Mínimo habitacional: O caso de Fortaleza

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MÍNIMO HABITACIONAL: O CASO DE FORTALEZA

Márcia Gadelha Cavalcante marciacavalcante@dau.ufc.br Francisca Patrícia Moura Santos fpatriciams20@gmail.com Letícia Campos Dias leticiadias@arquitetura.ufc.br Paula Campos Thiers paulacthiers@arquitetura.ufc.br Resumo Este artigo é parte integrante da pesquisa sobre habitações multifamiliares verticais com área privativa de até 70 m​2 em Fortaleza e Região Metropolitana, que foi desenvolvida por bolsistas universitários, no ano de 2017, para gerar uma base de dados para a disciplina de projeto arquitetônico. O objetivo do artigo é aprofundar o conhecimento sobre a produção contemporânea dos espaços edificados da unidade habitacional mínima e os fatores que definem o seu projeto arquitetônico. O método empregado foi o levantamento de dados primários em sites, com posterior sistematização e interpretação. Os estudos comprovam a preponderância da localização na definição do programa e valor do imóvel, e, principalmente, a padronização da área mínima da unidade habitacional. Os resultados dão subsídios para novos projetos habitacionais e futuras pesquisas na área. Palavras-chave: habitação mínima; Fortaleza; projeto habitacional multifamiliar; mercado imobiliário.

INTRODUÇÂO Durante o século XIX, ocorreram mudanças urbanas nunca vistas anteriormente. Montaner (2015) nos situa no cerne da questão habitacional com seu relato sobre como muitas cidades europeias viveram, nesse período, problemas de valorização imobiliária com habitações em condições precárias, e de como foi criado um ambiente propício ao surgimento das concepções modernas neste campo. Até hoje, o movimento modernista é a referência mais impactante da habitação mínima, com rebatimentos na produção contemporânea. Esta pesquisa objetiva comprovar que a habitação mínima produzida em Fortaleza, na atualidade, possui unidades habitacionais similares, que em geral obedecem às legislações vigentes. E, também, que as variações de valor venal são resultado da localização, programa das áreas comuns e da verticalização. Muitos dos

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itens levantados e analisados necessitam de estudos específicos, portanto focou-se no estudo das áreas das unidades.

A pesquisa foi dividida nas seguintes etapas:

levantamento e sistematização dos dados, análise dos dados gerais, análise da unidade habitacional, análise dos ambientes internos e comparativo de duas unidades habitacionais.

ETAPA 01- LEVANTAMENTO E SISTEMATIZAÇÃO DOS DADOS Iniciou-se pelo levantamento dos imóveis ofertados no mercado imobiliário de Fortaleza, em sites de venda, no primeiro semestre de 2017. O requisito primário de busca foi delimitado: área de venda das unidades habitacionais máxima de 70,00m². Foram levantados um total de 15 empreendimentos, em diferentes localidades, com portes e características variados. De posse dos exemplares, foram avaliados: o entorno urbano, a implantação dos blocos, as áreas de lazer, espacialização das unidades, até o método de publicidade (Figura 1). É importante ressaltar que os preços disponibilizados nos sites, seja o valor venal, seja a faixa de renda do Projeto Minha Casa Minha Vida, não foram requisitos iniciais para a procura online, entretanto foram parâmetros que se mostraram importantes em função da caracterização de cada empreendimento. Figura 1: Mapa Geral dos empreendimentos. Fonte: organizado pelas autoras.

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O levantamento dos empreendimentos foi resumido em fichas onde foram sistematizadas as informações projetuais em função das variáveis de valores de Cavalcante (2001) e outras que se mostraram necessárias à medida que a pesquisa foi se desenvolvendo, quais sejam: localização, área das unidades, verticalização, áreas comuns, tipo de revestimento, área do terreno, número de unidades, plantas das unidades e planta de implantação, ficha técnica e preço. O tema visual mais importante da ficha ficou a cargo das imagens de plantas disponibilizadas pelas páginas web, para assim analisar e quantificar os espaços das habitações e as áreas comuns dos empreendimentos. Sobre a forma de venda online, apesar de não ser objeto direto da pesquisa, seguem comentários específicos: o visual de apresentação das imagens e plantas, juntamente com a forma de colocação dos textos, como estratégia de marketing, se diferenciou entre empreendimentos em função da faixa de renda; as nomenclaturas das áreas comuns para condomínios de alto padrão são nomeados em inglês (playground,fitness, etc); a unidade habitacional, é colocada em segundo plano, talvez por seu tamanho reduzido não

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contribuir para a venda; o uso de plantas humanizadas e tecnologias de realidade virtual visando ampliar ao máximo a percepção das dimensões dos apartamentos. Depois de elaboradas as fichas de cada empreendimento, foi organizado um quadro (Quadro 1) pela ordem crescente de valores venais, para apresentação e discussão em sala de aula.

Quadro 1: Quadro Geral dos Empreendimentos. (OBS: os números de pavimentos com asteriscos correspondem a uma contagem na imagem, não foram confirmados nos projetos oficiais) Fonte: organizado pelas autoras.

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ETAPA 2- ANÁLISE DOS DADOS GERAIS O processo de crescimento urbano de Fortaleza é historicamente segregado: ao leste, predomina população de maior poder aquisitivo, e ao oeste, a população de baixa renda. Os estudos realizados pelo pesquisador Renato Pequeno (2015) para o Observatório das Cidades atestam que, entre 2000-2010, esta realidade continua sendo praticada e que as tipologias habitacionais produzidas para classe alta estão localizadas ao leste e que os conjuntos habitacionais para programas governamentais como o PAR e o Minha Casa Minha Vida, são implantados na região oeste. A destacada influência da localização no valor da unidade habitacional se confirma na pesquisa de valores, como também o programa das áreas compartilhadas, que é bastante diferenciado em função do poder aquisitivo do comprador. Os apartamentos mais caros possuem programas bastante amplos e diversificados e, quando necessário, em mais de

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um pavimento. Nos empreendimentos de menor preço os espaços do térreo passam a ser ocupados por veículos, não são construídos subsolos e as áreas de lazer são diminutas. A maioria dos empreendimentos possuem blocos em formato de “H” e as áreas de permanência prolongada dos apartamentos orientadas prioritariamente para norte e sul. Como em Fortaleza a ventilação predominante provém das direções leste e sudeste, este é o fator mais importante na geração de conforto térmico conforme diagnóstico climático da Carta Bioclimática de Givoni, que indica a ventilação para geração de conforto térmico em 85,8% dos casos, concluímos que ao priorizar custos de áreas comuns e maior quantidade de unidades por área, as implantações dos edifícios podem comprometer o conforto térmico das unidades habitacionais. Em relação à verticalização, observamos que, no lado oeste da cidade, predominam blocos com altura de cinco pavimentos. Esta altura permite a eliminação de elevadores, consequentemente diminui o custo da unidade e a manutenção do condomínio. À medida que aumenta o valor venal do terreno, ou a localização tem mais infraestrutura urbana, o número

de

andares

aumenta,

utilizando

o máximo dos parâmetros urbanos,

principalmente o coeficiente de aproveitamento. Os empreendimentos localizados nos bairros mais valorizados, como o Meireles, a Aldeota e o Papicu, como confirma o mapa da valorização imobiliária em Fortaleza (Figura 2), são os mais verticais, com revestimentos mais caros, e com áreas comuns maiores.

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Figura 2: Mapa da Valorização imobiliária em Fortaleza. Fonte: FREITAS, 2014.

Após as conclusões iniciais decidiu-se concentrar os estudos na análise da unidade habitacional, de modo a contribuir para o tema da minimização dos apartamentos contemporâneos, bastante debatido na atualidade e de grande impacto na qualidade de vida dos usuários.

ETAPA 3- ANÁLISE DAS UNIDADES HABITACIONAIS O estudo mais específico das unidades habitacionais inclui seu programa; a área dos ambientes; a área privativa; e a distribuição funcional dos ambientes. Para iniciar os estudos, foram elaboradas as plantas das unidades em formato DWG, de modo a

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quantificar as áreas com exatidão. Algumas plantas foram cedidas pelos autores dos projetos e, quando não foi possível o acesso aos projetos originais, as imagens da WEB foram redesenhadas no Programa AutoCAD, com base no método de proporcionalidade a partir de escalas gráficas. Ao final, foram desenhadas 22 plantas. Os dados foram tabulados (Quadro 2) pela ordem crescente de valor venal das unidades habitacionais do Quadro 1. Listou-se os ambientes de cada unidade do empreendimento, suas áreas, ou sinal de nulidade quando não existente. São eles: cozinha, área de serviço, circulação, estar/ jantar, quarto 1, quarto 2, quarto 3/gabinete, banheiro 1, banheiro 2, banheiro 3 e varanda. Fez-se uma média da área de cada cômodo, resultando em uma pequena variação entre ambientes. O somatório das áreas totais de cada 1

ambiente (excluindo paredes) , resultou na unidade menor com 29,60m², com 1 quarto e na maior: 62,50m² com 3 quartos.

Quadro 2: Quadro de ambientes e áreas das unidades residenciais. Fonte: Elaborado pelas autoras.

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Optou-se por analisar as áreas internas por ser mais fácil de comparar. Nos sites o que consta são as áreas privativas, que incluem as áreas de paredes conforme as diretrizes da Norma de Incorporação -NBR 12.721.

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As plantas são semelhantes em muitos quesitos: área dos ambientes; o modelo tripartido, espaços de serviço, social e íntimo delimitados; e a integração da cozinha com o estar/jantar, e da cozinha com a área de serviço. Em relação às áreas dos ambientes ficou evidente que estes se limitavam ao mínimo proposto nas legislações vigentes, que foi consultada à medida que a pesquisa se desenvolvia. Os ambientes internos das unidades habitacionais em Fortaleza são legislados por leis municipais: Lei de Uso e Ocupação do Solo e Código de Obras e Posturas Municipais, e por leis federais: Norma de Incorporação, NBR 12.721 e de Desempenho, NBR 15.575.

ETAPA 4- ANÁLISE DOS AMBIENTES INTERNOS A conclusão mais significativa foi de que, apesar dos empreendimentos serem tão diversos, existe uma semelhança nas dimensões dos cômodos, que em geral são as mínimas permitidas pelas legislações. O aumento da área está diretamente vinculado ao aumento no programa, por isso optou-se por colocar nas colunas iniciais os ambientes que constavam em todas as unidades (Quadro 2). Este aumento implica em acréscimo de quarto; banheiro, criando uma suíte; e de varanda ou sacada. Outro fator a destacar é a varanda só existir quando a unidade habitacional tem mais de 48,00 m​2​. Culturalmente, o uso de varandas e sacadas nas áreas residenciais ocorre desde as residências vernaculares, principalmente no Nordeste. Legalmente, as sacadas 2

são incentivadas na legislação municipal . Os apartamentos podem resultar maiores com o acréscimo de sacadas, gerando uma área privativa, calculada conforme a Norma 12.721, diferente da área parcial. Este benefício é bastante utilizado nos apartamentos direcionados para classe alta. Em relação ao conforto ambiental as sacadas são importantes por sombrearem as fachadas diminuindo a incidência solar diretamente nos compartimentos internos. Como ​Nas definições da LUOS, XVIII- ÁREA PARCIAL DA UNIDADE é a área construída da unidade, inclusive as ocupadas por paredes e pilares e excluindo-se jardineiras e sacadas de até 0,90m (noventa centímetros) de largura; e no item LXXXIV - ÍNDICE de APROVEITAMENTO - é o quociente entre a área parcial de todos os pavimentos do edifício e a área total do terreno; ou seja, a sacada não é computada para efeito de índice/ coeficiente de aproveitamento. 2

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Fortaleza encontra-se em latitude de 3​o​S do Equador apresenta incidência solar em praticamente todas as orientações com elevados níveis de radiação solar (LEITE, 2015, p. 104). À primeira vista parece uma contradição a não utilização de sacadas, principalmente porque o custo das mesmas não é representativo, gera um aumento psicológico da área de estar, e é um item valorizado culturalmente em Fortaleza. Desta forma conclui-se que a única razão da ausência de sacadas em unidades compactas é o fato da não exigência nas leis.

ETAPA 5- COMPARATIVO DE DUAS UNIDADES HABITACIONAIS Para exemplificar as semelhanças e diferenças das unidades habitacionais, foram escolhidas duas tipologias de 2 quartos, sendo uma delas a de menor valor venal, do Conjunto Habitacional Cidade Jardim, destinado ao público da faixa 1 do Programa Minha Casa Minha Vida- PMCMV, localizado no bairro Prefeito José Walter, e a outra de valor venal maior, do Condomínio Helbor Parque Clube, localizado no Papicu, bairro de classe alta. Os empreendimentos possuem localização, programa das áreas comuns, verticalização e acabamentos em geral bastantes distintos. Comparar as áreas destas duas unidades e principalmente de seus ambientes demonstrará a semelhança dos ambientes internos das unidades habitacionais (Figura 3).

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Figura 3: Comparativo das duas fichas: Empreendimento Conjunto Residencial Cidade Jardim e Helbor Condomínio Parque Clube Fortaleza. Fonte: Elaborado pelas autoras.

Percebe-se que há um maior número de aposentos no Condomínio Helbor Parque Clube, com área privativa de 56,00m², enquanto o Cidade Jardim possui 43,00m². Entretanto, na soma dos ambientes comuns aos dois, encontramos uma diferença de somente 0,15m​2​, número irrisório, donde conclui-se que os ambientes comuns aos dois possuem áreas iguais. Os espaços distintos são: as varandas e um banheiro. Um desses pequenos

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espaços de sacada é reservado para aparelhos de ar-condicionado, ressaltando o alto poder aquisitivo do público-alvo. Quanto à unidade habitacional do Cidade Jardim, enfatiza-se a falta de varandas e a implantação em formato “H”, o que pode agravar o desempenho ambiental da unidade. Com este exemplo, comprova-se que o valor venal dos apartamentos pesquisados independe do tamanho da unidade residencial, já que as áreas de seus ambientes são muito

parecidas,

calcula-se que a unidade habitacional do Bairro Papicu, é

aproximadamente 3 vezes mais onerosa que a unidade de interesse social do Conjunto Habitacional Cidade Jardim.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa confirma pressupostos históricos, revela necessidades e aprofundamentos de novas pesquisas, e demonstra as desigualdades da produção arquitetônica da unidade habitacional multifamiliar mínima. Os pressupostos históricos são que a localização é o principal fator de valorização imobiliária; a verticalização só ocorre quando compensa financeiramente em função do valor da terra e dos coeficientes de aproveitamento das leis de uso e ocupação do solo; e as áreas comuns são dimensionadas pelo poder aquisitivo dos compradores. Destaca-se que na produção arquitetônica contemporânea da habitação mínima em Fortaleza as desigualdades sociais, econômicas e espaciais se refletem de forma impactante, atestando que a habitação se converteu em um produto de consumo. A diversidade de fatores e, as muitas variáveis que atuam sobre os empreendimentos estudados, reforçam a necessidade de pesquisas específicas e mais estruturadas sobre este segmento do mercado imobiliário. Neste artigo demonstrou-se que, apesar das diferenciações dos empreendimentos, as áreas dos ambientes internos das unidades habitacionais são similares.

REFERÊNCIAS: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 15575-1: Edificações Habitacionais –Desempenho. Requisitos Gerais. Rio de Janeiro, 2013. CAVALCANTE, Marcelo G. ​Apartamentos Residenciais:​​ formação de valor em Fortaleza-CE. São Paulo: AnnaBlume, 2002. FREITAS, Clarissa Figueiredo Sampaio. ​Ilegalidade e degradação em Fortaleza:​​ os riscos do conflito entre a agenda urbana e ambiental brasileira. Urbe, Rev. Bras. Gest. Urbana, Curitiba , v. 6, n. 1, p.

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109-125, Apr. 2014. Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-33692014000100009&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 26.mar.2018. http://dx.doi.org/10.7213/urbe.06.001.AC02. LEITE, Renan Cid. ​Cidade, Vento, Energia:​​ limites da aplicação da ventilação natural para o conforto térmico face à densificação urbana em clima tropical úmido. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) -Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. MONTANER, Josep Maria​. La arquitectura de la vivienda colectiva: ​Políticas y proyectos en la ciudad contemporánea.​ ​I. ed. Barcelona: Reverté, 2015. PEQUENO, Renato. ​Condições de moradia e desigualdades sociespaciais:​​ o caso de Fortaleza. COSTA, Maria Clélia Lustosa; PEQUENO, Renato In: Metrópoles: Território, Coesão social e governança democrática. Fortaleza: Transformações na ordem urbana. Letra Capital: Observatório das Metrópoles, Rio de Janeiro, 2015, p.188-237. PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA. ​Código de Obras e Posturas do Município de Fortaleza​​, Lei nº 5.530 de 23 de dezembro de 1981. PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA. ​Lei n​o​​ ​ 7.987 de 23 de dezembro de 1996​​.

Sites visitados: www.bspar.com.br www.direcional.com.br www.engeplan.com.br www.helbor.com.br www.magis.com.br www.mouradubeux.com.br/md/ceara www.mrv.com.br www.muzaconstrutora.com.br

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