOYVAY et al. Violências nas escolas. Brasília: UNESCO, 2002. ADORNO, Sérgio. Estado e sociedade. UNB, 1986. _______. Dossiê Violência. In: Revista Ciência e Cultura, (SBPC), ano 54, n.1, jul/set, 2002. AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: O poder soberano e a vida nua. Belo horizonte: Ed. UFMG, 2002. ALVES, Giovane. Nova ofensiva do capital, crise do sindicalismo e as perspectivas do trabalho – o Brasil nos anos noventa. In: TEIXEIRA, Francisco e OLIVEIRA, Manfredo. (Org.). Neoliberalismo e reestruturação produtiva. [S.l: s.n, s.d.]. ANDRE, Marli D. A. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 2001. APPIAH, Kwame Anthony. Cultura, comunidade e cidadania. In: HELLER, Agnes et al. A crise dos paradigmas em ciências sociais e os desafios para o século XXI. Rio de Janeiro:Contraponto, 1999. APPLE, M. W. Ideologia e currículo. Trad. Carlos Eduardo F. Carvalho. São Paulo: Brasiliense, 1982. _______. Educação e Poder. Trad. Maria Cristina Monteiro. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. AQUINO, Julio Groppa. Do cotidiano escolar: ensaios sobre a ética e seus avessos. São Paulo: Summus, 2000. ARAÚJO, Ulisses F. Os direitos humanos na sala de aula: a ética como tema transversal. São Paulo: Moderna, 2001. ASSMANN, Hugo. Paradigmas educacionais e corporeidade. Piracicaba-SP: Unimep, 1995. ______. Metáforas novas para reencantar a educação: epistemologia e didática. Piracicaba-SP, Ed. Unimep, 1996. _______. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis– RJ: Vozes, 1998. BARDAN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1997. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Hemus, 1995. BERLINGUER, Giovanni. Ética da saúde. São Paulo: Hucitec, 1996. BERMAN, M. Aventuras no marxismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. BIANCHETTI, L. e MACHADO, A . M. N. (Orgs.). A bússola do escrever: desafios e estratégias na orientação de teses e dissertações. Florianópolis / São Paulo: Editora da UFSC/Cortez, 2002.

90


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. São Paulo: Campus, 1997. BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano-compaixão pela terra. Petrópolis – RJ: Vozes, 1999. BOSI, Alfredo (Org.). Cultura brasileira. São Paulo: Ática, 1987. ______. Dialética da colonização. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. BRASIL/SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais/Secretaria de Educação Fundamental. v.1 – Introdução. Brasília: MEC/SEF, 1997. ______.A apresentação dos temas transversais e ética. Brasília: MEC/SEF, 1997. v. 8. CAPAROLI, Renato. Ética e educação. Rio de Janeiro: Gryphus, 1999. CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 1994. ______. Filosofia. In: A existência ética.1. ed. São Paulo: Ática, 2002. CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. São Paulo: Cortez, 1991. ______. Pesquisa e sala de aula. Ciência e Cultura (SBPC). São Paulo, 42(11), p.894-900, nov, 1990. CORAZZA, Sandra. O que quer um currículo: pesquisas pós-críticas em educação. Petrópolis: Vozes, 2001. COSTA, Jurandir Freire. A ética e o espelho da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília-DF, MEC, UNESCO, 2000. DERDYK, Edith. Formas de pensar o desenho. São Paulo: Editora Scipione, 1989. (Série Pensamento e Ação no Magistério). DOMINGUES, José Luiz. O cotidiano das escolas de 1ºGrau: o sonho e a realidade. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1985. FAUNDEZ, A. O poder da participação. São Paulo: Cortez, 1993. FAZENDA, Ivani Catarina A. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 2. ed. Campinas: Papirus, 1995. FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo: Cortez, 1995.

91


Universidade da Amazônia

FOURQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. FREIRE, P. & SHOR, I. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. São Paulo: Paz e Terra, 1987. GADOTTI, Moacir. Pedagogia da terra. São Paulo: Petrópolis, 2000. GENTILI, Pablo. A falsificação do consenso. Petrópolis: Vozes, 1998. GIROUX, Henry. Teoria crítica e resistência em educação: para além das teorias de reprodução. Petrópolis:Vozes, 1986. ______. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. GONSALVES, Elisa P.; PEREIRA, Ma. Zuleide; CARVALHO, Ma. Eulina. Currículo e contemporaneidade: questões emergentes. Campinas/SP: Alínea, 2004. GRINSPUN, Mirian Paura Sabrosa Zippin (Org.) Educação tecnológica. São Paulo, Cortez, 1999. GUIMARÃES, Áurea M. A dinâmica da violência escolar-conflito e ambiguidade. São Paulo: Editora Autores Associados, 1996. HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. São Paulo: Paz e Terra, 1972. ______. Sociologia de la vida cotidiana. 2.ed. Barcelona: Ediciones Península, 1987. HELL, Victor. A idéia de cultura. São Paulo: Martins Fontes, 1989. HOEBEL, E. A. Antropologia cultural e social. São Paulo: Hucitec, 1994. JORGE, Leila. Inovação curricular: além da mudança dos conteúdos. Piracicaba/SP, UNIMEP, 1993. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 1986. LE GOFF, J. Por amor às cidades: conversações com Jean Lebrun. São Paulo: Editora da UNESP, 1988. LEVI-STRAUSS, Claude. Raça e história.Trad. Inácia Canelas. Lisboa: Presença, 1983 MAFFESOLI, M. La connaissance ordinaire. Précis de sociologie comprehensive. Paris: Librairie des Méridiens, 1985. MAUÉS, Josenilda Maria. Espelho líquido: a vida cotidiana de uma escola ribeirinha no Estado do Pará. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1993. MAUÉS, R. H. Uma outra “invenção” da Amazônia. Belém: Cejup, 1999. MINAYO, Maria C. de Souza (Org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 1998.

92


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

MORAIS, Regis de. Cultura brasileira e educação. Campinas: Papirus, 1989. MOREIRA, Antônio Flavio Barbosa. Currículos e programas no Brasil. Campinas: Papirus, 1990. OESSELMANN, Dirk Jürgen. Pensando ética e moral no mundo atual: a importância de sujeitos críticos e autônomos. In: Rev. Trilhas, v. 3, n.1, Belém: UNAMA, 2002. OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de. Filosofia da educação: reflexões e debates. Belém: UNAMA, 2003. PAIXÃO, Carlos Jorge. Cultura vivida e escolarização. In: Rev. Trilhas, v. 2, n.1, Belém: UNAMA, 2001. ______. A cultura vivida e o currículo de 1º grau na EMPG San Martin. 1991. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1993. ______. Alquimia do cotidiano. São Paulo: Arlequinal, 1995. PEQUENO, Marconi J. Pimentel. Ética e Cidadania. In: ZENAIDE, Maria de Nazaré (Org). Ética e cidadania nas escolas. João Pessoa: Editora Universitária, 2003. PIAGET, Jean. O juízo moral na criança. Trad. Elzon Lenardon. São Paulo: Summus, 1994. ______. A formação dos símbolos na Infância. PUF, 1948. PILLAR, Analice Dutra. Desenho e escrita como sistema de representação. Porto Alegre: Artes Médicinas,1996 ______. Desenho e construção de conhecimento na criança. Porto Alegre:Artes Médicas,1996. PINHEIRO, P. S. Primeiro Relatório de Direitos Humanos. São Paulo: USP/NEV, 1999. PIRES, Cecília. A violência no Brasil. São Paulo: Ed. Moderna, 1995. RIBEIRO, D. Os brasileiros: teorias do Brasil. Rio de janeiro, 1985. RIOS, Terezinha A. Ética e utopia. In: O humano, lugar do sagrado. São Paulo: Ed. Olho D’Água, 1995. ROSSEAU, J.J. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983. SACRISTAN, J. Gimeno. O currículo uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. SARMENTO, Helder Boska de Moraes. Ética: desafios, fronteiras e trilhas. In: Rev. Trilhas, v. 3, n.1, Belém: UNAMA, 2002.

93


Universidade da Amazônia

______. Estudos de Política e Teoria Social: Ética e Direitos Humanos. In: Da Ética à Bioética, n. 11, Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ); Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGESS), 2004. ______ Bioética, Direitos Sociais e Serviço Social. In: Ética e bioética. Belém: UNAMA, 2005. SAWAIA, Bader B. A falsa cisão retalhadora do homem. In: MARTINELLI, Ma. Lúcia Rodrigues e MUCHAIL, Salma Tamus. O uno e o múltiplo nas relações entre as áreas do saber. São Paulo: Cortez, 1995. SILVA JUNIOR, Celestino Alves. A escola como local de trabalho. 2. Ed. São Paulo: 1993. SILVA, Luiz Heron. e AZEVEDO, J. C. (Orgs.). Reestruturação curricular: teoria e prática no cotidiano da escola. Petrópolis/SP: Vozes, 1995. SILVA, Nelson Pedro. Ética, indisciplina e violência nas escolas. Petrópolis, Rj: Vozes, 2004. SINCLAIR, I. & COULTARD, D. Towards an analisys of discourse: the english used by teachers and pupils. Londres: Oxford University Press, 1975. SIROTA, R. L’école primaire au quotidien. Paris: PUF, 1980. SPOSITO, Marília Pontes. Um breve balanço da pesquisa sobre violência escolar no Brasil. In: Revista Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27, n. 1, jan/jul, 2001. STUBBS, M. & DELAMONT, S (Orgs.). Explorations in class-room observation. Londres: Willey, 1976. THOMAZ, Sueli B. Violência na escola: ética, poder e cidadania. In: Rev. Trilhas, v. 3, n.1, Belém: UNAMA, 2002. VÁZQUES, Adolfo Sanches. Ética. Rio de Janeiro-RJ: Civilização Brasileira, 1978. VELHO, Gilberto. Individualismo e Cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea, Rio de Janeiro: Zahar, 1987. ______. Cidadania e violência. Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 1996. WILLIS, Paul. Aprendendo a ser Trabalhador: escola, resistência e reprodução Social. Porto Alegre:Artes Médicas, 1989. WILLIAMS, R. Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1992. ZENAIDE, Maria de Nazaré Tavares (Org.). Ética e cidadania nas escolas. João Pessoa: Editora Universitária, 2003.

94


VIOLÊNCIA E ÉTICA NO COTIDIANO DAS ESCOLAS

SOBRE OS AUTORES

HÉLDER BOSKA DE MORAES SARMENTO: é graduado, mestre e doutor em Serviço Social. Atuou como assistente social por vários anos na área da assistência social pública e recentemente na saúde pública. Foi docente da Unama de 1987 a 2006 tendo participado de vários cargos na gestão acadêmica. Atualmente está afastado da Universidade Federal do Pará-UFPA, trabalhando na Universidade Federal de Santa Catarina UFSC, como docente da graduação e pós-graduação, e pesquisador nas áreas de formação e exercício profissional; ética e bioética. hboska@yahoo.com.br CARLOS JORGE PAIXÃO: Graduou-se em Pedagogia pelas Faculdades Integradas Colégio Moderno FICOM (PA); Especialista em: Planejamento e Avaliação Educacional, Metodologia do Ensino Superior (FICOM; CAPES / SESU); Mestre em Educação: Supervisão e Currículo (PUC SP); Doutor em Educação pela UNESP; Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Desenvolvimento, Docente / Pesquisador do Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano e do Curso de Pedagogia da UNAMA. carlosjpaixao@hotmail.com CELY DO SOCORRO COSTA NUNES: formou-se como professora primária pelo Instituto Estadual de Educação do Pará; é mestre e doutora em Educação pela UNICAMP. Foi professora adjunta da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e titular da Universidade da Amazônia (UNAMA). Ex pofessora do Curso de Mestrado em Educação da UEPA. Atualmente vincula-se como professora pesquisadora da UIDCE da Universidade de Lisboa. Desenvolve pesquisas e trabalhos no campo da formação de professores e avaliação educacional. cely@uepa.br 95


Universidade da Amaz么nia

96


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.