UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
PAULA LOUISE FERNANDES SILVA
PATRIMÔNIOS COEXISTENTES: O Entrelaçar do Padroeiro com o Bairro Santo Antônio na Cidade de Penedo.
Maceió-AL 2018
PAULA LOUISE FERNANDES SILVA
PATRIMÔNIOS COEXISTENTES: O Entrelaçar do Padroeiro com o Bairro Santo Antônio na Cidade de Penedo.
Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), como requisito para obtenção do título de bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: Prof. Drª Juliana Michaello Macedo Dias
Maceió-AL 2018
Dedico este estudo aos moradores do antigo Barro Vermelho.
Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória. Memória que é a de um espaço e de um tempo, memória no interior da qual vivemos, como uma ilha entre dois mares: um que dizemos passado, outro que dizemos futuro. Podemos navegar no mar do passado próximo graças à memória pessoal que conservou a lembrança das suas rotas, mas para navegar no mar do passado remoto teremos de usar as memórias que o tempo acumulou, as memórias de um espaço continuamente transformado, tão fugidio como o próprio tempo.
José Saramago
Gratidão é quando alguém faz algo que o outro gostaria que acontecesse, sem esperar nada mais em troca. Gratidão traz consigo amor, fidelidade, amizade. Diz-se que a gratidão é um sentimento muito nobre, desse sentimento compartilho com muitos. A Deus, Santo Antônio e todos os Santos, por me guiarem pelos melhores caminhos, apresentando as pessoas certas e acalmando meu coração nas horas difíceis. A minha mãe, por toda a confiança depositada. Obrigada por me permitir voar aos quatorze anos de idade, se fazer presente no dia a dia, ouvir, aconselhar e emitir seu amor a quilômetros de distância. Com você compartilho este demorado projeto que você tanto se envolveu, e motivou discursões entre nós. Você me ensinou a fazer as coisas com amor e dedicação, e assim fiz este trabalho.
G R A T I D Ã O
A meu pai, por todo carinho e preocupação. Obrigada por abdicar de passar o dia dos pais em casa para estar ao meu lado, correndo em busca dos melhores ângulos para registrar uma cavalgada. Obrigada também por abrir mão dos cochilos na frente da televisão para me acompanhar durante toda a trezena, carregando tripé e se fazendo presente nas entrevistas. A meu irmão e minha cunhada, por estarem próximos. Ju, mesmo você não entendendo os motivos pelos quais demorei para finalizar o TFG e fazendo cobranças as quais me faziam mal, agradeço a cada uma delas. Nesses momentos corria para meus amigos, que com palavras e gestos acalmavam e me encorajavam a continuar. Esses amigos são os mesmos que me acompanharam ao longo da faculdade, os quais compartilhei minha casa, noites de sono, lanches na madrugada, choros e risadas. Gabis, a melhor dupla de projeto que poderia ter, onde a sintonia era tão grande que em uma troca de olhares ou num simples “e se...” conseguíamos solucionar problemas. Karis, com quem compartilho a sensibilidade pela fotografia. A Milena e Mirella, por juntas puxarem meu pé, chamando para a realidade. Mari, por doar sua câmera num período de tempo indeterminado. Luan, por todas as risadas e músicas compartilhadas e Fini, pelas angustias divididas e palavras de apoio, meu guru baiano. Ao Grupo de Pesquisa Estudos da Paisagem, por despertar meu olhar para a arquitetura além do construído.
A minha orientadora, Juliana Michaello, por compartilhar seus conhecimentos, clarear minhas ideias e acalmar meu coração a cada assessoramento. A Josy, pelas aulas apresentadas de forma leve e repleta de histórias encantadoras, obrigada por compartilhar um pouco do seu vasto conhecimento e ser responsável por despertar ainda mais o amor pelo patrimônio. A todos que dão vida a Superintendência do IPHAN em Alagoas, pela oportunidade, aprendizado, carinho e palavras de apoio, após dois anos na instituição passei a dar um outro sentido para a “CASA do Patrimônio”. As amigas que me acompanham desde a infância, Flor, Dadá, Maria e Janne, por entenderem a repetida frase “não posso sair, estou fazendo projeto.”
G R A T I D Ã O
Agradeço aos moradores daquele bairro que até então só conhecia de passagem. Obrigada por abrirem as portas de suas casas, a cada minuto dedicado a longas conversas, se deixarem ser fotografados e filmados. A experiência de campo foi além de um trabalho acadêmico. E a todos que me escutaram falar desse trabalho, que me permitiram uma troca de informações e que ajudaram a concretizar um sonho, em especial a Arlindo, que pagou um quinto de seus pecados andando no sol escaldante de Penedo, para registrar o último final de semana de festa, em 2017. Alê, que durante o desespero no dia de apresentar o doc continuava calma e acompanhando a missa enquanto cortava TNT, André, que se dispôs a transcrever parte dos áudios, Karlinne, que surgiu quando eu não tinha nenhuma infraestrutura para exibir o doc e me ofereceu todo o suporte, Profº Sérgio Onofre, disponibilizando cadeiras, equipamento de som, projetor, tela, Weiny, um locutor.de respeito, que abriu mão de um fim de semana romântico para se unir aos amigos loucos de sua namorada e partirem numa caravana rumo à Penedo, para juntos construirmos um cinema no Barro Vermelho. E Giu, que topou entrar no jogo nos últimos minutos para tornar este trabalho apresentável graficamente. Após uma gestação prolongada, repleta de altos e baixos, choros de alegria e tristeza, eis aqui minha cria, carregada de bons sentimentos. “Vai dar tempo?” Deu! Afinal, no fim dá tudo certo.
R E S U M O
O presente trabalho abordara a temática do patrimônio imaterial e sua relação com o espaço urbano, levando em consideração a apropriação dos espaços públicos através das celebrações populares. Tem como objetivo principal auxiliar o rompimento da postura patrimonial vigente, a qual, por vezes, entende patrimônio material e imaterial de modo dissociado. Tratar-se de um estudo sobre a festa de Santo Antônio, realizada no bairro de mesmo nome, na cidade de Penedo, Alagoas, festa essa que é identificada como um traço da identidade do lugar. Diante disso, as discussões apresentadas ao longo desse trabalho procuraram evidenciar como as temáticas relacionadas ao patrimônio estão entrelaçadas entre si.
Palavras-chave: Festa de Santo Antônio. Identidade Cultural. Patrimônio.
A B S T R A C T
This present work approaches the intangible cultural heritage theme and its relationship with urban space and is taking into account the appropriation of public spaces by popular celebrations. The primary objective of this paper is to assist for the breach of the current patrimonial attitude, which sometimes understands material and immaterial patrimony in a dissociated way. This study is about the St. Anthony’s feast held in the neighborhood with the same name, located in Penedo’s town, state of Alagoas. This festivity is identified as a thread of the identity for the place. Therefore, the discussions presented throughout this work seek to highlight how the themes related to cultural heritage are linked to one another.
Keywords: St. Anthony’s Feast. Cultural Identity. Heritage.
CNRC - Centro Nacional de Referências Culturais CRESPIAL- Centro Regional para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da América Latina
L I S T A D E S I G L A S
FRM- Faculdade Raimundo Marinho IPHAN- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional INRC- Inventário Nacional de Referências Culturais PAC-Programa de Aceleração do Crescimento SECULT- Secretaria Estadual de Cultura UFAL- Universidade Federal de Alagoas
S U M Á R I O INTRODUÇÃO
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PARA ALÉM DO INTANGÍVEL
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O FESTEJAR 3.1 DA FÉ UMA FESTA
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3.2 UM JEITO DE FESTEJAR
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3.2.1 A CAVALGADA
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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ROTEIRO DE ENTREVISTA
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APÊNDICE: OUVIR HISTÓRIAS
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TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E VOZ
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EXTRATOS DA MEMÓRIA: TRANSCRIÇÃO DE ÁUDIO
120 133 134
1.1 DESCONSTRUINDO A MATERIALIDADE
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1.2 O AUDIOVISUAL COMO MEIO DE REGISTRO
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3.2.3 DIAS DE CELEBRAR
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3.2.4 VÉSPERA PARA A PROCISSÃO
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ANEXO I: REL AÇÃO DE PESSOAS ENTREVISTADAS NA PESQUISA
3.2.5 O SERPENTEAR DA PROCISSÃO
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ANEXO II: TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E VOZ
1.3 O OUVIR PARA CONSTRUIR UMA HISTÓRIA
02
O LUGAR
3.2.2 EM VÉSPERA DE TREZENA
61 64
04
2.1 A CIDADE DE PENEDO
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2.2 FACES DE UM BAIRRO
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2.3 A CASA: IGREJA DE SANTO ANTÔNIO DOS POBRES DO BARRO VERMELHO
PARTILHAR MEMÓRIAS
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O PRIMEIRO REENCONTRO
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2.4 A DEVOÇÃO À SANTO ANTÔNIO
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SEGUNDO REENCONTRO: CINEMA NO BARRO VERMELHO
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I N T R O D U Ç Ã O Nos últimos anos muitos arquitetos que trabalham com as questões urbanas como infraestrutura, moradia, entre outras, passaram a se dedicar também aos aspectos culturais das cidades, analisando questões simbólicas do espaço, entre elas os aspectos imateriais. Sabe-se que conexões entre espaço e imaterialidade são essenciais para proporcionar produções diversas, não só da arquitetura e urbanismo, mas também do turismo, educação, antropologia, entre outras. Sendo assim, identifica-las e divulga-las é de extrema importância para o conhecimento e valorização do lugar. Os valores intangíveis podem cumprir um importante papel no processo de desenvolvimento cultural, pela sua significância no contexto das aspirações sociais da comunidade. As celebrações, os modos de saber fazer, as formas de expressão e os ofícios são categorias trabalhadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), numa metodologia de pesquisa desenvolvida pelo órgão conhecida como Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), tais categorias devem ser analisadas e destacadas na hora de observar as riquezas e potencialidades de um lugar. Além destas, o próprio INRC abre espaço para identificar as edificações e lugares, que se justificam como identidade para a população, ainda que estes não recaiam na classificação tradicional de patrimônio material (IPHAN, 2000).
O interesse pela temática do patrimônio imaterial surgiu durante a graduação, mediante participação como bolsista no INRC- Alagoas, uma parceria firmada entre a UFAL, SECULT e IPHAN, realizado em 2015 por três grupos de pesquisa do curso de arquitetura e urbanismo, tendo como objetivo o levantamento preliminar de práticas culturais de natureza imaterial em todo estado. Uma das razões a qual levara a focar o trabalho nessas questões é por se tratar de um tema recente, levando em consideração a política cultural existente, e o distanciamento ainda presente entre o campo da arquitetura e urbanismo com o patrimônio imaterial. Tal distanciamento está presente não só na academia, como também nos órgãos responsáveis pela proteção e preservação dos mesmos, como pude perceber ao longo do período em que estagiei na superintendência do IPHAN em Alagoas, onde o afastamento entre o patrimônio material e imaterial é uma barreira que vagarosamente vem sendo rompida desde a criação do órgão, ainda na década de 1930. A ideia de monumentalidade, beleza e “pedra e cal” é constantemente valorizada pela instituição, que por vezes deixa em segundo plano aspectos ligados a imaterialidade. “O Entrelaçar do Padroeiro com o Bairro Santo Antônio na Cidade de Penedo” busca entender as relações entre homem, espaço e patrimônio, com enfoque nos festejos de
Santo Antônio, realizados no bairro de mesmo nome, observando-a como uma manifestação a princípio de cunho imaterial que se materializa e passa a apropriar-se dos espaços urbanos para realizar suas vivências. A área em estudo foi afetivamente por mim adotada. Natural de Penedo, utilizava as ruas do Barro Vermelho como rota alternativa no caminho para casa. Sempre ouvia falar que era um bairro perigoso, dominado pelo tráfico de drogas, porém o olhar de criança era voltado para as pequenas residências geminadas, pessoas conversando em suas portas e meninos brincando pelas ruas. Aquele lugar despertava curiosidade. Ao mesmo tempo a memória do bairro sempre esteve presente em casa, foi nele que minha mãe morou quando menina, e ainda hoje recorda com saudosismo as brincadeiras na Praça da Alegria, o caminho para a escola margeando a Lagoa do Catarrinho, e o cheiro do Rio São Francisco em épocas de cheia, onde os quintais abriam-se diretamente para o rio e era possível pescar piabas com vara. Ao longo de sua história, a sociedade penedense produziu conhecimentos que se manifestaram nas artes, como o ofício dos santeiros, esculpindo imagens de santos católicos em madeira, na música, na religião e arquitetura, com suas igrejas e casarios em estilo colonial, além da procissão do Bom Jesus dos Navegantes, festa da padroeira Nossa Senhora do Rosário, a Introdução
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Lavagem do Beco pelas Mães de Santo durante o carnaval, no comportamento e em todas as relações do cotidiano, como a feira. A essa dinâmica denomina-se cultura, a partir dos diferentes costumes e modos de fazer, tornando única a identidade daquele povo (UEP, 2004). A mais reconhecida festa católica da cidade é a festa de Bom Jesus dos Navegantes, a qual acabou se tornando símbolo da cidade, relacionando o rio, pescadores e festa profana. Mas e as festas de bairro? Por quê esquecer delas? Por que não dar voz a essas outras? Assim como as festas maiores elas também são locais de encontro. Pessoas de outros bairros, cidades e estados se deslocam até o lugar, não só para pagar promessas, mas também reencontrar amigos e familiares, reafirmar laços. As celebrações são vistas como espaço de memória, lugares compostos por diferentes modos de apropriações, uma dinâmica e realidade própria. A festa não é aqui vista apenas como tradição, mas também fonte de reflexão. Ao longo do trabalho é possível perceber a diversidade da festa, os principais momentos e também os conflitos, as diferenças culturais existentes, o que caracterizam a dinâmica cultural do bairro. O trabalho apresenta uma discussão sobre a história do bairro e os novos conceitos sobre o patrimônio cultural, procurando inserir as festas religiosas que são de ampla participação popular e a apropriação do espaço público como mais um elemento de estudo da história e da evolução urbana do bairro. A metodologia utilizada baseou-se em
pesquisas bibliográficas, onde procurou-se contextualizar a urbanização da cidade de Penedo e do bairro. A pesquisa de campo, por meio de levantamento audiovisual e oralidade, buscou compreender melhor a formação e caracterização do bairro onde o festejo é realizado, sendo de suma importância para a validação deste trabalho, é tido aqui como forma de documentação da história do bairro, além do patrimônio imaterial, já que são poucas as fontes bibliográficas encontradas sobre a área em estudo. Para a fundamentação deste trabalho foi preciso analisar conceitos relacionados à ideia de patrimônio material e imaterial, apropriação dos espaços, identidade social urbana e identidade do lugar. As idas a campo foram de extrema importância para compreender seus principais agentes, moradores, através da observação participativa e entrevistas, o audiovisual passa a ser visto como forma de registro, e retorno à comunidade, sendo de suma relevância para a validação das informações coletadas. Propositalmente, o mês de junho do ano de 2017 foi escolhido para dar início as imersões no bairro, era período em que se comemora oficialmente Santo Antônio na igreja católica, e fui a campo com o ensejo de observar se havia alguma comemoração. Esse momento ajudou a identificar importantes atores do bairro que estavam ligados não só a festa, como também a história do bairro. O segundo momento de observação foi
durante o mês de agosto, período em que os vínculos foram estreitados. Durante treze dias pude experienciar a dinâmica não só do festejo, mas também do lugar. Adentrei nas casas dos moradores que vezes ou outras tornaram-se abrigos, onde poderia guardar equipamentos, recarregar baterias, gravar entrevistas ou mesmo pausar para um breve descanso. Nessa etapa foi utilizado o método da observação participativa, a fim de aguçar as próprias impressões e percepções do espaço estudado, registrando por meio de fotografia, filmagens e gravações de áudio as formas de apropriação do lugar. Todas as entrevistas foram gravadas em áudio, com perguntas semiestruturadas, e transcritas para facilitar o acesso às informações contidas nos diálogos. Ao longo dessa etapa foi possível estudar a espacialização da festa, para entender sua dimensão em relação ao bairro e a cidade, incluindo os caminhos da procissão, cavalgada, festas profanas, assim como diversas apropriações durante os treze dias. O primeiro capítulo apresenta ao leitor um breve aparato sobre as questões do patrimônio no Brasil e as transformações dos conceitos que ocorreram ao logo dos anos, além de abranger a ideia do audiovisual, memória e oralidade como construtores de informações e metodologias de pesquisa no campo. O segundo capítulo leva o leitor a um passeio pela cidade de Penedo e o convida a adentrar no Bairro Santo Antônio através das memórias de seus moradores que revelam as diferentes faces Introdução
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do lugar, conhecido como primeiro núcleo de povoamento da cidade, bairro de pescadores, bairro industrial, pessoas de origem humilde, onde festas e religiosidade são marcos da sociedade local. Durante o terceiro capítulo o leitor é conduzido para o período de festa, e passa a observar as apropriações do espaço urbano e transformações que ocorrem no bairro durante o período de festa, nesse mesmo capítulo é possível devanear por outros tempos, que se relevam em fotografias e relatos dos moradores. O quarto e último capítulo é um retorno ao bairro, onde compartilho com os moradores registros de memórias referentes a festa. No primeiro reencontro, já no ano de 2018, mostro as relações que foram criadas ao longo da pesquisa. Algumas ruas do bairro foram percorridas para rever moradores e entregar a eles registros fotográficos de momentos da festa do ano de 2017. O segundo reencontro baseou-se na exibição de um documentário, construído a partir das imagens e entrevistas coletadas durante toda a pesquisa de campo. O curta foi apresentado para a população durante o trezenário de Santo Antônio de 2018; a partir dos vínculos criados com os organizadores da festa o vídeo passou a fazer parte da programação oficial da festa. Essa foi uma forma de retornar a comunidade parte do conhecimento adquirido durante um ano de pesquisa, mostrando aos moradores um novo olhar para a festa e para o bairro, sensibilizandoos e observando os impactos causados pelo vídeo. Introdução
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PARA ALÉM DO TANGÍVEL Para além do Tangível: meios de registrar a imaterialidade
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1.PARA ALÉM DO TANGÍVEL:MEIOS DE REGISTRAR A IMATERIALIDADE 1.1 Desconstruindo a materialidade O período em que as leis patrimoniais foram concebidas no Brasil determinaram distinções entre os bens materiais e imateriais. Naquela época os sítios, monumentos históricos e obras de arte do período colonial encontravam-se sob grave ameaça de desaparecimento, devido ao processo de modernização urbana das nossas cidades, com isso a preservação tornou-se uma prioridade incontornável, como trata Sant’Anna (2008). O poder público era quem instituía o patrimônio cultural, o qual era composto pelos bens tombados, onde se credenciava a inclusão do bem num patamar formalmente definido. A ideia de patrimônio surge no país a partir dos pensamentos de Mário de Andrade, com elaboração do Anteprojeto para a criação do SHAN-Serviço Histórico Artístico e Nacional em 1936. Além de propor uma estrutura técnicoadministrativa para o órgão, Mário de Andrade gerou polêmica ao apontar pela primeira vez que os “monumentos da arte popular”, deveriam ser considerados, abrangendo bens de natureza imaterial. Esses foram excluídos do texto final do Decreto e só passara a incorporar o órgão no final do século XX. As primeiras leis patrimoniais brasileiras foram baseadas no modelo ocidental, tendo como premissa a patrimonialização das “coisas” móveis e imóveis, palpáveis. Tais coisas tinham que ser passíveis de interesse público,
ligados a fatos memoráveis para a história do país e excepcional valor artístico, conforme o Artigo Primeiro do Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Art. 1º Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. (BRASIL. Constituição (1937). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1937).
mobilizados pelas sociedades, grupos sociais, comunidades, para socializar, operar e fazer agir suas ideias, crenças, afetos, seus significados, expectativas, juízos, critérios, normas, etc. em suma, seus valores. A matriz desses sentidos, significações e valores não está nas coisas em si, mas nas práticas sociais. Por isso atuar no campo do patrimônio cultural é se defrontar, antes de mais nada com a problemática do valor que ecoa em qualquer esfera do campo. (MENEZES, 2012, pag. 32)
Os valores desses bens são inquestionáveis, mas por que só os bens materiais podem ser vistos como merecedores de reconhecimento? Por que não se valorizar o que é produzido pelo povo? As “coisas” não podem falar por si, as “coisas” não são autossuficientes, não existe a materialidade sem a imaterialidade, estão intimamente entrelaçados, coexistentes.
O olhar tecnicista do arquiteto e urbanista é voltado na maioria das vezes para o que é construído, até aqueles que trabalham no campo do patrimônio se deixam levar por essa ideia. Porém, a cidade é reflexo da vida que ali acontece, “mais importante que preservar a casa, o lote, a quadra, o beco, a rua, a avenida, é preservar aquele que produziu todo esse patrimônio material, o cidadão” (GONÇALVES, 2017, p.07), capaz de materializar todo o conhecimento adquirido ao longo dos anos com seus antepassados, construindo o espaço onde vive.
Falar e cuidar de bens culturais não é falar de coisas ou práticas em que tenhamos identificado significados intrínsecos, próprios das coisas em si, obedientemente embutidos nelas, mas é falar de coisas (ou praticas) cujas propriedades, derivadas de sua natureza material, são seletivamente
A construção da ideia de patrimônio cultural e a relação que temos com a memória surgem quando elegemos algum remanescente arquitetônico como testemunho do tempo que passou. Indiscutivelmente esses elementos são fundamentais para a manutenção da memória social, mas é essencial observar a maneira
Para além do Tangível: meios de registrar a imaterialidade
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como são apropriados pelas pessoas que mantiveram todas as referências culturais. Esses entendimentos passam a ser incorporados no Brasil a partir de 1964 com a “Convenção de Veneza” onde foi ressaltada a importância de preservar não apenas a materialidade do bem, mas também sua história. Já em 1972 a “Convenção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural”, elaborada pela UNESCO, expandiu o conceito de patrimônio cultural, que passou a incorporar os locais de interesse conjugados aos homens e a natureza, além dos monumentos. O registro da cultura começa a ser ampliado, e a ideia de identidade nacional passou a ser vista como valorização da diversidade cultural. Ancorados sob essa nova perspectiva em relação ao patrimônio cultural, em 1975 foi criado no Brasil o Centro Nacional de Referências Culturais (CNRC), em pleno regime militar. Originado de um projeto interinstitucional por iniciativa de Aloísio Magalhães, o centro desempenhou um importante papel no mapeamento das atividades artesanais e manifestações populares. Em 1979 o CNRC passa a fazer parte da Fundação Nacional Pró-Memória e Aloísio Magalhães é nomeado diretor do IPHAN. Nesse momento a “pedra e cal” divide o olhar para questões referentes a cultura indígena e negras, e as artes passam a ganhar força no órgão.
“O conceito de bem cultural no Brasil continua restrito aos bens móveis e imóveis, contendo ou não valor criativo próprio, impregnados de valor histórico (essencialmente voltados para passado), ou aos bens da criação individual espontânea, obras que constituem o nosso acervo artístico (música, literatura, cinema, artes plásticas, arquitetura, teatro) quase sempre de aplicação elitista (...). Permeando essas duas categorias, existe vasta gama de bens – procedentes sobretudo do fazer popular – que por estarem inseridos na dinâmica viva do cotidiano não são considerados como bens culturais nem utilizados na formulação de políticas econômica e tecnológica. No entanto, é a partir deles que se afere o potencial, se reconhece a vocação e se descobrem os valores mais autênticos de uma nacionalidade.” (Aloísio Magalhães apud Costa, 2016: nota 76).
As décadas de 1970 e 1980 foram de grande destaque para o fortalecimento da cultura no país e provocaram discussões nos órgãos de preservação. Em 1988 a nova Constituição Federal passou a reconhecer que os valores culturais não são criados pelo poder público, mas pela sociedade e estes passam a ser vistos como um fato social. O artigo 216 da Constituição Federal de 1988 aborda o que constitui o patrimônio cultural brasileiro, onde está incluso os bens de natureza imaterial. Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (...). (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988).
A política vigente passa por um significativo processo de construção de pensamento relacionado ao entendimento das manifestações populares do país, com a criação de centros, institutos e fundações voltados as referências culturais e a proteção patrimonial. O governo e o estado passam a cumprir papel declaratório e sobretudo de proteção, em colaboração com a comunidade, porém, mesmo sem a intervenção do poder público o “patrimônio cultural nacional” se faz presente na sociedade. (MENEZES, 2012) Na década de 1990 foram criados instrumentos legais de apoio a cultura, com o objetivo de captar recursos e fomentar projetos de preservação do patrimônio cultural, a exemplo tem-se a elaboração da Carta de Fortaleza- com ações voltadas a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial. Já no ano de 2000, o Decreto nº3.551/2000 foi responsável pela criação do Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, aliado a publicação do Manual de Aplicação do Inventário Nacional de Referências Culturais, consolidando a importância da relação entre o bem cultural e os diversos segmentos sociais que constituem a sociedade brasileira.
Para além do Tangível: meios de registrar a imaterialidade
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Os bens de natureza imaterial que integram os distintos livros de registro são: Saberes, através dos modos de saber fazer representativos no cotidiano de uma comunidade; as Formas de Expressão, com manifestações cênicas, literárias, musicais; Lugares, destacando os espaços públicos onde se concentram práticas culturais coletivas, como os mercados, feiras, praças; e as Celebrações, marcadas pela religiosidade, rituais e festas que representam práticas sociais (IPHAN, 2000). A essa última categoria tem-se como referência o registro do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, celebração religiosa que ocorre em Belém (PA), a primeira inscrita no Livro das Celebrações, em 2004. Como define Arantes (2001, p. 131) as Referências Culturais “são objetos, práticas e lugares, apropriados pela cultura por meio dos quais os grupos representam, realimentam e modificam a sua identidade e localizam a sua territorialidade.” O Círio ocorre desde 1793, devido a permanência da participação popular e a disseminação regional dos devotos. Anualmente pessoas de diversas regiões do país se deslocam à capital paraense, que reúne devotos, romeiros, turistas e curiosos, decorrente da devoção popular, festejos religiosos e profanos. Arantes também afirma que essas referências são sentidos atribuídos a suportes tangíveis ou não, dando continuidade as tradições, proximidade e distanciamento social, transformando as condições passadas ou até mesmo as rompendo e representam a maneira como um grupo se relaciona com o território. Para os paraenses é
Imagem 1: Círio de Nossa
Senhora de Nazaré - Belém (PA). Fonte: Acervo IPHAN/ Luiz Braga
Imagem 2: Imagem antiga do Círio
de Nossa Senhora de Nazaré, com a berlinda como elemento central. Fonte: Acervo IPHAN, s/d.
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um momento de solidariedade, fé, estreitamento de laços familiares, assim como manifestação social e política, o que marca o sentido de rememoração. Diferente de como se trata o patrimônio material - justificado, dentre outros aspectos, a partir do sentido de autenticidade - para o patrimônio imaterial há a necessidade de estudalo com o olhar voltado para o sujeito, como afirma Cecília Londres Fonseca (2000, p. 62) “(...) a maneira como determinados sujeitos e grupos ocupam o seu solo, utilizam e valorizam os recursos existentes, como constroem sua história, como produzem edificações e objetos, conhecimentos, usos e costumes.” Essas informações só podem ser incorporadas a partir de manifestações materiais, como conjuntos urbanos, monumentos, artefatos, sítios, etc, porém só se constituem como referências culturais quando são considerados pelos sujeitos. Dessa forma não se justifica a separação ainda existente entre patrimônio material e imaterial.
1.2 O audiovisual como meio de registro A câmera é um recurso de linguagem, onde o fotógrafo registra sua interpretação da realidade social, sendo um importante instrumento político, ao criar uma imagem que ficará eternizada para o futuro. (Lins de Barros e Strozenberg, 1992:21). São recortes do tempo no espaço que apontam para o invisível, representam instantes do momento presente que podem ser usados no futuro para a construção de novas realidades (Kossoy, 1999).
A produção de fotografias documentais está presente no Brasil ainda no império, com Dom Pedro II, considerado um aficcionado por fotos foi o primeiro brasileiro a possuir um daguerreótipo, e, provavelmente, o primeiro fotógrafo nascido no Brasil. Em 1889, ao ser banido do país, Dom Pedro ll doou à Biblioteca Nacional sua coleção particular, com cerca de 25 mil fotografias, considerada por Pedro Vasquez o mais precioso e diversificado acervo dos primórdios da fotografia brasileira. No campo patrimonial, um dos principais acervos brasileiros foi deixado pelas Missões Folclóricas, de Mário de Andrade. Na busca por uma identidade genuinamente nacional Mário de Andrade viaja para o interior do país, onde chegou em Minas Gerais pela primeira vez em 1919. Em 1924 um grupo de modernistas, entre eles Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e o próprio Mário de Andrade viajaram para o interior mineiro para pesquisar o fundamentos da brasilidade e assistir as cerimônias da Semana Santa, ficou conhecida como Viagem da Descoberta do Brasil, entre 1927 e 1929 outras viagens foram realizadas por Mário, sendo essas denominadas “Viagens Etnográficas”, todas essas viagens foram documentadas suas impressões acerca da paisagem, cultura, e pessoas. Em 1935 é fundado no Brasil o Departamento Municipal de Cultura de São Paulo, com Mário de Andrade como diretor, no ano seguinte cria um Curso de Etnografia, ministrado por Dina Lévi-Strauss, o curso tinha como objetivo “iniciar folcloristas nos trabalhos de campo”.
Imagem 3: Mercado Ver-O-Peso, Belém (Pará), 1927. Foto: Mario de Andrade. Acervo: IEB/USP
A Etnografia brasileira vai mal. Faz-se necessário que ela tome imediatamente uma orientação prática baseada em normas severamente científicas. Nós não precisamos de teóricos, os teóricos virão a seu tempo. Nós precisamos de moços pesquisadores que vão à casa recolher com seriedade e de maneira completa o que esse povo guarda e rapidamente esquece, desnorteado pelo progresso invasor.” (Andrade, 1936)
O ano de 1938 é considerado um marco para o registro etnográfico do país, batizada de “Missão de Pesquisas Folclóricas” Mário de Andrade enviou um grupo de pesquisadores para o Norte e Nordeste do Brasil, para uma expedição que tinha por objetivo gravar, fotografar e filmar uma diversidade de danças, festas, músicas e ritos religiosos. Um registro pioneiro de manifestações culturais foi produzido durante a missão, resultando um total de 33h de gravações, 853 objetos (instrumentos musicais, trajes, estátuas etc.), 21 cadernos de campo (cerca de 100 páginas com notas sobre músicas, danças, arquiteturas e costumes da região) e mais de 600 fotografias e 15 filmes. De acordo com Turazzi (1988), Mário de Andrade foi o responsável por instituir no SPHAN uma política de documentação fotográfica das manifestações culturais que constituíam a identidade brasileira, que tinha por consequência construir a partir da iconografia uma visão do patrimônio.
Em cartas a Rodrigo Mello Franco (1936-1945), Mário de Andrade sublinha, por diversas vezes, a importância da fotografia como documentação comprovante nos processos de inventário e nas recomendações de tombamento e restauração das “obras de arte patrimonial”. Indica a necessidade de a instituição contar com um “serviço intensivo de fotografação”, um trabalho profissional bem instruído que precisasse informações para estudos comparativos “na reconstituição de monumentos da nação”. Insiste na idéia de um acervo cumulativo – “um arquivo central único de negativos” – que objetivasse, por operações seletivas e de transcrição, o repertório valorado de bens culturais do país. (Segala, 2005: 78).
A fotografia deixa de cumprir caráter ilustrativo e passa a fomentar a descrição, servindo de guia para pesquisadores, instituições e sujeitos, em sua forma mais ampla, como consta nas diretrizes do Centro Regional para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da América Latina, CRESPIAL, 2011. P.7: (...) a fotografia não constitui um simples anexo ou complemento do registro do patrimônio cultural imaterial, mas sim que a imagem é também portadora de conceitos e significados; por tanto, o cuidado dado ao registro visual será tão importante como aquele dado ao registro escrito. Como documento, ambos são portadores de informação, igualmente geradores de sentido. (apud, ZANARDI, 2018, p. 46)
As imagens produzidas são responsáveis por possibilitar outras percepções das práticas culturais. Lins de Barros e Strozenberg já alertaram: “Nas mãos de quem manipula, a câmera é um recurso de linguagem através do qual alguém elabora uma interpretação do real, atribuindo-lhes significados que irá materializar na imagem” (1992: 21). As transformações urbanas ocorridas durante a festa em estudo, são construídas de forma não verbal. A imagem em movimento é uma ferramenta singular para a pesquisa, é através da observação e vivência no lugar que a celebração é transmitida, as imagens produzidas na vivência do campo “para descobrir” posteriormente são utilizadas “para contar”, cumprindo importante papel na construção do imaginário do patrimônio. Na pesquisa etnográfica, uma fotografia pode ter diferentes funções, podendo ser utilizada em diferentes etapas. Ela pode servir como ferramenta para realizar inventários culturais, para acessar a memória de uma pessoa ou grupo social (através de foto-entrevistas), para estimular ou abrir um diálogo sobre determinado assunto, para colher dados a serem analisados mais cuidadosamente posteriormente, para apresentar informações visualmente (tanto como ilustração quanto como narrativa fotoetnografia). Elas podem ser utilizadas ao longo de todo o trabalho de campo para descobrir coisas, ou ao final de uma pesquisa, quando já sabemos exatamente o que importa ser realçado do campo, para contar (Guran, 2000).
Para além do Tangível: meios de registrar a imaterialidade
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Além do papel de documentar, a fotografia é o material de pesquisa que tem retorno mais acessível e impactante. As pessoas podem se ver e se reconhecerem em sua cultura, passam a compreender que aquilo que elas produzem tem um papel importante para a sociedade.
1.3 Ouvir para construir uma história A construção do patrimônio cultural tem estreita ligação com a memória, existindo uma relação direta e por vezes indireta com o passado, visto como algo permanentemente construído a partir do presente. Para o patrimônio cultural a sociedade não é vista como um simples admirador, mas se revela atuante, e tem seu passado desvendado através da memória social. Assim como o patrimônio cultural a história oral depende dos sujeitos para que aconteça. Saber ouvir o que as pessoas têm a contar sobre suas experiências, vivências e memórias. Para Degado (2006, p.15): A história oral é um procedimento metodológico que busca, pela construção de fontes e documentos, registrar, através de narrativas induzidas e estimuladas, testemunhos, versões e interpretações sobre a História em suas múltiplas dimensões; factuais, temporais, espaciais, conflituosas, consensuais.
A história oral concentra narrativas que reportam a um passado, são as memórias, oriundas da experiência trocada entre o
entrevistador e o entrevistado. Essas memórias não estão presas a um passado distante, elas podem ser influenciadas pelo presente, devido as experiências que aconteceram no decorrer da vida do entrevistado, visto que é sob esse novo olhar que irá rememorar o que já passou. “A lembrança é em larga medida uma reconstrução do passado com a ajuda de dados emprestados do presente” (HALBWACHS, 2004, p.75), ou seja, as pessoas lembrarão de uma época vivida no passado, porém com a bagagem de suas experiências de vida. Esse processo possibilita resgatar, repensar e reconstruir o passado sob um olhar atualizado. A utilização da oralidade na pesquisa tem como objetivo dar vozes as pessoas pouco escutadas e embasar fatos históricos do lugar, onde as fontes de pesquisas bibliográficas são escassas. Narrar um pouco da história do bairro a partir da fala dos próprios moradores do lugar, dando conhecimento e destaque para o bairro que por vezes parece ser esquecido pela sociedade penedense e também por políticos. Através da história oral é possível encontrar fontes para reconstruir paisagens, esclarecendo determinadas situações que não constam em documentos bibliográficos. Dessa forma, as pessoas são tidas como testemunhas de acontecimentos que precisam ser ouvidas, registradas e preservados. Metodologicamente, a história oral tem uma natureza específica, e sua utilização como forma de recuperação do passado é fundamental para a relevância da investigação que se pretende.
Para utilizar a história oral na pesquisa foi construído um roteiro entrevistas onde perguntas gerais seriam respondidas, mas sem se prender a roteiros, deixando a conversa fluir. As pessoas entrevistadas foram surgindo durante as idas a campo, e cada entrevista era conduzida de forma diferente, a depender do assunto abordado e de como o entrevistado se comportava. As transcrições foram de suma importância, para que pudessem ser utilizadas ao longo do trabalho em citações, como forma de validar o texto, essas foram acobertadas pelas autorizações de uso de imagem e voz, garantido segurança para o pesquisador e entrevistado. A relação entre pesquisador e entrevistado foi conteúdo fundamental para a riqueza e singularidade dos depoimentos obtidos através das entrevistas, onde a investigação caracteriza-se como um tipo de experiencia apoiada na memória e vivência no lugar. Para Thompson ser bemsucedido ao entrevistar exige habilidade – o bom entrevistador acaba por produzir uma variedade do método que lhe garanta melhores resultados e se adeque à sua personalidade. O autor destaca ainda, como qualidades essenciais do entrevistador bemsucedido, o interesse e respeito pelos outros, como pessoas e flexibilidade nas reações em relação a eles; capacidade de demonstrar compreensão e simpatia pela opinião deles; e acima de tudo disposição para ficar calado e escutar (THOMPSON, 1998, p. 254.) Ao se trabalhar a história oral como metodologia de pesquisa recomenda-se a devolutiva do trabalho para a comunidade geradora das entrevistas.
Para além do Tangível: meios de registrar a imaterialidade
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O compromisso com a “devolução” dos resultados do projeto é condição básica para se justificar um projeto de história oral. A condição “para quem” deve ficar explicada, pois os projetos que se valem de entrevistas cumprem sempre um papel social. Seja para instruir teses, dissertações, compor acervos ou funcionar como alerta temático, os textos estabelecidos, em primeiro lugar, devem ser devolvidos aos protagonistas geradores e, conforme o caso, à comunidade que os provocou. (MEIHY e HOLLANDA, 2007, p. 17)
O retorno ao campo de pesquisa com a devolutiva do trabalho pode contribuir na consolidação de sentidos para as histórias de vida compartilhadas. Quando retornadas aos narradores de forma coesa e tratada o gesto se transforma em “respeito” e “consideração” do pesquisador pelas memórias escritas na pesquisa. Sendo assim, retornar ao bairro tornou-se parte fundamental deste trabalho.
Para além do Tangível: meios de registrar a imaterialidade
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O LUGAR O Lugar
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2. O LUGAR 2.1 A cidade do Penedo “Recatada e misteriosa, uma cidade nunca se revela por inteiro” (SALES, 2003, p. 16). Assim é Penedo1. Emoldurada pelas águas do “Velho Chico” a cultura ribeirinha é rica em costumes, saberes, lendas, gastronomia, lugares e paisagens. Região que compunha a porção sul da capitania de Pernambuco, teve sua ocupação territorial oficial em 1560, quando Duarte Coelho de Albuquerque, donatário e fundador de Olinda mandou construir uma feitoria na região afim de conhecer a porção sul da capitania. O ponto inicial de ocupação partiu da Rocheira, estendeuse pela a antiga Rua do Sol, onde se edificaram as primeiras casas e o início do comércio, seguiu para a rua dos pescadores e subiu a ladeira da quitanda, atual Tenente Mariano e Rua Dr. Fernandes de Barros, local onde foi construída a primeira capela em honra a Santo Antônio, no ano de 1614, quando o lugarejo recebeu o título de Vila do São Francisco2. Segundo pesquisas realizadas por Ernani Méro em seu livro “Perfil do Penedo” a antiga capela possuía características jesuíticas, sua fachada era composta por uma porta e duas janelas, nave única e uma torre sineira. No ano de 1615 o Curato de Santo Antônio da Vila do São Francisco foi elevado à categoria de paróquia,
permanecendo o mesmo orago. Com o passar dos anos a capela foi se deteriorando e em seu lugar foi erguido um sobrado em estilo colonial, não restando qualquer vestígio da capela. Anos depois foi erguida outra capela, próxima à primitiva. No período de 1637 a 1645 (invasão Holandesa3), a capela ficou situada no interior do “Forte Maurício de Nassau”, servindo de depósito para armamentos. Em confronto entre portugueses e holandeses, no ano de 1645, toda a documentação existente foi queimada, não havendo registros sobre o templo.
Imagem 4: Mapa feito a mão pelo escritor Ernani Méro
situando a Rua do Sol (vermelho) e a primitiva capela de Stº Antônio(azul). Observa-se que o escritor destacou os arruados e as principais edificações da cidade sem se prender ao período de construção das mesmas. Fonte: Secretaria do Estado de AlagoasSECULT.
Imagem 5: Mapa do forte Maurício- Respectivamente mapa com o bairro em estudo destacado (número 2) detalhe da vila São Francisco (Penedo) no século XVII, com o Penedo em forma elíptica, o forte e a capela em seu interior (número 1). Castrum Mauritij. Marcgrav, 164
Penedo localiza-se numa penedia – grande rochedo sobre o qual o núcleo urbano se assenta. Somente no século XVIII a então Vila de São Francisco passou a ser chamada de cidade do Penedo. (MÉRO, 1974). 3 A posição geográfica da Vila de São Francisco era estratégica para a consolidação do tráfego de navios que comercializavam escravos, pau-brasil e alimentos. Esse posicionamento despertou o interesse dos holandeses quando retornaram a capitania de Pernambuco em 1630, enfatizando a importância em controlar o comércio naquele período. (MÉRO, 1974). 1 2
O Lugar
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Em seu terreno deu-se início a construção da Catedral de Nossa Senhora do Rosário, tendo sua obra concluída no ano de 1850. Vale destacar a presença de religiosos Franciscanos no ano de 1660, como marco da religiosidade e faceta educacional, onde as classes dominantes e os “cidadãos de bem” tinham a base educacional apoiada nas ordens religiosas. A mudança do orago Santo Antônio para Nossa Senhora do Rosário deu-se após as invasões holandesas. Segundo relatos de antigos moradores entre os anos de 1670 e 1671 houve uma forte epidemia na cidade, o então Bispo Dom Jonas Batinga (primeiro Bispo de Pendo) fez uma promessa à Nossa Senhora do Rosário, a qual era devoto. Pouco tempo depois a epidemia foi erradicada, os católicos viram o acontecido como milagre e atribuíram a dádiva à promessa feita pelo Bispo, Dom Jonas Batinga junto a população consagraram a paróquia à Nossa Senhora do Rosário (MÉRO, 1974). A cidade é formada por logradouros e edificações de significativo valor histórico, com importantes bens da arquitetura religiosa e civil do país, mantidos íntegros ao longo do tempo, ostenta exemplares arquitetônicos de cada período histórico, o que lhe confere seu maior valor histórico e cultural. Em busca de garantir a preservação e conservação do conjunto histórico
e paisagístico, Penedo foi tombada a nível Municipal, Estadual e Federal há mais de vinte anos. O tombamento do Conjunto Histórico, Arquitetônico e Paisagístico de Penedo visa uma realidade físico-territorial, compreendida como o meio ambiente urbano, natural e construído, representativo da soma de vários períodos históricos, desde a fundação do arraial até a atualidade (IPHAN, 1994).
A poligonal de tombamento abrange as principais vias da cidade, como Avenida Getúlio Vargas, centro comercial, parte da feira e avenida beira rio. A área de entorno possui interesse paisagístico, abrangendo parte do bairro Santo Antônio, onde surgiram os primeiros arruados, casas e comércio da cidade, a Lagoa do Catarrinho, além dos grandes quintais nas vertentes dos tabuleiros.
2.2 Faces de um Bairro Pelas ruas estreitas, horas margeando o rio, horas aladeiradas em barro vermelho, casas geminadas e coloridas foram erguidas. O bairro Santo Antônio, popularmente conhecido como Barro Vermelho, está localizado próximo ao centro histórico de Penedo, da Rocheira4 e margeando o Rio São Francisco. Naquele mesmo
Área de representatividade, onde teve início os primeiros arruamentos da cidade e deu origem ao nome de Penedo. O local era tido como privilegiado, por oferecer condições de defesa e de acesso à cidade. Foi escolhido para a implantação do extinto Porto de Nassau, por possibilitar a ancoragem de grandes embarcações.
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arruado foram construídas fábricas, e casas de pescadores. Estavam instaladas fábrica de tecido, óleo, sabão, café, olaria, beneficiamento de arroz, o antigo matadouro e estaleiros. O bairro tinha localização estratégica para tais funções, as margens do rio serviam como porto de escoamento dos produtos. O lugar guarda “histórias de um passado fausto da cidade” o apogeu das indústrias e a imponência de seus estaleiros marcam os cem anos áureos de Penedo, entre 1850 e 1950. Ali estão os restos do que foi a fortuna do Comendador Peixoto, as ruínas da antiga fábrica têxtil, labor de 1.112 funcionários dos idos de 1920. O museu de ruínas se completa com os restos de paredes que foram as fábricas de óleo e sabão. Mais recuada, espedaça-se a Casa da Pólvora. No eterno renascer, nesta região surge a Escola de Ensino Fundamental Professor Douglas Apratto Tenório, homenagem do penedense ao conceituado historiador alagoano. Como é óbvio o nome do bairro se deve ao barro vermelho por onde se desenhou. Mas bem que poderia ser uma analogia à inquietação política retratada por Antônio Osmar Gomes no romance A Greve, crônica da riqueza que se construía sobre misérias, injustiças e tísicas. Mas bem antes dos restos da fábrica, logo no início da estrada, a pequena orla de uma aprazível prainha abriga um estaleiro que garante a também centenária arte de fazer barcos, coisa antiga e de muito esmero neste Penedo. O Lugar
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Imagem 6: Mapa da região tombada e localização do bairro. Fonte: Adaptado do Google Earth, 2018.
SANTO ANTÔNIO IGREJA SANTO ANTÔNIO
P E N E D O CENTRO
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SR. DO BONFIM
Bairro de Santo Antônio Área de tombamento Estadual e Municipal Área de tombamento Federal
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A notícia mais recuada de construção naval às margens do Rio São Francisco vem do sesmeiro Antônio Vaz Freire, que teria construído o primeiro barco por estas bandas. No apogeu chegou a recuperar embarcações de calado considerável, como o navio Comendador Peixoto [...] Hoje os estaleiros voltaram a ser miúdos, como se vê. [...] Este centenário bairro Barro Vermelho hospedou por muitos anos os negros malês. Esses negros muçulmanos e valentes fizeram guerra na Bahia e se espalharam em rebeldia por províncias vizinhas. A intenção era derrubar o domínio dos brancos e fazer a redenção negra. Fracassaram, mas se firmaram em sua fé. [...] Hoje, sem malês, o bairro tem uma missão nobre e belíssima. É ele que abriga no nome de suas ruas e praças muito do espírito alegre e autêntico do povo penedense. [...] (SALES, 2013, p. 93-94)
Os principais marcos referenciais ganham destaque na paisagem e dão identidade ao lugar. A torre que leva energia de Penedo para Santana do São Francisco, foi instalada no bairro ainda no século vinte, apesar de ser um elemento que destoa da paisagem passou a ser incorporada por ela. Esta fica em frente a extinta Lagoa do Catarrinho, que ocupa uma grande área do bairro. Ao centro é possível observar a igreja com a torre sineira ao fundo, e mais à esquerda a antiga chaminé da olaria.
Imagem 7: Vista a partir da Rocheira para o Barro Vermelho. Fonte: Autora, 2018.
As casas se espalhavam entre as ruas Quinze de Novembro, Rua dos Pescadores e Rua do Fogo, essas eram as ruas próximas ao rio e as indústrias, a Rua Alto da Pólvora e Rua do Meio, também eram habitadas, supostamente por serem o ponto mais alto do bairro, serviam de refúgio durante os períodos de cheias do São Francisco. Segundo relatos de Sr. Toinho, o Alto da Pólvora concentrava os artesões, com as palhas encontradas nas matas faziam cestos, urupembas, gamelas, para aos sábados venderem na feira. Na
Rua dos Pescadores via-se pessoas sentadas nas portas tecendo redes de pesca, fazendo tarrafa, covo e balaio para levar peixe. No restante do bairro muitas pessoas, em sua maioria mulheres, trabalhavam tirando o sustento do solo argiloso bastante avermelhado, conhecido como massapê, com o barro eram produzidas panelas, telhas, potes e tijolos, as peças eram queimadas nas olarias do bairro e vendidas no comércio. Com o barro, muitas casas foram erguidas, ao som do coco de roda os moradores se reuniam para taipar casas. O Lugar
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Imagem 8: Foto aérea do bairro. Fonte: IBGE, s/d adaptado pela autora, 2018.
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Imagem 9: Mapa do bairro com principais pontos referenciais destacados. fonte: adaptado do google earh, 2018.
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Imagem 10: Coco de roda em Penedo, 1892. Fonte: IBGE, s/d.
Imagem 11: Contrução do calçamento da Rua da Lama. Fonte: Fundação Raimundo Marinho, s/d.
Imagem 12: Vista do Barro Vermelho com destaque para a
Utilizavam o barro pra fazer telha, fazer tijolo, faziam panela, tapavam as casas. Tiravam a madeira, faziam enchimento mais grosso, e as varas, aí faziam um gradeado e era uma festa. Imagine, fizemos uma casa lá no alto da pólvora que todo mundo ficou admirado, o povo todo unido taipando casa, todo mundo cantando: Pisa maneiro, pisa maneiro, quem não pode com a formiga não assanha o formigueiro (SANTOS, Antônio Gomes dos, 25 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
Antes não tinha calçamento, era barro! Era um barro tão vermelho, por isso que chamam Barro Vermelho! Quando chovia, eu garota, a janela era mais alta que esta, eu me sentava no caixão de gás, para ver o povo cair aí... (SILVA, Eunice. Eunice Santos da, 25 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
Paturi, o que andas fazendo ao redor, destas lagoas? Quem tem paturi, tem pato que tem asa, cai no laço quanto mais quem não avoa. Aí eles comiam tanto arroz que engordavam muito e queriam avoar, mas não podia, aí ficava voando na lagoa, uma coisa linda (SANTOS, Antônio Gomes dos, 25 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
O mesmo barro que garantia o sustento de muitas famílias também era capaz de castigar. Durante os períodos de chuva se tornava difícil transitar pelas ruas que até então não eram pavimentadas, pessoas desatentas escorregavam ao caminhar, como destaca dona Eunice durante a entrevista. Somente no final da década de 1970 as principais ruas do bairro foram pavimentadas.
Onde hoje é a Praça 31 de Março, antiga Praça da Matança, se localizava o matadouro da cidade, poucas casas ficavam próximas a ele, a maior parte do entorno era mata e alguns chiqueiros. Ali próximo está a Lagoa do Catarrinho, mulheres e crianças plantavam, colhiam e lavavam o arroz que era levado para a fábrica de beneficiamento que ali perto ficava. A lagoa era repleta de paturi, que estavam ali em busca do arroz, e ao som dos cânticos de trabalho as mulheres ecoavam, diz Sr. Toinho, em um trecho de sua entrevista.
Lagoa do Catarrinho. Fonte: IBGE, 1875.
Durante os meses de dezembro a fevereiro, período de cheia do Rio São Francisco, a Lagoa do Catarrinho também enchia, alagando a região da Rua dos Pescadores, parte mais baixa do bairro. Os moradores eram obrigados a sair de suas casas de taipa, em canoas, com água pelo pescoço, passavam de dois a três meses fora de casa esperando o nível do rio baixar, como recorda Dona Justina, que mora na Rua dos Pescadores desde a infância. O Lugar
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Todo o ano a gente tinha que sair daqui porque alagava tudo, a gente saia daqui de canoa, ficava com água pelo pescoço aqui dentro de casa. A gente ficava dois três meses fora de casa, até que a água baixasse, tinha que rebocar a casa, porque era feita de taipa. (DIAS, Maria Justina dos Santos, 24 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
Imagem 13: Rua dos Pescadores à direita, com casas margeando o rio. Fonte: FRM, S/D.
Na década de 1970 o então prefeito Raimundo Marinho5 construiu um aterro na Rua dos Pescadores, a rua que antes possuía casas dos dois lados, após as transformações urbanas, passou a ter casas apenas do lado oposto ao rio, evitando possíveis alagamentos no futuro. Após a construção da usina hidrelétrica de Xingó as cheias anuais diminuíram, a Lagoa do Catarrinho parou de encher, e atualmente é utilizada como criatório de gado. A Lagoa do Catarrinho, pertencente a sr. Manuel Catarrinho estava numa área de domínio da antiga Fábrica de Tecidos Penedense. A indústria ocupava uma grande região do bairro, margeando o rio São Francisco. Começou a funcionar no ano de 1896 e chegou a ter centenas de funcionários, em sua maioria moradores do bairro, mantinha um ambulatório e um centro recreativo para os funcionários, além disso disponibilizava moradias para os trabalhadores, localizadas na Praça da Alegria
Imagem 14: Criação de gados na Lagoa do Catarrinho. Fonte: Autoral, 2018.
Natural de Penedo, Raimundo Marinho foi eleito por quatro vezes prefeito da cidade, entre os anos de 1961-1965, 1970-1973 e 19761980. Durante toda a sua gestão fez grandes obras de infraestrutura urbana por toda a cidade e ainda hoje é considerado o melhor prefeito da história de Penedo. Faleceu em 1985 num trágico acidente de carro.
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Imagem 15: Vista aérea da antiga fábrica de tecidos penedense. Fonte: : IBGE, s/d. As pessoas naquela época não tinham condições de estudar, as mocinhas com 14, 15 anos já iam pra fábrica, e quando estavam na fábrica era uma benção, porque ganhavam seu dinheiro e iam viver suas vidas, porque ali da fábrica só saia pra se aposentar (DIAS, Maria Justina dos Santos, 24 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
Em 1955 a fábrica de tecidos fechou as portas, em seu lugar foi construída a escola Douglas Apratto Tenório, restando da fábrica as memórias e a creche, que ficava logo à frente, onde os operários podiam deixar seus filhos enquanto trabalhavam.
Imagem 16: Fachada principal da fábrica penedense, voltada
Imagem 17: Interior da fábrica de tecidos, observa-se que a maioria das pessoas eram mulheres e crianças.
as necessidades não só de Penedo, mas também regiões adjacentes, não se sabe a data em que fechou as portas.
indústrias, era comum avistar canoas de tolda e chatas6 carregadas de mercadorias produzidas nas fábricas, subindo o São Francisco em direção a Porto Real do Colégio, Belo Monte, Pão de Açúcar e Piranhas.
para a rua do fogo. Fonte: IBGE, s/d.
A vida de todos no bairro, inclusive daqueles que sobreviviam do rio foram influenciadas pelas
Imagem 18: A esquerda localizava-se a fábrica de tecidos, a direita está a edificação fechada da antiga creche. Fonte: Google 2012.
A fábrica de óleos Galvão & CIA era a mais antiga fábrica de óleos do estado e supria “As embarcações maiores do São Francisco, como as canoas de tolda (ou sergipanas) e as chatas, derivam de antigas formas específicas de confecção de barcos, efetivadas a partir da inserção de uma prancha de madeira fixada no eixo longitudinal, criando um fundo plano e largo. (IPHAN; VIEIRA FILHO; WEISSHEIMER, 2012, p. 73)
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da pescaria duas horas, mas eu preferia ficar mais um pouco e esperar, porque quando eu voltava ficava na porta da indústria e vendia o peixe (SANTOS, Antônio Gomes dos, 25 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
A fábrica de sabão Zartur, propriedade de Silva Freire & C. era responsável por suprir todo o mercado do município, além de exportar para Maceió, Recife e Baixo São Francisco. Após o fechamento da fábrica, a edificação passou anos em estado de abandono, chegando ao arruinamento
Imagem 19: Manipulação de mercadoria no antigo porto de Nassau, s/d. Fonte: IHGAL, s/d.
Os sobrados que o comércio ergueu. A fábrica de tecido. As indústrias de óleo e sabão. Embarcações de grande calado. O rio liberta a cidade Do cativeiro da terra. (Princesa do São Francisco, Maurício de Macedo)
Os pescadores por sua vez saiam pela manhã em busca do pescado e só retornavam para o bairro próximo a hora de encerrar o expediente das fábricas, esse era o melhor momento para vender peixe fresco. Você imagine uma indústria, quanto ela rendia pra essa cidade, muitas vezes eu ia pescar e podia voltar
Com saudosismo os moradores do bairro relembram o funcionamento das fábricas, e lamentam o fechamento das mesmas, que influenciaram diretamente a renda e dinâmica urbana local.
Imagem 20: Lavagem de roupa as margens do Rio São Francisco. Ao fundo é possível observar a Igreja de Santo Antônio. Fonte: IHGAL, 1918.
O bairro como muitos sabem era o ponto industrial de Penedo, pode-se até dizer que foi onde nasceu Penedo.(...) Então com o passar do tempo, entra governante, sai governante não teve a compreensão de tentar continuar, levar a frente e com o tempo o bairro foi se esquecendo, os prédios entrando em desuso, em ruinas e hoje acabou tudo (SANTOS, Cláudio. 24 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
O bairro também era reduto da maioria das lavadeiras profissionais, era onde os contratantes iam buscar com mais facilidade, devido à proximidade com o rio. O Barro Vermelho sempre foi uma comunidade desprezada socialmente pelos moradores de outros bairros, mas que muito contribuiu para o desenvolvimento do convívio econômico da cidade.
Imagem 21: Conjuntos de casas na rua Santo Antônio. Fonte: Autora (2017)
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Pelas calçadas estreitas, por vezes inexistentes, ocupadas por degraus, que dão acesso as casas, que em sua maioria se caracterizam pelo estilo porta e janela, com telhado duas águas, algumas ainda foram construídas em taipa e resistem até hoje. Em meio as casas simples um conjunto se destaca na paisagem, são casas com cimalhas, que caracterizam maior poder aquisitivo dos moradores, possivelmente na época do bairro industrial. Dos tempos passados a prática da pesca permaneceu, sendo ainda fonte de renda para muitos moradores. As casas que margeiam o rio guardam as embarcações, assim como ocorre na orla do bairro, a todo instante vê-se canoas navegando o Velho Chico. Não só canoas fazem parte da paisagem, lanchas e jet-skis são elementos cada vez mais presentes no lugar, impulsionados pelo turismo náutico, atraindo pessoas em busca das belezas que o rio tem a oferecer. Tal fato foi o principal alavanque para investimentos em políticas conjuntas recentes entre IPHAN e a Prefeitura de Penedo para o bairro. No ano de 2015 teve início a restauração da antiga fábrica de sabão Zartur, que se encontrava abandonada, com o intuito de implantar uma Marina Pública e Escola Náutica, além da construção do Cais da Marina, ambas inseridas no conjunto de obras do PAC7– Cidades Históricas. Em Penedo o Programa de Aceleração do Crescimento- Cidades Históricas (PAC) visa transformar a cidade em polo turístico para a região do Baixo São Francisco, através de restaurações e novos usos em prédios históricos, além de reurbanização de alguns trechos da área tombada.
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Imagem 22: Embarcações que margeiam o bairro. Fonte: autora (2017).
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A obra da Marina foi concluída no ano de 2017, e atualmente encontra-se fechada e sem uso, se degradando com o tempo. Tal fato entra em contradição com a justificava que consta no projeto. De acordo com IPHAN (2013, p.909) “Atualmente o imóvel está subutilizado e com a execução da reforma proposta visando a proteção, preservação e recuperação do meio construído(...)” (apud FIGUEIRÓ, 2017, p. 29). Para a implantação do Cais da Marina alguns moradores tiveram suas residências indenizadas, porém as obras encontram-se paralisadas. A prefeitura por sua vez realizou a requalificação da orla do bairro, com a criação de um calçadão que se estende por toda a Rua dos Pescadores, o que passou a influenciar diretamente no trânsito local, visto que o tráfego de veículos antes existente no nível mais alto da rua foi suprimido.
Algumas ruas do bairro foram pavimentadas com paralelepípedo, oferecendo a população infraestrutura básica necessária, como esgotamento sanitário. A principal via foi asfaltada, aumentando o fluxo de carros, visto que o bairro é uma via de ligação alternativa entre o centro histórico e a parte alta da cidade, por estar asfaltada alguns motoristas optam por ela, na tentativa de fugir dos paralelepípedos existentes no centro histórico, os carros dividem o espaço com as motos e cavalos, além dos moradores. O asfaltamento fez com que as pessoas utilizassem ainda mais a rua, agora como calçada, já que é mais fácil transitar por ela que pelas calçadas irregulares, calçadas essas que passaram a abrigar mais cadeiras às portas todo o fim de tarde. As crianças continuam a brincar na rua, porém sob olhares com cuidados redobrados. Observando o cotidiano do bairro fica nítida a relação existente entre moradores e espaço urbano, que por vezes fazem das ruas uma extensão de suas casas.
Imagem 24: Uso das calçadas e da rua. Fonte: autora, 2017.
Imagem 23: Pessoas transitando pelo novo calçadão da Rua dos Pescadores. Fonte: autora, 2018.
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As intervenções são de grande porte, o que tende a causar mudanças no cotidiano dos moradores do bairro, com isso um questionamento é pertinente: qual a relação estabelecida entre prefeitura, IPHAN e comunidade? Em casos como esse, onde há alterações no cotidiano do lugar é importante dar ouvidos e lançar o olhar e
para os sujeitos, que vivem em áreas de interesse histórico.
em Alagoas, uma proposta para reurbanização da Rocheira, - a Rua do Banheiro.
Além dessas mudanças, um novo projeto urbano, ainda em fase de estudos, vem sendo desenvolvido pela prefeitura municipal de Penedo em parceria com a superintendência do IPHAN
A área atualmente passa por um processo de abandono e degradação do seu casario, o local antes visitado por moradores e turistas é visto hoje como um lugar perigoso.
Imagem 25: Área da Rocheira, pertencente ao Barro Vermelho. Fonte: Autora, 2016.
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Imagem 26: Projeto de reurbanização da Rocheira. Fonte: IPHAN, AL (2018).
O projeto é grandioso e pretende unir a antiga orla beira rio com o Barro Vermelho a partir de uma passarela em madeira margeando o rio e o rochedo. Além da passarela o projeto conta com um píer flutuante, que servirá como anfiteatro, uma arquibancada, três níveis de decks que servirão como mirantes, para vislumbrar o pôr do sol, e um bar. Pretende-se também requalificar a Rua do Banheiro, tornando-o em um pequeno centro gastronômico, onde as seculares casas em taipa ganhariam usos de restaurante. Os prédios do Antigo Clube de Pesca, Antiga Companhia de Energia e o Museu do Paço Imperial também estarão integrados ao projeto, servindo como apoio ao turista. Em um trecho de seu trabalho a autora defende a ideia de gentrificar- retirar a camada social que ali frequenta para inserir pessoas de camadas mais ricas- entrando em contradição quando a mesma afirma que a população manifestou acolhimento ao projeto. Com o objetivo de propor ações com base na realidade e necessidade da população local e sociedade contemporânea, conclui-se que, a Rua do Banheiro e seu entorno contribuirá para uma gentrificação do local, uma vez que, a população manifestou acolher e abraçar as intervenções ali realizadas tendo em vista a patrimonialização do local (SIQUEIRA, Dalila Karla, Anteprojeto de Requalificação da Rua do Banheiro e seu Entorno,
A nova proposta de intervenção remete ao final da década de 1970, quando o então prefeito Raimundo Marinho realizou obras de urbanização, pavimentação e iluminação na área, tornando esse feito um marco em sua trajetória política. Com isso mais uma vez questiono, quais seriam os reais objetivos dessas restaurações e reurbanizações? Será que a comunidade local é pensada durante os projetos ou esses são usados como um alavanque político? Como é possível restaurar uma edificação ou área urbana sem pensar e ouvir comunidade local? Diante dessa situação é possível exemplificar a fala de Luciane Gorgulho, chefe do Departamento de Economia da Cultura do BNDES, para a Revista do Patrimônio, relativa as novas diretrizes de investimentos do banco voltadas ao patrimônio cultural: “Alicerçar projetos relacionados a programas de revitalização (urbana, turística econômica etc.) com benefícios efetivos a população, o chamado apoio à requalificação de perímetros urbanos integrados” (GORGULHO, 2017, p. 184). O sujeito é o principal agente formador da dinamicidade do lugar, é ele quem deve ser ouvido durante qualquer processo de intervenção, cabe aos órgãos gestores observar suas reais necessidades, em busca de promover a qualidade de vida e bem-estar social.
Penedo, Alagoas, 2017, pag. 76.). O Lugar
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Imagem 27: Conjunto de fotos das obras da Rocheira no final da dĂŠcada de 1970. Fonte: FRM, ano 2017. O Lugar
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2.3 A casa: Igreja de Santo Antônio dos Pobres do Barro Vermelho
Imagem 28: Fachada Frontal da Igreja de Santo Antônio. Fonte: Autora (2017)
A igreja de Santo Antônio dos Pobres foi erguida no ano de 1906. Sua origem ligada ao cônego Dr. Teotônio Ribeiro e Silva9 que em 1904 solicitou a diocese de Penedo, em nome dos fiéis do bairro, permissão para construir uma capela cuja titulação seria dada a Santo Antônio. A construção foi autorizada em 16 de dezembro de 1904, com a determinação do bispo D. Antônio Manuel Castilha Brandão, no dia quinze de janeiro de 1906 a igreja estava concluída. O cônego Teotônio Ribeiro também foi responsável pela fundação de uma instituição de caridade denominada “Pão de Santo Antônio”, a qual se mantém em atividade até os dias atuais (CAMPOS, 1953). O templo é composto por fachada simples e simétrica, com cinco portas e cinco janelas em arco pleno. O frontão possui um nicho que guarda a imagem de Santo Antônio, a original era feita em “terracota” (barro cozido), porém a que se encontra hoje no lugar é uma réplica, feita de material que se assemelha a madeira ou gesso. Não foi possível descobrir em campo os possíveis motivos para a mudança das imagens e onde estaria a original.
Imagem 29: Imagem de Santo
Antônio em nicho da fachada. Fonte: autora (2017).
Natural de Traipu, Teotônio Ribeiro e Silva, era doutor em Cânone pela Universidade Gregoriana de Roma, além de musicista, filólogo e possuidor de grande e variada cultura. Responsável pela criação da Pia União do Pão de Santo Antônio, além de ser responsável pela construção da igreja de Santo Antônio, onde foi sepultado. Entre suas obras escreveu um dicionário de termos populares, além de ter registrado tantas outras tradições (CAMPOS, 1953).
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Imagem 30: Diferentes vistas para a torre sineira. Fonte: autora (2018).
A torre sineira chama a atenção por estar localizada na fachada posterior da edificação, e abriga os três sinos que marcam a vida cotidiana e religiosa do bairro. Pode-se compara-la a um mirante, pois dela é possível observar parte do bairro, do centro histórico e uma das mais belas vistas do rio. Além disso a torre é casa! Corujas habitam aquele lugar e fazem ali seus ninhos. De tempos em tempos elas retornam a torre para pôr seus ovos, tem o lugar como sua propriedade, e inibem com o olhar qualquer pessoa que tente incomoda-las.
Imagem 31: Corujas moradoras da torre sineira. Fonte: Cláudio dos Santos, s/d.
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Imagem 32: Vistas da torre da igreja, ano 2017. Fonte: Autora (2017)
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Imagem 33: Os trĂŞs sinos da torre. Fonte: A autora (2017).
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Imagem 34: Vistas da torre da igreja, ano 2017. Fonte: Autora (2017) O Lugar
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A igreja está implantada numa das principais ruas do bairro e se destaca na paisagem. É possível avistá-la em diferentes pontos da cidade, tanto em terra, no mirante da Rocheira ou mesmo na Travessa Tenente Mariano, como, pelo rio, tornando-se um referencial no espaço do bairro. O interior da edificação foi pouco alterado, havendo substituição do antigo forro de madeira por forro de PVC. O piso de ladrilho hidráulico é mantido encerado, a equipe de organização da capela faz questão de manter tudo pintado e muito limpo e organizado, mostrando esmero para a casa que tanto se orgulham. A fachada principal também passou por transformações, uma grande escadaria era responsável em dar acesso a igreja, implantada num nível mais alto em relação ao nível da rua, na década de 1970, durante o mandato do prefeito Raimundo Marinho, a escadaria foi substituída por duas rampas laterais, com intuito de melhorar a acessibilidade, visto que a maioria dos usuários da edificação era composta por idosos. Nesse período foi construída no local da escadaria uma gruta em honra a Nossa Senhora de Lourdes, santa a qual o pároco vigente era devoto. No relato de Dona Justina é possível vislumbrar a época em que a festa de Santo Antônio se concentrava na extinta escadaria da igreja, o que mostra como aspectos arquitetônicos e urbanos estão ligados afetivamente a vida das pessoas.
Essa escadaria era usada como arquibancada pra ver o pessoal passar. (risos) quando terminava a novena aí você ver que o espaço é grande, né aí ficava todo mundo ali, as mocinhas, os rapazes, ai a gente ficava ali, paquerando, mandando música, tinha aquelas barraca de cigana, e pronto, ai a gente ficava até dez, onze horas da noite (DIAS, Maria Justina dos Santos. 24 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
Esses são marcos que ficaram em fotografias e memórias, enquanto outros referenciais para a paisagem foram sendo construídos ao decorrer dos anos. É o que acontece com a gruta dedicada à Nossa Senhora de Lourdes, zelada por Dona Erondina. Apesar de não ser natural de Penedo, a moradora reside no bairro a mais de trinta anos, e desde que se mudou passou a se dedicar aos cuidados com a gruta.
Imagem 35: Interior do Tempo. Fonte: Autora (2017).
Imagem 36: Dona Eunice no alto da escadaria da igreja de Santo Antônio dos Pobres. Fonte: acervo de Dona Eunice, s/d.
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É ela quem limpa e retira o lixo, assim como recolhe as imagens de santos danificados que muitos fieis colocam no local, por imagina ser falta de respeito jogar no lixo comum a imagem que lhe ajudou a rezar. Segundo dona Erondina tais objetos são reunidos e levados até o rio por um pescador, e lançado na região mais profunda, com o intuito de garantir que o objeto não retorne as margens.
Imagem 37: Momento de Devoção. Fonte: Autora (2017)
As imagens quebradas a gente tira, coloca numa bolsa, ai quando os pescadores vai pra o rio, pra pescar, a gente pede pra eles colocarem no fundo do rio mesmo. O padre pede pra quando jogar não jogar no lixo. A gente pede pra jogar bem no fundo do rio (SANTOS, Erondina Pinheiro dos. 24 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
O zelo pela capela chama a atenção, as tarefas são todas divididas entre os moradores, além de dona Eunice que cuida da gruta, tem Antônio, mais conhecido como “mudo” para cuidar das plantas, e “Zizi” para limpar o quintal. A equipe responsável pela capela sempre está fazendo os reparos necessários para mantê-la em ordem. Ao lado da igreja está o antigo centro comunitário, pertencente à igreja. Em 2017, durante imersão ao bairro, todas as entrevistas relatavam algo sobre o lugar, destacando sua importância para os moradores. Durante anos foi palco de festas de aniversário, casamentos, reuniões do grupo de jovens, batizados, apresentações de quadrilhas juninas, além
Imagem 38: Imagens quebradas presentes na gruta. Fonte: Autora (2017)
Imagem 39:Imagem de Nossa Senhora de Lourdes. Fonte: Autora(2017)
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das comemorações voltadas para a festa de Santo Antônio. Assim como a igreja, o centro comunitário possui significações históricas e de memória, além de estar diretamente ligada a imagem do lugar. As representações sociais existentes e as narrativas a seu respeito tornamse relevantes do ponto de vista do patrimônio.
Imagem 40: Centro Comunitário localizado a esquerda da igreja. Fonte: Autora (2017)
Olhe, eu sei que o centro comunitário foi construído pelo padre Aldo, ele quem construiu o centro junto com a comunidade, hoje o centro se encontra em ruinas (SANTOS, Cláudio dos. 24 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes). O centro comunitário era muito utilizado pelo pessoal, tinha casamento, aniversário, quadrilhas, era muito animado. Hoje em dia isso acabou (SANTOS, Cláudio dos. 24 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
Com o passar dos anos novas edificações foram construídas, como a colônia dos pescadores, a associação dos moradores do bairro, além do Santo Antônio futebol clube, dispersando as atividades, fazendo com que o centro ficasse em desuso. A fachada bastante degradada, muitas infiltrações no telhado levaram ao apodrecimento Disponível em: //https://scontent.fmcz3-1.fna.fbcdn.net/v/ t1.0-9/11990434_423941334468366_6243260269785104540_n. jpg?_nc_cat=105&oh=0ed6f13ab948fb10eed856b2271e1e17&oe=5C2D3930. Acesso em ago, 2018.
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Imagem 41: Apresentação de quadrilha junina no centro comunitário. Fonte: Página do Barro Vermelho no facebook10. O Lugar
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do madeiramento da coberta, o prédio tornou um lugar perigoso para a vizinhança, o que obrigou aos responsáveis pela igreja a retirar toda a coberta. O tempo passou e nada foi feito, deteriorando cada vez mais o lugar.
Imagem 42: Estado do centro comunitário em 2017. Fonte: Autora (2017)
Mesmo com a decadência do espaço físico os moradores continuam utilizando o lugar. Para isso fazem adaptações, colocam tendas e tecidos afim de esconder todo o desgaste fruto de abandono. Atualmente os eventos em sua maioria são ligados à igreja. A exemplo dos desfiles da rainha da festa de Santo Antônio e o café regional organizado pelo grupo de jovens da igreja. Atualmente o centro passa por uma reforma. Pessoas ligadas à igreja, uniram forças para angariar fundos, através de bingos, rifas e doações, com o intuito de recuperar o lugar, e voltar a ser utilizado pela população com a mesma frequência de anos atrás. Essas mudanças poderá alterar os significados do lugar. O pároco atual está coordenando a obra e pretende transformar o palco onde houveram apresentações de quadrilha, forró, batizados etc, em sala de reuniões. Destruindo o palco o centro passa a perder seu maior sentido para a comunidade, “lugar de apresentação” e passa a ser apenas lugar de memória. Conversando com alguns moradores eles se puseram contra a decisão do padre, reconheceram a importância do lugar ao afirmarem que aquele é “um dos sete palcos da cidade”. Disponível em: //https://scontent.fmcz3-1.fna.fbcdn.net/v/ t1.0-9/11990434_423941334468366_6243260269785104540_n. jpg?_nc_cat=105&oh=0ed6f13ab948fb10eed856b2271e1e17&oe=5C2D3930. Acesso em ago, 2018.
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Imagem 43: Desfile da “rainha da festa de Santo Antônio”. Fonte: Página do Barro Vermelho no facebook11.
Imagem 44: Café Regional no centro comunitário: Fonte:
autora (2017).
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Imagem 45: paredes em processo de construção. Fonte: Autora, 2018.
2.4 A devoção à Santo Antônio O catolicismo brasileiro foi influenciado pelo pensamento religioso da Europa do século XVI, que buscava cultuar indivíduos com trajetórias de vida tidas como exemplo pela fé em Deus e dedicação absoluta à Igreja. Inicialmente Santo Antônio foi acionado no período colonial como militante e defensor do território, visto que ficou conhecido em Portugal por seu interesse em lutar contra aqueles que se mostravam contrários aos princípios do catolicismo, tendo assim em vista a preservação das posses territoriais portuguesas. Segundo Ronaldo Vainfas (2003) a devoção a Santo Antônio se popularizou no Brasil ao longo da colonização portuguesa. Para o autor, Santo Antônio foi o santo com maior número de freguesias, vilas e cidades dedicadas a ele, tamanha a sua popularidade no Brasil. Isso pode justificar o fato para que a primeira capela de Penedo fosse em honra ao Santo. No período colonial, entre 1585 e 1650, dos 15 conventos fundados no Brasil pelos franciscanos, oito foram dedicados a Santo Antônio, dos quais quatro no Nordeste. Quanto a capelas de engenho em Pernambuco, Santo Antônio patrocinou nove oragos, empatando com Nossa Senhora do Rosário, seguido de perto por São João. Seu prestígio em Pernambuco era particularmente
Imagem 46: Maquete do Centro Comunitário. Fonte: Autora, 2018.
Imagem 47: Instalação da coberta. Fonte: Fabiana dos Santos,
2018.
grande, mas não foi pequeno em várias outras capitanias (VAINFAS, 2003, p. 31). O Lugar
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O dia 13 de junho data de falecimento de Santo Antônio, é o dia em que muitas cidades brasileiras homenageiam o santo, tido como o mais português de todos, e como consequência, o autor considera-o o mais brasileiro deles. A relação entre Portugal e Santo Antônio está diretamente atrelada ao fato de Fernando Antônio de Bulhões, nome de nascença de Santo Antônio, ter nascido em Lisboa, Portugal, no dia 15 de agosto de 1195. Filho único e de família nobre, iniciou sua formação pelos cônegos da Catedral de Lisboa (VAINFAS, 2003). Com apenas 19 anos de idade Antônio entrou para o Mosteiro de São Vicente dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho, onde pode avançar em seus estudos e orações, contrariando a vontade de seu pai, permanecendo na instituição por dois anos, até ser transferido para Coimbra, onde morou por 10 anos e tornou-se sacerdote. Era notório o dom em transmitir a palavra, com seu vasto conhecimento e poder de pregação. Ainda em Coimbra, teve a oportunidade de conhecer os freis franciscanos, e logo se encantou pelo modo de vida radical e fervoroso em que encaravam o evangelho. Foi então que se tornou frei e mudouse para o mosteiro de São Francisco de Assis (VAINFAS, 2003). Em suas pregações, nas igrejas e praças, muitos cegos, surdos e doentes ficavam curados. O falecimento de Santo Antônio ocorreu em Pádua, na Itália, no dia 13 de junho de 1231, aos 36 anos de idade. Logo após o ocorrido muitos milagres foram atribuídos a ele, e onze meses após sua morte foi beatificado e canonizado
em Espoleto, na Itália, sendo o processo mais rápido da história da Igreja. A popularidade do santo cresceu e se consolidou em Lisboa, passando a ser conhecido como Santo Antônio de Lisboa ou Santo Antônio de Pádua. O santo franciscano fazia muitos discursos a respeito do amor, criticava a exploração da classe operária, a opressão, sendo reconhecido como santo casamenteiro, protetor dos pobres e da família. Em alguns lugares seu nome sofreu apropriações e passou a ser chamado não apenas como Santo Antônio de Lisboa ou de Pádua, como também Santo Antônio dos Caminhantes ou Santo Antônio dos Pobres, como ocorre no bairro em estudo (VAINFAS, 2003). Assim como em outras cidades colonizadas por Portugueses Penedo teve como primeiro orago Santo Antônio, permanecendo padroeiro durante anos, até a mudança para Nossa Senhora do Rosário, mesmo assim o santo franciscano continuou sendo cultuado pelos penedenses. A devoção é tão forte que são realizadas duas festas em comemoração à Santo Antônio, porém em datas, organizações e localização distintas. A primeira celebração ocorre durante o mês de junho, no Convento e Igreja Santa Maria dos Anjos, e a segunda ocorre no Barro Vermelho, onde o santo é patrono. A celebração que ocorre no Convento da cidade é feita anualmente respeitando o tradicional calendário católico. São contados treze dias que antecedem a data de falecimento do santo, 13 de junho, determinando assim o período em que a igreja permanecerá em festa. Imagem 48: Trezenário do Convento Nossa Senhora O Lugar 47 dos Anjos. fonte: Autora, 2017.
Esse é considerado o maior festejo dedicado a Santo Antônio na cidade, atraindo devotos de diversos bairros. A festa se concentra no interior da edificação, criando poucas relações com o espaço urbano. A quermesse montada na praça, logo à frente da igreja, porém não existe qualquer outro tipo de atrativo profano. O convento está localizada no centro histórico, onde a maioria das edificações são voltadas para o comércio, não é comum se ver nas ruas pessoas sentadas nas portas, ou brincando na praça. A maioria dos devotos que comparecem aos dias de celebração são de outros bairros e logo após a missa retornam para suas casas. O último dia de festa é que reúne maior número de devotos, durante a procissão fieis seguem seus cânticos pelas ruas aladeiradas da cidade.
O trezenário do Barro Vermelho ocorre no mês de agosto, o que causa estranhamento, se comparado ao tradicional calendário católico. O período simboliza não só o nascimento do santo, mas também está intimamente ligado ao passado do bairro. Devido às fortes chuvas nos meses de junho e julho as ruas que até então eram de barro tornavam-se um lamaçal, o que acabava por dificultar a celebração, com isso a paróquia optou pela comemoração no mês de agosto, para garantir que as intempéries meteorológicas não atrapalhassem as comemorações. Imagem 49: Dia de Santo Antônio, Barro Vermelho. Fonte: Autora, 2017.
No mesmo período em que o convento de Penedo realiza seus festejos dedicados à Santo Antônio, assim como eu outras cidades do Brasil, o Barro Vermelho, bairro ao qual o santo é patrono, parece estar dormindo. Por ruas escuras, poucas são as pessoas a transitar, a igreja está fechada, afirmando que não reconhece aquele dia como celebração para o bairro. Um único gesto chama a atenção. Na calçada da igreja de Santo Antônio, próximo a gruta à Nossa Senhora de Lourdes estava uma senhora que viria conhecer meses depois. Silenciosa ascendeu três velas e permaneceu de cabeça baixa por alguns instantes, possivelmente fazendo suas preces ao santo franciscano. O Lugar
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O FESTEJAR O Festejar
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3. O FESTEJAR 3.1 Da Fé uma Festa O termo “festa” tem origem no vocábulo latim cristão feria, cujo plural é feriae, Entre os romanos representava o dia de culto público ou privado aos Deuses, eram festas cíclicas, e identificadas como dias de devoção. Estes dias festivos foram instituídos desde a antiguidade e disseminados ao longo do tempo. Partindo da origem latina do vocábulo festa este sempre esteve próximo à religião, podendo afirmar que religião e festa estão juntos desde suas origens, onde ao observarmos os povos da antiguidade notaremos uma preocupação “mágica” ao agradecer a natureza e suplicar a entidades dividas divinas (?) durante as festas. A festa representava a reunião de um povo, caracterizada ora pelo encontro, ora como peregrinação a um santuário. Segundo relatos bíblicos “(...) as festas sempre foram marcadas para contemplar a Deus, além de proporcionar outras atividades, sempre presentes como comer e beber.” (EX 24, 11, apoud SANTANA, 2009, p. 50). A religião e a festa tornaram-se aliados de muita afinidade, pois ambos permitem que o homem fuja de sua rotina para que se possa pausar, agradecer, divertir e se emocionar. Assim como trouxeram a religiosidade e a devoção à a Santo Antônio, os portugueses também influenciaram no jeito brasileiro de fazer festas religiosas populares. A devoção aos Santos
no Brasil é marcada pela festa em homenagem ao Santo da devoção. As atividades culturais na colônia eram influenciadas por expressões cristãs, já que toda a população era educada seguindo os princípios religiosos do catolicismo. As festas reais e religiosas serviam para fortalecer a coroa e disciplinar a população. Também eram nesses momentos de festa que grupos reprimidos à opressão lusa, como negros e indígenas, aproveitavam para exibirem traços de sua cultura, recriando a musicalidade, formas de vestir, dançar e reproduzir suas religiosidades (SANTANA, 2009). Durante as festas do período colonial pessoas de diferentes camadas sociais e etnias estavam presentes, e misturando-se quebravam a monotonia do cotidiano. Dessa forma as festas no Brasil puseram em contato diversas culturas, possibilitando uma sociabilização. O jeito brasileiro de fazer da fé uma festa se propagou por todo o território brasileiro, adquirindo características únicas de cada região. As festas desse período eram patrocinadas pelo poder do Estado (festas cívicas) seguindo o calendário católico, estabelecido pela igreja. A religião era parte fundamental na estrutura da sociedade, e as celebrações eram momentos quase exclusivos para que as pessoas pudessem se entregar ao lazer, emoções e sentimentos de todas as camadas sociais eram expressadas.
A vida cotidiana é interrompida para que por motivos diversos possa se festejar, seja por motivos individuas, momentos dedicados a igreja, ao largo, ou a rua, em festas cívicas e profanas, essas sempre desenvolvidas em coletividade. Muitas vezes as pessoas veem na festa um divertimento de diversas classes sociais, ou um meio de sobrevivência das manifestações culturais, sendo assim congeladas em um determinado tempo. Porém a festa possui um significado mais amplo, segundo Brandão (1989) a festa é “uma fala, uma memória, uma mensagem, um lugar simbólico onde, cerimonialmente, separa-se o que deve ser esquecido e, por isso mesmo, em silencio não festejado e aquilo que deve ser resgatado posto em evidencia de tempos em tempos.” Do ponto de vista social a festa permite a união de diferentes grupos para sua organização, isso faz com que cada festa seja única, mesmo que o objetivo seja o mesmo. Cada participante leva consigo uma carga individualizada de valores. Essa integração de diferentes grupos permitiu um caráter único e dinâmico as festas religiosas brasileiras, com uma popularidade característica. As festas brasileiras são conhecidas pela alegria, prazer, criatividade, e ao mesmo tempo manutenção das tradições. Diante disso Tinhorão afirma “(...) representações e rituais desse catolicismo levaram o culto católico para formas quase declaradas de diversão coletiva, o que provocaria o transbordamento das festas litúrgicas do interior das igrejas para as ruas.” (apoud SANTANA, 2009, p. 61). O Festejar
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As festas passaram a ter forte apelo para o espaço externo, ultrapassando os limites físicos da igreja e ocupando o espaço urbano, a céu aberto, porém não se pode esquecer que essas manifestações só ocorrem devido aos ritos que acontecem no interior do templo. Igreja e rua pertencem a um mesmo conjunto de ritos, porem apresentam atividades de interesses contraditórios. Essa foi a oportunidade para o deslocamento de diretrizes religiosas baseadas na fé, devoção e oração para fins profanos. As festas passam a ser espontâneas e ordenadas, ao mesmo tempo, com momentos dedicados as rezas, cantos, danças, desfiles. Porém cada lugar agrega características únicas de sua região, o que confere a ela um caráter regional. O tempo de duração das festas católicas de rua são variáveis, marcado pelo rito da igreja. Pode se limitar a um dia, ou mesmo um período maior, como as novenas, que correspondem a nove dias de festa ou trezenas, sendo treze dias de festa. A localidade que sedia o festejo passa por um processo de transformação efêmera que se constrói nas imediações do templo. Novos equipamentos associados aos existentes no lugar caracterizam e delimitam o espaço em que ocorre. A festa passa a ser reconhecida pelo tempo, pelas barracas nas ruas, comidas, bebidas, parque, bandeirolas, é o que chamamos de “espaço profano da festa” e é tão indispensável quanto o espaço religioso. Tais características são oriundas
de tradições portuguesas, que decoravam as ruas com ornamentos temporários durantes as festas religiosas, principalmente durante as procissões. A festa é justamente essa miscelânea de festejos, devoção, pessoas, e espaço de diversão (SERRA, 1999).
3.2 Um jeito de festejar É no espaço profano da festa que vamos agora imergir, através do Trezenário de Santo Antônio do Barro Vermelho. A festa é uma intervenção que modifica temporariamente o espaço urbano, através de conexões e interações entre pessoas e espaço. O festejo tem início muito antes do mês de agosto, com os preparativos para a programação dos treze dias de festa, compra de material para a decoração das ruas, divulgação do evento, arrecadação de doações, e tantos outros detalhes que nem passam pela cabeça de quem está fora das equipes de organização do evento. Pode-se dizer que a festa se organiza da seguinte forma: há uma equipe da igreja, formada pelos moradores e grupo de jovens da igreja, responsável pela festa sagrada, restrita ao interior do templo. Duas outras equipes decoram as ruas, uma sendo a Rua dos Pescadores e outra sendo a Travessa Santo Antônio e há também a equipe da cavalgada. A trezena não tem data fixa para acontecer, a única definição é que seja realizada categoricamente no mês de agosto, podendo ser entre a segunda e terceira semana, ou terceira e
quarta semana do mês. O início dos festejos é marcado pela “Cavalgada de Santo Antônio” que ocorre no domingo, véspera da trezena. O evento foi introduzido à festa a oito anos, e hoje é considerada pelos moradores como uma tradição do trezenário. Em seguida tem o dia voltado para parte da decoração da rua, onde a equipe da Travessa Santo Antônio se reúne para pôr as bandeirolas na frente da igreja. Após isso inicia-se oficialmente o trezenário com o hasteamento da bandeira. São doze noites sob a responsabilidade de noiteiros, que se dividem pelos nomes das ruas do bairro. Rua Santo Antônio, Rua do Meio, Rua do Fogo, Rua 15 de Novembro, Rua Tenente Mariano, Rua Guanabara, Rua dos Pescadores, Rua do Arame, Rua Alto da Pólvora. Antigamente na programação a gente tentava convidar os outros bairros a participar da festa, mas a gente conversando com os padres responsáveis pela paróquia, porque o nosso bairro como é muito grande, a gente tentou focar como noiteiros as ruas do nosso bairro, tentar trazer a comunidade pra dentro da igreja, isso é o mais importante. Por aí o nosso bairro é tachado como um bairro violento, dizem assim: ah, você é do barro vermelho? Ai já julgam as pessoas sem conhecer, acham que todo mundo é violento. Violência existe em todo o lugar! Como a gente tentou mudar essa aparência que as pessoas têm do nosso bairro, porque existe violência, existe, mas se a gente não se preocupar, tentar evangelizar, trazer o povo pra dentro da igreja, você presenciou aqui, O Festejar
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que a capela fica totalmente lotada, e é bonito isso de saber que o povo tá participando (SANTOS, Cláudio dos. 24 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
O décimo terceiro dia é visto como o dia mais importante, tendo início ainda na madrugada do sábado para o domingo, com a ornamentação do andor, finalização da decoração da Travessa Santo Antônio e Rua dos Pescadores. O domingo é marcado pela missa em Ação de Graças a Santo Antônio, seguido pelo tradicional batizado no começo da manhã e à tarde o momento mais esperado, a procissão de Santo Antônio, que serpenteia as principais ruas do bairro e da cidade.
3.2.1 A Cavalgada Entre as celebrações ligadas a Festa de Santo Antônio existem aquelas que não são organizadas pela diretoria da festa. A principal delas é a “Cavalgada de Santo Antônio”. Os passeios a cavalo já eram comuns no Barro Vermelho, mas a partir do ano de 2010 um grupo de aproximadamente vinte amigos tiveram a ideia de organizar um passeio a cavalo no primeiro domingo do Trezenário de Santo Antônio, a partir do ano seguinte mais pessoas aderiram à cavalgada, que passou a ter maior proporção. O percurso inicial seguia para a Cooperativa, como ainda hoje é feito, porém o trajeto era menor, seguindo apenas as principais ruas da cidade.
Atualmente trinta pessoas fazem parte da organização do evento onde cada um exerce uma função distinta, coordenador, tesoureiro, segurança, entre outras. É preciso investimento de capital para a realização do evento, os organizadores saem em busca de patrocínio, rifas, venda de camisas para pagar as despesas com os aboiadores, o mini trio elétrico, fogos de artifícios, lanches. Assim como a procissão, a cavalgada é uma das datas mais esperadas. Ao entardecer do dia que antecede o início da cavalgada observa-se o sentido de festejar presente nos moradores. As ruas alegres, iluminadas por gambiarras, as quais delimitam o espaço da festa. O parque é montado na Praça Trinta e Um de Março e faz a alegria das crianças. Roda gigante, tiro ao alvo, pula pula, samba, carrossel. Luzes coloridas encantam os olhos. Crianças correm pelas ruas, mulheres conversam nas portas, vizinhos se reúnem ajudando uns aos outros, alguns já montam suas carroças para dia seguinte, pessoas circulam pelas ruas a cavalo exibindo seus animais, já preparados para o domingo. Carros de som ecoam no espaço, os famosos paredões, uma prévia do que está por vir. Na Praça da Alegria crianças brincam aos olhos de suas mães, enquanto as plantas são regadas por um morador, que cuidara delas como se fosse uma extensão dos jardins de sua casa.
Ao fundo o pôr do sol do São Francisco, o céu alaranjado derrama sobre as águas o boa noite ao bairro, pronto para receber o Trezenário do Glorioso Santo Antônio. O domingo começa cedo, às oito horas da manhã as pessoas já estão nas ruas, montando os cavalos e decorando as carroças de maneiras mais criativas para a cavalgada. Pessoas observam o movimento, algumas desconfiadas apenas espionam nas portas, outras fazem da calçada a extensão de suas salas, colocam cadeiras, mesas, reúnem amigos e familiares para observar o desfile de cavaleiros e amazonas. Uma setorização é feita no espaço urbano. Na Praça da Alegria se instalam os comerciantes, onde o vendedor de acessórios de montaria expõe seus produtos, além disso estão as barracas de “capeta” (drinks), confeitos, churrasquinhos e cachorro quente, que começam a ser montadas para o show que será realizado a noite. Nas calçadas do entorno é possível observar as marcações em cal, feitas pelos próprios comerciantes, cada espaço daquele será destinado a uma barraca. O zelo pela praça é notório, os organizadores do evento têm o cuidado em colocar piquetes de madeira com fita zebrada para evitar que cavalos e pessoas danifiquem a vegetação. Na Praça Trinta e Um de Março concentramse as carroças, que foram introduzidas na festa a aproximadamente cinco anos. Amigos e familiares se reúnem a fim de ajudar uns aos outros na decoração. Pessoas dançam ao som de toadas, crianças ficam encantadas com os cavalos, enquanto moças e rapazes passeiam pelas ruas. O Festejar
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Imagem 50: Sรกbado que antecipa a cavalgada. Fonte: Autora, 2017.
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Imagem 51: Principais pontos localizados para a realização da festa. Adaptado do Google Earth, 2018.
IGREJA SANTO ANTÔNIO
a
LEGENDA
b
Gambiarras a 1 b
Parque Palco Praça da Alegria Praça 31 de Março
0
25
50 O Festejar
100 54
Aos poucos cavaleiros e amazonas se dirigem para a frente da igreja, a espera do padre, que a seis anos realiza a benção das pessoas e animais, é na frente da igreja onde o mini trio elétrico, que irá guiar o trajeto da cavalgada, está estacionado, nele os repentistas fazem duelo de toadas . Enquanto isso a igreja encontra-se vazia, apenas os responsáveis fazem uso do interior da edificação para limpeza e manutenção da mesma. A frente da igreja é uma área disputada, crianças se debruçam no peitoril das rampas que dão acesso à igreja para do alto verem toda a movimentação da rua, no mesmo lugar está montada uma espécie de altar, uma mesa simples, com um crucifixo, água benta e ramo de jasmim que será utilizado pelo pároco no momento da benção. Enquanto isso um dos responsáveis pela a igreja lava com cuidado a charola de Santo Antônio, que será utilizada na procissão, último dia da trezena. O movimento dos cavalos se intensifica com o passar das horas, o trânsito da Travessa Santo Antônio fica interditado não só por conta dos cavalos, mas também pelos carros e motos que participam da cavalgada, desde 2011, os carros em sua maioria são alugados, assim como as carroças, que se tornaram uma fonte de renda. O trânsito é desviado pela Rua Duzentos e Quatro, passa pela Rua do Arame, segue pela Praça 31 de Março, até chegar a Travessa Santo Antônio . Imagem 52: Últimos ajustes para iniciar a cavalgada. Entorno das Praças da Alegria e Trinta e Um de Março Fonte: Autora, 2017. O Festejar
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Por volta das onze horas o pároco realiza uma bênção aos animais, cavaleiros e amazonas, é um momento de respeito e devoção. As pessoas guiam seus cavalos o mais próximo da igreja, alguns tentam comer o gramado próximo a gruta, mas são chamados a atenção para que não permita que o animal o danifique, o zelo pelo lugar mais uma vez se faz presente. Após a bênção é iniciada a cavalgada. A formação da cavalgada se distribui da seguinte forma: quatro cavaleiros que fazem parte da organização ficam a frente de toda a cavalgada. Esses são responsáveis por pararem o trânsito quando necessário e controlam o ritmo da cavalgada, em seguida estão as carroças, logo após encontram-se mais dois cavaleiros da organização que controlam o setor dos animais, quatro integrantes ficam próximos ao trio, dois controlam o setor das motos e o restante da equipe fica atrás, controlando os carros. Todos os integrantes da organização utilizam rádio para auxiliar na comunicação. O percurso segue pela Praça da Alegria, Rua dos Pescadores, Rua 15 de Novembro, Rua Cinquenta (ladeira da Êda Barroso) atravessa a Avenida Getúlio Vargas, onde o trânsito fica interditado, desce a ladeira do beco do Tamanduá e segue até o bairro Oiteiro, percorrendo as principais ruas. Passa pela Avenida Mário Freire Leahy, Trevo Bom Jesus dos Navegantes, Avenida Antônio Cândido Toledo, AL 110, e bairro Cacimbinhas. Imagem 53: Travessa Santo Antônio . Fonte: Autora, 2017. O Festejar
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Imagem 54: Desvio do trânsito durante a cavalgada. Fonte: Adaptado de Google Earth, 2018.
IGREJA SANTO ANTÔNIO
LEGENDA 1
Desvio do trânsito Concentração da cavalgada Praça 31 de Março Praça da Alegria
0
25
50 O Festejar
100 57
Imagem 55: Trajeto da cavalgada entre o bairro de Santo Antônio e Cooperativa. Fonte: Adaptado de Google Earth, 2018.
IGREJA SANTO ANTÔNIO
LEGENDA
1
Trajeto de ida Trajeto de volta
0
250 500 O Festejar
1000 58
Durante todo o percurso pessoas ficam nas portas, algumas apenas observam, outras aproveitam o momento para comemorar com familiares e amigos, mesmo a cavalgada estando apenas de passagem por suas portas deixa rastros de alegria entre aqueles que a observa. O trajeto segue para a Cooperativa do Segundo Núcleo, na zona rural de Penedo, foram percorridos mais de10 quilômetros sob sol incessante e asfalto quente, esse é um momento de descanso para os animais, num grande descampado rodeado por casas e vegetação os cavalos bebem água, comem e se refrescam, enquanto seus donos bebem e circulam pelo lugar . Por volta das quatorze horas inicia-se o retorno, o percurso não é mais o mesmo, agora passa pela Av. Guarani, Av. Wanderley, Rua Joaquim Mazoni, Rua do Fogo, Travessa Santo Antônio e finaliza na Praça 31 de março, onde os cavalos são recolhidos. O retorno da cavalgada é o momento mais importante para os moradores, os participantes ficam a todo instante entrando em contato com familiares e amigos que estão no bairro, para que todos estejam nas portas os aguardando. As ruas do bairro encontram-se ainda mais movimentadas que o período da manhã. Ao entardecer as calçadas estão tomadas pelos moradores, crianças aguardam ansiosas a passagem dos cavalos. Os pontos mais altos do bairro são escolhidos pelos moradores estrategicamente, para garantir uma boa visibilidade. Imagem 56: Olhos voltados para a cavalgada. Fonte: Autora,
2018.
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Ao apontar os primeiros cavalos, no final da ladeira da Rua do Fogo, as pessoas começam a retirar as mesas e cadeiras das calçadas estreitas, para que os cavalos possam passar. Ao longo do dia motos e carros foram se inserindo ao festejo, e tornando-se maior que o número de cavalos, ficando difícil transitar pelas ruas. Pessoas ficam no guarda corpo da igreja para assistir ao desfile, os sons de toadas se cruzam as músicas de forró, buzinas e ronco do motor das motos. Os faróis dos carros e motos se misturam entre gambiarras e o pôr do sol que reflete nas residências. Cavaleiros e amazonas cumprimentam a todos com orgulho, por encerrar mais um ano de cavalgada com sucesso. O bairro está vivo! As carroças são direcionadas para a Praça Trinta e Um de Março, enquanto os cavalos ficam próximos a rua dos pescadores, como a maioria das pessoas são de outros lugares não demoram muito para ir embora, pois tem que colocar os animais para descansar. Em seguida se dirigem à Praça da Alegria para confraternizar. Esse foi o primeiro ano em que o show ocorreu no espaço urbano, devido ao grande público não foi possível realizar a festa no clube, como nos anos anteriores. É possível encontrar pessoas de diferentes idades e bairros, que são atraídas pelo show profano. Os comerciantes em sua maioria são de outros bairros e atraídos pela quantidade de pessoas se deslocam até o lugar a fim de garantir renda ao fim da noite.
Imagem 57: Chegada ao bairro. Fonte: Autora, 2017. O Festejar
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O mini trio está estacionado logo no início da praça e os únicos veículos que transitam no local são as motos. O “rugi rugi” de pessoas é intenso e se espalha não só pela praça, mas também em parte da Rua dos Pescadores, e da Travessa Santo Antônio, ao som de muito forró as pessoas dançam, comem e bebem, é dia de festa. Enquanto isso, a igreja permanece fechada, parece dormir enquanto as pessoas festejam. [...] o pessoal espera o dia da cavalgada para se divertir, prestigiar o evento. Quanto mais pessoas comparecem, abrilhantam ainda mais o evento. (AUGUSTO, Jorge. Cavalgada, 23 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
3.2.2 Em véspera de trezena As bandeirolas são elementos marcantes na paisagem da festa. Inicialmente o trecho em frente à igreja era o único espaço decorado. Por muitos anos a responsável por decorar a frente da igreja era dona Eunice, uma das moradoras mais antiga do bairro.
Imagem 58: Comemorar o retorno. Fonte: Autora, 2017.
Tinha as mesmas coisas, bandeira, como tá aí agora, que agora a encarregada é Fabiana. Mas era assim, as bandeiras, a gente fazia as bandeiras assim, enquanto o pessoal tava na festa eu enchia a casa de menino pra fazer as bandeiras, enchia lá na igreja o pessoal pra pôr as bandeiras lá no cordão ai quando era no outro dia a gente ia enfeitar a rua, ai eu chamava os rapazinhos daqui tudinho, ai era o povo na festa e a gente enfeitando. (SILVA, Eunice. Santos da, 25 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes). O Festejar
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Imagem 59: Gruta e guarda-corpo da igreja pintados. Fonte: Autora, 2017.
Atualmente, as responsáveis pela decoração em frente à igreja é dona Erondina, sua filha, Fabiana e Ana, juntas formam a equipe responsável pela confecção das bandeiras. Meses antes de iniciar a festa elas se reúnem para cortar tecido e preparar os fios de bandeirolas. As cores, azul e branco, representam a irmandade de Santo Antônio, e permanecem as mesmas desde que a festa passou a ser decorada, não se sabe a data ao certo, mas em entrevistas, afirma-se haver decoração a mais de quarenta anos, tornando-se uma tradição. No dia que antecede o trezenário a igreja recebe os últimos preparativos. A gruta e o guarda corpo da igreja são cuidadosamente pintados por alguns moradores do bairro e aos poucos ganham destaque na fachada. Nossa Senhora de Lourdes recebe uma moldura em tom azul escuro, estando assim pronta para as celebrações. Enquanto a pintura é finalizada outros se aproximam para
conversar, assim o que era trabalho passa a ser uma distração. É possível observar que aquelas pessoas não estão ali forçosamente, mas sim por devoção a Santo Antônio. A medida em que o sol se põe os moradores encerram a pintura e partem para a colocação das bandeiras, poucos moradores estão dispostos a subir numa escada no meio da rua, sem segurança alguma, para amarrar as bandeiras na fiação elétrica e na igreja. Inicia-se então a decoração, à primeira vista parece ser algo desorganizado, mas cada um sabe o que fazer. Mesmo sendo um pequeno grupo entre crianças, jovens e adultos, todos parecem estar empenhados nessa etapa. Um puxa de um lado, outro estica para o outro lado, um sobe na escada, enquanto o outro segura. “Puxe mais para esquerda...agora para a direita...” e assim as bandeirolas passam a fazer parte do lugar. Subir
as escadas para amarrar os fios de bandeiras é visto como um ato de coragem: “Jeová...Jeová... menino pelo amor de Deus...tô tremendo igual a vara verde!! Oh Ana, me segure, Ana!!” grita Vinícius, um dos jovens que se dispôs a subir na escada para colaborar na decoração. As bandeiras partem de um ponto em comum, o mastro da bandeira, que está localizado no centro da fachada da igreja e dali se espalha para a fiação localizada no outro lado da rua, formando uma espécie de leque. “Chega dá uma vida, por isso a vizinha da Ana, que mora ali, diz bem assim: menina não vai botar bandeira não? Eu fico daqui da porta, a alegria é ver as bandeiras balançando, eu fico até umas onze horas para ver as bandeiras pra lá e pra cá.” Diz Fabiana, após finalizar a decoração. Ao anoitecer a rua está pronta para o dia seguinte receber os fiéis e celebrar Santo Antônio. O Festejar
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Imagem 60: Bandeirolas, Travessa Santo AntĂ´nio. Fonte: Autora, 2017.
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Imagem 61: Rua Quinze de Novembro. Fonte: Autora, 2017.
Além da frente da igreja outros lugares do bairro já começam a ser decorados, a exemplo da Rua dos Pescadores e rua Quinze de Novembro. Faixas com pensamentos de Santo Antônio mostram aos visitantes do bairro a celebração que está por vir. Um mastro está erguido próximo ao rio, a mais de cinco anos ele é colocado no local, enfeitado com bandeirolas azuis e brancas, além de uma grande bandeira com o busto do Santo pintada a mão por um devoto. A ideia do novo mastro partiu de Dona Maria Justina, moradora da Rua dos Pescadores, que a mais de vinte anos decora sua rua, com ênfase no dia da procissão.
3.2.3 Dias de Celebrar: Presente e Passado Coexistentes Finalmente chega a terça-feira, a abertura da festa, noite em que se hasteia a bandeira de Santo Antônio, oficializando o primeiro dia do trezenário, sob a responsabilidade dos noiteiros da Rua Santo Antônio, Pastoral da Família e E.C.C., são eles quem fazem as leituras e animam a missa. Vagarosamente as bandeiras balançam, as sombras rebatem na fachada do templo. Ao entardecer as portas da igreja se abrem. O altar está florido, velas postas, bancos devidamente polidos, com panfletos cuidadosamente distribuídos sobre os assentos.
Imagem 62: Ao adentrar. Fonte: Autora, 2017. O Festejar
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Debruçadas nos peitoris das janelas as bandeiras de Santo Antônio estão postas. O coral está aquecendo a voz e fazendo os últimos ajustes dos instrumentos. Vagarosamente o sol se põe, transcendendo o interior da edificação, enaltecendo a singela arquitetura daquele templo. As gambiarras são acessas, a roda gigante iluminada gira vagarosamente. Na rua, as barracas de quitutes começam a ser montadas logo à frente da igreja, as “roleteiras”, como eram conhecidas as mulheres que vendiam roletes de cana, foram reduzidas, apenas duas resistiram ao tempo. Nos tabuleiros são dispostos os tradicionais roletes de cana, amendoim, bolos, cocadas, coxinha, entre outras guloseimas, que atraem não só os fiéis ao término da missa, como também pessoas que moram nas proximidades.
Imagem 63: Roleteira - os quitutes da festa. Fonte: Autora, 2017.
Os primeiros devotos começam a chegar e acomodar-se, alguns em silêncio ajoelham-se, pessoas de pés descalços, vestes em tons marrons pagam promessas, outros veem aquele momento como uma oportunidade de reencontrar pessoas e com alegria se cumprimentam. Aos poucos a pequena igreja está cheia, homens, mulheres, idosos, jovens e muitas crianças se espalham pela nave principal e pelas naves colaterais, não havendo mais lugares para as pessoas se acomodarem, passam então a ocupar o exterior da edificação. Utilizam o guarda corpo da rampa que dá acesso a igreja para se apoiar, algumas cadeiras de plástico também são colocadas, tudo para acomodar o máximo de fieis. No passado, o primeiro dia de festa era marcado pelo hasteamento da bandeira em
um mastro de madeira retirado da mata. Em entrevista dona Eunice relembra que quinze dias antes do início oficial da celebração alguns homens se dirigiam até a mata a fim de escolher qual a árvore deveria sofrer o corte para fazer o mastro, o qual ficava na extinta escadaria da igreja para secar, até chegar o primeiro dia da trezena, onde era erguido, simbolizando o início do festejo. Tal prática se perdeu no tempo, assim como os motivos que levaram ao fim. (...) a festa de Santo Antônio, pra ser feita, quinze dias antes os homens iam pra mata derrubar o mastro, aquele pau grande, aí traziam, botava na porta da igreja. Ali onde é a gruta, até embaixo. Isso aqui era tipo um secador (SILVA, Eunice. Santos da, 25 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
Às dezoito horas o badalar dos sinos, indica o início da missa. As pessoas se voltam para a entrada da igreja, outras se dirigem para a calçada, a fim de acompanhar de perto o principal momento da noite, o hasteamento da bandeira. Ao som do hino de Santo Antônio as pessoas cantam e batem palma, ocupando toda a extensão da calçada, enquanto a bandeira é cuidadosamente erguida, oficializando o início da trezena, e dando início a missa. A celebração dura pouco mais de uma hora e meia e a todo o momento os fiéis cantam e louvam fervorosamente ao santo protetor, o cheiro de mirra mescla aos sons dos fiéis e ecoam pelas ruas próximas. O Festejar
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Imagem 64: Imagens da igreja no dia da festa. Fonte: Autora, 2017.
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Santo Antônio, rogai por nós, Santo Antônio, rogai por nós. Jubilosos vos saudamos, grande servo do Senhor, Santo Antônio, nesta vida sois o nosso protetor. Santo Antônio, rogai por nós, Santo Antônio, rogai por nós. Entre os santos que já reinam gloriosos lá no céu, Sois constante despenseiro dos mais ricos dons de Deus. Santo Antônio, rogai por nós, Santo Antônio, rogai por nós. Ao menino-Deus nos braços nossos rogos transmiti, Ah! Valei-nos sempre, sempre e a Jesus nos conduzir. (Ladainha de Santo Antônio, ano 2017)
Enquanto a missa é celebrada muitos moradores ficam nas portas de casa conversando com familiares e vizinhos, alguns até aproveitam para jogar dominó, jovens circulam nas ruas e algumas crianças brincam no parque, na porta da igreja ou no antigo centro comunitário, que fica logo ao lado.
Imagem 65: Registros do hastear. Fonte: Autora, 2017.
Ao término da missa algumas pessoas permanecem no interior do templo cumprimentando conhecidos, enquanto outras se dirigem vagarosamente para suas casas, encerrando assim o primeiro dia de celebração. O Festejar
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Imagem 66: Gestos se repetem. Fonte: Autora, 2017.
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Nos dias seguintes os noiteiros mudam, assim como o coral e o celebrante, mas os gestos se repetem, os rostos são os mesmos e os fiéis costumam sentar-se nos mesmos lugares. Fora do templo as pessoas ficam em suas portas a observar o movimento, alguns jovens se reúnem em grupos, hora nas portas, hora nas praças. A roda gigante continua a girar vagarosamente, o movimento não é mais tão intenso como o do primeiro dia. Na noite de quinta-feira um atrativo chama a atenção, não só a minha, como também dos fiéis e vizinhos à igreja. É a banda fanfarra do Instituto Federal de Alagoas - polo Penedo que irá se apresentar. Ao chegar no bairro todos os moradores com quem conversei só falavam da banda que estava para chegar após a missa. O céu estava com nuvens carregadas, e as poças d’água refletiam as bandeirolas, mas a chuva não foi capaz de espantar as pessoas, que permaneciam assistindo à celebração na calçada da igreja segurando suas sombrinhas, na tentativa de se proteger do chuvisco, eu não sabia se estavam ali pela missa ou no aguardo da fanfarra, o fato é que não arredaram o pé, e a medida que se aproximava o termino da celebração mais pessoas se aglomeravam na porta da igreja e nas calçadas mais altas, próximas ao templo. Assim como para assistir a cavalgada as calçadas passam a ganhar o sentido de arquibancada, a rua passa a assumir função de palco. Imagem 67: Após a missa. Fonte: Autora, 2017. O Festejar
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Imagem 68: O chuvisco. Fonte: Autora, 2017.
Ao término da missa as pessoas se voltam para a rua, e logo o batuque da fanfarra anuncia sua chegada ao bairro. De forma organizada os músicos se posicionam voltados para a frente da igreja, como forma de respeito ao templo, parecem tocar em homenagem à Santo Antônio. O trânsito fica temporariamente interditado, mas não chega a atrapalhar o cotidiano do bairro, visto que a apresentação é de curta duração e o movimento de veículos naquela noite era estável. Não só a calçada da igreja é ocupada, mas também as janelas do coro que são voltadas para a Travessa Santo Antônio. E por mais intensa que a chuva estivesse os músicos continuavam a tocar, parecia que a água os instigava. A comunidade, debaixo de sombrinhas coloridas, passara a fazer parte da decoração, sorriam e dançavam, maravilhadas pelo som contagiante.
Imagem 69: A chegada da banda fanfarra. Fonte: Autora, 2017. O Festejar
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Na calçada da igreja era possível entender melhor como a banda estava especializada na rua. Um grupo de balizas também animavam a noite, com suas danças coreograficamente sincronizadas. Do alto da igreja, na janela do coro, foi possível ver a relação entre a banda e o espaço de celebração. A igreja se estendeu para a rua, as bandeirolas e gambiarras se misturavam aos músicos e população, os tornando único.
Imagem 70: Janelas e calçadas se transformam. Fonte: Autora, 2017.
Ao aproximar o primeiro final de semana as ruas continuavam calmas. Um café regional foi inserido a programação da festa, organizado pela igreja e grupo de jovens, com o intuito de angariar fundos para a recuperação do centro comunitário e animar o primeiro sábado da trezena. Após a missa alguns fieis se dirigiram em direção ao centro, que fica logo ao lado, para participar do evento, que atraiu não só as pessoas que estavam assistindo à celebração, como também vizinhos à igreja. Enquanto isso, no parque, crianças se reuniam para brincar. Tiro ao alvo, roda gigante, samba. Outras apenas observavam aquelas luzes coloridas, que mais pareciam hipnotizar.
Imagem 71: Entre ruas e calçadas. Fonte: Autora, 2017.
O parque é um equipamento simbólico para a festa, estando sempre presente na trezena durante anos e lembrado com riqueza de detalhes pelos moradores. Antes instalado na porta da igreja, ocupava metade da rua, com pequenas barcas para as crianças brincarem. Durante o dia parte da rua ficava livre, para que veículos pudessem transitar. O Festejar
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Já no período da noite a rua era interditada, entre os trechos da colônia dos pescadores, até a esquina próxima a igreja, para que as pessoas pudessem transitar.
Imagem 72: A magia do parque Fonte: Autora, 2017.
Antigamente era interessante! A gente chegava no início da rua, aqui abaixo (próximo ao antigo almirante, hoje colônia dos pescadores) aí fechava, botava uns piquetes, ali na frente, onde tem uma esquina subindo para o Alto da Pólvora, ali no beco, botava dois piquetes aí fechava a rua. Então os carros que viessem subiam ali o beco arrodeava e saia pela Guanabara, na rua de baixo. Mas antigamente era assim, o parque era montado, mas não tomava espaço da rua, porque os brinquedos eram pequenos. Quando tinha seu Genésio que era o vigia e morava aqui em frente a capela ele era o vigia e tomava conta da gruta e da capela, ele era o encarregado de colocar umas madeiras pra fechar a rua, ali em cima e lá embaixo, agora de manhã ele ia lá e liberava a rua pra carro pequeno passar e o parque não tomava o espaço todo da rua, dava espaço pros carros passarem, mas hoje não tem como, ai fica diferente a tradição, fica um pouco vazia a frente da capela por não ter os brinquedos (SANTOS, Cláudio dos. 24 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
Toda a festa ocupava aquela área, não só o parque era ali instalado, como também o palco, para apresentações de pastoril, guerreiro, banda de pífano, etc. O Festejar
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Imagem 73: Pastoril. Fonte: Fabiana Santos, S/D. Antigamente vinha o pessoal da terceira idade, vinha o pessoal do guerreiro, chamavam de Guerreiro da Tapera, era o pessoal do povoado da Tapera, botava um palanque aqui ao lado, tinha o pessoal do pastoril, era belíssima a nossa festa (SANTOS, Cláudio dos. 24 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
As barracas das “roleteiras” também se Imagem 74: Batucada do Jorge. Fonte: Fabiana Santos, S/D. instalavam naquela rua, dividindo espaço com as barracas de bebidas e ciganas. As barracas A festa de Santo Antônio era aquela festa que tinha ocupavam os dois lados da rua e o fluxo de muita quermesse, tinha leilão, tinha muita gente, pessoas era intenso. Nessa mesma época tinha (...) quando era de noite era tanta da gente ali que os leilões- inhame, galinha, peixe- os moradores pra passar era no rugi rugi (DIAS, Maria Justina podiam arrematar as prendas e a renda era dos Santos. 24 ago.2017. Entrevista concedida a revertida para a igreja. A “Batucada do Jorge”, Paula Fernandes). também conhecida como “Milionários do Aí tinha aquela barraca de cigana, aí elas liam as Samba” banda de precursão tradicional do mãos, aqueles rapazes, aquela juventude. Inclusive Barro Vermelho era atração garantida durante o conheci meu marido na festa de Santo Antônio trezenário, e os moradores aguardavam ansiosos (risos) a gente sentado lá nos degraus e eles pela apresentação. passeando pra lá e pra cá, aí a gente (as moças)
corriam atrás deles (rapazes) pra eles pagarem amendoim pra gente, ai começou ali, terminamos nos casando e ficando (DIAS, Maria Justina dos Santos. 24 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes). Eu chupei muita cana, comi muito amendoim, tomei muita queda nos degraus que eram escadaria, mas era assim, era divertido (SANTOS, Cláudio dos. 24 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes). O Festejar
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Na época existia a noite das crianças, dos casados, solteiros, viúvos, pescadores e também dos operários. A indústria tão presente na vida dos moradores também era presente durante a festa. O penúltimo dia da trezena era dedicado aos trabalhadores da Fábrica Penedense, era a “noite dos operários”, onde os trabalhadores da fábrica se responsabilizavam por animar a missa. Já no domingo, último dia de trezena, o dono da fábrica organizava um café da manhã na rua para a população, o qual era servido após a missa. Durante o café eram distribuídas as fazendas, pedaços dos mais variados tecidos produzidos pela fábrica, acompanhados por cartões, cuidadosamente embrulhados e entregue aos moradores. (...) tinha a noite dos operários que era a derradeira. Então na missa “Zeca Peixoto” mandava aquelas fazenda (corte de tecido), ai tinha dois metros, três metros, ai vinha num pacotinho e trazia. (...) Ai quando chegava na época da festa separava aquele quarto, aí deixava tudo limpinho e o resto do salão era pra botar as coisas, que vinha da Passagem pra cá, pra dar aos pobres, então tinha cartãozinho, aí saia dando os cartões as pessoas, tinha café, quando era no domingo ai estendia uma mesa grande no meio da rua, ai dava café aos pobres, ai depois do café distribuíam aqueles pacotinhos de pano, era bramante, era algodãozinho, as fazendas que tivesse, que viesse, ai distribuía, mas era guardado no armazém ali (SILVA, Eunice. Santos da, 25 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
As recordações da festa de Santo Antônio são muitas, e todas elas recordam tempos que remetem a um passado alegre para o bairro, onde a Penedense garantia o sustento de muitas famílias. A festa de Santo Antônio era de nome festa! Quando terminava a festa e você olhava aquela rua todinha ali eram aquelas mulheres vendendo o amendoim, o milho assado, pipoca, bolo, tudo tudo, mas isso porque tinha a Penedense, todo mundo trabalhava, o povo era muito animado, era a zabumba tocando até quando acabava a festa. (SANTOS, Antônio Gomes dos, 25 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
num palanque montado em frente à igreja hoje já não existem mais. O lugar para apresentações fica no palco montado próximo à Praça da Alegria, ou acontecem na rua mesmo, em frente à igreja.
3.2.4 Véspera para a Procissão O último final de semana da trezena traz efervescência ao Barro Vermelho. Pessoas de outros bairros, cidades e até estado retornam ao bairro nos últimos dias de festejo, para rever familiares, festejar e celebrar.
Hoje o território da festa encontra-se disperso, fazendo com que aparente ser menos ocupado se comparado aos relatos de tempos passados.
A igreja está lotada por alguns rostos conhecidos, outros nem tanto. Todos os bancos estão ocupados, capela mor, corredores laterais, coro, porta, calçada, não sobrando espaços vazios. Ao som de louvores em honra à Santo Antônio, palmas, água benta e mirra o templo celebra o mês de nascimento de Santo Antônio.
O parque ocupa a região da Praça Trinta e Um de Março, e movimenta a renda de alguns moradores. Sua instalação começa a ser feita cerca de quinze dias antes da festa, e a partir desse dia os jovens que trabalham nos brinquedos passam a morar no bairro. Todos os anos uma casa aos arredores da praça é alugada, para que sirva de apoio, onde os jovens se alimentam, guardam equipamentos para manutenção dos brinquedos e dormem, tudo isso para garantir a segurança do parque. Como já relatado, as barracas de quitute foram reduzidas, não ocupando mais os dois lados da Travessa Santo Antônio. As apresentações de pastoril, guerreiro, leilões que antes aconteciam
Imagem 75: Celebrar. Fonte: Autora, 2017. O Festejar
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Ao fim da celebração as pessoas saem vagarosamente do templo, mais uma vez o ato de cumprimentar conhecidos é feito, alguns ficam a observar, outros dão as mãos, abraços calorosos, sorrisos trocados. Os gestos reafirmam que a celebração também é momento de encontros.
Imagem 77: Encontros. Fonte: Arlindo Cardoso, 2017
Ao mesmo tempo que os fiéis saem do templo um pequeno grupo começa a se organizar na edificação, próximo ao altar. É parte do grupo de jovens e equipe da igreja, preparando a longa noite de trabalho. As mulheres se concentram em um dos corredores laterais onde se encontram grandes sacos de pães, são os “pãezinhos de Santo Antônio” que serão distribuídos no dia seguinte, domingo de procissão. Com agilidade as mulheres embalam os pães, oriundos de doações, e separam em sacos. Enquanto isso a imagem de Santo Antônio localizada no nicho central do altar é cuidadosamente retirada, e uma imagem menor, em madeira, é colocada temporariamente em seu lugar. A imagem retirada é delicadamente limpa com óleo e separada para pôr no andor ao término da decoração. Imagem 76: Os pães de Santo Antônio. Fonte: Autora 2017.
É dado início à montagem da charola. Espuma vegetal, folhagem, flores, pãezinhos, saia azul e branco e Santo Antônio, demorando horas para a finalização. Todo esse preparo para que o interior da igreja possa transcender os limites do bairro e se estender pela cidade de Penedo. Enquanto a igreja se preparava para o dia mais importante do trezenário no exterior da capela o movimento era intenso. Carros e motos
não paravam de chegar na principal rua do bairro, pessoas desciam a rua em busca do show que iria acontecer logo mais, próximo à Praça da Alegria, outras permaneciam nas portas de suas casas, mas diferente dos outros dias colocavam cadeiras, caixas de sons, comidas e bebidas. Crianças, idosos, homens e mulheres, todos reunidos em clima de festa, as pessoas mais uma vez fazia da rua extensão de sua casa. O Festejar
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Imagem 78: A troca das imagens. Fonte: Arlindo Cardoso, 2017.
As bandeirolas não param de balançar, o parque ganha vida, as luzes piscam, enquanto as crianças correm gritando, ditando o ritmo do lugar. O “rugi rugi” que ficara nas lembranças dos antigos moradores parece renascer no derradeiro dia de festejo. Os dois lados da rua estão repletos de barracas, não mais com rolete de cana, mas com amendoim, cachorro quente, churros, batata frita. As barracas próximas ao palco vendem o que chamam de capeta, um coquetel de bebida alcoólica, leite condensado e gelo. As garrafas ficam dispostas a frente da barraca, e chamam a atenção pelas cores das bebidas, e espelhos, onde moças e rapazes aproveitam para se olhar, enquanto esperam a bebida.
Imagem 79: O parque. Fonte: Arlindo Cardoso, 2017. O Festejar
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Imagem 81: Restos de festa. Fonte: Autora, 2017.
Imagem 80: A Travessa Santo Antônio. Fonte: Autora, 2017.
As motos não param de transitar entre os pedestres, o que causa desconforto para quem não está acostumado aquela situação. Porém, o grande público parece não se incomodar diante disto. A Praça da Alegria está mais uma vez cheia. Pessoas bebem, dançam e conversam durante toda a noite.
A manhã de domingo começa cedo para aqueles que decoram as ruas. Enquanto o bairro ainda parece dormir, garis limpam os vestígios de uma noite de “rugi rugi” dois grupos transformam as ruas do bairro para receber a procissão ao fim daquela tarde.
A maioria das pessoas que estão nas ruas se diferem daquelas que frequentam as missas. A igreja, apesar de estar aberta durante a festa profana diz não existir relação com a rua, porém essa negação pode ser contestada ao questionar o que estaria motivando a festa de rua se não a festa religiosa. Afinal, como dito anteriormente, sagrado e profano são coexistentes.
Todo mundo achava que o Barro Vermelho era um bar de rebelde, um lugar de pessoas que só viviam brigando, se matando, quando não é! O Barro Vermelho é um dos melhores bairros, foi o primeiro bairro da cidade. E hoje eu acho gratificante, porque vejo a Erondina decorando, hoje já tem a Rua do Fogo, lá em cima, a Sossego, já fazem também. Vamos dar valor ao nosso
bairro, porque se ninguém der valor ao nosso bairro quem é que vai dar? (DIAS, Maria Justina dos Santos. 24 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
Sob leve garoa chego ao bairro por volta das seis horas da manhã, o grupo que decora a Travessa Santo Antônio já está se organizando para dar início a decoração. Flores para um lado, bandeiras para o outro, amarra de um lado, sobe de outro. Liga a furadeira, bate o prego, cola quente. Os estandartes de Santo Antônio são colocados nos postes que ficam próximos a igreja. O guarda corpo da igreja também ganha enfeites, espelhos, que refletem o arruado, são colocados O Festejar
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Maria Justina dos Santos. 24 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
Para decorar o espaço urbano ela conta com ajuda de seu vizinho, Zé, além dos homens que passam na rua ao fim da festa da noite anterior. “Meu negócio é só com os homens e eu gosto dos bêbos, aqueles que ninguém gosta. E tem o Zé, ele é meu parceiro, tem 15 anos que tá me ajudando” (DIAS, Maria Justina dos Santos. 24 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes). Já a confecção de todo o material é feita somente por ela. Pequenos Santo Antônio, flores gigantes para pôr nos postes e no gramado do aterro, estandartes das mais variadas pinturas. Ano após ano ela reaproveita os materiais, para sempre inovar no ano seguinte.
Imagem 82: O despertar da Travessa Santo Antônio. Fonte: Arlindo Cardoso, 2017.
nas colunas. Os pãezinhos de Santo Antônio guardados para a missa da manhã são servidos como café, para dar energia aos moradores que ainda tinham tanta rua a decorar.
Rua Quinze de Novembro. A ideia para decorar toda a Rua dos Pescadores partiu de Dona Justina, que ainda hoje recorda como teve a iniciativa.
Enquanto isso, na Rua dos Pescadores um outro grupo também já estava a postos. Escada para um lado, carrinho de mão do outro. Velas, areia, flores, oratórios, mais estandartes de Santo Antônio. Uma a uma todas as janelas da rua ganhava decoração, independente de ter gente morando ou não. São aproximadamente cinquenta janelas decoradas, se estendendo até a
Foi uma ideia instantânea, porque a procissão, a festa era muita gente e depois foi esmorecendo. Um ano ele passou por aqui sozinho, sozinho você entende sem enfeite sem nada, aí pensei “para o ano se eu for viva vou enfeitar essa rua” aí peguei uma bandeira pequena em cada janela, isso de madrugada, aí quando o povo acordou no domingo todo mundo ficou maravilhado (DIAS,
Lá na rua dos pescadores a dona Maria Justina ela enfeita lá, se tiver fechada, não tiver gente morando ela enfeita do mesmo jeito. Ela faz para as casas todas, aí ela mesma de madrugada vai colocando nas janelas de todo mundo, aí quando é de manhã que os moradores abrem já tá tudo enfeitado (PINHEIRO, Fabiana. Fabiana Pinheiro 04 jun.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
A decoração do domingo é um dos momentos mais aguardados pelos moradores do bairro. A expectativa para ver como as ruas irão ficar, ver se a Rua dos Pescadores está mais bonita que a Travessa Santo Antônio, qual rua trará uma novidade na decoração? O Festejar
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Imagem 83: A Rua dos Pescadores. Fonte: Arlindo Cardoso, 2017. O Festejar
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Entre as duas ruas existe uma disputa positiva, mesmo com as decoradoras dizendo não haver. Os novos elementos que são inseridos na decoração são guardados em segredo, para que no domingo, ao despertar dos moradores, eles sejam surpreendidos. As ruas ganham ainda mais a feição de festa. Ao passar do tempo vê-se o movimento de pessoas aumentar, eis que ecoam as primeiras badaladas do sino, seguido por uma salva de fogos, anunciando a missa que estava prestes a iniciar. Retornando para a igreja vê-se a decoração da rua sendo finalizada. O céu que antes estava cinza agora fica azulado, acompanhando as cores da festa. As janelas das casas se abrem, expondo mais bandeiras em devoção ao santo franciscano. Flores coloridas se misturam às bandeiras azuis e brancas, as pessoas ficam encantadas ao ver todos aqueles enfeites, fazendo questão de posar para retratos. Enquanto a missa não tem início os fiéis ficam na porta da igreja a observar a movimentação. Ao entrar no tempo, Antônio, o mudo, logo se encarrega de distribuir os pãezinhos em honra ao santo, todos fazem questão de receber, para que depois de bento possam levar para casa e guardar dentro da farinha, segundo a tradição isso garante prosperidade ao lar.
Imagem 84: Rua dos Pescadores. Fonte: Autora, 2017.
Esse é o dia em que a igreja está mais cheia, muitas vestes em tons de marrom, pessoas descalças, famílias reunidas. Muitos dos rostos ali presente são desconhecidos para mim, que acompanhei todos os dias de celebração. O andor decorado com lírios e pães está próximo ao altar, para que todos possam ver. O Festejar
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Imagem 85: A Missa do domingo. Fonte: Autora, 2017.
Imagem 86: A rua em paralelo. Fonte: Autora, 2017.
O pároco inicia a missa agradecendo o engajamento de toda a comunidade, não só da equipe da igreja como também as equipes que decoram as ruas, os fiéis que se fizeram presentes, e a todos aqueles que contribuíram de alguma maneira para que a trezena de Santo Antônio fosse comemorada por mais um ano. Enquanto isso, no exterior da igreja bandeirolas sombreavam no asfalto cinzento, a calçada mais uma vez as pessoas estão sentadas para acompanhar a missa, algumas parecem estar concentradas aos dizeres do padre, outras parecem não aguentar a fome, e come os pãezinhos antes mesmo da missa encerrar. Ao encerrar a missa a igreja continua repleta de fiéis, é hora do batizado coletivo, momento tão aguardado para os pais. O templo está repleto de crianças, das mais variadas idades, todas vestidas de branco. O Festejar
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Imagem 87: O batizado coletivo. Fonte: Autora, 2017.
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Ao encerrar as celebrações no templo, já por volta do meio dia as pessoas retornam para suas casas. Ao passar mais uma vez pela Rua dos Pescadores é possível ver como ficou a decoração já finalizada, as janelas em sua maioria ainda fechadas, mas todas decoradas, algumas com toalhas de mesas e plantas. A Rua 15 de Novembro e a Travessa Tenente Mariano também seguem a decoração. Agora é só aguardar para o final da tarde, quando a igreja irá se estender às ruas da cidade. Imagem 88: A Rua dos Pescadores ganha forma. Fonte: Autora, 2017.
Imagem 89: Janelas de devoção. Fonte: Autora, 2017. O Festejar
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Imagem 90: Rua 15 de Novembro. Fonte: Arlindo Cardoso, 2017. O Festejar
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Imagem 91: Travessa Tenente Mariano. Fonte: Autora, 2017. O Festejar
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3.2.5 O Serpentear da Procissão Ao entardecer do domingo o trânsito entre a Praça da Alegria e Travessa Santo Antônio é interditado para veículos. As pessoas circulam livremente pelas ruas, dividindo o espaço com as barracas de comida. Cadeiras são colocadas nas calçadas para que as pessoas possam não só assistir a procissão, mas para rever antigos moradores do bairro que motivados pela celebração retornam anualmente ao lugar para pagar promessas, rever familiares e festejar. As casas abrem suas portas e janelas, devidamente decoradas, como um convite a adentrar, mostrando que estão prontas para a passagem de Santo Antônio. A gente gosta tanto da festa de Santo Antônio, que chega muda o clima, aparece tanta gente de fora, gente que foi morar fora, a igreja cheia durante as treze noites, o pessoal participa muito (SILVA, Eunice. Santos da, 25 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
A saída da procissão é feita em frente à igreja, onde se concentra o mini trio elétrico, a irmandade do santíssimo, que sairá a frente de todo o cortejo. Enquanto isso os devotos se espalham pelas proximidades. Alguns estão na igreja, outros na calçada mais a frente. Jovens, idosos, crianças vestidas de anjo, outras de Santo Antônio. Alguns fieis já se encontram descalços para pagar suas promessas durante todo o percurso. As pessoas estão animadas para aquela tarde, a todo instante balançam as bandeirinhas em clamor ao santo protetor.
Imagem 92: O “rugi rugi.”. Fonte: Autora, 2017. O Festejar
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Imagem 93: A espera da procissĂŁo. Fonte: Arlindo Cardoso, 2017. O Festejar
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Após todos se posicionarem na rua chega a hora tão aguardada por todos ali presente, a saída de Santo Antônio às ruas é marcada pelo badalar dos sinos. Todos os olhares estão voltados para a frente da igreja. Aquele é um momento de muito cuidado, a charola está pesada devido a quantidade de ornatos, e a rampa muito íngreme parece não ajudar, ainda assim é o lugar mais concorrido pelos devotos, todos querem estar o mais próximo do andor. Com as bandeiras erguidas as pessoas clamam: Viva ao nosso padroeiro!
Imagem 94: A saída do cortejo. Fonte: Arlindo Cardoso, 2017 O Festejar
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Ao chegar no nível da rua, uma Ave-Maria é rogada, e só após a reza tem-se início a caminhada. Santo Antônio, rogai por nós, Santo Antônio, rogai por nós! Jubilosos vos saudamos, grande servo do Senhor, Santo Antônio, nesta vida sois o nosso protetor. Entre os santos que já reinam gloriosos lá no céu, Sois constantes despenseiro dos mais ricos dons de Deus. Ao Menino-Deus nos braços nossos rogos prometei, Ah! Valei-nos sempre, sempre e a Jesus nos conduzi (Ladainha de Stº Antônio)
Em tempos passados quem saia a frente da procissão era uma moça, segurando o estandarte, dele partiam doze fitas para outras moças segurarem. Todas vestidas de branco, descalças e usando luvas. Eram filhas de pessoas com maiores condições financeiras do bairro, geralmente ligadas à fábrica. O antigo andor era ornado com lírios, assim como hoje, porém não tinha os pãezinhos e não era tão alto como o atual. A procissão era muito bonita, subia por lá como é hoje, o percurso permanece o mesmo, era muita gente na festa de Santo Antônio, as mulheres, as “virgens” iam tudo de branco, na frente, com umas faixas azuis pegadas no Santo Antônio, na fita do estandarte, eram treze moças pegadas em cada fita (DIAS, Maria Justina dos Santos. 24 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes). Imagem 95: Procissão. Fonte: Autora, 2017. O Festejar
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Imagem 96: O passado da procissão. Fonte: Cláudio dos Santos, S/D.
Imagem 97: Rua do Fogo. Fonte: Autora, 2017.
Subindo a Rua do Fogo, em direção à Rua Joaquim Mazone as pessoas se debruçam nas janelas, essas também decoradas, com o santo padroeiro e outras imagens católicas. De tempos em tempos se ouve uma salva de fogos vinda do início da procissão, entre os fiéis ou das casas que margeiam a rua, parece anunciar para o público seguinte a aproximação do santo franciscano. Santo Antônio é um santo milagroso, é interessante, no dia na frente da igreja vai ter muita gente, mas ele vai fazendo aquele arrastão, as pessoas não ficam diretamente na frente da igreja, elas ficam esperando no caminho e quando a chega no pé da ladeira na rua do fogo, indo pra Joaquim Mazone que você olha pra trás você se assusta, diz “poxa, quanta gente!” (SANTOS, Cláudio dos. 24 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes). O Festejar
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Imagem 98: As crianças na procissão. Fonte: Arlindo Cardoso, 2017. Na procissão domingo você vai ver criança vestidas de anjinhos, de frade, porque são pessoas que pagam promessa, pede pela saúde do filho, do esposo, proteção a família, aí alguns dizem que é a tradição, mas não, é a fé, é promovido pela fé (SANTOS, Cláudio dos. 24 ago.2017. Entrevista concedida a Paula Fernandes).
A procissão que antes parecia ser grandiosa agora passa a ser vista em outra escala. A escala urbana inicial era de ruas estreitas, com casas singelas, fazendo com que a procissão se tornasse
grandiosa aos olhos dos espectadores. Ao chegar na Avenida Wanderley essa relação é alterada, a larga avenida faz com que os devotos passem a ocupar apenas um lado da via, enquanto o outro lado é liberado para os carros trafegarem. Quem organiza o trânsito são pessoas ligadas a igreja, a todo instante elas controlam o espaço dos fiéis e dos carros. Ao sair do bairro ao qual o santo é patrono as ruas deixam de ser enfeitadas, mas ainda assim as pessoas se direcionam para as portas e observam a procissão.
Imagem 99: Avenida Wanderley. Fonte: Autora, 2017.
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Olha lá vai passando a procissão Se arrastando que nem cobra pelo chão As pessoas que nela vão passando Acreditam nas coisas lá do céu As mulheres cantando tiram versos Os homens escutando tiram o chapéu (Gil; 1967 ).
Imagem 100: Serpentear. Fonte: Autora, 2017 O Festejar
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Ao sair da Avenida Wanderley e adentrar no Rosário Estreito a peregrinação parece retornar a sua escala inicial. A rua estreita, assim como suas calçadas fazem com que os fiéis ocupem toda a rua. Devotos e curiosos permanecem nas janelas observando a multidão. O anoitecer se aproxima e as luzes da charola são acesas. Eis que a procissão se aproxima do fim, os últimos trajetos para retornar ao bairro são percorridos ao som de muitos cantos e palmas. Algumas pessoas que estavam nas portas de suas casas acompanharam o cortejo, fazendo com que ao longo do percurso o número de fiéis fosse aumentado.
Imagem 102: Retornar ao Barro Vermelho. Autora, 2017.
A Travessa Mariano é a primeira rua do bairro a acolher o retorno do santo. Do alto da ladeira é possível deslumbrar o céu azul escuro de bandeirolas contrastando com as velas que se estendem pelas calçadas de toda a via. O bairro parecia estar em silencio, aguardando ansiosamente a procissão, até que uma salva de fogos comunica a chegada do padroeiro. O momento é emocionante! Nas janelas as pessoas voltam a se debruçar para prestigiar aquele momento único. As velas que ainda não foram acesas ficam sob responsabilidade das crianças, que desde cedo são envolvidas na festa. O mini trio é o primeiro a descer a ladeira, parando próximo a esquina do Beco da Bolacha, ali permanece fazendo orações e cânticos, afim de atrair fieis.
Imagem 101: O Rosário estreito. Fonte: Autora, 2017.
Enquanto isso, ao chegar na Travessa Mariano a procissão é interrompida. Eis que a
irmandade do santíssimo, junto ao estandarte, padre e charola seguem em direção a região leste da Rua 15 de novembro, até a casa de uma antiga moradora que realiza seu trezenário em paralelo a festa da igreja. Enquanto isso, na Rua dos Pescadores, moradores já soltavam os rojões, ansiosos para que a procissão por ali passasse. Ao retornar para o sentindo normal da procissão mais pessoas, algumas sozinhas, outras acompanhadas, estão debruçadas sob as janelas decoradas. Entre velas, flores e Santo Antônio, olhos atentos estão voltados para peregrinação. Mesmo as casas que estão fechadas sofrem influência da rua, não só pela decoração das janelas, mas também pelo sombrear das bandeirolas que refletem sob as fachadas, a rua parece insistir em fazer com que a casa possa participar de alguma forma do festejo. O Festejar
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Logo em seguida é a hora da Rua dos Pescadores. Ao apontar da procissão é dada a primeira salva de fogos da rua. Um grupo de homens se voltam para o rio, e incessantemente soltam rojões, ocupando toda a extensão da rua do aterro. O som estrondoso de bombas se mistura as ladainhas de Santo Antônio. Enquanto isso a procissão está no nível mais baixo da rua, sendo acompanhada pelos moradores que se debruçam no guarda corpo ou nas calçadas. Eis que finalmente o andor retorna à Travessa Santo Antônio. Após uma longa peregrinação pelas ruas da cidade, as pessoas continuam balançando suas bandeiras como forma de despedida ao santo. Junto ao andor o padre se posiciona no guarda corpo da igreja, enquanto aguarda os fiéis se acomodarem. Agora, o guarda corpo deixa de ser visto como arquibancada, e passa a servir como palanque para a fala do pároco, que canta e louva junto aos fiéis. É dada a hora do encerrar a trezena, e assim como marco inicial do festejo, o hasteamento da bandeira, é o momento de recolhe-la.com salva de palmas. Uma multidão de pessoas se esparrama por toda a rua. O padre faz a última benção aos fiéis, que aguardam o momento da água benta. Fogos de artifício colorem o céu e se misturam as bandeirolas. Viva Santo Antônio! Viva Jesus Cristo! Viva Nossa Senhora! Cristo Vive! Cristo Reina! E mais uma vez, ao som da Ladainha de Santo Antônio as pessoas se despedem.
Imagem 103: Rua Quinze de Novembro. Fonte: Autora, 2017.
Penedo te abraça, Penedo te quer bem, Ó Glorioso Antônio, o céu te diz amém! O céu te diz amém! Ó Glorioso Antônio, Abençoai Penedo, que muito te quer bem! O Festejar
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Imagem 104: Rua dos Pescadores. Fonte: Arlindo Cardoso, 2017.
Imagem 105: A despedida de Santo AntĂ´nio. Fonte: Arlindo
Cardoso, 2012
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4. PARTILHAR MEMÓRIAS Desde o primeiro dia de campo estabeleci que a câmera e o tripé seriam minhas condições de trabalho, os equipamentos causaram curiosidade dos moradores, mas deixava claro que estava realizando uma pesquisa, onde um dos objetivos era produzir um documentário sobre a ocupação do espaço urbano a partir da festa religiosa, enfatizando sempre que eles, os moradores, eram os principais atores, construtores do lugar. Retornar ao Barro Vermelho foi uma forma encontrada para compartilhar com a comunidade parte dos conhecimentos adquiridos durante a investigação, demostrando respeito e consideração aquelas memórias . Ao mesmo tempo corroborando com a noção de educação patrimonial, na qual a devolutiva dos trabalhos de pesquisa se torna uma etapa de aprofundamento e consolidação de laços.
4.1 O primeiro Reencontro Alguns meses após a festa vi a necessidade em retornar ao bairro para rever conhecidos, alguns registrados na fala, outros em fotografias. Entre paisagens, decoração de ruas, procissão, momentos de concentração aos nos quais as pessoas nem sabiam que estavam sendo observadas ou fotografadas. Jovens, adultos, envolvidos na organização dos festejos, outros que de alguma forma vivenciaram o trezenário. De porta em porta fotografias foram entregues, e junto a elas as lembranças de um período tão festejado.
Imagem 106: Cartões entregues aos moradores em março de
Imagem 107: Cem Conto, de olhar desconfiado e sorriso no canto do rosto, durante a montagem da carroça para a cavalgada de Stº Antônio. Fonte: Autora, 2017.
Com carinho e cuidado, trinta e quatro fotografias que retratavam o panorama do bairro em período de festa foram selecionadas para serem entregues a vinte e uma pessoas. Cartões foram recortados um a um e neles escrito trecho de uma das ladainhas que mais marcara minha memória durante toda a trezena .
de recordação, educadamente agradeceu e se dirigiu ao interior de sua casa, onde a esposa observava da janela voltada para a rua. Retornei ao carro para dar continuidade às entregas e ao passar em sua porta agradeceu fervorosamente, com um sorriso largo no rosto “Gostei viu?! Ficou bonita!” aquela imagem fincou na minha memória, não poderia haver gesto mais sincero para ser recebida no bairro.
2018. Fonte: Autora (2018)
Num fim de tarde de sábado de aleluia sai em direção ao bairro de Santo Antônio. A primeira entrega foi feita a primeira pessoa que fotografei no bairro durante a trezena, não sabia seu nome, mas lembrava por onde morava. No mesmo lugar em que fotografei parei e mostrei a foto aos homens que estavam sentados, rapidamente falaram “é o Cem Conto! Ele tá ali na moto.” Corri em sua direção para alcança-lo, o cumprimentei e me identifiquei como a “moça que estava fotografando a festa de Santo Antônio”, um pouco desconfiado ele disse que recordava, entreguei o cartão dizendo que era um registro, como forma
Direcionei-me a casa de Dona Erondina, quem sempre me acolheu de braços abertos. Além da função de lar a casa é mercearia, padaria e ponto de encontro entre suas filhas e vizinhos. Como era de se esperar estavam na calçada Fabiana e Tatiana, duas das quatro filhas de dona Erondina. Com muita alegria fui recebida e convidada a entrar para conversarmos. Fabiana estava ansiosa para ver as fotos e prontamente se dispôs a ajudar. Juntas olhamos os registros, enquanto me falava o nome das pessoas e onde moravam, pude construir um mapa mental. Partilhar Memórias
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Imagem 108: Mapa da entrega das fotos. Fonte: Autora (2018).
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Enquanto isso outras pessoas se uniram a nós, num momento de recordações e boas risadas. Aproveitei para entregar os cartões de Fabiana, D. Erondina e Ana, vizinha, amiga e uma das organizadoras da ornamentação da Travessa Santo Antônio.
As fotos de Fabiana representam quem ela é, moradora do bairro desde menina, com seu olhar atento sempre observou a rua onde mora. A família está em primeiro lugar, Yasmin, sua única filha e Valdinho, seu companheiro de vida e de ornamentação da rua, estão sempre presentes em suas falas. D. Erondina é uma mulher de fé intensa, todo 13 de junho acende algumas velas na calçada da igreja, (única manifestação vista no bairro no dia em que comumente se comemora Santo Antônio) pedindo proteção para sua família. Desde que foi morar em Penedo tem costume de decorar a porta da vizinha de frente, a igreja de Santo Antônio. A vista da calçada de sua residência para a igreja é um dos ângulos mais privilegiados da rua, dela é possível observar o leque de bandeirolas se misturar as luzes amareladas das gambiarras, enquanto ouve toda a pregação.
forma de proteção. Poderia se questionar: quem era aquela menina que nunca tinha visto, com uma câmera em mãos, filmando e fotografando, querendo saber tudo sobre o bairro e a festa? Talvez tenha me visto com um olhar desconfiado, assim como mostra a fotografia entregue a mesma, um registro do domingo da procissão, as seis horas da manhã, com frio e debaixo de chuva, ela e Peixotinho ajudavam a decorar a porta da igreja. Imagem 111: Fotografia entregue a Ana. Fonte: Arlindo
Cardoso, 2017.
Ana esteve presente durante todos os dias de decoração, apesar disso não nos aproximamos. O olhar arredio, difícil de se cativar, talvez fosse uma Imagem 110: Fotografias entregues a D. Erondina. Fonte: Paula Fernandes e Arlindo Cardoso, 2017.
Imagem 109: Fotografias entregues a Fabiana. Fonte: Autora
, (2017.7)
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Peixotinho foi o próximo a receber um cartão com sua foto. Ele mora na Baixa da Lama, a rua é aladeirada e fica em um nível mais abaixo que a Travessa Santo Antônio. O nome da rua tem relação com o solo argiloso, que durante as cheias do rio tornava-se um lamaçal. A rua é escura, com pessoas a conversar nas portas. A casa de Peixotinho é a última, com porta e janelas fechadas, parecia não haver pessoas no interior da residência. Mesmo assim revolvi chamar, após muito insistir uma criança abriu a porta, perguntei se Peixotinho estava em casa. Desconfiado, o menino foi chama-lo, percebi que estava jantando, afinal já se passava das dezoito horas, momento de se sentar-se à mesa com a família para tomar um café. Logo pedi desculpas pela hora, entregando o envelope com sua foto. Gentilmente agradeceu e abriu o cartão. Ao se ver na fotografia ficou surpreso, relembrou o quanto é corrido ajudar na decoração, mas também falou da satisfação que é contribuir com a festa.
Continuando com o trajeto pensado com Fabiana segui para a casa de D. Eunice. A janela e porta de sua casa estavam fechadas, me causando estranhamento, pois ela sempre mantém a casa aberta para cumprimentar as pessoas que passam na rua. Insisti a chamar, mas ninguém apareceu, até que. perguntei a vizinha se D. Eunice estava em casa, ela abriu a porta para que eu entrasse e aguardasse na sala. D. Eunice estava na cozinha jantando, havia perdido noção do horário. Pelo corredor estreito e escuro de sua casa ela pergunta quem era, logo me identifiquei: “é a moça das fotos, da festa de Santo Antônio...” me reconheceu rapidamente e pediu para que me sentasse no sofá. Em instantes de conversa ela compartilhou sua experiencia em passar mais de três meses no Maranhão, revelando também estara ansiosa para voltar para seu bairro e sua casa. Após muita conversa mostrei a ela suas fotos. A reação foi de surpresa, e sorriu dizendo: Olha pra Eunice! Ao nos despedirmos, pediu para que quando eu fosse a Penedo não deixasse de visita-la!
Imagem 112: Peixotinho em seu ato de coragem e dedicação, acompanhado por vizinhos que seguram a escada. Fonte: Autora , (2017).
Imagem 113: Dona Eunice, devota de Santo Antônio. No primeiro dia de missa foi uma das primeiras a chegar na igreja, para garantir a melhor vista do altar. A segunda imagem dona Eunice acompanha atenta a movimentação na tarde da procissão. Fonte: Autora, (2017.7)
Segui para a Praça Trinta e Um de Março, onde iria visitar três casas. A primeira delas foi a casa de dona Maristela. Confesso que sai do carro na esperança de encontrá-la espreitando na janela de sua porta, mas não estava lá. Timidamente chamei pelo seu nome. Quem abriu a porta foi sua sobrinha, me identifiquei e logo ela me chamou para entrar. Na cozinha estava dona Maristela sentada, com o pé inchado, envolto por ataduras, apoiado em uma cadeira. Durante os dias festa não tive a oportunidade de conversar com ela, e não tinha conhecimento de seu problema de saúde. Partilhar Memórias
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Fui recebida com um sorriso largo no rosto, e logo ela disse que lembrava de mim durante os dias da festa, aproveitei sua fala para entregar seu cartão. Cuidadosamente abriu e ficou surpresa ao se ver, não esperava por essa imagem. “Isso foi no dia da cavalgada né?” perguntou. Eu disse que sim, expliquei que sua expressão espreitando na porta me chamou atenção, por estar observando toda a movimentação da cavalgada pelo lado de dentro da casa, enquanto outros vizinhos estavam de portas abertas, sentados nas calçadas. Sua imagem me intrigava, ao vê-la na janela não sabia se ela estava gostando ou se sentia incomodada diante toda aquela agitação. Sorrindo, ela disse que estava gostando, se sentia feliz em ver todo aquele movimento no bairro, e que ao término de cada trezenário fica no aguardo para o ano seguinte. Continuamos a conversar até ela interromper e fazer a seguinte pergunta: Essa foto é pra pagar? Fiquei sem reação, não estava preparada para esse tipo de questionamento e imediatamente respondi que não! explicando que aquele momento fazia parte do trabalho, que estava levando a foto para ela como forma de recordação daqueles dias de festa. Ela sorriu e agradeceu pela lembrança.
Saindo da casa de D. Maristela fui à procura de Ailsson, com quem conversei rapidamente na véspera da cavalgada, enquanto ornamentava sua carroça.
Imagem 114: Dona Maristela espreitando a concentração da cavalgada na praça Trinta e Um de Março. Fonte: Autora, (2017).
Imagem 115: Véspera da cavalgada, Ailsson estava decorando sua
Fui na mesma casa onde ele estava no dia que conversamos, mesmo sabendo que aquela não era sua residência, e sim a de seus sogros. Havia um homem com uma criança na calçada observando a lua, e a ele perguntei se o Ailsson estava em casa. Enquanto isso parei um instante para observar a noite. A rua era escura, mas muitas pessoas estavam nas portas conversando, aproveitando o frescor da noite. Ailsson timidamente chegou até a porta, me identifiquei, porém não demostrou muito interesse em conversar, respeitei sua atitude e entreguei o cartão com sua foto, disse que era uma lembrança da festa de Santo Antônio.
O casal ficou feliz ao se verem retratados, Mônica disse que ver Cláudio concentrado daquela forma era um registro raro, pois ele sempre estava ativo, correndo para um lado e para outro. A foto do hasteamento da bandeira também foi uma surpresa. Era Cláudio quem estava debruçado na janela amarrando a bandeira de Santo Antônio ao mastro da igreja. Já Mônica foi fotografada durante a passagem de som do coral no fim da tarde do primeiro dia de missa, no momento ela estava tão concentrada que nem se deu conta que estava sendo observada. Imagem 116: Fotos entregues a Cláudio e Mônica. Fonte: Autora, l (2017).
A próxima entrega era ali perto, na casa de Cláudio e Mônica. Quem abriu a porta foi Mônica, que ficou surpresa com a minha visita, o casal muito simpático mais uma vez me recebeu em sua casa, assim como abriram as portas da igreja. Ali perdi noção de tempo, foi mais de uma hora de conversa com assuntos diversos, desde a festa de Santo Antônio, os cantos da igreja, a reforma do centro comunitário, gatos e papagaio. carroça para a cavalgada de Santo Antônio. Fonte: Autora, (2017.)
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Indo em direção à Rua dos Pescadores encontrei Zé no mesmo banco em que foi fotografado meses atrás. Ao entregar seu cartão logo lembrou de mim e ao ver a imagem com seu neto abriu um largo sorriso e recordou da tarde que antecedia a procissão. Zé é um dos homens que ajuda Dona Justina na decoração da Rua dos Pescadores. A foto de Zé segurando a escada foi feita as seis e meia da manhã do domingo da procissão, debaixo de chuva, enquanto a maioria de seus vizinhos estavam dormindo. Ele também um dos responsáveis pela salva de fogos realizada na Rua dos Pescadores quando a procissão retorna ao bairro. Na imagem com seu neto é possível observar sua satisfação ao segurar as bombas de cordão que seriam estouradas no começo da noite. Além do neto que está presente no registro seus filhos também participam da salva de fogos, sendo esta uma tradição que vem sendo transmitida por gerações.
Zé estava perto da casa de Dona Josefa, que foi a próxima pessoa a ser visitada. Durante todas as noites aquela senhora chamou minha atenção. No primeiro dia da trezena a vi caminhando vagarosamente pelas ruas, de coque e vestido singelo marrom, solitária e com pés descalços dirigia-se à igreja. Com o passar dos dias pude ver que se sentava sempre no mesmo lugar, silenciosa e de olhar misterioso. Durante as treze noites intercalava seus vestidos entre tons azuis e beges de modelos semelhantes, terço entre as mãos e profunda atenção a celebração. Ela era sem dúvida a pessoa que eu estava mais ansiosa para encontrar, ficava imaginando como seria sua reação, se seria bem recebida, se ela não iria se sentir incomodada por eu ter a fotografado sem sua permissão. Quando chamei seu nome na porta de casa a vi vindo em direção a porta acompanhada por uma mulher mais nova. Me identifiquei e imediatamente ela me
reconheceu, dizendo que tinha me visto durante todos os dias da festa. Entreguei seu envelope e antes mesmo de abrir me deu um abraço de extrema ternura e sorriso largo. Enquanto ela desfazia o laço contei que a observei durante todos aqueles dias, sempre descalça e silenciosa, mais uma vez ela sorriu. Ficou surpresa ao se ver na fotografia e agradeceu com mais um abraço. O carinho oferecido por aquela senhora me sensibilizou, seus abraços apertados pareciam me conhecer profundamente, explicando assim a conexão visual que tivemos através das fotografias durante os dias que frequentei o bairro. Imagem 118: Dona Josefa durante as treze noites. Fonte:
Autora, (2017).
Imagem 117: Fotos entregues a Zé Fonte: Autora, (2017). Partilhar Memórias
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A próxima entrega morava ali perto. Perguntei as pessoas que estavam na rua onde era a casa de Dona Rivanda. Chamei pelo seu nome e não demorou muito para que ela abrisse a porta. Com a mesma expressão da fotografia perguntou quem eu era, expliquei que estava com um amigo, Arlindo, no dia da procissão fotografando os preparativos para o festejo, onde ele tinha feito um registro dela, e eu estava ali para entregar. Desconfiada, perguntou se era para pagar algo, eu disse que não, expliquei que era uma recordação da festa, onde ela me chamou a atenção por estar as sete horas da manhã de domingo, ajudando a decorar a rua, sorrindo e brincando com as pessoas que passavam em direção a igreja.
Em seguida fui à casa de D. Justina. Como já esperava ela estava em Aracaju, então deixei com sua neta o cartão com duas fotos. Ambas as fotografias demostram a personalidade de Dona Justina, uma simples senhora de sorriso frouxo, com orgulho mostra os girassóis feitos um por um durante os meses que antecedem a procissão para florir o gramado verdinho da Rua dos Pescadores que mais parece os jardins das casas.
Imagem 119: Dona Rivanda e suas amigas momentos antes da missa de domingo. Fonte: Arlindo Cardoso, 2017.7
Imagem 120: Aterro da rua dos Pescadores: o jardim de girassol de D. Justina. Fonte: Autora, (2017).
“Um girassol florido no jardim Buscando a luz do sol sorriu para mim Eu também sou pequeno girassol Buscando a luz de Deus sou feliz assim Tenho mil sementes de amor para te dar”
As fotografias daquela rua me fazem associar a uma antiga canção de igreja, que aprendi ainda criança no colégio e devido a repetitivos ensaios ficou marcado em minha memória.
Imagem 121: Fotos entregues a Dona Justina. Fonte: Arlindo Cardoso, (2017).
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Edvaldo tinha que ser uma das pessoas a serem visitadas. A primeira conversa que tivemos foi no antigo sobrado dos Lessa, onde ele trabalha, e logo nos simpatizamos. De imediato me ajudou com pesquisas sobre a igreja de Santo Antônio, além de se disponibilizar a subir a torre da igreja e me apresentar as melhores vistas do bairro. E assim é sua imagem, admirando a Rocheira, entre um dos sinos da torre.
Imagem 122: Edvaldo observando uma das paisagens na torre
Imagem 123: Ednete e sua expectativa ao ver a procissão apontar na esquina de sua casa. Fonte: Paula Fernandes, 2017. Fonte:
da Igreja de Santo Antônio dos Pobres. Fonte: Autora, (2017).
Autora, (2017).
Ele mora na Rua 15 de Novembro, próximo a Ednete. Aproveitei para ir rapidamente em sua casa. Em seu registro ela está na porta de sua casa, com bandeirinha de Santo Antônio nas mãos, velas acesas, toalhas esticadas na janela e um potinho com lírios brancos. Sua postura indica a ansiedade ao ver a procissão prestes a passar por sua porta.
Arlindo e que ninguém com quem conversei até então sabia dizer o nome. Rapidamente voltei a casa de Ednaldo e mostrei a fotografia daquela senhora, ele confirmou ser a mesma pessoa e disse que seu nome era Fátima. Imediatamente fui ao seu encontro, ela estava acompanhada pelo neto, que deveria ter aproximadamente cinco anos de idade.
Ao sair da casa de Dona Ednete avistei uma senhora sentada próxima a Rocheira, logo pensei que poderia ser a mesma pessoa fotografada por
Sem ao menos ser convidada sentei ao seu lado no banco e me identifiquei. Como não tínhamos nos vistos durante o trezenário falei
rapidamente sobre o trabalho e disse que ela tinha sido fotografada por um amigo, como seu rosto me chamou a atenção resolvi ir à sua procura. Ela sorriu e agradeceu pelo gesto. Ao abrir o cartão e ver sua imagem me deu um abraço carinhoso e sincero. Enquanto isso seu neto perguntou se eu criava cachorro, respondi que não, mas tinha uma gata e que gostava muito dela. Isso fez com que D. Fátima recordasse do passado e compartilhou sua história. Em sua casa havia um gato, que era muito apegado à sua mãe, após uma grave doença Partilhar Memórias
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a senhora foi a óbito. Fátima contou que o velório foi realizado na própria sala de casa, e durante todo o tempo o gato ficou presente, parecia estar velando sua dona. Alguns dias após o falecimento o gato ficou numa tristeza profunda e foi encontrado morto. Ao olhar para D. Fátima seus olhos estavam marejados e o mesmo posso dizer dos meus. Em poucos instantes sentada ao lado daquela senhora foram compartilhadas histórias e uma profunda empatia que ficará eternizada em minha memória.
trezena. Aproveitei para perguntar se ele sabia onde estavam o padre e Antônio, ele falou que ambos tinham ido para suas casas, mas que retornariam à igreja em breve. Como padre Jackson iria celebrar a missa e Antônio estava envolvido na organização da celebração preferi não incomoda-los e pedi para que Vinicius fizesse a entrega, já que era uma pessoa que me passou confiança durante os dias que estive com ele no trezenário. Imagem 125: Crianças acompanhando a procissão de St. Antônio. Fonte: Autora, (2017.)
Após aquele momento segui para o Beco da Bolachinha em busca de André para entregar a foto de seu filho junto ao seu sobrinho, sentados no meio fio da calçada, num curto descanso durante a procissão. Lembro-me que quando pedi para fotografa-los um deles virou o rosto, em sinal de recusa, foi então que André interviu dizendo “deixe de timidez, rapaz. Levantem as bandeirinhas!” Num sinal de confiança, ambas as crianças olharam para a câmera e fizeram a pose sugerida.
A fotografia de Vinícius retrata um momento de delicadeza, entrega e devoção, onde cuidadosamente ele limpa a imagem de Santo Antônio que iria ser colocada no andor. Já se passavam das vinte e duas horas de uma noite de sábado, enquanto a maioria dos jovens de sua idade estavam no show profano que acontecia próximo à Praça da Alegria Vinicius estava na igreja, ajudando na ornamentação da charola, em um ato de fé e dedicação ao catolicismo e ao grupo de pessoas que estavam envolvidas. Imagem 126: Vinicius limpando com delicadeza a imagem de Santo Antônio. Fonte: Arlindo Cardoso, 2017.
As entregas no bairro estavam próximas a serem finalizadas, mas ainda faltavam três cartões. Vinicius, coroinha, padre Jackson, pároco da igreja e Antônio, o mudo, responsável pela produção dos arranjos do altar e jardim da igreja.
Imagem 124: Dona Fátima à espera da procissão. Fonte: Arlindo Cardoso, 2017.
Os três estavam envolvidos com as celebrações de Nossa Senhora do Rosário, padroeira da cidade. Segui então para a Catedral, na esperança de encontra-los. De longe avistei Vinícius na porta da igreja, conversando com outras pessoas, fui em sua direção e logo perguntei se ele lembrava de mim. Com um sorriso ele disse que sim, e entreguei seu cartão, dizendo que era um registro dele durante a Partilhar Memórias
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Imagem 128: faces do mudo: de decorador de charola a entregador de pães. Fonte. Fonte: Autora, (2017.)
Antônio foi registrado durante a elaboração da charola, cortando as folhas de jasmim. Enquanto eu e Arlindo estávamos cansados e quase dormindo na porta da igreja Antônio e toda a equipe estavam com energia montando o andor. A outra fotografia entregue foi registrada momentos antes da missa de domingo, onde os devotos já aguardavam o início da celebração. Ele era um dos responsáveis pela distribuição dos pãezinhos, que ficavam em grandes sacos na porta da igreja, sua roupa em tom marrom, faz uma alusão as vestes dos franciscanos. Ao ver que estava sendo fotografado ergueu os saquinhos de pão, demostrando orgulhosamente sua função naquele momento. Imagem 127: Instante de recolhimento. Fonte: Autora, (2017.)
A imagem de Padre Jackson retrata um momento de recolhimento, pausa entre a missa de distribuição dos pães e o batizado das crianças. Na sacristia, se manteve por alguns instantes em silêncio e cabeça baixa.
Finalizada as entregas retornei para casa com a sensação de dever cumprido e uma eterna gratidão por ser tão bem recebida por aquelas pessoas. Saber que muitas delas lembravam de mim, e ver suas reações ao se reconhecerem nas fotografias me fizeram reaproximar do lugar e perceber o quão vivo é o momento do trezenário de Santo Antônio para aquela comunidade.
Dias após a minha ida ao bairro a notícia das entregas dos cartões repercutiam, pessoas que ficaram próximas a mim após as pesquisas de campo relataram que a entrega dos cartões virou assunto entre vizinhos e amigos, e todos ficaram felizes e gratos pela surpresa. Nas redes sociais da página do bairro compartilhei um curto vídeo com algumas imagens da festa, entre os comentários está o de Vinicius, que relata sua gratidão por ter recebido uma fotografia.
Imagem 129: Comentário de um morador do bairro na página do Facebook “Nós somos do Barro Vermelho”. Captura de tela, acervo autoral, 2018. 12 Disponível em: //https://www.facebook.com/nossomosdobarrovermelho/videos/797902607072235/?t=9. Acesso em: maio, 2018.
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4.2 Segundo Reencontro: Cinema no Barro Vermelho Por meio da criação de um documentário gravado durante o trezenário de Santo Antônio, em 2017, a pesquisa debruçou-se sobre a imagem em movimento e memórias. O filme desenvolvido como parte desta pesquisa, intitulado “Padroeiro”, abordou a temática do patrimônio imaterial entrelaçado com o espaço urbano, com um olhar de dentro para fora, observando como a celebração transcende os limites físicos da igreja, os principais momentos, os conflitos culturais e o sujeito, fundamental agente formador da dinamicidade do lugar. A partir do direcionamento da câmera, a pesquisa também contou histórias esquecidas ou mesmo desconhecidas para os moradores do lugar.
parte da programação oficial da festa, causando expectativa e curiosidade entre os moradores. Essa relação de confiança pelo trabalho se deu graças aos laços criados durante toda a pesquisa. Um dia antes da exibição estive no bairro para prestigiar o retorno da batucada “Milionários do Samba”, existente a mais de setenta anos, fundada pelo antigo morador Jorge Souza, falecido a pouco
mais de dez anos. Desde sua partida a batucada foi desativada, a sede localizada na praça Trinta e Um de Março foi recuperada no ano de 2018 e os instrumentos foram doados pela família do maestro, alguns instrumentistas são os mesmos da antiga formação. O bairro estava uma alegria, as pessoas estavam ansiosas para rever a batucada que marcou a memória do Barro Vermelho.
Das primeiras idas a campo até a exibição do filme se passou um ano. Retornei ao bairro no dia 01 de setembro de 2018, décimo segundo dia da trezena de Santo Antônio, para apresentar o resultado do filme. Quinze dias antes dei início a divulgação do evento através das redes sociais, Facebook, Instagram e Whatsapp. Na semana da apresentação houve panfletagem no bairro, e alguns cartazes foram colocados nas mercearias e igreja. Além disso o evento foi diariamente divulgado pelo pároco, após a celebração, e também nas emissoras quando fora convidar a comunidade católica para prestigiar o trezenário, o documentário passou a fazer
Imagem 130: Divulgação do documentário na página do Facebook “Nós somos do Barro Vermelho”. Captura de tela, acervo autora (2018).
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lo e renderizar . Ao término da missa as pessoas começaram a se dirigiram para a porta do centro. A expectativa era grande, mas pude compartilhar todo o nervosismo com meus pais e amigos, a todo instante questionava: Vai dar tempo?! O cheiro de pipoca pairava no ar, convidando as pessoas a entrar. Entrelaçadas, crianças, adultos e idosos ficavam encantadas ao entrar naquele túnel azul, que remetia as bandeirolas do espaço urbano da festa. Imagem 131: Retorno da batucada “Milionários do Samba”. Fonte: autora (2018).
Durante minha presença no bairro pude rever conhecidos e convida-los pessoalmente para a exibição do filme, fazendo panfletagem na porta da igreja e nas ruas próximas. Reencontrar aquelas pessoas foi de grande valia, dona Maristela foi uma delas, avistei de longe sentada na porta de sua casa, ao aproximarme ela recordou “Você é a moça da foto, né? Ela está guardada!” Ao perguntar como ela estava me respondeu dizendo que não estava feliz, a doença em sua perna não permitia que ela participasse das missas como antes. Instantes como esse me fizeram refletir a relação afetiva criada entre as pessoas e a celebração, meus olhos encheram-se de lágrimas, ainda assim consegui tirar alguns sorrisos de seu rosto. O local escolhido para a projeção foi o centro comunitário. O sábado, dia da exibição chegou, e ainda cedo os preparativos começaram. Mais de cem cadeiras foram levadas para o lugar,
além de tela de projeção, e equipamento de som, cedidos pela organização do Circuito Cinema de Penedo. No período da tarde segui para o bairro e comigo levei uma caravana formada por amigos. Enquanto finalizava o vídeo dentro da igreja foram eles os responsáveis por transformar o lugar em ruinas numa sala de projeção a céu aberto. Além deles, alguns moradores se dispuseram à ajudar, escondendo material de reforma, esticando lona de projeção, enfileirando cadeiras, cortando tiras de TNT, fazendo teste de som e montando painel de fotos, todos estavam envolvidos, o que vi acontecer no ano anterior durante a decoração das ruas agora acontecia comigo, uma rede de pessoas dispostas a fazer o evento acontecer. Logo a tarde passou e as pessoas começaram a entrar na igreja, o nervosismo tomará conta, já que o vídeo não estava finalizado, rapidamente me dirigi para o centro comunitário para conclui-
Imagem 132:Dia de cinema no Barro Vermelho. Fonte: Autora, 2018.
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D. Eunice, Fabiana, Cláudio, Mônica, D. Erondina, Peixotinho, Vinícius, padre Jackson, André, D. Rivanda, e tantos outros. Parte do Grupo de Pesquisa Estudos da Paisagem, Angel quem me acompanhou desde o primeiro período da faculdade, me fazendo chorar algumas vezes por cobrar o máximo de meu esforço durante os trabalhos. Pessoas que me conhecem desde a infância, outras que nunca vi. Mais de cento e quarenta cadeiras estavam ocupadas. Ver todas aquelas pessoas e saber que elas estavam ali para assistir um trabalho por mim produzido aumentava ainda mais o nervosismo. A todo instante me questionava: e se não atingir as expectativas? E se o vídeo travar? E se...e se...e mais uma vez meus amigos me acalmavam. OLHA A PIPOCA!!! PESSOAL, TEM PIPOCA!!! É DE GRAÇA!! Gritava Weiny, enquanto o vídeo estava sendo preparado para apresentar. As pessoas começaram a fazer fila para pegar pipoca, e se distraiam olhando o mural com fotos da última trezena. Igreja, procissão, arruados, gestos. Através de um novo olhar elas podiam se reconhecer.
Imagem 133: Momentos antes do filme. Fonte: Autora, 2018. Partilhar Memórias
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Após meia hora de atraso, que para mim parecia uma eternidade, o vídeo estava pronto. Antes de iniciar pedi para me pronunciar, agradecendo a todos pela presença, em especial aos moradores do Barro Vermelho, os quais me permitiram fazer aquele trabalho. O filme foi sobre eles e para eles. Sentei-me no chão, próximo a mesa onde estavam os equipamentos de projeção. Talvez não fosse o melhor ângulo, mas ali estava cercada por amigos, ao mesmo tempo que poderia me esconder debaixo da mesa, caso algo desse errado. A sessão é iniciada, e o centro comunitário passa a ser um lugar de memórias e histórias. Nas primeiras cenas as reações do público. Nunca vou esquecer o olhar das pessoas que estavam ali assistindo, se vendo, se ouvindo ou mesmo conhecendo histórias do bairro que até então poderiam ser desconhecidas. Ao final da exibição percebo a emoção das pessoas ao se dirigem até mim para parabenizar e agradecer pelo momento proporcionado. Em meu rosto um sorriso acanhado, em meio a timidez e nervosismo que aquele momento proporcionou. A sensação é de dever cumprido, por compartilhar com aquelas pessoas o maior patrimônio que elas podem ter, a memória.
Imagem 134:Durante o filme. Fonte: Vinícius Nacimento, 2018. Partilhar Memórias
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Todo o trabalho aqui desenvolvido teve como ponto norteador enfatiza as relações existentes entre o campo do patrimônio material e imaterial, onde afesta revelou-se uma rica fonte de investigação para analisar as diferentes formas de se apropriarem do espaço. Ver, conhecer e sentir foram ações necessárias para entender a sociedade e o lugar onde a festa está inserida, assim como as relações criadas e os valores dotados por aqueles que utilizam o lugar.
C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S
Embora sendo efêmera, pois só acontece uma vez a cada ano, a festa de Santo Antônio confere ao bairro um significado próprio. Através deste estudo foi possível acompanhar o processo de transformação do lugar. A dimensão simbólica do espaço costuma ser mais “vivida” que conhecida, e se levada em consideração, pode limitar a realização de interesses, daí entende-se porque raramente a imaterialidade é levada em conta para o planejamento urbano, por exemplo. A abordagem desta pesquisa leva o leitor a ver o patrimônio a partir do processo de interpretação da cultura enquanto produção não apenas material, mas também simbólica. Cada testemunho materializado não deve ser visto de forma isolada, mas a partir das múltiplas relações que envolvem o ambiente físico e cultural, sendo esta uma paisagem vivida pela comunidade e sendo sua identidade. Destaca-se nesse processo a importância em não haver fragmentos relacionados a cultura, pois seu valor simbólico só tem sentido se analisado com todos os componentes sociais que o definem. Este trabalho não tem o intuito de esgotar o assunto, mas sim instigar o leitor a vivenciar lugares através da sua dimensão intangível, festa, pessoas, memórias e tantas outras formas que o patrimônio imaterial pode assumir e entrelaçar-se a materialidade.
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ROTEIRO DA ENTREVISTA
PERGUNTAS GERAIS
CEELEBRAÇÃO
Nome/ idade/ onde nasceu/ endereço/ contato/ profissão-ocupação?
Quem são as pessoas envolvidas na celebração? Quem organiza? Quem participa? O que elas fazem?
Qual a relação do entrevistado com o bem?
Existem vestimentas e acessórios específicos? Quem são as pessoas que as usam?
Quando começou a frequentar o local em que ocorre a manifestação?
Ocorre algum tipo de expressão cultural? Onde elas são realizadas? Quem são os envolvidos?
Como era a manifestação nessa época?
Existem expressões orais (músicas, orações...)? Em que parte da celebração elas costumam ocorrer e quem são os responsáveis por fazê-las?
Quais as transformações que ocorreram ao longo dos anos?
Quais os significados da celebração para a população?
O que não pode faltar na festa de Santo Antônio?
Quais os momentos e datas mais importantes para o festejo?
Qual a importância dessa festa na sua vida, na de sua família e para a comunidade?
Quais as origens e transformações da celebração ao longo do tempo?
Você consegue imaginar o bairro sem essa festa? Partilhar Memórias
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A P Ê N D I C E : O U V I R H I S T Ó R I A S Durante a imersão ao bairro de Santo Antônio muita historias foram compartilhadas, algumas um tanto desconfiadas, outras pareciam me conhecer a anos.
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Juliana Michaello Macedo Dias Buscar entender a relação do homem, espaço e patrimônio na cidade de
Orientador Objetivos
Endereço:__________________________________________________
Telefone1:( ) ____________________Telefone2:( ) _________________
RG.:______________________ CPF:_____________________________
Nome:______________________________________________________
Assinatura
______________________________________
_______________, _____de________________de 2017.
Por ser esta a expressão de minha vontade, nada terei a reclamar a título de direitos conexos a minha imagem e voz ou qualquer outro.
O aluno fica autorizado a executar a edição e montagem das fotos e filmagens, conduzindo as reproduções que entender necessárias, bem como a produzir os respectivos materiais acadêmicos, respeitando sempre os fins aqui estipulados.
As imagens e a voz poderão ser exibidas: nos relatórios parcial e final do referido projeto, na apresentação audiovisual do mesmo, em divulgações acadêmicas, em festivais e premiações nacionais e internacionais, assim como disponibilizadas no TFG resultante da pesquisa e na Internet, fazendo-se constar os devidos créditos.
realizar suas vivências.
imaterial se materializa e passa a apropriar-se dos espaços urbanos para
mesmo nome, observando como uma manifestação a princípio de cunho
Penedo-AL, com enfoque nos festejos de Santo Antônio, realizado no bairro de
Paula Louise Fernandes Silva
Antônio na cidade de Penedo.
Patrimônios Coexistentes: O entrelaçar do Padroeiro com o Bairro de Santo
Aluno
Título do Trabalho
Neste ato, e para todos os fins em direito admitidos, autorizo expressamente a utilização da minha imagem e voz, em caráter definitivo e gratuito, constante em fotos e filmagens decorrentes da minha participação no trabalho de TFG intitulado: Patrimônios Coexistentes: O entrelaçar do Padroeiro com o Bairro de Santo Antônio na cidade de Penedo, a seguir discriminado:
Termo de Autorização de Uso de Imagem e Voz
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
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DECORAÇÃO DA RUA [Entrevista realizada no dia 04 de junho de 2017, com Fabiana Pinheiro. A entrevista foi realizada em sua casa, próxima a igreja de Santo Antônio.]
Fabiana, me fale um pouco sobre a festa de St.º Antônio, quando ela acontece? É o trezenário de santo Antônio. São treze noites e sempre acontece no mês de agosto. A data que eles marcam eles sempre gostam de deixar p mês de agosto e cada noite tem os seus noiteiros né?! Aqui os noiteiros são por ruas e tem legião de maria...que é de outro lugar...ai em o encontro de casais que também são de outra capela, mas vem e tem os noiteiros ne...não sei, porque esse ano ainda não falaram sobre a questão dos noiteiros, tem a noite dos jovens....
EXTRATOS DA MEMÓRIA: TRANSCRIÇÃO DE ÁUDIO
Tem uma equipe que organiza essa parte? Tem uma equipe, uma coordenação, que é o Cláudio e a Mônica, eles são os coordenadores da igreja.
Eles moram aqui no bairro também? Moram aqui. Todo mundo é daqui. O pessoal que ajuda aí na igreja é todo mundo daqui do bairro.
Fabiana, essa questão da decoração da rua... porque eu lembro no ano que eu vi você aqui ajudando o pessoal, em cima de uma escada, no meio da rua. Quem cuida da decoração sou eu e minha mãe e uns moradores. A gente pede ajuda...teve a procissão de santo Antônio gora, dia primeiro, todo ano a gente enfeita a porta da igreja, mas esse ano a gente não enfeitou. Mas a gente não enfeitou porque as vezes a gente fica chateado, porque é aquele negócio, a gente
enfeita a bonequinha p os outros levarem o nome, aí o que acontece, a gente enfeita e quando o povo da rua passa fala no microfone “obrigada pessoal da coordenação da capela por ter feito...’’ aí as pessoas que ajudam se sentem diminuídas. Ano passado eu comprei copos descartáveis, enchi de areia, acendemos velas junto com o pessoal, eu botei minhas bandeiras de santo Antônio...até as bandeiras, o ano passado eu mandei fazer, o ano retrasado, 17 bandeiras, cada bandeira 30 reais.
Essas bandeiras que você fala são as pintadas? É... e eu fui pagando mais a minha mãe...indo atrás de um e de outro p pedir um bico...fui atrás de uma senhora que costura, que ela é muito antiga, que mor ali perto do ...da gruta. Aí fui lá, nem conheço o povo, chego numa cara de pau da poxa, porque o pessoal sabe que a gente enfeita né? Aí eu vou, naquela choradeira. Aí eu consegui, de 17 bandeiras a gente conseguiu, já o no passado meu marido fez, de ferro, aí eu pedi, faça, aí ele...aí eu disse faça, santo Antônio dá mis a gente, aí ele fez para todas as colunas um negócio de ferro.
Aí guarda de um ano para outro? Guarda...vamos aproveitando.
Não sei como o povo não leva né? Ah, leva não, que quando chega perto, a gente fica de olho na procissão, quando chega perto dos ferros a gente grita.
Bandeiras quem faz é o Marcelo? (pintor e morador do bairro, faz por encomenda). Isso tudo a gente que tira...minha mãe tira do mercadinho, eu tiro do Valdinho. Extratos da memória: Transcrição de Áudio
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O povo diz logo: Erondina, vai fazer alguma coisa esse ano? Para a festa...porque sabe que ela faz! Aí ela disse que ficou triste, porque agora dia primeiro não teve nada na frente da igreja. Porque a gente não fez. Aí ela disse q o pessoal dizia bem assim: menina, não fizeram nada esse ano...aí mame dizia: sabe porquê? Ói... porque o pessoal da capela é afastado. Ai em cima da hora é que chegam. Fabiana eu queria fazer isso...e eu não gosto, eu gosto de uma coisa que seja programada. Ai mesmo que eu já tenha as bandeiras e tudo eu gosto de arrumar mais alguma coisa. Aí eles mandam abrir a igreja e pronto. Nem p dizer assim: avise o pessoal que gente vai tá na porta da igreja, esperando a procissão passar...não. Que eu acho que isso tem que envolver a comunidade né.
No mês de junho, o que tem de Santo Antônio aqui no bairro? Dia primeiro foi a festa de Santo Antônio lá no Convento, depois sai a procissão, tanto agora quanto no dia 13, que a festa de encerramento da procissão. Agora aqui em junho tem os forrós. Em junho acontece o forró da rua do meio, que já virou tradição. Eles fazem o palhoção na rua, acontece nos dois dias de São João e nos dois dias de São Pedro. Também tem sorteio de cestas básicas. Isso envolve a comunidade toda.
A quanto tempo vocês começam se organizar, antes da festa? Qual o tempo de preparo para a festa? A gente vai comprando as coisas, depois que termina São João a gente já vai vendo a decoração, eu pesquiso na internet e vou decorando as pilastras. O trabalho começa com dois meses antes. Quando o tempo passa fica uma correria danada, a gente acorda às 4:30 de manhã.
Como a festa de Santo Antônio são treze noites e o primeiro final de semana ficava sem nada, aí tiveram a ideia de colocar a cavalgada no primeiro domingo e no segundo e a procissão. A cada ano tá aumentando. Ano passado mesmo com a crise (que a crise só atinge os pobres) ainda assim as vendas foram boas e veio muita gente.
A cavalgada vem gente não apenas daqui, mas de outros lugares também, não é? Sim, vem gente de Coruripe, Arapiraca, Maceió. Veio gente até de Recife, ano passado. Eles alugam um caminhão e trazem os cavalos uma semana antes e o pessoal aqui arrumam lugares para eles ficarem. Essa cavalgada começou com uma brincadeira, entre eles. O primeiro ano deu muita gente.
Existe alguma relação da Festa com os pescadores? Com a festa de Santo Antônio não, mas tem a Festa de São Pedro, que acontece em junho, que eles fazem a festa dele. Antigamente acontecia o forró dos pescadores, um dia antes da procissão.
Por que o Santo Antônio é o padroeiro do bairro, você sabe de onde vem essa história? Não. Cada bairro tem uma capela, com um santo, aqui era conhecido como Bairro Vermelho e como aqui é perto do Rio e tem muitos pescadores, colocaram o Santo Antônio, mas também poderia ser são Pedro. (Risos)
A decoração da fachada das casas durante o período de festa é feita de forma individual, mas pensada por uma equipe?
Cada um cuida de uma peça, eu por exemplo, fico responsável pelas bandeiras, mas eles {os moradores} também enfeitam: colocam coxas, castiçal e outras coisas.
DECORAÇÃO DA RUA [Entrevista realizada no dia 17 de junho de 2017, com Fabiana e Dona Erondina. A entrevista foi realizada na casa de dona Erondina, em frente à igreja de Santo Antônio.]
Ninguém tinha nenhuma atitude de dizer assim “vamos decorar a rua” aí eu comecei a botar as bandeirinhas aqui na frente, só na frente da igreja, aí depois no outro ano o pessoal já foi falando pra se juntar e decorar. Porque o pessoal da rua dos pescadores também ficaram...porque nós também incentivamos a eles, só que hoje eles tão fazendo...porque la o pessoal tem maquina, essas coisas, então eles podem fazer as coisas mais organizadas do que eu aqui, porque aqui na rua é eu, Fabiana, a moça aqui que mora ao lado de Fabiana. (...) a rua toda no dia quando aparece é cinco seis pessoas pra ajudar. A gente já tem as pessoas certas pra contar, ai acorda eu, minha mãe, meu marido (Valdinho), a Caudinete, Peixotinho, a Janice, a Ana, Edimilton, Bernadete, Ronaldo porque ele dá a colaboração pra pôr as bandeiras nos postes ne?! Pronto, essas são as pessoas que a gente sabe que pode contar. A gente se acorda é 4:30 da manhã e nisso a gente nem dorme direito, porque quando vai dormir é quase uma hora da manhã fazendo coisa. Quando dá quatro e meia da amanhã a gente acorda e ai vai nos postes, primeiro aqui de frente pra igreja, isso no domingo da procissão. A gente vai dormir tarde, porque a gente vai deixando tudo lá em casa, a sala da casa quase não existe.
Então o ponto de concentração fica sendo a sua casa? Extratos da memória: Transcrição de Áudio
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É, tudo fica lá.
Aí esse pessoal aqui também vai pra lá ajudar? Não, quando é de madrugada a gente vai tirando as coisas e colocando na calçada aí, tira as bandeiras, vai tirando da casa de Fabiana e vai colocando aí. Aí um vai pegando, colocando, pra ir... Aí a gente levanta as quatro e meia e vai enfeitando, pra quando for oito e meia nove horas já tá tudo pronto. Ai a gente já fica despreocupada e não faz mais nada. Ai quando tá perto da procissão eu acompanho e a mamãe as vezes fica, fica um ou outro pra acender as velas, desenrolar as bandeiras, deixar arrumado. Ainda tem as bandeirinhas, que tem a Elzinha, que foi uma promessa que ela fez e todo ano na hora da procissão ela manda fazer as bandeirinhas pro pessoal ir balançando. Já a minha tia todo ano dá os fogos das treze noites, que foi uma promessa que ela fez, só que não é só ela quem dá. Ela dá das trezes noites, tem outras pessoas que fazem outras promessas e dá também. Cada um faz sua promessa e vai pagando, ai esse ano eu quero ver, que vai ser uma coisa minha, pra ver se compro umas cinco caixas daquelas coloridas. Lá na rua dos pescadores eles soltam no começo da rua dos pescadores até o fim, do começo de lá da rua até aqui (em frente a igreja) aqui eles param. Ai na praça já tem os moradores que soltam na praça e aqui na rua vem soltando por atrás da fábrica e aqui na frente eles ficam soltando, sabe? Aí é tantos fogos que a gente chega se arrepia da rua dos pescadores prá cá. O leilão era feito todo ano, dizendo que era pro centro, esse centro tem mais de 16 anos que tá desse jeito. Ai quando as pessoas viram que n tava tendo retorno pro centro deixaram de dar. Aí acabou a feira comunitária, acabou o leilão, acabou o show de calouros, acabou tudo.
Aí antes disso não tinha decoração nenhuma decoração nenhuma na rua? Não, não tinha. Só umas bandeirinhas que colocavam na frente da igreja. Só na frente mesmo. Ai no primeiro ano que a gente veio morar aqui foi que minha mãe começou a fazer. Começou a fazer só na frente, depois começou a espalhar e agora a gente faz dali do beco até aqui o almirante.
E porque essas cores azul e branco? Por conta da frente da igreja, que foi pintada. Antigamente diziam que era marrom a frente da igreja, ai depois que pintou a frente da igreja de azul e branco e lá no convento as decorações são azul e branco, lá da festa, ai o pessoal começou com aquele negócio que só podia ser azul e branco.
E o que tem aqui na festa? Tem quermesse, tem as barraquinhas que montam aqui na frente da igreja né? É, tem as mulheres com as barracas de doces aqui, porque antigamente era mais cana que elas vendiam, era as roleteiras, porque vendiam os roletes de cana, agora de uns tempos pra cá elas começaram a vender bolos, essas coisas assim...mas essas mesmas pessoas, ai também já é uma tradição, vem passando de geração em geração, morreu uma, ai a filha já tá. Quando é agora tem uma senhora mesmo que já tá bem idosa, mas a neta já tá vindo pra vender, ai todo ano é a mesma coisa, elas vem, bota a barraca aí, aí as bancas elas deixam guardadas ai na casa dessa vizinha que não tem nada e os bancos elas sempre guardam aqui, a mamãe guarda os bancos, as cadeiras, tudo. E todas as noites elas vêm, as treze noites, elas trazem bolo (...).
Aí tem o parquinho também né?
Tem o parque que ele vem montar, ele sempre vem quando a perto da cavalgada que é pra poder as crianças brincarem, ai ficam mais ou menos uma semana o parque.
E tem alguma apresentação de dança? Um pastoril... Não tinha nada, ano passado foi que o grupo de jovens trouxeram a banda do IFAL, trouxeram o pessoal da terceira idade, trouxe o pessoal da capoeira, e a minha mãe teve um ano que trouxe uma quadrilha de Pão de Açúcar.
E monta um palco em frente à igreja? Não, é na rua mesmo que eles se apresentam. A rua fica fechada de gente pra assistir a apresentação. Esse ano vai ser até melhor porque tá asfaltado. Ano passado a gente chamou uma quadrilha e a quadrilha disse que não dava pra vir por causa do calçamento. E no palco tem apresentação de banda, lá na praça da alegria, antigamente era aí, só que esse ano acharam melhor fazer na praça. A gente gosta tanto da festa de Santo Antônio, que chega muda o clima, aparece tanta gente de fora, gente que foi morar fora, a igreja cheia durante as treze noites, o pessoal participa muito, porque geralmente o povo fala assim, treze noites é uma coisa cansativa pro pessoal que tá de fora, aí pra gente também, mas não é, é uma coisa que a gente faz com muito gosto. O pessoal do grupo de jovens mesmo fez lanche pra vender, fez lanche pra dá ao pessoal.
Aquelas casas que eu vi ano passado com as janelas fechadas, que não aparentava ter ninguém dentro de casa, mas tava enfeitado, são vocês quem enfeitam, independentemente de ter gente ou não? Extratos da memória: Transcrição de Áudio
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É, lá na rua dos pescadores a dona Maria Justina ela enfeita lá, se tiver fechada, não tiver gente morando ela enfeita do mesmo jeito. Ela faz pras casas todas, ai ela mesma de madrugada vai colocando nas janelas de todo mundo, ai quando é de manhã que os moradores abrem já tá tudo enfeitado, independente que eles deem ou não, que tenha gente, que não tenha. Só que lá é melhor porque ela só tem um lado.
LEMBRANÇAS DA FESTA [Entrevista realizada no dia 14 de agosto de 2017 na casa de D. Eunice, uma das moradoras mais antigas do bairro. ]
Quando eu via que a noite estava animada, ai colocava o meu avental e ia de banca em banca: “bote aqui o do Sr. Santo Antônio”. Ai cada um botava o que podia ou o que tinha. Ai depois eu ia cobrar do povo que vendia, que tinha bingo, pois antes tinha tudo isso.
Hoje isso não tem mais? Hoje não tem é mais nada. Mas antes tinha bingo, tinha jogos, tinha quermesse e, no final de tudo ainda tinha a rainha da festa, no encerramento. Tinha um autofalante, aí botava música “alo alo fulano...fulana tá botando música pra você” aí era aquela animação sabe? O namorado botava pra namorada, ai tinha um rapaz aqui que gostava muito de mexer “alo alo meu amor, olha como ela tá, tão bonita...” aí fazia aquela resenha, ai eu dizia “mas toma vergonha” aí era tudo assim animado.
Faz quanto tempo que parou de ter essas coisas? Tem uns cinco anos, aproximadamente.
Antigamente a rua era toda cheia de banquinha, não era?
Era, tinha muita banca. Fazia até uma divisa, para não entrar carro. Era um senhor que fazia isso, mas ele já morreu. Daqui até o outro beco de lá era interrompido. Era muito bonita a nossa festa. Teve um ano que eu botei uma barraca para vender cerveja na minha porta.
E essa tradição de vender ‘rolete’ a senhora aprendeu com a mãe? Não. Aprendi comigo mesma. Quando completei oito anos eu disse que queria uma festa de aniversário, ai eu comecei a fazer e juntar as meninas aqui em casa. Aí eu fazia coco, com açúcar e um pouquinho de cravo, enrolava assim...aí botava nuns papelotezinhos. Algumas ainda estão vivas e a gente se reúne para fazer aniversários nossos. Depois, minha madrinha me colocou para aprender a fazer costura, com uma mulher que também fazia bolo. Ai eu ia costurando e aprendendo a fazer bolo. Nessa época eu aprendi a fazer ‘sequilhos’, aprendi a fazer bolo. Depois eu pedi para ganhar um tabuleiro, eu tinha uns nove pra dez anos. Para vender bolos e sequilhos na festa. Vou vender, porque eu queria comprar uma saia. E graças a Deus e a Santo Antônio eu vendia tudo, não ficava nada.
E isso a senhora pequeninha, com dez anos de idade. Pois é, depois eu fui ficando mocinha, fui perdendo o jeito, também veio logo a tentação de história de namoro, ai me casei. As pessoas mais antigas que eu vendia, e depois com continuação foi entrando mais gente, agora não tem ninguém vendendo não. Olhe, era cheio de tabuleiros,
da porta da igreja até essa esquina aí, era tudo cheio de tabuleiro. Cana, amendoim torrado e cozinhado, sequilho, cocada, bolo, tinha gente que trazia até comida. Era muito animado.
E isso era durante todo o trezenário, não só no último dia de festa? Não, era durante toda a trezena. Do começo até o fim.
As apresentações que tinham antigamente, na frente da igreja? Tinha guerreiro, tinha pastoril? Como era isso? Já teve reisado, pastoril, eu mesma ensaiei pastoril aqui em casa, já fiz muita doidiça boa nessa vida. Eu pegava as meninas pra ensinar o pastoril, reisado.
A senhora lembra alguma música do pastoril? Aquela do boa noite? Boa noite a todos, a minha chegada...agora não me lembro mais. Eu me lembro das pessoas, das pessoas que brincavam, muita gente já se foi, ainda tem umas três ou quatro vivas.
E a senhora aprendeu com quem essas coisas de reisado, pastoril? Com quem aprendi? (risos) meu pai morava na praia, abaixo de Piaçabuçu, no paraíso, então tinha uma senhora, dona Mariinha e ela ensinava muito essas coisas, ai quando eu ia pra casa do meu pai aprendia. Ai quando eu vinha pra aqui distribuía para as meninas.
Quantos anos a senhora tinha? Eu nem me lembro, não sei se tinha uns 9 anos, 10 anos Extratos da memória: Transcrição de Áudio
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por aí, mas eu aprendi muita coisa e ensinei muita coisa também as meninas.
Ai com essa idade a senhora começou a ensinar as meninas então? É! Vamos brincar de pastoril? Aí vinham tudo aqui pra casa, ai eu dizia “vou cantar assim, vocês respondem assim!” aí eu ia ensinando, ensinando até que aprendeu. Ai teve um ano que eu apresentei, ai na frente da igreja, poucas partes, não foi tudo não. Mas o pouquinho que aprendi e que ensinei a elas a gente apresentou aí.
Danada a senhora viu? É, por isso que as meninas dizem assim: mulher a senhora é dona do bairro vermelho viu?! Ai eu digo: eu não. Dono do bairro vermelho é deus e Santo Antônio, eu moro aqui e na igreja.
A festa é muito grande? Atrai pessoas de outros bairros? Vem gente de fora? Agora eu não sei não, mas antigamente vinha, isso aqui era um movimento, era carro pra lá e pra cá. Vinha turista, vinha tudo pra aqui, mas de repente acabou tudo. Nosso penedo era muito festejado, não era só o bairro não, era a cidade toda.
Falando sobre a decoração da rua, a senhora era responsável pela decoração antigamente? Me fale um pouquinho como era essa decoração, o que era que tinha? Tinha as mesmas coisas, bandeira, como tá aí agora, que agora a encarregada é Fabiana. Ela ainda tem mais coisa pra apresentar que no meu tempo né? Mas era assim, as bandeiras, a gente fazia as bandeiras, a
festa de Santo Antônio, pra ser feita, quinze dias antes os homens iam pra mata derrubar o mastro, aquele pau grande, ai traziam, botava na porta da igreja. Ali onde é a gruta, até embaixo. Isso aqui era tipo um secador, ai o pessoal ficava pra fazer os leilões, fazer isso, fazer aquilo, sabe como é?
ela passou uma, mas também acho q as pessoas que se interessou né, ai eu tenho a minha guardada, pra botar domingo.
Usava a escada?
Era! A primeira noite era a das crianças, só dava menino, não era brincadeira. Era os tamancos estalando nesses degraus a noite inteira. Aí vinha a segunda noite, ai vinha a noite dos rapazes, tinha a noite das moças, o rapaz queria carregar nas moças, as moças queriam carregar no rapaz, pra ver qual era a noite mais animada, e era tudo bonito. Ai tinha a noite dos casados, tinha a noite das casadas, tinha a noite das viúvas, tinha a noite dos viúvos, e tinha a noite dos operários que era a derradeira . então na missa “Zeca Peixoto” mandava aquelas fazenda, ai tinha dois metros, três metros, ai vinha num pacotinho e trazia. Agora não posso nem te dizer, porque aí onde estão essas casas era um armazém, só tinha uma casa na esquina, o resto era uma casa grande, um armazém onde guardavam muita coisa da fábrica, sabe? Ai quando chegava na época da festa separava aquele quarto, aí deixava tudo limpinho e o resto do salão era pra botar as coisas, que vinha da Passagem pra cá, pra dar aos pobres, então tinha cartãozinho, aí saia dando os cartões as pessoas, tinha café, quando era no domingo ai estendia uma mesa grande no meio da rua, ai dava café aos pobres, ai depois do café distribuíam aqueles pacotinhos de pano, era bramante, era algodãozinho, as fazendas que tivesse, que viesse, ai distribuía, mas era guardado no armazém ali. Tinha primeiro a missa, distribuía o pão, ai todo mundo descia e vinham pra tomar o café.
Não, tinha a escada, os degraus que a gente usava p ir p igreja e embaixo era um piso, sabe? Um piso assim, agora naquele piso tinha a batucada, botava os bancos ali, ai se sentavam ali pra tocar durante a festa, durante o leilão, tá entendendo? E era assim. Então tinha o enfeite de novena era feito assim, enquanto o pessoal tava na festa eu enchia a casa de menino pra fazer as bandeiras, enchia lá na igreja o pessoal pra por as bandeiras lá no cordão ai quando era no outro dia a gente ia enfeitar a rua, ai eu chamava os rapazinhos daqui tudinho, ai era o povo na festa e a gente enfeitando.
Mas isso só no último dia? Antes do último dia. Agora o mais arrojado que tinha era na noite dos operários, que era onde a gente enfeitava mais, sabe? A gente começava, enfeitava a frente da igreja e o resto era na noite dos operários que a gente acabava de enfeitar. Agora no dia da procissão todo mundo colocava as plantas nas portas de casa, o povo enfeitava com planta, com tudo. Era muito bonito.
Ai o povo abria a janela... Abria a janela, botava um lençol, botava Santo Antônio, botava flores, e até hoje é assim. Eu já to com a minha pronta já, só é chegar domingo que eu boto aí. Agora com a Fabiana ela aprontou umas bandeiras com retratos de Santo Antônio, ai a cada uma pessoa
E a noite dos operários, como era? Cada noite do trezenário era dedicado a um grupo?
O que essa festa de Santo Antônio representa pra senhora? Extratos da memória: Transcrição de Áudio
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Essa festa representa muita coisa, muita coisa boa, muita recordação da minha vida, tem horas que fico assim, parada aqui, pensando, e vendo tudo o que já se passou na minha vida. Aí me dá muita recordação, muita paz, muito amor...porque eu ainda saiu daqui, mesmo com esse meu joelho desmantelado, aí eu digo “meu santo Antônio, me ajude, me ajude, não deixe que eu perca minhas novenas, não deixe meu Santo Antônio!” Ai eu saio, quando troco de roupa e saiu aqui na porta aí eu olho logo “quem vai me levar? Quem vai? Não tem ninguém não?” aí agora tá ruim pra subir ali, ai eu começo “santo Antônio me puxe, santo Antônio me puxe” aí dizem as meninas “mulher, tu aborrece tanto santo Antônio” ai eu digo que é pra ele me levar.
Começou com cerca de 15 a 20 homens, todos amigos. Eles faziam isso com frequência. Os passeios a cavalo eles faziam com frequência. Ai veio a parte da festa, que tem 13 noites, no caso, com dois domingos. Depois tiveram a ideia de fazer o passeio no primeiro domingo da festa. A partir do segundo ano começou a ter uma proporção maior. Mas, na realidade, o passeio já existia. Só fizeram colocar no domingo da festa. Isso em 2010.
mesma função. Tem o coordenador, tem quem fica na parte burocrática...
Qual era o percurso desse passeio?
Daí vocês começaram a fazer camisas e vender...
Iam até a cooperativa. Mas, desta vez o percurso é bem maior. Antes iam direto, agora fazem o passeio pelas ruas da cidade.
Doutor Raimundo conversou com padre Perete, padre Perete disse pra mudar e fazer a gruta de Nossa Senhora. Aí fizeram a gruta e botaram aqueles degruzinhos de um lado e do outro.
De onde veio a ideia do percurso?
É. Vender a camisa para arrecadar fundo, já que não temos apoio político. Arrecadamos dinheiro das camisas, junto com os patrocínio e também temos a rifa do garrote.
CAVALGADA [Entrevista realizada no dia 23 de agosto de 2017, com Jorge Augusto dos Santos. A entrevista foi realizada na casa de dona Erondina, tia de Jorge, em frente à igreja de Santo Antônio. ]
Qual a sua relação com a festa de Santo Antônio? Tem alguma memória de infância? Na realidade eu fui coordenador do grupo de jovens por 10 anos, aí fiquei sempre à frente do grupo, coordenando. Logo após, quando fui chegando a uma certa idade, passou o tempo de juventude, aí eu passei mais uns dois anos para depois participar da cavalgada.
Como seguiu a ideia de criar a cavalgada?
Deles mesmo [dos próprios participantes]. Em seus passeios a cavalo esses andavam pela cidade. Ao longo do percurso vai juntando gente. Muitos cavaleiros já ficam nos pontos estratégicos, para não terem que se deslocarem, até para não cansar muito os animais.
Desde o primeiro ano tem carroça? Não. As carroças vieram ter após o terceiro ano.
A decoração das carroças, com funciona? Tem algum concurso interno? Cada carroceiro enfeita do seu jeito? Cada um dono de sua carroça enfeita da maneira que quer. Nunca teve premiação, até para não gerar nenhum atrito.
Quantas pessoas na organização? 30 pessoas. Como em toda a equipe, todos não fazem a
É tudo por conta de vocês ou tem algum envolvimento político? Não. Quando eles me convidaram eu dei a ideia de fazer um cartaz e correr atrás de alguns patrocínio, sem ser envolvendo política.
A rifa é feita no dia? Antes. Umas duas semanas antes.
O dinheiro arrecadado vai para quê exatamente? Pagar as despesas do evento.
Quais são elas? Aboiadores (aqueles que vão no percurso aboiando – fazendo versos); o trio; a festa na rua e outras coisas, como fogos de artifícios, lanches; as camisas da organização. Não tem fins lucrativos. O que sobra em um ano a gente utiliza no outro. Quando chega na cooperativa, o que tem lá? Na verdade, na cooperativa é só para descanso dos animais. Ficam lá cerca de 2hs e logo após retornam, para não sacrificarem tanto o animal.
De que forma acontece a distribuição na hora Extratos da memória: Transcrição de Áudio
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da chegada? Para onde vão as carroças, os cavalos... Na chegada, nós colocamos as carroças para irem por uma rua (Praça 31 de Março) e os cavalos concentramos ali mesmo, porque nem todo mundo fica, pois a grande maioria é de fora, os cavaleiros e as amazonas. Ai rapidamente eles vão embora, pois têm que levar os cavalos para os terrenos, tem todo um processo.
Não tem só cavalo, tem muita moto, carro, não é verdade?
anos nós entramos com um acordo de todos fazer no segundo domingo de agosto, para termos uma data certa e termos como nos programar com um mês ou dois meses de antecedência. Quer dizer, continuamos com a tradição, mas já saímos da festa. Mas continua sendo Santo Antônio, até porque tá no mês.
A benção com padre, existe a quanto tempo? Há 5 anos.
E de onde vem essa ideia?
Sim. Virou uma tradição. O pessoal espera o dia da cavalgada para se divertirem, prestigiar o evento. Quanto mais pessoas comparecem, abrilhantam ainda mais o evento.
Em todo canto que tem cavalgada existe uma missa ou outra tradição religiosa. Aqui no nosso caso não tem a missa, já que a cavalgada caiu em uma data diferente, mas o padre veio, benzeu os cavalos e deu a benção.
Desde o começo teve carro e moto?
Que horas a saída e a chegada?
Não. Isso aconteceu logo após o segundo ano. Ai começou a crescer. Desde então vem criando uma proporção. Gerou uma fonte de renda, já que alguns carros são alugados, as carroças em sua maioria também são alugadas pelos carroceiros. Os alugueis das carroças chegam em torno de R$150 a R$200, gerando assim uma fonte de renda para os carroceiros.
A saída é marcada para 9hs, mas normalmente sai às 10h ou 10:30. Chegamos umas 17:30
A divulgação é feita com quanto tempo de antecedência? Nunca conseguimos fazer uma divulgação com antecedência por conta da coordenação da Igreja.
Por que? Porque o padre sempre deixa a data da festa para dizer em cima. Aí existe essa contratempo. Mas, esse
E a questão do transito. Vocês param o transito mesmo, não é? Na realidade nós conseguimos com os rádios amadores, fazer com que a cavalgada fique mais organizada.
Como se distribuem? Na realidade é para andar de quatro em quatro. Ficam quatro na frente, dois entre as carroças, quatro próximos do trio, dois próximo das motos e outros na parte de trás, controlando os carros. Um rádio para cada equipe dessas.
Não tenho certeza, mas deve dá uns 20km, ida e volta.
Todo ano tem apresentação artística, no final da festa? Esse ano foi o primeiro. Nos anos anteriores nós fazíamos no clube, mas tocada por pouco tempo. Esse ano nós tivemos a experiência de fazer na rua, por conta do público que é grande. Ai a gente fez desse jeito para garantir uma maior segurança também.
A proposta é que essas apresentações externas permaneçam? Sim. A não ser que a verba não permita.
DECORAÇÃO DA RUA [Entrevista realizada no dia 24 de agosto de 2017, com Dona Justina. A entrevista foi realizada na casa de dona Justina, tia de Jorge, na rua dos pescadores. ]
Eu enfeito daquela esquina até a outra esquina, antigamente eu enfeitava até a rua 15 de novembro, que era a quitanda né?! Eu enfitava até lá encima, mas pra mim era muito puxado, eu ter que pedir a um, pedir a outro. Já pedi pra aqueles meninos fazerem as bandeiras, tão ali fazendo bandeiras. Ontem eu cortei 50 metros de TNT, 25 branco e 25 azul. Esse ano é que eles estão fazendo. Esse mês é o mês dos homens pra mim, quem tiver seus homens que segure, que eu fico “vem José”. Aquele mastro mesmo ali, aquele mastro eu nem me lembro mais, tá com tanto tempo que eu nem lembro mais. Aí eu tava pensando o que eu ia colocar ali, ai eu disse: Paulinho meu filho, venha aqui. Porque tudo era com ele, eu tinha as ideias e falava com ele. Ai eu pegava um caderno e saia desenhando, porque eles queriam fazer de qualquer jeito.
Qual a quilometragem do percurso? Extratos da memória: Transcrição de Áudio
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Quer dizer que essa ideia do mastro foi da senhora? E tem quanto tempo esse mastro? Foi! Esse mastro tá com uma base de uns cinco anos. Que eu já tô com uma base de vinte anos aqui arrumando.
E de onde veio essa ideia de decorar a rua? Foi uma ideia instantânea, porque a procissão, a festa era muita gente e depois foi esmorecendo. Um ano ele passou por aqui sozinho, sozinho você entende sem enfeite sem nada, ai pensei “para o ano se eu for viva vou enfeitar essa rua” ai peguei uma bandeira pequena em cada janela, isso de madrugada, ai quando o povo acordou no domingo todo mundo ficou maravilhado. Ai o roberto da Cleunice olhou assim e perguntou: o que é? Ai eu disse: olhe roberto, isso aqui é pra procissão, pra animar a nossa rua. Ai ele disse que era uma ideia boa e pediu para continuar, porque eu pensei que ele não ia gostar, porque ele é todo assim sabe?!
E porque azul e branco?
porque eu gosto de santo Antônio e gosto da festa. A participação de todo mundo, você ver que ultimamente tá vindo mais pessoas pra festa, eu não sei se é pra ver as besteiras que a gente faz ou se é por devoção.
E quem ajuda a fazer os objetos? É a senhora sozinha? Sou eu sozinha. O Paulo me ajuda pintando as bandeiras, esse estandarte foi ele quem me deu. E cada ano ele fica num lugar diferente, mas sempre na rua, aquele que tá no mastro também foi o Paulo quem me deu.
E tudo parte do seu bolso ou o pessoal da rua também contribui? As vezes contribui, mas é tão pouco que não compensa. A maior parte é minha e do José, mas ai o pessoal dá 10, dá 20...
Aí a senhora decora na janela da pessoa e depois recolhe né?
Porque a fita da irmandade de Santo Antônio é azul e branco, foi por isso que eu usei azul e branco e o povo continuou, a do convento mesmo, é azul e branco. Até o povo diz pra botar colorido, mas ai eu digo que não é São João pra colocar colorido.
Recolho!
Meu negócio é só com os homens e eu gosto dos bebos, aqueles que ninguém gosta. E tem o zé, ele é meu parceiro, tem 15 anos que tá me ajudando, sem o Paulinho e sem ele não tem nada. Ai logo depois que a procissão passa eles tiram tudinho, não é preciso nem eu pedir, eles vão tirando e jogando aqui em casa, a sala fica pior que isso aqui. Ai passo a semana arrumando, dobrando, que é pra aproveitar no próximo ano.
E falando um pouquinho de como era a festa antigamente, qual a sua memória da festa?
Eu não sou aquela devota de Santo Antônio, não. É
O pessoal não acha ruim não a senhora recolher? Que nada menina.
Antigamente era uma das festas principais. Porque penedo era uma cidade pequena, não tinha esses movimentos que tem hoje, todo mundo era mais voltado pra religião, pras festas religiosas, pras festas de rua, ou carnaval, ou religião, eram as coisas que eu alcancei por aqui. A festa de Santo Antônio era aquela festa que tinha muita quermesse, tinha leilão, tinha
muita gente, a Penedense aí rodando, a fábrica que era de tecido, tinha a fábrica de sabão dos Peixotos e Gonçalves, quando era de noite era tanta da gente ali que pra passar era no rugi rugi e a igreja também não era aquela escadaria, os degraus eram de frente, não era de lado, porque ali ficou de lado e tem aquela gruta né?! Antigamente era a escadaria.
A senhora ainda alcançou a escadaria? Ali foi minha vida, porque foi desde criança (risos)
Quais as lembranças da senhora na escadaria? Essa escadaria era usada como arquibancada pra ver o pessoal passar. (risos) quando terminava a novena ai você ver que o espaço é grande, né ai ficava todo mundo ali, as mocinhas, os rapazes, ai a gente ficava ali, paquerando, mandando música, tinha aquelas barraca de cigana, e pronto, ai a gente ficava até dez, onze horas da noite. E a procissão era muito bonita, subia por lá como é hoje, o percurso permanece o mesmo, era muita gente na festa de Santo Antônio, as mulheres, as “virgens” iam tudo de branco, na frente, com umas faixas azuis pegadas no Santo Antônio, na fita do estandarte, eram treze moças pegadas em cada fita.
Isso acabou ou ainda tem? Ah, acabou.
Quem eram as treze moças que pegavam nas fitas? Eram aquelas moças que trabalhavam na fábrica, que iam pra igreja, que eram da sociedade, pessoas que eram da irmandade de Nossa Senhora, irmandade de Santo Antônio...eram pessoas do bairro. Extratos da memória: Transcrição de Áudio
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Ai isso era o que ia na frente? Puxando a procissão? Isso, era o que ia na frente, tinha a irmandade do santíssimo que era quem puxava, ia na frente, aí depois vinha o pessoal acompanhando na fila e atrás do pessoal vinha o estandarte que era com essas pessoas.
E tem os noiteiros né, cada noite fica um grupo responsável, ai como era antigamente? Tinha a noite das crianças, a noite dos operários? Primeiro era a noite das crianças, era o hasteamento da bandeira e a noite das crianças, aí tinha a noite das viúvas, a noite das casas, tinha a noite dos solteiros, a noite dos rapazes, a noite dos operários, tinha a noite dos marchantes, que a matança do boi era aqui, tinha a noite do futebol clube. Pronto, ai dos operários tinha o leilão, aí era aquela mesa grande no meio da rua, ou encostado no muro da igreja, dos degraus, ai cada pessoa levava, levava galinha, levava inhame, levava peixe, levava prendas pra ser leiloadas e esse dinheiro que era arrecadado era pra benefício da igreja. Cada noiteiro ficava a critério de fazer a decoração da igreja, cada um fazia sua festa como queria, ficava responsável pelas prendas. Antes ali era tudo barraca, barraca de bebida, barraca de comida, era tudo naquela rua (rua Santo Antônio) era muita barraca. Fazia muita zuada, porque era muita gente, e atrapalhava o som da igreja, aí pediram pra tirar, ai foi quando tiraram tudo dali e colocaram ali no “Almirante”, ai tiraram a roda gigante, aqueles brinquedos, aquelas barracas e colocaram tudo ali. Na porta da igreja não ficou mais nada, porque tinha muito movimento, ai um falava, outro falava na hora da celebração, ai atrapalhava.
E tinha apresentações também depois da missa?
Apresentação de guerreiro, pastoril? Tinha, mas isso é muito antigo, foi logo no início, era muito antigo isso, era no tempo da fábrica, agora cada ano vinha um grupo de banda, vinha o Estadual, Gabino e Diocesano. Aí tinha aquela barraca de cigana, ai elas liam as mãos, aqueles rapazes, aquela juventude. Inclusive conheci meu marido na festa de Santo Antônio (risos) a gente sentados lá nos degraus e eles passeando pra lá e pra cá, aí a gente (as moças) corriam atrás deles (rapazes) pra eles pagarem amendoim pra gente, ai começou ali, terminamos nos casando e ficando.
E a confecção da senhora, com quanto tempo de antecedência a senhora começa a organizar? Depende, mas geralmente quando termina a procissão eu já começo a pensar no ano seguinte, no que eu vou fazer. Por ando fico observando, nas igrejas, festas e até no carnaval. No domingo de manhã só vou arrumar as janelas, independentemente de ter gente ou não na casa eu arrumo, e arrumo tudo por igual, eu não boto uma diferente da outra, mesmo que não tenha ninguém.
Antigamente plantavam arroz, eu mesma já plantei muito arroz aqui. Eu era piveta, mas ia pra lagoa. Aqui atrás se fazia tijolo, tinha uma olaria, essa casa mesmo foi construída com tijolo daqui.
Ai na época de cheia enchia o rio e enchia a lagoa também? Era. Todo o ano a gente tinha que sair daqui porque alagava tudo, a gente saia daqui de canoa, ficava com agua pelo pescoço aqui dentro de casa. A gente ficava dois três meses fora de casa, até que a agua baixasse, tinha que rebocar a casa, porque era feita de taipa.
E tinha um período certo de cheia? Era de dezembro, no fim de dezembro ao começo de fevereiro.
E parou a mais ou menos quantos anos de ter cheia? Ah, depois da hidrelétrica de piranhas. E ai também parou com a lagoa, hoje é um criatório de gado.
São quantas casas aqui na rua?
E catarrinho, quem era?
Eu faço cinquenta casas, mas não chega a ser isso, parece que são quarenta e oito.
Era o dono, ele trabalhava na fábrica, porque esse terreno aí era da fábrica. É como essas casas aí da praça da alegria, era tudo da Penedense, só quem morava nessas casas era quem trabalhava na Penedense.
Será que daqui há alguns anos vai ter outra pessoa que queira continuar com isso? Tem o José que me ajuda na mão de obra, mas pra assumir isso aqui até agora não encontrei não.
E quanto a lagoa do catarrinho, porque aqui do quintal da senhora dá pra ver a lagoa né? Tem alguma história da lagoa?
E tinha fábrica de beneficiamento aqui no bairro? Tinha, ali atrás tinha um barracão, eles faziam como se fosse um armazém pra vender, só para o pessoal da fábrica. Era um armazém e vendia charque, óleo, sabão, aí vinham as embarcações pegar, as chatas...pegavam aqui e levavam para as outras cidades, piranhas, pão Extratos da memória: Transcrição de Áudio
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de açúcar, belo monte, porto real do colégio.
Então tinha a olaria, a fábrica de beneficiamento, esse armazém, a fábrica de tecido, de sabão, e a de óleo, e hoje em dia não tem mais nada?! Hoje não tem mais nada!
E nisso empregava as pessoas do bairro e de fora também né?! Todo mundo! A de tecido foi a grande empregadora, o alavanque de penedo. Porque as pessoas naquela época não tinham condições de estudar, as mocinhas com 14, 15 anos já iam pra fabrica, e quando estavam na fábrica era uma benção, porque ganhavam seu dinheiro e iam viver suas vidas, porque ali da fábrica só saia pra se aposentar. Onde era o almirante se matava gado, era um matadouro. E ao redor era tudo mato e tinha alguns chiqueiros. Só tinham as casinhas lá em cima. O bairro parecia um interior, só tinha essa rua (rua dos pescadores), a rua do fogo, o alto da pólvora eram poucas casas, a rua do meio também pouquinhas casas, agora tem aquele prédio em frente à onde era a Penedense, onde tem um posto de saúde, tinha aquele prédio que era uma creche, onde botavam os bebes das pessoas da fábrica.
E o que motivou a senhora a decorar a rua? Todo mundo achava que o bairro vermelho era um bar de rebelde, um lugar de pessoas que só viviam brigando, se matando, quando não é! O bairro vermelho é um dos melhores bairros, foi o primeiro bairro da cidade, é bairro vermelho e Oiteiro, depois foi que veio santa luzia. E hoje eu acho gratificante, porque vejo a Erondina decorando, hoje já tem a rua do fogo, lá em cima, a sossego, já fazem também, porque eu dizia a
maria pra ela decorar, um sitio tão bonito. Vamos dar valor ao nosso bairro, porque se ninguém der valor ao nosso bairro quem é que vai dar? Hoje em dia já vem muita gente.
A PARTICIPAÇÃO DA IGREJA NA FESTA [Entrevista realizada no dia 21 de agosto de 2017, com Cláudio dos Santos. A entrevista foi realizada na Igreja de Santo Antônio, após a missa. ]
Eu com minha vivencia católica e aprendizado com meus pais, vinha pra capela desde pequeno e sentava ali perto do altar mor, começava a missa eu cochilava e quando acabava minha mãe ia me chamar. Hoje eu sou o coordenador da capela, já tem onze anos, mas eu já disse ao padre que minha missão não é vitalícia, que daqui a um tempo eu vou sair, mas ele diz que em time que tá ganhando não se mexe. O bairro como muitos sabem era o ponto industrial de Penedo, pode-se até dizer que foi onde nasceu penedo. Porque aqui existia a fábrica de sabão, existia a fábrica de óleo aqui em frente a capela, ali onde é a escola Douglas Apratto Tenório era a fábrica de tecido, era a Penedense, ali as margens do rio existia um ancoradouro, as embarcações vinham trazer aquelas lãs, aqueles materiais, a matéria prima pra fazer os tecidos. E também quando se fabricava as embarcações vinham buscar os produtos. Então o nosso bairro é um bairro muito antigo, e como eu disse existiam essas fábricas, existia fábrica de arroz, o matadouro antigamente era aqui onde é hoje a praça trinta e um de março. E como era um polo industrial se você olhar muitas casas aqui é de um estilo único, elas tem aquele “beira e bica” como chamam, tudo colado uma na outra, como se fosse um degrau, então eram aquelas casas de operários, onde eles moravam. Então com o passar do tempo, entra governante, sai governante não teve a compreensão de tentar continuar, levar a frente
e com o tempo o bairro foi se esquecendo, os prédios entrando em desuso, em ruinas e hoje acabou tudo. E hoje quando eu olho para a nossa capela, a nossa capela tinha uma dedicação as fábricas, as pessoas eram muito devotas de Santo Antônio, como ainda são, a nossa capela é de 1905, isso a pedra fundamental, mas ela se tornou capela em 1906, e a história da nossa capela é uma história muito bonita. Tem ali os restos mortais de Dom Antônio Ribeiro, tem dele e da irmã dele, ali na sacristia, aos fundos do altar mor. Ainda existe uma imagem que veio da Itália que é a original de Santo Antônio, da construção da igreja que tem entorno de 30 a 40 cm e existe uma imagem maior que sai nas procissões e fica lá no altar, é uma imagem entorno de 60...70 cm, ela é antiga também. A capela tá mudada, passou por um “troca de roupa”, tá pintada, tem quatro anos que a gente fez uma pintura e todo ano a gente faz os retoques, porque se deixar e não preservar a gente entra em ruínas, então a nossa missão como igreja é cuidar. Antigamente a nossa procissão de Santo Antônio a imagem era levada num andor, e hoje há vinte, trinta anos existe um carro com quatro rodas que facilita, na ladeira. A nossa procissão faz um percurso de sair daqui da frente da capela, vai pela rua do fogo, sobe ali pela Joaquim Mazone, ai sai ali no cesta cheia, desce a avenida, a Getúlio Vargas, ai chega ali perto do Rosário Estreito, chegando ali na ladeira do Tiro de Guerra, ai vem até ali, aquela funerária, ai já ta com três anos que a gente faz esse percurso porque o pessoal ali da rua 15 de novembro comemora também o trezenario de Santo Antônio, tem uma senhora muito devota de Santo Antônio, ali um sitio que tem quase em frente as escadarias que descem do rosário, tem uma senhora ali que sempre faz o trezenario na casa dela, ai ela sempre pede pra que a imagem vá até la, ai o pessoal aguarda na funerária e a imagem vai até a escadaria da rua 15 de novembro, ai volta, Extratos da memória: Transcrição de Áudio
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faz o percurso da rua dos pescadores, ali na parte de baixo e segue até a capela. Chegando aqui o padre faz a benção final, faz um agradecimento as pessoas que colaboraram e ajudaram na arrumação da nossa festa e assim é o nosso trezenario, que iniciou agora dia 15 de agosto e se encerra agora dia 27 que é no domingo, com a procissão.
Eu queria entender qual a relação de Santo Antônio com o bairro. Na realidade Santo Antônio era padroeiro de Penedo, e quem tomava conta das igrejas eram os frades, e como Santo Antônio era padroeiro de Penedo, e os frades trouxeram Santo Antônio pra capela, ai devido ao pessoal ter muita devoção pela imagem e pelo padroeiro, como os padres foram quem fundaram e quem trouxeram junto com o padre Teotônio Ribeiro eles trouxeram santo Antônio pra ser padroeiro da comunidade e terminou sendo o padroeiro. Teotônio Ribeiro também era muito devoto de Santo Antônio, então eu acredito que a origem mesmo veio com os frades, como o Nosso Convento Franciscano, porque hoje o padroeiro lá é Santo Antônio.
E qual a sua memória de menino dessa festa? O que tinha? O que deixou de ter? É interessante, à frente da capela não era essas duas laterais com esse muro na frente. Não era assim, eram degraus muito estreitos e eram muito íngreme, um negócio muito alto, que hoje as senhoras de idade teriam dificuldade pra subir, e hoje não, tem um muro na frente... Com relação a nossa festa, quando eu era moleque aqui na frente não existia essas casas, era um muro grande que era o muro da fábrica de sabão, então aqui se montava parques pequenos, tinha os barcos que ficavam a direita, em frente ao muro, na divisão de rua, na rua de baixo, na rua de cima, existia uns
barquinhos que também eram montados aqui, porque antigamente o fluxo de carros não era igual hoje. Antigamente era interessante, a gente chegava no inicio da rua, aqui abaixo (próximo ao antigo almirante) aí fechava, botava uns piquetes, ali a frente, onde tem uma esquina subindo para o alto da pólvora, ali no beco, botava dois piquetes aí fechava a rua. Então os carros que viessem subiam ali o beco arrodeava e saia pela Guanabara, na rua de baixo. Mas antigamente era assim, o parque era montado, mas não tomava espaço da rua, porque os brinquedos eram pequenos. Quando tinha seu Genésio que era o vigia e morava aqui em frente a capela ele era o vigia e tomava conta da gruta e da capela, ele era o encarregado de colocar umas madeiras pra fechar a rua, ali em cima e lá embaixo, agora de manhã ele ia lá e liberava a rua pra carro pequeno passar e os parques não tomavam o espaço todo da rua, dava espaço pros carros passarem, mas hoje não tem como, ai fica diferente a tradição, fica um pouco vazia a frente da capela por não ter os brinquedos. Como na trinta e um de março tem duas ruas, tem a praça e tem duas mãos aí tem condições de colocar o parque, inclusive está instalado lá, ai não atrapalha. Eu chupei muita cana, comi muito amendoim, tomei muita queda nos degraus que eram escadaria, mas era assim, era divertido. Hoje fica um pouco vazio o trezenario, quando vem melhorar é já no encerramento, sexta, sábado, domingo, aí sim a gente bota um evento, bota uma coisa, traz bandas das escolas, do Estadual, a banda fanfarra, e algumas apresentações da nossa cidade mesmo. Antigamente vinha o pessoal da terceira idade, vinha o pessoal do guerreiro, chamavam de Guerreiro da Tapera, era o pessoal do povoado da Tapera, botava um palanque aqui ao lado, tinha o pessoal do pastoril, era belíssima a nossa festa, mas também não quer dizer que não está belíssima. A programação da festa a gente tá fazendo colorida,
porque antes era preto e branco, aquele negócio meio triste, aí a gente coloriu, tentou modernizar, mostrar realmente como é a imagem do nosso padroeiro. Antigamente a programação a gente tentava convidar os outros bairros a participar da festa, mas a gente via que o pessoal vinha, os outros bairros vinham prestigiar nossa festa, mas a gente conversando com os padres responsáveis pela paróquia, porque o nosso bairro como é muito grande a gente tentou focar como noiteiros as ruas do nosso bairro, tentar trazer a comunidade pra dentro da igreja, isso é o mais importante, porque por aí o nosso bairro é tachado como um bairro violento, ele é conhecido lá fora como um bairro violento, dizem assim: ah, você é do bairro vermelho? Ai já julgam as pessoas sem conhecer, acham que todo mundo é violento. Violência existe em todo o lugar, como a gente tentou mudar essa aparência que as pessoas tem do nosso bairro, porque existe violência, existe, mas se a gente não se preocupar, tentar evangelizar, trazer o povo pra dentro da igreja, você presenciou aqui, que a capela fica totalmente lotada, e é bonito isso de saber que o povo tá participando.
E aqui no entrono da igreja, você sabe como era antes? Se já existiam casas ou se foram construídas após a igreja? Olhe, eu sei que o centro comunitário foi construído pelo padre Aldo, ele quem construiu o centro junto com a comunidade, hoje o centro se encontra em ruinas e em relação as casas ao lado existia essa casa depois do centro, eram duas irmãs idosas, aqui do outro lado também já existia essa outra casa, agora como eu falei, na frente da capela não existiam essas casas, era um muro alto que era a fabrica de sabão e segundo as historias dos meus tios ele falava que menino trazia pedra pra ajudar a construir a capela. Então creio eu que quando a capela foi construída logo após veio as casas, devido as fábricas que existiam aqui. Creio Extratos da memória: Transcrição de Áudio
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eu que já existiam as casas, e depois alguém tomou a iniciativa de fundar a capela aqui, e colocar Santo Antônio como padroeiro daqui da capela.
Tu sabe o nome da fábrica de óleo? Os donos eram Peixoto Gonçalves, tinha alguma coisa a ver com Peixoto. Eu lembro que eu pequeno, com oito nove anos de idade vinha aqui pra frente e ficava vendo dia de quinta ou sexta feira, sempre vinham aqueles carros pipa com óleo de coco pra derramar aqui nos toneis pra fazer sabão e eu cansei de pegar óleo de coco, eu pegava pra passar no cabelo. Tinha um senhor chamado seu Zé do Brejo que gostava muito de caçar naquela época, ele era funcionário da fábrica e é pai do Antônio, do mudo, que ornamenta aqui a capela, ele sempre nos dava óleo. E eu lembro dela funcionando e a fábrica de tecido, a Penedense eu não alcancei ela funcionando, eu alcancei assim, a frente dela que era aquele paredão que existia que era uma frente bem bonita, com aquelas portas de arco enorme, aí tomava a frente todinha.
E quanto a organização da festa? Quando vocês começam a se preparar? A organização a gente se reúne com o pároco aqui na capela pra traçar como serão as 13 noites, ele que se encarrega de chamar os outros padres, é ele quem prepara o tema da festa, a carta convite, e os noiteiros a gente tenta colocar as ruas do nosso bairro, então as treze noites é traçada pelo padre e a equipe. Antigamente era novena, antigamente o padre tomava conta da paróquia de nossa senhora do rosário e ele sozinho tomava conta de quinze comunidades e ele não tinha condições de passar treze noites celebrando aqui na comunidade, então a gente achou melhor e por bem ele convidar os amigos padres, aqui eles são bem acolhidos pela comunidade. E inicia assim: abertura da festa com hasteamento, no dia primeiro que é o dia da festa, o padre que celebra é o pároco, ele
é quem celebra toda a festa, e aí vem o segundo dia, o terceiro dia, e vai vindo padres de outras comunidades, de outras cidades, e as duas ultimas noites quem fica encarregado é o pároco em encerrar a festa. Ai é feito a missa de encerramento no domingo as nove horas da manhã, com o término da missa vem os batizados que ao todo termina umas 10: 40, ai quando termina umas 11:00 se inicia os batizados, ai as 16:00 sai a procissão e voltando pra frente da capela o padre faz o agradecimento, desfaz o hasteamento da bandeira e encerra o nosso trezenário.
Tu sabe algum relato de como era a primeira festa, de como era? Eu tenho uma programação que não tô com ela em mãos, antigamente a programação não era dessa forma, antigamente era feita num papel chamex e era datilografado, as treze noites eram datilografadas, era feito a mão e belíssima, como se fosse um oficio. Aí as pessoas dobravam, fazia tipo um envelope e as pessoas que gostavam mesmo de ajudar na capela davam a sua contribuição.
E como eram distribuídas? Nas portas das pessoas, e hoje em dia é da mesma forma, existe uma equipe que vai de porta em porta, abrange outros bairros também, e é feito dessa forma, aí se entrega numa semana e na outra semana vai buscar as respostas das cartas e as pessoas ajudam bastante. Todos os anos a gente fazia o planejamento no mês de julho, mandava pra gráfica e faltado quinze dias pra festa eram distribuídos, em uma semana distribuía e na outra ia buscar a resposta. Existe um grupo de jovens coordenado pelo padre Jackson que nos ajuda, é o JUF (Jovens Unidos pela Fé), o grupo tá com um ano. Antigamente era equipe da igreja, voluntários, em torno de quinze a vinte pessoas. E quanto a procissão, eu lembro que tinha criança
vestida de Santo Antônio, de anjo... É, na procissão domingo você vai ver criança vestidas de anjinhos, de frade, porque são pessoas que pagam promessa, pede pela saúde do filho, do esposo, proteção a família, aí alguns dizem que é a tradição, mas não, é a fé, é promovido pela fé.
E o que é que não pode faltar aqui na festa de Santo Antônio? Que é um elemento marcante aqui na festa. Eu acho que é a presença dos fiéis, mas Santo Antônio é um santo milagroso, é interessante, no dia na frente da igreja vai ter muita gente, mas ele vai fazendo aquele arrastão, as pessoas não ficam diretamente na frente da igreja, elas ficam esperando no caminho e quando a chega no pé da ladeira na rua do fogo, indo pra Joaquim Mazone que você olha pra trás você se assusta, diz “poxa, quanta gente!”
E você consegue imaginar o bairro sem a festa de Santo Antônio? Não, tem que ter, teve até quem me perguntasse, “mas porque não um “tríduo?” ou quem perguntasse porque ele não é comemorado em junho, mas sim em agosto. Aí é interessante, porque eles comemoram a morte, e aqui é o nascimento. Aqui já é uma tradição da comunidade comemorar nesse mês.
E o município, a prefeitura, tem alguma relação com a festa? Eles contribuem de alguma maneira? Não! Antigamente a gente mandava ofícios pra os órgãos da prefeitura, e antigamente tinha prefeito que nos ajudava, ajudava com as ornamentações, eles nunca deixaram de colocar as gambiarras, a iluminação e a limpeza das ruas, a equipe que pinta o meio fio, agora em relação a custo hoje é zero. Hoje a gente faz oficio pra o batalhão de polícia, oficio pra delegacia, ai vem oficio pra colocar a gambiarra. Extratos da memória: Transcrição de Áudio
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E quanto a essas transformações no bairro, como é que tu enxerga isso? É, eles estão tentando organizar o bairro, mas eu vejo muito como politicagem, isso é meu ponto de vista. Tipo essa marina, se vai trazer benefício pro bairro, ótimo que venha, agora se só vai trazer recurso pras pessoas interessadas, que não traga nada de bom pro bairro pra mim não é interessante, mas se fosse pra trazer emprego pra comunidade belíssimo, de parabéns pra quem tomou essa iniciativa, mas se for pra enganar a comunidade...se fosse uma fábrica, algo que trouxesse emprego pra comunidade, beleza, ótimo! Aqui mesmo no bairro tem mestre de carpinteiro, embarcação, tem Tadeu que só é lembrado no carnaval, e tem coisa que poderia ser investido até mesmo pra desviar o pensamento dos jovens das drogas, porque é isso que nosso bairro precisa, é isso nosso bairro hoje tem carência. Vamos ver se a marina vai ser usufruído pelo pessoal da comunidade, eu tenho certeza que não vai. Eu tenho barco, eu tenho caiaque, eu gosto de andar no rio, eu tenho minhas embarcações, será que eu vou ter espaço pra guarda-las lá? Se eu tiver dinheiro pra guardar lá, bem vou ter, mas se eu não tiver vou continuar guardando em casa, no fundo do quintal. Então, é isso o que eu digo, talvez traga beneficio e talvez não traga. Vai gerar emprego pra alguém? Que gere emprego! Se pelo menos essa marina aí conseguisse pegar de cinco a seis pessoas empregadas, seria ótimo, seriam cinco pais de famílias assegurados, mas no meu ponto de vista é mais política, você ver pelo aterro, era mão e contra mão, ai vai desmancha uma coisa que tava feita pra fazer um calçadão, então segundo dizem não vai ser possível passar carro em cima, a rua de baixo tava projetada pra ser larga, passar dois carros. Hoje tomaram espaço da calçada de pedestre que era uma calçada estreita, enlargueceram a calçada de pedestre e fizeram da seguinte forma se vinha um ônibus de lá pra cá o carro tem que subir na calçada
pra o ônibus passar, e era pra se passar dois carros. Então não acho que vá trazer benefício, não é algo que vá trazer beneficio pra comunidade. É mais um gasto de verbas.
O BAIRRO [Entrevista realizada no dia 25 de agosto de 2017, com Antônio Gomes dos Santos, conhecido como seu Toinho, pescador. A entrevista foi realizada na na sua residência. ]
Aqui tinha a penedense, tinha a zatur, tinha o descondensador de algodão, tinha uma fábrica de café, a essa hora eles começavam a torrar ali, o barro vermelho era café puro. A fábrica penedense eram grande, mais de mil pessoas trabalhando, e era gente de outros bairros também.
Sabe quando ela fechou? Em 1955. Você imagine uma indústria, quanto ela rendia pra essa cidade, muitas vezes eu ia pescar e podia voltra da pescaria duas horas, mas eu preferia ficar mais um pouco e esperar, porque quando eu voltava ficava na porta da indústria e vendia o peixe. E tinha a indústria do artesanato, aí no auto da pólvora você chegava e via uma arruma de gente trabalhando, fazendo cesto, fazendo urupemba, gamela, passava aqui dia de sábado pra ir pro comercio vender, passavam por aqui por essa rua, que é a rua dos pescadores, que antes desse aterro era rua dos pescadores, ai você via o pescador fazendo covo, fazendo rede, fazendo tarrafa, fazendo balaio pra carregar peixe.
Sim, tinham as olarias, ai mesmo no começo da lagoa era uma olaria, olaria de tijolos, pra fazer casas de alveraria.
Seu toinho, puxando sua memória de menino, como era aqui o bairro? Era calçado? Era no barro mesmo? Era barro massapê mesmo, você pisava e escorregava. E o barro vermelho tinha lugar, porque tinha época de chover uma semana, o cara pra sair de casa com o guarda chuva e chegar molhado. Ali no alto da pólvora pra subir, era difícil, devido a quantidade de lama mesmo.
As pessoas utilizavam desse barro? Utilizavam pra fazer telha, fazer tijolo, faziam panela, tapavam as casas. Tiravam a madeira, faziam enchimento mais grosso, e as varas, ai faziam um gradeado e era uma festa. Imagine, fizemos uma casa lá no alto da pólvora que todo mundo ficou admirado, o povo todo unido taipando casa, todo mundo cantando. “pisa maneiro, pisa maneiro, quem não pode com a formiga não assanha o formigueiro” As mulheres quando estavam na lagoa, lavando ou plantando o arroz cantavam, era cada voz linda, as negrinhas. Naquele tempo não tinha televisão, mas se tivesse gravava e ia ser fantástico. “paturi, o que andas fazendo ao redor, destas lagoas? Quem tem paturi, tem pato que tem asa, cai no laço quanto mais quem não avoa.”
Os dois lados de casa, e a maioria pescador, por isso o nome rua dos pescadores.
A lagoa se enchia tanto de paturi e elas então comiam o arroz. Aí eles comiam tanto arroz que engordavam muito e queriam avoar mas não podia, ai ficava voando na lagoa, uma coisa linda.
Aí antigamente tinha essa tradição de fazer utensílios com barro ne?
Nós criamos um time chamado Santo Antônio, foi criado nos batentes da igreja, nos reunimos ali e
Antes do aterro os dois lados eram de casa né?
Extratos da memória: Transcrição de Áudio
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pensamos: qual o nome do time? O nome já tá aqui, foi afamado por muito tempo. Tinha o Penedense, o Santa Cruz, o Santo Antônio, tinha o Vasco, lá do barro duro...
Sr. Toinho, falando agora um pouquinho da festa, o senhor lembra como era a festa? Como era comemorada? Era lindo, a noite dos pescadores era difícil, porque não tinha uma noite de pescadores sem leilão, e era leilão de peixe, eu levava peixe de até doze quilos. A festa de Santo Antônio era de nome festa! Quando terminava a festa e você olhava aquela rua todinha ali eram aquelas mulheres vendendo o amendoim, o milho assado, pipoca, bolo, tudo tudo, mas isso porque tinha a penedense, todo mundo trabalhava, o povo era muito animado, era a zabumba tocando até quando acabava a festa. Hoje não, depois da missa não tem mais nada, era muita gente.
ANEXO I – RELAÇÃO DE ENTREVISTADAS NA PESQUISA
PESSOAS
[21 ago.]. Entrevistador: Paula Louise Fernandes Silva. Penedo, 2017. SANTOS, Erondina. Erondina Santos. Entrevista [17jun.]. Entrevistador: Paula Louise Fernandes Silva. Penedo, 2017. SANTOS, Jorge Augusto. Jorge Augusto dos Santos. Entrevista [23 ago.]. Entrevistador: Paula Louise Fernandes Silva. Penedo, 2017. SILVA, Eunice. Eunice Santos da Silva. Entrevista [23 ago.]. Entrevistador: Paula Louise Fernandes Silva. Penedo, 2017.
ANEXO II – TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E VOZ
DIAS,Maria Justina.Maria Justina dos Santos Dias. Entrevista [24 ago.]. Entrevistador: Paula Louise Fernandes Silva. Penedo, 2017. PINHEIRO, Fabiana. Fabiana Pinheiro. Entrevista [04 jun.]. Entrevistador: Paula Louise Fernandes Silva. Penedo, 2017. SANTOS, Antônio. Antônio Gomes dos Santos. Entrevista [25 ago.]. Entrevistador: Paula Louise Fernandes Silva. Penedo, 2017. SANTOS, Cláudio. Cláudio dos Santos. Entrevista Extratos da memória: Transcrição de Áudio
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