ALL ABOUT MISS DAVIS
Uma infância complicada regada à inúmeros problemas da família, ataques de nervos e muitos divórcios transformaram - na em uma mulher forte e intensa, de reputação perfeccionista e muito combativa. Famosa por suas personagens antipáticas, ela atravessa décadas sendo lembrada como a carrasca do cinema nos anos 50, e mesmo assim, deixando saudades em muitos. Conheça a história da inesquecível estrela do cinema, Bette Davis.
Bette Davis e a fama: Ela não fez do modo mais fácil
Bette Davis em cartaz de divulgação de “Now, Voyager (“ (1942)
B
ette Davis nasceu em cinco de abril de 1908 na pequena Lowell, uma cidade no estado americano de Massachusets. O apelido “Bette” - que mais tarde viria a tornar-se seu nome artístico – lhe foi dado logo após a cerimônia de batismo, onde lhe nomearam Ruth Elizabeth Davis. Ela e a irmã Bárbara (“Bobby”) foram desdenhadas pelo pai desde o nascimento, fato que talvez tenha feito com que sua mãe, Ruthie Favor, se esforçasse ao máximo para ser uma boa mãe; inclusive, para proteger as filhas, pediu divórcio ao marido, o que era bastante incomum naquela época. Bette tinha apenas dez anos, e não se deixou abater pelas dificuldades emocionais e, principalmente, financeiras. Começou desde muito cedo a trabalhar para pagar seus estudos, sempre em excelentes e renomadas escolas. Era muito popular e ótima aluna. Teve certeza que queria ser atriz ao assistir uma peça de teatro que contava história semelhante com a sua vida, onde uma menina era rejeitada pela família. Ela então decide ir à Nova York para tornar-se atriz, e levou um “não” logo na primeira tentativa. Por insistência da mãe, continua buscando e consegue ingressar em uma conceituada escola de atuação, aos 20 anos. Lá, conseguiu seu primeiro emprego como atriz, por duas temporadas. Depois disso, quando era recepcionista do teatro, substituiu uma atriz doente. Era unânime entre os colegas de Bette a opinião de que ela tinha um grande talento que poderia roubar o lugar de consagrados atores. Além disso, ela era muito focada e trabalhava duro para alcançar o que almejava. Não
gostava de relacionamentos amorosos entre colegas – o que é bastante comum no teatro, usado principalmente como um método de ascensão - e por essa razão, ganhou fama de antipática e foi demitida de vários teatros onde trabalhou. Recebeu seu primeiro papel importante para o teatro pouco tempo depois, para o cinema foi um pulo. Foi à Hollywood para trabalhar na Universal Pictures, em 1930, acompanhada da mãe. Suas primeiras impressões de Los Angeles foram as piores possíveis: detestou desde o clima até algumas obrigações profissionais. Logo no seu primeiro filme, “Bad Sisters” – um fracasso - contracenou com um colega que desprezou desde o primeiro instante. Segundo ela, era um grosseiro, e bêbado. A atriz também detestava o dono do estúdio. Ele a criticava a todo instante, sobretudo dizendo-lhe que era feia e lhe faltava sensualidade. Por este motivo, foi sendo deixada de lado até que foi contratada pela Warner um ano depois e encontrou o sucesso. Em 1932, gravou cinco filmes, alavancando bastante rápido sua carreira.
Bette Davis era bastante conhecida por ser franca demais. Era grosseira com jornalistas que a importunavam.
Apesar de gostar do sucesso e da fama, eles nunca foram bondosos com Bette. Ela adquiriu muitos problemas de saúde pelo stress da carreira, do casamento e dos familiares. Com a fama, tornou-se uma mulher desequilibrada e caprichosa. Bette entrou em pé de guerra também com os diretores da Warner, diretores dos filmes nos quais ela trabalhava, colegas de set e recusava vários papéis que dizia serem indignos. Mesmo assim, era uma venerada atriz de Hollywood. Em 1935, recebe o primeiro Oscar por sua atuação em “Dangerous”. Nas filmagens de “Jezebel” (1938), mais stress. Houve muita discussão entre os atores. Bette, conhecendo-se, aprendeu a colocar seu
À esq: Bette Davis em cena no filme “All about Eve” (1950). Ao seu lado estão Marilyn Monroe e George Sanders.
gênio difícil a favor de sua carreira, usando toda a energia de suas crises nervosas em sua atuação; e ainda assim, era difícil para ela não entrar em colapso nervoso. Ao fim das filmagens, deixou de atuar temporariamente por ordens médicas. Bette foi presidente temporária da Academia de Artes e Ciências. Foi por ordem dela que a Academia não realizou a cerimônia anual de entrega do Oscar durante a II Guerra Mundial. Depois de “Now, Voyager” (1942), onde Bette custosamente conseguiu ganhar o papel de Charlotte Valle, seu salário era de quatro mil dólares por semana. A boa fase não durou muito: seu marido morreu logo em seguida, desestabilizando-a totalmente. Em uma discussão com Jack Warner, ela recindiu seu contrato com o estúdio. O diretor ansiava por livrar-se de Bette, uma vez que ela custava muito caro e já não dava retorno como antes. Bette terminou “Beyond the Forrest” (1949) e foi embora sem despedir-se de ninguém. Começou a trabalhar pela RKO estúdios, de propriedade do ex - amante Howard Hughes. No novo local de trabalho, mais brigas e a amizade deles quase termina. O filme mais conhecido da carreira de Bette Davis foi “All about Eve”(1950), e o convite para interpretá-lo chegou às suas mãos por um golpe de sorte. A atriz que interpretaria Margo Channing acidentou-se e o dono do estúdio recorreu à Davis imediatamente, mesmo sendo seu inimigo. Bette recusou a princípio, mas leu o script e se apaixonou pela personagem. O diretor do filme não a conhecia, e foi advertido por outro colega sobre o temperamento difícil da atriz. No entanto, este foi o único filme da carreira de Davis que tinha um ambiente tranquilo e sem discussões. Pelo consumo frequente de bebidas alcoólicas e tabaco, Bette envelheceu rapidamente e a imprensa foi cruel. Ela, insegura, adquiriu outro capricho: passou a trabalhar apenas com diretores de fotografia que fossem premiados. Sua carreira declinava, e como sempre, seu
humor ficava terrível pela degradação de sua imagem. Boatos de que ela estaria com câncer, quando na verdade tinha um dente infeccionado, deixaram - na mais nervosa. O último sucesso de sua carreira foi “What Ever Happened to baby Jane?” (1962), onde atuou ao lado de Joan Crawford. Após o filme, Bette colocou um anuncio em uma revista que fica mundialmente famoso. Passava a impressão de que sua carreira tinha acabado. Depois de muitos altos e baixos em sua carreira, inclusive econômicos, ela já tinha mais de 50 anos e vivia de forma estável e tranquila. Foi convidada para retornar ao teatro, e apesar de aceitar os convites, nunca mais teve um desempenho satisfatório pelos muitos problemas de saúde. Também atuou em filmes, mas sua fragilidade física a atrapalhava mais que nunca. Já não recebia convites por seu aspecto demasiado envelhecido. Em 88, mesmo com a saúde bem debilitada e forma física esquelética, iniciou a gravação de seu último filme, o “Wicked Stepmother”. Trabalhou durante duas semanas, e parou. Suas cenas, ainda assim, foram incluídas.
O famoso anúncio que Bette Davis colocou em uma revista
Em 89, recebeu um prêmio por toda a sua obra em vida, no Festival Internacional de cinema de San Sebastián, na Espanha. Sentiu-se viva outra vez com os aplausos, apesar de estar com o corpo tomado pelo câncer. Bette morreu em seis de outubro de 1989, em Paris. Em seu túmulo, está escrito “Ela não escolheu o caminho mais fácil”.
Seis casos amorosos, nenhum “feliz para sempre”
Bette casou-se com seu amor dos tempos de colégio, Ham O’Nelson. O casamento foi feito às pressas e de forma modesta, porque Bette começava a fazer cenas de apelo erótico no cinema, e ainda era virgem. A mãe, para resolver o problema, consentiu que ela se casasse com aquele que tinha sido seu namorado durante todo o tempo que correu em busca do reconhecimento. Com a chegada da fama na vida de Davis, as diferenças dos dois ficaram cada vez mais evidentes. O esposo sentiu muita dificuldade em ser casado com uma mulher tão assediada, porque ele era um homem sensível e nunca teve grandes ambições. Em seguida, Bette ficou grávida e foi convencida pelo marido a abortar a criança, por se envergonhar de não poder sustentar o filho já que ela ganhava mais que ele. A mãe, que sempre a apoiou muito na corrida pelo sucesso, apoiou a decisão de interromper a gravidez, temendo colocar em cheque a carreira de Bette e abrir mão dos frutos que começava a colher em virtude da fama e riqueza da filha. Por este motivo, o casamento começou a declinar.
Davis e o marido, Willian Sherry
cia e solidão da rotina longe do marido, ela volta à se interessar pelo diretor Wyler, que sempre fora o amor de sua vida. Porém, fez-se muito amiga de sua então esposa, Margarida, e isso a impediu de ser a amante outra vez. Os dois trabalharam juntos em “The Little Foxes” (1941) e as filmagens foram extremamente tumultuadas. Em Miss Davis, enfrentando uma forte crise em seu casamento, manteve virtude disso, Bette ficava cada vez mais nervosa. Para completar, o um romance com o diretor Willian Wymarido iniciou um relacionamento ler, que estava na equipe do filme “Jezeextraconjugal com uma mulher bel”. Em segredo, porque naquela época “Olívia, você foi ótima! Até conseguiu casada, foi descoberto pelo marido era altamente condenável manter um prender a atenção do público enquanto da amante e assassinado com um caso extraconjugal e isso poderia acabar golpe na cabeça. eu não estava”. (Bette Davis para Olívia com a sua carreira. O romance também Bette Davis fazia frequentes visichegou ao fim, por acarretar muitos tas à Laguna Beach, na California. Haivillind) problemas emocionais para Bette. Em uma dessas ocasiões, conheceu O segundo caso extraconjugal foi com Willian Grant Sherry - 11 anos mais outro famoso diretor e ex-marido de Katherine Hepburn, chamado novo. Eles casaram em 1945 ela e ficou grávida logo em seguida, aos Howard Hughes. Foram descobertos pelo marido de Bette (que per- 40 anos, de uma menina: Bárbara Davis. O casamento foi um framanecia casada apenas no papel), que cobrou 70 mil dólares para não casso. Bette enxergava Sherry como um perdedor, não havia amor e expor publicamente a impotência sexual do amante. Howard, com respeito entre eles. Até tentando ser gentil, ele a irritava. Bette, cada medo, tentou armar um plano para mandar matar O’Nelson, mas foi vez mais temperamental e caprichosa, declinava sua carreira. Dar a descoberto antes de executar o crime. No final, ele se viu obrigado luz à primeira filha lhe estabilizou o lado sua saúde física e emocioa pagar os 70 mil ao aproveitador; e este dinheiro foi devolvido a nal, mas o descontrole retornou quando descobriu que o marido manele por Bette. Enquanto estava viva, todos os anos no aniversário tinha um caso com sua governanta. Foi divórcio tumultuado, com do pagamento, Bette recebia uma rosa em agradecimento. A atriz frequentes ameaças por parte do marido rejeitado. relacionou-se, ainda, com George Brent, a quem irritava muito com Depois, Bette apaixonou-se pelo ator que trabalhou em “All about seu temperamento e frieza. Apenas em 1938, Bette divorcia-se ofi- Eve”, Gary Merrill. Casaram-se no México e adotaram uma menina, cialmente de Ham O’Nelson. chamada “Margo” em homenagem à Margo Channing, personagem O segundo casamento de Bette Davis foi com o europeu Arthur Farn- de Bette no filme. Logo após, adotaram outro, chamado Michael. sworth, que sofria de uma doença rara. Farney, como era chamado Este casamento também ruiu e deixou Bette em maus lençóis com por Davis, seguia vivendo na Europa após o casamento, e isso a fazia muitas dívidas e com uma batalha na justiça pelas más atitudes do sofrer muito por continuar a viver nos Estados Unidos. Com a carên- ex-marido com os filhos.
cenário desabou em sua cabeça, e a pancada foi tão forte que só não a matou porque a peruca que usava era muito grande e resistente. Este também foi um capítulo complicado em sua vida. A irmã Bar- Em outro filme, o “A stolen life” (1946), ela quase morreu afogada bara, com muita inveja do sucesso de Bette, resolveu ser atriz e foi ao emaranhar-se em umas cordas em uma cena gravada em um lago. ignorada pela indústria. Isso acabou acarretando em uma esquizofre- Joan Crawford, com quem trabalhou algumas vezes, foi apaixonada nia que a levou ao hospício. Era Miss Davis quem bancava todos os por Bette e a assediou durante muito tempo. Em um segundo trabalho gastos psiquiátricos da irmã, além dos caprichos abusivos da mãe, que fizeram juntas, Crawford novamente começou a enviar convites que sempre a explorou e viu nela uma fonte de renda. Bette sempre para jantares e presentes à Miss Davis. Esta lhe escreveu uma nota pedindo que parasse de mandar coisas, porque não tinha tempo de sair comprar-lhe algo para retribuir. Joan ficou muito irritada com o deboche de Davis, mas controlava-se no set de gravação. Bette trabalhou com Olivia de Haivillind no filme “Hush, Hush... Sweet Charlotte” (1964). Em uma cena de tapa, Bette não aceitou fazer, e pediu que usassem o dublê. Disse que a companheira de cena esperou 25 anos para lhe dar-lhe um tapa no rosto e que ela não aceitaria tamanho atrevimento. Na festa de lançamento do filme, ela Bette ao lado de Willian Sherry, seu esposo e Barbara Davis. A menina era a disse: “Olívia, você foi ótima! Até conseguiu manter a atenção do única filha biológica da atriz. público enquanto eu não estava em cena”. aceitou passivamente este comportamento, provavelmente por sen- Bette tomava muitos remédios, e em uma ocasião, teve um ataque tir-se em dívida por todo o apoio que a mãe lhe dera quando ela era convulsivo por tomar um remédio equivocadamente. A atriz sofreu apenas uma promessa. um acidente automobilístico em 46, que a deixou entre a vida e a A filha adotiva de Bette, Margo, foi diagnosticada com uma doença morte. mental rara incurável. Essa infelicidade atacou seu esposo Sherry da pior maneira, a ponto de ele tornar-se alcoólatra. Bette o deixou, e ficou cheia de dívidas. Foi na mesma época que sua mãe morreu inesperadamente. Sua única filha biológica Barbara Davis casou-se aos 15 anos. Bette Davis resolve fazer um trabalho que não queria para conseguir 125 mil dólares e custear a festa. Depois disso, a filha afastou-se da família e procurava a mãe apenas para pedir dinheiro. Barbara não compareceu à festa de casamento do irmão Michael. Quando recebia a visita da mãe, Barbara e o marido a hostilizavam com frequência, o que acabou fazendo com que se afastasse. Quando descobriu ter um câncer de mama, ela só tinha a assistente pessoal com quem contar. Barbara Davis nunca lhe ofereceu ajuda. Anos depois, tornou-se religiosa fervorosa, e por se tratar de uma boa oferta financeira, escreveu um livro sobre sua mãe falando muita coisa ruim, o que foi o golpe mais cruel que Davis sofreu em vida. A assistente pessoal foi a única que permaneceu ao seu lado até os últimos dias de sua vida, tornando-se uma filha para Bette.
A família
Fatos inacreditáveis sobre a vida de Bette Davis
O temperamento de Bette era tão difícil que lhe causava inúmeros problemas de saúde. Ela desestabilizava - se emocionalmente com facilidade e isso atrapalhava muito a sua carreira. Certa vez, foi mordida no rosto por um cachorro e ficou semanas sem poder sair à rua. Com a morte do esposo Farney, seu humor ficou terrivelmente insuportável, fazendo com que todos no set de gravação a detestassem. Em uma ocasião, alguém trocou o colírio de Bette por acetona. Ela quase ficou cega. Em “The corn is green” (1944) uma parte do
Bette Davis no Festival de San Sebástian, na Espanha, algumas semanas antes de morrer
Reportagem de: PATRICIA BITENCOURT Fotografia: IMAGENS DE DIVULGAÇÃO