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MÚSICA
Nome: Nicolas Júnior Idade: 43 anos Carreira: 18 anos. Sete discos e mais de 500 composições.
Euzivaldo Queiroz
SOU MUITO (QUEBRADOR DE REGRAS)
Em entrevista exclusiva à revista CENARIUM, o cantor e compositor Nicolas Júnior mostra sua versatilidade e entusiasmo com a nova produção musical e educativa batizada de “História e Geografia do Amazonas”.
CINTHIA GUIMARÃES
Mais conhecido no Amazonas pelo hit Geisislane e por seu trabalho autoral que retrata o cotidiano irreverente do caboclo urbano, o cantor Nicolas Júnior mostra com pouco tempo de conversa que é um artista sem fronteiras. Versátil e multifacetado, como ele próprio se define, Nicolas encara a arte e a vida com respeito à diversidade.
O cantor de 43 anos, com 18 anos de estrada musical, abriu as portas do seu apartamento para receber a reportagem para um bate-papo superprodutivo e inteligente, acompanhada de sua cadelinha Lalinha, uma poodle branca que é xodó da casa onde vive com a esposa Vânia e seus dois enteados.
O foco da conversa é o novo trabalho que o cantor está produzindo: “História e Geografia do Amazonas”, um disco com 20 canções que têm o propósito de ensinar aos estudantes as disciplinas bases da grade curricular do Estado, mas que viraram facultativas na última reforma do ensino médio no País.
Nicolas está entusiasmado com o projeto educativo que pretende concluir ainda neste semestre. Por enquanto, está na fase de composição das canções que serão gravadas em estúdio e compiladas em um disco. Ele ainda não sabe como será o lançamento, mas está entregando toda sua energia nele.
Como não se limita, o artista consegue passear pelos mais variados assuntos: de música, à sociedade e tecnologia. Da mesma maneira, encara a vida com a resiliência de quem sabe rir de si próprio! E mostra o que aprendeu com as adversidades, desde os tempos em que tocava sua música por um prato de sopa no Bar Fino da Bossa, na Cidade Nova. Esse é Nicolas Júnior. Confira na entrevista a seguir.
COMO SERÁ ESSE NOVO PROJETO MUSICAL QUE VOCÊ ESTÁ PRODUZINDO?
Tinha um sonho há muito tempo de fazer um trabalho educativo, porque percebia que alguns professores começaram a usar minhas músicas do meu disco “Divina Comédia Cabocla” em sala de aula. Tem uma música chamada “Amazonês” que usavam para debater a língua e as questões do neologismo; Feira da Panair, que é uma música que fala de peixes e biodiversidade. Daí me veio a ideia de fazer um trabalho sobre da Semed que eles têm muito material. Minha ideia inicial era atingir os estudantes, as escolas de 1º e 2º grau, trazendo a história para uma linguagem atual, simples, sair da linguagem decorativa no entendimento do jovem. Propus ao grupo, eles aceitaram e produziram o material científico para mim. Me falaram: a História não anda sem
a Geografia. ‘Bora ampliar o projeto?’ Eu topei, estou na fase de composição das músicas.
QUAL É A SUA FONTE DE INFORMAÇÃO?
É o material científico produzido pelos professores que me disseram o que era História do Amazonas, que foi tirada da grade curricular. É uma pena porque é a nossa história. Mas como fazer isso? Eu busquei embasamento, reuni com professores relevante para a sala de aula. Pego a História desde a chegada do homem na América. As canções são todas pontuais, sobre períodos. Estou fazendo uma canção sobre os ‘Cacicados’. Descobriuse que os índios não eram tão silvícolas, pelo contrário eram grandes cidades extremamente organizadas politicamente, com cidades de até 350 mil habitantes. Fiz outra sobre a chegada do homem na América. Terminei uma música sobre os 62 municípios do Amazonas. Estou preparando outra canção sobre os rios da Amazônia.
QUE RITMOS VOCÊ USARÁ NESTAS CANÇÕES?
Vários. Carimbó, boi-bumbá, rap, pop, balada. Eu não tenho preconceito musical com nenhum estilo, por isso é importante explorar vários ritmos porque abre o leque de mais gente escutar seu disco, a ideia do disco é educar! No encarte do disco terá a letra da música e o material científico produzido. Então, cada professor terá seu trabalho reconhecido. COMO VOCÊ ENXERGA ESSE REGIONALISMO?
Eu sou caboclo da Amazônia. Sou apaixonado pela cultura, pela história da nossa terra. Eu sou paraense, mas a gente comunga da mesma atmosfera. Me encanta falar disso. Acho bacana as toadas que exploram o lado místico dos índios, dos caboclos. Mas me interessa também a história em si, o lado factível das coisas.
COMO SERÃO ESSAS MÚSICAS?
Rimadas e narrativas.
COMO É O PROCESSO CRIATIVO PARA VOCÊ COMPOR?
Eu tenho um quartinho ali onde tenho meus instrumentos e eu exercito bastante (risos) meu ócio criativo, se mistura com meus livros, porque agora eu resolvi fazer uma faculdade de direito, então mistura os livros com letras de música.
VOCÊ JÁ HAVIA ESTUDADO OUTRA COISA?
Fiz administração. Fiz também agronomia, mas não terminei nenhuma. Agora vou terminar direito. Estou no 6º período.
VOCÊ TEM A INTENÇÃO DE MUDAR DE ATUAÇÃO?
Nenhuma! A arte é um estilo de vida. Então você pode ter uma profissão e ter a música em paralelo.
ONDE A MÚSICA LHE LEVOU?
Acho que a música ditou a minha vida. As coisas mais incríveis me aconteceram através da música, nesse contato com as pessoas. Ao tocar na noite, você sempre lida com o lado humano das pessoas, de estarem ali dispostas depois de um dia de trabalho. A música é muito agregadora. É um ambiente favorável às pessoas se encontrarem, se agregarem. Eu sempre habitei nesse universo e gostei! Completamente diferente do direito que você lida com conflitos. Mas são aprendizados da vida e experiências novas que me propus a fazer e a vida é isso!
QUAL É O SEU ESTILO?
Eu não tenho estilo. Consumo todo tipo de música. Mesmo as que eu não gosto, sempre estive pelo lado meu ‘ciência’, de tentar entender o porquê daquilo. Se um grande número de pessoas gostam, deve ter algo interessante. Eu sou muito assim, de estudar como é que a música toca as pessoas. Por isso, sou muito aberto em relação a ritmos. Somos um povo de mistura. Neste disco vai conter um monte de coisas. Porque se torna um disco dinâmico e essa é a proposta.
COM O QUE VOCÊ SE IDENTIFICA MUSICALMENTE?
Eu me identifico com coisas corajosas. Artistas que quebram as regras, porque eu sou muito ‘quebrador de regras’. Gosto de artistas que se arriscam, que inovam, que saem dos pilares. Eu costumo dizer que há quatro pilares de música: ou você fala de amor, infortúnios do amor, Deus ou de saudades. Você escuta isso sempre. Falar de realidade, de sociedade. Me interessa falar do caboclo, de urbanidade, porque nós não perdemos a essência de ser caboclo, porém nos misturamos. Manaus é uma cidade cosmopolita, com pessoas que acabam se fundindo e transformando-a. O povo brasileiro, a música brasileira é mistura. Gosto de gente ousada.
QUEM, POR EXEMPLO?
O Zeca Baleiro é muito ousado. O Caetano (Veloso). O Chico (Buarque). Gosto de João Bosco. Os próprios Novos Baianos quebraram as regras. Tem uns caras chamados “Móveis Coloniais de Acaju” que trouxeram uma novidade. O (Marcelo) Camelo tem uma nostalgia completamente diferente do que eu estava acostumado a ouvir.
É UM POUCO DO QUE VOCÊ TAMBÉM É...?
Sim. Sabe, no princípio as pessoas não entenderam bem. Elas não viam que tinham um estudo por trás disso e que a comédia era o veículo da informação, que ali tinha criticidade. O trabalho é cheio de personagem. Tem o Amazonês, que fala da língua, de um personagem que habita na escadaria. Ele se criou ali, onde é o encontro fervor da cidade com o bucólico do interior. Ali, onde as coisas se fundem. Geisislaine que é um personagem da periferia e tem uma série de características próprias: ela se veste como quer, o próprio nome (o pai Agenaldo e a mãe Elaine) se funde e faz a prole inteira. Depois, as pessoas começaram a perceber que não era um “anedotário”, mas uma reflexão da nossa sociedade. O caboclo estava inserido, mas não da forma contemplativa, como o que acontece com o boi-bumbá, o que o Pereira (cantor) faz, o Torrinho faz. Um ufanismo. E o que fiz era a antítese disso. O que é ser caboclo? Ser caboclo tem suas dificuldades imensas. Você quer uma TV e não pode, tem subnutrição e uma série de privações. Há uma romantização de ser caboclo, mas o viver é duro, é uma vida sofrida. Eu tenho 43 anos, meus amigos de infância - quando vou a Terra Santa (Pará) - estão todos velhos, pelo estilo de vida sacrificante! É muito difícil ser caboclo. Mas o projeto de caboclo romantizado diz outra coisa, que é lindo. Eu não queria desconstruir isso, mas queria mostrar o outro lado. O lado urbano também.
SÃO QUANTOS ANOS DE CARREIRA? QUANTOS DISCOS E COMPOSIÇÕES VOCÊ JÁ FEZ?
Estou na ativa desde 2000, portanto, 18 anos. São sete discos e mais de 500 composições. Tenho gravações minhas em mais de 100 discos!
COMO É O SEU PROCESSO DE COMPOSIÇÃO?
Às vezes estou deitado em casa e plim! Surge um insight. Em outras eu me proponho a compor. Acontece muito mais da racionalidade, do que do impulso em compor. Quando comecei na música eu fazia jingle. O cara chegava com um produto e uma série de ideias que você tem que vender em 30 segundos. Racionalização pura e eu meio que me acostumei a isso.
QUAIS SÃO SUAS FONTES DE INSPIRAÇÃO? Acho que as relações humanas em geral. O artista é um ser propositivo, a gente enxerga o que todos enxergam, de outra maneira. Eu adoro compor temas sociais, também amor, saudade. Inclusive os dois últimos discos. Um eu gravei no Teatro Amazonas e fiz para a minha mulher. E
“A arte é um estilo de vida. A música ditou a minha vida porque lido com a história das pessoas”.
o último eu fiz para mulheres grávidas, mamães, chamado “Rosa, Carvão, Caramelo e Limão”, com musiquinhas em voz e violão com uma temática mais de amor, mais leve. Deu muito certo!
O QUE VOCÊ COSTUMA ESCUTAR?
Você nem vai acreditar! Eu quase não escuto música. Eu sou do interior e a minha vida inteira não tinha TV, nem rádio. Eu não cultivei a cultura de escutar música. Hoje eu vejo Netflix, jogos (adoro futebol). Só ouço rádio no carro quando a minha mulher põe. Eu ouço música em barzinho. Mas eu gosto de Chico Buarque, também Rammstein, Slipknot, The Doors, não tem um perfil porque gosto de coisas completamente distintas. Morei dois anos em Vilhena e aprendi a gostar de música sertaneja, por exemplo.
O QUE PENSA DO PRECONCEITO MUSICAL?
Eu acho que a internet deu voz às pessoas, que também se tornaram juízes e não estão preparadas para esta liberdade. Não compreendem o quão linda é a diversidade, porque o Brasil é a mundialmente conhecido pela diversidade musical. Da Bahia, ao Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Amazonas, Pará. É uma coisa muito pulverizada e interessante que se fundem e criam coisas novas. O preconceito musical é uma bobagem! Estamos nas vísceras de quebrar esses preconceitos, não só musicais, mas com mulheres, homossexuais, sexualidade, que há 20 anos atrás era totalmente diferente. A arte é a síntese do pensamento humano. O que essa sociedade está pensando hoje é o que ela vai produzir artisticamente.
COMO VOCÊ ENXERGA ESTE NOVO MOMENTO PARA O ARTISTA COM AS PLATAFORMAS STREAMING DE MÚSICA E A INTERNET?
Eu acho maravilhoso porque quebrou o monopólio, não só das gravadoras, mas da mídia em geral: televisionada, escrita e falada. As rádios já não tem o poder que tinha. Tenho um enteado de 14 anos. Ele não assiste TV, nem ele e os seus amigos. Eles desconhecem televisão. Nossa sociedade é extremamente imediatista. De todas as formas de arte a música é a que mais se adaptou a essa realidade mundial. O livro não mudou. Quem gosta de ler quer o livro físico, pegar, cheirar. Todo mundo escuta música em tudo quanto é lugar. Acho fantásticas essas novas plataformas porque privilegia o talento. Antes não priorizava o talento e sim quem tinha mais poder aquisitivo ou as redes de influência. Você precisa de um bom produto que as pessoas curtam. Com o celular esse novo conceito de mundo, você tem o mundo todo no celular e seu mundo físico tende a ser encapsulado porque as relações físicas perderam um pouco. Essa interação in loco está se perdendo. Eu não expurgo isso, eu tento me adaptar. Porque ela não vai mudar por você porque é maior que você!
O QUE MUDA PARA O ARTISTA?
O disco perdeu função, que era gerar riqueza. Hoje acabou porque é tudo gratuito. Se você não fizer você está fora do mercado. Porque tem que ser gratuito porque a gratuidade imperou na rede. Se criou uma nova forma de vender o disco e ganhar dinheiro acabou. A gravação em si do produto tem que existir. O que vai acontecer agora é que você produz um trabalho, põe na internet e ganha dinheiro no show. A condição do dinheiro em si é meritocrática.
QUEM SÃO OS SEUS ÍDOLOS DA MÚSICA?
Tenho amigos do forró, do brega, do rock, da MPB, do sertaneja. O David (Assayag) é muito meu amigo; o Cileno; o Célio Cruz; Cinara (Nery); Lucilene. Do sertanejo tem o Maklin Marques, Eduardo Dornellas, Beto Gomes. Do rock tem o pessoal da Critical Age, da Official 80. Tenho vários amigos do samba. Eu sou multifacetado! Diversidade é respeito!
COMO VOCÊ AVALIA A MÚSICA POPULAR AMAZONENSE (MPA)?
Esse lance de MPA surgiu como uma coisa ‘demeritosa’. Toda música e regional, porque vem da região que produz. Não tem como dissociar o ‘euartístico’ da sua obra. A arte é um produto do artista, do pensamento humano, Se eu sou um cara regional e faço um funk vai ter seu regionalismo. O estilo, linguagem, forma de escrever. Há um certo preconceito contra a MPA, temos essa característica do que é de fora PE melhor. As rádios regionais não tocam os artistas locais, por não compreenderam ou por acharem que não é importante. São pequenas barreiras que fazem com que a produção intelectual se restrinja.