DONA PRI CENTO ANNI DI PASSIONE Dona Brígida Cem anos de Paixão
Escrito por Claudia Martins Ilustração Claudia Martins Diagramação Patricia Martins Janeiro - 2016
SUMÁRIO Tinha Pressa..................................8 1 - Dom Alfredo Avella e Dona Brígida Petirro Avella.................11 2 - A viagem.................................16 3 - ... e a terra tremeu......................17 4 - Sobre negros, bananas e intoxicaçõe ...................................18 5 - Novos Planos..........................21 6 - ...Macacos.................................22 7 - Tosca.................... .....................24 8 - Queridos companheiros........26 9 - Provocações.............................27 10 - TemposAmenos.....................31 11 - Surpresa..................................32 12 - Tempos difíceis.......................35 13 - Chico.......................................37 14 - Lenicchia, a distraída..............38 15 -A doença de D.Alfredo...........41 16 - O que fazer agora?...................44 17 - Árduo Tempos........................45 18 - Novos amigos.......................50 19 -A madrinha de Yolanda..........54 20 - O Corso....................................60 21 - Os Blocos populares...........61 22 - Novos Ares...........................62 23 - Reminiscências ......................64 24 - Cupidos ..................................68 25 - Sustos e corridas ......................74 26 - Cupido + Cegonha? Como assim?? ......................................76 27 - Novos amores e novos bbês ...80 28 Outra cegonha! Mamma mia!! ...............................................83 29 - Visita Inesperada ....................86 30 - Tempo de Crescer .................88 31 - Doces e fartos domingos.....90 32 - Hora do banho ....................91 33 - As novelas.............................93
34 Domingos Felizes ................94 35 - Doces Lembranças ..............95 36 - Outros afetos .......................97 37 - Escolas ..................................98 38 - Tristezas .............................102 39 - Um homem de Bem............105 40 - Novidades..........................106 41 - Tempos de Igreja... .............109 42 - Réquiem... ..........................113 43 - Amores... ............................114 44 - História de um grande amor .114 45 - A vida que segue ................122 46 - O primeiro carro ...............123 47 - Felinos Amores ...................130 48 - Guinada de Destino...........137 49 - Bodas...................................140 50 - O Grande Dia......................143 51 - Vida Nova... .......................145 52 - Adriana...............................146 53 - Patricia.................................150 54 - Tempo de Crescer ..............153 55 - Alessandra, a menina cor de rosa.............................................154 56 -A cadeira de Balanço............ 158 57 - A escola................................160 58 - Juliana.................................161 59 - Rafael... ...............................165 60 - Uma grande perda.............168 61 - Outros tempos....................169 62 - Um grande Pai... ................170 63 - O amor................................175 64 - Meus genros .........................176 65 - Meus Netos, MeusAmores..179 66 - As filhas que a vida me trouxe... ............................................188 Epilogo ......................................193 Emtempo............................194 Ricette della nonna....................195
Agradecimentos A Dona Pri (para os íntimos), Dona Brígida, Nonna, Nonnina que me inspirou a contar tão bela história de “ nostra famiglia” e sempre tinha bons conselhos na ponta da língua.
3
Agradeço à minha mãe amada, mulher de fé e coragem, que a todos surpreendeu. Agradeço também ao meu amado marido, que já se foi, por ter preenchido minha vida e meu coração de forma tão completa.
4
A Alessandra, que me encorajou a escrever este livro. Para Patricia, que fez junto comigo as pesquisas deste livro e ao Eduardo, que dedicou seu tempo na elaboração deste projeto.
5
Para Adriana, Juliana e Rafael, pela corrente de amor que me cerca todos os dias. Aos meus filhos e filhas “postiços” que Deus me deu neste tão árduo caminho, para me apoiar, alegrar e amar. A todos meus netos e agora, bisnetos, por me permitir ser a Nonna que eu sempre quis ser.
6
Prólogo Tinha pressa Tinha pressa de escrever logo este registro de família, que eu não ousava chamar de livro – e sim um tributo de amor e agradecimento à família que eu amo tanto. É estranho e ao mesmo tempo tão comum; as pessoas sempre ou quase sempre adiam compromissos e coisas a fazer, mesmo que isso resulte em prazer, êxito. Foi exatamente o que eu fiz. Há muito tempo eu tinha o desejo de escrever, mas sempre adiava, colocando outras prioridades à frente de meu projeto. Quis a vida que esse momento se aproximasse de repente: Uma súbita e maligna moléstia subtraiu-me da realidade e por pouco não me foi permitido voltar a vida. Agradeço às orações dos filhos, parentes, amigos e conhecidos. Não imaginava que eu fosse tão querida, que a tantos importasse minha vida. Antes de tudo agradeço a Deus Misericordioso que permitiu minha recuperação, embora lenta e dolorosa. A cada minuto do resto de minha vida só posso agradecer ter-me recuperado. Sou dona de todas as faculdades mentais, de meus afetos e lembranças, meus paradoxos, meu coração amoroso (embora machucado) e principalmente meu humor sardônico. No início de minha recuperação, quando tive que reaprender funções básicas, como falar, alimentarme e andar, eu não pensei que conseguiria executar 7
meu projeto inicial tão querido e me arrependi muito. O amor me cercou de todos os lados. Os cinco maravilhosos filhos que a vida me deu se superaram em cuidados e carinhos, usando muitas vezes o próprio corpo para me aquecer, equilibrar. Lembro-me de braços amorosos estendidos, pronto para me passar segurança – provavelmente seriam os braços de Flávia ou Cristina, que se revezavam na cabeceira de minha cama, preocupadas e solícitas. Meu companheiro da vida toda, meu grande amor, que já não se encontra entre nós, com certeza, pediu por mim. Jesus Cristo, que sempre foi meu ídolo, cuja beleza e serenidade de sua sagrada face sempre me confortaram, não iria deixar de atender às preces feitas pela minha recuperação. Sua digníssima mãe, Nossa Senhora Aparecida a “Dona Cida”, como de maneira carinhosa eu sempre a chamava, também engrossou a lista de súplicas ao meu favor. “Filho, quando tu não vias as minhas pegadas, era porque te carregava.” Essa parábola sempre me fascinou e nos momentos mais difíceis de minha vida sempre aumentou minha fé. Outras entidades, as minhas, também se mobilizaram no sentido de me proporcionar alívio, paciência e também cuidar da minha família já tão machucada pela recente perda de seu amado pai. Outra delicadeza recebida dos céus. Através de algumas indicações aproximaram-se de mim mais 4 anjos da guarda. Minha psicóloga Bia, que já me atendia desde meu luto e prosseguiu depois, cuidando de minha cabeça, me mantendo com ânimo, mesmo quando tudo parecia perdido. Obrigada do fundo de meu coração. Outro anjo que se aproximou de minha família foi meu enfermeiro Milton, não por valores financeiros, mas por amor à profissão. Esse jovem foi incansável, todos os dias, cuidando das sequelas que me deixara a longa hospitalização. Ali, onde meus filhos não tinham mais condições de cuidar, pois a situação se agravava dia a dia, ele se mostrava incansável e soube conduzir aquela situação de perigo a bom termo: Obrigada meu bom amigo. O terceiro anjo da guarda que veio em meu auxílio foi indicado 8
por uma amiga. No dia em que ele chegou, eu estava retornando do hospital e tudo estava um verdadeiro caos dentro de casa. Ele sentou-se a um canto e observou tudo calado. Minha situação era realmente difícil, pois eu havia perdido a capacidade de andar, me equilibrar e me alimentar. Esse jovem aceitou o desafio e pacientemente, dia a dia, trabalhou comigo e me deu esperanças. Lentamente os progressos foram aparecendo e as esperanças foram crescendo, até o dia que fiquei de pé. Pe c o a i n d a e s t á t r a b a l h a n d o c o m i g o e e u s ó posso dizer ao meu amiguinho Deus lhe pague. Devo agradecer também a minha acupunturista e fisioterapeuta Emily, que desde as primeiras manifestações de minha doença, me ajudou usado todo o seu conhecimento e segurando minhas mãos com todo o carinho, quando eu queria desistir. Obrigada minha boa amiga. Se vocês não tivessem me amparado, me respeitado e amado, com certeza eu não teria conseguido. Amo vocês.
9
A história que eu vou contar... É uma bela história, emocionante, triste, alegre, cheia de personagens inesquecíveis; Amo e respeito esta história porque dela eu faço parte – é a minha história.
10
Capítulo 01 Dom Alfredo Avella e Dona Brígida Petirro Avella Eram meus avós. Ele, vindo de uma família abastada, homem independente, passional, dono de um gênio forte. Ela, filha de D. Francesco, dono de uma “tratoria” em Nápoles. Dom Francesco era pai de sete lindas moças, todas em idade de casar. Como era costume na época, havia uma certa ordem cronológica para orientar os matrimônios nas famílias; as mais velhas deveriam casar antes das mais novas. Ora, Dona Brígida era a penúltima filha e tudo estava sujeito ao tempo. Até que D. Alfredo conheceu Brígida, a Pri, como era seu apelido. Imediatamente se apaixonou e partiu para conversar com o futuro sogro e pedir em casamento sua amada. As notícias não eram boas, infelizmente. O pai argumentou que o futuro candidato era muito velho para sua filha, pois ele tinha 40 anos e ela somente 16. A l é m d o m a i s , f a l t a va m c i n c o i r m ã s p a r a c a s a r . A empreitada parecia sem êxito. Mas.. Sempre há um mas quandoo destino está a favor dos enamorados. Eis que Don Alfredo não era só bonito, mas inteligente e experiente. Sugeriu então ao futuro sogro “contribuir”, apoiando e financiando e arranjando um bom emprego para cada um dos possíveis candidatos a desposarem as lindas moças. 11
Tomadas as providências, avisou ao futuro sogro que iria viajar para comprar o mais elegante e farto enxoval para sua amada. Partiu então para a Rússia e depois para o Brasil, onde ficou instalado no Nordeste. Os negócios caminhavam; a casa bancária que ele possuía junto com seu irmão gêmeo era próspera e estável, então o inquieto D. Alfredo resolveu dedicarse à fábrica de chapéus de palha só para passar o tempo. As correspondências com Itália o informavam que seus planos estavam dando certo; os cunhados que ele ajudara a “descobrir” estavam desposando as moças e sua prometida estava cada vez mais próxima. Seu coração apaixonado o aconselhou a voltar para a Itália. Sendo assim vendeu seus negócios em terras tupiniquins e partiu para a Itália. Lá chegando, procurou D. Cicílio para combinas as primeiras providências para as núpcias. Começou por adquirir uma suntuosa Villa à beira-mar. Depois vieram os serviçais, dezenas deles para manter a casa em ordem. A seguir, foi D. Alfredo em busca das melhores costureiras e bordadeiras para confeccionar o enxoval. Todas essas providências já faziam parte do acordo. D. Alfredo precisava ajudar, visto que a família da noiva era humilde. Dona Brígida era uma jovem costureirinha linda, casta, obediente à família, mas, do alto de seus dezesseis anos, se perguntava sempre o que fizera aquele príncipe se apaixonar por ela. Quase todas suas irmãs estavam casadas, exceto Dona Brígida e a caçula de todas, d.Anna Petirro, porém ela estava noiva e tudo indicava que ela seria a próxima a casar. Enquanto isso, D. Alfredo ficava cada vez mais apaixonado e ansioso e D. Brígida não contava a ninguém que estava se apaixonando pelo noivo, porém seu gênio altivo não lhe permitia demonstrar qualquer sentimento. Finalmente chegou o grande dia em que foram realizadas as suntuosas bodas, lindas, i n e s q u e c í ve i s , m o t i v o s d e f e s t a s e b a i l e d e g a l a . No dia seguinte, partiram os noivos para a nova residência. 12
A Villa estava pronta, impecavelmente pronta, conforme o desejo do Signore. A convivência diária se encarregou de ir construindo novos laços de paixão, carinho e compreensão, porém, deixando claros as virtudes e defeitos de cada um. D. Alfredo se revelou um homem inteligente, refinado, um belo cavalheiro, intenso, sensual e romântico, de gênio forte e intenso. D. Brígida era doce, inteligente, Dona de um humor sutil, quase sardônico. Isso tudo era somado aos ciúmes e uma certa insegurança, visto que seu marido era quase 30 anos mais velho que ela e sua experiência de vida a assustava um pouco. Algum tempo se passou e um dia veia a boa notícia – a família iria aumentar! Começou a azáfama, muitos planos, grandes encomendas a costureiras e bordadeiras, marceneiros e outros profissionais. Tudo deveria estar pronto para a chegada da que se mostrou uma princesinha, a primogênita, Claudina Avella. Esse bebê gorducho e saudável provocou muitas mudanças na família, como já era esperado. Além da enfermeira e da amade-leite para ministrar os cuidados à Claudina, a irmã caçula de D. Brígida mudou-se para a Villa para ajudar a cuidar da sobrinha. A vida corria de vento em popa, o casal estava cada vez mais cativado por aquele bebê inteligente, belo e vivaz. A ajuda da “tia Naná”, seu amor incondicional pela menina foram fundamentais para seus primeiros anos de vida. Nada faltava para a princesinha. Os melhores brinquedos, as mais lindas bonecas, até uma casinha de bonecas enorme, com tudo o que uma casa possui, o pai mandou o carpinteiro construir, para agradar a filha querida. Porém logo as atenções, os brinquedos e a família seriam divididos com mais um membro da família. Dona Brígida estava esperando a cegonha. Não se pode negar que as esperanças se voltavam para a vinda de um principezinho e eis que a sorte foi favorável ao casal e o prêmio foi um menino forte, belo e saudável, que foi nomeado de Mário Avella, o “pio bello della Mamma”, “ Mariutio,” querido por todos. 13
O tempo passava e o menino ia crescendo, naturalmente disputando as atenções e os brinquedos com a irmãzinha, que era teimosa, birrenta e tinha um gênio possessivo. Em um grande ataque de raiva, ela destruiu aquela casa de bonecas que o “pappa” havia mandado construir, reduzindo a gravetos. Ante as feições consternadas da “Mamma” e da “zia Naná”, ela simplesmente encerrou o episódio dizendo: -”Se no n é mio, non é nessuno!” (se não é meu, não é de ninguém!”). Aqueles dois anjinhos de farta cabeleira n e g r a e e n e r g i a i n e s g o t á ve l m a n t i n h a m t o d o s d a casa muito ocupados, tanto que quando a cegonha novamente se anunciou, não causou tanto “frisson”. Placidamente essa terceira criança foi aguardada e quando veio à luz, era mais uma linda menina. Era, ao contrário de seus irmãos, frágil, miudinha e muito bela. Após horas de discussões e elucubrações, foi escolhido o nome: ela se chamaria Helena Concília Avella, ou Élena, Lelichia, como os pais carinhosamente a chamavam. Ao contrário dos irmãos, Élena era calma, bem-humorada, de saúde frágil e nunca reclamava ou disputava nada com os irmãos. Apesar da calma doméstica, lá fora o mundo estremecia com os rumores da guerra que se a p r o x i m a va , c a u s a n d o t e m o r e s e p r e o c u p a ç õ e s . D. Alfredo andava ensimesmado, temeroso que a crise prejudicasse seus negócios e quando um”cumpá” (compadre) veio com a ideia de, ao invés de temer a guerra, agora já instalada, se pudesse lucrar com ela, trabalhando honestamente. Ele achou que poderia ser interessante. O plano era o seguinte: Como os soldados que partiam para a guerra tinham quase a certeza que não retornariam, não se importavam de gastar todo o soldo, comprando comidas, bebidas e cigarros, além de muitos doces. Ora, quem tivesse um pequeno armazém próximo ao front, certamente ficaria rico em pouco tempo, vendendo tudo o que agradasse ao soldado. 14
“Ecco!” – o negócio ia de vento em popa. D. Alfredo e seu sócio abasteciam regularmente o armazém e, o erro dos erros, o lucro permanecia nas mãos do “cumpá” que ao fim, se mostrou desleal e desonesto. Chegada a hora do acerto de contas, nada mais existia do negócio. Só restaram as imensas dívidas prontas para engolir o próspero negócio da família dos Avella, fruto de uma vida de trabalho. D . A l f r e d o f i c a va c a d a v e z m a i s t e n s o e preocupado. As dívidas começaram a ser executadas e o dia tão temido do leilão de bens se aproximava. D Alfredo tentou mais uma vez dialogar com seu ex-sócio, mas foi em vão. Todos os documentos haviam sido assinados por ele e o outro se eximiu de qualquer responsabilidade. No auge do desespero, decidiu que faria uma loucura. Porém a serena D. Brígida ponderou com o esposo que, para que não acontecessem fatos irreversíveis, o melhor a fazer era mudar toda a família para outro país, quem sabe, o Brasil... O leilão aconteceu de fato, foi doloroso para todos verem os objetos de família, tão preciosos, saírem da mansão pelas mãos de estranhos. De todos os objetos confiscados a família conseguiu ocultar apenas um: A “Madonna della consolasione”, uma santa de infinita beleza, longos cabelos negros, braços abertos e, além de ser a paixão de D. Brígida, possuía a estranha característica de anunciar quando alguma coisa grave iria acontecer – a Madonna chorava. Mas... sempre tem um mas, estava escrito no livro do destino que esta linda santa não chegaria ao Brasil, pois durante a longa viagem ela sumiu. Muito mais tarde, a consternada a família sentiu se esvair nas asas do imponderável o último elo que os ligava à antiga pátria. D. A l f redo acon s el hou a esposa a s e desfa zer de t o d a s a s r o up a s de i nve r n o, a s p e l e s, gor r o s e cobertores, visto que o Brasil era um país t ropical. Para alegrar a família, D. Alfredo contou-lhes que na nova terra nunca houve nem haveria tremores de terra, temível 15
realidade de pessoas que habitavam aos pés do Vesúvio. Por falar em vulcão, contavam que se houvesse tremores de terra que anunciassem uma possível erupção do vulcão, as casas previamente abastecidas com água e comida, deveriam ter em suas sólida construção, os batentes de porta bem largos, para que as pessoas pudessem se abrigar sobre os mesmos, visto que eram as únicas edificações que sobravam após o acontecimento.
Capítulo 02 A Viagem
Os preparativos para a longa viagem já haviam terminado, as passagens para o vapor já estavam no bolso, quando – Surpresa – D. Anna, irmã de D. Brígida e tia dos pequenos resolveu viajar também, pois não suportaria a separação, quiçá para sempre, dos entes queridos. Embora D. Anna, cujo apelido era Nannina ou Naná, fosse noiva e estivesse prestes a casar, nenhuma súplica do “fidanzato” (noivo) prestes a ser abandonado a comoveu. Ela até fez o convite para que ele acompanhasse a família, mas ele recusou, apavorado, pois ouvira dizer que a ‘’Brasile” havia uma doença que provocava febre, dor e muitos espirros, cujo desfecho era a morte... Era assim que na Europa temiam nosso resfriado, a influenza! Tudo resolvido, a família embarcada e a viagem começou. Longos dias se arrastavam, longa era a viagem e curta a paciência. Quando faltavam poucos dias para chegar, uma estranha febre tomou conta do bebê, a Lenicchia, deixando todos preocupados. Mais alguns dias e o verdadeiro motivo que a deixava prostada e febril aquela doce criança apareceu – Sarampo! Ora, todos sabiam que uma doença contagiosa que qualquer pessoa apresentasse a bordo, significava 16
que o navio deveria ficar em quarentena, ancorado longe do porto, com todos os passageiros a bordo. Quando terminasse o prazo estipulado pelas autoridades sanitárias, o navio poderia aportar para o desembarque de passageiros. Foi então que o capitão do navio procurou D. Alfredo dizendo que os víveres do navio não seriam suficientes para abastecer a todos durante os 40 dias. O que fazer? O capitão, com muito jeito, sugeriu a D. Alfredo que durante a noite, em sigilo, tomasse o pequeno bote que estaria à sua disposição, junto com a família e um tripulante, que deixaria a todos em terra firme. Assim feito, a família chegou ao porto de Santos. Fazia frio e garoava e todos estavam preocupados com as crianças. D. Alfredo possuía um endereço de um “cumpá” em Santos, mas não deu certo. A solução seria comprar passagens de trem com destino a São Paulo. A viagem seria longa; todos acomodados, a esperança crescia no sentido de aquele clã logo encontrasse um destino certo.
Capítulo 03 ... e a terra tremeu... É realmente a sorte de D. Alfredo não estava de bom humor. Ele havia garantido que no Brasil a temperatura era agradável, na orla da praia, bastante quente e que jamais, ele disse jamais, haveria risco de terremotos nem pequenos tremores de terra. Pois bastou que a família aportasse para que pequenos tremores de terra abalassem a já assustada família. E isso não foi tudo: a seguir, forte vendaval seguido de chuva de granizo desabou sobre o litoral. 17
Pobre D. Alfredo. Além de tentar proteger a família, não sabia como se desculpar. É, nosso Brasil tão hospitaleiro não foi muito amável para receber os estrangeiro.. Mas foi só um mal-entendido, porque esta nossa terra mostrou que todos que aqui chegassem seriam bem recebidos e foi assim que aconteceu com esta “famiglia”.
Capítulo 04 Sobre negros, bananas e intoxicações Quando a família desembarcou no Porto de Santos, no final da madrugada, todos estavam exaustos e sentaramse sobre as bagagens, para que o pai decidisse qual seria o rumo que deveriam seguir. Com o dia raiando, começou o movimento dos estivadores no porto, e, claro, as crianças observavam com seus olhinhos curiosos, quando se depararam com enormes negros descarregando volumes e sacas. A primeira reação deles foi de medo, pois na Europa não havia indivíduos dessa raça. Porém, a seguir, os pequeninos, do alto de sua sabedoria, acharam que eram macacos e que deveriam estar com fome, por isso andavam de um lado para outro. Ora, próximo a eles havia um imenso lote de bananas esperando para serem transportadas. Claudina, então, pegou uma fruta e foi oferecê-la ao “macaco”, insistindo para que ele comesse. O pobre homem levou alguns segundos para entender o que se passava, mas diante de olhares e risinhos de seus companheiros, logo entendeu. Partiu para cima do grupo para tirar satisfações, mas D. Alfredo se adiantou e tentou explicar os fatos, quando subitamente foi erguido pelos colarinhos. Logo um poderoso soco o arremessou para longe. 18
Com o terno branco sujo e amassado, mas não menos que seu orgulho, D. Alfredo, lançando olhares furibundos para a família, sugeriu que se afastassem – as explicações ficariam para depois... Não sei se devido à esse episódio, só sei que essa bendita fruta, a banana, ficou sendo um tanto quanto tabu na casa dos Avellas, ninguém naquela casa olhava a fruta com bons olhos, principalmente porque dizia-se que a fruta era indigesta. Anos depois, quando Lenicchia e Mariutio muito insistiram para comer a fruta, D. Alfredo cedeu às súplicas dos filhos e trouxe para casa um grande cacho de bananas, só que estavam verdes... Como acalmar a ansiedade dos pequenos gulosos, a fim de esperar o amadurecimento das frutas? O fato é que os dois endiabrados surrupiaram metade do cacho das bananas e foram se esconder embaixo da cama para comer até cansar; claro que a Mamma não ia notar a falta das frutas verdes. Começaram a comer com gosto as frutas verdes e nodosas, felizes da vida e foram se esconder embaixo da cama comendo até cansar; só que fortes dores abdominais transpassaram os corpinhos dos gulosos. Gritos e gemidos chamaram a atenção das “vecchias”e elas acudiram prontamente. Chegando ao quarto, encontraram os dois urrando e vomitando. Assustadas, as “vecchias” se apressaram a fazer chás de boldo, erva doce e folhas de louro e ainda, compressas quentes para aliviar aquelas barriguinhas tão sofredoras. Todo esse processo foi acompanhado de brandas broncas e muitas preces à “Madonna” . Quando raiou o dia seguinte, os ânimos e abdomens já estavam serenados, os dois pirralhos adormeceram e restou para D. Brígida e D. Anna arrumar e limpar toda aquela bagunça e também acalmar d.Alfredo que sugeria, carrancudo, que as duas tomassem mais conta dos pequenos, como se isso fosse possível... Bem, voltemos à chegada de tão conturbada família ao Brasil... A viagem tinha que continuar, porém as condições climáticas ruins fizeram piorar o estado de saúde da pequena Lenicchia; a febre aumentava cada vez mais, deixando o rostinho afogueado, 19
os olhinhos brilhantes e a pele comprometida pela doença. Era necessário que no topo da serra todas as composições ferroviárias parassem para serem instaladas as roldanas que garantiriam, com segurança, que um trem descesse a serra e, pela gravidade, desse equilíbrio par ao outro que estava do outro lado da serra subisse. Esse processo demorava um pouco e davam certo tempo para que os passageiros aproveitar para sair do trem e caminhar um pouco. Lá havia moradores que iam ao encontro de passageiros para oferecer pequenos cestos de uvas que eram plantadas pelos quintais e as vendidas geladinhas, devido ao sereno e à neblina da serra. Uma senhora havia adquirido uma cestinha de uvas, e ao entrar no vagão, percebeu a situação crítica em que se encontrava a criança. Pediu permissão à mãe para ajudá-los e começou a espremer, lentamente, os bagos das uvas na boquinha de Lenicchia. Com paciência, esse anjo da guarda salvou a vida da menina. A febre cedeu e o alimento adocicado manteve a menina hidratada, até chegarem à Estação da Luz, em São Paulo. Na nova cidade, logo D. Alfredo foi procurar compatriotas já instalados que pudessem ajudálo e à numerosa família a procurar seu primeiro lar. Isso feito, já instalados à rua Martinico Prado, perto da Santa Casa de Misericórdia, começaram a planejar como seria a nova vida. A pequena reserva financeira que trouxeram da Europa estava no fim e a vida tinha que continuar. Era necessário arranjar uma escola para as crianças mais velhas e um dos problemas era o idioma. Depois de muito procurar, D.Alfredo que falava um pouco de português, conseguiu uma escola da Colônia Alemã, logo os meninos aprenderiam os dois idiomas. Isso já era um bom começo, mas outras providências eram urgentes: Como sobreviver, o que fazer para manter o sustento de todos?
20
Capítulo 05 Novos Planos Foi então que D. Brígida teve a ideia de começar a confeccionar “roupas de baixo” como eram chamadas as roupas íntimas femininas, coisa que D. Brígida já fazia na Itália. Então, D. Alfredo tomou as providências, tais como alugar as máquinas de costura Singer, comprar tesouras, fitas, tecidos, etc. O início foi muito difícil, a começar de para quem vender a produção, já que não conheciam ninguém? D e c o n ve r s a e m c o n ve r s a , e l e s d e s c o b r i r a m que só as “mulheres de vida” usavam lingerie – as mulheres honestas só usavam castas peças de algodão. O jeito então era procurar a clientela certa para a belíssima mercadoria, pois, diga-se de passagem, D. Brígida e sua “sorella” (irmã) d. Nanná, eram exímias costureiras, que uniam a sensibilidade à arte e à prática de muitos anos de costura. Então as coisas começaram a progredir. O trabalho era árduo, mas as preocupações estavam diminuindo. As crianças cresciam e pediram ao papá um animal de estimação. Logo o papá prestimoso saiu em busca de um animal de estimação e comprou um ....
21
Capítulo 06 ... Macaco Era um lindo filhote de macaco prego, fofo, indefeso, fora a incontestável semelhança com um bebê. Seu nome era Chico e as crianças ficaram encantadas com ele. Esse esperto macaquinho logo teve acesso ao interior da casa, às camas das crianças e em momentos de esperteza sobrenatural, ao leito de seus donos, quando não estavam por perto. À parte disso os negócios iam bem, e D. Brígida solicitou ao esposo que contratasse mais duas ou três costureiras para ajudá-la e à irmã. Havia um quartinho nos fundos da casa que foi logo transformado em oficina. Adquiriram algumas máquinas de costura e logo a nova oficina já estava funcionando. Tudo ia bem, as vendas cresciam e a produção ocupava quase todo o tempo das duas jovens senhoras. Sua rotina consistia em acordar bem cedo, ir para o quintal buscar os ovos que as galinhas botavam e faziam questão de esconder. Na volta, preparavam o desjejum, aprontavam as crianças para a escola e ligeiro, preparavam quase todo o almoço. Feito isso, iam para a oficina onde as costureiras já estavam trabalhando. Dom Alfredo saia para trabalhar, mas não muito cedo, visto que suas clientes tinham hábitos, digamos, noturnos. Então a casa ficava vazia, um campo delicioso para as travessuras do inquieto macaquinho. 22
O que ele fazia a amiúde era destampar as panelas de alimentos e servir-se lautamente do que seria o almoço dos humanos. Feito isso, corria para o quarto do casal, descobria a cama forrada com lençóis impecavelmente brancos e se escondia sob os lençóis. Pois mais de uma vez ele era apanhado em flagrante e sofria chicotadas do patrone. Mas não se emendava. Se o patrone o prendia na coleira, ele tanto se debatia, gritava e protestava, até que sua coleira se partia, deixando-o livre. Quando ficava realmente entediado, ele dava uma corridinha até a oficina e apavorava as costureiras, com pulos, urros, quase sempre acompanhados de gestos obscenos. Era difícil a convivência com o animal de estimação, que não dava a menor importância ao amor e carinho que recebia e, além disso, crescia a olhos vistos. Aquele filhote peludo e indefeso já era um jovem animal cheio de vigor. As peripécias continuavam, muitas traquinagens, sustos e corridas – já era difícil disciplinar o Chiquinho, como o chamavam. Em certa ocasião ele experimentou um cigarro que surrupiou do cinzeiro ainda acesso e gostou muito. Daí, todas as vezes que alguém fumasse perto dele, ele insistia que queria fumar também. Ora, Mariutio, que possuía bastante senso de humor aliado a uma certa maldade, chamava o anima e lhe oferecia o cigarro, só que pelo lado errado. A brasa queimava logo a palma da patinha do pobre animal, que reagia mordendo Mário, que quase não conseguia se defender de tanto rir.
23
Capítulo 07 Tosca Naquela casa quase não havia rotina. Nunca um dia terminava sem novidades. De vez em quando sobrava algum dinheirinho no fim do mês e os adultos planejavam algum tipo de diversão para a família, quase sempre uma sessão de cinema no domingo. Certa vez, porém, D. Alfredo quis agradar à esposa e como o dinheiro que havia sobrado era um pouco maior, o esposo amoroso resolveu levá-la à ópera, a peça Tosca de Puccini. Uma azáfama para procurar certas roupas sociais que vieram na mala da Europa, colocá-las a contento bem lavadas e passadas, sapatos, chapéus e bolsas todos devidamente escovados enfim, tudo pronto. Na hora aprazada, um coche parou defronte a casa e lá se foi o casal, todo garboso, para a noite de diversão. Enquanto seguiam pela noite, D. Alfredo ia refletindo sobre o passado recente, tantas perdas, tantas mudanças e sempre quem tivera ao seu lado fora sua esposa, que de frágil tinha só a aparência. Era uma guerreira, valente e destemida, o esteio da família. Pensava também em sua cunhada. D. Nanná, que tivera coragem de deixar para trás a família e o noivo, pelo amor aos “nipotes” (sobrinhos), grandes mulheres que levavam a família para portos pacíficos. Isso lhe acalmava o coração e lhe trazia uma sensação de paz e felicidade. Já no teatro, estavam ambos ansiosos para o início 24
da ópera, ainda mais por ser a “Tosca”, que tantas vezes assistidas por eles na Europa, na época da opulência. Os primeiros acordes encheram o teatro e as emoções foram crescendo. Agora era só se entregar ao prazer da boa música. No intervalo, estranhamente, d. Brígida viu seu esposo ficar muito agitado; seu olhar fugidio parecia se esconder, como se algo muito ameaçador se aproximasse. Ela achou por bem sugerir que fossem tomar um café e aproveitou para comprar alguns caramelos e bombons. Ela comeria alguns, ofereceria ao marido e aqueles que sobrassem teriam destino certo: as boquinhas gulosas das crianças. Aí, foi ela que começou a divagar... Amava tanto seu marido que chegava a doer. Qual o que de ter obrigações de obedecer às ordens de seu senhor. Entre eles não havia nada disso, só amor, respeito, companheirismo e as crianças. Gostaria de ter mais tempo para elas, participar mais de suas vidas, mas o trabalho era tanto que mesmo dividindo com sua sorella, sobrava pouco tempo para seus pequenos amores. Ela fazia o que podia, vigiava a saúde deles, a segurança, perdoava suas pequenas traquinagens, sem que o papa percebesse, pois ele sim era severo. Para interromper suas divagações, a sirene soou, chamando os diletos ouvintes para se deleitarem com o segundo ato da peça. Já acomodados, notou D. Brígida que a inquietação do esposo voltou.Minutos após, D. Alfredo começou a chorar, com aflição, deixando sua esposa atônita. Sem saber o que fazer, a quem pedir “aiutto” (ajuda), ela olhou ao redor e descobriu, fileiras de assentos adiante, a causa de toda aquela comoção... Uma freguesa, como se dizia naquela época, cuja pessoa D. Brígida detestava, pois já ouvira certos murmúrios sobre uma possível traição de seu marido com a figura. Perguntado, pela milésima vez, sobre o que estava acontecendo, ele se saiu com a seguinte resposta: “mai aggio visto “A Tosca” come oggi...” (Eu nunca vi a Tosca como hoje)... Claro que aquele passeio terminou ali,pois desde aquela época, roupa suja se lava em casa, e com certeza, naquela noite, a casa tremeu. 25
Pena que eles não chegaram a saber que aquela frase atravessaria décadas e até hoje serve para ilustrar situações mal explicadas.
Capítulo 08 Queridos companheiros.. Às vezes, D. Alfredo punha-se a pensar qual teria sido o destino de seus companheiros de viagem – Os Gardanos, os Diziolli e os Matarazzos e o que aconteceria se o destino não tivesse agido contra os planos do grupo. Eles todos se conheceram no navio e uma boa amizade estava se formando entre as famílias. As esposas eram solidárias e as crianças se davam bem e brincavam juntas, correndo entre os corredores do navio, para desespero dos outros hóspedes. Já os homens tinham esperança de permanecerem juntos para trabalhar. Os Diziollis e os Gardanos, tinham experiência em doces, principalmente chocolates e os Matarazzos, comércio de tecidos. Tempos depois,já em São Paulo, os Avellas souberam que uma das famílias se ajeitou vendendo pastéis nas ruas em uma carrocinha, dos outros não tiveram mais notícias. Novamente D. Alfredo se indagava como teria sido se eles permanecessem juntos... Hoje, mais de um século depois, nós sabemos que fim levaram os três amigos de “Zi” Alfredo: todos continuaram a exercer os misteres de que se ocupavam na Europa. Se o sucesso e a estabilidade financeira vieram logo, não se sabem, mas a julgar pelas dificuldades dos Avellas, fácil não foi. Pena que “La vita” que não estava protegendo ninguém, tenha separado estas famílias, e “os trê amicci” para sempre...
26
Capítulo 09 Provocações... Todas as vezes que o casal brigava e não eram poucas, visto que os italianos tem sangue quente, o marido, cujo humor era sarcástico, cantarolava uma canção bem conhecida na época,cuja gravação era interpretada por Roberto Birollo, chamada ‘A tazza ‘e café’, que além de o nome da canção ser Brígida, a comparava a uma xícara de café. Dizia que como o café, ela era amarga na superfície, mas mexendo com cuidado, o açúcar do fundo vinha à tona e transformava a bebida, que era comparada à limonada e era ainda mais azeda, em algo doce, como só ele devia saber.
‘A tazza ‘e café’ Vurría sapé pecché si me vedite, facite sempe ‘a faccia amariggiata. Ma vuje, quanto cchiù brutta ve facite, cchiù bella a ll’uocchie mieje v’appresentate. I’ mo nun saccio si ve n’accurgite. E cu sti mode, oje Bríggeta, 27
tazza ‘e café parite, sotto tenite ‘o zzuccaro, e ‘ncoppa, amara site. Ma i’ tanto ch’aggi’ ‘a girá, e tanto ch’aggi’’a vutá, ca ‘o ddoce ‘e sott’’a tazza fin’a ‘mmocca mm’ha da arrivá Cchiù tiempo passa e cchiù v’arrefreddate ‘mméce ‘e ve riscaldá. Caffè squisito! ‘O bbello è ca, si pure ve gelate, site ‘a delizia d’’o ccafé granito, facenno cuncurrenza â limunata. Ma cu sti mode, oje Bríggeta, tazza ‘e café parite, sotto tenite ‘o zzuccaro, e ‘ncoppa, amara site. Ma i’ tanto ch’aggi’ ‘a vutá, e tanto ch’aggi’’a girà, ca ‘o ddoce ‘e sott’’a tazza fin’a ‘mmocca mm’ha da arrivá. Vuje site ‘a mamma de repassatore. E i’, bellezza mia, figlio ‘e cartaro. Si vuje ve divertite a cagná core, i’ faccio ‘e ccarte pe’ senza denare. Bella pareglia fóssemo a fá ‘ammore! Ma cu sti mode, oje Bríggeta, tazza ‘e café parite, sotto tenite ‘o zzuccaro, e ‘ncoppa, amara site.
28
TRADUÇÃO A Xícara e o Café Queria saber porque quando me vê, você faz sempre a cara amargurada. Mas você, quanto mais feia se faz, mais bela aos meus olhos parece. Agora não sei se você repara isso. E deste modo, oh Brígida, uma xícara de café parece, em baixo ter o açúcar, e em cima, amarga é. Mas eu tanto vou girar, e tanto vou girar, que o doce debaixo da xícara até a minha boca deve chegar Queria saber porque quando me vê, você faz sempre a cara amargurada. Mas você, quanto mais feia se faz, mais bela aos meus olhos parece. Agora não sei se você repara isso. E deste modo, oh Brígida, uma xícara de café parece, em baixo ter o açúcar, e em cima, amarga é. Mas eu tanto vou girar, e tanto vou girar, que o doce debaixo da xícara até a minha boca deve chegar. Mais tempo passa e mais você fica gelada 29
ao invés de aquecer-se. Café delicioso! O belo é que apesar de ficar gelada, você é a delícia de café granulado fazendo concorrência à limonada. Mas deste modo, oh Brígida, uma xícara de café parece, em baixo ter o açúcar, e em cima, amarga é. Mas eu tanto vou girar, e tanto vou girar, que o doce debaixo da xícara até a minha boca deve chegar. Você é a mãe dos brincalhões. E eu, beleza minha, filho de carteiro. Se você se diverte a mudar o coração, eu leio o futuro nas cartas sem pedir dinheiro. Belo casal seriamos a fazer amor! Mas deste modo, oh Brígida, uma xícara de café parece, em baixo ter o açúcar, e em cima, amarga é. Mas eu tanto vou girar, e tanto vou girar, que o doce debaixo da xícara até a minha boca deve chegar. Claro que D. Brígida não gostava nada das insinuações, mas no fundo, apesar da cara feia, ela deveria sentir-se lisonjeada.
30
Capítulo 10 Tempos Amenos A vida seguia seu rumo, as crianças iam crescendo e cada uma ia mostrando sua personalidade. Claudina era muito vaidosa, autoritária e se sentia o centro do Universo. Ela sempre dava um jeito de, com muito charme e carinho, conseguia todo do “pappá” e ele, de bom grado era seu escravo mais devoto. A “mamma” nem sempre estava de acordo com os mimos que Dina recebia do pai, lembrando que havia os outros filhos que também queriam atenção. Mas o pai e também Nanná, que só tinha olhos para a bonequinha, diziam que era bobagem. A verdade é que Dina seduzia a todos com seu charme e sua inteligência. Mário se mostrava vaidoso e sempre queria dos pais roupas e sapatos novos, pois não gostava de usar muitas vezes a mesma roupa. Estava se tornando um rapazinho interessante: era um belo moreninho, os cabelos muito negros e olhos também. Já a sai sorte era que Mamma era absolutamente louca por ele, seu “figlio in Nápoli” e via de regra aceitava os pedidos de seu menino, mesmo com algum sacrifício. Já Helena, a Lenicchia, era calma, humilde e introspectiva, parecia não se importar com as exigências dos irmãos, desde que não a irritassem, pois se isso 31
acontecesse, ela se transformava em verdadeira fera. Ao contrário dos irmãos que eram fortes e corpulentos, ela era franzina, frágil. Possuía uma beleza clássica, própria dos italianos, seus olhos eram grandes e doces, de um castanho cor de mel, contrastando com os cabelos negros, sempre atados com uma fita. Certa ocasião, sua mãe lhe pedira que apanhasse uma galinha no quintal, pois faria parte do cardápio do almoço. Ela obedeceu prontamente: foi para fora, mirou uma gorda galinha e se pôs a correr atrás dela. Como corria aquela danada. Já exausta, tomou nas mãos uma pedra e arremessou contra a ave, na intenção de fazê-la parar, mas oh!, que falta de sorte... a pobre ave, atingida pelo petardo, caiu ao solo completamente morta. Helena ficou assustada e uma grande culpa tomou culpa de seu coração. Sentou-se então ao lado da galinha que acabara de assassinar e chorou copiosamente lágrimas de arrependimento, imaginando qual seria o castigo que “Jesu” lhe imporia por ter sido tão cruel. Tudo isso a fez esquecer da ordem da Mamma, que por sinal a estava procurando por todo lado. Quando ela se aproximou, visto a cena e ouviu da filha tudo o que havia acontecido, não sabia se ria ou chorava, tudo o que ela fez foi tomar a menina nos braços e consolá-la.
Capítulo 11 Surpresa D. Brígida vinha sentindo um mal estar a algum tempo. Eram enjoos, vertigens, certa apatia, um certo distanciamento dos fatos que exigiam sua atenção. Qual não foi sua surpresa ao fazer as conta, aquelas contas mirabolantes que só as mulheres sabem fazer, 32
pois os fatores que incluem amores e humores, depois de muitas confabulações com sua “sorella” chegou a inevitável conclusão: a família iria aumentar! Logo mais um novo ser viria para ocupar se lugar naquele lar amoroso. Quando o senhor Alfredo chegou naquela tarde, lá foi Brígida toda trêmula, emocionada, comunicar ao “pappa” que a cegonha viria visitá-los em breve. O “pappa” ficou agradavelmente surpreso e logo começou a pensar nas providências práticas a serem tomadas – onde instalar o bebê, quem iria ajudar a tão atarefada mãe, nos primeiros tempos. Ele se preocupou com o fato das duas mulheres, a e s p o s a e a c u n h a d a t a l ve z t e r e m d i f i c u l d a d e s para conduzir aquela turminha barulhenta. Ele se espantava também com o fato de já ter quase 70 anos e ainda poder viver aquelas emoções. Pensando assim, ele tomou nos braços sua esposa e a beijou, agradecido. Novamente a mesma correria na casa, a fim de iniciar os preparativos, tais como comprar tecidos para o enxoval, fitas e rendas, lãs e enfeites, preparar as crianças com cuidado para neutralizar possíveis ciúmes, providenciar o berço de balanço e o lugar onde o móvel iria ficar, pois no coração de todos o lugar do pequeno já estava garantido. O tempo ia passando e d. Brígida ia ficando cada vez mais cansada e pesada, nada mais natural, pois sua saúde era boa e a idade dela, por volta de 45 anos, não interferia em nada; ela continuava presente, ativa, amorosa e prestimosa. Cada camisolinha confeccionada, cada bordadinho, cada rendinha costurada a enchia de orgulho e alimentava mais ainda as suas expectativas, mas lá no fundo do coração, ela desejava que o bebê fosse mais uma menininha. Seria mais prático, pois já havia duas irmãzinhas para lhe fazer companhia. Ela sabia que seu marido queria outro menino, para fazer companhia para Mariuccio. Naquele tempo os filhos homens sempre contaram com maior apreço dos pais, pois eles iriam representar no futuro de seus pais, além de carregar o sobrenome da família e fazê-la expandir ao longo do tempo. 33
Muitas décadas seriam necessárias para que este padrão da sociedade mudasse. Lentamente as mulheres foram conquistando seu justo lugar ao sol, igualando-se aos homens. Sonhos a parte, a vida transcorria célere, o tempo voava e logo chegou a hora do nascimento do bebê. Para quem tinha parido das outras vezes assistida pelas melhores parteiras e enfermeiras, desta vez tinha apenas a parteira do bairro, sábia senhora que havia aparado todas as crianças ao redor. Dona Brígida estava confiante e a única providência que tomou foi rezar entregar se a Nossa Senhora do Bom Parto. Tudo transcorreu bem e logo ver o mundo a bonequinha mais rica e rosada que se poderia imaginar exausta e feliz a mamma tomou sua filha chorona nos braços chorou também de pura emoção nesta mistura de lágrimas selou para ambas o maior amor que o mundo já presenciou o verdadeiro batismo entre mãe e filha. O bebê era uma linda criança pequerrucho cheia de dobrinhas e muito rosada. Tinha cabelos castanho claros levemente encaracolados tez delicada, mãozinhas e pezinhos mimosos, que se agitavam alegremente . Era exigente, chorona, mamava alegremente como saudável animalzinho . A família ficou muito alegre com a princesinha, mas logo a mamãe lembrouse de solicitar ao papai que fosse ligeiro registrar a menina . Acontece que dom Alfredo já estava comemorando com os amigos o nascimento de sua filha, mas como Dona Brígida, autoritária insistiu bastante, ele resolveu ceder. Perguntou à esposa qual nome daria a menina e saiu junto com os amigos rumo ao cartório . Lá chegando , percebeu que havia esquecido o nome da menina: por mais que tentasse, os eflúvios do “vino” turvavam sua mente. Já estava quase desistindo voltando para casa para ouvir todas as reclamações da esposa . Tirou do paletó do bolso sua carteira de cigarros, afim de fumar um deles . Logo a marca, o nome do cigarro me chamou atenção: Yolanda . . . era um belo nome na sua opinião. Consultor brevemente seus cumpá 34
e decidiu-se logo: a menina chamar-se-ia Yolanda . Voltou para casa feliz , com a certidão de nascimento novinha nas mãos . Foi direto falar com esposa, mas esta quando soube do nome escolhido ficou muito brava. Mas nada mais poderia ser feito eu jeito foi aceitar o nome da bebê até que era simpático, pois não era?
Capítulo 12 Tempos difíceis E a vida continuava , cada vez mais intensa . Muito antes de completar a dieta , como era chamado o período de descanso pós parto, Dona Brígida já estava na lida , ciosa de seus afazeres . O serviço diário, dividido entre a casa e oficina era bastante pesado para que Dona Nanná o realizasse sozinha. Dona Nanná não gostava que comentassem , mas possuía uma perna mais curta que a outra . Quando era adolescente uma queda infeliz a fez quebrar uma das pernas e ela , colérica e teimosa , não permitiu que fosse engessada. Isso resultou no defeito que a fazia mancar dolorosamente . Era uma pena, pois Dona Nanná era uma linda jovem e mesmo com uma silhueta robusta fazia com que os jovens a olhassem como admiração quando passava na rua, de tez clara, cabelos escuros encaracolados mantinha sempre curtos a emoldurar-lhe o rosto. Apesar de ser enérgica e nervosa , tinha o riso cristalino, generoso, assim como era generoso o seu coração . Dedicava se com uma canina fidelidade aos seus “figli del core”, como chamava amorosamente ou sobrinhos. Sua predileta era a primogênita, a Claudi, que trazia sempre por perto, pronta a satisfazer suas melhores vontades, 35
tornando-a mais mimada , se é que isso era possível . Eram ambas “zia e nipota” (tia e sobrinha), parecidas fisicamente, além do gênio explosivo, no olhar penetrante e na aguda inteligência. Assim prosseguiu as duas irmãs se ajudando, dividindo alegrias e tristezas, preocupações e momentos engraçados. As crianças cresciam felizes e soltas pelo imenso quintal que mais parecia uma floresta . Podiam brincar com Chico, o macaco e também com o cão. Onde já se viu uma casa com 4 crianças que não abrigasse um cão o das crianças, digo, de Dom Alfredo, que era o verdadeiro dono do animal, era grande, longos pelos pretos e brancos, brincalhão, um grande vira latas, cujo nome era Nero. Entre inocentes folguedos infantis, grandes pitos que o “pappa” passava quando o desobedeciam, apesar de a “Mamma” zelar para que os pequenos estivessem banhados e penteados e nada fizessem para irritar o “pappa” quando este chegasse, pois com o passar do tempo, parecia se tornar cada vez mais impaciente e irritadiço. Ele gostada de sair para trabalhar em companhia de Mariucchio, pois já se sentia cansado da lida, mas quem disse que o velho pai achava o moleque quando precisava dele? Espertamente o endiabrado menino saia bem cedo e ia procurar os amiguinhos para jogar caixeta. Lá s eia então, D. Alfredo, furioso, prometendo grandes surras para a hora do almoço, quando retornasse. Claro que o menino não aparecia enquanto o pai estivesse em casa, mas quando o “vecchio” colocava a cabeça sobre os braços, para descansar na mesa onde havia almoçado, Mário passava furtivo e veloz como uma bala de revólver. Acontece que quando o “pappa” fechava os olhos para descansar, ele já havia tomado um litro de “vino” com a refeição e, caso despertasse do cochilo enquanto Mário atravessasse a sala, a garrafa de vinho voava em sua direção e quase sempre o atingia, padrão que aliás, se aplicada a todos que ousassem interromper seu descanso. 36
Este fato gerava grandes discussões com sua mulher e também com sua cunhada. Elas não aceitavam a maneira agressiva que ele usava para educar os filhos. Se por acaso, Mário conseguisse driblar a fiscalização paterna, à noite metia-se sob as cobertas e adormecia antes que o pai chegasse para jantar. Aí sim era um Deus nos acuda. “Pappa” irado, adentrava o quarto do menino e, munido do cinto, aplicava-lhe o castigo prometido. Claro que sua mão não pesava ao castigar o pequeno malandro, mas logo vinham as defensoras para tentar impedir as cintadas e na verdade eram elas que mais apanhavam. Pois não pense o leitor que cintadas, explicações e súplicas convenciam o menino. No dia seguinte ele faria a mesma coisa! As coisas pareciam se complicar cada vez mais. O menino não queria ajudar seu pai, o que o deixava cada vez mais nervoso, pois percebia o velho pai que seu trabalho, do qual dependiam tantas pessoas, se tornava cada vez mais difícil.
Capítulo 13 Chico À parte disso, o atrevido macaco Chico, dava cada vez mais trabalho. Ele era um jovem animal, vigoroso, forte e descontrolado e nem as cintadas do “patrone” surtiam mais efeito e o animal, às vezes, nem tentava reagir - isso era perigoso. Foi com pesar que, após consultar a família, D. Alfredo decidiu-se que o melhor a fazer era tirar o animal de casa, para colocá-lo em um lugar apropriado para um animal do porte de Chico. Decidiram, então, oferecê-lo ao parque que era conhecido como Jardim da Luz, que naquele tempo possuía um zoológico. Já no próximo domingo, a família toda fez questão de levar Chico para o novo lar. 37
Todos ficaram tristes, é claro, mas a tristeza do signore Alfredo impressionou. Suas faces envelhecidas e austeras fiaram cobertas de tristes lágrimas e, antes de colocar seu bom amigo na cela, deu-lhe um abraço caloroso, dizendo “vá co Dio, amico”! O macaco, por sua vez tão afoito e brincalhão, estava triste, prestando atenção ao redor... Parecia compungido. Foi silenciosa a volta de todos para casa... A ausência do amigo de tanto tempo era gritante. Agora só restava ir aos domingos visitá-lo, coisa que aos poucos foi deixando de acontecer, devido á distância, ao sol ou chuva, enfim, porque sempre acontece.Mas o coração de D. Alfredo ficou magoado por bastante tempo. Ele nem consegui passar perto da jaulinha de Chico, no quintal.
Capítulo 14 Lenicchia, a distraída As crianças progrediam na escola, eram mais ou menos obedientes e, dentro do possível, agora que estavam maiorzinhas ajudavam as “vecchias” no serviço doméstico; disse dentro do possível, pois naqueles tempos os adolescentes não eram muito diferentes do que os de hoje. Claudina, a mimadinha, era especialista em arrumar confusão com os irmãos e comer caixas e caixas de bombons - hábito que aliás levou para o resto se sua vida. Entre mazelas e guloseimas, não sobrava muito tempo para ajudar a “Mamma”. Ah! A propósito, ia-me esquecendo dos rituais de beleza, óleos e cremes, ovos e abacates faziam parte de sua rotina embelezadora, à qual ela era fidelíssima. Mariucchio, por sua vez, era muito hábil na técnica do escapismo: quando era solicitado a colaborar, por exemplo, subir em escadas altas para apanhar qualquer objeto, carregar 38
alguma coisa mais pesada, ele simplesmente desaparecia... No seu entender, o jovenzinho bonito, elegante e de excelente lábia, não podia ser diminuído ao ponto de participar de tarefas domésticas! Ainda mais que dançar o tango já estava se tornando para ele mais fascinante do que jogar caxeta na rua. B a s t a va m o s p r i m e i r o s a c o r d e d e u m b e l o tango para que surgisse o galante e imaginativo Mariucchio a bailar pela casa. Ao som do gramofone que tocava na sala, ele se sentia um verdadeiro “Gardel”. Então, todas ou quase todas as necessidades de uma forcinha extra, um apoio, recaiam sobre Hélena, a calada, a obediente. Para ela restavam as pequenas tarefas feitas na rua, tais como comprar algum remédio na farmácia, algum item que faltasse para o almoço, coisas assim. Mas a menina tinha exigências: quando ia para a rua sozinha, ela sentia-se mal, ficava aflita, o coração disparado, pobre menina...Todas essas sensações ruins passavam se ela estivesse acompanhada. Ela se distraía e nem notava. De repente a tarefa já estava concluída e ela em casa. Ora, nada mais natural do que pedir à Mamma para leva Yolanda consigo. A menininha já caminhava bem, quando levada pela mãozinha e poderia fazer-lhe companhia. Hélena adorava a irmãzinha caçula, achava graça em seu jeito alegre, a fala “tatibitate”, as roliças perninhas que a acompanhavam céleres. Juntas, as duas irmãzinhas iam aonde quer fosse. Pappa e Mamma conversaram um pouco, pesaram os prós e contras do pedido da filha do meio para depois decidiremse: Sim, Lenicchia poderia sair a sós com a pequena Yolanda. Porém só havia uma coisa que Lenicchia tinha mais medo do que andar sozinha na rua: eram os negros, ou afrodescendentes, com é correto chamá-los. Isto era explicado pelo fato de na Europa serem muito raros ou quase inexistentes indivíduos desta etnia. Com a família europeia não tinha conhecidos negro e tudo o que o cérebro desconhece passa a temer, então estava justificado o medo avassalador que dominava a pobre menina. Se ela estivesse andando na rua e, repentinamente cruzasse 39
com um negro, sua reação era arregalar os olhos, tentar soltar o grito de pavor que ficava preso em sua garganta e correr, correr desesperadamente em busca do refúgio do seu lar. Ocorre que, se ela estivesse com a irmãzinha pela mão, a pobre garotinha, além de correr e se assustar, não conseguia se livrar dos obstáculos que estivessem pelo caminho, tais como quinas de bancos de praça, pessoas vindo de direção contrária e... caixas de correio.Ah! As caixas de correio - parecia que algum gênio do mal as colocara na altura certinha para que a cabecinha da pobre Yolanda se chocasse durante as fugas desenfreadas. Pronto, assim estava concluída mais uma pequena tragédia doméstica. Imagine, caro leitor, a seguinte cena: Entra Lenicchia pela sala, toda vermelha, suando e com um pavor absoluto estampado na face - terror agora acrescido do medo de tantos pitos e “cassotes”que ia levar. Logo atrás entrava Yolanda, toda trêmula, chorando e sangrando. Quando o sangue não provinha dos joelhos ou cotovelos, claro que só podia vir de sua cabecinha (lembramse das caixas de correio?) Ah, meu Deus, o bafafá estava completo: broncas, lágrimas, onde está a garrafa de água végeto mineral? Ela sim era eficaz para desinfetar, tirar a dor e não deixar fazer galo, caso se tratasse da cabeça. Minutos após, já cuidada e com uma bandagem improvisada sobre o machucado e um caramelo na boquinha para parar o choro. Vou contar um segredo: a bonequinha a-do-ra-va rebuçados, um caramelo redondinho, recheado de cocada mole. Estes sim, faziam parar qualquer choro.Aquele atribulado lar prossegui, intrépido, dia após dia, ano após ano. A s c o i s a s s ó s e d i ve r s i f i c a va m , n u n c a m u d a va m . O que vinha mudando visivelmente era a saúde do Pappa. A cada dia ele parecia mais taciturno, fraco, apático... como nada escapara à D. Brígida, ela já estava preocupada com isso.
40
Capítulo 15 A doença de D. Alfredo Uma noite, quando “su marito” apresentou um mal estar, foi chamado o médico da família, Dr. Sainat. Após a consulta, este chamou a esposa do paciente para a sala, para fazer a receita e conversar. D. Brígida não gostou da fisionomia, sempre bonachona, do “dottore” que conheciam há tanto tempo. Sobrancelhas franzidas, ele estava bastante preocupado. Conversaram e o médico achou que a pressão de D. Alfredo estava bastante alta; receitou um remédio a ser aviado na farmácia e deu todas as recomendações inerentes a este caso: cortar o sal, vinho e excessos, sobre ameaça de lhe advir um derrame. Claro está que D. Alfredo não gostou das novidades e muito menos das proibições: não queria saber de comida sem sal, nem pensar em lhe proibir o salame, a mortadela, a linguiça. O que seria da vida sem “un bicciero de vino”? Mamma Mia! Mas esta rebeldia lhe custou caro: logo caiu de cama e aí as coisas se complicaram. Sem o chefe da família para trabalhar, as duas senhoras se desdobravam em cuidados com o doente e ao mesmo tempo trabalhavam mais. O orçamento da família estava cada vez mais apertado e preocupante. Os dias eram tão intensos, cansativos, que ninguém percebeu que Nero, o cão, estava cada vez mais triste. Comia 41
pouco e só perambulava pelos cantos, todo cabisbaixo. At é q u e u m d i a N e r o n ã o s a i u d e b a i x o d a cama de seu dono e pela manhã, como fizera durante s u a v i d a t o d a , p a r a ve l a r o s o n o d e s e u d o n o . Mais uma tristeza para a família, em especial para D. Alfredo - este sentiu de verdade a ausência de seu amigão. Bastava que o “vecchio” estendesse a mão para tocar seu amigo peludo e agora, tudo o que lhe restava era o vazio. O estado de saúde de D. Alfredo piorava, ele começava a sentir os incômodos relacionado à doença, estava cada vez mais inapetente, irritado e cansado. Certa noite D. Brígida acordou sobressaltada com um barulho surdo vindo do banheiro: correu para lá e encontrou seu marido caído no chão, desacordado. O que o médico prognosticara como o pior desenrolar da doença acontecera: D. Alfredo sofrera um derrame. Seu velho coração não suportara tanta tristeza e deu seu primeiro sinal. Solicitado, o médico acorreu de pronto e, depois de estabilizar o paciente, fez novas e mais severas restrições, a fim de evitar outro episódio daqueles, que com certeza, seria fatal. Em casa as dificuldades só aumentavam, o dinheiro encurtava, pois não havia nem tempo de confeccionar as peças de lingeries e nem de vendê-las às clientes. Foi aí que os “amicci” e os “cumpá” de D. Alfredo resolveram ajudar a família, cada um colaborando com o que podia para as despesas da casa e remédios do velho “amico”. A saúde dele só piorava e todos começaram a temer pelo pior. Então os ‘’amici” começaram a levar para lá suas esposas, as “cumá” para ajudar na rotina da casa. Como todos tinham filhos pequenos, a noite as mulheres voltavam para suas casas, deixando de prontidão seus maridos, caso fosse necessário ir buscar o “dottore”, o farmacêutico, pra fazer uma injeção de urgência, etc. Só para espantar o sono nas longas noites, jogavam uma scoppa . Enquanto as cartas rolavam, porque não um “bicchiero di vino”? D. Brígida e sua irmã não gostavam nada daquela 42
situação, principalmente por que de manhã chegavam as esposas e as crianças e a confusão estava armada: tanta gente para receber, alimentar fartamente; se as visitas avistassem uma galinha mais gorda andando no terreiro, logo uma das mammas a apanhava e logo a metia na panela. O mesmo fim tinham os ovos, as frutas e tudo o que fosse comestível. Era um preço muito alto a pagar, pois dois dedos de prosa quando as vezes, um dos homens lembrava-se de se aproximar do doente. Tudo levava a crer que D. Alfredo, inerte como estava, n ã o t o m a va c o n h e c i m e n t o d a s i t u a ç ã o , m a s n ã o um “maschio honorato” como era o senhor da casa. Furioso com a má fé dos “amicci”, os quais nem mereciam esta denominação e sentindo que o fim aproximava-se, num último gesto de coragem e lucidez, saiu do leito, abriu a gaveta da mesinha de cabeceira e de lá retirou seu Smith Wesson, arma que sempre lhe serviu para defender seu lar e sua família. Aos gritos, brandindo a arma, disparou três ou quatro tiros para o ar e expulsou a todos os falsos amigos que invadiram sua casa e sua vida, pouco se importando com o possível fim do amigo. Depois deste último ato de bravura e de acalmar a todos em casa, ele se deitou, aliviado, fechou os olhos e suspirando, partiu desta vida. Naquele momento se encerrava a vida de um homem nobre, de princípios sólidos, cujo único deslize desta vida foi amar demais - amar de seu modo autoritário, sensual, terno e apaixonado. Cumpridos os trâmites legais, após o funeral para o qual alguns amigos arrependidos fizeram questão de colaborar, tudo o que restou foi a pergunta:
43
Capítulo 16 O que fazer agora? Era doloroso ver aquelas duas senhoras sentadas à mesa da cozinha, quando caía a noite, depois que as crianças dormiam. Elas aproveitavam aqueles momentos de silêncio para confabular, tentar fazer planos para o futuro. A verdade era que havia 5 bocas para alimentar, muitos pés precisando de calçados e roupas que pareciam encolher de uma semana para a outra. em o jeito era tentar arrumar emprego para o s d o i s m a i s ve l h o s , q u e j á e r a m a d o l e s c e n t e s . D. Brígida iria conversar com suas freguesas, todas abastadas, esposas de empresários e quem sabe apareceria alguma vaga? Pe l o m e n o s o s m e n i n o s f a l a va m p o r t u g u ê s , além da língua pátria e também alemão. Pior era para as duas senhoras que não falavam nem entendiam o idioma que elas achavam tão complicado. Tudo havia dado certo na parte comercial porque as duas ficavam só dentro da oficina, confeccionando as peças e de alguma maneira conseguiam se comunicar com suas costureiras. As vendas, com já foi dito, ficavam por conta de D. Alfredo, que falava e escrevia razoavelmente o português. Agora, era driblar mais essa dificuldade para se situar, falar com as pessoas na hora de comprar e vender, pegar o bonde. Logo se viu que estas tarefas ficariam com D. Brígida, pois D. Nanná não mostrava a menor tendência para encarar a nova missão. A propósito, D. Nanná não sabia nem ler nem escreve 44
em sua língua pátria, pois nunca quisera frequentar a escola em sua meninice, nem ao menos aquela escolaridade básica que os pais permitiam às suas filhas, pois naquele tempo acreditavase que as filhas não precisavam de estudo, já que tinham sido feitas para casar e cuidar do lar, do marido e dos filhos. Agora, depois de adulta, D. Nanná tinha vergonha de não saber ler e escrever e não admitia esse fato - dizia que já havia aprendido tudo sozinha. Certo domingo, depois que o dono da casa já havia lido o jornal da comunidade italiana, o “La Fanfulla”, D. Nanná cismou de ler também o semanário. Para espanto de todos, desdobrou o jornal sobre a mesa e ficou olhando para ele atentamente, como se estivesse lendo. Fingia não reparar o olhar risonho trocado entre a irmã e o cunhado, e para provar que estava lendo, saiu-se com esta:-Vejam, estão vendendo bastante “Mercoledi Ricamado” - Está escrito aqui! O casal que estava tentando manter-se sério por compaixão e respeito, riu até cansar, pois o que D. Nanná dissera não tinha o menor propósito, pois significava quarta-feira bordada!!!
Capítulo 17 Árduo Tempos Com tantos pedidos de recomendações para arrumar emprego para seus filhos, um belo dia essas vagas apareceram, Grazzia a Dio. Claudina iria trabalhar no comércio, em uma loja de tecidos importados, na Rua Direita, centro de São Paulo. Já Mário trabalharia em uma loja de calçados, na Av. São João. Os salários dos meninos somados já iriam ajudar na casa, mesmo tirando um pouco do dinheiro para as despesas pessoais. Era difícil contar com a compreensão e colaboração 45
dos dois jovens cheios de ilusões, vontades e tentações. Como contribuir com a Mamma, cedendo parte de seu suado dinheirinho se queriam comprar tantas coisas bonitas e fúteis? Eram roupas, sapatos e principalmente meias, meias de nylon, as mais desejadas, as mais cobiçadas, caríssimas, que Claudina dizia não ter sequer comparação com as de algodão, que por serem grossas, se enroscavam nos vestidos, um horror! O problema era a durabilidade das cobiçadas m e i a s d e n yl o n : q u a l q u e r l e ve a t r i t o a s d e s f i a va e aí, era só jogar fora, pois estavam inutilizadas. Já Mário, que era muito vaidoso, gostava de camisas de tricoline pura, quando não fosse possível comprar de linho. Gostava também de gravatas e ternos, mas a ênfase principal era sobre os chapéus e sapatos, os mais elegantes possíveis,pois não poderia ser diferente para um amante de tango, que se inspirava em Carlos Gardel, o “milongueiro” mais idolatrado da época. Voltando aos salários dos jovenzinhos, a verdade é que quase todos mês faltava dinheiro para ambos e eles precisavam recorrer à Mamma para garantir o dinheiro da condução do mês seguinte. Ah” A doce irresponsabilidade e os sonhos da juventude... Outra esperança frustrada para as dias senhoras que contavam com aquela ajuda. O pior era que as dívidas começavam a se acumular: os credores apareciam a toda hora no portão e, pasmem, quase todos eles eram os antigos “amici” de D. Alfredo, que diziam ter emprestado valores para o próprio durante sua doença e agora queriam ser ressarcidos. D. Brígida e sua irmã não tinham mais argumentos para pedir prazos para efetuar os pagamentos. A situação era grave e não havia de onde tirar tantos recursos sem fazer novas dívidas. Era o açougueiro, o leiteiro, o padeiro, o senhorio, fora os “amicis”, todos querendo receber alguma coisa. As mulheres estavam nervosas. Um belo dia, um credor tocou a campainha, exigindo aos berros seu dinheiro. D. Nanná estava em casa e foi atender, levando nos braços Yolanda. Que hora mais sem graça para atender a porta, principalmente porque a criança estava tomando sua caneca matinal 46
de leite. Enfim, pegou a criança no colo e foi ver do que se tratava. Óbvio que mais uma discussão começou com mais gritos e ameaças - “la signora mi deve, mi deve, mi deve... - Mas non vou pagare perque mal temos o que comer... Os ânimos se exaltaram, D. Nanná estava vermelha, suada e gritava muito; isso assustou muito a menina que resolveu ajudar a “zia” dando uma poderosa canecada na cabeça do homem, mas errou a pontaria e acertou a cabeça da tia. O sangue começou a escorrer na hora, o que turvou a visão e os sentidos da senhora, que, indignada, pousou a criança no chão, e brandindo a vassoura que estava encostada em um canto, partiu para cima do cobrador, dando-lhe inúmeras vassouradas, deixando assim bem claro que já estava efetuando o pagamento, mas que se faltasse alguma coisa, ele que viesse buscar, pois havia muito mais esperando por ele. Formou-se um pequeno grupo de pessoas em frente à casa, e o cobrado, aos gritos de “polizia, polizia” saiu correndo, sobre as vaias e apupos do grupo. Outros episódios semelhantes a esse se seguiram, havia o carvoeiro, que recebia o fiado todas as segundas feiras. Quando as senhoras não dispunham do p a g a m e n t o , n ã o h a v i a p r o b l e m a : e l e p e g a va u m toquinho de carvão e marcava no muro, junto ao portão. Ora, de vez em quando, a conta ficava um pouco longa, mas nada que D. Brígida, munida de um pano molhado, não pudesse apagar, diminuindo assim seu valor. Acredito que não houve problemas quando de sua entrada no Céu, só por causa desses pequenos pecados, afinal, a causa era nobre e nenhuma casa sobrevivia sem lenha. Qualquer um sabe como a comida é importante em casa de italianos, a variedade, a fartura. Cozinhar, para as Mammas, era um prazer, além de uma necessidade. Elas possuíam mãos divinas para cozinhar. Em sua casa se “mangiava molto bene”. Só elas sabiam a quantidade certa de lenha para durar uma noite inteira sem apagar, cozinhando o molho, 47
divino ragú que envolveria lindamente a pasta na hora do almoço, ou o ‘faggiole” (feijões), de todos os tipos, que também seriam servidos com variados tipos de pasta. A respeito dos feijões, o mais interessante é que quando elas punham os grãos na caçarola para cozinhar, punham também algumas latas de leite condensado fechadas, e quando os grãos estavam cozidos, o delicioso doce de leite também estava pronto, para ser degustado por todos. Entre milhares de almoços e jantares, milhões de pratos, copos e talheres devidamente limpos e guardados, muitos varais de roupas branquinhas e cheirosas estendidas, a vida passava, as crianças cresciam e todas as noites as duas senhoras, exaustas, rezavam e agradeciam a Deus, antes de adormecerem. Enquanto Yolanda crescia a olhos vistos e já ia para o Grupo Escolar, Lenicchia, sua fiel companheira ficara “mocinha” e estava cada dia mais taciturna, chegando a ser atávica “naqueles dias”. Caso precisasse ir à rua para fazer alguma tarefa, só aceitava ir vestindo um pesado casaco escuro, chapéu ou touca, escuros também e botina. Parecia que ela precisava esconder sua feminilidade dos olhos dos outros, encapando-se, literalmente, fizesse calor ou frio. Ora, isso, acrescido ao seu antigo pavor de n e g r o s , f o r m a va u m q u a d r o n o m í n i m o c u r i o s o . A jovem toda coberta, andando ligeira, olhando sem parar para os todos os lados, como se estivesse procurando um possível inimigo.. E s s e c o m p o r t a m e n t o a d e i x a va v u l n e r á ve l , desatenta e quase sempre ela era protagonista de e p i s ó d i o s d e s a g r a d á ve i s , q u a n d o n ã o , p e r i g o s o s . Certa feita, tinha ido Hélena à farmácia compra rum remédio qualquer e estava justamente “naqueles dias”, ou seja, vestida daquela maneira: eis que ao adentrar a botica, deparou-se com um negro enorme, o maior que já tinha visto, sentado, à maneira hindu, na porta. Após soltar um grito apavorado, pôs-se a pobre menina a correr para fugir daquela visão hedionda. Na carreira, ela se chocou 48
com o indivíduo, que caiu e se espatifou no chão, visto que este era uma estátua de barro, para a propaganda de um remédio contra dor. Percebendo que a menina se machucara com o encontrão, o farmacêutico correu para ela, para a ajudar. Esta, mais apavorada ainda, atravessou a rua feito uma bala, foi atropelada ou melhor, atropelou um carro que ia passando. Ainda bem que não foi nada grave. Ela apenas caiu e ficou com algumas escoriações que ninguém conseguiu ver, pois a menina levantou-se e tratou de fugir em desabalada carreira, pois o farmacêutico estava atrás dela, para ver o que poderia ter acontecido com a menina, que pensava que estava sendo perseguida para pagar o prejuízo. Q u a l n ã o f o i o s u s t o d a M a m m a , a o ve r a menina chegar toda esbaforida e ensanguentada e ainda mais sendo perseguida por um homem. Quando tudo se esclareceu, a aflita mãe ficou sabendo que o homem era o dono da farmácia e só queria ajudar. Claro que a humilde senhora não teve que pagar nada e a atrapalhada menina ganhou curativos e cuidados. A parte dos sustos, Hélena mostrava-se uma boa aprendiz de dona de casa. Sabia cozinhar um pouco (mas também com aquela Mamma para ensinar, qualquer um aprenderia), arrumava a casa e sabia cuidar das roupas, só cuidar, porque a Mamma não permitia que ela lavasse as roupas, pois era um serviço pesado. Mas contrariando os hábitos dos jovens que queriam fugir do serviço doméstico a qualquer jeito, Hélena gostava muito de passar as roupas com o pesado ferro à carvão. Funcionava este instrumento mais ou menos assim: O ferro de passar abria logo depois da base, formando um espaço vazio, que deveria ser completado com brasas retiradas do fogão - aí, se fechava a abertura e dentro de alguns minutos o ferro estava aquecido e era usar. A menina aprendeu em pouco tempo como usar o ferro, cuidado para não deixar escapar as brasas, como assoprar para não deixar as brasas morrerem, enfim, tudo o que precisava saber. Eram muitas trouxas de roupa para passar, mas as 49
roupas que mais mereciam cuidados era as camisas de Mário. Tanto as de trabalhar e ainda mais aquelas melhorzinhas, que ele guardava para as noites de tango. Caso ele encontrasse uma ruga que fosse no colarinho das camisas, enfurecido, jogava todas no chão e pisava em cima. Os pedidos de sua mãe e as lágrimas de s u a i r m ã n ã o o c o n ve n c i a m n e m o a c a l m a va m . Muitas vezes por causa de uma só camisa, todas ficavam estragadas, precisando não só serem passadas, mas lavadas também. Até que um certo dia Hélena não estava de bom humor e, depois da conhecida cena de camisas pisoteadas no chão, a menina subitamente agarrou as peças e, em questão de segundos, as reduziu a frangalhos, estraçalhadas com igual fúria à que o irmão usava contra ela, que passava as roupas com tanto amor e boa vontade.
Capítulo 18 Novos amigos Ora, já se sabe que os Avella morava em uma casa que possuía um enorme quintal, que abrigava muitas árvores, as galinhas, alguns gatos e além de tudo era ótimo para secar roupa. Os varais, estendidos de ponta a ponta, d a va m c o n t a d e s e c a r t o d a a s r o u p a s d a c a s a . Um belo dia, mudou-se para a casa ao lado um tintureiro com a família. Ocorre que esta casa do vizinho quase não tinha quinta, o que dificultava o serviço de todos, devido à demora para secar as roupas. Foi então que o sr. Augusto, o tintureiro, veio fazer uma proposta para D. Brígida: caso ela permitisse que ele colocasse varais para estender roupa em sue quintal, ele forneceria carvão mineral que era usado na tinturaria. Assim sempre que necessário, haveria carvão para 50
abastecer o ferro de passar. O carvão durava mais que a linha e não soltava fuligem nas roupas. É, era um com acordo... Logo, as conversas através do muro se tornaram amistosa, tipo: “Bom giorno signore! - Bom dia Dona. Hoje o tempo vai ficar bom para secar as roupas, né? - Ah, si..” Ao entardecer as mulheres que trabalhavam lá, todas donas de casa, aproveitavam as últimas pedras de carvão em brasa, que seriam desperdiçadas, pois o serviço já havia acabado, para fazer bules de chá mate verde e açúcar. Era só despejar o mate sobre as brasas e chacoalhar vigorosamente, para que o perfume do chá se espalhasse pelo ar. Acrescentavam água quente e pronto: era só servir. Quem podia, trazia pão e manteiga e assim faziam o lanche da tarde. Acontece que as crianças da vizinha ficavam do outro lado da cerca só espiando, sentindo o cheirinho... “- Menino, menina, venham cá tomar uma caneca de chá e comer um pedacinho de pão..” Eles não se faziam de rogados: com um enorme sorriso estampado em seus rostinhos, pulavam a cerca rápido para as “vecchias” não verem e iam comer o delicioso lanchinho. Mas que disse que mão não vê, não sabe tudo? Logo elas estavam debruçadas no muro a chamar de volta seus rebentos, pedindo “mile scusi” (mil desculpas). Chegando em casa, limpavam suas boquinhas sujas e espanavam pela enésima vez as fagulhas de pão das roupas deles, e, também pela enésima vez, entre bravas e ternas, que aquelas pessoas eram pobres, que compravam seus lanches com sacrifício. Os três ficavam com os rostinhos tão compungidos que dava um dó... E, se a Mamma comprasse o pão e a manteiga e levasse para as senhoras do outro lado da cerca, aí eles poderiam tomar o lanche sem culpa. “Eco!!” Yolanda, sempre brilhante, havia encontrado a solução para o impasse. Com o tempo, os convites ficaram cada vez mais insistentes e logo estavam todos reunidos, a tomar o chá da tarde, contando as novidades do dia, enquanto as crianças corriam pela relva. Yolanda estava se transformando em uma linda menina. 51
Mudara muito pouco o seu jeito de bebê. Continuava robusta, cabelos claros e encaracolados e a pele muito branquinha. Possuía inteligência aguda e rápida. mas por outro lado, era bastante sensível e sonhadora. Sua confidente era Hélena, pois de certa forma esta se transformar em seu anjo da guarda, pois ela a adorava, apesar dos episódios dos galos e arranhões, provocados já se sabe porque... E foi para a “sorella” (irmã) que Yolanda confidenciou que através do muro do quintal, no lado oposto à tinturaria, acabara conhecendo um menino que morava na casa. Todas as manhãs, fora do horário da escola, eles conversavam através do muro, contando coisas de seu cotidiano, riam juntos e ficavam imaginando como seria seu amiguinho do outro lado do muro, muito alto, que dificultava qualquer plano de transpô-lo. Mas a curiosidade era grande e logo o menino teve a ideia de fazer um pequeno buraco no muro para que eles pudessem se conhecer realmente. O plano deu certo e então, além de conversar, eles podiam se ver através da frestinha do muro. Logo surgiu a ideia de trocarem poesias, pois os papeizinhos bem dobrados passavam de um lado para o outro, fora as pequenas flores, desenhos, aquelas delicadezas que só os amigos conhecem. Hélena observava o desenrolar desta amizade e perguntava se não seria mais fácil se a menina contasse à Mamma e eles pudessem brincar juntos no quintal ou na rua, por exemplo. Mas logo desistiu da ideia, achado que assim era mais romântico. Claro que ela fiscalizava de perto essa amizade, pois de certa forma, era responsável pelos dois jovenzinhos, cada um do seu lado do muro. C e r t a ve z e l a p r ó p r i a f o i e s p i a r a t r a v é s d o muro e constatou que era um menino bonito e a inocência dos verdes anos acalentava aquela vivência. E n q u a n t o i s s o Yo l a n d a c o n t i n u a va p e r a l t a . Agora não era mais necessário que Hélena perseguisse as galhinhas que iriam para a panela. Yolanda tomara para si essa função - ela era rápida e 52
esperta e com ela as galinhas não tinham vez. Ela só ficava com pena dos pintinhos e sempre que encontrava uma ninhada órfã pelo mato, logo encontrava uma galinha que aceitasse ficar com a cria. Ufa! Um peso a menos na consciência. Outra coisa que a menina adorava fazer era subir no e de manga para saborear as frutas - mangas coquinho, doces como o mel. A mãe já havia proibido que ela subisse, pois a árvore era muito alta, mas a menina não lhe dava ouvidos: do alto da mangueira, toda lambuzada, amarela da cor da fruta, ela podia observar se D. Brígida saía à porta da cozinha para chamá-la e aí restavam duas alternativas: fingir-se de morta ou descer rapidamente. E foi em uma dessas, digamos, “aterrissagens” que seus pés escorregaram e ela desceu em louca velocidade, pena que havia um pequeno galho no meio do caminho, que rasgou a perna da gulosa menina de cima a baixo. Além da dor e do sangue, os gritos da mãe “Ben Fatto, bruta béstia” (bem feito, sua besta). Os dias se passavam, os meses, logo, Hélena também arranjou emprego. Veja só que importante: Ela foi chamada para trabalhar como caixa no Magazine Mappin, uma das lojas mais chiques do centro da cidade. Ficava na Praça Ramos de Azevedo, só perdendo para a Sears Roebuck. Hélena deveria usar uniforme: saia justa preta, blusa bege de triconline, sapatos pretos de salto alto e uma charmosa gravatinha borboleta. Um crachá dourado pregado à blusa com o símbolo da loja e o nome da funcionária completavam o traje. Hélena ficava diferente, elegante, com os cabelos arrumados em um charmoso coque que repousava sobre sua nuca. O emprego fora de casa fez muito bem à moça. Logo ela foi se transformando, ficando mais segura, falante e aos poucos perdendo aquelas manias atávicas, que tanto a atormentaram na infância. A feiosa libélula ia se transformando em uma bela borboleta. Quando tudo parecia estar se encaminhando, uma visita inesperada encheu de preocupações e tristeza o coração da Mamma: Dona Liduína, diretora do grupo escolar 53
onde Yolanda estudava, veio conversar com D. Brígida. Ela queria dizer que o rendimento escolar da menina estava muito abaixo e não era por falta de estudar, mas sim porque ela já não enxergava o suficiente para acompanhar as lições. De nada adiantava mudar a menina de lugar, trazê-la para a frente da classe, trocar os óculos pelos mais adequados que havia na época. A visão da menina piorava dia a dia. Triste foi revelar à menina o desfecho desagradável que o destino lhe reservara. Porém, com amor e paciência, D. Brígida conseguiu irar Yolanda da tristeza enorme que quase a fez sucumbir. A escola era tão importante para ela, a leitura ocupava seu tempo de maneira prazerosa, lhe permitia conhecer novos mundos e sonhar. Porém, com dizia a Mamma, “Dio sape chello chi fá...” (Deus sabe aquilo que faz). O jeito era aceitar o fato desagradável e seguir em frente, ficar em casa ajudando nas tarefas do dia a dia e receber de vez em quando as visitas da madrinha.
Capítulo 19 A madrinha de Yolanda Chamava-se Dona Nena e era uma senhora muito grande no tamanho, no potencial de voz, nos humores e amores. Era casada com um argentino e por causa disso e também por sua situação abastada, possuía uma casa em São Paulo e outra na Argentina, onde passava as férias. Ela nutria um amor exagerado pela menina Yolanda, fazendo questão de lhe oferecer muitos, muitos presentes e mimos: Eram roupas, sapatos, brinquedos e bonecas, tudo “estrangeiro”, como fazia questão de explicar, pois comprava mesmo na Argentina. Mais de uma vez ela havia sugerido a D. Brígida que deixasse a menina ficar com ela, que poderia lhe dar melhor educação, bem com 54
procurar “lá fora” um tratamento melhor para a visão de Yolanda. “Ma che sei pazza? Molto obrigado, ma nom precisa se incomodare” (Mas você está doida? Muito obrigada, mas não precisa se incomodar ), desconversava D. Brígida. A mãe amorosa não podia sequer imaginar sua filha caçula morando longe dela. D. Nena morava em uma mansão na parte nobre de São Paulo. Era uma casa enorme onde só moravam ela, seu marido e Michú, um gato preto enorme, de olhos verdes assustadores. Este anima parecia um cão, tamanha fidelidade dedicada à sua dona. Onde D. Nena estivesse, bastava olhar ao redor para descobrir o gato. Quando Yolanda conseguia permissão da mãe para passar alguns dias na cada da madrinha, ia meio que a contragosto, pois o medo daquele gato diminuía um pouco o prazer da visita. Por mais que a m a d r i n h a t e n t a s s e c o n v e n c ê - l a que o animalzinho não lhe faria mal, Yolanda não se convencia muito ao ver seu olhar fixo e seu pelo eriçado. D. Nena alimentava outras paixões, além da afilhada e do gato. Ela era diletante das artes culinárias, em especial dos doces. Muito interessada, tudo o que era novidade ela adquiria rapidinho, a fim de aumentar o sabor, a cor ou a beleza de seus doces. Quase toda a semana ela levava para as crianças da comadre lindos doces artísticos, verdadeiros deslumbres. Claro que as crianças ficavam encantadas com os doces e ávidas para prová-los. Porém, D. Brígida, ciente de que os dotes culinários da comadre era, digamos, bastante extravagantes para a época, pois possuíam muitos tipos de corantes e aromatizantes, não encontrados aqui, no Brasil. - “Mas se é do estrangeiro, é melhor...” Rebatia D. Nena... Cansada de argumentar, a astuta mãe estabeleceu com os filhos um código. Através de olhares profundos, ou zangados, piscadas e olhadelas, todos entendiam s e e r a p a r a p r o va r d e t e r m i n a d o d o c e o u n ã o . Pobre de quem ousasse desobedecer a Mamma... Este código de olhares e pequenos muxoxos se aplicava a todos os comportamentos, e no caso, aos doces. 55
Ah, quantas dores de cabeça davam os doces para D. Brígida: a pobre mãe tinha medo que, por excessos de ingredientes, os tais doces fizessem mal às crianças e então era melhore esperar que os adultos comessem, e se nada de mal acontecesse, então os pequenos poderiam se lambuzar à vontade. Em tempos: as desculpas por não aceitar nem um pedacinho de doce, devido a algum olhar furioso ficavam a cargo de cada um. Jamais, vejam bem, jamais revelar o verdadeiro motivo da recusa. Mas não é que D. Brígida tinha razão: Um belo dia, ela recebeu de Antonio, marido de Nena, dizendo que ela estava hospitalizada, devido a uma forte intoxicação, provavelmente devido ao excesso de extrato de baunilha, em algum doce feito por ela. Mais uma vez a cautela da mãe protegera os filhos. Mesmo quando Yolanda ia passar alguns dias com a madrinha, a regra era válida, se bem que lá, a amenina nem tinha vontade de provar novidades, devido ao pavor do gato dos olhos verdes. Se ela entrasse na cozinha a noite, para pegar um copo de água, eis que surgia da escuridão o “monstrinho” para assustá-la. A vida de Yolanda estava meia monótona, pois as visitas à casa da madrinha estavam agora escassas, devido aos hábitos culinários um pouco extravagantes. A escola fazia muita falta à menina, pois lá havia todas as suas coleguinhas, as professoras que ela tanto admirava e principalmente o acesso à cultura, ao saber, que eram um verdadeiro elixir para a menina ávida de conhecimentos. O que restava à menina era ler, ler tudo o que lhe passasse pelas mãos, revistas, jornais, livros que ela conseguia emprestado com os irmãos que ainda iam à escola ou que ela pedia emprestado às freguesas de sua mãe. Pouco a pouco Yolanda foi se tornando autodidata e o engraçado é que justamente o que a vida havia lhe negado, que era o prazer do conhecimento, lhe chegava agora de forma tão inesperada e prazerosa. Aí então sua vida ficou um pouco mais preenchida, seus dias se dividiam entre ajudar a Mamma nos afazeres domésticos, pois Yolanda sabia que a rotina doméstica mais a oficina de costura 56
eram um fardo muito pesado para as duas heroicas senhoras e era com prazer que ela contribuía. Era bem melhor do que ficar sozinha em casa, pois seus irmãos ou estavam trabalhando ou estudando. Assim ela começou a se interessar pela culinária, não aqueles sonhos mirabolantes que sua madrinha praticava, mas a culinária simples, vigorosa e saudável que alimentou a família a vida toda. A o s p o u c o s , Yo l a n d a f o i s e e m b r e n h a n d o o u n i ve r s o d o s c h e i r o s , c o r e s , t e m p e r o s e s a b o r e s . Assim, ficava mais preenchido o seu dia. Terminada as obrigações seu tempo livre era ocupado com seus livros. Seus irmãos mais velhos não tinham mais tempo para ela. Ficavam entretidos em suas conversas, seus sonhos, flertes e bailes. A h , c o m o e r a d i f í c i l p a r a as jovens conseguirem permissão para ir a um baile, mesmo que acompanhada de sua fiel escudeira D. Anna. Esta sempre tinha boa vontade em acompanhar as moças, mas a Mamma sempre colocava obstáculos. Ora era porque o dinheiro era pouco para as despesas, ou porque era perigoso, pois acabava tarde, ou era Mário, que enfurecido não permitia que ninguém saísse de casa. Que gênio autoritário e belicoso possuía Mário. Depois do falecimento do Pappa, ele achava que era o homem da casa, mesmo sem ter a maioridade e todos o obedeciam. Porém, no carnaval d. Brígida não dava ouvidos a seu filho e permitia que as moças fossem aos bailes no Theatro Municipal de São Paulo, para se divertirem, junto de D. Nanná, pois moça de família não saia a noite sozinha. Bem antes do Carnaval começavam os preparativos: Será que dava para aproveitar alguma coisa das fantasias antigas? O que as meninas iriam querer usar? Deveria ser algo discreto, caso contrário Mário não permitiria e, se contrariado, de nada lhe custava rasgar todas as fantasias, mesmo sob a chuva de vassouradas de sua mãe e tia também. Então, era melhor não contrariá-lo para evitar brigas. Sempre havia boas opções para fantasiar aquelas lindas moças, mesmo driblando a falta de dinheiro e de educação dos outros. D e t a n t o f a z e r f a n t a s i a s a s d u a s “ ve c c h i a s ” 57
foram se aprimorando e havia até ocasiões que dava para ganhar um dinheirinho, fazendo algum traje para uma ou outra amiga das meninas. Chegada a hora do baile, todas prontas, era só chamar um carro de aluguel, e enquanto ele não chegava, se acotovelar junto com as irmãs, em frente ao espelho que havia no hall de entrada. Era preciso conferir se o carmim e o rouge estavam bem colocados, como se aqueles lábios bem delineados e aquelas peles de pêssego precisassem de retoques. Todas a bordo, entre acenos e beijos jogados para a Mamma, e ainda ouvido aquelas mil recomendações de praxe, lá iam elas, felizes, o coração aos pulos, as mãos frias de tanta ansiedade. A uma esquina do teatro, já se ouviam os acordes frenéticos das machinhas de carnaval e as luzes formavam um colorido clarão em volta do teatro. Finalmente chegavam e o clima de alegria e descontração logo as arrebatava. Eram tantas coisas bonitas de se ver e de se ouvir, as cintilantes fantasias, as músicas que todos pareciam saber de cor, o odor inebriante dos lança perfumes. Nem sempre o dinheiro era suficiente par comprar lança perfume para todas as meninas, mas isso não era problema. D. Anna tinha um plano que não falhava nunca. Era assim: Já no salão, elas nunca compravam mesa, porque as mesas eram muito caras. Nenhum cavalheiro ficaria impassível ao ver uma senhora parada no meio do salão, carregando muitas bolsas e casacos. Logo aparecia um convite para que ela se sentasse à mesa de alguma família que também vigiava a diversão dos filhos. Estabelecida essa posição, quase todo casal que passasse pela mesa, pedia que ela tomasse conta de seus lança perfumes, enquanto eles dançavam. Ah, que tentação... Logo os bons e honestos sentimentos eram vencidos pelo prazer de agradar as “nipote” (sobrinhas) e assim, logo a senhora com ar angelical arrepanhava sob os casacos os objetos de desejo de suas sobrinhas e mudava-se de mesa. Sempre haveria uma mesa vazia mais para o fundo do salão. 58
Pronto, era só chamar uma das meninas e entregar para ela os mimos, para que todas se divertissem. Acredito que nem para essa tia amorosa houve problemas na hora de entrar no céu: era apenas alguns poucos pecadilhos, que à guisa de sua “sorella” (irmã), que apagava as contas do carvoeiro, não diminuíam suas amplas virtudes. Enquanto isso, Mário também se divertia com os amigos nos bailes de carnaval, sempre evitando comparecer aos do Teatro Municipal, pois temia não conseguir se controlar ao ver suas “sorellas” sendo admiradas pelos rapazes. Quando ninguém ia aos bailes, restava então esperar na Avenida São João, centro chique de São Paulo, para assistir a passagem do Corso.
59
Capítulo 20 O Corso O corso era o evento mais esperado das festas de Momo e funcionava assim: ao longo da Avenida São João desfilavam carros de luxo, com a capota arriada, completamente enfeitados, portando inúmeros foliões devidamente fantasiados, principalmente as mulheres. Aos homens, caso não usassem fantasias, era permitido traje a rigor, sempre com um toque gaiato. A animação era geral e, ao som das marchinhas da época, jogando confete e serpentina, mais os lança perfumes e os limões de entrudo, que eram bolas de cera cheias de água aromatizada. Dizia-se a boca pequena que aqueles grã- finos, terminado o trajeto do corso, rumavam para os cassinos de Santos, mais exatamente na Ilha Porchat, onde os bailes continuavam. O cassino era uma atração à parte. Às pessoas comuns, restava apenas observar e encher os olhos enquanto aqueles alegres grupos passavam.
60
Capítulo 21 Os Blocos populares Os Blocos populares passavam nos bairros operários, sendo que cada bairro tinha o seu. Brás, Lapa e Água Branca tinham blocos muito grandes, sendo que o do Brás era o mais famoso. Destes blocos se originaram pouco a pouco as escolas de samba. Não importava a distância, o que as pessoas queriam mesmo era seguir o bloco, cantando as alegres marchinhas. A fantasia não era obrigatória. Cada um usava o que quisesse, as vezes um pequeno enfeite, uma gargantilha mais espalhafatosa ou um chapéu engraçado já fazia o clima da festa. Outro bloco que não podia faltar era o dos homens que se travestiam de mulheres. Eles caprichavam tanto nas roupas, cabelos e enchimentos que ficava difícil identificálos de longe: Verdade seja dita: estes blocos não eram muito bem visto pelas famílias, pois alguns rapazes se excediam nas bebidas e nas brincadeiras, tornando-se inconvenientes. A propósito a expressão “Rodar a Baiana”, que nós conhecemos se deve ao fato que nos blocos familiares, sempre havia o “engraçadinho” que estava lá só para se aproveitar das moças, faltando-lhes ao respeito. Então, para o próximo carnaval, os pais das garotas também se vestiram de baianas e quando aparecia algum 61
atrevido, um pai lhe desferia um poderoso golpe da capoeira, jogando-o longe. Aquela perna voando alto, elevando os tecidos da saia da falsa baiana, lembrava mesmo uma baiana rodando. Daí a expressão Rodando a baiana. Tempos depois essas comemorações foram se extinguindo e surgindo no lugar desta as escolas de samba.
Capítulo 22 Novos Ares Os carnavais iam se sucedendo, a vida ia passando e chegou o dia de se mudarem da enorme casa que parecia uma chácara, que havia abrigado a infância dos “bambini” (crianças), se bem que estes já estivessem bem crescidos. Depois de uma certa procura, apareceu uma casa de aluguel que satisfazia as necessidades da família. Era, pois, hora de dizer adeus à velha casa, aos amigos, às árvores que abrigara tantas travessuras e partir para a casa nova. Ficava situada à Rua Dona Antonia de Queiroz, perto da Santa Casa de Misericórdia. Era uma casa bem grande e espaçosa e cada um teria o próprio quarto. Sala e cozinha também eram grandes e na área externa haviam dois cômodos. Um serviria perfeitamente para a oficina de costura mas o outro ficaria vazio. Foi quando D. Brígida teve a ideia de alugar aquele cômodo, para alguma moça solteira que quisesse morar ali e ajudar a pagar o aluguel. Poderia ser uma estudante, uma professora, alguém que tivesse família no interior e trabalhasse na capital, por exemplo. As únicas exigências seriam que a pessoa fosse idônea e morasse só. Depois de entrevistar algumas candidatas, D. Brígida encontrou a pessoa ideal . Tratava-se de uma jovem bem apessoada, simpática e 62
educada. Era enfermeira e morava só. Seu nome era Olga e tinha uma filha, Odete, que estudava em uma escola de freiras no interior. Olga saia de casa bem cedo e voltava a noite, como todos os trabalhadores e as conversas entre as senhoras eram breves e só a note, quando diminuía o movimento da casa e Olga chegava do trabalho. Assim souberam que a filha dela viria para casa nas férias escolares. Isso gerava uma certa curiosidade. Os filhos de D. Brígida se perguntavam como seria a mocinha. Será que todos se tornariam amigos? O ano foi transcorrendo sem novidades e um belo dia as férias chegaram e Olga foi buscar a filha. Logo todos puderam se conhecer. Odete era uma bonita jovem, de porte elegante e delicado, bem como sua maneira de ser. Tinha cabelos e olhos castanhos e pele azeitonada, que remetia à sua ascendência portuguesa. Tinha modos delicados, fruto de sua educação entre freiras e era muito prendada: Sabia coser e bordar com perfeição, além de dominar as artes culinárias. Logo todos os jovens se tornaram amigos e formaram uma turminha barulhenta, ora na cada de uma, ora na cada da outra senhora. Às vezes, nos finais de semana todos se juntavam, para almoçar ou jantar juntos e era quando as mães se esmeravam para fazer as refeições mais gostosa, pois honra seja feita: Se Brígida e Nanná cozinhavam bem, Olga não ficava atrás não. Depois do almoço as jovens se juntavam para lavar a louça e limpar a cozinha, enquanto as senhoras descansavam. Feito isso, quando era possível, as moças pediam permissão para ir à matinê ver algum filme. Se tudo estivesse bem, lá iam elas, felizes, para a diversão, encerrando o dia de maneira prazerosa. Pena que as férias acabaram.. Logo a amiga deveria voltar ao colégio, com a diferença de carregar na bagagem boas e divertidas lembranças. Na verdade, eles todos se queriam como irmãos, tudo o que faziam já era contando um com a companhia do outro; até 63
as refeições quando não eram compartilhadas, eram trocadas. Explicando: D. Brígida era ótima cozinheira e como já sabemos, fazia a tradicional macarronada aos domingos. Já. D. Olga, que também cozinhava muito, defendia um prato bem brasileiro: arroz, feijão bife e batata frita. Ora, os cheiros se misturavam pelo quintal, aguçando os apetites. Ocorre que Mário era fã da comida de D. Olga, enquanto Odette adorava a macarronada de D. Brígida. Então, porque não trocar um prato pelo outro, se assim todos ficariam felizes? As mães já tinham desistido de ralhar com eles... A vida prosseguia e a amizade entre as três senhoras ficava cada vez mais forte: Elas se ajudavam mutuamente, dividiam pequenas preocupações e zelavam pelos filhos com o mesmo amor. Ta n t a s f é r i a s s e p a s s a r a m a t é q u e u m dia Odette voltou definitivamente para casa. Seus estudos já estavam concluídos e ela iria viver na casa de sua mãe, ao lado dos amigos. Agora a jovem pretendia procurar emprego para ajudar nas despesas da casa, enfim, participar da vida real, fora dos muros do colégio interno.
Capítulo 23 Reminiscências Aquelas famílias alegres, cheias de jovens, possuíam uma característica: nunca um dia era igual ao outro. As novidades se sucediam e os jovens mais afoitos eram os responsáveis por elas. Mário, por exemplo: Aos quatorze anos, depois de uma briga com a mammá, ele desapareceu de casa. A Mammá, que a princípio estava com raiva por ele ser tão teimoso, o que motivou a briga, foi ficando preocupada. Passada a primeira noite, ela foi ficando desesperada. 64
Colada à janela da sala da frente, rosário em punho, ela desafiava as contas entre orações, súplicas e promessas à Madonna. “-Ah, mas quando eu encontrar esse menino, lhe arranco os olhos...”. Vinganças a parte, lá se foi D. Brígida para a rua, perguntar às pessoas sobre o paradeiro de Mariutio. Havia os amigos dele, suas mães e avós. Bom que todas as famílias se conheciam, isso facilitava as coisas. De tanto perguntar, ela obteve a informação de que o garoto comentara que gostaria de se alistar nas Forças Armadas, visto que São Paulo estava à beira de uma revolução. Conhecendo o espírito sonhador e “arrabbiato” (zangado) de seu filho, a mãe tomou uma decisão: ir ao quartel mais próximo para obter informações. Lá chegando, dirigiu-se ao soltado que lhe atendeu, falando seu português italianado, que queria ser levada à presença do comandante, pedido este que logo lhe foi negado, o que bastou para enfurecer a senhora. Todas as preocupações, as lágrimas, as dores e o cansaço vieram a tona, transformando-a em uma leoa, que, aos berros, informava a quem quisesse ouvir que eles haviam admitido em suas fileiras um jovem italiano, com atestavam os documentos do rapaz que ela trazia consigo. Imediatamente ela foi atendida e esclarecido o mal entendido. Trouxeram o rapaz trêmulo e assustado à presença da mamma. “- Dio mio! che é sucheso con te?” (Meu Deus, o que aconteceu com você?) A surpresa da mãe tinha fundamento: o garoto estava magro, com olheiras, muito sujo e coberto de piolhos! Explicaram-lhe depois que ao descobrirem que o jovem era italiano, sem saber o que fazer com ele, decidiram mantêlo alojado no quartel, até que a família viesse resgatá-lo. Um sonoro “schiaffo” (bofetão) na face do fujão pôs fim à discussão. Agora era levá-lo para casa e tentar limpá-lo daquelas pragas coladas em seus cabelos. “Cattiva chella mamma, no?” (Malvada aquela mãe, não?). De outra feita, havia um “cumpa” de D. Alfredo, chamado D. Rafaelle. 65
E l e e n c o n t r o u a f a m í l i a Av e l l a n o B r a s i l , após o falecimento de d. Alfredo. Que pena! Na Itália eles haviam sido muito próximos, possuíam uma sincera amizade, cada qual mais orgulhoso de sua família. Veio a separação, mudaram-se os Avella para o Brasil e só muitos anos mais tarde, D. Rafaelle encontrou seus amigos. D. Brígida estranhou que o amigo estava só, mas ao perguntar sobre a família, ele disse que todos estavam bem: D. Carmela e os bambini. Dias mais tarde, D. Rafaelle voltou à casa da comadre e após algum tempo de conversa explicou que já fazia bastante tempo que havia voltado ao Brasil, sozinho a princípio, mas com a intenção de trazer a esposa e os quatro filhos quando estivesse estabilizado. O tempo foi passando e a situação não m e l h o r a va ; a s p r o m e s s a s f e i t a s à e s p o s a f o r a m perdendo a importância mediante a solidão que sentia. O fato é que ele acabou encontrando ma nova companheira e com ela teve três filhos: dois meninos e uma menina. O que ele queria agora é que a comadre permitisse a entrada da nova família em sua casa. Essas situações eram muito comuns naquela época. Os maridos imigravam na esperança de trabalharem fora se suas pátrias e acabavam não retornando mais. D. Brígida explicou a ele que sua nova família seria bem vinda, que ele podia trazê-los, que tal no Domingo O Domingo chegou trazendo as visitas e todos se conheceram. Os filhos de D. Rafaele eram um pouco mais novos que os de D. Brígida. Eram simpáticos brasileirinhos, de sotaque italiano e muito alegres. Logo se deram bem com os filhos de D. Brígida e começaram a conversar para se conhecerem melhor. D. Maria, a companheira de D. Rafaele, parecia uma pessoa de poucos amigos, sua fisionomia fechada não incitava a conversas amenas. Tinha uma voz áspera, como áspera era no trato do marido e dos filhos. Sua pele era morena escura, mal tratada pelo tempo, onde o tanque de lavar roupas e o sol intenso já tinham feito seus estragos. D. Brígida, que era uma dama, fingiu não notar essas 66
diferenças, e, junto com a “sorella “(irmã) recebeu a todos muito bem. De vez em quando eles apareciam em sua casa e não pode dizer que essas visitas causassem muito prazer, mas em nome da velha amizade e sendo uma dama, os recebia muito bem. Passado algum tempo, um belo dia D. Rafaele irrompeu a cozinha de D. Brígida, lívido, apavorado. Depois de lhe servir um copo de água, perguntoulhe D. Brígida, o motivo daquela aflição, e da maneira m a i s d r a m á t i c a p o s s í ve l , e l e l h e c o n t o u q u e s u a senhora havia chegado da Itália junto com seus filhos. At r a v é s d e s e u s a m i g o s , e l a h a v i a mandado recado para que ele fosse buscá-los. Desesperado, ele recorreu à velha amiga: “Dio Mio, che faccio agora”(Deus meu, o que faço agora) D. Brígida aconselhou-o a instalar sua família o mais rápido possível e tentar contemporizar as dias famílias. Quanto às visitas, é claro, quando ele trazia a família com D. Maria a outra não aparecia e vice e versa. As coisas caminhavam bem com as visitas alternadas, até que um dia... Estavam todos almoçando santamente: D. Brígida com os filhos e D Rafaele com os seus. A comida estava uma delícia: Arroz, batatas coradas, salada verde e uma fumegante frigideira de fígado acebolado. Todos conversavam e riam despreocupados quando irrompe pela porta da cozinha D. Carmela com os filhos. A ideia da pobre senhora era almoçar e passar umas horas agradáveis com a comadre, mas ao se deparar com a cena, logo compreendeu tudo e investiu aos gritos contra seu marido. A gritaria se generalizou e as acusações e ofensas se avolumaram e todos os jovens, atônitos, estavam paralisadas - menos um deles, Pepe, filho de D. Carmela, que se pôs a bailar um tango, cantarolando e fazendo volteios ao som da música que só ele ouvia. Todos pararam de brigar diante daquela cena inusitada mas recobrando-se da surpresa, D. Carmela tomou em suas mãos a frigideira de fígado acebolado e arremessou-a contra a cabeça de seu filho “stai zitto cane 67
stupid. Ferma-te” (Cala a boca cão estúpido. Fique quieto). O sangue jorrou imediatamente da cabeça do garoto. D. Brígida acudiu prontamente enrolando a cabeça do pobre com uma de suas alvíssimas toalhas, gritando para o pai dele acudi-lo e levá-lo ao pronto socorro central. Quanto as senhoras com as respectivas proles, pediu a dona da casa gentilmente que se retirassem, pois o dia já terminara e de maneira estressante. Alguns dias depois o cumpá apareceu na casa de D. Brígida para pedir “mille scusi” (mil desculpas), ao que ela retrucou: “-Cumpá, sento moto ma cá non ritornare piu nessuno di voi, certo” ( Compadre, sinto muito, mas aqui não retorne mais nenhum de vocês, certo).
Capítulo 24 Cupidos É, esse personagem estava demorando a chegar àquela casa onde havia tantas moças bonitas, mas um belo dia, Claudina apareceu com a novidade: Estava Namorando! Após mil perguntas da mãe e da tia e do ataque de ciúmes de Mário, ela pode revelar: tratava-se de um jovem europeu como ela, cujo nome era Maurício. Como era de praxe, D. Brígida quis logo conhecer o pretendente e, espanto, ele agradou a todos. Realmente Maurício era um belo rapaz, de traços delicados e muito bem educado. Assim, o namoro foi engrenando e ambos foram se conhecendo melhor. Ele era um judeu nascido na França. Havia sido educado lá fora e falava alguns idiomas. Com o passar do tempo, os jovens começaram a fazer planos para se casa e era sobre isso que D. Brígida tinha tantas dúvidas: Claudina continuava com seu gênio terrível, até um pouco pior, enquanto Maurício era calmo, de gestos suaves, elegantes, um verdadeiro gentleman. 68
Será que daria certo. Mas o amor verdadeiro tudo supera. Ele compreende, acalma, transpõe, aguarda, perdoa. E foi exatamente por isso que ambos resolveram marcar a data do casamento. Foi uma cerimônia simples e bonita. Um belo casal de jovens unindo seus sonhos, suas dúvidas, suas expectativa de vida. A partir de então, suas vidas únicas, solitárias, se uniram para sempre, com o amor norteando seus passos. D. Brígida fez questão que os jovens viessem morar com ela - este era o começo do matriarcado que se estendeu durante décadas, pois quis a velha que todos seus filhos casados junto com suas proles morassem com ela. Só assim ela poderia se sentir segura e poderia ajudar a criar os netos que fossem surgindi. Não demorou a aparecer a novidade para acalmar a ansiedade de papai e mamãe: havia um bebê a caminho! Novamente a casa de D. Brígida estava em festas: Era uma azáfama de listas, cuidadosa mente elaboradas, compras, fitas e rendas, muitos novelos de lã. Aí vieram os móveis, os guardaroupas, a cômoda, o moisés e o berço. Ufa, ainda bem que D. Brígida havia mudado para uma casa maior, com amplas acomodações. As semanas se passavam e D. Claudina ficava cada vez mais redonda, mais bonita. Logo a data do nascimento se aproximou e todas as expectativas cresceram: Será que é menino ou menina, quando nasce. O pai do bebê já havia acertado o hospital, o médico, agora era só esperar a hora. Pôs-se D. Brígida a rezar para Nossa Senhora do Bom Parto, pedindo uma “boa hora” para a filha. Durante certa madrugada, a jovem mãe começou a se queixar com as dores - havia chegado a hora! Dirigiram-se rapidamente ao hospital, a família toda, pois nessa hora, ninguém queria ficar para trás. A mamãe sumiu por entre os corredores junto com seu médico e o tempo começou a passar: nenhuma notícia chegava e aquele grupo ansioso já não aguentava mais quando, de repente a porta da sala de parto se abriu e o médico sorridente veio avisar que o bebê havia nascido e era um menino. Bravo! 69
Todos correram felizes para conhecer o novo membro da família: era um belo menino, forte, robusto, de pele muito clara e cabelos negros e encaracolados. Papai e mamãe chegaram a um acordo sobre o nome do menino: Ele se chamaria Salvados Sérgio. Dento de poucos ias, os jovens pais puderam voltar para casa com seu bebê, seu principesinho. O tempo passava e ele ficava cada vez mais bonito, apesar de ser chorão e voluntarioso, como a mãe. Seu paciente pai ficava cada dia mais encantado com seu bebê e não sabia mais o que fazer para agradá-lo. Os melhores e mais caros brinquedos, as melhores roupinhas e sapatos. Como ele ficava bonito com a roupinha de marinheiro! Enquanto Serginho crescia , crescia também em seus pais o desejo de aumentar a família; seria bom se viesse agora uma menininha para fazer companhia ao irmão. D. Dina estava plena, feliz, mais mulher, para esperar a chegada de seu segundo bebê. Seu marido, Maurício, torcia a sua maneira, para que viesse uma senhorita. O que ele ainda não revelara à esposa é que ele tinha a intenção de ter muitos filhos, uma casa cheia de crianças era para ele, a imagem da felicidade. Chegou o dia finalmente. A mesma corrida ansiosa para a maternidade, a mesma longa espera e finalmente, o feliz anúncio: Nasceu! Era uma linda menina, de pele alva, cabelos escuros e um delicioso narizinho arrebitado. Deram-lhe o nome de Maria Cecília. Como era boazinha aquela criança. Dormia bem, reclamava pouco, era delicada nas formas e na personalidade. Era totalmente o oposto do irmão. Quando os dois cresceram um pouco, a diferença tornou-se mais clara, um era um vulcão, sempre prestes a explodir: ficava muito vermelho, sapateava, chorava muito alto quando era contrariado. Nele, tudo era superlativo. Já a irmãzinha era sempre calma, gostava de brincar, dividia seus brinquedos e atenções com o i r m ã o . E r a va i d o s a a L i l a , c o m o e r a c h a m a d a . Ficava quietinha enquanto as mulheres a vestiam com 70
lindas roupas e atavam seus cachos escuros com laços coloridos. A menina era capaz de ficar sentadinha sobre a mesa da sala enquanto esperava pacientemente que viessem tirá-la de lá, as preocupadas tias depois que escolhessem mais um lindo vestidinho para que a bonequinha usasse. Enquanto todos na casa de D. Brígida estavam ocupados com as traquinagens dos pequenos, Mário que já estava namorando há algum tempo, anunciou que iria se casar. Que grande surpresa! Logo Mariutio, boêmio, milongueiro, querendo se tornar um homem serio... Povera mammá.. Ia ter que dividir seu “figlio in Nápoli” com outra mulher... Mas se assim falou, melhor o fez: Naquela semana ele trouxe a namorada para conhecer sua mãe e sua tia e todos gostaram dela. Seu nome era Conceição, uma jovem do interior cuja família tinha se mudado para São Paulo a pouco tempo. Era uma jovem de porte delicado, morena clara. A Mammá achava que sua futura nora era muito magrinha e se preocupava com as questões do tipo: Será que ela tem saúde, será que ela poderá ser mãe, será que vai conseguir cuidar de uma casa e do Mário mio? Pobre Mammá.. tentava a todo custo transformar seus ciúmes em preocupações e quanto às medidas da moça, claro que não se poderia comparar com suas opulentas filhas - Meras preocupações de mãe. D. Brígida ficou triste quando soube que o jovem casal iria passar somente uma pequena temporada em sua casa. Eles já haviam decidido morar em São Caetano do Sul, de onde era a família da nora. Nessa época Mário estava trabalhado em um grande importador de tecidos na 25 de Março, centro da capital. Para fazer frente às contas da casa e ao bebê que certamente viria, ele arranjou um emprego no Jockey Clube de São Paulo, para vender bilhetes no fim de semana. Como já havia aprendido a lidar com a escrita na loja de tecidos, toda a noite quando estava em casa, ele se debruçava sobre os livros e cuidava da contabilidade até altas horas. Que mudança! Mário, o boêmio, o bailarino, o 71
“dandi”, se transformara em um austero pai de família, um excelente esposo, filho e provavelmente um bom pai. Apesar de tantos afazeres, ele não deixava de visitar a família, principalmente sua mãe e sua tia. De vez em quando levava para ela um bom corte de tecido para elas fazerem um vestido, e a cada domingo de folga ele aparecia com a família para almoçar. Disse a família, porque Mário e Conceição já haviam sido agraciados com uma linda menininha, que recebeu o nome de Maria Brígida em homenagem as avós materna e paterna. Era uma garotinha muito bonita e saudável. Herdara as características físicas da mãe. Possuía grandes olhos negros, cabelos negros também e sua pele era de um tom amorenada que repetia a brejeirice brasileira. É o clã dos Avella já possuía três brasileirinhos, o que causava muito orgulho às vecchias, que costumavam comentar com as vizinhas: - Olha, D. Fulana, veja como são bonitinhas as crianças! Ao que a outra senhora assentia e elogiava, diziam elas:”E sono tuti brasiliane, da gema, capito” (E são todos brasileiros, da gema, entendeu). As vecchias já não trabalhavam mais com costura e mesmo nos afazeres domésticos, suas filhas já haviam tomado a frente. Justo era que as três moças, duas das quais já trabalhando, colaborassem dentro do possível com as tarefas. Decidiram contratar uma senhora para lavar as roupas de todos e que boa intuição tiveram. Alguém indicou para elas uma senhora chamada D. Rosa, uma negra de feições alegres, dentes muito alvos, que morava no bairro dos Pimentas, hoje nas proximidades do município de Guarulhos. Esta senhora tinha onze filhos, entre meninos e meninas, cuja idades variavam entre cinco e dezesseis anos, mais ou menos. Dona Rosa vinha com todos os filhos para trazer as roupas limpas e levar a que seria lavada. Era até bonito de se ver: a mãe, D. Rosa, vestida com humildade, roupas muito bem lavadas e passadas, nos pés, alpargatas usadas naturalmente doadas por alguém e seus poucos cabelos 72
eram cobertos por um turbante alvíssimo. Seus filhos eram vestidos da mesma maneira, exalando roupa limpa, seca ao sol. D. Brígida e D. Nanná, preocuparam-se com as condições daquela senhora tão guerreira, pois ela chegava em casa antes das sete horas da manhã, trocava as trouxas de roupas sujas pelas limpas, separava a maior parte para ela própria carregar e as outras menores iam sobre a cabeça dos filhos. Aí, então, as duas senhoras decidiram que no dia da entrega das roupas, D. Rosa almoçaria e jantaria em sua casa, pois era muito cansativo enfrentar tamanha distância para chegar em casa. A lavadeira agradecida com tamanha bondade, tomava para si todos os trabalhos a casa. Trabalhava feliz, vendo seus meninos de barriga cheia, a brincar no quintal das patroas com seus netos, Essa parceria durou por muito tempo, com as dias irmãs tratando com bondade a nova amiga e família, dando-lhes abrigo, roupas que não seriam mais usadas pelos seus netos e o mais importante, o alimento. Os dias transcorriam calmos. As duas senhoras que tinham batido o pé sobre continuar a cuidar da cozinha, que era a alma da casa. Esta função elas não queriam nem pensar em abdicar, mesmo assim sobrava tempo para cuidar dos netinhos. Odette também havia se casado e tido uma garotinha, mais ou menos com a idade de Sérgio, a quem deu o nome de Célia. Nesta época, D. Olga já não morava mais na casa de D. Brígida, mas ainda assim as amigas moravam em endereços próximos e continuavam a se visitar com regularidade, ainda mais que Celinha gostava muito de brincar com Sérgio e Lila. Outra vez a cegonha bateu à porta do casal Dina e Maurício. Todos ficaram muito felizes, só que agora já era quase uma rotina o volumoso enxoval. Dina aprendera com o tempo e a necessidade a tricotar muito bem, enquanto sua mãe e sua tia cuidavam das costuras, camisas e casaquinhos. Desta vez, por incrível que pareça, Dina estava mais calma, o que Maurício agradecia aliviado, e na verdade, não era fácil ajudar a tomar conta das duas crianças, e cada vez, mais redonda e mais plena, sonhar com o bebê, enquanto comia 73
bombons e tricotava, não necessariamente na mesma ordem. O tempo passou rápido e logo chegou a hora de ver o novo bebê a luz do dia.Era um lindo menino de cachos alourados e olhos verdes. Este havia herdado os traços do pai. Era um ítalo-judeu e seu nome foi escolhido pelo pai. José Alfredo Saul, em homenagem aos avós. Com as três crianças a situação da casa estava difícil. O pequenino chorava, a menininha queria atenção e o mais velho, ah, o mais velho, eram muito, muito arteiro, zangado e desobediente, a criança que mais trabalho dava. Ainda bem que naquele lar abençoado havia tias e avós. D. Nanná, que já havia amadrinhado a Dina desde que ela nascera, agora era defensora ferrenha do Sérgio. Tomava para si todas as responsabilidades e cuidados do menino e de sua mãe. A Nonna tomava conta da Lila, pois admirava demais seu jeitinho calmo e sonhador e o Zeca, como ficou o apelido de José Alfredo, se encantou com Yolanda, que já gostava muito de crianças e se deu bem com o novo sobrinho. Ele era um bebê sensível, de saúde frágil e qualquer mudança de temperatura poderia prejudicá-lo, mais um motivo para ele receber os melhores cuidados da titia.
Capítulo 25 Sustos e corridas Devido às traquinagens de Sérgio, ficava impossível arrumar a casa durante o dia. Já era muito difícil manter o menino limpo e ileso, bem como aos irmãos mais novos, durante o dia. O pequeno furacão não tinha um minuto de sossego, era incapaz de ficar sentado, por exemplo, com seus lápis de cor, colorindo e desenhando. Por sinal desde muito cedo o menino desenhava e pintava muito bem. Este amor pela pintura 74
o acompanhou pela vida inteira e ele ficou cada dia melhor. Mas na infância, todo o que interessava a Serginho era brincar com seu cavalinho de pau, com roupinhas e com o qual ele conseguia de locomover rapidamente, tamanho o impulso que dava em suas corridas. E aquelas rodinhas arranhavam de modo definitivo o assoalho da casa toda, que era feito de tábuas corridas de Jacarandá da Bahia. Outro brinquedo muito apreciado era um aviãozinho proporcional ao seu tamanho. Lá o sonhador menino se sentia cruzando os ares por todo o mundo, pena que as asas do bendito brinquedo marcavam profundamente todos os móveis da casa. Então, tudo o que restava às tias era deixar para limpar a casa a note, quando o “anjinho” estivesse dormindo. O plano era o seguinte: as três irmãs e Odete se reunião na casa de D. Brígida, no sábado a noite, cada uma vestindo uma roupa simples e o indefectível lencinho nos cabelos, para o “mis em plis” não pegar pó, e aí era por mãos a obra, para limpar, esfregar, varrer, polir e lustrar. Ufa, lá pela meia noite a casa já estava pronta, um brinco. E agora, o que fazer com a fome danada vinda depois de tantas horas de trabalho braçal. A padaria mais próxima ainda estava aberta e seria muito útil para comprar o pão e a mortadela que elas tanto desejavam. Só que havia um inconveniente: para chegar à padaria elas deveriam percorrer todo o quarteirão do cemitério da Consolação, pois a casa delas ficava justamente na outra ponta da rua. O jeito era fechar os olhos, dar a mão para a amiga e correr desabaladamente gritando feito doidas! Imaginem as pessoas da padaria vendo chegar aquele quarteto desvairado aos gritos, comprando pão e mortadela e depois, na volta fazendo a mesma coisa, gritando e quase engasgando de tanto rir. Chegando em casa, elas se atiravam aos sanduiches, o rosto afogueado, alegres, jovens e bonitas.. Se o amor pelo Sérgio custava todo esse sacrifício, em compensação, com a Lila e o Zeca, o passar do tempo só trouxe calma e tranquilidade - A menina com suas bonecas e o menino com seus soldadinhos de chumbo, e o 75
melhor era que ambos adoravam ouvir histórias infantis. É, a infância era muito boa, mas já era hora de colocar as crianças na escola e Maurício resolveu matriculá-los no Colégio Stafford, uma instituição tradicional de ensino, cuja frequência era quase toda de filhos de estrangeiros. Com a entrada dos netos na escola, D. Brígida precisou mudar certas coisas na rotina da casa, a começar pelo idioma usado no dia a dia, senão, como as crianças iriam aprender a falar português, se só se comunicavam em italiano com os parentes? Outra mudança que se fez necessária foi na alimentação, pois na casa dos Avella só se comia massa, a “pasta”, com todos os molhos e recheios possíveis, inclusive cereais. Os outros grupos alimentares faziam parte do cardápio da casa: carnes, peixes e aves, além de verduras e legumes. A diferença é que o arroz, naquela casa, só constava do risoto ou da canja, mas não houve argumentos que convencessem os pequenos: eles queria arroz e feijão, ou outro cereal, desde que não fosse a “pasta”, como faziam seus coleguinhas de escola. “Incribile”!.A “pasta” sagrada era trocada por arroz e feijão, como na história do Mário com a comida de D. Olga.
Capítulo 26 Cupido + Cegonha? Como assim?? Explica-se: Depois que as crianças foram para a escola, Dina começou a sentir-se mal, com enjoo e inapetente. Consultado o médico, o diagnóstico foi fácil: Ela estava grávida. Não foi menor o entusiasmo da família, apesar de ser o quarto bebê. Não havia Maurício nutrido a secreta esperança de ser pai de muitos filhos? Isso posto, vamos à parte do cupido. Aproveitando o clima festivo, Helena, que era tímida, aproveitou para anunciar que estava namorando firme um colega da loja Mappin. Seu 76
nome era José, um bonito descendente de turcos e pelo jeito muito decidido, pois pretendia ficar noivo e casar logo. Que família movimentada aquela! Mas tudo aconteceu dentro do esperado: O enxoval, móveis e tudo o que era preciso para o bebê. A casa era grande, mas já estava ficando meio que cheia. Antes que o bebê nascesse, providenciou-se o casamento de Helena e José. Claro que eles também vieram morar com D. Brígida, mesmo porque ambos trabalhavam e morar no casarão iria facilitar a vida. Dina ainda aproveitou o tempo que restava antes do nascimento do bebê com caixas e caixas de bombons, ela e seu costumeiro peignoir de seda, dando ordens aos outros membros da família, ou tendo crises de ciúmes. Como era ciumenta Dina. Por nada, ela chorava e ficava colérica, imaginando seu marido em uma aventura espetacular, logo ele, que era um homem pacato, feliz e que a adorava. Finalmente chegou o dia do nascimento do bebê e tudo o que era costume naquela família aconteceu: a aflição, a correria, as orações para Nossa Senhora do Bom Parto. nossa Senhora ouviu as preces e logo o bebê nasceu. Era uma delicada menina, de pele alva e cabelos negros e lisos. Uma perfeita judiazinha, cujo nome escolhido foi Ana Maria Aparecida. Dias depois, Ana Maria foi apresentada aos irmãos e dormiu placidamente junto ao seio de sua mãe, em seu quartinho de princesinha. Sentado em sua poltrona habitual, Maurício se deu conta de que Dina teria que ficar acamada, obedecendo ao resguardo. Ainda bem que cada um tinha seu fiel escudeiro. Mas quem cuidaria da Aninha enquanto sua mamãe tivesse que obedecer a quarentena? Ora, só restava ele mesmo. E foi assim que Ana Maria se tornou a princesinha do papai. Bom, parece que desta vez a família estava completa. Dois meninos e duas meninas, mas nunca se sabe... Yolanda sempre ajudou a irmã Dina, tomando conta das crianças, pois que eram quatro. Havia a escola, os uniformes que deveriam estar sempre limpinhos, dentes escovados, orelhas 77
limpas, unhas aparadas.. Ufa!! Todos dava um pouco de trabalho, é claro, mas nada que se comparasse ao trabalho que Serginho dava; ele estava cada vez mais voluntarioso, não obedecia a ninguém. Certa vez, Dina e Maurício saíram para jantar fora e ir ao cinema - nada mais normal para um casal jovem que precisava de algumas horas a sós, para fugir da rotina doméstica. Papai e mamãe avisaram as crianças que Yolanda iria ficar com eles, ao que Serginho logo reclamou, fez birra, chorou... Logo depois que os pais saíram o endiabrado menino protestou com mais vigor, ameaçando sair para ir buscar os pais na rua. Este menino conseguia apavorar todos na casa, crianças e adultos. Foi quando Yolanda teve a ideia de colocar atrás da porta da cozinha a tranca, uma pesada haste de ferro que se encaixava mediante ferragens na porta e certamente iria impedir o fujão. Qual não foi sua surpresa quando o garoto se atirou furiosamente contra a porta, fazendo a tranca saltar e cair sobre sua cabeça. Pronto, o “imbroglio” (a confusão) estava formado. O menino caído ao solo, aos berros, coberto de sangue. O jeito foi chamar o sete-sete, que era a única ambulância pública que atendia as pessoas, daí o nome sete, sete, pois o número do telefone da Santa Casa era 7-77-77. Rapidamente os enfermeiros chegaram e levaram o menino e sua apavorada tia par ao hospital. Depois de uma dúzia de pontos na cabeça, devidamente enfaixada, o menino pode voltar para casa. No dia seguinte, os adultos conversando à mesa do café, concordaram que o menino deveria ser consultado por um psiquiatra, já que o pediatra não descobrira nada a respeito da “doença misteriosa” que deixava o menino tão furioso. Marcou-se então a consulta com Dr. Paulino Longo, um eminente profissional da Santa Casa de Misericórdia. O médico pediu diversos exames a serem feitos no laboratório e, quando ficaram prontos, o médico chamou a família para a conversa conclusiva. Muito preocupados, foram Yolanda, Dina e Maurício ao 78
consultório para ouvir a opinião do doutor, que foi taxativo: “- Esse menino não tem nada, não é nem nunca vai ser louco. Ele só é muito mimado e mal criado.” O que fazer então? Foi aí que a Nonna disse que ouvira falar da igreja de São Francisco, no centro da cidade, onde os freis benziam pessoas doentes e crianças, com a estola usada na missa e que muitos milagres haviam sido realizados. Resolveu-se então levar o menino à igreja. Ele tomou a benção e começou a melhorar um pouco, nem estava mordendo mais a Celinha, que era um de seus esportes favoritos. Desnecessário dizer que o menino tornouse frequentador assíduo daquela igreja.É, parece que as bênçãos tinham dado jeito nele. Apesar da trabalheira danada que os sobrinhos davam, Yolanda estava contente. Amava as crianças, tomava conta deles e ainda ganhava uns cobres da irmã, além de roupas quase novas que ela não usasse mais. Além disso, sobrava-lhe tempo para ajudar nas tarefas da casa e para ler, que era a sua maior paixão. Outra coisa que Yolanda adorava fazer era ir com as irmãs e Odete até a Rádio Nacional, para junto com os fã-clubes esperar a entrada dos cantores do momento: Orlando Silva e Chico Alves. As mocinhas gritavam alucinadas, se descabelavam, chegavam até a desmaiar. Yolanda jurava que elas não participavam deste grupo de fãs histéricas, a elas bastava ver seus ídolos de longe. Mas esses argumentos não convenciam D. Brígida, que as proibia de ir lá. Então, elas inventaram outra estratégia: pedir para levar Lila para um passeio, que a tarde estava linda, ou que já não chovia mais, ou que tinha saído um solzinho, então, porque deixá-la passando frio em casa? Assim, elas podiam ter um pouco de liberdade sem ouvir nenhuma bronca. O fato é que de vez em quando elas se atrasavam e toca a correr desesperadas para casa e aí, às vezes a Lila, que era pequenininha, tomava alguns tropeções ao ser puxada 79
com força pela mão e aí, como explicar para a Nonna os joelhinhos tão mimosos completamente esfolados? Acho que o leitor há de se lembrar dos esfolados e machucados na cabeça de Yolanda, quando Helena corria dos seus fantasmas, pois não? É.. a vida se repete..
Capítulo 27 Novos amores e novos bebês Já se conheciam, os dois, de outros carnavais, já tinham se olhado, se avaliado.. Algumas noites de sono ambos já haviam perdido, a cruzar pensamentos, até o momento e m q u e t u d o s e t o r n o u u r g e n t e , i m p r e s c i n d í ve l . A í , E d u a r d o p e d i u Yo l a n d a e m n a m o r o . O rapaz, bonitão, porte avantajado e gênio forte estava apaixonado pela mocinha, pequenina e apimentada. A princípio a família não viu com bons olhos aquele início de namoro, pois Eduardo era amigo de Mário há muito tempo e, pelo que se sabia era um rapaz impetuoso, além de ser bastante conquistador. Ora, Yolanda também tinha gênio forte, e para a Mammá, isso era um sinal de alerta. Na opinião da senhora, eles eram como água e óleo, jamais se misturariam. Mas contrariando as previsões, aquela química deu certo e os dois se apaixonaram perdidamente e marcaram o casamento para breve. De fato, poucos meses depois, os dois já estavam subindo ao altar, numa cerimônia muito bonita. Dona Brígida estava muito emocionada, pois sua última filha estava se casando. O jovem casal veio morar no casarão, e na verdade, poucas coisas mudaram após o casamento. Dudú, como era chamado 80
Eduardo, saia de casa todos os dias muito cedo, para ir à base, visto que era militar da aeronáutica. Yolanda ficava em casa, para cuidar dos afazeres de sempre. Mas, por mais que ambos tentassem, no fundo, as coisas não iam bem. As brigas se tornavam cada vez mais frequentes, porque o jovem impetuoso queria continuar com sua liberdade de solteiro, fato que a família dele apoiava. D. Brígida e sua irmã estavam bastante preocupadas com o rumo que as coisas estavam tomando, ficavam angustiadas ao ouvir as vozes alteradas, zangadas, que denunciavam outra briga, quando Dudú chegava em casa outra vez, com o dia amanhecendo. Yolanda estava cada vez mais triste, ela não compreendia como o amor que tinham um pelo outro não era capaz de por fim naquelas brigas tão dolorosas. O tempo passava e a situação não se modificava - de pouco ou nada valeram os conselhos e cobranças que Mário fez para Eduardo, na posição de seu melhor amigo. Foi nesta época que Yolanda, depois de uma conferência com a mãe e a tia, contas e mais contas, descobriu que estava grávida. Quantas esperanças se depositaram imediatamente sobre a vinda daquele bebê... Quem sabe, recebendo a dádiva de uma vidinha em casa, um filho que representasse o amor e a genética de ambos, tudo se ajeitasse. Qual o quê - além dele não demonstrar nenhuma emoção com a novidade, sequer os avós paternos se mostraram interessados. Pobre garota Começava um tempo de muito sofrimento e angústia para ela, cujo único pecada fora amar sem restrições nem ouvindo os conselhos dos mais experientes. Apesar de tudo o tempo passava célere e os preparativos era urgentes. Apesar dos recursos minguados delas, as irmãs Helena e Dina ajudaram a confeccionar um enxovalzinho adequado, não tão farto, mas era feito com carinho. Pena que a jovem mãe não estava tão feliz; longos períodos de silêncio, olhares perdidos no horizonte, denunciavam sua tristeza. Todos na casa tentavam alegrá-la com pequenos 81
mimos, algum doce que ela apreciasse, mas nada resgatava a futura mamãe de sua tristeza profunda. A hora se aproximou e a única opção da moça foi rumar para a maternidade N. Sra. da Conceição, que por ser pública, atendia as futuras mães sem recursos, o que era o seu caso. Ela que havia acompanhado a irmã Dina às melhores maternidades da cidade, visitado os melhores pediatras, estava dando entrada em um hospital dedicado aos pobres. Mas tudo bem, sua Mammá estava ao seu lado, segurando com força sua mão, transmitindo-lhe confiança e amor. Desnecessário é dizer que, depois da última briga, Eduardo, enfurecido, havia sumido e nem sabia que a hora havia chegado. Depois de muito sofrimento, dores e horas sem fim, a jovem mãe superou tudo e Claudia, com coragem, nasceu! Era uma garotinha muito branquinha, de cabelos escuros e cacheados, bom peso, altura e era muito forte. Yolanda tomou sua filha nos braços. A menina não chorava. Tão logo cruzaram os olhares, mãe e filha, ali se estabeleceu uma cumplicidade, pois eram ambas guerreiras. Lágrimas banharam o rosto de Yolanda, que sentia não poder apresentar a Eduardo o fruto de um amor tão lindo, mas o que lhe tocou o coração foi o olhar firme da menininha, que parecia dizer: -Mamãe, eu te amo. Juntas nós vamos conseguir. Coragem! Dentro de alguns dias as três retornaram a casa, pois Yolanda fizera um escândalo no hospital, pois era véspera de Natal e ela não queria ficar lá. O que ela queria era voltar para o lar e mostrar seu tesouro para todos. Lá chegando, encontraram Dina toda afobada, tentando cortar uma ave com as penas ainda. Ela não achara que era muito necessário escaldar a galinha para cortá-la. Diante disso, Yolanda colocou o avental, acomodou a menina em seu berço e foi à luta, ajudada por sua mãe e tia, para fazer a ceia e o almoço de Natal. Havia muitas guloseimas para preparar. Terminado o trabalho, foram cuidar do primeiro banho da menina, que era de vinho, como mandava a tradição, para ter “bon auguri” (boa sorte). O “vino” já estava guardado 82
e esperando, e lá se foi a nenê, sem esquecer a moeda de prata em sua mãozinha direita, certeza de riqueza material. Era boazinha a menina. Mamava bem, dormia bem então os cuidados com ela não chegaram a comprometer as tarefas às quais Yolanda já estava acostumada: cuidar das crianças de Dina e ajudar a mãe e a tia na cozinha. Aliás, vamos lembrar quantas eram as crianças de D. Brígida: Sérgio, Maria, Cecília, José Alfredo, Ana Maria, Maria Brígida e a pequena Claudia.
Capítulo 28 Outra cegonha! Mamma mia!! Tudo transcorria em paz quando uma boa notícia veio agitar e alegrar a todas as pessoas do casarão: Mário e Conceição estavam esperando outro bebê. Desta vez D. Brígida não conseguiu acompanhar de perto a gestação, pois eles haviam se mudado para São Caetano do Sul, município que ficava muito longe do centro. Então, os cuidados da futura mamãe ficaram aos cuidados de D. Maria, mãe de Conceição. O tempo passou e chegou a hora. Abençoada pela sogra e tia, encomendada para N. Senhora do Bom parto, lá foi a jovem mãe para trazer seu bebê ao mundo. Poucas horas depois, nasceu um garotão forte e robusto, parecido com Mariazinha, sua irmã. Mario já havia combinado com a esposa que cada um teria prioridade de escolher o nome do bebê, de acordo com o sexo. Sendo assim o papai escolheu para o filho varão o nome de Alfredo Avella, tal como o nonno. Passado algum tempo, a rotina já estabelecida, 83
pois agora eram duas criancinhas para cuidar, além dos mais velhos. duas criancinhas, porque Mariazinha estava doente há algum tempo, então Alfredinho ficava bastante tempo na casa da Nonna, aos cuidados de Yolanda. Mas a moça era muito prática, bem disposta, o tipo de pessoa para a qual não havia “tempo ruim” e tudo estava em ordem. Certa tarde quentíssima de verão paulistano, ela resolveu ir ao centro fazer algumas compras, o que sua mãe ponderou, pois poderia chover e ela estava de resguardo ainda. Yolanda calculou que poderia ir e voltar antes da chuva. Mas tal não aconteceu: desabou um tremendo temporal de repente, com ventos e raios assustadores. Já encharcada, Yolanda abrigou-se debaixo de um toldo. O tempo passava e a chuva não diminuía. Yolanda estava ficando impaciente, pensado que a bebê devia estar berrando, faminta. Enfim, resolveu dar uma corridinha até sua casa, que não era tão longe assim, bastavam dez minutos. Chegando em casa, logo tratou de enxugar-se e colocar roupas secas, para tomar a menina nos braços, acalma-la e alimentá-la. Sua mãe estava bastante zangada com a imprudência de sua filha: Imagine, tomar uma chuva daquelas estando ainda de resguardo? Bem, o que estava feito, estava feito. De madrugada, Yolanda, trêmula e febril foi bater à porta de sua Mammá, pedindo ajuda. Dona Brígida levantou-se assustada e foi socorrer a filha. Realmente a situação estava difícil: Yolanda estava com febre muito alta, a garganta inchada e doendo e não havia compressa fria e chá que fizesse ela sentir-se melhor. Havia ainda a menina para alimentar, mas a Nonna não achou prudente colocá-la muito próxima da mãe para mamar. O jeito foi arrumar uma mamadeira de chá de erva doce para tentar acalmar a fome da crianças. O dia já estava raiando e a situação não se modificara, mais eis que chega Odette, a boa amiga. que visita providencial. Animada e prática, como só ela sabia ser, foi 84
tratando logo de levar a doente para o banho - uma água bem morninha com certeza faria abaixar a febre. Dona Brígida já avia providenciado uma canja de galinha, bem forte, que ela recusara. Mas com a Odette não tinha conversa: ela lembrou à Yolanda que havia um serzinho que precisava muito dela. Já não bastava o pai? De pronto Yolanda aceitou se alimentar. à simples menção de que sua menina pudesse ficar desamparada, sem pai nem mãe a apavorava. A estratégia da amiga dera certo, mas o tempo passava e Yolanda não apresentava melhora alguma. Faltavam recursos financeiros para chamar um médico. O que fazer? “Dio Mio” Foi quando Odette se lembrou de um amigo seu, o Dr. Adolpho Goldenstei, recém formado em obstetrícia, que tinha um coração de ouro. Ligou para ele e perguntou se seria possível ele fazer uma visita em casa de sua amiga. Ele aceitou de pronto e a tarde, apareceu para consultar Yolanda. Depois, chamou para fora do quarto D. Brígida e Odette e explicou-lhes que se tratava de escarlatina. Essa doença era meio comum em mães jovens, mas no caso de Yolanda, por ter tomado toda aquela chuvarada, era pior. O jovem médico não quis cobrar nada ela consulta, mas deixou uma receita longa, que aviada, sairia muito cara. À noite, quando Maurício e José chegaram para jantar, foram logo ao quarto de Yolanda, para saber se ela já havia melhorado. Foi então que souberam que a receita ainda não havia sido comprada. Logo se dispuseram os dois cunhados a ir buscar os remédios, cada um deles pagando uma parte da receita. Havia ainda o leite em pó da menina, pois a febre havia secado o leite de sua mãe. Leite em pó, naquela época era importado da Europa chamava-se Leite Klin e era acondicionado em latas de 2 quilos. Como tudo o que é feito com amor, não faltou leite para Claudia, pois todos se juntaram para poder comprar o suficiente para a menina. Ao fim de um mês, Yolanda já estava recuperada, embora frágil. Mas outras preocupações a mantinham acordada. O que fazer para criar aquela criança sozinha? É claro que ela 85
podia contar com o apoio da família, mas ela sabia que todos já tinham suas contas e despesas, suas famílias para sustentar. A sorte era que Claudinha era saudável, além de quietinha. Parece que a menina estava guardando suas energias para mais tarde, quando ninguém teria coragem de dizer que ela era boazinha... Ainda assim, aquele momento mais tranquilo dava oportunidade para que Yolanda procurasse pequenos trabalhos que lhe rendesse algum dinheiro, sem interferir nos seus afazeres habituais. Então, ela corria atrás de qualquer tarefa, como colar capas de discos, que eram feitas de papel Kraft e vinham abertas. Então, ela retirava o serviço, executava o serviço e depois devolvia para poder receber o pagamento. Ainda assim ela não desanimava. Ela não olhava para o presente, mas sim para o futuro. Deus ajudaria. Enquanto ela aproveitava de todas as pequenas oportunidades de trabalho, a menina ia crescendo.
Capítulo 29 Visita Inesperada Um belo dia, quando Yolanda estava passeando no jardim com a menina, eis que surge inesperadamente à sua frente, ninguém menos que Eduardo, seu grande amor. Imediatamente o coração da jovem se e n c h e u d e a l e g r i a e e s p e r a n ç a . Te r i a e l e v i n d o buscá-la? Ele gostaria da nenê? Ele a amaria? Eduardo por sua vez espantou-se ao ver a menina no colo de Yolanda. Ele nem sabia que ela nascera! Ele tentou desculpar-se, dizendo que estivera viajando, mas estava muito preocupado, por não ter conseguido avisar. Mas, que bom que ela dera a luz. Sim, a menina 86
era bonitinha, elogiou ele, sem fazer sequer a menção de tomá-la nos braços, olhando-a apenas de soslaio. A conversa entre os dois permanecia no campo da polidez, da formalidade. Onde estava aquele jovem ardoroso, apaixonado, que no passado recente lhe fizera tantas juras de amor? Ela o convidou para entrar e foram falar com as “vecchias”, afinal, Eduardo precisava se explicar. Ele disse que até voltaria para casa, para sua mulher e filha, só que tudo deveria ficar como estava, ele com liberdade total para levar o mesmo tipo de vida que havia arruinado a relação, sem cobranças. Yolanda reagiu de pronto, não aceitando aquela situação humilhante, sentindo que essa proposta havia sido armada pela família dele, que não via com bons olhos o romance do filho. Diante da negativa de aceitar tal ridícula proposta, só restava a Eduardo dizer adeus, um adeus definitivo, molhado de lágrimas. Dona Brígida, que a tudo ouvira calada, dirigiuse à filha, e a abraçando disse-lhe : Figlia mia, lei non te vole bene. Fermate giunto a Mammá que io te aiuto a fa crecere a bambina.” (Filha minha, ele não te ama. Fica junto de mamãe que eu te ajudo a fazer crescer a bebezinha). Nada mais precisava ser dito. Envergonhado e cabisbaixo, ele partiu, deixando Yolanda aos prantos. Yolanda baixou a cabeça, subjugada pela dor: Quando dali alguns instantes, se ergueu e se recompôs havia amadurecido dez os. Adeus à juventude inconsequente, adeus ao coração aberto e sem cautela. Agora era o momento de seguir em frente. O tempo foi passando e as festas de fim de ano, logo após o primeiro aniversário de Claudia estavam se aproximando. Na noite de 31 de dezembro, durante a festa faltou energia elétrica em casa por alguns minutos e, quando a luz voltou, cadê Claudinha? Todos se puseram a procurar freneticamente pela casa e ... nada Foi quando alguém teve a ideia de procurar do lado de fora da casa, onde havia uma gruta natural com uma linda santa dentro. E não é que a menininha estava lá? Ufa, que alívio; é que a Claudia ainda não começara a 87
andar e “ escolheu” para estrear logo na noite em que faltou luz.
Capítulo 30 Tempo de Crescer As crianças estavam crescendo e, curioso, dividiam-se em dois grupos etários: Sérgio, Célia e Lila,os mais velhos, formavam um grupo, Maria, Ana, Claudia e Zeca pertenciam ao outro grupo ao qual logo veio se juntar Alfredinho – era questão de tempo. Nonna e Nanná tomavam conta de todos durante o dia: Era roupa, lanche, escola, refeições, banhos e ainda vigiar as brincadeiras que aconteciam dentro de casa e no quintal, pois já não era seguro brincar na rua. Não sei como aquelas senhoras conseguiam criar aquele bando de crianças, pois ambas tinham idade, mas a necessidade obriga, não é? É bem verdade que ambas desenvolveram seus métodos de educação, onde o amoré o respeito vinham em primeiro lugar, seguido de “rigorosa disciplina”. Na hora das refeições, sempre havia um ou outro enjoadinho, que não queria o cardápio do almoço, neste caso umas das vecchias providenciava algum outro alimento que agradasse mais, porque “nun si poú restare adijuno” (Não se pode ficar em jejum, certo?) Aos domingos, o almoço costumava mais tarde: as oito da manhã todos iam à missa na igreja do bairro, depois Yolanda e Helena iam à feira, enquanto as vecchias começavam a preparar o almoço, cuja a maior parte havia sido preparada na véspera, quase sempre o ragu e um tipo de carne. Caso alguma criança reclamasse de fome, a nonna sempre acudia, seja molhando um pedaço grande de pão no ragu e depois mergulhando no queijo ralado, ou colocando uma boa garfada de pasta num prato, regando 88
com ragu e queijo ralado – pronto, não havia mais motivos para reclamar, principalmente a Claudinha que chorava desesperada, quando tinha fome – o dó... Vale a pena lembrar de algumas curiosidades da pasta das vecchias. O ragu, geralmente feito de carne moída ou em pedaços,nunca tinha uma quantidade inferior a 6 litros, que era a capacidade do caldeirão médio. Já o caldeirão maior,de 12 litros, era reservado para cozer a pasta, nunca menos de 4 pacotes de 1 quilo de macarrão da Matarazzo. O papel azul que envolvia o macarrão era usado para secar as frituras. Um a embalagem daquele macarrão servia para aparar o queijo parmesão que era ralado na hora – apenas um papel enorme daqueles, coberto pelo queijo ralado que envolveria a massa. Tudo naquela casa era superlativo, pois para servir doze pessoas era necessário haver método e fartura. Por exemplo: Quando a Nonna fritava bifes, grandes bifes de alcatra ou filé, à medida que iam ficando prontos, ela os empilhava em uma grande travessa que ficava sobre a pia. O incrível era que ela sabia direitinho o ponto da carne que cada um apreciava. Era bonito de se ver a cozinha toda esfumaçada, com aquele cheirinho irresistível e a pilha de bifes só crescendo. Na hora de bater os bifes para amaciá-los, mais ou menos 30 bifes por refeição, ela os dispunha sobre a pia, tomava o martelo e a tábua e começava a tarefa. Ocorre que ela usava um longo avental que lhe chegava quase aos pés e o cheiro da carne fresca atraía os gatinhos que ela criava no quintal. Miando desesperados, eles tentavam subir pelo avental para alcançar a carne. Depois de espantá-los muitas vezes, ela perdia a paciência e batia neles de leve com o martelo. Então, o som que se ouvia na cozinha era mais ou menos assim? tum, tum, miau, tum, tum, miau, ao que ela respondia “Ben Fatto”. Claro que elas não os machucava, afinal, eram seus bichanos.
89
Capítulo 31 Doces e fartos domingos Havia certos domingos que as “vecchias” resolviam fazer gnocchi. Não era qualquer massa, mas a massa da Nonna. Tudo começava no sábado, quando elas faziam a massa, que só usava água, sal e farinha de trigo. Massa pronta, as irmãs começavam a trabalhar as pequenas bolinhas, que saiam sempre iguaiszinhas. Havia na copa uma mesa muito grande, pintada com tinta a óleo azul. Esta mesa era coberta com panos de prato feitos de sacos de farinha, onde eram depositadas as bolinhas, cobertas com outros panos. Ali a massa ficaria secando até a manhã seguinte, quando seria cozida. Os gnocchi ficavam extremamente leves, deliciosos, ao contrário do que se possa pensar, por não usar batata na massa. Não consigo imaginar a trabalheira que era fazer mais ou menos 6 quilos de massa, cozê-las, para depois servir com um delicioso ragú. A carinha de felicidade das duas, enquanto todos se deliciavam à mesa, seria digna de um quadro. As lembranças dessas refeições, centenas delas, milhares delas, um monte de louça e vidro. O guarda louças que ficava lotado com a mesma rapidez que era esvaziado, como num conto de fadas, são lembranças valiosas que compartilho com poucos. Só posso dizer uma coisa - Obrigada Nonna! 90
Capítulo 32 Hora do banho Essa era uma hora crítica do dia. Como juntar um bando de pirralhos para deixá-los limpinhos e reluzentes? Os maiores já tomavam banho sozinhos, então a Nonna ou a Zia esquentava água suficiente e despejavam no enorme bacião que havia no banheiro. Depois bastava uma pequena supervisão para ver se Sérgio e Lila estavam bem limpinhos. Já os menores precisavam de ajuda par ao banho. De novo, a água quentinha no bacião, as crianças esperneando e o sabonete que se chamava “Vale quanto Pesa”, uma barra enorme e muito pesada, para um simples sabonete de lavanda. Aí, como doía quando aquela “pedra” amarela se chocava contra as costelas, os cotovelos. Prestimosas como eram a Nonna e a “Zia” , faziam questão que quando os adultos chegassem para jantar, todas as crianças estivessem limpinhas, penteadas e cheirosas. Os maiores de sete anos frequentavam a escola em apenas um período e os menores ficavam e m c a s a o d i a t o d o , a o s c u i d a d o s d a s ve c c h i a s . Quando elas não conseguiam manter a disciplina, a nonna tomava nas mãos a enorme vassoura de palha amarela e distribuía generosas vassouradas em todos os netos, já que ela não podia correr atrás dos diabinhos, a “scoppa” (vassoura) mantinha a ordem. Quando a “scoppa” 91
não os alcançava, ambas cercavam os pestinhas e lhes aplicava um sonoro “chiaffo” um “paccero “ (tapão) mesmo. Aquele quintal imenso era um convite irresistível para a meninada se divertir a larga. Sérgio e Zeca adoravam brincar de mocinho e bandido, enquanto Lila, com suas inseparáveis bonecas, fazia o papel de mocinha correndo perigo. Aí, valia o improviso, o faz de conta. C a i x o t e s v i r a va m c a r r u a g e n s , va s s o u r a s e rodos eram cavalos, isso quando não arrancavam algumas toalhas do varal para servir-lhes de capa. Já os menores, Maria, Aninha, Claudinha e Alfredo, formavam outro grupo que gostava de brincar de casinha, amarelinha, toda a sorte de brincadeiras de faz de conta, com fadas, bruxas, príncipes e princesas. Quanto todos se juntavam, então as brincadeiras ficavam mais animadas, barulhentas - era pique esconde, cabra cega, queimada. Aí a correria era geral, uma bagunça cheia de energia. D e ve z e m q u a n d o C l a u d i a , q u e q u a s e n ã o era atrevida, ia chamar os maiores para brincar. Aí era apostar corrida, lutar boxe, cuspe à distância, que ganhava quem cuspisse mais longe. A regra para esta brincadeira era comer duas ou três bananas antes de começar o campeonato, pois o Zeca dizia que a saliva ficava melhor quando se comia banana. Havia também o arco e flecha, para a brincadeira de índio. O difícil era explicar para a nonna, na hora do banho, as pequenas marcas roxas, devido às luvas de boxe, pequenos arranhões e picadas, devido às flechadas. Nonna, preocupada, ponderava: - Como se machuca essa menina! Será que ela “sofre das vistas?” Só pode ser isso, porque as outras não se machucam tanto assim. Quando chovia, ou no inverno rígido, como era em São Paulo antigamente, as brincadeiras eram dentro de casa, aí os meninos iam brincar de soldadinho de chumbo, centenas deles ordenados em batalhões, no assoalho da sala de jantar, ou os triciclos, o aviãozinho, que já expliquei, era o terror das tias. 92
As meninas ficavam com suas bonecas, casinhas e carrinhos de suas “filhas”. Claudia não gostava muito dessas brincadeiras. Ela preferia ficar no quanto, sentada aos pés da Nonna, para juntas ouvirem as novelas da Rádio São Paulo
Capítulo 33 As novelas Todas as tardes, das duas às quatro horas, a menina sonhava, soltava a imaginação, acompanhando os dramalhões e romances das personagens. Claudia adorava as novelas, principalmente quando havia tempo de comentar co capítulo do dia com sua avó. Juntas, elas se emocionavam e a avó aproveitava o tempo para contar-lhe fatos de sua infância e juventude na Itália e sobre seu marido o querido nonno, que infelizmente a menina não conhecera, mas aprendera a amar. Outra coisa que a menina gostava era ler a revista “Grande Hotel”, especializada em fotos novelas. Era muita ansiedade, pois todos gostavam de ler, e até que chegasse sua vez, demorava. Ela suspirava com as histórias, cujo protagonista era quase sempre o ator Adriano Reis, que também atuava nas novelas das rádios. Bons tempos aqueles, tempos de alegria e inocência, onde o carinho e o bem estar poderiam ser traduzidos em um pijaminha de flanela, feito pelas avós e um prato de mingau quentinho à noite. Assim, entre brincadeiras, correrias e vassouradas, a infância transcorria. Já Yolanda não escolhia trabalho: o que viesse era ótimo, desde que lhe deixasse com um tempoinho para cuidar da casa e de sua menina. Todo e qualquer tempo que lhe sobrasse era dedicado aos cuidados com sua filha. Ela queria saber o que a 93
menina fizera, como se comportava, se obedecia a nonna...
Capítulo 34 Domingos Felizes Aos domingos, ela e a filha iam à missa na igreja do Brás. Saindo de lá, passavam em uma pequena padaria próximo à igreja, onde tomavam café da manhã - Um grande copo de leite batido com Toddy no liquidificador, uma grande novidade da época, pão bem fresquinho ou misto quente. Saciadas, elas rumavam para a banca de jornal, onde Yolanda adquiria “O Estadão” ou o “Diário de São Paulo”, jornais de grande circulação na época, que tinham ótimos cadernos de emprego. Para sua filha, Yolanda comprava alguns gibis, como o “Tico-tico”, Pato Donald, etc. Quando voltavam para casa, se não fosse a semana de Yolanda fazer o almoço, corriam para baixo das cobertas para ler, comer bolachas, brincar e rir a toa, até cansar.. Algumas décadas depois sua filha ainda lembraria com carinho daqueles domingos mágicos. Se ela fechasse os olhos e se concentrasse, ainda poderia sentir o cheirinho de leite achocolatado. Aqueles tempos felizes passaram muito rápido, tempos ricos de amor, afeto e cuidados. Por todas as risadas, todos os abraços, todas as coisas lindas e malucas que fizemos juntas. Por todos os beijos que curaram minhas dores. Por todas as pequenas surpresas, por toda a felicidade que você me deu, obrigada mãezinha.
94
Capítulo 35 Doces Lembranças As crianças tinham a impressão que o ano nunca terminava, tamanha era a ansiedade para que as férias chegasse, pois todos viajariam para Santos. Claudia e os primos ficavam excitados, querendo ouvir os planos e decisões dos adultos. Claro que esta parte operacional demandava bastante tempo, pois não era fácil viajar com um grupo de dezenove pessoas. pois não se tratava de uma agência de turismo, apenas uma família. A princípio, fazer as reservas na pensão, as listas de roupas e objetos a levar. Então Tio Maurício alugava um carro da época, com o seu Ludovico, que tinha um carro de modelo diferente, que acomodava um número maior de passageiros. Seu carro que entrava sete pessoas, acomodava toda a família, com os adultos sentados e as crianças menores no colo. Era necessário ainda alugar um carro de praça (assim eram chamados os taxis) para l e va r a s b a g a g e n s , d e z e n a s d e m a l a s e m a t u l a s . Tudo pronto, a família acomodada era hora de partir. O cam inho era longo e a viagem demorada, levando mais ou menos três horas, através da estrada “Caminho do mar”. A nonna providenciava pequenos lanches e bebidas, sempre preocupada que ninguém ficasse com fome, se bem que os solavancos do carro e muitas crianças de barriguinhas cheias, rendessem alguns episódios de vômitos incontroláveis - era um Deus nos acuda! Finalmente a chegada! Era uma azáfama descarregar os dois 95
carros, sem perder de vista os pequenos que só queriam ir para a praia. A pensão era uma das poucas da Praia do Gonzaga e seu proprietário, seu Mário, era boa gente. Sua pensão, um casarão com mais ou menos 10 quartos e dois ou três salões, que se dividiam entre restaurantes e salas. Nos fundos da casa havia uma cozinha enorme, com fogões a lenha, onde cozinhavam seu Mário e sua esposa, uma comida farta e deliciosa. O melhor lanche era o da tarde, quando saiam da cozinha deliciosos bolos quentinhos, servidos com chá mate. Já a praia, o banho de mar era um capítulo a parte, que merece ser relembrado. Vale dizer que as roupas de banho eram feitas de uma lã que pinicava a pele e muito incômodas. Havia na praia, naquela época, cabines de madeiras que podiam ser alugadas por algumas horas, para as pessoas que não estivessem hospedadas na cidade. Também nos restaurantes da praia podia-se mediante módica quantia, tomar banho quente, para tirar “o sal e a friagem” do corpo. Bem, vamos “al mare” - haviam regras a serem obedecidas - todas as crianças podiam brincar a vontade, desde que não se afastassem do perímetro combinado, vigiadas de perto pela Nonna e pela Nanna. Já na água, a vigilância era ferrenha: água, só até os joelhos e ai daquele que ousasse desobedecer - além de levar puxões nas orelhas, ficava proibido de voltar para a água - que castigo! As palavras da Nonna e de sua mãe ecoam até hoje na cabeça de Claudia - “Não me faça chamar o salva vidas!” Tu d o b e m , N o n n a , s e m p r e q u e é p o s s í ve l , Claudia não deixa as situações e decisões de sua vida se agravarem, a ponto de precisar chamar o salva vidas... Contudo, estas viagens anuais, generosamente patrocinadas pelo tio, são até hoje um tesouro guardado com muito carinho no coração de crianças e adultos da família.
96
Capítulo 36 Outros afetos Justo é dizer que Claudia, além de ser o xodó de sua mãe e avó, também contava com o amor incondicional da Tia Helena e do Tio José. Eles ainda não tinham filhos - a cegonha insistia em não visitá-los tão cedo. Então todo o amor que eles possuíam era dedicado à Claudia, para ela eram comprados vestidinhos, pares de sapato que a tia comprava com desconto no Magazine Mappin, onde ela trabalhava, mas o mais importante era o carinho que ambos nutriam pela filha postiça. às vezes, a noite, eles a “raptavam” para seu quarto, colocavamna sentadinha no meio da cama de casal e brincavam com ela. Depois tia Helena mostrava para a menina seu bauzinho cheio de pequenas lembranças, fotos, bijuterias e até algumas joias. Claudinha ficava encantada, sonhando aventuras com aqueles objetos mágicos. Em seguida a menina ia pentear o cabelo do tio, aquela vasta cab eleira negra, onde a menina experimentava todos os penteados possíveis. Geralmente eles devolviam a menina já adormecida para sua mãe. Claudinha adorava essa atenção de seus tios. Era apaixonada pelo casal. A grande aventura era ir para o quarto deles. Para entrar lá, era necessário calçar uma espécie de pantufa de lã tricotada pela sua tia, pois os calçados comuns poderiam riscar o assoalho que brilhava como espelho, sempre encerado e polido. 97
Na cabeceira da cama deles, havia uma capa para proteger o móvel pois o Zé, usava muita brilhantina nos cabelos e poderia manchar o móvel. Isso associado aos tapetinhos, aos espelhos e a inúmeros bibelôs de porcelana que ficavam sobre a penteadeira, chamada na época de “pechinchet”, como era o nome verdadeiro em francês, tornava aquele ambiente no mínimo pitoresco. Sob a ótica de uma menininha de mais ou menos seis anos, isso era apaixonante. Tia Helena não perdera aquele jeitão meio distraído,meio crédulo de sua infância: era prestimosa, metódica carinhosa e séria. Já tio José era alegre, descontraído, risonho e gostava de pregar peças nas cunhadas e nos cunhados dentro de casa, cujo final era sempre cheio de correrias e gargalhadas, com os adultos se comportando feito crianças e a Nonna, muito brava, correndo atrás de todos com a vassoura em riste. Oh, arma poderosa, temor das crianças e adultos. Agora, vem a pergunta, como não se apaixonar por tal casal? Tia Helena chamava o marido de Pimpolho e era chamada de Lena por ele. Mais um pequeno detalhe:Tio José usava a noite para dormir, uma touca feita de meia de nylon, femininas, que serviam para que seus lisos cabelos não ficassem arrepiados. Ele ficava muito estranho, com aquele narigão de turco e a touca bem apertada na cabeça. Era difícil não dar risadas...
Capítulo 37 Escolas O tempo da 1º infância foi terminando e logo Claudia ficou sabendo que já era hora de ir para a escola. Até que seria bom pois agora ela ficava sozinha 98
com a Nonna e a Zia, durante o dia, pois até Aninha já estava na escola, por ser um ano mais velha que ela. Como todos seus primos estudantes pareciam felizes e animados, logo a escola não poderia ser tão ruim, ponderou a menina. Yolanda então começou a visitar as escolas públicas da redondeza, visto que o ensino gratuito era muito completo naquela época e esta era a única maneira de educar sua filha, pois a situação financeira era ainda preocupante. As duas escolas mais cotadas eram o Instituto Caetano de Campos, no centro da cidade e o Instituto Padre Anchieta, no Brás. Naquela época a família já estava residindo no Brás, na Rua Gomes Cardim, 260, perto da estação do Brás, rua do Hipódromo e Caetano Pinto, travessa da Av. Rangel Pestana, onde ficava a escola. Era muito difícil conseguir uma vaga nessas escolas, devido à boa fama que elas possuíam. Eram as melhores mesmo. As crianças de Tia Dina estudavam no colégio Luciano Maia, no Brás. Era um bom colégio, dirigido por um casal de professores, mas era particular. Então só restava a Yolanda a opção de fazer a inscrição da filha nas duas escolas públicas, cruzar os dedos e rezar, pois se a menina fosse chamada, teria educação garantida até se formar. Dias depois, chegou a notícia da admissão d e C l a u d i a n o Pa d r e A n c h i e t a . F o i u m a f e s t a ! Então começaram as correrias para comprar a sarja de lã para fazer pelo menos duas saias pregueadas, metros de algodão xadrezinho azul e branco para as blusinhas (nossa, os bolsos tinham que ser bordados...), meias, duas gravatinhas, um par de sapatinhos pretos e muitos metros de fita de tafetá azul marinho ou branco, que comporiam os enormes laços de uso obrigatório na cabeça das meninas. Com os tios e as tias ajudando, cada um colaborando um pouco, as vecchias costurando os uniformes e tricotando os casaquinhos de lã, logo o enxoval ficou pronto. Claudinha já estava ficando espantada com aquela agitação toda dentro de casa: todas as pessoas afobadas, tentando passar para ela uma pseudo-tranquilidade.. teria ela ouvido a palavra “chorar”? 99
No tão esperado dia, após o almoço, sua mãe vestiu-lhe o uniforme preparado com tanto carinho, enquanto lhe fazia pequenas recomendações, tais como ficar boazinha, obedecer a professora, esperar pela mamãe as cinco horas para apanhá-la. Sua mãe arrumou para ela a malinha com alguns lápis e cadernos, pois o resto o material a escola daria. Colocou o lanchinho na lancheira novinha e deu-lhe uma moedinha para comprar um doce. Feito isso, a mãe levo a menina par despedir-se de todos, ganhar muitos, muitos beijos e bênçãos e lá se foram elas, a pé, pela rua ensolarada, pois o trajeto era curto. Enquanto caminhavam, a mãe ia pensando que naquele momento mais uma etapa de suas vidas se encerrava, que era o cordão umbilical sendo cortado pela 2º vez. Ao chegarem em frente ao majestoso prédio da escola, a menina assustou-se um pouco. Sua mãozinha tremeu um pouco dentro da mão se sua mãe, que lhe devolveu um aperto suave e uma delicada pressão em seus ombrinhos, com a ordem amorosa: Vá filhinha. Quando Yolanda se voltou para partir, duas teimosas lágrimas desenhavam sinuosas curvas em suas faces. Mas tudo bem: a mãe emocionada voltou para casa sonhando com o dia que a filha se formasse professora. Faltava tanto tempo, será que ela veria esse dia? Sim, ela viu com muito orgulho. Foi bom o começo da vida escolar para a menina, ela estava no jardim da infância e sua professora chamava-se Dona Sônia. Ela era jovem, morena, muito bonita e paciente. A menina logo se acostumou à rotina da escola e um mundo novo se descortinou à sua frente: eram horários, brincadeiras, novos amigos... Na verdade, ela sentia um pouco de pena, quando pensava na Nonna e na Nanná, sozinhas a tarde toda. Mas ela deixara para fazer-lhes companhia sua gata, a branquinha. Era uma fêmea angorá que havia sido doada por uma freguesa de sua avó, na época que Claudia nascera e “adotara” a menina. Ambas cresceram juntas e o lugar de Branquinha era na cama 100
da menina. Na verdade, elas só se separavam na hora da escola. Agora para Yolanda, ficara mais fácil com sua filha na escola. Ela usava seu tempo livre para procurar um trabalho fixo. Yolanda queria crescer, ter uma profissão, já que não fora possível estudar, então precisava de um bom emprego. E tanto fez que acabou encontrando uma vaga nos “Diários Associados”, jornal de grande circulação da época. Entrou na empresa como propagandista. Ela captava clientes para anunciar no jornal. Depois com o tempo, a irrequieta e inteligente moça conseguiu a permissão de seu chefe para acompanhar pequenas reportagens, o verdadeiro “foca”. Assim ela foi crescendo na profissão, com garra e coragem. Ao mesmo tempo foi descobrindo como a vida poderia ser bem melhor, como era bom ser respeitada. A esse emprego outros se sucederam, como a “Folha de São Paulo”, sempre no ramo de propaganda. Assim nascia uma publicitária. Yolanda naqueles dias não lembrava a moça humilde de antes - só na garra e na beleza. Ela estava elegante, bem vestida, trazia sempre sua maleta de couro e os sapatos altos impecáveis. Gostava de usar Tailleurs de cores claras e para isso contava com os serviços de uma excelente costureira e bem barateira. Yolanda aproveitava para mandar fazer alguns vestidos para sua filha, pois a situação já estava melhor e não mais precisava usar as roupas doadas pelas primas. Tu d o e r a f e i t o c o m p a r c i m ô n i a , p o i s naqueles tempos a economia andava caótica. Todos deveriam economizar bastante dentro de casa, com alimentação, os costumes, passeios, enfim a vida era dura. Dona Brígida possuía uma gaveta na cômoda em seu quarto que era destinada só aos aviamentos. P o r e x e m p l o , s e u m a p e ç a d e r o u p a f i c a va velha e já não pudesse ser mais aproveitada, então a senhora retirava os botões, zíperes e colchetes, tudo isso porque esse material era importado, logo, muito caro. Quando os sapatos ficavam pequenos 101
p a r a o s p é s d a s c r i a n ç a s , q u e não paravam de crescer, a Nonna ou a Nanná cortavam as pontas dos calçados, para dar mais conforto aos dedinhos dos pés. Esses calçados eram usados em casa, e logo que fosse possível, outros seriam comprados para usar para passear. Esse arrocho na economia era comum a todas as famílias de classe média, já estava incorporado aos costumes. Sábios tempos, onde as pessoas conseguiam ser felizes com o que possuíam, sem perseguir o “status” nem ostentação. Havia fartura à mesa e controle nos outros segmentos da vida.
Capítulo 38 Tristezas Aquele ano passou depressa, todo cheio de novidades e logo começava novo ano escolar. Antes do meio do ano, um lamentável acontecimento veio entristecer toda a família: Tio Maurício faleceu de repente! Que pena.. há algum tempo ele já não vinha se sentindo bem - de nada adiantaram os conselhos para que ele procurasse um médico e seguisse o que este lhe recomendava. Maurício rebatia dizendo que era só um mal estar passageiro, nada que um chá não resolvesse, pedido este que Yolanda prontamente atendia, não custava oferece uma xícara de chá para quem sempre ajudara, tratando-a e a sua filha com muito carinho. Pobre Tio Maurício. Claudinha era muito afeiçoada a ele, sempre tão carinhoso, meigo, que nunca demonstrava superioridade, mesmo tendo uma inteligência privilegiada, homem de muitos estudos, que falava diversos idiomas - como se falava antigamente. A menina gostava de ficar sentadinha no assoalho da sala, próxima à poltrona cinza que o tio ocupava sempre, para ouvir as histórias que ele tanto gostava de contar, falava 102
sobre sua terra longínqua, ensinava a menina pequenas canções, todas em francês, que era seu idioma natal - ela ficava encantada, ouvindo aquelas palavras e aprendendo bastante naquele idioma que para ela parecia música. Interessante: Tio Maurício adorava ir ao Mercado Central, o Mercadão, aos domingos. Ele convidava toda a família, mas poucos aceitava o convite, porque ele era incansável, parecia um menino, que sumia em uma barraca, para aparecer na outra lá adianta - Isso cansava! Ele procurava sempre alimentos judaicos, que lembrassem sua terra: o pão judeu, as latas de Halawi e principalmente ovas de peixe secas, que vinham em pequenas barras retangulares - essas ele guardava direto no bolso da calça, junto com um pequeno canivete. Quando as crianças passavam perto dele, imediatamente ele cortava um pedaço daquela coisa horrível, com gosto de peixe e enfiava em suas boquinhas. Ele não permitia negativas nem devoluções, dizendo: -Isso é saúde! Infelizmente, aquele senhor, perfumado, elegante em seus ternos de linho e sapatos de ve r n i z , o i n d e f e c t í ve l c h a p é u p a n a m á s e f o r a . . . Claudia ainda não entendia as mudanças que se fizeram obrigatórias na vida da família, mas elas vieram. Tio Maurício arcava com a maior parte das despesas da casa, Yolanda e Helena contribuíam com parcelas menores e só os três trabalhavam. Havia muitas pessoas para sustentar, principalmente as crianças em idade escolar, que agora davam mais despesas. O que fazer agora? Os adultos se reuniram para traçar novas metas para controlar o problema, pois com a morte de Maurício, cessava a maior parte da renda. Logo agora que as irmãs estavam pensando em arranjar uma pessoa para ajudar a Nonna e a Nanná, pois a idade vinha chegando e elas já se mostravam cansadas. Bom, o jeito era usar a força dos Avella para enfrentar a s i t u a ç ã o . Antes de mais nada, as irmãs precisavam cuidar de Claudina e seus quatro filhos, que estavam perdidos, desolados. Era necessário cercar a todos de carinho e segurança. 103
A f i n a l , e r a a p r i m e i r a ve z q u e a s c r i a n ç a s viviam a experiência tão triste de perder um parente. Passado os trâmites religiosos realizados na Sinagoga, por ele ser judeu e na igreja católica, que era a religião da esposa e dos filhos, todos em casa começaram a opinar sobre o futuro. As crianças estavam entre oito e quinze anos. A primeira providência foi conseguir uma escola pública, pois já não se podia pagar as mensalidades para as quatro crianças. Procuraram bastante, mas conseguiram para os dois mais velhos ensino noturno, para que pudessem trabalhar. O casal mais jovem ficou no período vespertino e, como não tinha vaga para Aninha, a caçula ficou na mesma escola de Claudia, o PadreAnchieta. Claudia ficou toda feliz com a companhia da prima e prometeu à tia Dina que iria tomar conta dela direitinho. Graças ao destino aquela escola se tornou responsável pela educação de Ana Maria Saul, aluna brilhante desde o começo, onde conseguiu nota máxima até o último ano, sendo Cadeira Prêmio, outorgada com justiça à jovem professora Ana Maria. Esta regalia só era oferecida aos alunos de maior destaque e permitia que o recém formado escolhesse em qual escola gostaria de lecionar, independente de sorteio. Foi assim que a doce e tímida Aninha de outrora abraçou a Educação, carreira que lhe deu muitas alegrias. Ana Maria fez muito pela Educação e faz até hoje, tendo galgado todos os honrosos degraus, de uma brilhante trajetória. Obrigada, Mestra, em nome de todos os seus alunos. Graças a Deus logo Sérgio e Lila arrumaram emprego em meio período e parte de seus magros salários serviam para engrossar o orçamento da casa, além de mantê-los.
104
Capítulo 39 Um homem de Bem Yolanda depois de tanto procurar, conseguiu uma boa oportunidade em uma editora especializada em publicações rurais. Na verdade seus produtos eram duas revistas, uma voltada para o campo a “Sítios e Fazendas” e outra cujo foco era a natureza “Fauna e Flora”. Ora, esse era um segmento promissor no mercado e Yolanda encarregou-se de fazer os contatos publicitários, setor no qual já tinha experiência, arrecadando anúncios para as duas revistas. Os negócios caminhavam bem, eram muitos os anunciantes, mas isso não queria dizer que se o serviço na editora apertasse, Yolanda não ia para lá ajudar, as vezes até nos finais de semana, quando os prazos de entrega atrasavam. Lá aparecia Yolanda, muitas vezes levando pela mão Claudia. As recomendações eram as mesmas: “Fique quietinha, não mexa em nada. Não perturbe o Sr. Ovídio, porque ele está muito ocupado”. O Sr. Ovídio a que sua mãe se referia era Ovídio Luis Averoldi, um conde, isso mesmo, um conde italiano, sem muito dinheiro, mas com uma nobreza de alma que fazia jus ao título. Era engenheiro agrônomo, daí a paixão pelas coisas do campo, principalmente pela natureza brasileira, que ele não cansava de admirar. Claudia, de tanto frequentar aquele ambiente, misto de casarão antigo com tipografia e redação, apaixonou-se por aquele universo da publicidade. 105
A menina gostava de ver o “padrinho”, como chamava carinhosamente Sr. Ovídio, preparar cada folha da revista, colando fotos, alinhando os tipos, as letras, para formar palavras que se transformavam em textos. O cheiro daquela goma de polvilho, que fazia as vezes da cola, a tinta, o papel novo, tudo a encantava e a poesia de fabricar palavras ficou para ela como um grande tesouro, que ela guardou para sempre. Ovídio era um sujeito generoso, simpático e falastrão, naquele italiano abrasileirado, sempre cercado de amigos. Como não gostar dele? Anos mais tarde, ele foi escolhido para padrinho de casamento de Claudia e os laços daquela amizade se tornaram mais estreitos. Ovídio ofereceu ao jovem casal um presente e também um jogo de canetas, para que assinassem os documentos no cartório e na igreja. O que ele não sabia é havia dado àquela Claudinha de outrora o maior presente possível: ele lhe transmitira o amor incondicional pelas letras e pelas palavras e isso a acompanhou pelo resto da vida.
Capítulo 40 Novidades Yolanda já estava bem situada no emprego, trabalhava muito e o salário mais as comissões ajudava bastante com as despesas da casa. Ela ainda não havia esquecido da necessidade de colocar uma pessoa para ajudar em casa, pois agora eram quase todos adultos e o trabalho aumentara bastante por lá. Fazia-se necessário tentar arrumar algum emprego para Dina, pois além da situação financeira dela e dos filhos estar bastante ruim, ela estava muito deprimida, nem parecia a Dina de sempre, autoritária e brigona a morte de seu grande amor estava difícil de superar. 106
Então, pensou Yolanda, o jeito era agitar, procurar um emprego para ela, algo que a distraísse e ainda trouxesse lucros. Começou então a procurar entre seus contatos e logo encontrou uma vaga para a irmã. Por coincidência a vaga era para um revista dirigida à vida rural, no cargo de propagandista, tal como seu próprio emprego. Yolanda comunicou à irmã, ao qual ela concordou, cheia de dúvidas, mas logo foi tranquilizada por Yolanda. Tomadas as providências, Yolanda começou a lhe dar todas as informações, preparando-a para o novo cargo. Foi difícil para Dina adaptar-se à nova vida, pois ela entrou aos poucos em universo que não lhe pertencia, diferente dos seus hábitos. Mas, como dizia Dona Brígida, “La necessidade rompe la legge” (a necessidade ultrapassa a lei), e logo ela foi se acostumando ao novo emprego, aprendendo muito com os colegas e fazendo novas amizades. Aí, então, as coisas começaram a engrenar na casa. Logo veio a oportunidade de contratar alguém para ajudar as nonnas. O tempo passada e a saudade substituía os tristes fatos recentes, tudo caminhava sem grandes novidades, quando Oh! De novo! Helena procurou a Mammá para fazer “aquelas contas” e não deu outra, um novo bebê a caminho. O sonho acalentado por tantos anos por Hélena e José já era uma realidade! Ambos estavam muito felizes, porém havia uma grande preocupação, pois Helena estava diabética. Este fato somado à idade da futura mamãe, beirando os 40, era o que preocupava a todos no momento. Helena, por recomendação de seu médico, deixou o emprego, para ficar em casa repousando. Deveria cuidar de sua dieta e não se preocupar. A tendência naquela época era caso a gravidez vingasse, adiantar o parto para os oito meses, para evitar maiores complicações. Foi uma gravidez muito difícil, porque as condições da mãe preocupavam a todos. 107
As taxas de glicose dela só subiam e Helena estava muito fraca. Porém, apesar da fragilidade dela, havia um serzinho dentro daquela barriga mirrada e todos da casa precisavam se preocupar com o bebê também. Então, o que havia acontecido tantas vezes na família se repetiu. Começou a corrida para comprar quilômetros de panos, lãs, fitas, rendas e botões. Dizia a Nonna, que, quando uma pessoa tem um sonho, ela deve ajudar a trazer esse sonho para si, através de ações e pensamentos positivos, para não dar azar. E foi justamente assim que a família agiu, não medindo esforços, adultos e crianças, esperando com ansiedade por um final feliz. Passaram-se os meses e finalmente chegou a hora do bebê vir ao mundo, este bebê tão esperado, que nascia sob condições tão difíceis. Era uma menininha, perfeitinha, bom peso, saudável, enfim! A nenê era clarinha, cabelos fartos, uma italianinha. José, o orgulhoso papai, logo decidiu que ela iria se chamar Laila, nome que tão logo Helena teve condições de se manifestar, não aceitou argumento algum para repensar. Ela não queria e pronto! A mamãe resolveu que sua menina iria chamar-se Maria Cristina. Os sonhos de José se foram por água abaixo, pois pensava ele, tendo a menina um nome que remetesse à sua origem, seria mais fácil sua entrada na comunidade. O sonhador pai pretendia, quando a menina fosse moça, levá-la para frequentar o Clube Homs, que pertencia à sua comunidade, para que com o tempo, ela arranjasse um bom casamento. Porém o futuro ainda estava muito distante. Era necessário que se pensasse no presente. Helena estava ainda mais fraca depois do parto e necessitava de cuidados constantes, além de 108
medicação e alimentação controlada. Já Maria Cristina não parecia tão forte quanto nascera. A menina tinha bronquite asmática e também precisava de cuidados e vigilância. Todos os familiares se mobilizaram então: Nonna e Nanná cuidavam da alimentação de Helena, Yolanda da medicação e das idas ao médico e Claudia ficou com os cuidados da nenê. Muitas vezes ela passava a noite ninando a menina e ao amanhecer, tomava banho e ia para a escola. Com o passar do tempo, tanto cuidado e empenho recebeu sua recompensa. Helena começou a se recuperar e a menina também foi melhorando. Mas o entusiasmo de Claudia por aquele serzinho tão pequeno e esperto não se arrefeceu, muito pelo contrário, cada vez mais ela se apegava à menina, afeto pueril que perdurou por toda a vida, tornando as duas inseparáveis.
Capítulo 41 Tempos de Igreja Nessa altura da vida, as crianças já haviam crescido eram pré adolescentes e jovens adultos, cada qual seguindo seu caminho. Ainda de maneira geral, a vida se resumia em trabalho, estudos e às reuniões e compromissos na igreja do Brás, à qual todos eram filiados. Os mais jovens eram cruzadinhos de Jesus, segmento dedicado às crianças na idade da primeira comunhão, onde as aulas de catecismo eram obrigatórias, bem como as missas dominicais. Havia duas categorias na categoria Cruzadas. Os menores, entre seis e oito anos, que recebiam uma flâmula de tafetá amarelo para usar na manga da camisa e 109
os mais velhos, que pertenciam a um movimento dedicado à Maria, mãe de Jesus, que eram os da Congregação Mariana, para os meninos e as meninas eram Filhas de Maria. Todos portavam uma faixa amarela, usada atravessada ao corpo e era obrigatória em qualquer solenidade. Quando eram realizadas as procissões pelas ruas do bairro, eram os Marianos e as Filhas de Maria que carregavam garbosamente os andores dos Santos, fazendo os pequenos cruzadinhos sentirem inveja. Havia outros movimentos dedicados aos adultos e a igreja era uma célula que nunca fechava as portas, onde a qualquer hora do dia ou da noite o cristão encontrava apoio, acolhimento. Naquela época o padre da Igreja do Brás era Jesuíno Santilli, figura bondosa e compreensiva, que tratava os fiéis como irmão, frequentando suas casas, inteirando-se de suas alegrias e tristezas, sempre com um exemplo bíblico ou uma palavra amiga. Tão boa e santa era essa figura, que tinha paciência até com a irrequieta Claudia, a quem deu o apelido de Pintassilgo, porque ela não parava quieta dentro da Igreja, bordejando de altar em altar, alegre e buliçosa, a conversar com os santos e anjos, até que sem querer, esbarrava em algum objeto, que ia ao chão espatifando-se. Aí, era um Deus nos acuda, um mar de olhares furiosos, ao que o padre intervia dizendo: “Ela é inquieta como um pintassilgo, alguém consegue para um deles na árvore? Deixemna, não fez por mal!” Porque será que mesmo com todo aquele apoio vindo “do alto”, Claudia não conseguia sentir-se realmente perdoada? É.. ainda havia a volta para casa, só com a mãe.. O que havia de muito ruim em sua família e que as crianças não compreendiam era que quando uma criança fazia uma arte ou má-criação o corretinho não vinha diretamente de sua mãe ou avó. Embora graças a Deus, aquela família não usasse de 110
violência ou pancadas para educar, todos se reuniam para discutir e julgar o caso daquele ou daquela que havia saído da linha, informado quais seriam os castigos e então tomavam uma estranha atitude a seguir: Todos ficavam muito bravos com aquela criança e toda a vez que ela se aproximasse de algum adulto recebia um suave beliscão, ou um “coque” na cabeça e o adulto de cara bem severa, lembrava de seu mal feito. Claudia, a rebeldinha, questionava com sua mãe esse comportamento bizarro, afinal a criança nem apanhava nem deixava de apanhar. Porém, diante do olhar ameaçador que recebia de sua mãe, ela sempre preferia deixar pra lá. A igreja, naquela época, era uma instituição acolhedora, onde as pessoas sentiam-se bem ao frequentar. Havia uma sede dos Marianos e Filhas de Maria, uma pequena biblioteca e mesas de ping pong, onde os jovens se reuniam, para passar algum tempo. Nas datas comemorativas as senhoras se reuniam para organizar o evento, geralmente uma quermesse. Era divertido e todos se mobilizavam, pois as festas rendiam alguma receita para a igreja. Outra diversão importante eram os piqueniques, de tempos em tempos, que eram organizados em algum sítio. Todas as famílias de reuniam, dividiam as despesas e compravam muitas guloseimas, pães, frios, sucos e frutas. Aí, alugavam um ônibus e todos partiam para um dia feliz, diferente. Em uma época em que o dinheiro era curto e não havia muitas oportunidades de diversão, estes congraçamentos eram muito importantes. Destes tempos restaram boas lembranças, muitas amizade s até alguns casamentos. Volta e meia algum dos primos mais jovens estavam envolvidos em algum namorico, principalmente quando frequentavam os bailinhos de final de semana, promovidos pela igreja. Doces tempos de inocência. A vida corria célere, já não havia mais crianças na casa 111
dos Avella. Sérgio, que já estava noivo, prestes a se casar, trabalhava de propagandista em um grande laboratório farmacêutico, Lila e Zeca trabalhavam em um banco no centro de São Paulo. As semanas eram dedicadas ao trabalho, aos estudos e namoros, pois Lila também já tinha seu amor. Aos fins de semana a rotina era mais branda, sobrava tempo para o lazer, horários mais preguiçosos e quase sempre a visita de Odette, que aparecia junto com a Célia e Dona Olga para almoçar e passar o dia. Como ela era divertida. Elas chegavam de repente, sem avisar mesmo, pois elas eram de casa e aí, logo ela ia se intrometendo na cozinha, para ajudar com o almoço, coisa que Dona Brígida não gostava muito, por ser ciumenta de suas panelas, mas Odette sempre contornava tudo com sua alegria. Caso o almoço já estivesse pronto, ela se embarafustava pelos quartos, chamando pelas “meninas”, leia-se Yolanda, Helena e Dina, para juntas arrumarem os guarda-roupas, gavetas e tudo o mais que merecesse uma ordem. Tudo isso regado a bules de café, muitas risadas, piadas do papagaio, que Odete tão bem sabia contar. Às vezes, Claudia ficava espiando as moças pela fresta da porta, atraída pela alegria daqueles momentos. A mãe e as tias de Peignoir e Odette só de combinação, peça de lingerie usada por baixo da roupa, pois ela tirava o vestido para que não amassasse, pois fazia questão de andar sempre arrumada.
112
Capítulo 42 Réquiem Como Claudia gostava daquela tia postiça, aquela moça exuberante, alegre, bonita que só, e ao mesmo tempo tão doce, prestimosa. Ela encantava a menina, que pensava com seus botões: “Quando eu crescer, quero ser assim.” Pena que a existência de Odete foi breve, e quando ela partiu, deixou uma grande lacuna no coração da garota. Outra pessoa que ocupou um lugar especial no coração de Claudia foi sua prima Lila, a Maria Cecília. Para ela também a existência foi curta. Uma pessoa tão saudável, com filhos jovens, de repente adoeceu e se foi, deixando desolada sua família - seu marido Eugênio e seus filhos Myrian, Yasmin e Eugênio Júnior, além de seus netos. Para Claudia aquela perda foi muito dura, pois desde que sua mãe falecera e quase em seguida sua Tia Helena, Lila tomou para si a tarefa de confortar Claudia e Cristina e, junto com a Célia, trocavam telefonemas diários para saber como elas estavam, como ia a vida. Será que a vida, maldosamente, gostava de levar todas as pessoas que Claudia amava?
113
Capítulo 43 Amores Iam de vento em popa os amores naquela casa: Sérgio já estava casado, Lila noiva de Eugênio e Zeca já estava namorando com Áurea. Apenas os mais jovens ainda não tinham se aventurado nas artes, na magia do amor - mas já estava na hora... Assim, Mariazinha logo começou a namorar, seguida de Ana e Claudia, faltando apenas Alfredo para escolher uma namoradinha. Era tempo de amar, suspirar, de encher de ternos poemas páginas e mais páginas de diários altamente secretos, que escondiam, além de emoções nunca sentidas, pequenas folhas, pétalas de flores, embalagens de bombons, tudo devidamente datado para nunca ser esquecido.
Capítulo 44 História de um grande amor. Engraçado, já era inverno e ainda não fazia frio. Claudia, sentada nos degraus da cozinha, a dedilhar seu violão, tinha o pensamento distante. 114
Tão ensimesmada estava naquela tarde cálida, que não ouviu sua mãe chamá-la. Ela já havia chegado do trabalho e estava convidando a fila para juntas irem ao cinema e depois saírem para jantar. A garota negou de antemão, dizendo que tinha que estudar, mas na verdade é que ela não gostava mesmo de sair de casa. Ela era assim e pronto. Mas, ante a insistência de sua mãe, não teve outro jeito senão capitular. Havia três cinemas perto de sua casa: Cine Oberdan, Cine Roxi e Cine Piratininga. Elas escolheram o Cine Roxi, pois era o mais perto da sua casa e o filme exibido prometia ser melhor. Pois bem, elas se atrasaram um pouco e quando chegaram a sessão já tinha começado e a sala de projeção á estava às escuras. Escolheram um lugar na metade da sala e Claudia reparou que aquela fileira estava toda vaga. Começaram os jornais, as notícias obrigatórias, sempre exaltando os feitos das Forças Armadas ou da sociedade que gravitava em torno dos 3 Poderes nas festas monumentais uma tremenda chatice! Finalmente o filme começou - era um filme romântico e Claudia começou a prestar atenção. Dali a pouco alguém sentou-se na poltrona ao lado, mas, entretida, ela nem reparou quem era. O filme prosseguia quando dali a pouco ela recebeu um ligeiro toque no braço. Ao se voltar, reparou no rapaz que estava ao lado. Não teve dúvidas: retirou o braço do descanso da poltrona, lançando-lhe um olhar furioso. Durante alguns minutos o rapaz recuou, talvez intimidado pelo olhar feroz e acho mesmo que ele deveria ter ido embora, enquanto teve chance. Isso teria mantido sua sanidade mental e espiritual para sempre - mas quem consegue fugir do destino? O daqueles dois jovenzinhos estava entrelaçado, embora eles não soubessem disso. Mais tarde, o jovem, num arroubo de coragem, tomou 115
a mão da moça e nela depositou um cartão de visitas, bem dobradinho. Antes que ela pudesse reagir, ele se levantou e foi embora. Claudia ficou perplexa. Ela, já nessa época, enxergava mal, portanto nem pôde identificar o rapaz. Só percebeu que ele era baixinho. Mais perplexa ainda ela ficou quando sua mãe lhe disse para guardar o bilhete e ler no intervalo. E ela que pensava que sua mãe não havia visto nada. Muitos pensamentos passaram pela cabeça da menina, que perdeu o sossego para ver o filme: “Vejam só - que esse baixinho pensa que é? - Se ele soubesse que eu não pretendo trabalhar por enquanto... O pior é que eu nem consegui ver se ele é feio ou bonito.. - Atrevido eu sei que ele é...” Quando as luzes se acenderam, ela foi logo desamassar o cartão para ler. Sua mãe também estava curiosa e juntas viram que se tratava de um cartão comercial, que ele havia escrito no verso seu nome, o telefone de sua casa e o recadinho: Me liga, tá? Segundo o cartão ele se chamava Valdemar e era sócio de uma firma de confecção de roupas profissionais. “- Tão mocinho e já é comerciante!” Comentou sua mãe, para em seguida dizer - “ Você vai ligar pra ele, não é?” Claudia não tinha a menor intenção de telefonar para aquele atrevidinho, tinha certeza disso, mas concordou com a mãe para encerrar o assunto. Yolanda achava que um namoradinho poderia fazer companhia para a sua filha, que ultimamente andava muito calada, pensativa. O que a mãe não compreendia é que sua filha crescera, estava se tornando mulher e precisava de um tempo consigo mesma para se adaptar à sua nova visão do mundo, a sua nova postura ante os fatos da vida, à sua nova personalidade. A transição de menina para moça a estava transformando; ela se tornara mais séria, introspectiva, necessitando de um pouquinho de solidão para refletir e nada que um namorado 116
fizesse iria agradá-la no momento. Mas mal Claudia retornou da escola no dia seguinte, começaram as perguntas: Você não vai telefonar para ele? Claudia conseguiu levar aquela situação até a noite, quando capitulou e resolveu ligar, mas infelizmente ele não estava em casa - estava na escola. Pronto! ela pensou, agora acabou a pressão... No dia seguinte a ladainha recomeçou - “Você não vai ligar?” Ai, Meu Deus, o que era aquilo - ela já estava ficando com raiva do rapaz.. Enfim, resolveu ligar mais uma vez e agora deu certo - conversaram alguns minutos e combinaram de se ver no cinema. Não houve jeito, com a pressão de dentro de casa, ela teve que comparecer ao encontro - e pasmem, ela até pode ir sozinha, coisa que era proibida na família, mas quem sabe assim aquela teimosa se animasse? Por azar, aquele domingo próximo era dia dos namorados! Yolanda insistiu em comprar uma lembrancinha para que a filha presenteasse o rapaz - “Só para não chegar de mãos abanando!” - Assim já era demais! Na hora combinada, lá se foi ela com a pequena caixa nas mãos, ainda bem que era pequena mesmo, pois era um prendedor de gravata e um par de abotoaduras. Enquanto ela caminhava pela avenida Rangel Pestana, onde ficava o cinema, ia pensando que claro, ele não iria lembrar de presenteá-la e ela ia ficar com cara de tacho. Chegando ao cinema ela logo se esqueceu das preocupações, pois era mais importante que ela localizasse o rapaz, visto que o seu único encontro fora no escuro do cinema e ela não sabia bem como ele era. Depois de ela procurar com o olhar por algum tempo, ela desconfiou que aquele rapaz vestindo um tenro “café com leite” onde o paletó era bege e a calça preta, última moda da época. O rapaz trazia nas mãos um pacote embrulhado para 117
presente - menos mal. Após se cumprimentarem, entraram no cinema e logo se acomodaram. O filme logo ia começar e o rapaz aproveitou para dar o presente para Claudia, recebendo também o seu. Aí, a pergunta clássica era imperiosa - Quer namorar comigo? Claudia ficou surpresa e logo foi pensando em diversas respostas para se livrar do compromisso - disse que era muito cedo, que eles eram muito jovens, que sua mãe não iria deixar. Todos os argumentos caíram por terra quando ele falou que iria pedir permissão para D. Yolanda. Bem, era melhor ver o filme, quem sabe aquele rapaz teimoso não mudava de ideia? É claro que ambos trocaram olhares furtivos, se analisando. Pena que fosse baixinho - porem nada era perfeito! Após o intervalo, quando o filme recomeçou, ele tomou da mão da jovem com firmeza, para que ela não se retraísse. Deu um tempinho para que ela se acostumasse e beijou-a. Foi um beijo rápido e doce, o primeiro beijo da garota. Assim já era demais! Claudia, furiosa, jamais imaginara que seu primeiro beijo fosse praticamente roubado - era atrevido demais esse rapaz! O filme terminou e eles votaram para a casa em silêncio. Valdemar a acompanhou até o portão de sua casa, despediu-se e sem marcar novo encontro, ele se foi. Finalmente parecia que ele entendera o recado. Já em casa começaram as perguntas intermináveis “Como foi? - Gostou dele? - Como ele é? Gostou do presente? E para você, o que ele deu????” Claudia esperou cessar a torrente de perguntas para começar a responder à ávida curiosidade de sua mãe, tia e avó. Disse que eles haviam se encontrado, apesar das dificuldades para reconhecê-lo, disse também que não era feio, apesar de ser baixinho, aproveitou para dizer que não gostara dele, que o achava meio bobo ao conversar, mas que 118
de bobo não tinha nada, visto que lhe roubara um beijo! - “Mamma Mia”, disse a Nonna, ao que Yolanda completou -”Espertinho o rapaz, hein?” Claudia ficou confusa, sem saber se elas tinham aprovado ou não aquela tentativa de namoro... Em todo o caso, só para deixar tudo às claras, disse para elas que não tinha gostado nem um pouco do beijo e que só iria se encontrar novamente com ele para devolver o presente de dia dos namorados, aliás um belo álbum de fotografias. Se ele não quisesse devolver o que havia ganho dela, paciência, o que importava era por um ponto final naquilo. Deitada em sua cama, a garota ainda estava furiosa Imagine, tantos beijos românticos ela vira nas páginas das fotonovelas e logo o seu primeiro beijo tinha sido furtivo, roubado - com efeito! Quanto romantismo infantil! O que ela não sabia é que muitas décadas mais tarde esse primeiro beijo seria lembrado como um tesouro precioso. Já só, ela sentiria ainda nos lábios o gosto daquele beijo roubado, pelo atrevido rapaz e seu eterno sorrisinho enviesado.. No dia seguinte, ela ligou para a fábrica e quando ele atendeu, disse-lhe que queria encontrá-lo na esquina de sua casa, logo mais à noite. Bastava ele chegar que ela sairia de casa para encontrá-lo. Ele terminou o telefonema mandando-lhe um beijo, coisa que ela ignorou. Comunicou sua decisão à mãe e à Nonna, ao que esta respondeu: “Ma tu sei proprio cattiva, Dio Mio!” (Mas você é mesmo ruim, Deus Meu!) A Nonna então recomendou à menina que ela ficasse onde batia luz do poste, junto com o rapaz. Claudia já conhecia este estratagema, pois já havia acontecido com os primos e primas: Eles deveriam ficar em um lugar bem iluminado, para que a mãe e a avó pudessem ver o pretendente. Iriam observar se ele era educado, se estava bem vestido e principalmente, se parecia saudável. 119
À hora marcada, Valdemar chegou, e ela, munida do presente, foi logo ao seu encontro, sentido às suas costas os olhares agudos daquelas duas. Após cumprimentá-lo com um seco aperto de mão e desviando o rosto do beijinho habitual, ela foi logo explicando que não pretendia aceitar namoro algum co ele, pediu desculpas e devolveu o presente, coisa que ele não aceitou, embora fosse usual a devolução mútua de presentes quando um namoro acabava. Despediram-se polidamente e ele se foi, pisando duro. Por que será que ela ficou com aquele sentimento de frustração, uma peninha, um pequeno arrependimento? Ela não sabia. Passaram-se alguns dias e eis que ele ligou de novo. Quem atendeu foi sua Nonna, que foi o mais simpática possível logo dizendo : “Ma che piacerre falare com o signore! (Mas que prazer falar com o senhor). A menina? Claro que está! Já vou chamar ela para o signore!” Ah! Mas que puxa saco aquela avó! Imagine, cobrir de gentilezas aquele garoto cheio de pose. Resolveu atender logo antes que sua avó se derretesse mais e soube que ele queria um novo encontro com ela, só que antes queria ser recebido por sua mãe, para pedir permissão para o namoro. Ela só concordou porque achava bobagem discutir tudo novamente. No começo da semana ele apareceu a noite, empunhando uma enorme bandeja de doces finos. Ah! O malandro sabia vender seu peixe, mas ele esperasse só pra ver... Bem, cafezinho na mesa, os lindos doces descansando na bandeja... agora é que ela queria ver ele se intimidar, se atrapalhar... Mas para seu espanto, nada disso aconteceu. Ele, com uma voz firme e pausada, explicou que simpatizara muito co a moça e queria a permissão para poder namorá-la. Sua mãe argumentou que não tinha nada contra, que ele parecia um rapaz de bem, só que ela achava muito cedo para 120
compromissos. Era melhor que eles fossem se conhecendo aos poucos, como bons amigos. Yolanda só tomou essa atitude cautelosa por causa dos olhares furiosos lançados pela sua filha, faces afogueadas, maxilares contraídos e lábios cerrados. Ai, como ela se parecia com seu pai quando furiosa. Mas o rapaz não aceitava a proposta da futura sogra, dizendo que realmente ele era muito jovem, pois só tinha 16 anos, mas era emancipado desde os 12 anos. Já havia morado sozinho em São Paulo, pois sua família era do interior. No momento, eles estavam morando na Ponte Pequena. Sua família era grande, pai, mãe, avó e mais seis irmãos. Continuando, ele disse saber que Claudia só tinha 14 anos, mas ambos estavam estudando ainda e ele pretendia assumir um compromisso a longo prazo. Aí, Yolanda ponderou que, para saber se eles se dariam bem, só permitindo o namoro, que poderia acontecer em três visitas semanais, ali em casa. Valdemar foi logo aceitando. A propósito, seu apelido era Vavá! Que ridículo! Aí, mais furiosa ainda, Claudia se deu conta que seque havia sido consultada a respeito do pedido que sua mãe e avó já haviam aceitado - Cruz Credo, que trabalho dava namorar... Assim, sob livre e espontânea pressão, Claudia começou a “namorar firme” - como se dizia na época. Era uma tremenda monotonia - todas as terças, quintas e sábados, ele aparecia pontualmente as sete e meia, ambos saiam de mãos dadas para dar uma volta no quarteirão e depois ficavam em casa para conversar. Ele, muito esperto, nunca chegava de mãos vazias, sempre trazia doces, frutas ou até frios fatiados que seriam servidos no lanche - afinal, ele queria agradar a todos da casa, para garantir seu posto de “queridinho”. A Nonna, embevecida, dizia dele: “Ma é um buono guaglione, é bello puro” (Mas é um bom moleque, é beleza pura!) Todas as vezes que Claudia saia com ele, ela prometia 121
que aquela seria a última, mas com jeitinho, Valdemar conseguia ir repetindo as visitas. Já era hábito as visitas do namorado durante a semana, e ele não era o único, pois Ana Maria também já começara a namorar João Batista, então as visitas eram duplas. Claudia estranhava ver a prima, sua companheira nas brincadeiras de boneca, se apaixonando, trocando ternos olhares com João - então, por que o mesmo não acontecia com ela? Ela achava muito estranho andar de mãos dadas com seu namorado, aquelas mãos fortes, ossudas, que a dirigiam pela calçada da praça - era muita atitude mesmo! Logo ela que julgava que os meninos seriam seus eternos oponentes... Logo sua mãe resolveu convidar os dois rapazes para os almoços dominicais, fato que toda a família aprovou. Claudia chegou a indagar para a mãe - “Vocês estão querendo que eu me casa logo, pois querem se livrar de mim?” Ao que ela respondeu - “Claro que não, só quero que você seja feliz e ninguém é feliz sozinho. Ademais, falta ainda muito tempo antes disso acontecer. Você precisa admitir que gosta dele, menina turrona!” Pobre mamãe, ela não sabia nada mesmo! Claudia até entendia a preocupação de sua mãe e avó: Elas queria segurança para seu futuro, e a esperança que ela não ficasse sozinha, já que a avó estava velhinha e sua mãe era uma pessoa só - não havia um pai, para tomar conta dela, caso algo se sucedesse.
Capítulo 45 A vida que segue Tudo caminhava a contento, todos cumprindo suas obrigações, trabalhando, estudando, produzindo. Sérgio se casara e era pai de um menino, Sérgio Sidney e Lila também casada, já tivera sua primeira filha, Myriam. 122
A família estava crescendo mais, as vecchias já tinham até bisnetos. Era grande a alegria aos domingos, na hora do almoço, quando todos se reuniam, dos mais velhos aos mais novos e também os recém-chegados: era um povo feliz, alegre e ruidoso, sempre se provocando mutuamente. Maria Cristina estava crescendo, já era uma bela menininha, mas de paladar difícil, nunca queria se alimentar. Tudo melhorou quando Valdemar, com sua santa paciência, resolveu tentar dar comidinha para a menina e, com jeitoinho, contando histórias, cantando musiquinhas, sempre conseguia fazer com que a manhosa se alimentasse e virou hábito mesmo, pois ela só aceitava comer com o Vavá, que não se fazia de rogado, esperto que era. Cristina continuava sendo o xodó de Claudia e Yolanda, que era sua madrinha. Helena se recuperava um pouco com o passar do tempo, mas moléstia era séria e ela continuava frágil, precisando de ajuda. A menininha estava crescendo e logo iria para a escola, onde,aliás se concentravam todas as esperanças da família para que aquela espoletinha se acalmasse, pois ela era uma força da natureza, um doce superlativo, tudo nela era demais, falava alto, chorava alto, era muito agitada quando brincava e dançava.
Capítulo 46 O primeiro carro A parte das preocupações com Cristina, a vida de Claudia e Yolanda estava melhorando, ela conseguira um bom emprego em sua área, que lhe rendia um bom salário ao final do mês. Elas já podiam se vestir melhor, até comprar roupa nos 123
magazines as vezes, mesmo sem deixar de consumir as costuras da velha e boa costureira da vila. Até quando Yolanda anunciou que iria comprar um carro: Foi uma surpresa e tanto! Valdemar ajudou a futura sogra a escolher um bom carro usado, que coubesse dentro do orçamento e não fosse dar dor de cabeça no futuro. Depois de alguma procura acharam um Chevrolet ano 52, quase novo, inteirinho azul claro, lindo! Quando o rapaz estacionou o carrão em frente a casa, foi uma emoção: todos saíram para a rua para ver o automóvel, passar a mão na pintura brilhante, nos cromados reluzentes, sentir o cheiro de carro novo. Logo começaram a tomar as providências, tais como achar um bom mecânico para a revisão do carro e convencer a Yolanda a se matricular em uma auto escola, para aprender a dirigir, coisa que Yolanda sempre protelava, pois morria de medo de dirigir. Como era inevitável, ela foi tomar suas aulas de volante e quando tirou sua carteira, cadê a coragem de assumir o volante? Havia comprado um carro o jeito era criar coragem e ir em frente. Não era sempre que Valdemar tinha tempo de acompanhá-las nos passeios. Então, Claudia, começou no lugar de copiloto e assim logo estava dirigindo também, embora não tivesse idade suficiente. Depois de levar a mãe para os compromissos diários, sempre conseguia ficar algumas horas com o carro só para si, então era muito bom: Ela saia com as colegas da escola, passeava, sentia-se muito livre quando descia a Rua Augusta em alta velocidade, só para “aparecer”. O tempo passava e Claudia continuava firme nos estudos, o tempo da doce irresponsabilidade estava terminando – era preciso tomar juízo, parar de pensar só nas colegas e nas farras. Claudia gostava de se divertir, mas não permitia que sua mãe ficasse preocupada com suas atividades; ela trabalhava 124
tanto que precisava ter sossego. A Família continuava aumentando, as crianças nasciam para a alegria da família. Sérgio e a esposa tiveram uma garotinha, chamada Sônia Maria e Lila teve o Eugênio e a Yasmin, uma bonequinha ítalo judia, novamente o gene dos avós imperando na família. Dois anos se passaram e Claudia já participava da formatura do ginásio, o que naquele tempo era a primeira formatura e muitas vezes a última, pois nem todos os alunos tinham condições de continuar a estudar, pois vinham de famílias pobres e precisavam trabalhar para ajudar. Sua formatura foi um sonho, o primeiro vestido longo, o primeiro par de saltos altos, a atmosfera mágica, que perdurou durante toda a noite – imagine, o primeiro baile noturno. Seu par e padrinho foi seu namorado. É claro que lhe ofereceu o anel de formatura e ainda, de surpresa, apareceu com uma estola de peles, que fez saltar os olhos durante o baile. Ele estava muito bonito de smoking, honra seja feita. Claudia, muito bonita e muito séria, em um vestido de tafetá verde água. Engraçado, aos olhos de Yolanda, parecia que eles tinham amadurecido de repente. Passado o baile era hora de pensar na matrícula do curso de magistério, finalmente. Mãe e filha não cabiam em si de orgulho. As férias escolares acabaram e o curso começou. Menos de um mês depois, houve no país uma tentativa de golpe de estado, o que causou um alerta máximo nas Forças Armadas, com o aquartelamento de todos os militares, incluindo os pracinhas. Ocorre que nesta ocasião Valdemar estava servindo o exército e era um pracinha, logo, ficou aquartelado por um longo tempo. Claudia, maldosinha que era, deu Graças a Deus, bem feito, aquele enxerido ia ficar trancafiado, bem longe! Então, por que cada vez que pensava nisso, sentia aquele 125
aperto no peito, aquela aflição ao identificar tal sentimento – seria saudades? E era, saudades da boa e da brava. De repente, Claudia se deu conta que estava apaixonada – isso mesmo – a-pai-xona-da.. O mundo desabou sobre sua cabeça e uma enorme saudade, uma necessidade imperiosa de vê-lo tomou conta da jovem. A quem recorrer senão à sua mãe? Foi até ela e confessou-lhe todas as emoções, necessidades e anseios. Yolanda, prática que era, usou de sua influência junto às pessoas importantes que conhecia, falou até em nome do pai da garota e acabou conseguindo uma visita ao quartel onde Valdemar estava retido,. Resolveu acompanhar a menina, que era menor de idade à visita, também para encorajá-la. Chegando domingo, bem cedo, lá foram as duas em direção ao bairro Ipiranga, onde se localizava o quartel. Era muita emoção que a menina sentiu ao chegar ao quartel. Ambas foram recebidas na sala do comandante, que logo mandou chamar o pracinha, retirando-se a seguir, para deixá-los à vontade. Quando ele entrou na sala, Claudia sentiu as pernas tremerem: como ele ficava bonito de farda! Parecia mais velho, até mais alto - é, ela definitivamente o tinha julgado mal, ambos estavam pouco à vontade, trocaram algumas frases em meio a um envergonhado silêncio. Yolanda, então, lembrou-se de passar para ele o prato que tinha feito para alegrá-lo - uma bela travessa de “Gnocchi al Sugo”. Isso sim, arrancou um sorriso enorme do rapaz, que se derramou em agradecimentos. Depois, pediu as duas que transmitissem notícias suas à sua mãe, pois estava preocupado com os pais e com os negócios também. 126
Isso porto, despediram-se e Valdemar aproveitou para segurar as mãos da menina e dar-lhe um suave beijinho nos lábios. Desta vez ela não reclamou e voltou para casa pisando em nuvens. Aquele mês e meio custou a passar, ainda que de vez em quando os dois jovens conseguissem se encontrar rapidamente, quando era permitida aquela visita dominical. Quanto toda aquela confusão terminou, quando tudo ficou em paz novamente, Valdemar decidiu que era hora de firmar compromisso, e comunicou à futura sogra que gostaria de ficar novo de Claudia, e que queria fazer uma grande festa. Yolanda logo se entusiasmou, festeira que era, e juntos começaram a pensar a festa Corria o mês de maio e eles decidiram que até o fim de junho, exatamente no dia 29, dia de São Pedro, seria ideal - uma grande festa junina. Claudia também estava entusiasmada e logo se propôs a começar os preparativos: erma muitas providências a tomar. Nesta época, elas moravam em uma grande casa no Belenzinho. A casa possuía dois quintais enormes e eles decidiram concentrar a festa no primeiro espaço, logo após a escada da cozinha. Valdemar queria fazer uma grande fogueira e foi trazendo as madeiras pouco a pouco. Foi também comprando muitos fogos de artifício, enquanto as mulheres tratavam de fazer centenas de bandeirolas em papel de seda colorido, enquanto escolhiam as receitas de guloseimas próprias para as festas juninas. A ideia era fazer um grande churrasco, portanto o trabalho na cozinha seria só mesmo fazer os doces típicos. Tudo decidido, partiram mãe e filha para comprar roupas para a ocasião. Como já fazia frio, Claudia optou por um conjunto de lãzinha xadrez amarelo e azul claro, que lhe ficou muito bem. Sua mãe comprou um conjunto bem informal, de cor 127
escura e pronto: ambas já tinham as roupas para a ocasião. O tempo passou depressa e logo chegou o dia da festa. No ia anterior Valdemar trouxera as carnes que seriam servidas no churrasco e foi tomando as últimas providências, assim no grande dia não haveriam surpresas. Logo à noitinha os convidados foram chegando: a família do noivo, alguns amigos, o pessoal da escola em peso, assim o quintal foi ficando cheio de gente feliz e aquecida pelo calor da fogueira que estava acesa desde de tarde, cujas brasas espalhavam aquele calor bem gostoso, misturado ao cheiro de batata doce assando. O quentão que Valdemar havia feito era responsável pelo resto do calor, além de rostos afogueados e olhos brilhantes. E foi nesta atmosfera mágica e bruxuleante que o noivo, batendo com um talher em uma garrafa para pedir silêncio, aproximou-se da noiva e, enlaçando-a pela cintura, dirigiu-se até Yolanda e sua mãe, e solene, pediu-lhes em noivado Claudia, prometendo que iria amá-la por toda a vida. As matriarcas concederam o pedido e, apesar dos alegres amigos estarem levando tudo na brincadeira, os dois jovens nada perceberam: olhavam-se nos olhos desnudando alma e sentimentos sem pudor algum. Naquele momento lá no infinito, firmou-se aquela união que só décadas mais tarde, a morte iria separar. Estavam ambos muito felizes com as alianças novinhas e reluzentes no dedo anular. Aquele aro possuía o peso do compromisso firmado. O casamento de ambos deveria demorar no mínimo três anos, visto que Claudia ainda iria cursar o magistério. Valdemar já concluíra o curso de contabilidade, mas continuava firme trabalhando na fábrica de uniformes - agora precisava juntar dinheiro, já pensando no casamento. Como toda boa mãe, Yolanda ia adquirindo peças e mais peças par ao enxoval da filha, tarefa que começara já há alguns anos e só terminaria mesmo quando a filha se casasse. 128
Claudia dividia seu tempo entre as aulas de Magistério, aulas particulares que estava ministrando a um aluno particular, que era especial, e seu noivo. Ele, de tanto conviver com a família, já conhecia todos os hábitos e tudo o que era importante naquela família. Como já sabia que Nanná e Nonna gostavam de contar histórias de sua terra distante, ele era capaz de passar horas ouvindo as duas, mesmo sem entender uma palavra. Descobriu também que elas gostavam de ver filmes italianos, fossem comédias com o “Totó” ou filmes de ação, com Giuliano Gemma. Havia em São Paulo um cinema especializado em filmes italianos, o Cine Coral, que ficava na Rua 7 de Abril, travessa da Praça da República no Centro. Valdemar logo se colocou à disposição para levá-las ao cinema, pelo menos duas vezes ao mês. O passeio quase sempre terminava com um jantar em uma cantina do Bexiga ou qualquer pizzaria do Brás, onde se apreciava a verdadeira comida italiana, para depois, retornarem para a casa, felizes e em paz. Quase sempre essa paz e felicidade não ocorria na ida para o passeio. Era assim: Valdemar telefonava em uma tarde qualquer, convidando a noiva e as vecchias para o agradável passeio. Claudia aceitava e transmitia o convite. A tardinha, as duas senhoras iam para o banho, para se preparar. Depois,cada uma ia para seu quarto para se vestir, e mais ou menos na hora marcada, saiam de seus aposentos para esperar Valdemar. Ocorre que muitas vezes elas se vestiam exatamente iguais. Explico: Mário trabalhava em uma loja de tecidos na Rua 25 de Março, trazia sempre de presente para a mãe e a tia, cortes de tecido para agradá-las. Ambas usavam a mesma costureira para confeccionar suas roupas, então a possibilidade de escolherem roupas idênticas 129
era grande e estava feita a tragédia: Elas saiam do quarto, se olhavam com hostilidade. Claudia já ficava apreensiva, esperando pelo pior, que quase sempre acontecia. Mais uma noite estragada pela roupa, visto que nenhuma delas queria ceder e se trocar. Elas preferiam ficar se acusando mutuamente e voltar para o quarto, batendo a porta com estrondo. Nas raras vezes que isso não acontecia, os passeios eram muito agradáveis, mas tudo dependia do humor das senhoras.
Capítulo 47 Felinos Amores Já disse anteriormente que Claudia havia sido criada junto com una gatinha angorá alva como a neve, que se tornou sua amiga dedicada enquanto ela crescia. Infelizmente quando a menina estava com oito ou nove anos, a pobre gata, de tão velhinha, morreu. Foi uma tristeza enorme e Yolanda logo tratou de arrumar outro gatinho para fazer companhia à sua filha e à sua mãe, pois ambas estavam muito tristes. Depois de muito procurar, soube de uma senhora que queria doar uma gatinha. Mas do que depressa, dirigiu-se à casa da senhora para conhecer o animalzinho e ficou animada, pois era uma linda gatinha. Tão logo chegou em casa, Yolanda foi tirando de uma caixa aquela coisinha toda listradinha de cinza e branco, além de muito peluda - foi uma longa sessão de ahhss e ohs!!!. Grandes abraços, muitos carinhos, todos queriam escolher o nome da gatinha, mas quem venceu foi Claudia - ela se chamaria Empadinha - e não me perguntem por que... 130
Empadinha logo se adaptou a todos da família - era brincalhona e carinhosa e gostava de tirar suas sonecas cada vez na cama de alguém, democraticamente. Ela foi crescendo e dominando todos os cantos da casa. O mais engraçado é que certa noite todos ouviram o piano que ficava na sala tocar vários acordes. Cada um foi saindo sonolento de seus quartos para ver do que se tratava e encontraram Empadinha passeando alegremente pelo teclado, deliciando-se com os sons produzidos. E assim, todas as noites já era comum deixar-se a tampa do piano aberta para ouvir a travessura da gata e rir sozinho. Claudia e Sérgio disputavam as atenções da gata, fazendo bolinhas de papel para ela chutar e perseguir, amarrando pequenas borboletas feitas de jornal em um barbante e provocar a gata para persegui-las. Tudo corria bem, a gatinha já estava adestrada, sabia o lugar onde deveria fazer suas necessidades e era bastante obediente. Porém, Sérgio gostava de morder a pobre gatinha, veja só, deixando-a dolorida e assustada - ele mordia as orelhinhas dela ou as patinhas e barriguinha. Um belo dia, Empadinha, irritada, revidou a mordida, mordendo fundo o rosto de Sérgio. feito o curativo, levaram o endiabrado adolescente junto com a gatinha no Instituto Pasteur, especializado em animais hidrofóbicos. Quando voltaram mais tarde, soube-se que a gatinha ficaria por algum tempo no Instituto para ser observada. Se ela não apresentasse nada, nem Sérgio, que era a “vítima”, ela seria devolvida. O fato é que ela nunca mais voltou, entristecendo a todos da casa. Nunca mais seriam ouvidos os acordes do piano na calada da noite. Também nunca mais as canelas de Sérgio seriam as mesmas, pois Claudia se encarregava de renovar os hematomas 131
com seus certeiros pontapés, tamanha era a raiva que sentia dele, por ser culpado pelo exílio da gata. Algum tempo depois, Claudia já se sentia crescida o suficiente para arranjar seus próprios gatos, pois já não aguentava mais a ausência de sua pobre Empadinha. Pôs-se então a assuntar pela vizinhança quem tinha um gatinho para doar e acabou conhecendo uma senhora, cuja gata acabara de dar cria, mas ela só iria doar os dois últimos gatinhos juntos. Claudia foi buscar os pequenos e os chamou de Mustafá, um bichano peludo cor de ouro velho e seu irmão, o Ali-Babá, menor e malhado em preto e branco. Dona Brígida aceitou os gatos, mas logo demonstrou que eles não serviriam para ocupar o lugar da Empadinha: faltava-lhes o porte, a nobreza a finesse... Assim eles cresceram no quintal da casa, eram bem mansos e obedientes, mas quando estavam adultos e na idade de namorar, foram embora e nunca mais voltaram. Novamente Claudia estava só, sem nenhum gato para brincar - o que fazer? Dona Brígida estava irritada com aquela procissão de gatos e disse para a neta parar de procurar outros animais, pois os gatos eram muito egoístas e gostavam só de conforto. Claro que as palavras entraram por um ouvido e saíram por outro. A menina continuava atenta na busca de um novo filhote. Por que será que ninguém conseguia entender que ela não conseguia viver sem um gatinho? Foi quando quase por acaso que ela ficou sabendo na escola que a vizinha de uma colega estava com uma ninhada de gatinhos angorá. Claudia logo se animou, mas a menina disse que a senhora era muito enjoada e que não daria os gatinhos para qualquer um. Ora, Claudia nunca achou que fosse uma qualquer, portanto, foi à casa da tal velhinha enjoada para pedir um gato. 132
Lá chegando ficou maravilhada com todos aqueles filhotes, nem sabia qual escolher. Orientada pela dona, pegou um macho com pelo longo e olhos verdes magníficos. Aquele gato prometia, parecia uma pantera. Claudia colocou o filhote dentro da mochila, e antes que a dona se arrependesse, foi para casa, feliz da vida. Chegando em casa, logo foi mostrando o filhote para a nonna, que depois de observá-lo por todos os ângulos, concluiu: “questo si, é uno vero principe. Como se chiama?” (Este sim é um verdadeiro príncipe. Como se chama?) Cléo, respondeu a menina - logo ele estava batizado. Pouco a pouco, com amor, ambas foram adestrando ele, que aliás, se tornou bilíngue, pois compreendia tudo em português e italiano; morava no quarto delas duas, de onde saia para passear preso a uma coleirinha. Era mesmo um anima dócil. Aquele gato faria a alegria da avó e neta durante muito tempo. Quando sua vidinha se acabou, elas nem ficaram muito tristes, apenas pesarosas, pois ele, com suas micagens havia feito muitos momentos felizes. Outros gatos passageiros fizeram parte de suas vidas, mas como disse, foram apenas passageiros, indo sem deixar rastro que merecesse lembranças. Apenas retribuíram com carinho a forma com que foram tratados.
Felinos amores - Paixão I Chegou pelas mãos de Patricia, aquela coisinha mirrada e preta. Esta menina havia herdado da mãe o amor incondicional pelos gatos e, mais uma vez, um gatinho chegou dentro de uma mochila escolar. Claudia examinou-o e com o olhar crítico de uma expert, ponderou com a menina que o bichinho era muito pequeno e frágil. 133
Quando ela o virou de barriguinha para cima, percebeu que ele ainda tinha o cordão umbilical e isso era muito sério, pois diminuía as chances de vida dele. Porém, Patricia respondeu que, de onde o havia encontrado, suas chances seriam nulas, pois ele estava largado em uma caixinha encostada em um muro, numa tarde de chuva. A garota era teimosa mesmo, quem ela havia puxado? Logo a menina montou um esquema de cuidados e segurança. Colocou uma lâmpada acesa sobre uma caixa forrada de panos limpos e pensou em como alimentá-lo, tarefa que desempenhou com um conta-gotas e leite misturado com um pouco de água. Todos os dias, antes que a carne que iria ser servida no almoço fosse temperada, ela recolhia o sangue que ficava no fundo da tigela e oferecia ao faminto gatinho que crescia a olhos vistos. Daquele mirrado e trêmulo filhote, nada restava. Aos poucos ia surgindo um jovem animal muito bonito, de pelo curto e preto como o azeviche e lânguidos olhos amarelos. Esse animal foi tomando o coração de Claudia e Patricia, apagando as saudosas lembranças daqueles que já tinham partido.
Paixão II - (Nêgo) De repente, André, primeiro neto de Claudia, já moço, voltou para casa. Vinha saudoso, precisando de afeto e orientação - queria colo! Naquela época Claudia estava muito triste, pois havia perdido seu cãozinho, um poodle branco chamado Nicolau, já velho e cego, que resolveu atravessar o portão do jardim e sair para conhecer o mundo - claro que por mais que o tivessem procurado pelas redondezas, ele nunca mais voltou. 134
Magoada, Claudia jurou que nunca mais iria ter bicho algum. Foi quando num fim de tarde de verão, André entrou pela porta da cozinha, vindo do trabalho, trazendo algo a mais na sua mochila, além de roupa e a marmita vazia. Timidamente, usando seu melhor sorriso, o rapaz perguntou à avó se ela era capaz de adivinhar o que havia em sua mochila. Claudia já vivera aquela cena: o sorriso sem graça, face ansiosa, olhos pidões.. Ah! Lá havia um gato! Brandamente (nota da editora: Brandamente é? ah, tá..) ela lembrou ao neto que o combinado era não terem mais animais em casa, mas o garoto rebateu, dizendo que cuidaria dele e já que seu aniversário se aproximava, que tal se o bichinho ficasse de presente? Claudia sentiu que havia perdido a batalha: colocou sua mão na sacola e logo encontrou algo quente e pequeno, macio, mas com unhas bem afiadas que se fecharam em torno de sua mão. Puxando-o para fora, viu que se tratava de um minúsculo gato preto, muito preto, dono de magníficos olhos verdes faiscantes. Ponderar para que? É claro que aquela miniatura não poderia ficar solta pela casa, pois na certa tomaria um pisão fatal - essa seria a primeira tarefa de André: Colocar seu gato em segurança,coisa que ele logo resolveu, arranjando um caixote de madeira em fundo e colocado-o em seu quarto. Agora restava escolher um nome para o bichano, e, pela semelhança com o outro, chamaram-no de Paixão, ou Nêgo para os íntimos. O gato era a sombra de Claudia, pois André era muito ocupado com o emprego e a academia que frequentava a noite. Claudia tinha mais tempo livre e logo começou a adestrar o gato, tarefa com a qual André contribuía quando estava em casa. Claudia devia admitir, que, com todos os filhos casado, a 135
casa ficara um pouco grande para ela, seu marido e a presença do menino e do jovem gato veio alegrar sua vida. Muito mais tarde, a situação se modificou e Claudia, já sozinha, não teve mais condições de tomar conta de seu amado gato preto, de quem tomou as maiores mordidas e arranhões de sua carreira de “gatóloga”. Engraçado, o Paixão só mordia a sua dona - com os outros tinha um comportamento polido - só podia ser amor que o fizesse exercer esse sentimento de posse, dilacerando a mão de sua dona. Quando Claudia teve que se separar do seu Nêgo, André, que já havia se tornado um homem, foi morar sozinho e levou o gato para sua casa, até os dias de hoje. Pensando bem, acho que a paixão por gatos era genética, naquele povo. Vou explicar: A avó de Dona Brígida, ou seja, a tataravó de Claudia, morava em um povoado um pouco distante de Nápoles: ficava nas montanhas e ela ali se isolara depois que seus sete filhos se casaram e ela enviuvou. Assim instalada, como uma ermitã, começou a criar gatos e chegou até o sétimo bichano. Como fazer então para se alimentar e dar alimento aos gatos? Inteligente que era, achou logo a solução: Reuniu seus sete filhos e pediu-lhes que a cada semana um deles subisse a montanha para levar-lhe os víveres necessários. Usando de toda a sua candura e malícia, fez ver aos filhos que, com uma galinha bem gorda, ela não passaria fome - iria comer um pouco por dia.. Assim, ela sempre teria alimento para si e para seus preguiçosos gatos, que jamais iriam se dar ao trabalho de caçar para se alimentar. Os pobres de seus filhos que se preocupassem em alimentar a mãe e seus gatos. Essa Nonna também era conhecida por fazer pequenos rituais contra quebranto e mau olhado, além de receber alguns 136
de seus netos que estivesse rebelde ou enjoado para se alimentar. Bastava mandar o pirralho para a casa da Nonna, que esta, em pouco tempo, o devolvia sem nenhum de seus enjoados hábitos. Curioso é que nunca, nenhum dos pais, perguntou ao rebento qual era o método que a Nonna usava para endireitálo. Por que seria? O fato é que o tempo passou e a velha senhora sentiu que sua vida estava no fim - faltava-lhe forças, a disposição para o dia a dia. Começou então pensar em como ficariam seus amados gatos, caso ela morresse. Ela bem sabia que nenhum de seus filhos via com bons olhos sua criação de gatos, porque, de maneira indireta, eram obrigados a alimentá-los, visto que era óbvio que aquela frágil senhorinha não daria conta de comer todas aquelas enormes aves. Então a senhora resolveu fazer um pacto com o Criador: ele só a levaria para o Céu, como era a sua intenção - depois que seu último gato morresse de morte natural. E foi assim: em poucos meses os gatos foram morrendo, um a um, até o derradeiro. Enquanto isso, a velha senhora definhava a olhos vistos, até o dia em que finalmente entregou sua alma ao criador.
Capítulo 48 Guinada de Destino Aquele casarão no Brás era o celeiro de muitos sonhos, muitas ambições, ânsia pelo futuro que parecia nunca chegar. Essa estranha energia provinha de todos os seus jovens habitantes, todos com idades próximas, ansiosos por viver. 137
E a vida era enérgica, porém generosa, os frutos de tão boas árvores só poderiam ser ótimos - com esforço e sacrifício, cada qual ia conseguindo atingir seus objetivos. Claudia, em certa tarde, se deu conta que já estava no último ano do magistério - logo estaria formada. O que fazer então? Qual caminho seguir? Ela queria muito cursar uma faculdade - sua inclinação maior era o jornalismo, se bem que medicina a seduzia também. Quanto ao noivado, todos os acordos discutidos entre ela e Valdemar, incluíam um tempo mais longo de noivado. Casamento só mesmo quando ela estivesse formada... A vida seguia adiante, tudo sob cotrole, quando um acidente banal veio ceifar a vida de sua amada Nonna. Que tristeza! A família não acreditava - enquanto a velha senhora estava saudável, cheia de energia, de repente, embora ela ainda tentasse lutar, não foi mais possível. Cumpridos os tristes trâmites legais, quando a família retornou à casa onde reinara aquela incrível matriarca, tudo era caos. O mais incrível então aconteceu: quem tomou para si a triste situação e começou a agir foi a Nanná, a irmãzinha caçula da admirável Brígida. Nanná reuniu toda a família na sala de jantar e carinhosamente ouviu a todos, suas angústias, as saudades e depois, tomou a palavra. Olhou firme para os sobrinhos que tanto amava e lembroulhes da frase que Nonna tanto gostava de usar: “la vita maledetta mai aspetta a nechiuno, certo?? Alora vá a via” (A vida maldita nunca espera ninguém, certo? - portanto vá a luta). As coisas começaram a engrenar, todos estavam confiantes com a segurança que Nanná passava, tomando conta da vida de todos. Claudia viu-se obrigada a desistir da formatura, pois não se justificava participar de duas festas estando de luto. Tudo o que a garota desejava era ir buscar seu diploma para colocá-lo nas mãos de sua mãe, agradecendo todo o esforço 138
e toda a luta de ambas, contidas naquele canudo. Mas Yolanda estava reagindo mal aos últimos acontecimentos. Estava mais triste e apática a cada dia - nem se levantava para ir trabalhar. Preocupada, Claudia levou sua mãe ao médico e soube, como já desconfiava, que Yolanda estava com depressão profunda. Começaram então os tratamentos, mas não apareciam resultados. Esta situação fez Claudia ponderar que sua mãe só melhoraria de saúde se saísse daquela casa, afastando-se das milhares de lembranças plasmadas por toda parte. Enquanto Claudia conversava com seu noivo sobre a situação tão difícil, de repente a solução apareceu para ambos - Só marcando casamento mais rápido possível,eles poderiam mudar a situação, mudar para uma casa nova e tirar Yolanda de lá. Restava então irem comunicar à sua mãe a decisão tomada. Assim o fizeram, mas Yolanda titubeou de início, pois sabia que sua filha pretendia continuar os estudos e, se casasse naquele momento de sua vida, não poderia seguir seu sonho. Mas Claudia estava firme em sua opinião e não aceitou um “não” como resposta. Com carinho os noivos foram convencendo a mãe a aceitar e participar dos novos sonhos. Para concretizar seus intentos, faltava pouco, pois já estava quase tudo comprado, só faltava encontrar uma casa para alugar, para poder marcar a data do casamento. Os três foram juntos comunicar aos outros familiares a sua decisão então souberam que os outros parentes também pretendiam sair do casarão. A divisão da família ficaria assim: Dina e seus filhos solteiros, Zeca e Ana, ambos noivos também, se mudariam e levariam consigo a Nanná. Yolanda também iria se mudar, e, neste caso, ficaria “sobrando” Helena, Cristina e José. Ora, todos sabiam que José não estava em boa situação financeira, pois Helena deixara de trabalhar devido às precárias condições de saúde e as despesas com a mulher e a filha eram 139
pesadas. O que fazer então? Depois de muito conversarem, Claudia e Valdemar decidiram levar a Tia Helena e a família para morar junto com eles. Com um pouco de boa vontade, tudo iria se ajeitar, embora fosse completamente estranho um jovem casal começar a vida morando junto com tanta gente. Sonhos??? Eles teriam que ser deixados para trás, para outro momento; agora era hora de ambos tomarem nas mãos as rédeas da vida, a fim de ajudar a quem merecia: Yolanda precisava sair daquela depressão e também do casarão, que tantas lembranças trazia a todos.
Capítulo 49 Bodas “Tu és responsável por aquilo que cativas.” Antoine de Saint-Exupéry E começou a contagem regressiva para que tarefa tão agradável se realizasse a tempo e perfeitamente em ordem. O tempo, o prazo era curto para um casamento tão completo e pomposo como os três haviam idealizado, pois já era fim do mês de Janeiro e a data escolhida era para o fim de Abril. As primeiras providências, as quais nem vale a pena aqui citar, pois eram iguais a todos os casamentos, tomaram bastante tempo de Yolanda e dos jovens noivos, pois eles tinham que percorrer a cidade procurando preços melhores entre os diversos fornecedores. Mas os resultados eram bons - Yolanda já estava ficando 140
mais animadinha, mais falante e até se alimentava melhor! Depois de muito procurar, eles encontraram para alugar a casa que achavam ideal: ficava no Pari e era um lindo sobrado, confortável e amplo, com um jardim na frente. Concluindo o aluguel, logo arranjaram um jardineiro para embelezar o jardim com lindas rosas e Valdemar contratou uma transportadora para trazer a mobília para a casa. É, o novo lar já estava ficando com o jeitinho dos dois, já mostrava um pouco da personalidade dos donos. Isto posto, sobrava um pouco de tempo para pensar nas outras providências, tais como a igreja, a recepção e o vestido da noiva. Como a família de Yolanda era frequentadora da paróquia de São Cristóvão da Luz, foi lá que se dirigiram a fim de marcar a data do casamento. Monsenhor Guilherme Bonnomo, grande amigo da família, logo deu um jeito de reservar a data escolhida para as bodas: dia 30 de abril de 1966, às 19h. Foram em seguida ao cartório do Brás e tiveram a ideia de solicitar um juiz de paz para oficializar o casamento na própria igreja, após a cerimônia religiosa. Pronto, isso também já estava acertado. Agora era só pensar nas roupas da cerimônia. Valdemar foi procurar um bom alfaiate, deixando Claudia e Yolanda livres para escolherem o vestido certo para a ocasião. Como Claudia era muito simples, isso dificultou a procura, visto que ela não queria nada muito pomposo, muito cheio de babadinhos, etc. Sua mãe, com uma santa paciência, foi ajudando Claudia a experimentar dezenas de modelos, mas nenhum agradou a jovem. Restava então procurar as modistas especializadas para confeccionar a roupa tão esperada. Aí, as coisas se tornaram mais fáceis, porque o que Claudia queria mesmo era um vestido sóbrio, bonito e elegante. Logo que os convites foram despachados os presentes 141
começaram a chegar e todas as noites os dois jovens levavam para a casa nova os objetos presenteados com amor. Isso ia tornando pouco a pouco a sua casa cada vez mais alegre, prenunciando que dentro em breve ali habitariam pessoas que se amavam. Mas por que as coisas naquela família nunca eram simples? E o pior era que Valdemar, depois de todos aqueles anos convivendo com todos, estava se tornando igual. Pois não é que a sogra e o genro confabulando, chegaram à conclusão de que os bancos da igreja onde se realizaria o casamento estavam bem velhinhos, como velha e bela era toda a igreja, uma beleza barroca, rica em madeira e ouro. Ali estava no altar a estátua de Santa Filomena, cuja devoção era grande entre todos os Avella. Bem, voltando aos bancos, ambos tiveram a ideia de mandar fazer capas brancas para todos eles. não seria uma tarefa fácil, mas como ambos entendiam de costura, era mãos a obra. Fácil não foi. Feita as peças, todas tiveram que ser provadas nos bancos e aquelas que apresentassem defeito deveriam ser devolvidas para a oficina para conserto. Fazer tudo isso sem que Claudia desconfiasse era complicado, mas eles queriam fazer uma surpresa para a futura noiva, além de escapar dos comentários dela. De sua parte, sem saber de nada, Claudia foi escolher a decoração da igreja e foi só, visto que os outros não tinham mais tempo para nada - pudera! Claudia optou por camélias brancas na decoração, bem como para o seu buquê - uma escolha simples e discreta. Os dias voavam e logo a grande data já estava bem próxima - ainda bem que já estava tudo pronto.
142
Capítulo 50 O Grande Dia Aquele dia de outono não poderia amanhecer mais perfeito - temperatura amena, brisa suave, um cheiro bom no ar - era “O Dia”, aquele dia onde tudo deveria transcorrer perfeitamente, o dia que iria presenciar a união de dois jovens enamorados e que Oxalá, seria uma longa, muito longa. Tudo programado, as coisas estavam acontecendo nos prazos esperados, o buffet chegando, as funcionárias da loja de noivas, o motorista que iria dirigir o automóvel da noiva, o cabeleireiro, a arrumação da casa, tudo estava certo, as pessoas apressadas e felizes, nada destoando, que sorte! Finalmente o carro parou à porta da igreja, toda iluminada, enfeitada com milhares de flores. As portas estavam fechadas, mas o imenso tapete vermelho colocado somente em grandes ocasiões, neste dia estava no piso da igreja e se estendia pela calçada: Quanta honra! O motorista abriu a porta do carro e ajudou-a a sair e logo sua mãe se aproximou para ajeitar-lhe as saias e os véus. Claudia caminhou com passos firmes até a porta da igreja que logo se abriu e a menina perdeu a respiração ao ver tanta beleza faiscante: a luz, os bancos alvos, o perfume inebriante das camélias, tudo parecia irreal. O padrinho, seu tio Mário, logo se aproximou e, delicadamente, tomou seu braço para conduzi-la. Claudia pisou firme naquela nave e à medida que andava, ia pensando que a partir daquele momento uma porta de sua vida estava 143
se fechando, enquanto outra se abria - que viesse o futuro” A capela era pequena e por isso a caminhada entre os bancos cobertos por capas brancas e enfeitados com flores foi curto - pronto - lá estava Valdemar, um sorriso enorme estampado na face e o braço direito estendido para tomá-la como mulher - parecia tão mais velho, tão mais forte! Todos posicionados no altar, apareceu Monsenhor Bonuomo ricamente paramentado, cumprimentou os noivos e deu início à cerimônia. Do órgão do coro, saía a melodia Ave Maria e em seguida, a Marcha das Flores. Após breve discurso, exortando a importância do ato, ele fez a pergunta esperada, que ambos responderam com emoção: trocaram as alianças e após o beijo, braços dados, percorreram sorridentes e felizes o caminho de volta. Logo foram chamados em meio aos cumprimentos para dar início à cerimônia civil, que ambos supunham que seria realizada na sacristia, mas qual não foi a surpresa de ambos ao verem se abrir as portas da sala de cerimônia reservada às altas autoridades do clero. Claudia sabia disso, porque era paroquiana e óbvio, frequentadora da igreja. A sala era linda, toda forrada em veludo cor de vinho, móveis clássicos, lindos lustres. Tudo já estava preparado: a mesa forrada com toalhas de linho, dava apoio ao livro oficial, tendo por trás o juiz e o Escrivão. Os padrinhos se aproximaram, Comendador Ovídio Luiz Averoldi e Yolanda para a noiva e Mário e Conceição para o noivo. Os noivos ganharam um jogo de canetas, muito bonito, presente do Comendador Ovídio e, com mãos trêmulas, assinaram o livro, selando para sempre seus destinos. Aí, foi uma verdadeira explosão de alegria à saída dos noivos, beijos, abraços, votos e fotos, um verdadeiro turbilhão. Alegres e ruidosas carros de carros cheios de convivas percorreram a Av. Santos Dumont, onde ficava a igreja, em 144
direção ao Brás, onde os noivos receberiam os amigos, abrindo as portas de sua nova casa. Nada faltou naquela festa; chuva de arroz na chegada, alegria, boa comida e bebida, muita música, enfim, tudo perfeito. Ao fim da festa os noivos partiram rumo à noite de núpcias em um elegante hotel no Centro de São Paulo. Roupas trocadas, malas no carro, pois a viagem de núpcias começaria no dia seguinte. Feitas todas as despedidas e ouvidas todas as recomendações, eles finalmente se deram conta de que era a primeira vez que saíam a sós, que estavam casados e que o futuro começava ali.
Capítulo 51 Vida Nova Era bom, era muito bom estrear uma vida completamente nova, diferente. Tudo parecia cheirar a novo: usar os objetos comprados com tanto carinho, ou ganhos de pessoas tão queridas era muito bom - isso pensando nos objetos, nas coisas materiais, coisas que os olhos viam. Havia outras coisas, aquelas que só se sentiam, como a felicidade plácida e implícita que circulava pela casa, a atmosfera diferente, até o cheiro do ar. Que coisa estranha... Claudia se dava conta de que, entre tantas primeiras vezes, essa também era a primeira vez que ela possuía algo que era só seu, a primeira vez que passava do coletivo para o individual, mesmo que tivesse deixado de ser solteira para logo se tornar casada - um par. É porque no casarão da Nonna tudo era coletivo. Até para dormir ela era companheira de cama de sua Nonna. Então, a nova vida, tudo era diferente, divertido - até a rotina 145
que estava começando a se estabelecer era divertida. Os horários mais flexíveis, diferente dos horário massacrantes do tempo de estudante, cuidar da casa, auxiliada pela mãe e a tia, cuidar das roupas do marido, isso era bom. Os dois recém casados esperavam logo começar a aumentar a família, visto que ambos sonhavam com uma grande família. Passado o primeiro mês de casados, ambos ficaram tristes ao ver que nada acontecera: Seu bebê ainda não estava encomendado. Perguntados por Yolanda por que estavam tristes, abriram seus corações e revelaram qual era o motivo da tristeza, ao que Yolanda respondeu: “- Vocês acham que um bebê se faz assim, na pressa e de qualquer jeito? Não senhor? A criança deve ser muito desejada, encomendada ao Criador, com a promessa solene de que será amada e protegida. Enquanto isso, um anjo do céu escolhera para vocês para serem seus pais. Entenderam? Eu sei que da outra parte vocês estão cuidando, e bem!. Portanto, deem tempo ao tempo, oras!” Depois dessa, era melhor ter paciência e não desistir, concluíram os dois.
Capítulo 52 Adriana Aquele mês transcorria lentamente, talvez por estar carregado de expectativas. Claudia cuidava de sua linda casa com amor. A medida que o tempo passava, ideias iam surgindo e Valdemar achou que seria uma boa ideia levar sua esposa para a fábrica durante alguns dias por semana, para que ela se distraísse um pouco, pois ele achava que ela pudesse sentir falta da rotina movimentada do seu tempo de estudante. Outro motivo era para que conhecesse melhor a rotina 146
da fábrica, pois, no futuro, o jovem pretendia comprar a parte de seu pai na sociedade e continuar sozinho no negócio. Mas a cegonha veio, para a felicidade de todos, modificar os planos presentes, anunciando ao jovem casal que em breve eles não seriam mais dois, mas três. Quando as suspeitas se tornaram fortes, Yolanda marcou uma consulta para a sua filha no mesmo especialista que a atendera quando se tornara mãe. Agora ele não era apenas um jovem doutro generoso e idealista - era um médico de renome, famoso entre a comunidade judaica, onde atuava e também na “Pró-Matre Paulista”, maternidade quatrocentona de São Paulo, a preferida das famílias abastadas. Não era esse o caso daquela família classe média do Brás, mas eles encontraram lá, novamente, um médico generoso e amigo, só um pouco mais velho. Após o exame ele informou que tudo estava normal e parecia uma gestação tranquila. Os três estavam muito felizes e ansiosos para contar a novidade para a família e os amigos. Já em casa, começaram os planos e as providências - as compras eram urgentes, como se sabe - milhares de metros de fitas e rendas, centenas de botões, muitos novelos de lãs para Helena tricorar com suas hábeis mãos, além de morim, cambraia e flanela para as roupinhas. Tudo foi comprado em cores variadas, sem apelar para as azuis e rosas, pois não sabia o que era. A avó tinha um palpite forte de que seria uma menina, porém sabia que pelo gosto do pai, seria um varão. A felicidade de todos aumentou quando se soube que Célia, sua amiga querida, também estava esperando seu primeiro filho - que bom, os nenês iriam crescer juntos e tornariam amigos. Tudo corria muito bem, a gestação de Claudia já estava no segundo trimestre, quando, de repente, um grande susto deixou todos muito preocupados: a gestação de Claudia estava 147
por um fio. Segundo o médico, o risco do processo de interromper naturalmente era grande e ele achava mais prudente fazê-lo através de uma cirurgia, mas a jovem mãe se opôs frontalmente, mesmo sabendo o risco a correr. A solução de momento era ela ficar em repouso absoluto até a hora do parto, ou seja, cinco meses de cama. Claudia aceitou esse fato com tranquilidade: essa Avella era forte! Muitas mudanças precisaram ser feitas a partir daquela decisão, a começar pela mudança de casa: aquela onde eles moraram por tão pouco tempo já não era adequada à família, porque era um sobrado e Claudia não podia subir escadas. Então forma morar em uma casinha de fundos, na Mooca, sendo necessário se desfazer de muitos móveis e objetos que lhes eram tão queridos. Mas tudo bem, Claudia obedientemente prosseguia e a gestação se adiantava, até que chegou o dia em que o médico achou que já era hora de interromper a gestação. A dúvida era que o bebê ainda era muito pequeno, um pouco fora das medidas padrões, mas avaliando-se o riscobenefício, o melhor a fazer era deixar vir ao mundo aquele bebê caprichoso. Era o dia 21 de fevereiro de 1967 e Claudia, já internada, não via a hora de ser levada ao centro cirúrgico. A família estava quase toda na maternidade, todos juntos, rezando para tudo dar certo. claro que os mais ansiosos eram Yolanda e Valdemar, que colados ao vidro do Centro Cirúrgico, aguardavam e aguardavam. Lá dentro Claudia estava um pouco assustada com toda aquela parafernália, mas nada importava, todo o seu ser esperava pelo bebê. Ela queria vê-lo, senti-lo, cheirá-lo. Ouviu-se um choro forte na sala cheia de zumbido dos aparelhos e logo Claudia viu o rosto sorridente do Dr. Adolfo a lhe dizer: “É uma menininha, muito pequena, muito mesmo, mas tem pestanas enormes!” 148
Por entre a cortina de lágrimas de alívio e amor que lhe banhava as faces, a jovem mamãe viu uma linda garotinha, perfeita, um pouco maior que a palma de sua mão. Depois o repouso merecido e logo os problemas começaram. Nenhuma peça do enxoval servia naquele bebê minúsculo de grandes olhos castanhos, devidamente sombreados pelos cílios enormes. Sua pele era alva como pérolas, contrastando com o cabelinho muito negro e farto. O problema da roupa foi contornado, assim como outros que apareceram, tais como não saber mamar, mesmo precisando muito do alimento. Só a experiência do pediatra, Dr. Joelson Amado, aliada ao amor e a boa vontade que cercavam aquele serzinho é que conseguiram contornar tantos problemas de surgiam amiúde. Porém esse tempo difícil passou e pouco a pouco a nenê foi se fortificando, saindo do perigo. Parece que o que faltava em peso à menina, sobrava em inteligência: ela era vivaz, respondia bem aos estímulos e mais tarde o mesmo se deu com as primeiras gracinhas. A primeira palavra - mamã, é claro, aos cinco meses, depois andar por volta do nono mês de vida, já fortinha e recuperada. Célia também estava às voltas com sua filhinha, Maria Odette, para felicidade de todos e se tornara, junto com seu marido, Perez, os padrinhos de Adriana, como não podia deixar de ser. Adriana era uma criança doce, calma, de pouco choro e que dormia bem. Tudo estava bem agora, então porque Claudia se sentia fatigada, sonolenta, por vezes irritadiça? Contas...Pois é, novamente aquelas contas que só mãe e filha entendem, para se chegar a uma só conclusão:
149
Capítulo 53 Patricia Claudia ficou bem preocupada com a sua nova gestação: a primeira, tão recente, já havia sido tão difícil.. havia ainda a Nana, como era chamada sua filhinha, tão novinha, precisando de cuidados. É , a situação estava complicada. Conversando com sua mãe, Claudia expôs suas dúvidas, ao que a perspicaz Yolanda respondeu: “Filha, nada acontece sem a vontade de Deus, e se Ele achou que devia ter mais um filho, com certeza cuidará para que corra tudo bem. A Nana já está mais forte e ademais, sabes que vou te ajudar em tudo o que puder, certo?” Enquanto abraçava carinhosamente a filha, Yolanda lembrou-se daquela mesma promessa que sua boa mãe lhe fizera no passado “Io te aiutto...” Um pouco mais tranquila, Claudia ponderou que tudo daria certo, não podia esquecer do Valdemar, que se revelara um paizão, carinhoso, solícito, incansável, mesmo durante as madrugadas quando a nenê não estava bem. Ele era especialista em fazê-la dormir, ninando-a amorosamente em seus braços e cantando desafinadas cantigas de ninar: havia ainda a Helena e a Cristina, que já eram todas de Adriana, mas que certamente amariam o novo bebê e iriam ajudar na trabalheira, com certeza. Nesta gestação de Claudia, Valdemar desejou timidamente que fosse um menino - seria bom se tivessem um casal, não é? Claudia assentiu, mesmo tendo a certeza que viria outra 150
menina. O tempo passou rápido, desta vez. Aqueles milhares de preparativos, como já se sabe, tiveram curtas oportunidades de serem efetuados, pois tudo era feito nos intervalos de tempo entre uma mamada, uma troca de fraldas e outra. Graças a Deus, essa gestação não estava apresentando nenhum risco - afora um pouco de repouso nos primeiros meses, a jovem mãe estava muito bem, saudável e animada. Adriana crescia a olhos vistos, estava forte e ficava cada vez mais linda: de fato, seus grandes olhos cor de mel eram sombreados pelas magníficas e longas pestanas, os cabelinhos escuros e cacheados formavam uma coroa em torno de sua cabecinha e eram o contraste perfeito com sua pele muito alva. Ela estava gorduchinha e seus braços e pernas cheios de dobrinhas Assim tudo caminhava muito bem para a chegada do novo membro da família. Na manhã do dia 7 de outubro de 1968 veio ao mundo mais uma princesinha. Ela era forte, graças a Deus e muito bonita: branquinha como sua irmã, olhos castanhos e fartos cabelos escuros e lisos. Logo que a mamãe a tomou nos braços, a fitou com amor, mas desconfiou que essa menina não seria tranquila. E não era mesmo. Ao chegarem em casa, logo se viu que Patricia tinha muita personalidade - seu jeito de se empertigar quando algo a incomodava, seu choro alto, exigindo atenção, em tudo ela era diferente de Adriana. Ela dava um pouco mais de trabalho, mas era divertido vê-la se firmando em um mondo completamente novo. À medida que o tempo ia passando, era nítido que as duas garoas eram fundamentalmente diferentes: uma gostava de frio, a outra do calor, molhado para a primeira, seco para a segunda. Mas tarde, quando começaram a se alimentar com papinhas, as diferenças continuaram se estendendo também para o sono, as brincadeiras, tudo em fim. 151
Elas só se assemelhavam na inteligência e mais tarde na criatividade. Nas brincadeiras, enquanto Nana era maternal com suas bonecas, sonhadora com seus príncipes e princesas, Tícia era pura molecagem: gostava de correr, pular por cima dos móveis da sala e vejam só, acabava machucada. Enquanto Adriana era o Xodó e Helena, Patricia tinha em Yolanda sua mais fiel admiradora. Tudo corria bem, com cada um fazendo sua parte para ajudar na criação das adoráveis meninas, mesmo assim não faltavam os grandes sustos, as grandes traquinagens. Valdemar, pai coruja, mal chegava da fábrica já era solicitado pelas suas bonequinhas, tarefa que ele cumpria de bom grado. Ele inventava brincadeiras, como recortar das revistas infantis as roupinhas para as bonecas de papel, montar brinquedos complicados, contar histórias, o que aliás era um capítulo à parte: Este santo pai era capaz de contar para as meninas duas histórias diferentes, tipo Cinderela para a romântica Adriana e Peter Pan, para a espevitada Patricia (lembram-se das diferenças?..) Nesta altura da vida, a família já estava morando em uma casa melhor, uma casa térrea no Pari, cuja frente era ampla e segura. Claudia gostava de levar as meninas para brincar nessa área, a princípio nos carrinhos de bebê e mais tarde, com ambas andando, para fazer piqueniques para elas ali, onde as crianças passavam a tarde toda brincando, até a hora do soninho, que era sagrada. A propósito, Claudia se revelou uma mãe atenda e até severa quanto à disciplina das meninas: queria que todos os horários fossem respeitados, pois temia que as coisas virassem bagunça. Ademais, elas já eram bastante mimadas por todos os da casa, portanto alguém tinha que por ordem na casa. Mas nem tudo são flores. A situação financeira da família estava preocupante, pois Valdemar resolvera comprar a parte 152
de seu pai na fábrica. Havia ali um conflito de interesses e a fábrica não ia nada bem. Isso era preocupante, ainda mais com uma família tão grande. Ainda bem que Yolanda tinha um bom emprego. Ela trabalhava para um grande laboratório farmacêutico, ainda no ramo de propaganda, vendendo o Almanaque Fontoura, muito famoso na época. A vantagem era que ela trabalhava só duas vezes ao ano: no primeiro semestre, angariava os anunciantes e no segundo, se responsabilizava para que todos fossem publicados a tempo. Seu salário era bom e ainda sobrava tempo para ajudar a filha com as crianças. Mas não havia nada que o amor e a compreensão de todos não pudesse contornar. Foram tempos difíceis, onde cada adulto teve que fazer um pouco de sacrifício para que as crianças, na verdade três, pois Cristina estava mais ou menos com oito anos, pudessem passar pela crise sem sentir.
Capítulo 54 Tempo de Crescer A família ia crescendo, adultos e crianças e ia se expandindo também. Mais ou menos nessa época, Célia teve um menino que se chamou Ricardo e, como havia acontecido com as meninas de Claudia, era diferente de sua irmã, Maria Odette - este veio inquieto, agitado, com um brilho de “quero mais e vou conseguir” nos olhinhos escuros, ao contrário de sua maninha, que era doce e calma. Mais tarde veio à tona outra qualidade do esperto 153
garotinho: sua especialidade era morder - isso mesmo, ele mordia com fé quando era contrariado e quase nenhuma de suas primas escapou sem a sua marca. Algum tempo depois nasceu Sarah, filha de Saul e Áurea - quem diria, o Zeca já era papai... Aquela família de gente jovem ia aumentando - os jovens casais criavam seus filhos sonhando com um futuro muito bom, é claro. Quando todos se reuniam na casa de Valdemar e Claudia nos almoços de Domingo era uma festa. Aquele bando de crianças alegres e animadas, correndo pela casa, fazendo algazarra, tão diferentes e ao mesmo tempo tão iguais. Notava-se em cada um a chama dos Avella. Essa sensação boa Claudia também sentia quando observava suas filhas a brincar, distraídas - às vezes, um sorrido meio enviesado lembrava o pai, às vezes um olhar, uma nuance qualquer, uma atitude, lembrava a si própria.
Capítulo 55 Alessandra, a menina cor de rosa Quatro anos se passaram, as meninas já estavam grandinhas com 4 e 5 anos. A crise financeira da família ainda não tinha passado, mas grande novidades logo viriam modificar aquela alegre família. As contas vieram com a mãe da jovem Claudia e dito e feito - havia um bebê a caminho. Já se dizia que a coragem e a ousadia se pertence aos jovens e foi neste espírito que o casal começou a trabalhar nos planos para a chegada de mais um bebê. Com amor e confiança abriram o coração para aquele serzinho que já era amado. 154
Desta vez a prioridade foi preparar as meninas para a chegada de um nenê, respondendo-lhes todas as perguntas e as deixando segura em relação às mudanças. Desta vez as compras para o enxoval não foram tão extensas, porque o dinheiro estava escasso, mas aproveitando as peças do enxoval das meninas, reciclando-as, tornado-as mais bonitinhas, quase novas. Ainda assim as compras aconteceram, só que em uma escala menor. Claudia estava forte e bem disposta, cuidando das meninas, tanto que só foi ao médico por volta do 4º mês. É claro que tomou uma bela advertência de seu médico, pois estava hipertensa, mas nada que uma dieta rigorosa não resolvesse. Claudia continuou sua rotina com vigor. Nesta época ela estava bonita, plena, já era uma bela mulher. No dia em que foi para a maternidade, ela fez questão de deixar todas as suas obrigações concluídas, as meninas tratadas e sob a supervisão de Helena, enfim, pode ir em paz fazer vir à luz seu bebê. Todo correu tranquilamente e logo veio ao mundo uma menininha, realmente cor de rosa, cachinhos claros e olhos esverdeados. Era um belo bebê, sadio e calminho - o sonho de toda a mãe. De alguma forma, aquela menina que recebeu o nome de Alessandra Maria, veio unir ainda mais, veio consolidar o amor de seus pais, agora mais maduros. Ambos sentiram uma enorme alegria e muito amor, não só pela menininha cor de rosa, mas também pelas suas duas princesinhas mais velhas. Já em casa, foi uma alegria só apresentar a nenê às irmãs - ambas estava curiosas, embevecidas com aquela trouxinha tão bonitinha. A mãe achava que elas não tinham certeza se a bebê era real - em seu mundo de fantasia infantil, bem que poderia ser mais uma boneca. Yolanda havia reformado um cestinho próprio para bebês e por coincidência, o cestinho era rosa, então todos brincavam 155
que seria fácil perder Alessandra dentro do cesto, já que tudo era rosa. Nem as dificuldades financeiras turvavam a alegria daquela família. Cris já estava grandinha e ajudava a tomar conta daqueles três anjinhos tão diferentes e ao mesmo tempo tão parecidos. Alessandra quase não dava trabalho: ela permanecia calminha, dormia bem a noite toda e gostava muito de brincar sozinha com seus brinquedinhos. As vezes Claudia se pilhava pensando em como Deus era justo - Comparando as meninas, havia Adriana, que era calma, Patricia, um verdadeira espoleta e a Lelê, um anjinho... É, alguém lá em cima gostava mesmo daquele casal amoroso e idealista. Na mesma época, Ana Maria e João, tiveram sua bonequinha de louça, Luciana. As meninas cresciam a olhos vistos e logo já podiam brincar juntas. Aí a mãe atenta logo notou uma certa “panelinha”: as duas maiores permaneciam unidas e não se sabe se por ciúmes, mas o fato é que Patricia, a espoleta, liderava as brincadeiras, sempre deixando a Lelê de lado ou delegando-lhe a pior parte da brincadeira de casinha, a boneca menos bonita, ou algo assim. O fato é que a doce Lelê era calam, mas não era boba, então ela chorava e gritava pela mãe. Claudia mais de uma vez, teve que acudir a menorzinha, às vezes trancada no guarda-roupa, às vezes deixada do lado de fora do quintal. Aí, então, as duas mais velhas iam para o cantinho da sala para pensar e Lelê sentia-se vigada. Por isso ela ficou um pouco manhosa, inventando às vezes fatos inexistentes, só para tirar vantagem e chamar a atenção - malandrinha ela, não? Logo chegou a hora de colocar as duas mais velhas na escola e muitas providências deveriam ser tomadas. A escolha 156
da escola, materiais e uniformes e a preparação para a primeira etapa importante de suas vidinhas. Tudo pronto para o primeiro dia, as meninas uniformizadas e ansiosas, um beijo rápido na mamãe e lá se foram elas de carro com o pai. Claudia estava orgulhosa, emocionada, percebendo que uma página da vida de todos da família estava virando. Divagando, ela se lembrou do seu primeiro dia na escola, se deu medinho e de sua mãe segurando sua mão com força. Tudo correu bem no primeiro dia, e as meninas voltaram falantes e felizes, só a Adriana voltou com o joelho arranhado, fruto de uma pequena queda - é agora, ela, tanto quanto sua irmãzinha, começavam a aprender a se defender sozinhas.. era a vida! Em casa, Alessandra reclamava da falta das irmãs, mas ainda faltava tempo para que ela pudesse ir para a escola. Ela esperava ansiosa pelas meninas no final da tarde, para recomeçar as brincadeiras. Havia novidades também na família. Sérgio, separado, se casara com Margot e tiveram um menino, o Ricardo,um belo garotão saudável e esperto. Com a ida das meninas para a escola a trabalheira aumentou , ao invés de diminuir, com os horários, lições lanches e uniformes. Adriana era uma boa aluna, inteligente, responsável e quase não dava trabalho para estudar; Patricia era tudo isso, só que também era malandra. Como ambas tinham bronquite e quando estavam em crise nãoiam para escola, Tícia achou isso muito bom e de vez em quando, simulava uma crise que passava tão logo o horário de ir para a escola terminava. De outra feita, ela escondia apenas um pé da botinha ortopédica que ela usava e, assim, ir para a escola como? Mas ao longo do dia escolar perdido, a mãe acabava encontrando a bota e aí, sim, ficava muito brava - novamente a espoletinha ia para o cantinho da sala, para pensar no mal feito! 157
Olhando para o passado, Claudia tem a impressão de que aquela casa ruidosa guarda até hoje as vozes infantis de suas filhas:”- O Môôôee, a Ticia rabiscou meus desenhos de princesa! Bate nela!” - Mãezinha, a Lelê arrancou a perna da minha boneca, vem cá logo! - Mãe, corre aqui, a Ticia e a Nana me trancaram no armário!...” Eram gritos, risos, choros e choramingo, era a vida! Finalmente as sete da noite, quando todas elas já estavam em suas caminhas - da disciplina do horário Claudia não abria mão - é que aquela exausta mãe podia jantar com seu marido, conversar, tomar alguma providência que faltasse e finalmente ir dormir, porque o dia seguinte começava as 6 da manhã. Helena e Yolanda dormiam um pouco mais tarde e aproveitavam para adiantar o almoço do dia seguinte, como escolher o feijão, o arroz e outras pequenas providências que agilizassem o processo do outro dia, mas fazendo o mínimo de barulho possível, tudo para não acordar os anjinhos, cujo quarto ficava depois da cozinha.
Capítulo 56 A cadeira de Balanço Yolanda insistia e insistia para que Valde comprasse uma cadeira de balanço: como que uma casa com tantas crianças não tinha uma?, ponderava ela. Um belo dia Valdemar chegou com a cadeira e Yolanda logo foi comprar tinta e pincel para personalizar o novo acessório da casa. Claro que a tal cadeira foi pintada de cor de rosa, pois era destinada às 3 meninas: Yolanda já se imaginava embalando as meninas até que elas serenassem e adormecessem. Pintura seca, vamos estrear o balanço; a avó nem sabia qual menina ia segurar primeiro e o jeito foi pegar logo as 158
três! Ah! Era bom segurar aquelas belezinhas em seu regaço; as feições relaxadas, os corpinhos quentinhos e as três enrodilhadas na vovó! Mais tarde, quando a novidade passou, então a pobre vó pode acalantar uma da cada vez, cantando todas as canções de ninar que lhe vinham à lembrança: “ Eu tenho um cavalo baio Que na pista é trotador; Já venceu vinte carreiras Todas as vinte ele ganhou Quiseram trocar meu baio por vinte notas de cem não há dinheiro que pague o baio que eu quero bem Aiiii, que cavalo bom!” Era tiro e queda - antes da canção terminar a criança já estava dormindo. A avó adorava estes momentos de doce intimidade: ela própria relaxava e ainda ajudava sua filha tão atarefada. Até Valdemar as vezes entrava na dança, digo, no balanço da cadeira, e, com uma das meninas no colo, cantarolava desafinado algumas canções caipiras, conforme seu gosto - e uma delas, a preferida das meninas era: “Serenou, eu caio eu caio sereno, deixa cair sereno da madrugada não deixou meu bem dormir!” Ainda bem que as meninas não se importavam com a qualidade musical e sim com o papai carinhoso, assim, logo adormeciam. Aquela cadeira ficou na família durante muito tempo - as meninas cresceram e até o Andre, neto de Claudia, foi embalado nela pela mãe e avó carinhosas.
159
Capítulo 57 A escola O tempo passou e logo chegou a vez de Alessandra ir para a escola - ainda bem, agora ela não precisava reclamar de saudades das irmãs. Tudo arrumado, uniforme comprado, a malinha, a lancheira, os sapatinhos novos. Claudia pôs a menina em seu colo para pentear seus cabelos, que com o tempo mudara bastante. A menina possuía uma farta cabeleira castanha, provida de cachos abundantes e rebeldes, que só com a intervenção da mãe ou da avó aquele cabelo era domado, transformado em cachos uniformes, dourados e comportados Prontas, as meninas partiam com o carro do papai, um fusquinha caindo aos pedaços, que fazia de tudo para não se atrasar, o que nem sempre era possível. Nervoso, agitado, o pobre pai ainda tinha que apartar as brigas dentro do carro, de quem queria viajar na frente. Ele fazia de tudo para contornar a situação: sugeria para que todos cantassem juntos, brigava, berrava, e as vezes era obrigado trazê-las de volta, descabeladas, tranças e cachos ao léu, para pedir ajuda à sua esposa. Aí então, Claudia descia as escadas que a separavam do portão, soltando fumaça pelas orelhas. Abria a porta do carro com ímpeto e, sob um olhar furioso, esperava as meninas descerem, apreensivas, sabendo o que as esperava em casa; lá então a mãe fazia um verdadeiro sermão censurado, e muito, o 160
comportamento das três, enquanto lhes recompunha os devidos penteados. Então o critério era o seguinte: se ainda houvesse tempo para chegar a escola, todas iam, mudas e cabisbaixas, caso não desse mais tempo, elas faltariam naquele dia. Mas a situação não ficava fácil, se não perdessem a aula por causa da briga, um dia sem assistir TV, se tivessem que faltar, 3 dias sem TV. O jeito então era ir brincar com as bonecas. Incrível, aquelas batalhas iriam continuar acontecendo pelos próximos anos, só que com mais personagens.
Capítulo 58 Juliana Como é bom ser jovem, saudável e apaixonada - a gravidez de alto risco, e as outras tão pouco melhores, a trabalheira e a grana curta, nada ofuscou o brilho nos olhos de Claudia quando ela teve a suspeita forte de que estava grávida. A noite, quando Valdemar chegou, ela, feliz, disse que talvez desta vez chegasse o menino que ele ainda secretamente esperava. Depois de três meninas, ele quase tinha esquecido seu sonho de ter um garoto, mas agora, porque não? Bem vamos lá - as compras de sempre, só que reduzidas, devido à situação financeira apertada, mas com uma pitada de criatividade e muito amor, se consegue tudo. Ela estava feliz e disposta. Assim como na gravidez de Alessandra, ela estava muito ativa, cuidando de suas meninas e sendo cuidada pela mãe, marido e tia, com muito amor. As meninas estavam encantadas e curiosas pela chegada do nenê: Elas acompanhavam todas as novidades com muito 161
interesse, querendo ver, tocar, cheirar tudo o que se destinasse ao nenê. O tempo passou célere e logo chegou o dia em que esse bebê tão esperado viria ao mundo. Era dia 12 de dezembro de 1977. Claudia foi acompanhada do marido e de sua mãe para a maternidade e logo a nenê veio ao mundo - era uma menininha bem clarinha, com uma penugem castanha recobrindo-lhe a cabecinha. Havia um pormenor preocupante. Ela era muito pequenina. Porém, todos na família já tinham experiência com bebêsboneca. A menina era muito saudável, o que os deixava mais tranquilo. Claudia não se cansava de olhar aquela bonequinha voraz, presa ao seu seio. Se ela crescesse na mesma velocidade de mamava, em breve seria enorme. Os traços fortes e olhar lembrou à mãe o olhar determinado de sua irmã Patricia - essa ia dar trabalho! Claudia conversou com o marido e lhe perguntou se estava chateado por não ter vindo um menino. Valdemar, com os olhos chios de água apenas beijou a esposa, agradecido. Já em casa, trataram de apresentar o bebê às três irmãs. Lelê saiu-se com esta dúvida - “-Mas é de verdade, mamãe?” De fato, a menina de tão pequena, parecia uma boneca, ainda mais instalada em seu cestinho, devidamente decorado pela vovó, o mesmo que havia acolhido Alessandra. As meninas ficaram muito tempo em torno da bebê, para sentir, alisar, cheirar, tocar-lhes as mãozinhas inquietas. Esse encantamento foi encerrado com o choro forte, pois a menina queria mamar de novo - e como ela chorava contorcia-se e franzia o belo rosto - ela lembrava a Patricia, toda empertigada. Ah, essa ia dar trabalho. Já alimentada a menina não se acalmava e foi quando a mãe percebeu que não comprara a chupeta. 162
Lelê, sensível que era, logo tirou da boca a chupeta e a colocou na boca do bebê, que acalmou-se imediatamente. Quando a mamãe a elogiou, agradecida, ela disse: “- Lelê já é mocinha, não precisa mais de chupeta, agora é da nenê”. Pena que essa convicção não durou muito, pois ela continuou chupando o próprio polegar; fazer o quê? Então veio a questão da escolha do nome, o definitivo, pois muitos já haviam sido cogitados. Claudia gostaria que Valdemar escolhesse o nome, uma forma de recompensá-lo. Ele não aceitou, pois disse que seu gosto para nomes era duvidoso. Então Claudia revelou que achava lindo o nome Maria Fernanda e esse seria o nome da nenê. Cristina que estava visitando a família, retrucou de súbito: “- Eu acho um nome muito grande para uma criança tão pequena! Que tal chamá-la de Juliana? É bonito e forte, não acham?” Pronto, estava escolhido o nome da nenê, sob a aprovação de todos. Juliana, Jujú, Jú, sinônimo de risos e lágrimas. Um gênio forte, um grande coração. Quatro senhoritas, quem diria? Até que não estava muito difícil, como a mãe era muito organizada, as coisas corriam mais ou menos bem. Ademais, não faltava ajuda. As meninas crescidas, gostavam de cuidar de Jujú, divertindo-se a fazendo-lhe todas as vontades. Ainda que a boa vontade fosse grande, a mãe tinha que ficar por perto, pois eram todas crianças e não valia a pena confiar muito Certa vez, Claudia ouviu a nenê tossindo muito forte e correu assustada. Quanto tomou a criança nos braços, percebeu que ela estava meia sufocada, exalando um forte cheiro de perfume. Ora, além da nenê só Alessandra estava no quarto, com uma carinha de “não fui eu”. Resumo do fato: Alessandra, achado que as fraldas da irmã mais nova estavam com um conteúdo muito mal cheiroso, 163
resolveu dar para ela beber um pouquinho de perfume. Claudia teve um trabalhão para desengasgar a menina, que estava um pouco tontinha. Ó dó! Essa mãe tinha que ficar mais atenta... Mas tudo bem, Jujú estava cada dia mais forte, bonita, corada, deixando para trás os pequenos problemas de saúde - ela estava ficando rechonchuda, parecia um anjo com uma chuva de cachinhos a emoldurar seu rosto. Logo foi necessário comprar um “chiqueirinho” para ela ficar mais livre, já que a mãe não gostava que ela ficasse no chão, e a voluntariosa menina não queira ficar no colo. Porém isso não significava uma prisão. Se por acaso a vovó passasse na sala onde estava Jujú, imediatamente ela chamava “vuvú” e se atirava. nisso o chiqueirinho se fechava e ela ficava presa, de fato, a chorar bem forte. Opa, a sala era passagem obrigatória e a solução que a avó arranjou foi colocar uma toalha sobre a cabeça, para passar pelo bebê esperto: não vendo a cabeleira loira da avó, a menina nem desconfiava... Jujú ficava muito triste quando as meninas iam para a escola, e na volta delas, queria toda as atenções. Isso nem sempre era possível, pois as meninas tinham suas tarefas para fazer em casa. Então Jujú embirrava, mexia nos materiais delas, rabiscava tudo. Certa vez ela chegou a apontar seu dedinho com o apontador, pode? Mas era bom vê-las crescendo fortes, espertas, carinhosas, não importando a trabalheira que fosse necessária. Mas Jujú não ia ficar sozinha por muito tempo - outro anjo estava a caminho para completar aquela família feliz e engraçada. Não era só na casa dos Martins que os bebês nasciam. Mais ou menos na mesma época nasceram Mônica, do Zeca e da Áurea, uma miniatura de sua irmã Sarah. É, definitivamente as meninas eram mais numerosas que os meninos naquela família, mas nunca se sabe... 164
Capítulo 59 Rafael Novamente as contas - havia um bebê a caminho - será que desta vez seria um menino - perguntou Yolanda. “Valdemar iria ficar muito contente” disse. Claudia concordou, pois já sabia em seu coração que seria mesmo o filho varão tão esperado. Os preparativos de sempre, pois Yolanda e Claudia já tinham grande prática com nisso. A espera deste bebê foi até tranquila, apesar da trabalheira com as meninas. Claudia estava bem saudável, apesar da ansiedade de ver a hora chegar. Mas finalmente, no dia 19 de novembro de 1979, final de primavera e com muita chuva, Claudia foi para a maternidade na noite anterior e ele nasceu! Era um belo menino, forte, saudável, moreno claro de cabelos escuros. Impossível descrever a emoção do pai. Foi com mãos trêmulas e o rosto banhado em lágrimas que ele acolheu em seu peito aquele que seria seu herdeiro, que prolongaria seu nome, e num futuro remoro, ampararia em seus braços fortes a mãe, quando infelizmente seu amado pai partisse. Rafael José foi o nome escolhido para o herdeiro - tinha nome de anjo e era tão calmo e belo quanto um. Já em casa, pai e mãe apresentaram o irmãozinho às meninas que ficaram encantadas. Jujú, atrevidinha, foi logo 165
dizendo - “- É meu!” - e seria mesmo - a menina queria a todo custo tomar conta do irmão, imagine, com aquele tamanho. A diferença de idade entre eles era pouco mais de um ano. Jujú, com aquele jeito de querer ser dona do nenê, achava que podia tomar atitudes, até substituir a mãe - cada vez que o menino chorava no berço, a irmãzinha atrevida o tirava do berço, segurando pela roupa, feito uma trouxa - que perigo! Para levar o menino até a mãe, que normalmente estava na cozinha, a garota atravessava o longo corredor e ia esbarrando o nenê pelas paredes. Quando finamente a mãe o tomava nos braços, sua cabecinha tinha algumas manchas vermelhas. Ainda bem que seu anjo da guarda era bem atento. Rafael dormia muito bem e a mãe, exausta, as vezes se pegava pensando que seus filhos pareciam obedecer alguma ordem, que só podia ser Divina: a 1º era calma, não dava trabalho, a segunda, uma espoleta, a terceira calma, a quarta, terrível e o último era muito calmo. É, alguém lá de cima devia gostar mesmo dessa mãe.. Era gostoso ver o Rafael crescendo, se desenvolvendo muito rápido. no dia antes do seu aniversário de um ano, ele saiu andando, surpreendendo a todos - lembrava muito a sua mãe, que fez o mesmo em seu aniversário. Ele brincava mais sozinho, pois gostava de jogar bola e com as irmãs teria que aceitar o fato de ter que brincar de boneca, o que ele detestava. Ele e Jujú ficaram muito próximos, devido à idade e também porque ficavam em casa, enquanto as outras iam à escola. Tudo corria bem, desde que a Jujú mandasse: ela tanto brincava de bola ou de bicicleta, como ia junto com ele para o chiqueirinho. Ela era muito cuidadosa com ele, desde que o menino obedecesse, senão ela batia nele mesmo. É certo que eles eram quase do mesmo tamanho, mas como a mãe não gostava de brigas, era melhor separá-los. Só que dali a poucos minutos, lá estavam eles juntos de novo. 166
Mas havia um campo onde os dois se entendiam bem,: era para fazerem artes - à medida que eles cresciam, as artes ficavam mais cabeludas. Certa vez, os dois puseram fogo no forro do sofá da sala - depois puseram o móvel na posição correta e se afastaram dali. Somente quando as labaredas cresceram e a sala ficou cheia de fumaça é que assustados, trataram de apagar o fogo. Claro que esta arte rendeu um castigo enorme, o que causou muito choro. Mas não havia choro que comovesse a mãe, ela quase nunca revogava o castigo. Aquele menino que havia sido um anjo, agora, junto com a irmã, se modificara. Era ativo, rápido, sempre pronto para novas aventuras, tais como pular na piscina de cima do muro, voar com a bicicleta pela rua, chamar um nado de amigos do bairro para nadar e ficar o resto do dia pela casa, sempre junto com sua fiel escudeira Jujú. Mais tarde foram juntos para a escola e enquanto a menina ia muito bem nos estudos, o garoto não gostava nem um pouco de estudar. Então a mãe e as irmãs mais velhas é que tomavam conta dele, na hora da lição de casa. Com medo de ficar de castigo, ele fazia suas lições. Só nos esportes é que ele se destacava. Futebol era sua paixão e ele era muito aplicado nos treinos e jogos. Essa dedicação lhe rendeu muitas medalhas, que ele oferecia orgulhoso aos pais. Essas alegrias disfarçavam um pouco a preguiça pelos estudos, afinal pai e mãe sempre perdoam, não é? Infelizmente Rafa e Jujú não usufruíram por muito tempo dos carinhos da avó amorosa.
167
Capítulo 60 Uma grande perda Yolanda, sempre tão prestativa, alegre, arrojada e amorosa, foi adoecendo, entristecendo, se apagando. Todos os esforços médicos e cuidados foram em vão. Todos perderam aquela batalha. Foi duro, sofrido, muito sofrido. Nunca mais seu riso fácil ecoando pela casa, nunca mais sua coragem, seu arrojo, as brincadeiras divertidas com os netos tão amados. Atônitos e sofridos, Valdemar, Claudia e também as crianças começaram a se organizar. As três meninas maiores já podiam ajudar com o cuidado dos menores e a ajuda de Helena foi muito preciosa, já que sua sobrinha predileta estava confusa, sem ação. Somente o amor, o carinho e os bons exemplos e lembranças que aquela avó tão amada deixou e a ajuda da tia amorosa que foram colocando a casa nos eixos. Aquela casa tão cheia de crianças precisava de um braço forte para dirigi-la e Claudia não estava em condições. Assim, nestas condições tão difíceis, ninguém percebeu que Helena estava se tornando cada vez mais fraquinha, além da tristeza natural. Infelizmente, por ela ser diabética e o choque terrível com a morte da irmã tão amada, agravou-lhe a doença. A saudade foi sufocando seu coraçãozinho até que, por um motivo banal, ela se foi. 168
Capítulo 61 Outros tempos Apesar da tristeza, a vida continuava. A cobrança de todos os dias, os compromissos e afazeres, obrigou aquela família, agora modificada a seguir em frente. Eles perceberam que, ao se unirem, a dor ficava um pouco mais aceitável. Ademais, o tempo cura todas as feridas, é o que dizem... As crianças já tinha seus desejos e compromissos - na idade das mais velhas, era natural que quisessem conhecer todas as novidades - cinema, teatro, alguma festinha de colegas na escola. Entre tantos compromissos, se destacava a festa do Senhor Bom Jesus do Brás, igreja que Claudia fora paroquiana. No dia do santo, a procissão que percorria as ruas do bairro, coisa que quase não se vê hoje em dia, as meninas se vestiam de anjo para participar da cerimônia - junto com suas primas Sarah e Luciana. Elas ficavam lindas com seus longos trajes e as asinhas branquinhas, tremulando ao vento. Essa tradição vinha desde a infância de Claudia, que também tinha sido anjinho do Bom Jesus. No presente, a mãe ficava orgulhosa e agradecida ao ver suas quatro meninas vestidas de anjo - era um retorno à sua própria infância, uma emoção boa.
169
Capítulo 62 Um grande Pai “Pai, você foi meu herói, meu amigo...” Valdemar, Valde, Vavá - tu nascestes com uma grande vocação para ser pai. Que tu mesmo desconhecias, ou, humildemente não revelaste a ninguém esta preciosa qualidade - Bem próprio de ti. Monsenhor Bonuomo, dileto amigo, o chamava de “bendito és tu entre as mulheres”, referindo-se a esposa e às quatro filhas. Apesar de trabalhar duro para sustentar tão grande família, sempre que era preciso ele estava pronto para ajudar, para acompanhar as filhas mais velhas aos passeios e festas próprias da idade. Quase sempre Claudia ficava em casa com os pequenos, o que não a incomodava porque desde sua infância ela era muito caseira. Então, o paizão sempre estava à disposição, nunca reclamava dos horários ou da pressa. Ele ajudava as meninas a comprar roupas e acessórios, levando-as às compras e abrindo a carteira. O mais inusitado era ver este santo pai calçando os sapatos de salto para alargá-los, a fim de que não ferisse os pés das meninas - ridículo e poético! E assim foi quando as meninas resolveram formar um conjunto musical. 170
Claudia estava feliz pelas meninas revelarem o gosto musical e precisou da ajuda de sua mãe, que ainda estava viva e de Valdemar, para juntos procurarem um professor de música. Acharam um jovem professor, Luiz Eugênio, capaz e paciente (muito paciente) com as meninas, novatas e empenhadas. Luiz tornou-se professor, amigo, mentor, carrasco, filho e agregado da família. Até hoje esse bom amigo participa de nossas vidas, às vezes de longe, às vezes de perto, mas o vínculo criado nos idos anos 80 ainda perpetua em nossas vidas. Obrigada, meu bom amigo. Quantas poucas e boas esse bom amigo não aguentou dessas meninas... O dó... Luiz também ajudou na escolha dos instrumentos, caixas de som, tudo o que era necessário para a formação do conjunto e também participou dele por vários anos. Com atenção e cuidado, logo o talento das meninas começavam a se revelar. Adriana na bateria, Patricia no baixo e Alessandra na guitarra. O vocal, ficava por conta da Adriana, que tinha uma linda voz e de Luiz Eugênio, que ora fazia vocal, ora no baixo, guitarra ou bateria. Aos poucos o conjunto foi ficando conhecido, o “Clave de Som”. Tocando aqui e ali, em um barzinho ou na escola, o negócio estava ficando sério. O pai, incansável, transportava tudo na velha Kombi e ainda ajudava a montar e desmontar toda aquela parafernália. Ele era todo orgulho, o maior incentivador de suas meninas. Mas com o tempo as coisas foram ficando difíceis e com a morte da avó, o ânimo de tocar se abrandou. Os estudos exigiam muito, os horários não batiam e o sonho foi acabando, não pela música, muito menos a amizade entre professor e alunas, amizade essa imensa e que dura até 171
hoje. O fim do primeiro sonho juvenil foi diluído pelas novidades que a vida foi revelando para cada uma das meninas. O pai carinhoso sempre apoiava a todas, participando, disponível e atendo. Naquela casa, naquela família, a mãe era a mente e o pai o coração - ela impunha regras, ele contemporizava, sempre com jeitinho - mas no fim, acabava dando certo. Ele tinha pequenos segredos com os filhos, todos eles, coisas que a mãe não deveria saber - Ás vezes deixava passar um pequeno atraso para chegar em casa, outras vezes acudia quem estourasse a régia mesada que ele dava a todos, afinal, nada que mais algum dinheirinho não resolvesse... Aniversários, férias, Natais, tantas datas que o pai fazia questão de tornar inesquecíveis, adivinhando quais presentes agradariam a quem. Esse amor exagerado, esse cuidado é que sedimentou a paixão tão grande que esses filhos dedicaram ao pai. E hoje, em suas preces, elas agradecem ao velho pai, que os envolveu em uma corrente de elos dourados, feitos de amor. A vida prosseguia e as crianças, como os pais insistiam de chamá-los, já eram jovenzinhos e pouco a pouco iam descobrindo a vida lá fora e assim o amor foi se apresentando a cada um. Vieram os primeiros namoricos, os suspiros, os segredos, quase sempre, eu disse quase - compartilhados com a mãe, pois o pai deixou para ela administrar este período difícil. Era complicado, pois eram cinco jovens sedentos de vida, de novidades, de amor. Porém, ora cedendo, ora cobrando horários e atitudes, a mãe dava conta de administrar esse conturbado período. Como dosar a quantidade de liberdade que cada um precisava? Como confiar? O mundo lá fora podia ser tão cruel... A mãe temia que seus filhos tão amados sofressem com as desilusões e frustrações que costumavam surgir no início da vida. 172
Por outro lado, ela achada que tantos anos de bons exemplos e conselhos deveriam servir para alguma coisa, o jeito era orar e confiar. Nunca um dia era igual ao outro: ora uma das meninas atrasava ao voltar de um passeio, pois nessa época, Patricia, a espevitada, já dirigia e o papai, é claro, cedia seu carro para ela, desde que desse carona às irmãs (nota da editora - muito injusto isso...). Como quase sempre elas iam para os mesmos lugares, ficava fácil e ao mesmo tempo o papai não precisava ficar à disposição delas: esperto, não? Aí é que Claudia ficava mais preocupada, administrando os horários, recitando um rosário de recomendações e torcendo para que tudo desse certo; muitas noites a mãe ficou com o rosto colado na janelinha da porta da sala, imaginando toda a sorte de tragédias enquanto rezava - aí, elas chegavam, e depois de alguma bronca, um abraço agradecido encerrava a noite. Não obstante o trabalho que as meninas ainda davam, havia os dois menores, Rafa e Juju. Esses sim é que sabiam dar trabalho. Havia os horários, os limites territoriais, que funcionavam assim: Quando eles tiveram permissão de ficar na rua brincando, tinham que obedecer às regras: A cada ano de vida, uma hora e mais um quarteirão aumentava, desde que eles dessem sinal de vida de tempos em tempos. Claro que nem sempre funcionava. Quando não era um que sumia, era o outro que desaparecia, esquecidos que ficavam com os papos e brincadeiras. Cada um tinha a sua própria turma, o que dificultava na hora de procurar o fujão ou a fujona. Porém, a cada incidente, se por acaso a mãe tivesse que ir à rua para procurar alguém, aí o castigo era bravo: alguns dias preso em casa, sem sair, era o maior temor daqueles dois. De nada resolvia virem os amigos tocar a campainha, deixar recado, pois até o direito de se comunicar era negado aos infratores. 173
Mas dentro de si, a mãe tinha orgulho ao ver seus “bebês” quase independentes, cheios de amigos - Juliana era simpática, extrovertida, gostava de conversar e se interessava bastante pela turma toda; se alguém tivesse algum problema, lá estava ela para ajudar. Rafa era aventureiro, impetuoso, sempre às voltas com bicicletas e skates. Mais tarde esse interesse se dividiria entre carros e garotas, e então, Claudia saberia realmente o que eram preocupações. A casa, agora cheia de jovens, era bastante alegre e ruidosa. Ás vezes, todos riam, às vezes, todos brigavam entre si, geralmente por um banho muito demorado, às vezes porque alguém “emprestava” uma roupa do outro, coisas bobas que se resolviam por si só. Tinham interesses diferentes os filhos de seu Valdemar. Adriana vivia enfurnada nas suas leituras e também em inúmeros cursos de esoterismo, que ela amava de paixão. Patricia era passeadeira, tinha muitos amigos e era totalmente ligada em seu rádio amador, o PX. Essa prática lhe trouxe muitas alegrias, muitos amigos e muitas broncas de sua furiosa mãe. Alessandra era a eterna fã, sempre perseguindo celebridades, correndo atrás de autógrafos para engrossar seus cadernos. Além disso, ela também gostava de barzinhos, principalmente no Bexiga, onde amava assistir shows de Blues. Juliana e sua bike eram inseparáveis - ela com o tempo formou um grupo de “bikers” que percorriam quilômetros, sem sair do bairro. Além disso tinha verdadeira mania por cabelos e unhas - queria tê-los impecáveis, então vivia às voltas com géis para o cabelo e centenas de vidros de esmalte. Gostava também de jogar cartas adivinhatórias, para sentir-se “a cartomante”. Rafael, como já disse, era louco por esportes, aliás há uma rua do Brás que deve guardar até hoje o sangue e as peles que ele perdeu em centenas de tombos nos asfaltos. Ele também tinha uma turma de amigos enorme, todos que 174
tinham crescidos juntos, eram como irmãos, unidos nos esportes e na arte de querer enganar as mães. Até um idioma secreto eles tinham, um código que invertia as palavras. Esse menino sim, deu trabalho, ainda mais quando vieram as garotas. Ele era um belo rapaz, de sorriso irresistível, conquistando dezenas de garotas, mas não prendendo a nenhuma. As brincadeiras, as pequenas brigas, a primeira vez ao mar, os piqueniques no parque do Piqueri, os vestidos de anjo, todos esses fatos contribuíram para cimentar a relação entre os cinco irmãos, tão diferentes e tão iguais na alma. Pai e mãe tem certeza de terem feito um excelente trabalho e quando chegar a hora desta mãe partir, ela irá em paz, com a certeza de missão cumprida. Amei meus bebês, minhas pequenas bailarinas, minhas adolescentes temperamentais, meu garoto, meu príncipe que tanto esperei. Mas acima de tudo, amo os amigos que eles se tornaram: corações e braços abertos, sempre pronto para acolher sua mãe.
Capítulo 63 O amor Cupido foi se apresentando aos poucos para aqueles jovens. A primeira a se casar foi Patricia e o fruto de sua união foi um menino. Anos depois, casou-se Alessandra que também teve um menino, Juliana em seguida, com a primeira neta de Claudia e por último Rafael, o solteiro convicto, que teve duas lindas meninas. Adriana não tinha pendores para a maternidade foi e é até hoje a eterna tia, a super madrinha, aquela que ama, cuida e é muito amada pelos sobrinhos. 175
Capítulo 64 Meus genros Rinaldo foi o único que conseguiu conquistar o coração de Adriana, a custa de muito esforço, pois a jovem não tinha a menor preocupação em se casar. Ele era um jovem rapaz sonhador, que não tinha medo de trabalho e planejava um futuro de sucesso. Eles namoraram por alguns anos e trabalhando juntos na confecção de uniformes, após se casarem, forma morar em Ferraz de Vasconcelos. À medida que os anos passaram, ele foi se revelando outro filho para Claudia e Valdemar, cuidadoso e preocupado. Claudia ama e confia nesse filho postiço, que está sempre por perto para agradá-la. Patricia casou-se novamente, quando André já tinha oito anos. Conheceu Eduardo, que morava em Bragança Paulista e logo começaram a namorar: o que mais marcou o início da relação deles foi o estranho número de coincidências que eles descobriram ao se conhecerem melhor. É que ambos tinham filhos do primeiro casamento, com a mesma idade, André e Felipe, ambos trabalhavam com estamparia, tinham os mesmos fornecedores de tecido no Brás, tocavam contrabaixo, gostavam das mesmas bandas e músicas. Também passaram a infância no Brás e Tatuapé, pois Patricia brincava no Parque do Piquerí e a avó de Eduardo, 176
onde ele passava as férias, morava em frente ao parque. Sabe-se lá quantas vezes eles não se encontraram nos morrinhos de areia e terra que tinha no parque? Parece que a vida tinha um plano para eles, mas caprichosa, fazia com que eles andassem em vias paralelas, sem se encontrarem, só quando assim a vida determinasse. Quando isso finalmente aconteceu, eles namoraram por pouco tempo e logo se casaram - acho que aquele casamento estava escrito nas estrelas... Ambos tiveram a necessidade de juntar suas vidas, filhos, preocupações e hoje eles possuem uma agência de publicidade, com os filhos já adultos e muito felizes, Graças a Deus. Tempos depois, Alessandra, já separada do pai de seu filho, conheceu Marcos e em poucos meses, perceberam que seus sentimentos eram verdadeiros e resolveram se casar. Marcos é um homenzarrão que parece tão forte, mas tem o coração de criança: é emotivo e bondoso. Pedro, o filho de Alessandra se relaciona muito bem com Marcos e o chama carinhosamente de Papai. Marcos e Alessandra acolheram Claudia em sua casa, na ocasião de sua doença: abriram as portas de sua casa e de seus corações, dedicando-se com amor durante o difícil período de sua recuperação. Até procedimentos médicos esse “filho” realizou em Claudia, tal amor que tem por ela. A cada progresso de Claudia, os novos primeiros passos, a primeira comida que ela fez após sua recuperação, foram motivos de orgulho para o casal. Quando Claudia andou pela primeira vez, foi nos braços de Marcos que se apoiou - aquele par de braços abertos, chios de amor. Esta é uma dívida que não se paga, somente com gratidão. O genro mais novo, mas não menos amado de Claudia é Jailson, marido de Juliana. Juliana anos depois de se separar, conheceu Jailson e começou a namorar. Jailson é um homem de sangue nordestino, que tem 177
garra e vontade de vencer, própria de sua honrada origem. Apesar de seu aspecto forte, traz enorme calma em seus olhos verdes. Ele é seguro e paciente com a esposa e com a enteada Giulia - leva com bom humor as explosões das duas mulheres de sua vida, tão intensas. Em um dos momentos mais difíceis da vida de Juliana, quando perdeu o pai, Jailson foi de uma solicitude admirável, amparando-a, tomando as providências necessárias, amoroso e compreensivo. Eles estavam de casamento marcado, quando a vida decidiu que não era a hora - pois com Juliana perdendo o pai, não tinha modo de realizar o casamento. Nesta hora, o amor de ambos, forte e poderoso, superou a adversidade, ainda mais com a doença de Claudia, que veio em seguida. Em um momento tão difícil, Jailson comandou a situação: pôs mãos a obra para terminar os últimos preparativos na casa que estava construindo e logo os três se mudaram, modificando a realidade tão sofrida de então. Esta tranquilidade atual, com os três tão felizes, enche o coração de Claudia de alegria, pois atualmente reside com eles e compartilha desta vida tão gostosa que todos tem. Claudia agradece a eles por terem a acolhido com tanto amor, de braços abertos para a receber. Que Deus os abençoe sempre.
178
Capítulo 65 Meus Netos, Meus Amores
André
Ser avó é ser mãe com açúcar
Foi o primeiro a chegar, filho de Patricia. Era um garoto moreninho, forte e rosado. Quando Claudia o tomou nos braços, foi invadida por uma forte emoção, pois teve a noção do que era descendência. Aquele bebê já pertencia à segunda geração de sua família: os mesmos braços que acolheram Patricia, sua mãe, agora balançava seu filho. Ela prometeu, sem palavras, que tomaria conta dele, que ajudaria sua mãe em sua criação e que jamais permitiria que eles se separassem. Como Patricia trabalhava e estudava, o bebê ficava muito tempo com a avó, que não se fazia de rogada. Era muito bom ver aquele bebê rechonchudo crescendo a olhos vistos – ele era esperto, saudável e bonzinho. Mais uma vez Claudia se enganou ao calcular que aquele bebê tão calmo não iria dar trabalho – será que ela não tinha aprendido nada com o Rafa? André foi crescendo e se revelando um menino muito arteiro, de uma energia inesgotável – ele cansava a família inteira de uma só vez! 179
Muitos dias o Avô o levava para passear na rua, para desligá-lo. Às vezes, era Adriana que o levava, pois tinha acostumado ele desde cedo ir ao cinema, ao teatro infantil – nessas horas, todos, muito agradecidos a Adriana, aproveitavam para descansar. Dentro de casa era fácil descobrir onde estava o André – bastava seguir o rastro da destruição: um perfume quebrado no quarto de uma tia, uma lição rabiscada sobre a mesa, a coleção de ioiôs do Rafael toda remexida – ele era um verdadeiro furacão. Houve um episódio inesquecível: Valdemar comprara uma enorme melancia na feira e, ao chegar em casa, abriu o portão, subiu as escadas com a melancia e a deixou na beira da escada para acabar de descarregar a feira. André, rápido como um raio, chutou a melancia lá do alto e ela foi se espatifar na cabeça do avô. Em tantos anos de casada, Claudia nunca vira seu marido tão furioso. Mas tarde, o menino todo arrependido, foi pedir desculpas ao avô, que já até havia esquecido a raiva. André, junto com sua avó, gostava de brincar com seus gatos, sempre com algum nome esquisito: Rabuda, Bifa, porque gostava de dar patadas, Sumô, porque era muito, muito gordo, e por aí vai... Depois veio a idade escolar, época em que ele deu muito trabalho, sempre dando um jeito de faltar à escola ou dar um escândalo para não ir. Anos depois, Patricia já separada e indo morar em Bragança Paulista com Eduardo, levou seu filho junto, é claro. Valdemar e Claudia ficaram muito tristes com a separação, mas as visitas aos finais de semana os enchia de alegria. Em 2009, André já moço, voltou a morar com os avós: ele queria trabalhar e no interior as chances eram poucas. Claro que os avós ficaram felicíssimos e o rapaz tornouse o grande companheiro de ambos – era alegre, extrovertido e foi o melhor companheiro de seu avô nos churrascos – claro 180
que ele aprendeu tudo com o avô, desde pequeno e da avó tornou-se o parceirão. Muitas vezes eles atravessavam a noite em longos papos, bebericando cerveja – ambos tinham o costume de dormir muito tarde e então aproveitavam aquele período para colocar o papo em dia e dar muitas risadas. Alguns anos depois a vida, imperiosa, mudou todas as situações e o jovem foi obrigado a ir morar sozinho – porém os bons conselhos e anos de bons exemplos tanto da mãe quanto dos avós ajudou André a assumir a nova etapa de sua vida, enchendo a todos de orgulho.
Giácomo Cristina e Vito, que era padrinho de Rafael, já estavam casados a alguns anos, mas não tinham filhos. Como eles se casaram muito jovens, resolveram esperar um pouco para firmarem carreira, adquirir sua casa, para depois pensarem em filhos. Sendo assim um belo dia, lá veio Cris com a novidade – Havia um bebê a caminho! Desta vez não havia a sua mãezinha para fazer as contas, portanto foi mesmo o médico que descobriu. Seu bebê seria apenas alguns meses mais novos que André; Que bom, eles cresceriam juntos! Claudia, emocionada, logo assumiu os preparativos para a chegada deste bebê. A sogra de Cristina, Dona Lurdes, também prestou preciosa ajuda e, com duas “mães postiças” tudo se resolveu a contento. A gravidez correu muito bem e quando o dia marcado chegou todos se dirigiram à maternidade. Claudia chegou junto com os pais e em seguida vieram todos os parentes de Vito – essa era mesmo uma grande comissão de frente! Giácomo nasceu pela manhã: era um menino forte, saudável de cabelos castanhos e grandes olhos cor de chocolate. Todos ficaram muito contentes, mas a mãe, Cristina, era 181
a mais entusiasmada. Após voltar para o quarto, não conseguia relaxar. Ao invés de repousar depois do longo parto, ela falava sem parar, elogiava seu bebê e a toda hora queria saber se ele estava bem, se alguém já tinha ido ao berçário ver o nenê. Por mais que se aconselhasse que ela deveria descansar para a primeira mamada, nada surtia efeito para acalmar aquela feliz e agitada mãe. Giácomo cresceu logo, era um garoto forte e logo já podia brincar com os primos e amigos. Na casa de Claudia, ele e André se tornaram inseparáveis, ambos muito arteiros, dando muito trabalho a todos. Foi um período muito agitado, pois os dois não davam folga – brincavam e brigavam com a mesma intensidade, restando para as mães separarem as brigas, nem sempre conseguindo desviar das certeiras caneladas que eles desferiam. Vieram os passeios ao parque do Piqueri, à praia e finalmente a escola, tudo para fazer aquele menino gastar um pouco de sua imensa energia. O interessante é que apesar de Giácomo ser uma criança tão traquina, era também muito sentimental – sua mãe dizia que quando ele chorava, fazia duas piscininhas, tamanha era a quantidade de lágrimas. Hoje, esse neto tão querido já é um homem e não perdeu as características da infância – é um jovem de espírito livre e sonhador, orgulho de seus pais.
Giulia Então chegou a vez de Juliana tornar-se mãe – foi um alvoroço, uma grande surpresa, deixando todos muito felizes. Desta vez não foi só Claudia que participou dos preparativos do enxoval, pois as três irmãs mais velhas estavam muito entusiasmadas com a novidade e todos, junto com Juliana e sua mãe, participavam das compras e providências para esperar o nenê, logo a caçula das irmãs, a “menina” ia ser mãe! 182
Aquilo virou uma festa! Pena que em tempos modernos não havia mais o costume de costurar o enxoval, mas sim de comprar as peças – então todas as mulheres da casa iam às compras, trazendo toda a sorte de roupinhas para o bebê. Claudia, cujos palpites nunca falhavam e também dona de uma forte intuição, já sabia que seria uma menina e dentro do possível tentava avisar as meninas que comprassem roupas de cores mais neutras, senão cor de rosa mesmo, sendo essa a cor preferida de Juliana. A caçula de Claudia foi uma gestante bonita, saudável e animada, pouco se queixando do inchaço dos pés ou da dor nas costas. Quando chegou o dia do nascimento, Valdemar e Claudia foram para a maternidade para acompanhar a filha e seu marido. Como o parto já estava marcado, na hora prevista Giulia veio ao mundo, para a felicidade de toda a família, principalmente de seus avós, que logo foram ao berçário para conhecer sua primeira neta. Ela era linda, forte, perfeitinha, com uma pele muito clara e parecia que teria cabelos castanhos, quando eles viessem, pois era muito carequinha. Tinha feições delicadas, suaves e é claro que seria uma linda menininha. Ao saírem do hospital, Juliana e Giulia ficaram alguns dias na casa de Claudia, até que a mãe se recuperasse da cirurgia. Claudia ficou muito feliz com a oportunidade de passar esses dias cuidando da filha e da netinha, porém, findo esse período elas foram para sua casa, que era um pouco distante, mas nada que visitas recíprocas não resolvessem para matar as saudades. Assim Giulia foi se desenvolvendo, feliz e saudável, cercada de amor. Era uma garota inteligente, cheia de energia, aprendia tudo facilmente – era a bonequinha da casa. Quando chegou a hora da menina ir para a escolinha, 183
todos ficaram apreensivos, temendo que ela estranhasse, mas aconteceu justamente ao contrário – logo ela se adaptou e adorava ir à escola. Foi uma garota simpática, cheia de amiguinhos e hoje ela é uma jovenzinha bonita e um pouco tímida, mas não perdeu a alegria da infância. Seu riso alto e fácil enche a casa de alegria e ela não economiza: ri sempre, por qualquer coisa. É muito parecida com sua mãe, tanto na fisionomia, na voz e no jeito de ser. Elas se completam. Jailson, atual marido de Juliana se diverte com as peripécias das duas. Um pouco difícil para ele se acostumar, eu acho, pois elas são muito intensas: riem, discutem e se amam com a mesma intensidade, mas como não amá-las?
Pedro Parece que naquela família as crianças sempre vinham aos pares: bastava que nascesse uma para a outra logo se anunciar e foi assim que aconteceu com Alessandra. Tão logo nasceu Giulia e eis que ela anuncia que estava grávida. Já acostumada a ser avó, desta vez Claudia sentou uma emoção diferente, como se o bebê que estava a caminho fosse seu – talvez por ela não ter tentado ter outro menino depois de Rafael. Porém o momento era de ação, havia muitas providências a serem tomadas, além de tranquilizar a jovem mãe, que era um pouco medrosa. Mamãe, vovó e tias, todas empenhadas no preparativo do enxoval. A avó, como sempre, já intuíra que seria um menino, tentando sugerir que azul seria a melhor cor para as compras. Até que um dia ela disse para a filha – É um menino e seu nome será Pedro! Alessandra, um pouco assustada, acreditou e somente acrescentou outro nome – ele seria Pedro Henrique. Esse garoto já ia nascer com o nome escolhido, o que 184
pouco acontecia na família. Parece que aquela gestação foi mais rápida e logo chegou o dia de ir para a maternidade. No dia 29 de outubro de 2003, nas primeiras horas da manhã, Pedrinho veio ao mundo: era um garotão forte, moreninho e com olhos muito vivos. Suas feições eram delicadas e ao mesmo tempo fortes. Logo ao nascer já se agitava todo, mãos e pés e chorava pouco, parecendo observar tudo com sua fisionomia atenta. Claudia tomou o menino nos braços e sentiu seu coraçãozinho forte contra o peito. Aí, uma grande onda de amor turvou seus olhos e ela prometeu ao garoto que para sempre cuidaria dele como se seu filho fora. E assim foi: Avó e neto viam-se quase todos os dias: quando não era a mãe que o trazia, eram Claudia e Valdemar que iam ver como o netinho estava, sempre levando algum presentinho e ficando surpresos ao ver como aquele garoto estava crescendo rápido. Desde muito cedo a personalidade daquele menino veio anunciando que ele seria muito inteligente, alegre, dócil e meigo. Seu espírito sereno, uma lhaneza de alma muito rara de surgir em uma criança. Peíque (era assim que a avó o apelidou) e Giulia, quase da mesma idade, se tornaram inseparáveis – brincavam muito juntos, desde que o menino a obedecesse, senão, ai Jesus, a menina ficava muito brava e batia nele (quem será que ela lembrava?) Essa pancadaria tornou-se antológica naquela família, a ponto de virar brincadeira. Parodiando um programa de TV da época, se alguém passasse por Peíque e dissesse a frase: Olha a Loura Má! - ele já entendia que era a Giúlia chegando e logo ia se esconder atrás de algum adulto. Estes episódios renderam boas gargalhadas entre os adultos, e no fim, até a menina achava graça. O tempo passou e hoje ele já é um adolescente bonito, moreno e forte e suas qualidades até aumentaram: ele é obediente, 185
bom aluno e muito objetivo. Alessandra está tranquila quanto à educação do menino, pois com certeza, ele não dará trabalho aos pais.
Beatriz Foi uma grande surpresa quando Rafael e sua companheira anunciaram a chegada do bebê. Claudia sempre desejara que Rafael tivesse filhos, mas já quase não tinha esperanças, quando foi informada que logo haveria mais uma criança pela sua casa. Foi gostoso acompanhar o crescimento daquela barriga tão de perto: as compras do enxovalzinho, os primeiros brinquedos, os móveis do bebê. A avó, secretamente sabia que seria uma menina, mas nada disse, preferindo observar o feliz desenrolar dos acontecimentos e quando chegou a hora, acompanhou o casal à maternidade. Como a malandrinha já havia feito um alarme falso, enganando a todos, da segunda vez ela resolveu nascer rápido. Tão logo chegaram ao hospital, a menina anunciou sua chegada ao mundo. Seu pai assistiu ao parto, coisa que sua avó queria muito, mas cedeu o lugar ao seu pai. Era o dia 3 de maio de 2003, lá pelo meio da tarde, quando Beatriz veio ao mundo. Logo que possível, a emocionada avó foi ao berçário para conhecer a neta. Era tão bonitinha, com pele muito clara, cabelos lisos e castanhos como seu pai e muito parecida com ele. Claudia teve a impressão de ter voltado ao tempo. À medida que a menina foi crescendo, acentuaram-se as semelhanças: tal como o pai ela era bem calminha, alegre e quase não dava trabalho. Era dorminhoca como o Rafa. Também era sensível e sonhadora, gostava de dançar e cantar, toda alegre e solta pela sala da vovó, encantando a todos. 186
As historinhas que a avó ou as tias contavam, eram recebidas com uma postura sonhadora, entrando na história, lembrando muito sua tia Adriana quando tinha sua idade. Tal como a avó, Bia amava os gatos e desde bem cedo, mostrou, a seu modo, essa predileção - tomava os bichanos em seus bracinho, mesmo contra a vontade deles, que reagiam dando muitos arranhões. Bia chorava um pouco, mas logo recomeçava a perseguição - um verdadeiro circulo vicioso. Bia também gostava de panelinhas, bonecas e casinhas, brincando por horas com suas “filhinhas”. Seus gostos alimentares eram exóticos, apreciando enlatados, conservas e comidas picantes.
Manuela Alguns anos depois, a cegonha novamente se apresentou naquela família, para a alegra de todos. Na doce expectativa, todos puseram mãos a obra para as compras e logo veio ao mundo mais uma menina, a Manuela. Seu pai, corajoso, assistiu novamente o parto, pois a outra apressadinha não quis esperar a vovó e o vovô chegarem. Era uma linda garotinha, muito clarinha, cabelos castanhos e olhos lindos, entre o verde e o cinza. Era forte, chorava alto e algo em sua fisionomia fez Claudia lembrar de suas filhas Patricia e Juliana - era o mesmo olhar, a mesma postura de quem não se contentava com pouco. E foi exatamente assim: a menininha gorducha e elétrica não levava desaforo para casa, era mandona, rápida e inteligente. Fazia a irmã mais velha de gato e sapato, porque sabia-se muito amada por ela. Manu se assemelhava à irmã nos gostos pela música, era graciosa e aprendia tudo o que Bia lhe ensinava. Ambas se davam muito bem, desde que Manu comandasse a brincadeira. Em relação a alimentos, tinha gostos parecidos com a irmã, para comidas apimentadas, mas sua paixão mesmo era palmito em conserva. Era capaz de comer toda uma lata de 187
palmito, sozinha, para o desespero da vovó. Mais tarde quando chegou a hora das meninas entrarem para a escolinha, lá foram as duas, juntas e felizes: Bia, toda maternal e protetora e Manu, sapeca, exigindo atenção. Estas duas deliciosas menininhas são até hoje as caçulas da família que muito as ama - digo até hoje, porque a cegonha gosta muito de surpreender os Avella e, nunca se sabe...
Capítulo 66 As filhas que a vida me trouxe Flávia Quando Alessandra já cursava a faculdade de direito, ela conheceu uma garota da mesma idade e que morava muito próximo de sua casa. Seria mais uma colega , como tantas outras, que se faziam companhia no trajeto para a faculdade todos os dias e às vezes estudavam juntas. Como Alessandra já trabalhava , somente às vezes é que Flavia - este era seu nome - aparecia em casa. Com o tempo elas se tornaram mais amigas e Alessandra elogiava muito a colega, exaltando-lhe as qualidades, dizendo que a jovem era muito humana, sempre preocupada com as pessoas. Se alguém, por exemplo sentisse um mal estar, Flávia logo acudia, cedendo seus remédios que sempre carregava na bolsa, para aliviar quem quer que fosse. Ora, Claudia desconfiada que era, alertou a filha para que não aceitasse nenhum remédio, pois não conhecia a origem do mesmo. Ela achava aquela mocinha meia maluca e começou a 188
antipatizar com a pobre garota. Quando Flávia chegava em sua casa para estudar ou conversar com as meninas, pois já se tornara amiga de todas, Claudia fechava a cara, mal respondendo aos simpáticos cumprimentos da jovem. Mas Alessandra insistia, querendo que sua mãe não fosse indelicada com a amiga, contando os fatos do dia a dia da faculdade, tentando interessar a mãe. Foi assim que Claudia ficou sabendo da doença de seu cãozinho. Ele era muito idoso e estava com uma doença cardíaca. Qualquer esforço que o bichinho fizesse já provocava uma crise, então Flávia o cercada de todos os cuidados, evitando que ele se emocionasse quando ela chegava em casa e até subindo as escadas com ele nos braços, para evitar-lhe o esforço - e olhe que ela morava no 3º andar de um prédio sem elevador. Ao saber deste fato, Claudia, que amava tanto os animais, começou a mudar o julgamento que fazia daquela moça começou a achar ela meia maluca, mas com bom coração. Claudia começou a enxergar o ser humano tão cheio de qualidades e essa menina se tornou uma grande amiga, mais uma filha, a ponto de fazer falta quando não aparecia para o cafezinho da tarde. Sua alegria, irreverência, riso fácil e manias, contrastava com seu outro lado sério, corajoso, para enfrentar os problemas que a vida lhe trouxesse. É, essa seria uma excelente advogada. Todas as noites, antes de ir para a faculdade, ela passava na casa de Claudia para apanhar Alessandra e esta era a hora do jantar de Claudia, que tinha o hábito de comer Miojo, coisa que adorava. Flávia, então, ficava com os olhos pidões fitando o prato, até que Claudia lhe oferecia um pouco, coisa que ela acabava aceitando. Com o tempo, tornou-se hábito dividir o prato com Flávia, que comia com prazer. Depois disso, ela pegava uma laranja para chupar, 189
partindo-a em pedacinhos com as mãos. Valdemar comprava na feira as laranjas para ele próprio e para Flávia e caso não comprasse naquela semana, a garota logo ia reclamando - Valde, cadê minhas laranjas? Assim não dá! Através dessa inocente intimidade ela foi se entrosando cada vez mais com a família, participando de seu dia a dia, sempre pronta para ajudar. Nas duas vezes que Claudia teve que se submeter a intervenções cirúrgicas, lá estava Flávia, pronta para ajudar as meninas no cuidado com a doente e a casa. Ela também estava sempre pronta para ralhar com Valdemar, que ficava nervoso com a situação e fazia muita bagunça pela casa, principalmente na cozinha - logo ele que cozinhava tão bem, mas com a esposa doente, se atrapalhava todo, a ponto de não saber fazer uma sopa - era uma desordem enorme na cozinha - panelas, pratos por todos os lados. Aí entrava em ação uma Flávia muito brava, que o expulsava da cozinha aos gritos, ajudada por Patrícia. Ele então obedecia e ficava só resmungando lá na sala - era só o que faltava! E assim foi quando nasceram os filhos de suas amigas, o André tão arteiro, que lhe deu muito trabalho, a Giulia que adorava brincar de bonecas co a Tua Flávia, o Pedro que amava quando Flávia lhe dava sopinha na boca, dias e noites, passeios e ócios, risos e lágrimas. Em toda as situações lá estava a boa amiga, irmã e filha, sempre solícita, fiel. Na ocasião em que Claudia perdeu seu companheiro, ela estava presente para proteger e consolar a todos dentro do possível, pois ela própria estava desconsolada, pois perdera um amigo que a amava como um pai. Flávia, minha amiga de tão bom coração, aquela que tem a fúria de uma leoa e a sabedoria de uma coruja, aquela que ofereceu seu próprio teto para abrigar aquela família desesperada pela perda do pai. E como se isso não bastasse, se doou novamente quando 190
Claudia esteve internada na UTI, apoiando e amando sua família. Não há neste mundo palavras para agradecer esta amizade pura, feita de risos e de lágrimas. Assim, tudo o que se pode dizer é: Deus te abençoe, minha filha.
Cristina A outra filha que a vida deu para Claudia foi Maria Cristina, a prima que ela ajudara a criar, como se sabe, devido às frágeis condições de saúde de sua mãe; a menina que Claudia viu crescer, ficar moça, conseguir seu primeiro emprego, casar se tornar mãe e fazer faculdade. Ambas sempre conviveram, nunca permitindo que a vida as separasse. Cristina era o oposto de Claudia - alegre, muito falante, otimista até quando chovia na praia. Claudia era caladona, discreta e pensativa, mas ambas se davam muito bem. Cristina sempre esteve presente quando todos os filhos de Claudia nasceram e seus netos também, participando e vibrando junto com todos. Tornou-se mais que amiga, uma irmã dos filhos de Claudia, sempre disposta a ouvir seus pequenos segredos, a acompanhar a barzinhos e festas para se divertirem juntos. Seu grande coração exigia que ela estivesse sempre por perto quando havia algum problema, para ajudar, sempre tentando melhorar o ambiente. Ela havia se tornado bastante mística, apreciava as práticas alternativas e sempre tinha alguma oração ou meditação diferente para ensinar Era engraçada e um pouco gulosa e sempre que tinha vontade de comer algo diferente, pedia para Claudia, que se apressava em atendê-la, o que gerava até um pouco de ciúmes entre as primas. 191
Claudia tinha bastante paciência com a avoada prima, por que a queria muito bem. O fato de ambas terem perdido suas mães as uniu mais, como se fossem mãe e filha mesmo. Um fato que exasperava Claudia era a mania da menina se atrasar para qualquer compromisso marcado. Bastava marcar um horário para o almoço, que ela chegava uma ou duas horas atrasadas. Se a prima ligasse para ela, para apressá-la, a desculpa era sempre a mesma - !Vou só tomar um banho e já já estou chegando.” - simples assim, sem nenhuma preocupação. Assim o jeito era esperar, mas Claudia sempre a recebia com um sorriso e um abraço - fazer o que? Ela chegava horas depois, brincando sorrindo para todos e tudo ficava bem - e até hoje ela é assim. Quando Giácomo tinha as famosas dores de ouvido que deixavam sua mãe tão aflita, Claudia emprestava a sua experiência e o seu colo, até que a situação se resolvesse. Era uma troca amorosa, pois Cristina sempre corria quando uma de suas primas adoecia. Quando Giácomo engolia bolinhas de massa de modelar, Claudia estava lá, assim como estava lá quando Patricia e Cristina deixavam os dois “anjinhos” para ela cuidar, quando iam fazer compras. Os filhos foram crescendo e a vida trazendo dores e dissabores para Claudia, mas Cristina sempre estava presente para amparar e consolar Claudia e os filhos. Quando seu marido partiu e mais tarde, durante a doença de Claudia, essa menina foi abnegada e incansável. Diante desta vida quase toda de amor e companheirismo, Claudia só pode desejar que Deus abençoe e recompense essa filha tão querida. Obrigada Cris!
192
Epílogo Queridos leitores: é com orgulho e muita honra que fiz questão de relatar quase um século desta família alegre, ruidosa e intensa. Com risos e lágrimas, algumas brigas e muita paixão, os Avella atravessaram décadas e décadas vivendo nesta terra, neste imenso Brasil que tão bem os acolheu, deixando sua marca em todos os que os conheceram. Feliz fui eu por ter nascido no seio desta “famiglia” tudo o que sou, tudo o que sei, os valores, amores, as brigas recheadas de palavras impublicáveis, os sabores, o som de um raro silêncio compartilhado, o verdadeiro “per che” do mundo, tudo isso eu aprendi com os Avella, sendo uma Avella. Este respeito, esta “passione” forma a cola que me impulsionou, ajudando-me a atravessar inúmeras dificuldades que a vida me reservou, sem perder a fé. Este relato será útil para os mais jovens, que não tiveram a oportunidade, a felicidade de conviver com os deliciosos “nonnos, nonnas, zias e mammas” que já se foram desta vida. Desta “figlia” agradecida Claudia Martins Fim Finito (ou quase) 193
Em tempo Este livro já estava encerrado: Epílogo pronto, promessas de não mexer mais, nem um parágrafo, projeto gráfico em andamento, a ansiedade de ver meu “bebê”, meu “filho” em minhas mãos. Pois não é que o destino nos trouxe uma novidade ainda maior? Lembra da cegonha? Então, André e sua esposa Elisângela, a Lika, emocionados, me confidenciaram em primeira mão, que estavam grávidos e, surpresa ainda maior, seriam gêmeos - um casal, Lorenzo e Maria Clara, meus primeiros bisnetos - Eu, Bisavó!!! Crianças: A vida espera vocês, com muito amor. Recebam as bênçãos de sua Bisa Claudia. Já amo muito vocês!
194
Ricette della nonna “Eco! Buono apetito!
Receitas guardadas de cabeça.
Os aromas, o gosto e a família reunida em torno das panelas da Nonna e da Nanna!
1 - Zuppa di Pesce Ingredientes
1 1/2 quilo de peixe sem pele e sem espinhos (dê preferência aos peixes que já não possuam espinhas naturalmente, como filé de pescada, atum, etc) 1 quilo de camarões médios, limpos e sem casca 500 gramas de polvo ou lula, já limpos 1 quilo de tomate 1/2 quilo de cebolas 4 dentes de alho 1 maço de salsa 3/4 de xícara de azeite 2 folhas de louro 1 punhado de manjerona fresca Sal e pimenta o quanto baste Cerca de 3 litros de água.
Modo de Preparo
Picar as cebolas, os tomates e o alho, refogando-os em 1/4 de xícara de azeite. Em seguida acrescentar o peixe, cortados em pedaços miúdos. Deixe fritar um pouco para tomar gosto. Em seguida acrescente o restante dos ingredientes, prove o sal e a pimenta e acrescente a água. Deixe ferver em fogo alto até levantar fervura, passando em 195
seguida para fogo médio. Ferva por cerca de meia hora e coloque os frutos do mar (polvo ou lula) que deverão cozinhar por mais ou menos 25 minutos. Após esse tempo, acrescente os camarões e ferva por mais 5 minutos. Desligar o fogo e servir a seguir. Sugestões de acompanhamento: Fatias grossas de pão italiano, com a Zuppa por cima e regados de azeite e pimenta; Arroz; Qualquer tipo de massa curta, já cozida Buono Apetito!
2 - Fiori di Zucchini Friti (Flor de Abobrinha frita) Ingredientes: 1 punhado de flores de abobrinhas frescas 300 gr. de farinha de trigo 4 ovos frescos, batidos Sal e pimenta o quanto baste
Modo de Preparo
Lavar com cuidado as flores de abobrinha, por que são muito delicadas. Com elas ainda úmidas, empanar uma a uma na farinha de trigo e reservar. Bater os ovos com sal e pimenta Aquecer óleo de milho ou soja até a temperatura média. Passar as abobrinhas empanadas na mistura de ovo e fritar até dourar levemente. Escorrer em peneira e servir a seguir.
3 - Cherivelli - Miolo bovino Ingredientes: 196
1 Miolo bovino, lavado cuidadosamente, até remover todo vestígio de sangue ou coágulos, cortado em pedaços médios. 4 dentes de alho Salsa fresca Azeite extra virgem para refogar Sal e pimenta o quanto baste.
Modo de Preparo
Refogar o tomate, a cebola e o alho. Quando estiver dourado os legumes, acrescentar delicadamente o miolo cortado, mexendo de vez em quando. Tampar parcialmente a panela e deixar cozinhar em fogo brando, até ficar cozido mas firme ainda. Servir com arroz fresco e salada verde.
4 - Miolo Empanado e Frito Ingredientes:
1 Miolo bovino, lavado cuidadosamente, até remover todo vestígio de sangue ou coágulos, cortado tiras. 500 gr. de farinha de trigo 4 ovos frescos, batidos Sal, cheiro verde picado e pimenta o quanto baste.
Modo de Preparo
Temperar o miolo com um pouco de sal e pimenta. Empanar na farinha, passar nos ovos batidos e temperados Fritar em óleo a temperatura média, até dourar
5 - Penne com Favas Ingredientes:
1 quilo de favas frescas 1 pacote de massa curta (Penne, ghocchi, Rigatoni ou outra de sua preferência) 200 gr. de bacon e cubos 4 tomates picados 2 cebolas 197
4 dentes de alho amassados 1/2 maço de salsa picada 300 gramas de parmesão ralado fresco Sal e pimenta o quanto baste
Modo de Preparo
Lavar as favas e deixar de molho em água salgada por 6 horas. Escorrer bem a água e reservar Em uma panela de pressão, fritar o bacon em cubinhos até dourar. Em seguida, refogar os legumes, acrescentar as favas e refogar por mais alguns minutos. Cubra com água e mais um pouco, tempere com sal e pimenta e deixe cozinhar, após abrir pressão por mais 45 minutos. Deixe sair a pressão, verifique o sal, a pimenta, se a fava está no ponto (não pode estar nem dura, nem desmanchando) e se necessário deixe ferver em aberto, para engrossar o caldo. Cozinhar a massa à parte, al dente, em água salgada. Coloque em uma travessar e cobra com as favas e o caldo. Salpique a salda e parmesão ralado fresco e sirva a seguir.
6 - Carne em cubos com Cebolas douradas (Ragu para pasta longa) Ingredientes: 2 quilos de carne de segunda (braço, acém, peito, músculo, etc) 3 quilos de cebola cortada em rodelas grossas 4 dentes de alho 1 folha de louro 300 gramas de parmesão ralado fresco Sal e pimenta o quanto baste
Modo de Preparo
Limpe a carne, retirando o excesso de gordura e pele e corte-a em cubos de cerca de 3 cm. Tempere com alho socado, sal e pimenta. Reserve a carne na geladeira de um dia para o outro. No dia seguinte, frite a carne no azeite, na panela de pressão, aos poucos, para que a carne fique bem douradinha e sem aguar. 198
Volte toda a carne para a panela, cubra com a água necessária e cozinhe por cerca de uma hora. Deixe sair a pressão, abra a panela e verifique se a carne já está bem macia. Caso esteja pronta, retire e coloque em um recipiente a parte. No caldo que sobrou na panela, coloque toda a cebola cortada em rodelas, frite por cerca de 10 minutos, até dourar bem e volte com a carne para a panela. A cebola e o caldo devem estar dourado escuro, sem queimar. Cozinhe a massa longa (talharini, fusili, Bucatini, fetuccini) al dente e escorra. Coloque a massa em uma travessa, cubra com a carne acebolada e o caldo. Polvilhe parmesão ralado fresco a gosto e sirva a seguir.
7 - Brodo (sopa) de Músculo bovino e ossos Ingredientes:
2 quilos de músculo bovino 2 joelhos de boi 2 cenouras 1 abobrinha brasileira 4 batatas inglesas 4 tomates picados 2 cebolas 4 dentes de alho amassados 1/2 maço de salsa picada 1/2 maço de cebolinha picada 300 gramas de massa curta para sopa (gravatinha, capeleti, etc) Sal e pimenta o quanto baste
Modo de preparo
Limpar a carne, retirando a gordura visível e a pele. Cortar em pedaços iguais e colocar em uma panela de pressão com 4 litros. Colocar sal e pimenta e deixar ferver em fogo alto. Reduzir o fogo e cozinhar por uma hora, verificando se a carne já está macia. Se necessário, acrescente mais água quente e cozinhe 199
mais um pouco. Picar os legumes em pedaços iguais, e colocar na panela de pressão. Deixar cozinhar em panela aberta até estar tudo macio, mas sem desmanchar. Coe o caldo e reserve os legumes e a carne. Cozinhe a massa. Quando estiver al dente, coloque em uma sopeira e cubra com o Brodo. Polvilhe a salsinha e cebolinha bem, picadas e uma “chuva” de parmesão ralado. Sirva a seguir, acompanhado de um bom pão italiano. Ah, os legumes cozidos e a carne, darão uma deliciosa salada no dia seguinte, se temperados com cebola e alho bem picadinhos, azeite e limão. Buona Apetite!
8 - Ensalatta di Zucchini Friti ao Aglio i Oglio Salada de abrobrinha frita ao alho e óleo Ingredientes: 3 quilos de abobrinha italiana bem fresquinhas 1 cabeça de alho Sal e pimenta o quanto baste 2 limões 1 maço de salsa picada óleo para fritar
Modo de preparo
Lavar as abobrinhas e fatiá-la bem fininha, colocando por uma hora ná água com sal Escorrer bem, para não espirrar na fritura Aquecer o óleo em uma panela funda e fritar as abobrinhas aos poucos, para deixar bem dourada, mas sem queimar. Quando douradas, escorra o excesso em papel absorvente ou em uma peneira Ao final, colocar em uma tigela e temperar com o alho picado e demais ingredientes. Gelar por 6 horas e servir com pão italiano. 200
9 - Crema Inglesa - Creme Inglês Ingredientes: 1 1/2 litro de leite crú 6 colheres de sopa de açúcar 1 pau de canela 2 cravos da índia 4 gemas 10 gotas de baunilha 1/2 cálice de vinho do porto
Modo de preparo
Despeje o leite em uma panela e acrescente o açúcar, as especiarias, e a baunilha. Bata as gemas à parte, antes de colocá-las na mistura do leite. Acrescente o vinho do porto. Em fogo médio, mexendo cuidadosamente para não formar grumos, espere engrossar. Ferva mexendo sempre, por mais 10 minutos, colocar em taças e polvilhar com uma mistura de açúcar e canela. Este doce pode ser servido quente ou frio.
10 - Zuppa di Cane - Papinha do cachorrinho Ingredientes:
2 litros de leite crú8 colheres de sopa de açúcar 1 colher de café de canela em pó 8 fatias de pão amanhecido, sem casca, picado em cubos 10 colheres de chocolate em pó 1 cálice pequeno de licor de aniz (Sambuca)
Modo de preparo
Despeje o leite em uma panela, coloque todos os ingredientes, menos o pão e deixe ferver. Quando ferver, acrescente o pão em cubos, abaixe o fogo e deixe por 10 minutos até o pão amaciar. Sirva imediatamente.
201
202
Nonna Brígida
Nonno Alfredo
Zia Nanná
Claudina
Mário
Helena
Yolanda
Salvador Sérgio Saul
Ana Maria
José Alfredo Saul e Claudia Santos
Maria Cecília
Claudia
José Alfredo Saul
Cristina
Zia Nanná e Lila
203
Nonna e NannĂĄ, Ana, Tia Helena Maria, Claudia e Alfredo
Zeca, Lila, Claudia, Ana, Maria e Alfredo
Ode e e CĂŠlia Maria
204
Claudia, Ana e Serginho
Lila
SĂŠrgio
Maria
Maria
Zeca
Ana Maria
Claudia
Yolanda e Claudia
205
Alfredo
Joテ」o Batista e Geninho
206
テ「rea e Zeca
Ana e Adriana
Franco e Maria
Valdemar, Nonna e Claudia
Tia Helena
Tio José, Cristina e Alfredo
Cristina, Adriana e Lila
Comendador Ouvídio
Ao fundo, Ana, Dina, Helena, Lila, Perez. À frente: Cristina, Myrian, Yasmin e Maria Ode e
Tio Mário
Yolanda, pequena e sua madrinha D Nena
207
Mário e Conceição
Dina e Claudia
Helena e Adriana
208
Yolanda e Claudia
Lila e Valdemar
Claudia, Adri e Valdemar
Yolanda e Adriana
Claudia e Valdemar
209
Rafael, Juliana, Alessandra, Adriana, Claudia e Patricia
Pedro, Giulia e Beatriz
Giácomo e André 210
Manuela
Flávia
Cristina
211
Este livro foi composto na tipologia Palatino Linotype, em corpo 12/14 e impresso em Papel P贸len soft 80 g/1x1(p&b) e capa colorida
212