História da lógica parte 2

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Raciocínio Lógico Profª Carmen Suely Cavalcanti de Miranda Profº Ivickson Ricardo de Miranda Cavalcanti

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Unidade 4 Introdução à história da lógica

2.1 Contextualizando Na unidade passada iniciamos o estudo da história da ciência Lógica, voltando ao tempo da Grécia Antiga, isto é, desde os filósofos da natureza até chegar a Aristóteles. A partir desse momento histórico, podemos dizer que a lógica passa a ser uma disciplina a parte que tem como proposta oferecer instrumentos necessários para formular um raciocínio correto sobre o mundo. Mas que instrumentos são esses? O objetivo dessa unidade é dar continuidade à unidade anterior, isto é: • Conhecer o desenvolvimento histórico da ciência da lógica • Identificar a contribuição de filósofos e matemáticos na sistematização desse conhecimento chamado lógica.

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2.2 A lógica Aristotélica Como vimos na unidade anterior, Aristóteles criou instrumentos para se formular o raciocínio correto, que se encontra na sua obra intitulada Metafísica.

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SAIBA QUE Segundo Aristóteles, a razão humana opera de acordo com princípios que ela própria estabelece e que garantem que a realidade é racional. São eles: Princípio da identidade, cujo enunciado pode parecer surpreendente: “A é A”. [...] O princípio de identidade é a condição do pensamento e sem ele não podemos pensar. Ele afirma que uma coisa, seja ela qual for [...] só pode ser conhecida e pensada se for percebida e conservada com sua identidade. Princípio da não-contradição, cujo enunciado é: “A é A e é impossível que seja, ao mesmo tempo e na mesma relação, não-A”. Assim é impossível que a árvore que está diante de mim seja e não seja uma mangueira; [...] Afirma, também, que as coisas e as idéias contraditórias são impensáveis e impossíveis. Princípio do terceiro-excluído, cujo enunciado é: “Ou A é x ou é Y e não há terceira possibilidade. Por exemplo: “Ou este homem é Sócrates ou não é Sócrates”; [...] “ou está certo ou está errado” (CHAUÍ, 2001, p. 60).

Estes seriam, segundo Aristóteles, os princípios básicos a que obedecemos quando construímos qualquer tipo de proposição e, consequentemente, argumentação. Tomemos como exemplo o princípio de não-contradição, que foi, dentre os três, o mais estudado durante toda a tradição filosófica. Se fosse possível afirmar que um animal X é enquadrado na classe dos mamíferos e também que não pode ser enquadrado em tal classe, qualquer coisa poderia ser dito sobre este animal, mas nunca chegaríamos à verdade sobre o mesmo. A sistematização aristotélica do que hoje chamamos de lógica, como disciplina, se realiza mais especificamente num grupo de textos chamados de Organnon (os analíticos, os tópicos, a retórica), onde o filósofo estuda a temática da lógica nos seus fundamentos, princípios, categorias e métodos – mas notese, falta nesses textos aristotélicos a palavra

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lógica para designar tal tema, o que só aconteceria mais de trezentos anos depois com os filósofos estoicos.

CONCEITO O estoicismo é uma doutrina filosófica fundada por Zenão de Cítio. Floresceu na Grécia, sendo levada a Roma no ano 155 a.C. por Diógenes de Babilônia. Os seguidores do estoicismo são chamados de estoicos. A preocupação dos estoicos era como o indivíduo deveria agir para viver bem (CHALITA, 2006).

De qualquer modo, sem dar o nome preciso de lógica, mas no âmbito do que ele chamou de silogismo (teoria do raciocínio ou cálculo), Aristóteles definiu os processos lógicos do raciocínio perfeito que seria, como tal, o raciocínio demonstrativo ou dedutivo – diz ele que o discurso dedutivo é “um discurso em que, postas algumas coisas, outras se seguem necessariamente” (Analíticos Posteriores, I, 1, 24b). Assim, o silogismo seria a argumentação lógica perfeita, constituída de três proposições declarativas que se conectam de tal modo que a partir das duas primeiras, chamadas premissas, é possível deduzir uma conclusão. A definição aristotélica do silogismo demonstrativo ou dedutivo projeta até hoje o objetivo geral e as características fundamentais do que se busca na lógica: 1) o caráter de mediação; 2) o caráter de necessidade. Mas como ter uma compreensão geral do que queria Aristóteles com seu silogismo? Pode-se dizer que Aristóteles queria captar e traduzir o mundo, as coisas, as relações, por meio de um raciocínio perfeito que pudesse ser posto num discurso correto, inteligível, sem ambiguidades ou contradições. Ele acreditava, como dissemos anteriormente, que o mundo era Cosmos – isto é, um universo bem ordenado, arrumado em categorias (para Platão e Aristóteles a palavra “categorias” significa gêneros supremos ou determinações da realidade.), e que temos no nosso intelecto as ferramentas necessárias para captar e organizar tais categorias. Assim é que a base da teoria do silogismo de Aristóteles é a correspondência

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necessária e mediadora entre a realidade e o discurso, através dessas categorias que ordenam o mundo, dos princípios que regem o pensamento humano, acima abordados, enquanto princípios básicos do pensamento racional, a saber - contradição, identidade e terceiro excluído. Esses princípios são considerados as três leis do pensamento. No campo do pensamento humano, os princípios básicos do pensamento racional assim se explicitam: •• O princípio de identidade afirma que se qualquer enunciado é verdadeiro, então ele é verdadeiro. Ou seja, este princípio é condição do pensamento e sem ele não podemos pensar. Ele afirma que uma coisa, seja ela qual for, só pode ser conhecida e pensada se for percebida e conservada com sua identidade. Por exemplo, depois que um matemático definir o triângulo como figura de três lados e de três ângulos, só outra figura que tenha esse número de lados e de ângulos pode ser chamada de triângulo. •• O princípio da contradição afirma que nenhum enunciado pode ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo. Assim, é impossível que a árvore que está diante de mim seja e não seja um cajueiro; que o triângulo tenha e não tenha três lados e três ângulos; que o homem seja e não seja mortal. •• O princípio do terceiro excluído afirma que um enunciado ou é verdadeiro ou é falso. Ele exige que apenas uma das alternativas seja verdadeira. Como exemplo temos, em um teste de múltipla escolha, quando escolhemos na verdade apenas entre duas opções - ou está certo ou está errada - e não há terceira possibilidade ou terceira alternativa, pois, entre várias escolhas possíveis, só há realmente duas, a certa ou a errada Para Aristóteles, ao lado dos princípios, existiam 10 grandes categorias ordenadoras do mundo: substância, quantidade, qualidade, –relação, lugar, posição, ter, agir, possessão. Para o filósofo, amante da sabedoria, bastava captá-las e contemplálas em suas ordenações e, então, exprimi-las segundo certos princípios universais do pensar num discurso silogístico correto. Ou seja, como operação do pensamento, o raciocínio se realiza por meio de juízos que são enunciados linguística e logicamente por proposições encadeadas que chamamos de silogismo. Todo o silogismo é formado por três e só três proposições. Tais proposições

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designam-se: a) Premissa Maior - aquela que tem o termo maior b) Premissa Menor - aquela que tem o termo menor c) Conclusão - aquela que articula o termo menor com o termo maior Veja um exemplo clássico do silogismo aristotélico: Figura 4 – Exemplo clássico do silogismo aristotélico Todo Homem é Mortal

Premissa Maior

Antecedente

Sócrates é Homem

Premissa Menor

Antecedente

Sócrates é Mortal

Conclusão

Consequente

A premissa maior do silogismo coloca uma realidade universal necessária fundada na substância (categoria fundamental – a essência da coisa) de que é feita - o Homem – uma substância cuja característica é a mortalidade de sua natureza, em qualquer circunstância predicada das outras categorias. A premissa menor faz a mediação entre o homem universal, qualquer homem, e o homem particular, Sócrates, esse indivíduo único, que não existe outro igual. Finalmente a conclusão de todo o argumento sintetiza aquela categoria universal da mortalidade humana em geral com a universalidade necessária da mortalidade de Sócrates, um particular. Há toda uma sequência demonstrativa mediadora e necessária. Veja mais um exemplo de silogismo: Todo árbitro é desonesto.

PREMISSA MAIOR

João é árbitro.

PREMISSA MENOR

Logo, João é desonesto. CONCLUSÃO

O silogismo apresenta: •• Um termo maior - assim designado porque é aquele que tem maior extensão. Ocupa sempre o lugar de predicado na conclusão. •• Um termo menor - aquele que tem menos extensão. Ocupa sempre o lugar de sujeito na conclusão.

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•• Um termo médio - é o intermediário entre o termo maior e o termo menor. É ele que permite a passagem das premissas à conclusão. Veja no exemplo dado: Figura 5 – Termos do silogismo

Mortal

Termo Maior

Homem

Termo Médio

Sócrates

Termo Menor

Aristóteles considerava que todos os argumentos poderiam ser reduzidos à forma do silogismo. Hoje sabemos que isto não é verdade. Mesmo assim, o conceito ainda tem muita utilidade na avaliação de argumentos simples.

PRATICANDO Que tal exercitar sua compreensão? Identifique no argumento a seguir os termos maior, menor e médio. - Todas as baleias são mamíferos. - Alguns animais são baleias. - Logo, alguns animais são mamíferos.

Avançando na história até o século 19, observa-se que não houve modificações substanciais em relação à lógica desenvolvida por Aristóteles, mais especificamente no que diz respeito a esta teoria do silogismo, só pequenas variações empreendidas pelos filósofos estoicos, que, diga-se de passagem, foram os primeiros a dar o nome de lógica a esta disciplina.

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No séc. 19 o que já parecia a última voz em termos de lógica sofre uma reviravolta, surge a lógica simbólica, ou matemática. Se analisarmos a importância de Aristóteles e de suas investigações no campo da ciência, veremos sua preocupação com problemas metodológicos dos mais variados, nesse sentido ele construiu as bases da lógica e da retórica. Esta última responsável pelo estabelecimento dos mecanismos e formas de argumentação. Vejamos o que dizem Cruz e Moura (2004, p. 2) analisando essa importância: No discurso comum, provar, argumentar e demonstrar são usados com muitos e variados significados. O uso do dia-dia, impreciso por sua própria natureza não gera confusão e desentendimento. Com a mesma insistência com que se exige “prove que estou errado!”, se diz que “esse seu argumento não se sustenta” ou “não tem quem consiga demonstrar que ele está mentindo”. Os pesquisadores das ciências humanas e sociais nada provam, mas argumentam a favor de suas teses. Por sua vez, os físicos e químicos não argumentam a favor de seu resultado, mas os demonstram, empiricamente. Os matemáticos às vezes provam, outras vezes demonstram.

A lógica simbólica: a reformulação de Frege A lógica matemática foi criada entre o fim do séc. 19 e o início do 20. Num livro chamado Conceitografia, de 1879, quando o filósofo chamado Gottlob Frege (18481925) lançou os fundamentos de um novo sistema que reformulou toda a lógica tradicional e a apresentou sob a forma de uma linguagem matemática. Uma das maiores contribuições de Frege foi a invenção de símbolos universais para tornar mais enxuto, conciso e formal o discurso da linguagem comum que ele considerava muito genérico e ambíguo. Frege criou o que podemos chamar de uma metalinguagem lógica moderna.

CONCEITO Metalinguagem – em lógica é uma linguagem utilizada para descrever algo sobre outra linguagem, o discurso acerca de uma língua.

Como é isso, em linhas gerais?

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Lembram que a lógica de Aristóteles trabalhava com as noções de categorias universais (que ordenam o mundo) e com os princípios universais do pensamento (que ordenem o raciocínio)? Pois bem, sem seguir o modelo silogístico, Frege organiza todas essas categorias e princípios do discurso numa linguagem lógica mais concisa de duas maneiras que se completam: a) Uma lógica proposicional – é um sistema formal desenhado para analisar certos tipos de argumentos. É “um formalismo matemático através do qual podemos abstrair a estrutura de um argumento, eliminado a ambiguidade existente na linguagem natural” (PEREIRA, 2011). b) Uma lógica dos predicados – é um sistema lógico formado por um conjunto de fórmulas e um conjunto de regras de inferência. As fórmulas são sentenças que pertencem a uma linguagem formal. Nos capítulos 7 e 8 iremos estudar a lógica proposicional e a lógica de predicados.

CONCEITO Designa-se por inferência a operação mental pela qual obtemos de uma ou mais proposições outra ou outras que nela(s) estava(m) já implicitamente contida(s).

Peano, Russell, Carnap, Gödel, Wittgenstein e Newton da Costa são os nomes de alguns matemáticos e filósofos famosos que desde o século XX, a partir dos paradoxos a que chegaram devido a novas descobertas em disciplinas como a física e a matemática, fizeram desenvolver a lógica matemática tal como reformulada por Frege.

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SAIBA QUE No nosso tempo há um interesse mundial pelo avanço de um novo aspecto da lógica descoberto pelo brasileiro Newton da Costa, a partir de sua tese de cátedra “Sistemas formais inconsistentes”, 1963 – é a chamada Lógica paraconsistente que opera e admite contradições, em contraste com a lógica clássica, cujo princípio básico, como temos visto, é a nãocontradição. Indagado em entrevista para a Folha de São Paulo sobre o sucesso, o alcance e a importância da lógica paraconcistente, Da Costa aponta dois alcances de peso – um prático, no campo da medicina, de suporte a diagnósticos médicos, e outro avançado no campo das pesquisas físicas de ponta.

2.3 Aplicando a teoria na prática A importância da lógica simbólica Até aqui situamos a lógica e seu desenvolvimento na história. Convido você a identificar, no percurso histórico traçado, a importância deste conhecimento, desde seu surgimento até os dias atuais. Para proceder a essa identificação, vejamos a lógica clássica, tal como Aristóteles a formulou, e as contribuições que os filósofos deram ao longo do tempo, que não a alteraram substancialmente. A tal ponto isso é verdadeiro que, no séc. 18, Kant afirmava ser a lógica uma ciência completa, acabada. A partir do séc. 19, porém, surgiram inúmeras lógicas, não só para complementá-la, como a lógica simbólica, mas também para rivalizar com a tradicional. A importância da lógica tem aumentado com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, na medida em que seu campo de atuação se amplia como instrumento do pensar indispensável em filosofia, matemática, computação, direito, linguística, ciências da natureza e tecnologia em geral. Neste último quesito, citamos a sua contribuição em setores os mais diversos: inteligência artificial, robótica, engenharia de produção, administração, controle de tráfego, entre outros.

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Enfim, é a lógica simbólica que nos proporciona inúmeras facilidades em nossa vida diária que muitas vezes nem suspeitamos, como retirar dinheiro no caixa eletrônico, distrairmo-nos com os joguinhos computadorizados e digitar comandos no computador. Por exemplo, ao acionar um ícone que se encontra na barra de ferramentas, nem sempre sabemos que estamos ativando uma função matemática, que é um caso particular da lógica simbólica.

2.4 Para saber mais Título: Introdução à lógica Autor: Irving M. Copi

Editora: Mestre Jou

Ano: 1968

Esta é uma obra considerada um manual indispensável ao aluno que queira aprofundar seus conhecimentos em lógica. É um guia de estudo muito útil aos estudantes. Traz uma série de exercícios objetivando o conhecimento prático dos temas tratados.

2.5 Relembrando Veja de forma sintética o que foi trabalhado neste capítulo (Unidade 3 e 4). •• A lógica, como disciplina, tem um desenvolvimento histórico indissociável da história da filosofia, haja vista que desde o nascimento desta última os homens vêm tentando dar um sentido, ou uma lógica ao mundo. •• A primeira formulação de um princípio lógico, o princípio de identidade, foi esboçada pelo filósofo grego Parmênides e quem primeiro apresentou um método a fim de conduzir o pensamento à verdade, chamado método dialético, foi Platão. Não obstante, só com Aristóteles, por meio de sua teoria do silogismo, é que a lógica seria pela primeira vez sistematizada (em seus princípios e regras), tornando-se uma disciplina a parte e instrumental as outras ciências. •• A lógica tal como sistematizada por Aristóteles teria resistido com poucas modificações substanciais até o séc. XIX. A partir de Frege, surgiria um novo sistema lógico baseado na linguagem matemática, que, utilizando símbolos como quantificadores e variáveis para designar proposições, tinha como propósito deixar o discurso mais conciso, enxuto e formal.

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2.6 Testando os seus conhecimentos Responda às questões a seguir: 1) Por que podemos dizer que o desenvolvimento histórico da lógica como disciplina é indissociável do desenvolvimento histórico da filosofia? 2) Qual a contraposição de Aristóteles em relação ao método dialético criado por Platão? 3) Baseado no que foi estudado, responda qual era o propósito de Aristóteles ao criar a teoria do Silogismo.

Onde encontrar CHALITA, G. Vivendo a filosofia. São Paulo: Ática, 2006. CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2001. MARGUTTI, P. Silogística aristotélica. Disponível em: <http://www.fafich.ufmg. br/~margutti/Silogistica%20Aristotelica.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2011. NICOLA, U. Ontologia ilustrada de filosofia. São Paulo: Globo, 2005. PEREIRA, S. do L. Lógica proposicional. Disponível em: <http://www.ime.usp.br/~slago/ IA-logicaProposicional.pdf>. Acesso em: 16 fev. 2011.

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