Arte que inspira as mãos criadoras

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Patrícia Souza

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Arte que inspira

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O Barroco Mineiro e o artesanato de Ouro Preto

Patrícia Souza Livro-reportagem, projeto experimental de conclusão do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto


Editorial Texto Patrícia Souza Capa e projeto gráfico Gabriela Ribeiro Fotos Patrícia Souza

À minha cidade.


Agradecimentos À professora Denise Prado pela orientação e auxílio para a construção deste projeto. À Gabriela Ribeiro, à Carol Lourenço e ao professor André Luiz Carvalho que se dispuseram a ajudar a desenvolver esse trabalho.


l Apresentação

13 Um

pouco de barroco

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O

´

artesanato em Ouro Preto

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sumario 29

O

Da

pedra-sabão para outros materiais

35 Entalhando

41 O

negro barroco

sacra

que se pode levar?

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53

As

peças

arte

l


~

apresentacao ,


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A história nos conta que os primeiros artesãos e escultores mineiros surgiram no século XVII, durante o Ciclo do Ouro. Com a vinda dos portugueses para o Brasil, os artesãos portugueses começaram a utilizar a pedra-sabão como matéria prima na construção civil e na produção de objetos domésticos e esculturas. Na segunda metade do século XVII, surge então uma produção regional influenciada pelo barroco europeu, a arte barroca no Brasil, que desenvolveu características próprias. Grande parte da produção do barroco mineiro foi feita por formas mais rústicas, criadas por artesãos de origem mestiça, escravos e mulatos. Estas formas não impediram que as obras fossem comparadas com a beleza do barroco europeu. A fusão destes elementos rústicos com os elementos eruditos fazem parte hoje do artesanato mineiro, pois as técnicas artesanais continuam sendo desenvolvidas. O artesanato revigora os estilos e atualiza as antigas formas do barroco mineiro em objetos mais simples. O Artesanato Mineiro é uma das mais fortes expressões culturais do estado, um incentivo ao turismo e também fonte de renda para muitas famílias. Na antiga Vila Rica foram produzidas incontáveis obras do movimento barroco. Os artistas viveram e se identificaram com essas artes. Esta identificação permanece nos dias atuais, pois está ligada à tradição artística da cidade e faz parte do convívio diário destes artesãos.


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Hoje, na cidade de Ouro Preto, esculturas feitas em madeira e pedra-sabão ainda são produzidas e podemos encontrar alguns ateliês, galerias e até mesmo oficinas de produção de objetos de arte-sacra. Outros tipos de artesanato como cerâmica, taquara, palha, doces, joias e pedras preciosas também são bastante produzidos. O artesão mineiro leva em suas raízes toda a história local, revela em sua arte traços do passado. Suas mãos habilidosas produzem obras que inspiram uma aproximação das cenas do cotidiano. São utilizados jogos de luz e sombra, curvas, cores e texturas em temas religiosos que se dialogam com harmonia no conjunto da obra. Cenas como fachadas de igrejas e casas coloniais contextualizam a cidade de Vila Rica da qual se extraía mineral cuja cor escura foi chamada de ouro preto. Ouro Preto é a cidade da literatura, do movimento arcadista de Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga. Cidade da história de Minas, da Inconfidência Mineira e berço do artista colonial Antônio Francisco Lisboa, o mestre Aleijadinho, Ouro Preto possui o maior acervo do barroco mineiro.

Um pouco de barroco


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A cidade de Ouro Preto se destaca pela arte barroca contida nos antigos casarões e nas igrejas de arquitetura imponente e de interior artístico com obras talhadas em madeira, banhadas a ouro e pinturas em afrescos. Sua arquitetura colonial atrai turistas de todo o mundo. As igrejas, fachadas e as esculturas feitas em madeira e em pedra-sabão contribuem para que a arte tenha continuidade na cidade, pois servem de inspiração para os artesãos locais. Assim, o barroco mineiro permanece ativo e resguardado com sua influência na produção artesanal. A história da cidade possui marcas, traços de artistas que deixaram o legado para os artesãos contemporâneos. Ligadas ao tempo, as criações barrocas contrastam com estilos e estéticas, que mostram um barroco brasileiro com influência do barroco europeu, mas trajado com inspirações e formas de um povo escravo e mestiço. É justamente por causa desta mescla que o Barroco do Brasil se difere do europeu: nas obras são denotadas as feições de um povo e levam o traço cultural. O Barroco Mineiro é original devido às formas específicas, mas sem contradizer ou ignorar os padrões do período europeu. No entanto, ele não se limita ao período histórico do século XVIII e do final do século XIX, pois é um movimento artístico recorrente na formação cultural de Minas Gerais. A arte barroca, criação plástica do pré-capitalismo, foi marcada pela perseguição religiosa (Reforma e Contrarrefor-


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lizadas como figuras ilustrativas da Bíblia Sagrada ao redor do altar e ao redor da Igreja. Ainda hoje, na cidade de Ouro Preto, em datas festivas como a Semana Santa, são encomendadas réplicas de imagens sacras do século XVIII para que as peças originais sejam resguardadas. As peças que hoje são replicadas foram construídas com o auxílio das irmandades e ordens terceiras, que reuniam recursos para a construção das obras e das igrejas e contratavam os mestres, artistas e artesãos. Essas obras eram produzidas pelo próprio povo e tinham a orientação de arquitetos e mestres de obras portugueses, entres estes arquitetos estava o pai de Antônio Francisco Lisboa, Manoel Francisco da Costa Lisboa. Nesta época, os artistas mineiros começavam a se destacar e eis que surge o Aleijadinho. Surge nesta mesma época uma preocupação estética com a arquitetura da cidade. Assim, por volta de 1791, as casas de Vila Rica eram construídas sob orientações fiscais para que elas seguissem uma ambientação elegante, com proporções uniformes e imponentes. Hoje, a maioria destas casas são consideradas bens patrimoniais. Segundo o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a paisagem urbana mantém-se perfeitamente legível devido não só à estagnação econômica sofrida pela cidade na primeira metade do século XX, mas, principalmente, pelas medidas de proteção que se seguiram ao seu tombamento. Permanecem igualmente preservadas edi-

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ma católica) pela exaltação da cultura e também pela Revolução Industrial. O pesquisador Mirko Lauer acredita que a ideia de arte como “manifestação universal do ser” tem profundas relações com projetos filosóficos em interesses de classes ocidentais. Os objetos artísticos são reflexos da ideia geradora de arte, o artesanato é a arte que conta histórias e se fundamenta na passagem de uma experiência coletiva, relacionada ao tempo e ao trabalho prático que repete formas tradicionais. Segundo o crítico de arte e historiador, Lourival Gomes Machado, o Barroco Mineiro exprime uma conquista criadora que o homem consegue pela ação e não pelo seu estado. A arte do “Ciclo do Ouro” possui um forte elemento em evidência: o movimento nas formas. O barroco mineiro sugere o excesso, mostra o influente poder absolutista sobre a razão, o que o caracteriza e o diferencia do barroco europeu. O Barroco conceitua um valor estético e um padrão artístico, pois fica entre o social e o político, uma arte que se desenvolveu ao longo dos anos como fator político, representando uma tradição de liberdade de pensamento na busca do realismo pela inspiração popular. Assim, é possível notar como o artesanato produzido na cidade de Ouro Preto tenta se aproximar do Barroco, por ser uma arte espontânea e de fé e, às vezes, instantânea a pedido do consumidor. Esse papel do público na demanda pela arte retorna ao próprio desenvolvimento do barroco no Brasil, quando as obras eram encomendadas pelas irmandades cristãs e uti-


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Em 1938, Ouro Preto foi tombada¹ devido ao conjunto arquitetônico e urbanístico pelo IPHAN e, alguns anos depois, em 1980, foi a primeira cidade brasileira a receber o título de Patrimônio Cultural Mundial pela Unesco. Este reconhecimento é devido ao fato de que a cidade preserva as características originais e possui poucas alterações no centro histórico. Para que este reconhecimento fosse possível, foram feitas restaurações dos antigos casarões e os museus foram organizados. Essas modificações, permitiram a expansão do comércio e do turismo, modificando a vida dos artesãos e aumentando a produção artesanal. Em Ouro Preto, existem poucos registros sobre à arte, dados do município dizem pouco a respeito da grande variedade de obras existentes. Há um cadastro de artesãos muito antigo e precário na Secretaria de Turismo. O que é possível encontrar é a relação de bens tombados e inventariados do município, dentre eles, obras de Aleijadinho. ¹ Tombamento é um ato administrativo realizado pelo Poder Público, nos níveis federal, estadual ou municipal. Os tombamentos federais são responsabilidade do IPHAN e começam pelo pedido de abertura do processo, por iniciativa de qualquer cidadão ou instituição pública. O objetivo é preservar bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo a destruição e/ou descaracterização de tais bens.

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Patrimônio e incentivo à cultura

As leis de incentivo ao artesanato também são pouco abrangentes. No entanto, uma delas, considerada a mais importante, foi a responsável pela criação da “Feirinha de Pedra Sabão”, localizada no centro de Ouro Preto. A lei nº 15 de 1973 permitiu a exposição que já acontecia desde 1965 no Largo do Coimbra. Outro ponto de exposição de artesanato fica no distrito de Cachoeira do Campo, a Praça do Artesão criada em 2011, local disponibilizado para organizar o espaço dos artesãos, previsto em lei municipal de nº 658. Estes espaços abrem a oportunidade para o artesão divulgar e comercializar suas obras. A partir destas feiras, os objetos confeccionados são exportados e chegam a vários países, principalmente europeus. Na Feira de Artesanato do Largo do Coimbra trabalham 36 famílias que saem dos distritos para expor diariamente os seus produtos. O Largo do Coimbra é uma praça que funcionava o antigo mercado da cidade e que foi ocupado novamente em 1965 pela atual feira de artesanato. A Feira de Artesanato é ao ar livre e recepciona turistas todos os dias. As peças são comercializadas pelos próprios artesãos que representam seus hábitos e a valorização de seus produtos, levando-se em conta a história e o cuidado com os materiais. O trabalho artesanal é uma produção de subsistência, pois é uma das principais atividades econômicas da cidade e que mantêm muitas famílias que saem da periferia para expor os seus objetos no centro histórico. O artesanato faz parte da economia da cidade, ele está contido nos 20% que correspon-

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ficações como os palácios, igrejas, fontes, pontes e a maioria das casas de comércio e residências do período colonial.


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dem a atividade turística, conforme pesquisa do IBGE. Ouro Preto recebe cerca de 500 mil turistas ao ano. A valorização do artesanato é ao mesmo tempo uma forma de deter o risco de extinção da atividade e uma forma de suprir a demanda da movimentação turística. O artesanato é uma fonte de renda e incentiva o turismo da cidade e beneficia muitas famílias. Poucas instituições promovem o incentivo às atividades culturais na cidade, dentre elas, estão a Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP), a Fundação Aleijadinho e a UFOP. A FAOP fundada 1969 por iniciativa do poeta Vinícius de Moraes, do historiador Afonso Ávila e da atriz Domitila do Amaral, é um órgão do governo do Estado que mantêm oficinas de arte, especialização em conservação e restauração em bens patrimoniais e em construção civil. Os cursos e oficinas são abertos à comunidade e também incentivam a continuidade da arte na cidade formando jovens e adultos. Já a Fundação Antônio Francisco Lisboa (Fundação Aleijadinho) foi iniciada em 1996, é uma entidade não-governamental e possui o título de utilidade pública municipal por desenvolver projetos de cultura e lazer para crianças e adolescentes. As principais atividades artesanais desenvolvidas na entidade são a marcenaria e o mosaico em pedra-sabão e madeira. A Universidade Federal de Ouro Preto também apoia o desenvolvimento artístico local oferecendo à comunidade oficinas de marcenaria, cantaria, entre outras atividades, através dos projetos de extensão propostos pela comunidade acadêmica.

O artesanato em Ouro Preto


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Passando pelo centro histórico de Ouro Preto é possível perceber como o artesanato domina cada canto da cidade com artefatos e adornos do Barroco Mineiro. As obras inspiradas no Barroco Mineiro são representadas na pedra-sabão e na madeira e atraem os olhares dos que passam por ali. Em Ouro Preto, a herança da arte de Aleijadinho e grandes mestres trazem marcas do século XVIII que compõem o cenário artístico. Encantando muitos visitantes, a cidade dispõe de muitas casas de arte com objetos manufaturados por moradores da cidade. Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, teve seu primeiro contato com a arte na oficina de seu pai. Lá ele aprendeu técnicas de marcenaria e começou seus trabalhos artísticos entalhando e esculpindo objetos. Hoje suas obras estão espalhadas pelas cidades de Ouro Preto, Sabará, São João del-Rei e Congonhas, considerando os adornos e pequenas carrancas em chafarizes até projetos arquitetônicos como a Igreja São Francisco de Assis, em Ouro Preto. Assim como Aleijadinho, muitos artesãos aprenderam essa forma de arte em oficinas de carpintaria e este aprendizado de esculpir em madeira e em pedra-sabão foi passado de pai para filho, de geração para geração, e ainda resiste ao tempo na arte ouro-pretana. A atividade artesanal se faz a partir do encontro do homem com sua própria terra, é a manifestação cultural que começa nos objetos utilitários somando a expressão artística em esculturas mais trabalhadas. Sem frequentar escolas de arte ou


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universidades, os artesãos fazem de suas mãos um elemento transformador e criativo. Os artesãos contemporâneos se inspiram nas obras de Aleijadinho, mas buscam invenção e formas mais autorais, criando objetos diferenciados. Entretanto, a influência do passado ainda é referência no trabalho dos artesãos ouro-pretanos. As peças artesanais são produzidas, principalmente, por materiais macios como o cedro e a pedra-sabão, extraídos na região de Ouro Preto. O contexto histórico e a identidade deste povo permeiam a arte esculpida não apenas como objetos de decoração, mas objetos que são chamados de arte sacra, arte inspirada em personagens religiosos. Esta manifestação cultural ainda percorre a cidade permitindo que mais artistas e artesãos façam história e experimentem novas formas de fazer e de reler a arte barroca existente na antiga Vila Rica. Para que estas tradições sejam valorizadas, é necessário procurar entender e conhecer profundamente a origem do artesanato local. Dessa forma, é preciso ir à busca de vivências cotidianas e percursos de artesãos que constituem este lugar. O lugar do artesanato e do artesão em Ouro Preto. Artesãos como José Luzia Gomides, Tuca Parma e Gabriel Lopes são exemplos de artesãos que constituem identidades e valorizam a cultura e o seu legado.

O negro barroco


José Luzia Gomides “O meu trabalho é afro!”.

² O torno é uma máquina versátil utilizada na confecção ou acabamento em peças. Esta máquina-ferramenta possibilita a transformação do material em estado bruto em peças que podem ter seções circulares, e quaisquer combinações destas seções.

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Um pouco longe do foco da movimentação turística fica o ateliê do Gomides, no Beco da Mãe Chica. José Luzia Gomides é um homem forte, alto, negro e robusto, que mora em um beco. Neste beco está o seu ateliê onde ficam suas obras, suas esculturas. Nascido em Ouro Preto, o escultor mora com esposa e filha e ao lado da casa de sua mãe, que cede o porão para ele trabalhar com as esculturas. O seu primeiro trabalho, ainda criança, foi esculpir uma carranca inspirada em adornos de chafarizes. Ele diz que sua habilidade com a pedra-sabão veio no sangue, pois parentes maternos já trabalhavam com o torno². José Luzia começou a trabalhar efetivamente com as esculturas com um escultor e também vizinho, que lhe ensinou a cortar e a dar formas na pedra-sabão. Aos poucos foi se encantando com as formas da arte barroca e com a escultura em pedra-sabão. Começou como ajudante no acabamento das peças, depois, por próprio talento, começou a criar com autonomia.


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para o formato do bloco de pedra. Segundo o escultor, cada bloco permite um movimento e produz uma imagem diferente. Ele olha a posição da pedra e “respeita” a posição, deixando a base inacabada (permanece rústica), mantendo a forma do bloco, esta é a sua marca. Inspiração, para ele, é como um desabafo. Pega o machado e cria algo novo, sempre “respeitando” sua visão diante da pedra. O seu trabalho tem uma ligação com o cubismo — algumas de suas peças podem ser relacionadas às obras de Portinari, Tarsila do Amaral e de Pablo Picasso — e, ao mesmo tempo, transmite toda a cultura negra com os elementos do barroco. Gomides mostra claramente sua identidade em suas esculturas, conforme ele diz, ele retrata o negro. E não só a arte barroca, mas os movimentos negros e sua defesa pelo sofrimento do negro na escravidão. Esta visão do escultor é possível perceber em sua extrema urgência de autoafirmação, ao falar que, quando alguém lhe compra uma obra, ela leva um pouco do sangue negro que foi derramado na cidade de Ouro Preto. “As pessoas que levam minhas obras consigo, levam uma gotinha de sangue negro que foi derramado nesta cidade”, ressalta Gomides, “o meu trabalho é afro! ”. O escultor não gosta de reproduções e acredita que quem reproduz, não confia em seu poder de criação. Ele comenta ainda que se tivesse de fazer reproduções levaria

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Gomides conta que iniciou suas exposições levando nas costas um caixote com as peças enroladas no jornal. A feirinha de pedra-sabão ainda não dispunha de um espaço para exposição do artesanato, assim, os artesãos colocavam as peças no adro da Igreja São Francisco de Assis e expunham os seus trabalhos. Como morava longe do local de exposição e já tinha montado o seu ateliê, Gomides criou uma nova forma de divulgação de suas obras: Fotografava suas peças e as apresentava em formato de catálogo para atrair os turistas para conhecer o seu ateliê. Todas as visitas ao seu ateliê eram registradas em seu “livro de ouro” com fotos, postais, bilhetes e assinaturas. Entre muitas destas visitas, o seu trabalho ganhou reconhecimento. O escultor admite ter um estilo único, que é a mistura do barroco mineiro com o estilo de Cândido Portinari. Como? Em suas obras, Gomides tenta realçar a valorização da cultura negra, assim com Portinari a colocava em suas pinturas. O escultor gosta de respeitar o volume e a forma da pedra e aguarda uma pedra que ainda possa lhe mostrar as formas do “Imigrante”, obra do Portinari em pintura, que tentará representá-la em escultura. “Meu estilo, eu criei. É o contemporâneo misturado com o Barroco e com o estilo Portinari. Eu trouxe a pintura para a escultura, é um estilo que ninguém nunca fez”, admite José Luzia. Para fazer suas esculturas, Gomides não utiliza rascunhos ou desenhos. As obras são feitas a partir do seu olhar


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muito tempo e para uma cópia idêntica perderia um tempo que poderia ser investido na produção de suas próprias obras. Algumas de suas peças têm formas do barroco como o movimento de roupa, o cabelo e o nariz. Gomides admite que suas obras, “seus negros”, tem o cabelo e o nariz parecidos com o estilo do Aleijadinho, mas não são reproduções, pois o seu trabalho é autêntico e não há trabalhos similares ao dele. Por não gostar cópias, toda escultura de Gomides é única, suas obras são autênticas. Ele prefere não expor em feirinhas para que suas obras não sejam copiadas e para que o comprador leve uma peça singular. O escultor gosta do desafio de olhar para a pedra-sabão e imaginar novas formas para sua arte. A valorização da pedra-sabão extraída na região é de suma importância para Gomides, tanto que acredita que o seu papel como escultor é destacar o nome da pedra-sabão na cidade, a qual representa suas raízes e faz parte do patrimônio de Ouro Preto.

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Da pedra-sabao para outros materiais


Tuca Parma “O escultor transforma a matéria, assim como Adão foi transformado do barro, crio esculturas”

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Próxima à Praça Tiradentes, na Rua Conde de Bobadela, “Rua Direita”, está a “Galeria Casa de Artes” do escultor e artesão Tuca, apelido de infância de Wanderson Parma, dado pela avó materna. Desde criança, Tuca tinha fascinação pela arte barroca, gostava de ir às igrejas e admirar as obras contidas no interior delas. Os adornos, representações de figuras santas e as pinturas o encantavam e aos 16 anos ele começou a trabalhar com a pedra-sabão e a perceber suas competências artísticas. A partir daí, Tuca passou a investir no desenvolvimento de várias habilidades no âmbito das artes, inclusive cursando as oficinas artísticas da FAOP. O escultor trabalhou alguns anos somente com as esculturas em pedra-sabão, e, um tempo depois, começou a trabalhar com a madeira e outros tipos de arte como pintura e instalações. Hoje, o seu trabalho é mais diversificado e possui conceitos contemporâneos. Para fazer suas esculturas, ele busca inspiração na cultura local e em temas que remetem tradição ouro-pretana. A maior parte de suas obras, são entalhes em madeira e esculturas em cerâmica e em pedra-sabão. As obras produzidas por Tuca ficam expostas na Galeria Casa de Artes que é o seu local de trabalho. O escultor


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aos detalhes e prefere demonstrar seu estilo e ter suas próprias criações. A reprodução de obras para Tuca Parma é um fator positivo, pois pode divulgar a obra de um artista. Embora acredite que para reproduzir uma obra passaria um grande tempo em exposição à obra original para abstrair todos os detalhes, e ainda sim, ficariam com os seus traços, pois a mão de um artista sempre deixa marcas. Tuca não faz reprodução, ele prefere criar uma coisa nova, o que faz dele um artista contemporâneo não aprisionado às características de épocas passadas. Como artesão, Tuca está sempre renovando, utilizando novos materiais e criando novas formas de esculpir. Como artista, possui vários projetos, sendo o principal deles expandir sua galeria, abrindo este espaço para mais artistas atuantes e convidados. Além disso, Tuca quer atrair turistas, pois vê neste público a possibilidade de levar a cultura da cidade para todos os cantos do mundo. Para Tuca, a escolha é sempre do visitante e com sua identificação com a obra. Ele afirma que o artesanato deve ser tratado da mesma forma que são tratadas as obras de arte, pois é um trabalho realizado e é um projeto executado. Assim, ele valoriza simbolicamente o artesanato que também tem o seu valor e é um elemento importante para a cultura local. Tuca é um artista reconhecido na cidade de Ouro Preto e acredita que o seu papel é dar continuidade da arte desen-

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possui também uma oficina em sua casa para executar trabalhos que necessitam de mais espaço e que geram sujeira, como o pó da pedra-sabão. A pedra-sabão apesar de macia e mais fácil de manusear que outras pedras, como a cantaria, pode se deteriorar com o tempo como aconteceu com os profetas da Igreja São José de Matozinhos em Congonhas, obra de Aleijadinho. Além disso, Tuca tem procurado trabalhar com outros tipos de materiais, como recicláveis e resíduos de construção civil, como o bloco sical, que o permite moldar ao seu jeito, pois é resistente à água e ao fogo. O trabalho com estes materiais sempre parte de um desenho, o projeto da obra. O desenho tem medidas e valores, como um projeto de construção civil. A arte surge do papel e vai para pedra ou para a madeira. Tuca também gosta de trabalhar em equipe e fazer obras de grande porte como trabalhos de decoração da cidade e instalações. Apesar de gostar do trabalho coletivo, ele valoriza também o trabalho individual. Na galeria, muitos trabalhos são feitos em equipe, desde a criação até a produção, tudo é feito de forma coletiva. No entanto, nas esculturas, os detalhes são feitos minuciosamente pelo escultor, parte em que o artista utiliza um acabamento moderno e pessoal às suas peças. Tuca se inspira e se identifica com as obras de Aleijadinho. Alguns detalhes em suas esculturas criam uma forte proximidade com os traços barrocos, mas ele não se prende


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volvida no século XVIII. “É inevitável não se inspirar nas obras de Aleijadinho, mas hoje estou mais independente nas minhas criações. Estou sempre inovando e sempre experimentando novos materiais, meu trabalho é mais contemporâneo, mas não abandono minhas raízes”, destaca Tuca.

Entalhando arte sacra


Gabriel Lopes “Sou um humilde escultor e um humilde entalhador. ”

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Impulsionado pela cultura local e seguido pelo interesse de trabalhar com a arte barroca, Gabriel Lopes sai da cidade de Mariana para trabalhar com o entalhador ouro-pretano Arlindo Dutra. A primeira experiência de Gabriel como escultor foi uma coluna de anjos, no estilo barroco, que vendeu dois dias após o término da peça. Isto serviu de motivação para continuar o trabalho como entalhador. Quando criança, Gabriel gostava de visitar as igrejas e imaginar como foram construídas e se encantava com os anjinhos e os monumentos nos altares. Sua inspiração é nas obras de Francisco Vieira Servas, entalhador português que trabalhou juntamente com Francisco Xavier de Britto, para a Irmandade do Santíssimo Sacramento e que executou trabalhos como retábulos e esculturas no estilo barroco europeu, em Minas Gerais. Algumas de suas obras estão contidas na Matriz de Nossa Senhora da Conceição e na Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Mariana. O estilo de escultura de Servas é mais clássico e mais esguio, com menos detalhes que o barroco mineiro. O ateliê de Gabriel e Arlindo recebe encomendas como portas, placas, anjos, peças sacras, esculturas, retábulos, entalhes de casario colonial, gamelas. E todas as peças estão


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Embora não tenham recebido prêmios, sentem-se gratos pelas importantes encomendas que lhes são pedidas, como as réplicas feitas pra a Irmandade de Nossa Senhora do Pilar e a Irmandade Terceira de São Francisco, encomendas que lhe permitem fazer reproduções das obras de Aleijadinho. Estas irmandades encomendam tais réplicas para o uso em festas religiosas, quando as peças originais ficam guardadas. As repetições permanecem nas igrejas de São Francisco de Assis e Nossa Senhora do Pilar, mas não são expostas. Gabriel Lopes ressalva a relação com o turista, visitante e consumidor. Ele valoriza as questões sociais que o artesanato permite. Acredita que suas peças possuem uma aura e que podem transmitir o mesmo efeito que uma obra de arte transmite. Para Gabriel, quem compra suas peças não leva só sua obra, mas um pedaço do Barroco Mineiro.

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relacionadas ao entalhe e escultura. Em alguns casos, também executam a restauração. No ateliê trabalha também o ajudante Wanderson Lima, o Nem. Eles recebem diariamente vários pedidos de réplicas de imagens religiosas. Visitantes procuram peças parecidas com as obras que estão dispostas nos museus e nas igrejas. Quando aceitam o pedido de uma reprodução, os entalhadores tentam reproduzi-la. Entretanto, admitem que há sempre uma característica própria do entalhador, ficando semelhante e não idêntica, pois a estética, a forma, o volume, precisam sair iguais. A marca de Gabriel em suas obras é tentar representar os anjos com o rosto de seu filho, porém com um nariz mais fino. O trabalho dos entalhadores Arlindo e Gabriel é suavizar as feições dos rostos das esculturas, fazer pesquisas e observar os detalhes das obras do Aleijadinho. Eles tentam satisfazer o cliente e buscam se aproximar ao máximo das características do Barroco. Em suas obras, as bochechas salientes dos anjos se assemelham à obra de Aleijadinho. Em peças como os medalhões, são representados três anjos, formando um triângulo, as mãos dos anjos são mais fortes e a anatomia dos rostos se aproxima do estilo de Aleijadinho. Nas esculturas, as formas das imagens têm movimentos mais leves e diagonais, estilo que se idêntica com as obras de Servas. Os entalhadores utilizam temas já trabalhados pelos grandes mestres do barroco, seguindo os parâmetros utilizados por estes artistas.


O que se pode levar?


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O artesanato é muito mais do que matéria é uma arte feita em madeira e na pedra-sabão extraídas da natureza que leva os moldes das mãos de artesãos e traços de seus valores culturais. O artesanato faz parte da identidade da cidade de Ouro Preto, que é preservado com as tradições, com as habilidades e técnicas de produção e com as relações com os outros artesãos e com os consumidores. Esta atividade artesanal é valorizada porque possui valores simbólicos e de identidade cultural que insere na sociedade uma necessidade de consumo. O desenvolvimento do artesanato é um meio de garantir aos artesãos uma forma de sustento. O artesanato ainda é uma atividade de sobrevida para muitas famílias e o lado social desta atividade deve ser levado em conta. Conforme a beleza e a singularidade das peças, estas relações vão além do sentido mercadológico, pois partem de relações mais profundas, de organizações sociais. Como é o caso dos artesãos da Feira de Artesanato do Largo Coimbra. Rita de Fátima Neto, artesã que trabalha na feirinha, natural do distrito de Santa Rita, conta que seu pai passou a técnica do artesanato para nove filhos. Hoje, ela trabalha com artesanato por prazer e para o seu próprio sustento, pois o marido trabalha em outro ofício e seus filhos já estão crescidos e formados. Rita borda cerca de 20 peças por dia, ela trabalha de 8 às 19 horas e leva o almoço na marmita. As caixinhas de pedra-sabão chamadas de “porta-joias”,


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mais rústicas e são produzidas por entalhadores. Antônio Inácio, entalhador que veio de Cajuri, zona da mata, Minas Gerais, para expor suas peças em Ouro Preto. Encantado pela arte barroca, Inácio aluga um ateliê de quinta a domingo para mostrar o seu trabalho. Suas peças correspondem a arte sacra popular que abarca variedades de santos e anjos barrocos tudo feito na madeira, o cedro. Os artesãos buscam proximidade com o público, que demonstra como o artesanato faz parte do cotidiano da cidade de Ouro Preto, seja representando obras de Aleijadinho nas esculturas das igrejas e fachadas, seja nas pinturas e nas peças de decoração feitas em pedra sabão. O artesanato é mais que um produto, ele tem valor social e valor simbólico, ele é também a identidade do artesão, assim como podemos notar como o entalhador Gabriel valoriza o trabalho coletivo e a relação do visitante com suas obras. Como o artesão Tuca está sempre aprimorando o seu trabalho, o que faz com que ele desperte aptidões em outras áreas. O seu talento e criatividade faz dele um artista que deseja que sua obra seja reconhecida como arte. E como o escultor Gomides grava traços de sua cultura nos objetos que cria, consciente ou inconscientemente, marca sua personalidade, e ainda, utiliza a conotação simbólica de que o comprador leva consigo o seu sangue negro. Estas histórias representam um pouco do artesanato da cidade de Ouro Preto e nos torna capazes de compreender

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bordadas pelas mãos da artesã, são exportadas de Santa Rita e pré-fabricadas por artesãos que trabalham no torno. Dos nove irmãos da Rita, cinco trabalham na feirinha e quase todos os outros também são parentes. Na feira, há cooperação entre os artesãos, cuidam das barracas um dos outros e nunca perdem a venda. “Sempre tem venda, a gente atende a muitos turistas”, relata Rita de Fátima. Para manter a segurança da feirinha, dois vigias se revezam. O pátio que anos passados era destinado para feira de hortifrutigranjeiros, funciona há 40 anos com feira de artesanato. Para Rita, trabalhar na Feira de Artesanato é uma satisfação. A atividade herdada e de seu pai tem uma profunda relação com o seu lugar no mundo, pois está enraizado em seu caráter e formação. E o trabalho em grupo e o contato com os visitantes dá uma grande uma sensação de prazer à artesã ao expor o seu trabalho que é visto e consumido. Deste modo, é possível perceber que os valores culturais são preservados na transmissão da atividade artesanal. O envolvimento com o trabalho na feirinha demonstra uma sensibilidade que ocorre naturalmente entre os artesãos e as suas produções. E esta proximidade com a cultura local é o que agrega valor àquele produto que está exposto na feira ou no ateliê. Muitas histórias podem ser contadas para explicar as diversidades do artesanato em Ouro Preto. A arte sacra é outra categoria no artesanato de Ouro Preto, as peças são


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que o artesanato é a arte que inspira as mãos que criam e materializam sentimentos e ideias, costumes de um povo nas peças. E que o artesão é um trabalhador que usa as mãos para produzir arte com autonomia, seja sozinho ou com ajudantes. O artesão também se orgulha da tradição de ter como herança uma arte que conta histórias, que cria, repete, reproduz e recria. O artesanato carrega a história do artesão e cada peça que é levada possui um significado. Ao visitar um determinado lugar, algo se leva para representar a cultura daquela localidade, e não apenas um souvenir, mas também uma forma cultural. As peças artesanais representam os valores da cultura que as produziu. Porque além de artesãos, seja em pedra sabão, seja em madeira, seu trabalho fica estampado naquela peça. Resguarda o rococó e a arte sacra presentes nas ruas de Ouro Preto que fazem parte do cotidiano dos que nascem, vivem e passeiam pela cidade, denotando a história e a arte barroca.

As pecas ,


Feira de Artesanato


Feira de Artesanato

Arte Sacra Ant么nio In谩cio

Limite negro Gomides


Escravo no tronco Gomides

Barriga d’água Gomides


O Anci達o Gomides

Gestante negra Gomides


Arte Sacra em Policromia Gabriel Lopes

Querubim Gabriel Lopes


Escultura feita com materiais de construção Tuca Parma

São Jorge escultura feita em cerâmica Tuca Parma



Patrícia Souza é bacharel em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto, tendo um livro-reportagem como o seu trabalho de conclusão de curso. Nascida em Ouro Preto e por vivenciar a cultura local, mostra em seu livro um novo olhar para o artesanato, como também a identificação do artesanato com o Barroco Mineiro e a tradição desta atividade.



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