Núcleo de Pesquisa Pipol
Projetos Integrados de Pesquisa On-line
Patrícia Pimenta
Orientador - Prof. Dr. Dorival Campos Rossi
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação
Universidade Estadual Paulista - UNESP
Design 2012
Agradecimentos Esse projeto faz parte de uma importante fase da minha vida. Essa vida que, hoje, carrega parte de muitas outras, de pessoas que cruzaram o meu caminho e contribuíram para o que sou hoje. A vocês, meu sincero obrigada: Meus pais e avó Lourdes, que dedicaram suas vidas à minha educação e foram os responsáveis pelas escolhas que me trouxeram até aqui. Meus grandes amigos, companheiros de curso, com quem tive o prazer de dividir tantas experiências, incertezas e cervejas. Diogo, Lucão, Uva e Coutinho, vocês fizeram TODA a diferença nesses últimos 5 anos. Prof. Dorival, meu orientador, por abrir a porta de um mundo sensível, cheio de possibilidades, no qual eu me encontrei. Minha querida Pagu, que, mesmo entrando nessa vida há poucos meses, me trouxe tantas alegrias! Biju, Vivi, Marília e Flan, obrigada pelo apoio e por dividirem um pouquinho das suas vidas comigo. Pessoas especiais, que me inspiram e me impulsionam: minha prima Cris, meus amigos-irmãos Dani e Caio, Fernanda Moraes, Mara De Santi, Victor Sanches, Ciro Bertolucci e Cássia Villa. Meu irmão Fernando, pelo companheirismo e colaboração neste projeto. Mayara, pela doçura (que eu sinto tanta falta) e pela revisão desse relatório. Por fim, não menos queridos, mas, sim, essenciais: Nath, Má, Larissa, Thaís, Aline, Wanessa, Burns, Alexandre e Lili.
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“Que a gente seja tão descomprometido quanto possível; que a gente se aproxime das coisas como se o mundo tivesse acabado de ser criado; que a gente não reflita determinada coisa até a destruição e sim que a gente conserve, livre, permitindo seu desdobramento. Que a gente seja simples, mas não pobre (“a simplicidade é uma grande palavra”), que a gente prefira ser primitivo a ser vaidoso, complicado e inchado; que a gente não seja sentimental, mas que a gente em vez de sê-lo, tenha espírito. Com isto está dito tudo como não está dito nada! Mais: que a gente parta do elementar. E o que quer dizer isto? Que a gente parta do plano, da linha, da superfície simples, e que a gente parta da simples composição de superfícies: a partir do corpo. Que a gente parta das cores simples como são: branco, cinza, vermelho, azul, amarelo e preto. Que a gente parta do material, descubra as diferenças de tecido dos materiais como vidro, metal, madeira, e assim por diante, assimilando-o interiormente. Que a gente parta do espaço, da sua lei e do seu segredo, deixando-se “enfeitiçar” por ele. Com isto, novamente, está dito muito e não é dito nada, até o momento em que estes conceitos tenham sido sentidos e preenchidos. Que a gente parta da situação do corpo, do ser, do estar em pé, do caminhar e somente no fim do saltar e do dançar. Porque o dar um passo representa um importante acontecimento: e nada menos do que isto, levantar uma mão, mexer um dedo. Que a gente tenha tanto respeito quanto consideração diante de cada ação do corpo humano, de vez que no palco se manifesta este mundo especial da vida, do aparecer, esta segunda realidade, na qual tudo está circundado pelo brilho do mágico.” (Oskar Schlemmer, diário, maio de 1929)
INTRODUÇÃO O desejo de mexer com as pessoas, de criar movimentos, foram intenções que me tocaram e fizeram que eu trilhasse um caminho em busca de um design de relações. Inspirada por esta nova maneira de pensar design, me redescobri durante os últimos anos de graduação e vi como objetivo de trabalho também possibilitar descobertas. Ainda, sob influência de filosofias orientais, como o yôga, comecei a questionar a qualidade das experiências que vivemos, o que fez com que eu olhasse para um possível sentido inverso de conceituação, pensando na informação construída de “dentro para fora”. Foi aí que o corpo entrou em cena. Percebi que o primeiro e mais natural instrumento do homem, onde se manifestam aspectos existenciais, culturais e sociais, complexo em sua totalidade física e biológica, oferecia as ferramentas que eu buscava para estimular um (re)conhecimento. E, além desse potencial, eu ainda contava com uma íntima relação com o assunto, já que corpo e expressão estão presentes na minha vida através da dança. 9
Sempre refleti sobre os conceitos de aprendizagem e unindo isto à questão dos fluxos internos/externos, me perguntei várias vezes como se daria a construção de conhecimento a partir do corpo. E, com a noção de corporeidade de Merleau-Ponty (19081961), através da qual foi difundida a ideia de corpo como estrutura física e vivida ao mesmo tempo, quebrando o dualismo mente x corpo herdado por Descartes (596 – 1650), pude entendê-lo como parte fundamental na concepção dos processos cognitivos. Mas, além disso, há por trás desse projeto um desejo de envolver pessoas, abrir caminhos para o desconhecido, proporcionar sensações, criar intensidades. É a busca por um corpo sensível, um processo que começa através de estímulos sensórios, explorando os sistemas háptico (tato), auditivo e a visual, e se estende, criando movimentos em si-mesmo. Neste sentido, segundo estudos de Gerald Edelman, o “si-mesmo” não diz respeito apenas ao interior de um corpo, mas às conexões do interior com o exterior. “Tenho consciência do mundo por meio de meu corpo. É por meu corpo que compreendo o outro, assim, como é por meu corpo que percebo as coisas. O sentipensar do corpo nessa impregnância com o universo manifesta algo além da percepção biofísica, que ainda temos muito o que estudar para entendermos esse fluir que transcende a materialidade corpórea das emoções e sentimentos. São ondas que nos envolvem, nos afetam, as quais não é possível ver, mas senti-las, como constituidoras de campos energéticos que autoregulam e auto-organizam a vida.” Merleau-Ponty (1994, p. 314)
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Para mediar essas relações, proponho uma interface vestí-
vel com a intenção de servir como uma extensão da pele, que guia a percepção através do som e da luz em um processo do conhecer, do tocar. Onde a conceituação se dá através da expressão, do corpo que fala e do corpo que cria, e compõe com essa ferramenta interativa uma outra maneira de sentir.
“A única realidade da vida é a sensação. A única realidade em arte é a consciência da sensação.” Fernando Pessoa
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UM PASSEIO PELO CORPO
Mesmo sem total consciência, foi a partir do corpo em movimento, em formato de dança, que percebi a sua capacidade de comunicar e levar mensagens. As informações não verbais que ali habitavam tinham o poder de criar significados, além das sensações. Depois de estudar dança por muitos anos, posso dizer que falar com o corpo é um processo de descoberta e aprendizado, é olhar e sentir o suporte que habitamos por uma outra ótica e, desta maneira, recriar a relação homem-corpo-ambiente. Sabemos que o corpo, como base estrutural humana, determina nosso modo de vida e nossa relação com o ambiente. O desenvolvimento do homem sempre esteve atrelado à sua evolução física. Suas características peculiares, como a postura e bipedalismo, são o que o torna único e diferente dos outros animais. Como é impossível separarmos o corpo do seu meio, este homem é ainda reflexo da sua própria cultura. A formatação dessa sociedade que conhecemos submeteu esse homem a diversas influências políticas, ideológicas e religiosas, que ditaram o seu comportamento e o seu desenvolvimento ao decorrer da história. Acho importante lembrar dessa carga histórica que carregamos, pois isto afeta diretamente a maneira como agimos hoje. Foucault, em seu livro Vigiar e Punir, defende que os séculos XVII a XIX não foram marcados apenas pela organização da sociedade 13
em exércitos, prisões, escolas, hospitais e fábricas, mas também pela conversão do homem à máquina. É a intenção de tornar o indivíduo útil, dócil e disciplinado através do trabalho, e isto atinge diretamente seu corpo, que passa a ter gestos, hábitos e atitudes controladas. Esse condicionamento de ações e atitudes aprisionou o corpo. Ainda sob influência religiosa, os instintos sexuais foram reprimidos e, assim, fomos privados de explorar e conhecer profundamente muitas de nossas capacidades corpóreas. Neste ponto é interessante observar o avanço que se deu nos estudos do corpo a partir do começo do século passado. Com o rompimento do dualismo herdado por Descartes (1596-1650), muitas áreas do conhecimento voltaram a se expandir de maneira significativa e o pensamento sistêmico que se instaurou trouxe ao corpo a ideia de organismo, múltiplo e processual. A fenomenologia de Merleau-Ponty (1908-1961) traz a noção de corpo como conjunto inseparável, é estrutura física e vivida ao mesmo tempo. Antonin Artaud (1896-1948) surge com a metáfora do corpo sem órgãos, fluído e orgânico. Esses e outros conceitos extrapolam os limites do corpo. Com esta nova maneira de pensar surgem diversos estudos transdisciplinares que deram a esse corpo uma nova visibilidade, muito além daquela racional biológica que conhecíamos. No Brasil, através da a figura de Klauss Vianna, (19281992), inicia-se um trabalho no campo da artes que busca romper 14
como esse aprisionamento. Bailarino, professor, e preparador corporal, Klauss dedicou-se a criar um método que pudesse promover o reconhecimento corporal, voltado para a corporeidade expressiva, que tinha como fundamento respeitar o corpo e sua anatomia, incentivando bailarinos e atores a descobrir a autonomia dos seus próprios movimentos.
Klauss Vianna e alunos, Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia (1963)
Seu método buscava a organicidade, o fluxo natural dos membros e, neste sentido, Klauss desenvolveu o conceito de “expressão corporal”, defendido em um manuscrito entitulado “Corpo” (sem data) através do qual é possível perceber sua visão sensível sobre este suporte, entendendo-o como um organismo que pensa, reage, e que quando desenvolvido, consegue ampliar nossa percepção de mundo. “O processo de expressão corporal na mesma medida em que vai se verbalizando - tornando as palavras cada vez mais sem sentido, vai ampliando a percepção visual, táctil e motora.” 15
“O indivíduo vai aprender a existir em um mundo cada vez mais amplo, mais rico e mais complexo. Basta isto para alterar consideravelmente o sentido das palavras.” Klauss Vianna, Corpo (sem data)
Assim como já defendido por Focault, Klauss também relaciona a educação e os costumes sociais ao condicionamento dos nossos membros e sentidos. A forma como lidamos com nosso meio é determinante para a nossa percepção e aprendizado. Quando crianças, desenvolvemos essa percepção de forma lúdica, experimental e processual: enxergando, ouvindo, sorrindo, provocando, tocando e sentindo, sem preferências. Ao longo da vida nos tornamos escravos da visão e do verbo, dificilmente tocamos, cheiramos ou experimentamos como fazíamos na infância e, desta forma, percebemos o mundo de maneira mais racional, menos intuitiva. “Nós ensinamos as crianças que guardem suas mãos para elas mesmas e que elas mesmas não usem estas mãos para explorar seu próprio corpo. Devem conservar a mão longe de outra pessoa, no mínimo um braço esticado de distância um do outro. “ “Não é de admirar que sejamos tensos, ansiosos, alienados; fora do contato integral com todo o corpo, seremos sempre desintegrados, desorganizados. O que precisamos é reintegrar, reorganizar. O despertar do sensorial aliado à pesquisa corporal seria por tese a definição de expressão corporal. Um método que pode ajudá-lo a trazê-lo de volta para todos os seus sentidos.” Klauss Vianna, Corpo (sem data) 16
O método de Klauss é baseado na exploração dos músculos recriando suas relações com a gravidade. Articulados em ângulos e situações ainda não pensadas, o corpo passava a criar novas relações consigo mesmo, ampliando suas possibilidades de movimento, e rompendo com os padrões incorporados ao decorrer da vida. É desta forma, com um corpo inserido em um contexto diferenciado, que se dão outras maneiras de sentir, expressarse (e também conceituar). É o que ocorre no trabalho de Oskar Schlemmer com o Ballet Triádico da Bauhaus, na qual a estética construtuvista é explorada ao máximo, rompendo com os padrões tradicionais de dança, com uma coreografia que é estritamente ligada às relações do espaço, seja de palco ou figurino. Essa relação possibilita uma desmaterialização do corpo, e os bailarinos passam a mover-se suavemente, quase flutuando como marionetes. Posso dizer assim que é através de estímulos e da relação com o espaço que se dão os escapes para o nosso aprisionamento corporal. Gerald Edelman (1972) ainda defende que conceituamos a partir das nossas experiências vividas, e sendo assim, explorar o nosso potencial corpóreo possibilita alterar estados de consciência, com os quais passamos a conhecer mais de nós mesmos e ampliamos nossa capacidade de perceber o universo que nos rodeia. É em busca desses estímulos sensíveis que este projeto caminha, a fim de proporcionar um ambiente de experimentação imersiva, um momento para nos atentarmos ao poder no nosso corpo. 17
VIVER É MOVIMENTO
O homem como “ser desejante”, vive um eterno ciclo de busca, sempre se movimentando em direção a algo. É a busca pela satisfação, pela felicidade, que é um processo eterno de renovação, a dobra na vida. Não existe ponto final, nunca estaremos completos, e isto é uma coisa boa, pois é nesse movimento que nos sentimos vivos, é essa busca que completa a nossa existência. Eu, em meio a uma dessas buscas, me vi refletindo sobre as imposições que sofremos do nosso mundo capitalista. Não quero entrar nesses termos, entendo muitos prós e contras, mas neste caso, eu sofria um incomodo com tantos produtos dirigidos a preencher nosso “vazio”, que tentam suprir nossos desejos com um ponto final. Questionando a eficácia desses produtos e tentando entender melhor esse nosso “vazio”, me vi levada à águas mais profundas, como o yôga e a meditação. Sinceramente não sou uma extrema conhecedora do assunto, mas filosofias orientais há séculos falam sobre auto-realização, autoconhecimento e a busca pela unidade do ser. Visualizei através dessas filosofias um caminho para a integridade, que poderia nos fortalecer como seres humanos, cientes de nossas necessidades e desejos. Esta plenitude nos ajudaria a filtrar as diversas influências que sofremos diariamente no mundo em que vivemos. 19
Foi assim que me interessei pela Kryia Yôga, que explora o processo respiratório a fim da elevação do ser. Mas o yôga, que busca essa expansão da consciência, possui diversas outras vertentes. Fora da Índia, a Hatha Yôga e suas asanas (posturas) se tornou a mais popular delas, e defende o fortalecimento físico do corpo como base para suportar a força e o peso da elevação espiritual. Atividades físicas sempre estiveram também ligadas à nossa saúde física e mental, e isso acontece porque, no ato de nos movimentar, diversos processos ocorrem no nosso organismo, inclusive os cognitivos, onde se dá origem a conceituação. Estudos como os de Mark Johnson (1987) embasam essas ideias. Ele trouxe um novo sentido para a cognição, defendendo que sua origem estava na motricidade. Os biólogos Fransciso Varela e Mark Anspach (1994), também reforçam que o sistema motor tem natureza cognitiva e, mesmo outros, como o sistema imunológico. Assim, comprovam que nossos conceitos não são apenas matéria do intelecto, eles fazem parte das nossas funções cotidianas e também são parte do processo de percepção. Desta forma, podemos dizer que estamos em constante processo de aprendizado, e que o movimento dá sentido à vida, já que nos sentimos vivos enquanto 20
Asanas da Hatha Yôga Foto: Fernanda Vasconcelos (2010)
aprendemos. Ao estimularmos o desenvolvimento corpóreo, conseguimos então potencializar estas capacidades; é o que acontece no ato de dançar ou ao praticarmos yôga, por exemplo. Essa relação aprendizado e movimento nos remete a trocas internas-externas que se dão dentro do nosso organismo. Isto também ocorre entre o nosso corpo e o meio onde estamos inseridos e adaptados. Essas trocas são singulares em cada ser, e é por isso que percebemos o mundo de maneira particular. Este, inclusive, é o conceito de Umwelt, defendido por Jakob von Uexkull (1864-1944). Já os sentidos, como porta de entrada de sensações e fundamentais nesse processo perceptivo, se apresentam como uma forma diferenciada de internalizar as informações que vêm de fora. Com eles, além de estarmos inseridos em um meio, fazemos também contato com ele.
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SENSAÇÕES COMPLEXAS
O pensamento holístico instaurado no começo do século passado mudou radicalmente a forma como concebemos o mundo. Como eu já disse anteriormente, isto influenciou diversos pensadores e seus estudos, e muitas relações puderam ser reavaliadas a partir desta visão. Uma delas diz respeito aos nossos sentidos. Em 1966, James Gibson publicou em sua Teoria Ecólogica da Percepção a reclassificação dos sentidos como sistemas perceptivos complexos. Nela, Gisbon defende que nosso sistema sensório é inter-relacionado e não apenas receptor passivo que responde a estímulos. Nossos sentidos se sobrepõem e captam informações de forma simultânea. A classificação dos sentidos como conhecemos passa a ser vista como incompleta, já que outros tipos de experiência perceptiva foram encontrados. A classificação de Gibson não se baseia mais na anatomia do corpo, mas na ação propositada, sendo organizada da seguinte forma: sistema postural, sistema investigativo, sistema de locomoção, sistema de apetite, sistema performativo, sistema expressivo e sistema semântico. Esses, além de estarem ligados aos olhos, ouvidos, pele, nariz e boca (que Gibson classifica como exteroceptores), também dizem respeito aos músculos e juntas (proprioceptores), e terminações nervosas (interoceptores). 23
O sistema exteroceptor é formado pelos sistemas básicos de orientação, sistema auditivo, sistema olfato-degustativo, sistema visual e sistema háptico. Aqui, me interessa desenvolver este último, pois inclui diversos órgãos voltados para vários tipos de exploração, estando presente no corpo inteiro, em suas partes e superfície. “Para o ser humano, duas partes principais do aparto háptico são a pele e o corpo movente. Mas eles não são simples. A pele tem extensões e o corpo uma hierarquia de membros baseados no esqueleto. As extensões cutâneas são unidades receptoras. Estas são os pêlos com que a pele é suprida e as unhas extensões dos dedos. Assim, o tato é uma perturbação mecânica indireta da pele mediada por uma extensão, e não uma impressão direta na pele por um objeto, como tendemos a pensar.” (Santaella, 2004: 45)
É importante perceber que esse sistema, integrado com o esqueleto humano, permite uma noção de sensação muito mais ampla, sem estar diretamente ligada a ideia de aproximação como entendíamos. Nossas extremidades (como mãos e pés) tem a capacidade de entender as sensações de maneira tridimensional, expandindo nosso corpo através do objeto sentido. Gibson utiliza o exemplo de uma vara para explicar melhor este conceito: quando algo a toca, sentimos esse algo na ponta da vara e não em nossas mãos. “O ser humano está não só em contato com o meio ambiente, mas através da função exploratória e manipuladora das extremidades do 24
sistema háptico, também faz contato com partes do meio externo. A habilidade das mãos para tatear, alisar, apalpar, coçar, cutucar, dedilhar, pegar, erguer, etc., justifica tudo o que o ser humano é capaz de fazer com elas. O tato exploratório ativo permite tanto agarrar os objetos quanto captar o seu significado.” (Santaella, 2004: 47)
Outro ponto a ser destacado é a condição de aprendizado dos nossos sistemas perceptíveis através da prática. É onde retomo a importância de um desenvolvimento corporal, que tem a capacidade de entender o mundo de maneira solida e captar significados que vão muito além do verbal. Essas classficações de Gibson podem parecer complexas, mas basta olhar para o nosso corpo como um sistema integrado, que conceitua, sente e vive em processo, para mudarmos de opinião. Por isso, nossos conceitos não são pontuais e as experiências realmente enriquecedoras também funcionam desta maneira. Alguns artistas, percebendo essas possibilidades, começaram a criar seus trabalhos a fim de estimular esse sistema háptico. É o caso da artista brasileira Rejane Cantoni, que tem focado sua produção na experimentação multisensorial. Em um de seus trabalhos, chamado Hypperapple, Rejane consegue extender a percepção e a cognição de aspectos físicos e semióticos de um objeto. Como descrito em seu site: “O interator é convidado a vestir um dispositivo tátil do tipo CyberGrasp. Com essa ‘luva’, o usuário poderá interagir com a versão virtual do objeto, poderá pegar a maça virtual, rotacioná-la, sentir sua resistência e inércia, poderá 25
inclusive apertar a maça até penetrá-la.” É a criação de uma dimensão invisível a partir de uma máquina programada para explorar nossos sentidos e expandi-los virtualmente. Desta maneira, o sistema háptico não é só manipulado a partir da utilização da ferramenta, os estímulos que são resultados dessa interação conseguem ampliar nossos limites espaciais e a nossa capacidade cognitiva.
Hyperapple (2007) - instalação imersiva e interativa Rejane Catoni e José Wagner Garcia
Esta é uma ideia que já presente em Flusser (2007). Ao analisar o Homo-faber, ele considera que as ferramentas criadas pelo mesmo imitam seus órgãos e funcionam como próteses que prologam seus alcances. Muito além de simples ferramentas, elas passam a ser partes integradas do nosso mundo, e as utilizamos como módulos de expansão. 26
Foi a necessidade do homem de romper com suas barreiras que o levou ao caminho da criação, do desenvolvimento de tecnologia. E estas, quando agregadas a vida, ao corpo, modificam a nossa relação com o ambiente e ampliam nossa capacidade de percepção. São esses conceitos que embasam também as teorias do “pós-humano” defendido por Lúcia Santaella, como desenvolverei melhor a seguir.
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A HIBRIDIZAÇÃO DA ARTE
No momento em que interferimos de alguma forma em nossa estrutura, recebemos de imediado respostas consequentes dessas transformação. Alterações que se dão no nosso corpo alteram também a nossa relação com o meio, e as informações que recebemos passam a ter este valor agregado. É assim que as ferramentas criadas pelo homem reconfiguram o seu espaço interno e sua relação com o mundo. A tecnologia quando situada fora ou na superfície do corpo multiplica suas capacidades de expressão e de conexão. "O homem que "abandona" o seu corpo é o homem que faz técnica, que se desprende do aqui e agora das circunstâncias, das imposições do meio ou das urgências vitais e produz, projeta o que não estava ali. É aquele, portanto, que estabelece com a natureza - com o seu corpo e com o seu meio - não uma simples relação de acomodação ou adaptação, mas de transformação. Deste modo, não é o corpo nu ou natural que estabelece a mediação ou a fronteira entre o homem e o mundo, mas um corpo atravessado, modulado pela técnica - não é por acaso que esta também se define como mediação. Mas isto não deve conduzir à suposição de que a técnica seja um mero prolongamento das funções do corpo - ai compreendidas como cognitivas - pois, ao disseminar suas funções no espaço externo, nem o corpo, nem o mundo permanecem os mesmos - o interior e o exterior, bem como a mediação entre eles, ganham novos contornos" (Serres, 1999:102)
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Se analisarmos o homem segundo o seu trabalho acompanharemos a evolução do homem das mãos para o homem das ferramentas. É quando esse homem manipula matérias-primas e cria objetos funcionais, que além de fazerem parte das suas atividades cotidianas, funcionam como verdadeiros potencializadores dos seus órgãos. Após milhares de anos, essa tecnologia evoluiu refletindo a nossa cultura. Hoje, nos deparamos com o homem dos aparelhos eletrônicos, e nosso corpo inserido nesse ambiente tecnológico não encontra-se mais em seu estado in natura. Em um mundo informatizado, já somos seres navegantes, e ao conviver com celulares, computadores, componentes eletrônicos, que expandem nossa capacidade de conhecimento, nos hibridizamos, nos tornamos ciborgues como define Lúcia Santaella. "Em uma era de possibilidades ilimitadas, o corpo se torna uma medida do excesso, uma medida da possibilidade de ir além de si mesmo e de suas limitações físicas. Esse é o fenômeno de hibridização do corpo com as tecnologias: o ciborgue, o organismo tecnologicamente estendido que liga ritmos biológicos e o universo midiático atravessado por fluxos de informação." Lúcia Santaella (2004:56)
Mesmo aqueles que tentam fugir dessa "tecnologia" não
estão alheios a este mundo, pois ela já está em inserida em nossa cultura, seja na medicina, nas tecnologias de cultivo de alimentos, controles ambientais, etc. É impossível escapar dessa realidade. 30
Os artistas que sempre levantaram questões pertinentes ao seu tempo, também refletiram em seus trabalhos essa nova realidade. A partir dos anos 80 muitos projetos visaram explorar esse novo corpo inserido em um ambiente tecnologicamente crescente. Stelarc, por exemplo, tornou-se grande referência no assunto. Com obras que utilizam aparatos artificiais, como braços mecânicos, plataformas com várias pernas, redimensionou o corpo humano e estabeleceu um novo tipo de linguagem. Essas prótestes, que Stelarc acolava em seu próprio corpo, representam a concepção desse um novo homem hibridizado.
Stelarc, durante a performance de Handwriting (1982)
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Nesse contexto, o corpo deixa de ser um condutor de ideias, como se dava nos trabalhos pós-modernos, para ser o grande realizador da obra, onde não é mais possível definir os limites entre corpo e as interfaces em questão. Mas esse corpo como parte fundamental da linguagem já estava presente nos trabalhos de Lygia Clark e Hélio Oiticica. Esses artistas brasileiros exerceram grande influência na arte contemporânea, já que foram precursores na inserção do receptor em suas obras. Lygia Clark, que foi muito inspiradora na concepção deste projeto, mergulhou fundo na subjetividade do corpo. Utilizou a arte como terapia em sessões denominadas Estruturação do Self, nas quais colocava seus “pacientes” em um estado de imersão plena utilizando os chamados Objetos Relacionais. Estes, que eram formados pelos mais diversos tipos de materiais do nosso cotidiano, funcionavam como ferramentas para reativar o corpo. Em contato direto com o corpo do paciente, eles estabeleciam uma relação íntima, onde ganhavam novos significados e traziam a tona sentimentos muito profundos. 32
Lygia Clark em uma das sessões da Estruturação do Self (sem data)
Nildo da Mangueira veste Parangolé (1964)
Já Hélio Oiticica conseguia extrair a espontaneidade daqueles que vestiam seus parangolés, em um devir bandeira, estandarte, muito além da avenida. Defendendo uma desintelectualização, comunicava livremente através de sua obra, sem verbo, em uma experiência única e viva, que ultrapassava os seus limites, e os limites da arte. Humildemente, é este tipo de significação que este projeto tenta proporcionar. Através de um interface sensível e interativa, que funciona como uma extensão da pele, procuro a sensibilização espontânea do corpo, tocando o íntimo do receptor com a profundidade e intensidade de cada descoberta particular. 33
O PROJETO
CONCEPÇÃO Fazendo juz a teoria que acabo de defender, posso dizer que a concepção deste trabalho também se deu de forma processual. Relações que aqui estabeleço fluiram naturalmente, muitas vezes até de forma inconsciente, conforme eu levava a diante os meus estudos sobre o corpo. As primeiras relações se deram durante o meu terceiro ano de faculdade, onde eu, juntamente com meu amigo Diogo, criamos uma interface baseada em uma navegação as escuras, que tentava estimular o “conhecimento” através do som. O usuário, ao explorar a interface, se deparava com vários tipos de ruídos, que quando ativados, revelavam uma imagem relacionada àquele som. As intenções eram boas, mas ao concluir o processo com uma imagem final estávamos quebrando o processo individual de cada um. O importante é que a partir dessa experiência comecei a buscar formas de interações mais subjetivas, sem estabelecer algum tipo de imposição. Este foi um momento onde eu também procurei descobrir os meus interesses mais íntimos. Relembrando experiências pas37
sadas, cheguei até a dança, que fez parte da minha vida durante muitos anos, e pensei pela primeira vez no corpo como possível suporte para essas tais experiências subjetivas. Iniciei minha pesquisa a partir do livro “O Corpo - Pistas para Estudos Indisciplinares”, de Christine Greiner, onde tive contato com as teorias de Foucaut, Artaud, Ponty, e pude entender um pouco melhor as relações que se dão nesse organismo complexo. Já as ideias de movimento, sensações e imersão vieram naturalmente a partir da conexão dessas teorias com obras com as quais eu já me identificava, como as de Klauss Vianna, Lygia Clark, Stelarc, etc. Neste projeto o movimento sempre esteve presente a fim de construir significados. Durante muito tempo pensei em manipular o ambiente, por meio de uma instalação que estimulasse o corpo a se movimentar e sentir na pele a interação. Mas esta ideia ainda me parecia muito externalizada, e gostaria de proporcionar algo mais intimista. Foi aí que pensei em trazer toda a experiência para o próprio corpo. Percebi que acoplando uma interface à própria pele eu conseguiria estimular e expandir sensações, e desta forma, dar um start nos processos de cognição que ocorrem a partir do corpo em movimento. Quando eu era questionada sobre as minhas intenções, sempre respondi dizendo que gostaria de criar experiências únicas, inserindo o interator em um campo imersivo, fluído, que estimulasse o auto-conhecimento. Acredito que trabalhando subjetivamente as capacidades corpóreas é possível alcançar este nível de conceituação. 38
IN corpore é baseado no toque, e me aproprio dos sentidos, do sistema háptico, para criar uma espécie de (re)conhecimento corporal. O tato, por meio das mãos, é o grande condutor da experiência, investigando a superfície coberta por texturas sensíveis, que quando tocadas, emitem sons que, além de ambientarem a interface, elevam a percepção a outro patamar; e acionam luzes, que guiam a procura por todo o corpo. Este processo de exploração está alinhando aos conceitos de Representação Subjetiva de Deleuze, pois é uma nova maneira de escutar (perceptos) e uma nova maneira de sentir (afectos). As sensações quando sobrepostas alteram e ampliam suas próprias dimensões. A repetição, de causa e efeito em um sistema aberto, desencadeia o gesto expressivo, e atinge o ritmo interior de cada corpo. O desenvolvimento de um sentimento musical através da união do pensamento e do movimento corporal desperta instintos, alcança a consciência e produz imagens mentais. "Somos os propositores, somos o molde, no interior desse molde: o sentido da nossa existência.
Somos os propositores: enterramos a obra de arte como tal e solicitamos a vocês para que o pensamento viva pela ação.
Somos os propositores: nossa proposição é o diálogo. Sós, não existimos; estamos a vosso dispor.
Somos os propositores: não lhes propomos nem o passado, nem o futuro, mas o agora" Lygia Clark (1968)
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camada1 das texturas Este projeto é atualizado na forma de uma roupagem, funcionando como uma interface vestível que insere o corpo em uma experiência sensória. O caráter estético dessa roupa não foi pensado para representar significados, mas sim para funcionar como uma ferramenta, que por meio de texturas consegue estimular vários tipos de sensações. A opção pelo macacão deu-se por sua capacidade de envolver todo o corpo: tronco, braços e pernas. Ainda, para a construção da parte eletrônica, era importante trabalhar com uma peça única, que integrasse todos os sensores a um único controlador (explicarei melhor adiante). Para vestir tipos de corpos diferentes, procurei criar esta roupa a partir de um tecido flexível, que pudesse torná-la o mais abrangente possível. Me baseei em um formato padrão, nas medidas de uma pessoa com 1,68m de altura e 60kg, sendo que a elasticidade do tecido permite uma expansão de mais ou menos 10cm de altura e largura. Iniciei a produção utilizando lycra para lingerie, mas não fiquei satisfeita com sua densidade, que de certa forma bloqueava o contato com a pele. Minha primeira opção foi trabalhar com sua versão cor da pele, imaginando-a apenas como estrutura, que pudesse passar desapercebida. Com as aplicações de texturas na cor branca, eu conseguiria ainda passar a impressão de que estas 41
Materiais utilizados no desenvolvimento da roupa: • Macacão de lycra pra lingerir (descartado) • Tule de algodão com strech branco, base para a construção do macacão final, e renda utilizada na aplicação de texturas.
Transferência dos “caminhos” estipulados no projeto da roupa para o macacão final. Primeiro com molde em jornal, depois com marcações à lápis especial para tecido.
estavam integradas a própria pele. Depois de testar alguns materiais, percebi que a combinação estética entre o tecido e essas aplicações não surtiram o efeito visual que eu esperava, deixando as texturas um tanto apagadas. Com um tule, que é uma forma de renda com vários buraquinhos, alcancei a combinação ideal para sentir a pele e criar uma transparência sutil. Usei uma variação com algodão stretch, que possuia a mesma flexibilidade da lycra, mas dessa vez com um visual mais refinado. Uma curiosidade é que venho de uma família onde a costura sempre esteve presente. Minha vó trabalhava profissionalmente como costureira, e cresci vestindo roupas feitas pela minha própria 42
Cloé, por Florence Dagostini
Aplicações de tecidos e textura sob tule. Camada tátil de IN corpore
mãe. Foi assim que tive contato com linhas e agulhas desde criança, hora fazendo roupas para bonecas, hora bordando acessórios, até começar a construir figurinos que utilizava para dançar. Isto com certeza influenciou minha escolha de trabalhar com tecidos, e a variedade de materiais disponíveis, tanto para bordado, quanto para artesanato em geral, ricos em detalhes, me pareciam as melhores ferramentas para explorar diversos tipos de sensações. Isso também veio de encontro com um trabalho que eu admirava e que exerceu boa influência sobre mim. Cloé, projeto de conclusão de curso de Florence Dagostini, também desenvolvido dentro do Núcleo de Pesquisa Pipol, tratava-se de um mapa fluído, conectado por diversos materiais que estabelecem relações, 43
e formam um tapete, patchwork. O ponto em comum aqui são os materiais que escolhemos para defender nossos conceitos, como rendas, pedras, fibras, fitas e fios de várias espécies, que quando somados transmitem um certo encantamento por sua beleza. Na prática procurei criar texturas sutis, puras e orgânicas, traduzindo assim a mesma linguagem que eu tentava desencadear no corpo. Por isso também escolhi essas materiais de forma intuitiva e optei por trabalhar com o branco, que ao meu ver é tão simples quanto complexo. A aplicação dos materiais foi feita de maneira manual, com linhas e agulhas comuns de costura, seguindo o fluxo que estipulei em meu projeto. Este, teve a preocupação de unir os três tipos de estímulos com os quais eu trabalho, sobrepondo-os literalmente em camadas. Precisei estabelecer certos limites para não tornar a construção complexa demais e delimitei espaços que são suficientes para transmitir as ideias que proponho. Eles funcionam como caminhos para o reconhecimento corporal e também foram importantes para a integração entre a camada tátil e eletrônica, que controla os estímulos visuais e sonoros. 44
Close das aplicações de texturas
Projeto estrutural
Esquema de luz Sensor de toque LEDS bateria integrados em um circuito paralelo
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sensor
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Esquema de som Sensor de toque Conexão com linhas condutivas que ligam os sensores ao Lilypad Linhas condutivas
Limites das texturas 1 - Lilypad Xbee 2 - Lilypad Arduíno 3 - Lilypas Lipower 4 - Bateria de lítio 5 - Suporte rígido para controlador
Circuitos de LEDs 45
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camada2 das luzes A luz dentro desse projeto representa o movimento que começa em um processo de investigação do corpo e termina no toque. Conforme o usuário explora a camada tátil, desencadeia também respostas luminosas que vão abrindo novos caminhos para o descobrimento. Escolhi trabalhar com luzes dentro de uma esfera visual por seu carater subjetivo. Sua ondas inspiram sensações particulares, e de certa foram fascinam. Para conseguir este efeito utilizei a tecnologia dos e-textiles, ou tecidos inteligentes. São tecidos de alta perfomace, que começaram a ser desenvolvidos no MIT Media Lab por Rehmi Post, e funcionam como componentes eletrônicos. Essa tecnologia permite o desenvolvimento de roupas sensíveis, assim como essa que desenvolvo, e esse tipo de projeto vem sendo caracterizado como Wearable Technology. Meu primeiro contato com esse tipo de trabalho foi com o Three Dresses, projeto de Pedro Oliveiro e Luíza Prado, desenvolvido durante o mestrado em Arte Digital da Universidade de Arts de Bremem, Alemanha. Eles criaram vestidos que, através de respostas sonoras ativadas por sensores construídos com esse tipo de material, expressavam a personalidade de três personagens da peça “Don Giovanni” de Mozart. Foi a partir desse projeto que vi a viabilidade de desenvolver uma roupa eletronicamente orgânica. 47
Componentes utilizados para construção do sensor de toque: tecido condutivo da MedTex 180, linha condutiva 234/34 4ply da Shieldex, Lilypad LEDs da Sparkfun/Leah Buechley
Circuito pronto: sensor de toque já integrado à roupa, ligado pelo fio condutivo que é costurado no próprio tecido e interliga os leds e bateria ao sistema.
Esses tecidos quando alimentados por baterias conduzem energia assim como os componentes eletrônicos convencionais, mas por serem constituídos de fibras têxteis são sensíveis, leves e maleáveis. Essas qualidades foram fundamentais para o projeto, já que eu incomporo essa tecnologia na roupa em si. Para a produção de luz, construi 15 sensores de toque, que quando acionados acendem 50 leds espalhados por toda a roupa. O principio é o seguinte: duas partes do tecido condutivo são cortadas no formato desejado para o sensor. Essas duas partes, quando entram em contato, conduzem a energia alimentada pela bateria que está integrada ao circuito. Para que o sensor seja acionado com o toque, camadas de tecido não condutivo são colocadas entre essas duas partes, 48
Projeto Three Dresses, de Pedro oliveira e Luíza Prado. Foto1: vestido Elvira, fios de cobre são sensores de toque. Foto2: sensor de pressão utilizado no vestido Anna.
Camada tátil já integrada com a camada luminosa.
fazendo com que os tecidos condutivos não entrem em contato em seu estado normal. Mas essas camadas possuem furos, e quando tocamos o sensor, colocamos em contato as duas partes condutivas. Com isso, o circuito se fecha e a energia é conduzida até o led que é aceso. Utilizei na construção desses circuitos materias que já são destinados à aplicações têxteis, com estrutura própria para costura. São eles: • Tecido condutivo da MedTex 180 • Linha condutiva 234/34 4ply da Shieldex • Lilypad LEDs, cor branca, da Sparkfun/Leah Buechley • Suporte para barata tipo moeda costurável, da MPD. • Entretela (como tecido não condutor e usado também para colar as parte de tecido condutor) 49
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Construção dos sensores passo a passo 1. Material utilizado na construção do sensor: tecido condutivo da MedTex 180, linha condutiva 234/34 4ply da Shieldex, entretela e tesoura. 2. O tecido condutivo é cortato em tiras, formato que eu mesmo determinei. Neste momento, camadas de entretela já são cortadas sob a mesma medida, e são furadas, já que esses furos que permitirão o contato entre as parte condutivas. 3. Com a ajuda de um ferro, o tecido condutivo é colado em uma das partes da entretela. Isto facilita o processo, já que os dois tecidos precisam estar bem integrados, Uma outra solução seria costurá-lo no tecido não condutivo. É necessário deixar uma ponta de tecido condutivo em um dos lados da entretela, já que ele será utilizado para fazer a ligação com o circuito. 4. Sensor montado: os tecidos condutivos ficam nas extremidades. As duas pontas ficam em lados opostos, é precido tomar cuidado para que elas nunca entrem em contato com a outra parte de tecido condutivo, já que isto propagaria energia constante, prejudicando o funcionamento do sensor. 5. Costurando a camadas de entretela com tecido condutivo, com a parte não condutiva. 6. Teste de sensor, em um circuito em série. Os fios jacaré-jacaré são ligados às pontas do sensor, e em seguida a uma bateria e led. Quando o sensor é pressionado, o led é aceso.
Estes sensores foram distribuidos ao longo da roupa, seguindo a mesma orientação das texturas, conforme já esquematizado no gráfico da página 45. Eles também foram organizados ao lado dos sensores de som, e assim são acionados de forma simultânea. Para este projeto não cabia usar um sensor com as duas funcionalidades, já que o som precisava ser controlado pelo computador, e os leds precisam somente de energia.
Circuitos finalizados 51
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camada3 dos sons O som sempre esteve presente na concepção deste trabalho, desde os meus primeiros devaneios. Eu não poderia ignorar seu potencial imersivo e o quanto influencia nossa percepção. Aqui, ele é tão importante quanto o tato e o movimento, ele sensibiliza e eleva a experiência a outros patamares. Procurei trabalhar o som com a mesma delicadeza das outras camadas. Assim como todo o projeto ele também é configurado em um sistema aberto, e foi programado para soar de forma única, através da inteligencia aritificial. Conforme interagimos com a interface, acionamos sensores de som que também estão espalhados pela roupa, e estes emitem notas de piano. É a intensidade de cada toque que determina o fluxo desses tons, formando sonoridades. “Música, que deve viver e vibrar necessita de novos meios de expressão e somente a ciência consegue impregná-la com ímpeto juvenil… eu sonho com instrumentos que obedeçam ao pensamento e que, apoiados por uma torrente de timbres ainda não sonhados, servirão para qualquer combinação que eu lhe escolha impor e se submeterão às exigências de meu ritmo interior.” Edgar Varèse (1958)
Sensores iguais aos utilizados nos circuitos de LEDs foram aplicados, mas desta vez ligados a um microcontrolador que 53
Arduíno, em uma das suas versões encontradas no mercado. O controlador tem sido usado para diversas trabalhos ligados a arte.
Os componentes Lilypad Xbee, Lilypad Arduíno, Lilypad Lipower (já conectado a bateria de lítio), utilizados para controlar o sistema de som da interface.
gerência a construção desses sons. Da mesma forma que escolhi os e-textiles pela capacidade flexível e adaptação a tecidos, também tive que escolher um microcontrolador que se adaptasse bem nesse meio. Felizmente existe uma variação do Arduíno própria para aplicações em tecidos, chamado Lilypad, que foi desenvolvido por Leah Buechley e cooperativamente desenhado com a SparkFun. O Arduíno tem sido explorado exaustivamente por artistas digitais, pois além de ter um preço acessível, ainda conta com uma interface simples, e consegue se comunicar com várias linguagens, como Processing, puredata, Max/MSP, etc. O Lilypad possui as mesmas funções, mas foi construído para ser costurado 54
Primiro teste de sensor ligado ao Arduíno, nesta fase, ainda conectado diretamente no computador
Sensor conectado ao Lilypad Arduíno
diretamente sobre tecidos, e de modo similar se conecta a fontes de alimentação e sensores com linha condutiva. Configurado através de códigos de programação, esse microcontrolador dá abertura para a construção de diversas relações, alcançando altos níveis de complexidade. Sua utilização neste trabalho é relativamente simples: quando adicionado, o código seleciona aleatoriamente arquivos de uma biblioteca, que é composta por várias notas gravadas de um piano. Enquanto este fluxo ocorre as notas vão sendo sobrepostas de maneira continua, criando o que posso chamar de música. Um ponto interessante, é que como este controlador é baseado em código, novos desdobramentos são possíveis, já que pode ser reconfigurado com certa facilidade. Neste momento a sensibilidade do piano é 55
suficiente para expressar a energia que eu desejo transmitir, mas em outro momento ele pode ganhar um novo caráter. Para reproduzir esses sons em tempo real tive que somar a este controlador um dispositivo wireless que mantém a conexão com o computador onde estão armazenados a biblioteca de tons. Para isso utilizei o componente Lilypad Xbee, que está ligado ao Lilypad Arduíno e se comunica com o computador através de outro dispositivo Xbee que é ligado diretamente no computador. Ainda para alimentar todo este circuito utilizo o Lilypad LiPower que está conectado a uma bateria de lítio. Em termos práticos, a configuração desse esquema ficou da seguinte maneira: a parte de trás da roupa serve de base para o “cérebro” do circuito, onde estão costurados e interligados o Lilypad Arduíno, o Lilypad Xbee e o Lilypad Lipower. Esta conexão se dá através da linha condutiva 234/34 4ply da Shieldex, a mesma que faz conexão com os sensores espalhados pela roupa. Ao tocarmos o sensor disparamos sinais elétricos que chegam até o microcontrolador. O Lilypad Arduíno está configurado para, ao receber esses impulsos elétricos, fazer conexão com o computador, e isto se dá com a ajuda do Xbee que faz essa conexão sem fios. Quando a conexão é feita, um código desenvolvido dentro da linguagem de programação Processing é responsável por entender esses impulsos elétricos e executar o código que organiza as notas musicais de maneira aleatória. O mesmo emite esses tons através da saída de som do próprio computador, que por sua vez, está conectado a alto-falantes. 56
Nota: Foi somente com a ajuda de amigos e boas almas que acreditam no open source que consegui viabilizar a parte eletrônica deste projeto. Devo agradecer muito ao meu amigo e também estudante de Design, Luiz Gustavo Zanotello, mais conhecido como Uva, que já estava se aventurando com o Lilypad no desenvolvimento do seu TCC quando eu decidi trabalhar com o mesmo, e me passou dicas valiosas, além de me ajudar a importar parte dos materiais necessários. Agradeço ao meu irmão Fernando Pimenta, estudante de engenharia de automação, que me ajudou com as noções de circuito e com as primeiras configurações do microcontrolador. Ao meu querido amigo Caio Moraes, cientista da computação, que atendeu prontamente a todas as minhas dúvidas malucas e me ajudou na configuração do Xbee e finalização do código. Agradeço também ao Rafael Martins, o Borto, também estudante de engenharia de automação, por acreditar no meu trabalho desde o começo e disponibilizar parte do seu tempo pesquisando referências para este projeto. Os sites Instructables (www.instructables.com) e How to get what you want do Kobakant (www.kobakant.at/DIY) foram essenciais para o entendimentos desses eTextiles, e foi onde encontrei também tutorais que serviram de base para a construção dos sensores. As comunidades dos sites Processing.org e Arduino.cc também foram fundamentais nesse processo, por disponilizar códigos abertos que serviram de base na programação do Lilypad Arduíno. 57
Incorporar segundo o dicionário: dar ou assumir forma de corpo, integrar, introduzir, ingressar, reunir intimamente. INcorpore segundo meus anseios: tentativa de tocar nosso IN através do corpo. Integrando nossos sentidos, introduzindo-os em uma nova dimensão, ingressando na profundidade do ser e reunindo intimamente o sentir e o pensar. Muito antes desse projeto ganhar a forma de roupa, e todos os aparatos tecnológicos que utiliza, ele já havia recebido essa denominação. As primeiras intenções “experimentar novas sensações”, “olhar para si mesmo”, “corpo como suporte” já davam conta da apropriação do corpo para internalizar a experiência vivida. Desde essa época existia o desejo de envolver pessoas e proporcionar uma experiência única a elas. Um sentimento nobre que passou a soar como obrigação depois de conhecer um campo de possibilidades infinitas aberto através das filosofias de Flusser, Hakin Bey, Deleuze, Focault, e outros. 59
Essas ideias expandiram a minha concepção de mundo e parte disso se reflete nesse trabalho que acabo de apresentar. Ele também carrega as experiências que vivi ao longo desses meus 25 anos de vida. O meu entender de corpo depois de utilizá-lo durante mais de dez anos para se expressar através da dança. A moda que sempre esteve presente na minha casa e por onde eu consigo passar informações. O meu vínculo com a tecnologia que me levou a um colégio técnico onde me tornei programadora. A música que sempre me tocou e me elevou a outras dimensões. A arte que me inspira a continuar criando e crescendo como pessoa. Ele também é a soma de todas as pessoas que passaram pela minha vida. De uma vivência intensa e transformadora dentro de um campus universitário como o da UNESP, onde pude conhecer e aprender com pessoas realmente especiais. Me sinto muito feliz por ter sido de capaz de relacionar tantas coisas que me tocaram, e conseguir sintetizar nesse projeto conceitos que eu realmente acredito. Espero que ele sirva como agradecimento a todos esses ensinamentos que me ampliaram como pessoa e fizeram parte da minha formação como designer. Desejo que as pessoas, ao usufruírem dessa sensível malha branca, possam se reconhecer e perceber o quanto são únicas, geram conceitos únicos, vivem momentos únicos. 60
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