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Zenith Tradução: Cynthia Costa
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Copyright © 2007 do texto: Julie Bertagna Copyright © 2012 da edição brasileira: Farol Literário Todos os direitos reservados ao autor.
Título original: Zenith Publicado originalmente em 2007 por Young Picador A tradução deste volume corresponde à edição publicada em 2008 por Young Picador
Ilustração da capa: © Getty Images DIRETOR EDITORIAL: EDITORA DE LITERATURA: COORDENAÇÃO EDITORIAL: EDIÇÃO: PREPARAÇÃO DE TEXTO: REVISÃO:
Raul Maia Junior Daniela Padilha Estúdio Sabiá Valéria Braga Sanalios Lola Chautchulis Olga Sérvulo Hebe Lucas EDITORAÇÃO ELETRÔNICA: Carochinha Editorial
Texto em conformidade com as novas regras ortográficas do acordo da língua portuguesa.
Dados Internacionais de Catalogação (CIP) Bertagna, Julie Zenith / Julie Bertagna; tradução [de] Cynthia Costa. – São Paulo: Farol Literário, 2012. Título original: Zenith ISBN 978-85-62525-25-4 1. Ficção científica. 2. Sobrevivência – Ficção. 3. Aquecimento global – Ficção. I. Costa, Cynthia, trad. III. Título. B537z
CDD 823.91
1a edição • setembro • 2012 Farol Literário Uma empresa do Grupo DCL – Difusão Cultural do Livro Rua Manuel Pinto de Carvalho, 80 – Bairro do Limão CEP 02712-120 – São Paulo – SP Tel.: (0xx11) 3932-5222 www.editoradcl.com.br
Em memória de duas mulheres inspiradoras: Miriam Hodgson e Jan Mark E para Natalie, minha inspiração para o futuro
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O que dura, o que muda, o que sobrevive? The play of Gilgamesh, de Edwin Morgan, adaptado do poema mais antigo do mundo
Nรฃo danifiqueis a terra, nem o mar, nem as รกrvores Apocalipse 7:3
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AVANNA norte
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O mar é para nós o que há de mais próximo de outro mundo. Do poema “North Sea Off Carnoustie”, de Anne Stevenson
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Estrela-guia
No oceano, a noite é como um cavalo negro de guerra. O barco branco avança como um cavaleiro fantasma sem rédeas. Na proa, uma figura solitária vigia, seus olhos são escuros como a noite. Ela perdeu a estrela de vista. Durante toda a noite a seguiu, até desaparecer por trás das nuvens. A Estrela Polar é uma velha amiga. Serve como referência aos pescadores da ilha, estrela-guia que os orienta no caminho de casa. Para Mara, tratava-se de uma joia perdida, um brilhante descolado da coroa da rainha mitológica Cassiopeia caindo em direção à constelação Concha de Cabo Comprido, que mexe a sopa das estrelas lá no céu. Em noites claras e calmas, sua avó Mary a levava até as colinas da ilha de Wing e lhe contava a história das estrelas. Apontando com o dedo, Mara brincava de ligar os pontos dessa constelação, os picos pontudos que formavam as estrelas do cinturão de Órion, o caçador, e o zigue-zague da coroa da rainha Cass. Se uma pessoa ficasse em pé no Polo Norte, bem no topo do mundo, a Estrela Polar estaria logo acima de sua cabeça, dizia a avó. Ela nunca se mexe. Todas as outras estrelas giram ao redor
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daquela âncora no céu. Mas não se pode mais ficar em pé no Polo Norte, suspirava a avó, pois o gelo derreteu e tudo virou mar. Naquela época, Mara ainda era pequena, não percebia o tom triste do comentário da avó. Agora, a Estrela Polar é sua única âncora. Um pontinho vacilante de esperança em um mundo afogado. A calota de gelo havia se derretido, mas, se ela seguir o rastro da Estrela Polar, poderá guiar seu navio repleto de refugiados — uma cidade flutuante de desesperados — à terra no topo do mundo. O vento cresce, agitando um líquido negro de mar e céu. Os refugiados se amontoam conforme a ventania envolve o navio em braços guerreiros e galopa pelas ondas. Mara se agarra ao convés e sua estrela-guia desaparece na noite furiosa.
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Tuck
O oceano engoliu as estrelas. Restam apenas migalhas que cobrem um mar escuro como tinta de lula ou como as profundezas do olho de uma baleia. Tuck agradece às suas estrelas da sorte e reza pelo toque de recolher. Enquanto isso, corre tão rápido que a cauda de sua capa, de um azul já gasto, voa atrás dele como a labareda da tocha que queima sobre a plataforma da cidade gigante de Pomperoy. Acima, as lamparinas dos mastros brilham como uma multidão de almas trêmulas. Se ele continuar correndo até o toque de recolher soar, estará a salvo. Assim que o sino toca, a tocha e as lamparinas do barco se apagam, não há nem um restinho de luz na noite do oceano. A gangue de Salters, que agora o persegue, precisaria de olhos felinos para encontrá-lo. Ouve-se um grito por perto. Tuck enche os pulmões de ar e pula sobre a ponte mais próxima, que range e balança. Suas pernas longas e esguias tremem tanto que ele quase cai na água. Nervoso, atravessa a ponte em direção à balsa e — splash! — afunda até os joelhos na poça de mar fétida que rodeia as cabanas Weeder.
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Ao virar-se — urgh! —, seu rosto é coberto por plantas marinhas viscosas que secam no varal. Consegue se livrar do troço com dificuldade, mas, em seguida, escorrega num amontoado de algas marinhas — afundando novamente as pernas até os joelhos. Um Salter, membro da gangue que o perseguia ainda há pouco, também está patinando sobre as algas, logo atrás dele, quase o agarrando pela capa, mas o barulho forte do toque de recolher o assusta e Tuck consegue finalmente escapar. A grande tocha bruxuleia pela última vez e se apaga, assim como todas as lâmpadas e lanternas nos barcos e nos mastros. A cidade flutuante de Pomperoy desaparece completamente no breu da noite. Tudo que resta é um longo som percussivo: os cling-clangs e entrechoques das correntes e cordas dos barcos que abrigam inúmeras pessoas, embalando o sono naquele mundo feito de mar. Tuck consegue passar pelas balsas e corre para o meio de uma multidão barulhenta que sai do navio-cassino; espera escapar dos Salters assim. Entra no labirinto de barcos e passarelas de Doycha e continua correndo e saltando até chegar ao cortiço, onde escala uma das muitas barcas que lotam o deque mais próximo. Deitado de bruços, cobre-se com a capa. O saco de sal furtado está pressionando sua costela, mas ele não ousa se mexer. Ainda pode ouvir os passos da gangue de Salters pelas passarelas, seus gritos esquentam seus ouvidos. O barco está lotado de homens. Tuck cruza os dedos e implora ao Homem Meeiro que mande um pouquinho de sorte de ladrão. Mas é Grande Skua que manda: o barulho de passos na ponte próxima lhe dá a certeza de que os Salters foram embora. O saco de sal roubado ainda machuca a lateral de seu corpo. Tuck deita de barriga e engole um gemido de dor conforme os pedaços endurecidos de sal se esmigalham sob seu peso. O saco arrebenta e todo o sal se espalha. Ainda assim, ele não ousa se mexer, pois um Salter pode ter
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ficado para trás. Suas orelhas estão amortecidas pelo esforço em escutar alguma pista da presença dos Salters, e ele só se senta quando tem certeza de que toda a gangue realmente partiu. Que noite! Ser perseguido por toda Pomperoy e ainda perder o precioso sal. Tuck reúne alguns torrões que consegue e enche os bolsos da capa. — Te peguei, rato espumoso! Com uma risada forte, um Salter lhe agarra o pé pelo tornozelo e não quer largar. O pior crime em uma cidade fundada por piratas não é matar (pois sempre há razão para matar), mas roubar. Tuck já viu pessoas serem chicoteadas e enforcadas nas pontes centrais por causa de furto. Roubos e saques corriam nas veias da cidade de Pomperoy, mas as vítimas — os barcos — tornaram-se raras, e o gosto da cidade pela pirataria voltou-se contra ela mesma. Assim, todas as noites quando Tuck sai para roubar arrisca o próprio sangue. Esperneando, ele chuta para que o Salter largue seu calcanhar. Não deseja ser chicoteado nem enforcado como os outros. Esta noite ele só furtou um saco — porém, noite após noite vem roubando para vender nos barcos, o que fez o preço do sal dos Salters despencar no mercado nas últimas semanas. Os torrões de sal vêm sustentando Tuck e sua mãe com folga. Pensar no Grande Skua pra quê? Tuck chuta as mãos do Salter com mais força. Depois que seu pai morreu, os Salters levaram o barco da família e ele e a mãe foram parar naquele cortiço, portanto ele só estava tentando resgatar o que lhe pertencia por direito. Ambos, ele e a mãe, já haviam experimentado todas as iguarias do mercado das gôndolas: algas cristalizadas, macarrão marinho, cestas de pepinos-do-mar em conserva, o melhor pão de algas da cidade, anêmonas crocantes... Pela primeira vez em muito tempo Tuck sentia que estava engordando um pouquinho. O Salter puxa o tornozelo de Tuck com tanta força que ele cai no deque e logo é sufocado pelo pescoço com aquela mão
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