AMBIENTES EDUCATIVOS E O LUGAR DA CRIANÇA UMA
VIVÊNCIA
NA
EMEF AMORIM LIMA PAULA R. S. HERMANN
AMBIENTES EDUCATIVOS E O LUGAR DA CRIANÇA UMA VIVÊNCIA NA EMEF AMORIM LIMA
PAULA R. S. HERMANN
Agradeço aos meus pais, por permitirem e lutarem para que
minha educação chegasse até aqui; aos meus irmãos, pela companhia e apoio incondicional; ao Pedro, por todo amor e parceria do começo ao fim; à Carol e à Lali, pela amizade e estímulo inigualável;
Agradeço à meu grupo: Paloma, Natália, Camila e Marina por
partilharem das minhas ideias, por manterem a calma por mim e por comporem um coletivo tão eficiente e também amigo;
Agradeço à Fernanda Barbara, por me orientar com tanta pre-
cisão, trazer referências e me ajudar a entender o que eu mesma não compreendia no começo;
Agradeço à Fernanda Salles por me abrir as portas do Amorim e
fazer o possível para que eu pudesse ser parte daquela história;
E agradeço à EMEF Amorim Lima como um todo, que me trouxe
tanto conhecimento e questionamento sobre o mundo que eu quero construir.
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Paula Rocha e Silva Hermann + ESTÚDIO VERTICAL Camilla Abdallah Marina Saboya Natália Andrade Paloma Neves ORIENTADORA Fernanda Barbara ESCOLA DA CIDADE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO São Paulo
2018
ÍNDICE
1.
O QUE ME TROUXE ATÉ AQUI
2.
A ESCOLA ATRAVÉS DO TEMPO
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3.
A CRIANÇA NA CIDADE
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4.
QUANDO (E COMO) CHEGAMOS LÁ
31
09
5.1
VIVENCIANDO O AMORIM PT. I
49
5.2
VIVENCIANDO O AMORIM PT. II
77
6.
BIBLIOGRAFIA
123
7.
ANEXOS
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O QUE ME TROUXE ATÉ AQUI
1.
Meu interesse pela área educacional começou em um estágio
que fiz ao longo da faculdade, na Prefeitura de São Paulo, onde permaneci por dois anos, inclusive durante o período da minha Vivência Externa – um semestre da graduação destinado a experiências além da faculdade. Fui trabalhar em EDIF, Departamento de Edificações, na Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras (SIURB), que é basicamente o escritório de projetos públicos da cidade.
Lá em EDIF, dentre todas as solicitações de obras públicas que
chegam à Prefeitura, as requisições mais frequentes vêm da Secretaria da Educação: são CEIs, CEUs, EMEIs e EMEFs precisando de reformas de acessibilidade, adequações, ampliações e diversas melhorias em geral; ou mesmo a construção de novas unidades. Pude ter ali um contato quase diário com escolas públicas e suas diversas demandas que chegavam para que os arquitetos, e consequentemente os estagiários, abordassem e pensassem sobre.
Visitei então algumas escolas, fiz vistorias, conheci proje-
tos-padrões das escolas municipais, participei de reformas e propostas de projeto. Todo esse tempo vivido lá sempre me fazia refletir sobre o modelo de educação e de proposição do espaço, que na maioria das vezes se repetia: havia um edifício principal, projeto padrão,
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com divisões em salas de aula e corredores, espaços externos controlados e divididos com grades, portões e cadeados. As salas também tinham chaves e fechaduras, e os estudantes eram conduzidos pelos adultos pelos espaços com horários definidos e tempo determinado. Algumas escolas tinham um aproveitamento maior do terreno, eram muito bem cuidadas, e outras menos, pareciam bem mais sucateadas e “esquecidas”. Todo esse uso e fruição do espaço dependia muito da administração vigente, da diretoria do local, do envolvimento da comunidade e das crianças com a escola e do tipo de pedagogia que era adotado ali. As escolas tinham alguns problemas em comum, que eram na maioria das vezes a falta de verba para conseguir melhorias em curto prazo, depredação do espaço, até questões graves de falta de professores, evasão de alunos ou superlotação, e dificuldades de manutenção em geral.
Enquanto participava dos processos de desenvolvimento dos
projetos para as escolas municipais, comecei a me questionar sobre os métodos que usávamos no departamento para realizar tais obras. O procedimento era geralmente bastante similar: chegava um requerimento de determinada escola; nós fazíamos uma vistoria, voltávamos para o escritório e assim começava a fase de análise e desdobramento do projeto. Depois o processo voltava à Secretaria de Educação, passava pela comissão de acessibilidade para poder ser aprovado, e entrava na fila para conseguir verba e, enfim, ser executado.
Apesar de reconhecer que havia, sim, uma maioria de arquite-
tos preocupados com a seriedade do tema com qual lidavam, com o entendimento do público, das demandas e tudo mais que envolvia um
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projeto de uma escola, eu sentia falta de compreender porque nos baseávamos num modelo para a educação – tanto construtivo quanto pedagógico – tão antigo, padronizado e muitas vezes descolado da realidade. Não posso deixar de citar aqui um dos arquitetos com que trabalhei, José Oswaldo Vilela (ou Zé, como o chamamos por lá), uma das mentes inquietas de Edif e com quem iniciei minhas primeiras discussões sobre o tema arquitetura e educação, sobre os questionamentos do papel do arquiteto na sociedade e sobre a construção em si de espaços para a educação e para as crianças, assuntos que eu discorro e me aprofundo durante toda esta publicação.
Compreendi, claro, que a rede pública tem várias peculiari-
dades de funcionamento e percorre por inúmeras burocracias, dado que São Paulo é uma cidade muito grande, diversa e populosa. Discutindo essas questões com o Zé, constatamos também a dificuldade de propor em projeto uma outra alternativa aos edifícios das escolas públicas – que sejam aberturas entre salas, maior permeabilidade dos ambientes –, mas ver que elas não são usadas, ou pior, são trancadas e segregadas ainda mais, por conta da administração específica da instituição. Não só os arquitetos, mas toda a sociedade em si está muito acostumada com o modelo tradicional implantado para seu funcionamento, e qualquer mudança causa um estranhamento imediato. O que era destinado à classe que precisava das escolas públicas, ou seja, a camada mais pobre da população, era mais que um projeto de arquitetura, mas sim um projeto de governo, de sociedade como um todo, que previa para aquelas pessoas o menor gasto de tempo e dinheiro possível.
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Para compreender melhor qual era e da onde vinha esse pro-
jeto de sociedade, e principalmente, como se deu o processo da educação no Brasil para chegarmos onde estamos hoje, foi preciso voltar um pouco na história e também buscar bibliografias que me ajudassem a captar o cenário atual e, assim, desenvolver minha pesquisa. Já me adianto que umas das minhas fontes mais recorrentes durante todo esse percurso foram as obras da arquiteta Mayumi Watanabe de Souza Lima – mais precisamente seus dois livros Espaço educativos, uso e construção (1986), e A cidade e a criança (1989) –, que discutem justamente a construção dos espaços para a educação. Em ambos observamos o questionamento recorrente sobre as escolas públicas e sobre esse projeto de sociedade que resulta nos espaços escolares: Criança dos bairros de periferia, candidata permanente à condição de menor, recebem professor, escola e merenda de acordo com a distribuição desigual dos direitos da sociedade. Seu professor é, em geral, menos preparado, aguardando a oportunidade de se transferir para escolas melhores; sua escola tem instalações precárias, material mais rude, arquitetura mais primária – pobre na concepção e não no despojamento –, ‘para não chocar com o padrão de habitações do bairro’; e a merenda é a que o caráter assistencial do Estado considera possível ou adequada para aquela população ou que o tempo e as condições de consumo permitem. O espaço escolar não poderia ser outro: desinteressante, frio, padronizado e padronizador, na forma e na organização das salas, fechando as crianças para o mundo, policiando-as, disciplinando-as.
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Em nome da economia, as soluções são mais comprometidas: a largura das passagens, dos corredores e das escadas reforçam a vontade permanente dos adultos colocarem as crianças em filas; as aberturas, pequenas, para impedir que as crianças se distraiam com o mundo externo. ¹
Mayumi dedicou grande parte de sua carreira ao projeto e
construção de equipamentos públicos, colocando sempre em pauta a reflexão do uso do espaço, apropriação do mesmo por seus usuários e defendendo que todos os espaços construídos são, ou deveriam ser, de alguma maneira, educativos. Procurava sempre despertar a reflexão da prática do projeto, de como os ambientes retratam a organização da sociedade e que a participação ativa do usuário era fundamental para se entender como cidadão no mundo.
O que estava escrito nas obras da arquiteta, no que se dizia so-
bre os edifícios escolares e sua organização voltada para o racionalismo e controle, era muito parecido com o que eu via nas escolas que visitava nas vistorias para a Prefeitura, apesar dos quase trinta anos de tempo que nos separavam entre as suas publicações e as minhas vivências.
1 LIMA, Mayumi W. Souza. A cidade e a criança. São Paulo: Studio Nobel, 1989, pp. 38.
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A ESCOLA ATRAVÉS DO TEMPO
2.
No começo de 2018, início do meu último ano da graduação,
tive a oportunidade de aprofundar essas pesquisas quando trouxe para meu grupo de trabalho na faculdade da matéria de Estúdio Vertical, da qual o tema do semestre em questão era nada mais, nada menos que: Arquitetura é forma de conhecer.
Começamos então eu, Natália, Camilla, Paloma e Marina, to-
das estudantes de arquitetura da Escola da Cidade, a esmiuçar essas inquietações e perceber que o assunto era de grande interesse para todas. Nosso primeiro passo foi entender onde e porque esse modelo de escola havia começado.
Buscando a origem das escolas na história, resumidamente,
entendemos que a educação tradicional, como a conhecemos hoje, tem seu nascimento junto ao auge do capitalismo no século XVIII, onde a burguesia começa a notar a necessidade de saber não só ler e fazer contas, mas também todos os ensinos práticos que envolviam a vida e os interesses da classe emergente. Na Revolução Industrial, era preciso que os operários tivessem o mínimo de instrução para operar máquinas e fazê-las funcionar. E, além disso, a educação, ministrada de cima para baixo, se mostrava uma ótima ferramenta de controle e dominação para a burguesia impor à classe operária suas normas e
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valores.
No Brasil, as escolas foram bastante importadas do modelo eu-
ropeu, mas com um caráter ainda mais elitista e destinado apenas às classes mais abastadas da população. Foi só em 1932, com o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova – onde nomes como Aluízio de Azevedo, Anísio Teixeira e Cecília Meirelles estavam presentes entre os assinantes – que se começou a exigir uma educação pública, gratuita e laica, numa tentativa de democratização da mesma. A construção da educação, aqui no país, era muito pautada pelo momento histórico e pelos movimentos e tendências pedagógicas que se davam em determinadas épocas.
Como é colocado por Mayumi em seu livro A cidade e a criança,
para conseguir aumentar a produtividade e a eficiência da educação, foi necessário padronizar os componentes de projeto e métodos de construção, possibilitando diversos governos a repetir os mesmos procedimentos, estabelecer “prazos políticos e taxas de lucros dos empreiteiros mediante redução qualitativa dos espaços escolares construídos, embora a intenção inicial não fosse esta” (LIMA, 1989, p. 67). Durante esse período, arquitetos eram contratados pelo governo para desenvolver projetos escolares baseados em padrões e programas já estabelecidos. A autora relata como se davam esse processo no trecho a seguir: Embora em outra escala, as salas de aula das escolas públicas localizadas em bairros populares de São Paulo, nos anos 50 a 60, não eram muito diferentes das antigas classes das escolas inglesas e francesas. Com 48m², tendo 8m de comprimento e 6m de largura, comportava vinte carteiras pés de ferro para duas crianças e um estrado elevado,
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onde se localizava a mesa e a cadeira do professor ou o púlpito, o armário e o mastro da bandeira. As salas de aula tinham, como continuam tendo, orientação para abertura de janelas à esquerda das carteiras quadro negro à frente, a 1,10m de altura, junto à porta de acesso, com visor para inspeção dos administradores. Essas salas sucediam-se lado a lado, ao longo de corredores mal iluminados, terminando no galpão de recreio e começando com as salas do diretor, da secretaria e dos professores. Este esquema, sempre igual, dava às escolas um ar de caserna ou de presídio, onde as crianças caminhavam em filas, sob as vistas dos professores ou dos bedéis. Mas o esquema ainda hoje não mudou inteiramente. O condicionamento à disciplina dá o tom geral dos espaços escolares. O sinal de início e de fim de cada aula nada tem de convidativo; é um alarme, uma sirene que uiva, esperando que cada criança, esteja onde estiver, se coloque em posição de sentido, obedeça ao chamado, se ponha em fila. As escolas que agem diferentemente ainda continuam sendo exceções. ²
A concepção dos espaços escolares acabou por reproduz-
ir todo o sistema de dominação da sociedade de classes e de jogos de poder. Não só foram criados edifícios destinados à preservação e fortalecimento de quem já estava no poder, no sentido econômico e social da sociedade, mas os adultos em geral acabaram se apoderan-
2 LIMA, Mayumi W. Souza. A cidade e a criança. São Paulo: Studio Nobel, 1989, pp. 57.
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do do espaço destinado às crianças para seu controle e limitação: “A organização e a distribuição dos espaços, a limitação dos movimentos, a nebulosidade das informações visuais e até mesmo a falta de conforto ambiental estavam e estão voltadas para a produção de adultos domesticados, obedientes e disciplinados – se possível limpos –, destituídos de vontade própria e temerosos de indagações.” (LIMA, 1989, p. 10).
22
A CRIANÇA NA CIDADE
3.
Toda essa discussão inicial nos levou a analisar, para além do
espaço escolar, o que significava a retirada – ou a manipulação – dos ambientes que eram pertencentes às crianças nas cidades.
Uma importante reflexão sobre espaço público é pensar so-
bre a cidade que nós, como arquitetos e urbanistas, queremos para as diferentes pessoas que coexistem em sociedade. Constatamos que, com o crescimento das cidades e a urbanização das comunidades, as crianças foram perdendo gradualmente o acesso ao espaço público. Algo que até então se difere se analisarmos por classes sociais, notando que as crianças mais pobres ainda brincam nas ruas, nas calçadas e entre as casas de comunidade ou favela onde moram; e já às crianças mais ricas, resta o espaço do apartamento, condomínio ou parque fechado. No Brasil, os estudos mostram que as crianças dividem-se em três categorias: as que podem ser consideradas em situação de risco social (por exemplo, as crianças de rua); as de escolas públicas e as de escolas particulares (Oliveira; Bührer, 2000). As crianças de rua sentem falta de parques e brinquedos, e a casa aparece como lugar de brincar que, no entanto, só existe em seu imaginário. As
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crianças da escola pública desenham muitas crianças, vegetação e brinquedos. O dormitório destaca-se como lugar de brincar para crianças do ensino privado, e os brinquedos sempre presentes são: aparelho de som, bichos de pelúcia e televisão. A televisão aparece como companhia na falta de amigos. Nos desenhos de crianças de escolas particulares, em vez de crianças brincando na rua, aparece o sítio e os parques temáticos. O lugar de brincar é, portanto, esporádico, e não sequencial. Em geral, as crianças anseiam por mais amigos e creem que, em espaços fechados, tipo dormitório, quadra de esportes ou parque de diversões, poderiam brincar. ³
Quanto mais as cidades foram construídas visando a melhor
circulação de veículos, com base no mercado imobiliário, transformando-se em espaços de passagem e trânsito acima de lugares de estar e ocupar, em nome da segurança e da política de ordenação disciplinar dos indivíduos (LIMA, 1989, p. 93), as pessoas se refugiaram nos locais privados do ambiente urbano. Se a cidade deixou de ser um lugar amigável para os adultos, quanto mais se dirá para as crianças. Os espaços foram sendo limitados, barrados, especializados e programados, assim como a rotina, o tempo, as relações entre pessoas, o dia a dia. A criança, já distante dos pais, mães e familiares, por conta do trabalho industrial, também precisou ser adequada aos novos ambientes controlados, ou como coloca a arquiteta Mayumi, aos “espaços de
3 KOWALTOWSKI, Doris C. C. K. Arquitetura escolar: o projeto do ambiente de ensino. São Paulo, Oficina de Textos, 2011, pp. 116.
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poder”: locais que seguem a lógica da racionalidade e das estruturas sociais para organizar e segregar de acordo com a classe que, justamente, têm poder e o exerce dentro da sociedade.
O filósofo Michel Foucault, na sua obra Vigiar e Punir (1975),
aborda a questão da institucionalização do poder de forma muito precisa, analisando como se dá a vigilância e punição na maioria das instituições como prisões, hospitais, e escolas. Segundo ele, a definição da modernidade é a disciplina, um instrumento de dominação destinado a padronizar e domesticar comportamentos divergentes dos indivíduos. A escola moderna aparece como uma das “instituições de sequestro”, que retiram as pessoas do espaço social e as “internam” durante um longo período para moldar seu comportamento, discipliná-las e formatar aquilo que pensam. A ordenação por fileiras, no século XVIII, começa a definir a grande forma de repartição dos indivíduos na ordem escolar: filas de alunos na sala, nos corredores, nos pátios; colocação atribuída a cada um em relação a cada tarefa e cada prova; colocação que ele obtém de semana em semana, de mês em mês, de ano em ano; alinhamento das classes de idade umas depois das outras; sucessão dos assuntos ensinados, das questões tratadas segundo uma ordem de dificuldade crescente. E nesse conjunto de alinhamentos obrigatórios, cada aluno segundo sua idade, seus desempenhos, seu comportamento, ocupa ora uma fila, ora outra; ele se desloca o tempo todo numa série de casas; umas ideais, que marcam uma hierarquia do saber ou das capacidades, outras devendo traduzir materialmente no espaço
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da classe ou do colégio essa repartição de valores ou dos méritos. Movimento perpétuo onde os indivíduos substituem uns aos outros, num espaço escondido por intervalos alinhados. 4 [5]
Dentro de todo o contexto cultural, social e histórico da organização das cidades e da institucionalização das escolas, “a criança terá que encontrar nas novas condições urbanas aqueles espaços permeáveis onde seja possível o jogo e a brincadeira que envolvam os companheiros da mesma idade e observar o
4 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Editora Vozes LTDA, 1975, pp. 173. 5 Esquema de postura corporal da escola francesa de Port-Mahon do século 19: o triunfo da disciplina.
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mundo dos adultos” (LIMA, 1989, p. 92), para pode reconstituir a unidade de suas relações afetivas compartimentadas pelo tempo e pelo espaço e também desenvolver, ao mesmo tempo, sua individualidade e sua experiência de socialização. Mayumi coloca também que a percepção das crianças sobre o espaço é uma prática muito diferente do que para um adulto; o que ela capta, assimila e realmente utiliza de cada lugar não necessariamente tem a ver com a função do mesmo, mas com a sensação que ela tira da experiência que teve daquele ambiente: As observações sugerem, portanto, que o espaço físico isolado do ambiente só existe na cabeça dos adultos para medi-lo, para vendê-lo, para guardá-lo. Para a criança existe o espaço-alegria, o espaço-medo, o espaço-proteção, o espaço-mistério, o espaço-descoberta, enfim, os espaços da liberdade ou da opressão. 6
No entanto o espaço da escola, por mais que construído por todo um sistema estruturante da sociedade, que permitia que a “ordem e a disciplina” se sobrepusessem às necessidades da criança, era ao mesmo tempo um dos únicos espaços públicos “seguros” que havia sobrado para que elas pudessem conviver, brincar, socializar e partilhar.
6 LIMA, Mayumi W. Souza. A cidade e a criança. São Paulo: Studio Nobel, 1989, pp. 30.
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QUANDO (E COMO) CHEGAMOS LÁ
4.
Quanto mais nós, grupo de alunas da Escola da Cidade, apro-
fundávamos nossas pesquisas, mais compreendíamos que para que população retomasse o uso da cidade e das áreas coletivas, para que nós – como pessoas – pudéssemos nos apropriar dos ambientes transformando seu uso, e para que, resumidamente, a cidade se tornasse mais humana, era preciso iniciar um processo de retomada das áreas públicas desde a primeira oportunidade de ocupar um local e experienciar o exercício da cidadania: e esse local era a escola. É quase certo que [as crianças] não aprenderão a compreender a grande e heroica batalha dos construtores anônimos da escola, da casa, da cidade... não perceberão as origens e as causas da pobreza dos espaços que lhes foram destinados... nem ainda que as transformações da sociedade ocorrem por inciativa e ação independente das forças coletivamente organizadas. E a escola terá perdido a oportunidade de desenvolver na criança a capacidade de pensar que a preocupação prioritária da construção e uso dos espaços não deveria centrar-se na produção e reprodução do lucro, mas no crescimento e bem-estar dos homens. Para mudá-los seria necessário que os próprios professores, en-
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quanto assalariados e trabalhadores da educação, compreendessem e exigissem os espaços escolares adequados, como uma das condições básicas dos seu trabalho e o de seus alunos; que os arquitetos se negassem a cumprir prazos absurdos na elaboração dos seus projetos; que a população passasse a entender que uma boa escola é algo mais do que um grupo de professores bem intencionados que a cidade é por ela construída e mantida. 7
Importante frisar também que, quando falamos de “escola”,
no termo amplo, nós optamos por fazer um recorte e nos referir às escolas municipais de São Paulo. Essa decisão se deu por conta do nosso trajeto de pesquisa, que se iniciava na Prefeitura e se estendia até suas instituições, e também por compreender que as escolas municipais tendiam a seguir um molde mais rigoroso e mais tradicional que as particulares: era mais comum existirem “experiências” educacionais – ou simplesmente modelos que questionem o tradicional – dentro das escolas privadas do que nas escolas públicas, e nós queríamos entender como e porquê isso acontecia. De qualquer forma, começamos fazendo um levantamento do município, de escolas tanto públicas quanto privadas, e analisamos qual era o projeto pedagógico adotado ali; buscamos conhecer quais escolas fugiam das propostas tradicionais de ensino – tanto na arquitetura quanto na pedagogia – e entender as tantas correntes existentes aplicadas em cada uma, e
7 LIMA, Mayumi W. Souza. A cidade e a criança. São Paulo: Studio Nobel, 1989, pp. 69
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o quanto isso interferia no uso e ocupação do espaço escolar pelos estudantes.
Dentre essas pesquisas, acabamos chegando à Escola Munici-
pal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima, localizada na Vila Indiana – subprefeitura do Butantã –, uma escola pública com projeto pedagógico chamado democrático, para alunos dos 6 aos 15 anos (1º ao 9º ano do Fundamental), que comporta atualmente cerca de 800 alunos. A educação democrática segue os princípios da pedagogia libertária, onde estudantes, professores e funcionários possuem direitos participativos iguais. Segundo a socióloga Helena Singer, autora da obra República de Crianças: Sobre Experiências Escolares de Resistência (2010), uma escola democrática se baseia em três princípios: O primeiro é a autogestão. As pessoas que participam de uma experiência de Educação Democrática são responsáveis por ela. O segundo é o prazer do conhecimento. Acredita-se que o conhecimento traz alegria, prazer, e por isso as pessoas se envolvem com ele, não sendo necessárias punições ou disciplinas. E o terceiro é que não há hierarquia no conhecimento. O conhecimento científico, o conhecimento académico, o conhecimento comunitário, o conhecimento tradicional, o conhecimento religioso, todos os conhecimentos são valorizados, respeitados e crescem justamente no seu contato. 8
8 SINGER, Helena. República de Crianças: Sobre Experiências Escolares de Resistência. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2010, pp. XX
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Fomos visitar então a escola, e, de cara, ficamos muito positi-
vamente impressionadas com o funcionamento dela: os portões eram abertos pra rua, não havia nem grades nem cadeados seccionando o jardim e a área externa, não tinham várias salas de aula com alunos em carteiras assistindo um professor falar, não havia sino, e nem muitos adultos dizendo para os estudantes para onde ir e nem o que tinham que fazer. Apesar de o edifício ser uma escola pública como qualquer outra da década de 1960, a ocupação do seu espaço se dava de uma maneira que eu não tinha visto até então.
Pelas mesmas questões que enfrentam até hoje a grande maio-
ria das escolas municipais, o Amorim passou por uma grande reforma político-pedagógica no início dos anos 2000, onde mudou toda a concepção do seu ensino e, consequentemente, também mudou a concepção do espaço; foi quando começou a ser a escola que é hoje. Era uma escola pública, que seguia estritamente o currículo do MEC (Ministério da Educação) e se utilizava do método tradicional de ensino, disciplinar e organizada como a maioria das outras EMEFs.
Em 1996, com a chegada da atual diretora Ana Elisa Siqueira,
foi que a escola começou a passar por suas mudanças mais significativas. Com a necessidade de transformar aquele espaço e começar a resolver os problemas estruturais que o Amorim apresentava, a primeira ação da diretora foi de pintar todos os muros e paredes de laranja – que antes tinham aquela “marca d’água” cinzenta – e colorir os espaços para transformá-los em ambientes mais atrativos para as crianças.
Foram removidas as paredes internas dos 1º e 2º pavimentos
36
[9]
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9 Localização da EMEF Amorim Lima na Vila Indiana - São Paulo, SP
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[10]
do prédio existente – as salas de aula viraram um único grande salão por andar –, e retiradas todas as grades que subdividiam a área externa. Só essas mudanças já transformaram o local em um ambiente quase único, que conversava muito mais entre si e tinha uma circulação bem mais fluida. Ao mesmo tempo, a escola deixava de ser apenas uma unidade de educação de um bairro, e começava a se transformar num importante polo central do que viria a ser o que chamam hoje pais, estudantes, professores, funcionários e moradores dos arredores de Comunidade Amorim Lima. O envolvimento da comunidade, justamente, é algo que passou a fazer a escola funcionar como um órgão atuante em toda a região: ela passou a ficar aberta de finais de semana, funcionar período integral e ter quase diariamente atividades extracurriculares abertas à comunidade em geral, como Oficinas de Cultura Brasileira, de Capoeira, de Educação Ambiental, de Teatro; o maior envolvimento dos pais e mães se deu com a organização por parte deles das festas comemorativas, datas muito marcantes para toda a comunidade. 10 Plantas dos 1º e 2º pavimentos, antes e depois das reformas de abertura dos salões
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E no quesito pedagógico, essa comunidade começou ao
mesmo tempo a se questionar se o modelo tradicional de educação era o mais interessante a se seguir; o que concluíram que talvez não. Tinha ficado conhecida, na mesma época, a Escola da Ponte do pedagogo José Pacheco, em Portugal, que havia adotado uma educação democrática: ao invés de assistir aulas e absorver conteúdos vindos de cima o tempo todo, essa escola defendia que o estudante podia ter autonomia sobre seu aprendizado, e buscar sozinho a construção da educação, com auxílio de professores e tutores ao seu lado, e não acima dele. Foi assim que o Amorim reformou o seu Projeto Político Pedagógico (PPP)11, reestruturando toda a grade curricular, os horários, a alternância dos professores e, principalmente, o uso do espaço.
O novo PPP do Amorim aborda principalmente a questão
da autonomia, moral e intelectual, à todos os envolvidos na escola: alunos, educadores, pais, mães e comunidade. A vontade é de fazer com que exista um compromisso coletivo de todos seus agentes para que se engajem sempre mais, sem hierarquias, na construção de um ambiente educativo democrático, claro, compartilhado e assumido por todos.
11 Anexo I: Projeto Político Pedagógico EMEF Desembargador Amorim Lima
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Comunidade Amorim Lima: residências dos estudantes em relação à escola
VIVENCIANDO O AMORIM PARTE I
5.1
Quando chegamos à primeira vez no Amorim, para visitar a es-
cola, quem nos apresentou o local foi uma aluna de 11 anos, a Cecília. É muito curioso conhecer um espaço a partir da perspectiva de uma criança que o ocupa: os lugares mais interessantes, os mais divertidos, os que não se sabe para que servem, os que “ninguém vai”. De cara compreendemos que o que acontecia ali era uma exceção dentro do contexto de escolas públicas de São Paulo; o Amorim é uma escola que realmente propõe uma reapropriação do seu espaço pelas crianças que estudam lá, e também por toda a Comunidade que participa da construção da escola. No fim, na verdade, ela não seria a escola que se tornou se não fosse justamente por conta de todas essas pessoas empenhadas em construir diariamente um espaço destinado à essa educação democrática e coletiva.
Nossa primeira fase de aproximação foi mais observativa; fize-
mos algumas visitas ao Amorim, reconhecemos seus espaços, observamos o projeto e acompanhamos algumas atividades e rodas de conversa com as crianças. Lá, os ambientes são muito mais caracterizados pelos diversos usos, em que cada dia presenciávamos um diferente, do que pela simples função predestinada que deveriam ter. O átrio da entrada não era apenas uma recepção, mas um importante lugar
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horta
arquibancada
pista de skate quadra coberta trepa-trepa tenda quadra
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parquinho
paredão
pátio central átrio
r. professor vicente peixoto
salas de uso específico
circulação/área livre
área verde
Ă trio, entrada principal da escola com suas atividades e brincadeiras
de encontro para início e finalização de atividades, ponto de reunião para saídas externas à escola, local de roda de conversas, área para realização de oficinas de música e palco de milhares de brincadeiras realizadas pelas crianças na hora do intervalo.
O pátio central, um dos ambientes mais frequentados pelos
estudantes, funciona como o núcleo do edifício: é onde é montado o refeitório nos horário de merenda, onde acontecem assembleias de discussão sobre o andamento da escola, funciona como local de ensaio para as festas, palco de apresentações e palestras e ponto de encontro central por onde todas as pessoas passam para acessar praticamente qualquer outro ambiente.
Os salões intermediários, dos pavimentos superiores, que
eram as antigas salas de aula, nos chamaram a atenção pela enorme variedade de organização das carteiras, dependendo de como seria a atividade proposta no dia. Eles abrigam muitas vezes cerca de três turmas ao mesmo tempo, o que chega a quase cem crianças, junto com mais três ou quatro tutores, todos ao mesmo tempo desenvolvendo exercícios diferentes, ou não. Em um trecho de seu livro Espaços Educativos: uso e construção, a arquiteta Mayumi fala justamente da importância de poder mudar a organização dos ambientes de aprendizado para instigar a imaginação das crianças e para propor novas formas de relacionamento entre as pessoas presentes ali; é muito rara essa proposição de se alternar a organização da salas de aula, pois quando o espaço muda, muda também a figura em foco e enfática do professor, que deixa de ser o centro; e se abrem inúmeras possibilidades de convívio e composição.
54
[12]
12 Reprodução de página do livro Espaços Educativos: uso e construção, com a crítica à organização da sala de aula em fileiras. Fonte: Acervo Mayumi Watanabe Souza Lima.
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Pรกtio central da escola e seus variados usos
Salão intermediário com diferentes organizações das carteiras
O professor é principal agente na determinação do sentido positivo ou negativo que se dá ao uso dos espaços escolares, embora não seja ele(a) o responsável por sua produção inicial. Somente ele(a) pode desvelar esses espaços, analisá-los, transformá-los em instrumento de trabalho dos seus alunos e, se possível, elementos lúdicos e educativos para adultos e crianças da comunidade. 13
Outra observação que fizemos no Amorim durante nossas
visitas foi ver como as paredes da escola são amplamente utilizadas não só pela admistração, para colocar recados e grades horárias, mas por todos os usuários da escola: os portfólios de trabalhos dos estudantes realizados no roteiro de pesquisa, desenhos e grafittis, rabiscos, gritos de revoltas, comunicados, informações aprendidas durante alguma atividade e desenhos interativos estão espalhados por todos os muros e corredores. Não há a necessidade de apagar as marcas deixadas ou padronizar os ambientes, mas sim a vontade de estimular a manifestação das crianças e também a de fazê-las tomar pra si um pouco daquele espaço: “(...) a apropriação de um espaço pela criança supõe a possibilidade que ela venha colocar suas marcas, alterá-la de alguma forma – por exemplo, pelo desenho ou pela cor –, estímulo primário para seus exercícios de transformação do seu mundo.” (LIMA, 1989, p. 67).
13 LIMA, Mayumi W. Souza. Espaços educativos: uso e construção. Brasília, MEC/CEDATE, 1988, pp. 9-10.
60
[14]
14 Fotos dos muros, paredes e corredores do Amorim
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Parquinho, paredĂŁo e a tenda da parte externa da escola
De todo terreno da escola, a área que mais nos chamou
a atenção foi a parte externa; é uma área muito extensa, com parquinho, deck de madeira, duas quadras, pista de skate, horta, várias árvores e plantas e principalmente, não ter nenhuma divisão entre si – coisa muito incomum de se ver nas escolas públicas de São Paulo. O espaço todo era muito fluido, livre e aberto para passagem. Com certeza é uma das partes mais vivas do Amorim, sempre em uso, sempre ocupada. Durante as festas, a maior parte das atividades também acontece ali: barracas de comida, jogos, brincadeiras, apresentações, feiras, confraternizações... É onde também as crianças passam boa parte do dia letivo quando estão na escola, e exploram todas os cantos do terreno cada vez de um jeito. O parquinho vira campo de futebol, o forno de pizza túnel de exploração, a horta vira casa e clubinho de crianças. É uma parte muito rica da escola, e essa riqueza se dá justamente pela possibilidade de qualquer pessoa explorar aquele espaço ao máximo, com regras, mas praticamente sem restrições. É preciso, pois, deixar o espaço suficientemente pensado para estimular a curiosidade e a imaginação da criança, mas incompleto o bastante para que ela se aproprie e transforme esse espaço através da sua própria ação.15
Durante nossas visitas à escola, acabamos por conhecer a Fer-
nanda Salles, uma das mães do Amorim e também uma das principais 15 LIMA, Mayumi W. Souza. A cidade e a criança. São Paulo: Studio Nobel, 1989, pp. 72
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integrantes do CHAS, a Comissão de Horta e Sustentabilidade. O CHAS cuida, além de várias outras questões ambientais na escola, da manutenção da horta pedagógica que existe lá e da difusão dos conhecimentos que essa horta traz para todos os estudantes. São explorados temas como o caminho do lixo, separação e encaminhamento de resíduos, reciclagem, compostagem, plantio e cuidados com mudas e sementes e principalmente, entendimento de que podemos cultivar plantas típicas da cultura brasileira e também nos alimentarmos delas. Um dos partidos fortes da escola é o manejo das PANCs – Plantas Alimentícias Não Convencionais, justamente aquelas plantas às quais não estamos acostumados a consumir, plantadas para mostrar a enorme diversidade de alimentos que a natureza oferece.
Acompanhamos semanalmente algumas atividades com a
Fernanda, onde introduzíamos o assunto para as crianças e depois trabalhávamos juntos sobre a horta: cuidando dela, retirando o lixo, fazendo colheitas, mutirões de limpeza e encaminhando algumas plantas para a cozinha do Amorim, onde seriam preparadas pelas cozinheiras e servidas na merenda.
Foi muito cativante participar dessas atividades e entender
como a vivência na prática, trabalhando questões que fazem parte da realidade das crianças, são captadas quase que instantaneamente por elas e realmente mudam a concepção do uso do espaço, no caso, da natureza. Elas tomam conhecimento da importância de cuidar do meio ambiente, de mantê-lo vivo e forte, e entendem que precisamos conservá-lo para além das hortas, mas também preservar praças, parques, reservas, florestas e áreas verde como um todo.
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Parte da รกrea externa e a horta pedagรณgica
Durante todo o primeiro semestre, continuamos a vivência no
Amorim Lima analisando como o projeto da escola se desenvolve na prática; é nítido como a concepção do espaço como mais um condicionante educativo, e não como apenas uma materialidade, é essencial para que as crianças que vivem ali se sintam motivadas a usufruir daquela espacialidade, tomá-la para si, e compreendê-la como um suporte de engajamento, manifestação e construção da sociedade. Apropriando-se de um local, a criança passa a valorizá-lo e a assimilá-lo como parte de seu mundo, passa a compreender o mundo que quer para si e a pessoa que quer se tornar. É aí ela inicia a exercer sua cidadania, externar seus propósitos, se colocar.
Enquanto observávamos essas relações de espaço público e ci-
dadania, da escola e de todas as pessoas dali em constante formação, começamos a ilustrar os ambientes do Amorim a partir da nossa visão de ocupação do espaço: como havíamos chegado na escola, por quais locais passamos, nossa primeira visão do pátio, quando nos voltamos para a área externa. E aí, ao fim do exercício do Estúdio Vertical, produzimos um pequeno livro de ilustrações sobre a nossa primeira vivência nessa escola com desenhos de atividades que participamos junto com as crianças, de festas comemorativas, de aulas ou de simples observação.
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“HÁ ESCOLAS QUE SÃO GAIOLAS. HÁ ESCOLAS
QUE
SÃO
ASAS.
ESCOLAS
QUE
SÃO GAIOLAS EXISTEM PARA QUE OS PÁSSAROS
DESAPRENDAM
A
ARTE
PÁSSAROS
ENGAIOLADOS
ROS
SOB
CONTROLE.
SEU
DONO
QUISER.
PODE
PÁSSAROS
DO
SÃO
VÔO. PÁSSA-
ENGAIOLADOS,
LEVÁ-LOS
PARA
ENGAIOLADOS
O
ONDE SEMPRE
TÊM UM DONO. DEIXARAM DE SER PÁSSAROS. PORQUE A ESSÊNCIA DOS PÁSSAROS É O VÔO. ESCOLAS QUE SÃO ASAS NÃO AMAM
PÁSSAROS
ENGAIOLADOS.
O
QUE
ELAS AMAM SÃO OS PÁSSAROS EM VÔO. EXISTEM PARA DAR AOS PÁSSAROS CORAGEM PARA VOAR. ENSINAR O VÔO, ISSO ELAS NÃO PODEM FAZER, PORQUE O VÔO JÁ NASCE DENTRO DOS PÁSSAROS. O VÔO NÃO PODE SER ENSINADO. SÓ PODE SER ENCORAJADO.” RUBEM ALVES
VIVENCIANDO O AMORIM PARTE II
5. 2
No começo do segundo semestre de 2018, início do meu Tra-
balho de Conclusão, resolvemos prosseguir em grupo com a pesquisa e vivência no Amorim dentro da matéria do Estúdio Vertical. O tema em questão era Ocupa SP, e consideramos muito pertinente para nosso projeto de análise da escola, que era justamente sobre a pós-ocupação de um espaço já construído.
Foi organizado pelo Estúdio Vertical, na primeira semana
de aulas, uma sequência de debates sobre o tema, organizado por assuntos específicos: ocupar com moradia, ocupar com educação, ocupar com cultura. Fomos convidadas pelo professor César Shundi a participar do debate sobre educação, e a apresentar nosso trabalho do primeiro semestre; trouxemos então nosso livro de ilustrações e convidamos a diretora Ana Elisa Siqueira e a Fernanda Salles, colaboradora e mãe do Amorim, para falar um pouco sobre a escola. 16
Acabou sendo um evento muito interessante; conversamos
sobre a trajetória do Amorim, suas dificuldades, como foi a implantação do Projeto Político Pedagógico, as mudanças de espaço que im16 Anexo II (CD): Vídeo do debate Ocupa SP: Ocupar com educação. Trecho sobre a EMEF Amorim Lima: min. 20:47.
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pactaram nas relações entre os usuários da escola e muitos benefícios alcançados para as crianças no sentido de aumento de interesse no aprendizado, desenvolvimento da autonomia e o enorme engajamento de toda a comunidade na construção de um espaço democrático para a educação. [17]
17 Cartaz sobre a semana de debates Ocupa Sp, ocorrida na primeira semana de agosto de 2018 na Escola da Cidade
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A partir dessa primeira aproximação, em que atuamos mais
como observadoras do funcionamento da escola e de como se dava o uso dos seus ambientes, percebemos que seria muito interessante captar qual era a relação das crianças com o espaço do Amorim a partir não mais da nossa perspectiva, mas sim delas mesmas. Resolvemos então nós, como grupo, propor algumas atividades sobre espaço para poder compreender qual a visão que as próprias crianças têm do Amorim, quais são suas relações afetivas ou não com o ambiente, como é a noção de espaço coletivo e espaço privado, e como é a inserção de uma pedagogia democrática num prédio tradicional dos anos 1960.
Como já acompanhávamos uma turma de estudantes do Ciclo
I, resolvemos fazer uma sequência de atividades com os mesmos, que já nos consideravam “estagiárias” ajudantes dos professores. Eram cerca de 25 crianças, de 8 a 10 anos de idade, que compunham a tutoria da professora Flávia Ferrari. Nós já tínhamos feito com eles algumas reflexões sobre o uso do espaço tanto dentro quanto fora da escola, desenhado em certas ocasiões aquilo que mais chamava atenção em trajetos feitos pelas crianças, e também pensado sobre os sentimentos que os espaços nos provocavam dependendo de como eles são construídos e de como nós os usamos.
A estratégia do desenho foi a primeira que adotamos, por ser
uma linguagem conhecida pela criança e por onde elas costumam manifestar desejos, sentimentos, situações e por conseguirem também nos explicar o que estão querendo representar:
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Qualquer espaço e objeto pode ser ressignificado a qualquer momento para a realização de uma brincadeira; não existem limites, como nos mostra a Lili de Mário Quintana. A própria organização do espaço da criança para brincar diz sobre como ela interpreta e intervém em seu mundo material, transformando-o continuamente mesmo quando os adultos não enxergam isso acontecendo. A educadora Ana Angélica Albano (1984), ao associar as noções de arte, desenho e desígnio, caracteriza o desenho da criança como projeto, como uma espécie de lançar-se para frente. Sendo assim, ao desenhar a criança projeta, e ao projetar, desenha, sendo desenho e projeto o jeito como ela organiza o espaço para as brincadeiras. (...) O espaço material, por meio da intervenção da criança, qualifica-se e ganha uma dimensão que “funde em si tanto o calor do ambiente e a cor das paredes quanto a alegria e a segurança que nele se sente” (LIMA, 1989). Quando se pede a uma criança que desenhe sua casa, sua escola, ou qualquer outro espaço de seu cotidiano, percebe-se que são as experiências vividas nestes espaços, positivas ou negativas, e as relações afetivas que estabelece com eles, que determinam o tamanho – grande ou pequeno – que ela vê estes espaços e no qual os desenha (LIMA, 1989). 18
18 NASCIMENTO, Andrea Zemp Santana do. A criança e o arquiteto: quem aprende com quem? Dissertação (Mestrado em Paisagem e Ambiente) – São Paulo, FAUUSP. 2009, pp. 42.
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Atividade 1
Para a primeira atividade, reunimos os alunos e conversamos
um pouco sobre o edifício em que eles estudam e sobre os modos de ocupação que realizam na escola. Depois, sem mostrar nenhuma planta, desenho ou qualquer representação de espaço do Amorim, pedimos para que as crianças desenhassem o local da escola que mais passavam tempo, que mais gostavam de ficar, e pedimos também para que representassem a si mesmos utilizando aquele espaço.
De cara, uma das primeiras questões foi: “mas se eu gosto
da escola inteira, posso desenhar ela toda?”. Respondemos que sim, claro, e foi muito encantador observar o processo de cada criança em pensar seu papel como usuário daquele espaço. Enquanto desenhavam, explicavam o que era o ambiente, onde elas estavam no desenho, o que estavam fazendo ali; se estavam sozinhas ou em companhia de algum colega, se era possível desenhar mais de um lugar, e se nós conseguíamos entender o que elas queriam dizer.
Quando recolhemos os desenhos, algo que nos chamou muito
a atenção foi a capacidade de representação do espaço que aquelas crianças tinham: muitos desenhos em planta, perspectivados, com alta noção de divisão dos espaços. O resultado foi muito lindo! E assim que começamos a fazer o reconhecimento dos ambientes, notamos que as crianças colocavam vários locais da escola como favoritos ou mais utilizados, que nós, adultas, não tínhamos explorado sua importância dentro de todo o edifício na nossa primeira análise do projeto do Amorim.
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Por exemplo: já havíamos percebido que o átrio da escola era
um local muito importante de encontro, início e finalização de exercícios ou atividades; quando analisamos os desenhos, vimos que realmente era um espaço que aparecia em vários deles. Mas além do átrio, o que várias crianças desenharam foram os tatames presentes ali, e em várias representações, eles chegavam a ser mais importantes que o espaço em si. Eram nos tatames que os estudantes sentavam nas rodas de conversa e nas aulas de música; eram sobre a pilha deles que ficavam fazendo roteiro de pesquisa ou lendo livros, era com eles que brincavam entre si na hora do intervalo. No fim, o modo de ocupar o espaço do átrio era muito mais a partir da utilização do tatame do que apenas com o corpo, em si.
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Outro local que apareceu em vários desenhos – quase 40% dos
alunos que participaram –, e que para nós, não tinha sido tão marcante, foi a biblioteca. Quando fomos nos informar melhor a respeito de como ela funcionava, descobrimos que a biblioteca Amorim Lima só existe do jeito que é por causa do empenho da comunidade. A prefeitura, na verdade, não prevê que as EMEFs (Escolas Municipais de Ensino Fundamental) tenham uma biblioteca, apenas uma sala de leitura. Pais, mães e colaboradores se organizaram e transformaram o espaço, se voluntariando e se revezando para cuidar do local – e organizar o empréstimo de livros –, juntando um acervo de mais de 18.000 volumes disponíveis para toda a comunidade.
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Desenho da biblioteca Amorim Lima e das crianรงas lendo livros no espaรงo
A biblioteca Amorim Lima, com os voluntรกrios e as crianรงas
Posteriormente, começamos a observar o uso da biblioteca e
percebemos que, realmente, é um local de extrema importância para os estudantes. Com o roteiro de pesquisa, que é a principal forma de adquirir conhecimento no Amorim, as crianças criam muita autonomia durante seu aprendizado. A biblioteca e seus livros se tornam, junto com a informática, algumas das maiores ferramentas de pesquisa disponíveis para os mesmos, e os alunos acabam passando boa parte do dia no meio dos exemplares.
O pátio central, local que já havíamos presenciado inúmeras
atividades, apareceu também nos desenhos como ambiente favorito e mais utilizado de várias crianças. A maioria destes aparecia em conjunto com o restante da escola, mas apresentava-se com um papel central na representação, e no geral, visivelmente maior que os outros espaços vizinhos. O pátio, realmente, era um local que raramente se encontrava vazio no Amorim.
Em projetos padrões de Escolas Municipais da Prefeitura, é
muito comum encontrar um pátio central que una todos os ambientes do edifício; que funcione como pátio, como refeitório, como local de atividades e de encontro e passagem, em geral. O que notamos de diferencial no Amorim é que a união entre ambientes e o pátio é extremamente fluida: como foram retiradas as grades e subdivisões que existiam em toda a escola, o pátio e a área externa se tornam extensões uma da outra, fazendo do térreo um espaço muito maior e mais completo.
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Desenho da escola com o pátio central destacado e muito maior em proporção aos outros ambientes
Por fim, o que mais da metade da sala desenhou como lo-
cal preferido da escola foi a área externa do Amorim. Apareceram vários tipos de composições: reparamos que, nos desenhos dos meninos, era mais comum ver as quadras da escola, local que, apesar de serem propostas várias atividades mistas, acabava sendo mais ocupado por eles. E não só a quadra, reparamos que também desenhavam o paredão, o parquinho e o pátio, que são áreas livres para correr, e outros elementos mais ligados aos esportes. Alguns desenhos quase que contemplavam a escola inteira, e as crianças nos explicavam que era difícil escolher um ambiente só quando se podia brincar, correr, fazer o que fosse em toda extensão do Amorim.
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As quadras aberta e coberta do Amorim, e as crianças utilizando-as durante o intervalo e aulas de educação física
Nos desenhos das meninas, apareceram alguns elementos
também bem específicos de ocupação: a área externa como principal local de permanência, e dentro dela, os balanços do parquinho, que não vimos nenhuma vez sem crianças dependuradas; o trepa-trepa, brinquedo que servia de cavalo, montanha, árvore, ou simples apoio para estar fora do chão; a tenda, que abrigava milhares de atividades com adultos ou não; a deck, local em que as crianças faziam a maior parte das rodas de conversa, onde liam poemas e livros, e onde deitavam para apenas estar; a horta, espaço que tinham atividades pedagógicas sobre meio ambiente, mas que também se transformava em abrigo, casa e “clubinho” de crianças; e o forno de pizza, que quando perguntamos o que era aquele local, nos responderam que servia para brincar de explorador, de alpinista, ou do que sua imaginação te levasse a querer ser.
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Ao término do exercício, conversamos um pouco sobre os
lugares que as alunos ocupavam, como atuavam naquele espaço e porque que gostavam de estar ali. É muito interessante perceber que os lugares mais encantadores para os adultos às vezes são os mesmos que os das crianças, mas em várias situações, os espaços mais atrativos a elas contém vários pormenores que não passam pela nossa cabeça como critério de escolha. Em sua obra A cidade e a criança, Mayumi descreve um experimento em que adultos analisam a reação de crianças a espaços projetados por eles, e que o resultado acaba sendo inesperado: Uma experiência desenvolvida por J. Boris e G. Hischler na década de 60, na França, chegou a algumas constatações (...). Duas das constatações, contudo, merecem destaque: na primeira, as crianças mostravam que os espaços que lhes simbolizavam prazer, segurança e conforto eram pequenos ou um espaço cheio de recantos menores; na segunda, as crianças optavam por aberturas pequenas, justificando que os grandes vãos de luz eram agressivos. 19
Para nós, foi importante entender qual o sentido dos ambientes,
das divisões e construções de espaços educativos no imaginário das crianças, para que pudéssemos compreender porque eles funcionam, ou não. O que é necessário construir em uma escola? O que é necessário deixar que a imaginação construa? 19 LIMA, Mayumi W. Souza. A cidade e a criança. São Paulo: Studio Nobel, 1989, pp. 73
104
Atividade 2
Quando acabamos a discussão sobre os espaços favoritos
das crianças no Amorim, surgiram muitas perguntas sobre como era o desenho “real” do edifício e da área externa da escola em si. Combinamos então, de trazer para a próxima semana, uma planta de arquitetura para mostrar aos estudantes tanto a linguagem com que trabalhávamos na faculdade, quanto a divisão dos espaços exatos em um desenho técnico.
Assim que chegamos com as plantas, as crianças correram e
se agruparam ao redor do desenho, e já começaram uma rápida identificação dos ambientes: “aqui é a quadra, aqui é a horta!”. “Esse aqui é o banheiro das meninas, e não pode usar esse último box porque os meninos conseguem espiar do lado de fora, é só subir nesse murinho aqui”. “O que é isso aqui do lado de fora? São as casas? Que esquisito!”. “É aqui na esquina que fica a Dona Beth, que vende doces”.
Ficamos algum tempo observando como era diferente olhar
todos os ambientes juntos ao mesmo tempo, “como se estivéssemos subido em uma árvore bem alta”; “e como se tivéssemos tirado os telhados, é claro! Aqui não tem telhado.”
Foi uma experiência muito agradável perceber como eles
se acostumavam rapidamente com uma nova linguagem de representação do espaço e como era fácil para as crianças entender que cada linha que se fechava indicava um outro ambiente. Depois dessa familiarização com a planta do Amorim, nós propusemos uma atividade dividida em quatro partes, que tinha a ver com as sensações que cada canto da escola despertava nos alunos.
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InĂcio da Atividade 2
EMEF Amorim Lima e seus espaรงos identificados
Na primeira parte, perguntamos às crianças quais espaços da
escola eram de brincar e quais espaços eram de aprender. Demos a eles adesivos coloridos para que pudessem identificar cada ambiente: os amarelos eram os de brincar, e os vermelhos, de aprender. A primeira pergunta que surgiu de imediato foi: “mas o que vamos colar nos lugares que são as duas coisas ao mesmo tempo?”, querendo dizer que em uma escola democrática, normalmente não se tem uma divisão tão específica do que se pode fazer em cada local. A solução foi, então, colar as duas cores juntas, e assim o espaço não teria apenar um uso específico. O resultado foi a planta a seguir:
lugares de brincar lugares de aprender
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segundo pavimento
primeiro pavimento
tĂŠrreo
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Já na segunda parte da atividade, na semana seguinte, trouxe-
mos a mesma planta do Amorim e colocamos no chão para as crianças olharem. Aquelas que já estavam no exercício anterior explicaram qual era a proposta para os colegas que ainda não tinham participado, ajudando-os a reconhecer os ambientes e apontando onde ficava cada espaço. Perguntamos quais locais na escola as crianças ficavam sozinhas, e não precisavam da companhia de um adulto, e quais espaços elas sentiam que necessariamente precisavam que um adulto ao lado, e mais que isso, os locais onde apenas os adultos acessavam.
lugares de adultos lugares de crianças
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segundo pavimento
primeiro pavimento
tĂŠrreo
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Assim que terminaram de colar os adesivos, colocamos out-
ra planta no chão e sugerimos a próxima reflexão: quais lugares do Amorim estamos normalmente em conjunto, e quais lugares costumamos estar sozinhos? Neste momento, as crianças se entreolharam e começaram a perguntar uns aos outros: “que lugar que a gente fica sozinho aqui? Não tem muitos lugares em que a gente fica sozinho”. Depois de algum tempo pensando, colaram os adesivos e concluíram que talvez os únicos lugares que ficavam sozinhos eram os banheiros, às vezes na biblioteca, nos salões e também na hora da saída da escola, onde não estavam necessariamente sozinhos, mas sabiam que iriam se separar ali.
lugares do individual lugares do coletivo
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segundo pavimento
primeiro pavimento
tĂŠrreo
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Na quarta e última parte da atividade, perguntamos às cri-
anças quais eram os locais de silêncio do Amorim – ou onde eles costumavam ir quando precisavam do silêncio – e quais eram os lugares de barulho da escola, onde não tinha problema gritar, falar alto, tocar instrumentos, ouvir música e qualquer outra atividade do tipo. De início, disseram que quase toda a escola tinha muito barulho na maior parte do tempo, e que era difícil encontrar um espaço silencioso; mas depois refletiram e colaram os adesivos azuis na horta, local que requeria mais atenção e cuidado, portanto menos barulho, e em alguns outros pontos da área interna do edifício, onde disseram que silêncio e barulho se alternavam dependendo do horário e da atividade realizada no local.
lugares de barulho lugares de silêncio
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segundo pavimento
primeiro pavimento
tĂŠrreo
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Ao término da atividade, recolhemos todas as plantas e inici-
amos a contagem dos adesivos para análise. Numa visão geral, percebemos o quanto toda a área do Amorim se apresentava como um espaço do convívio coletivo em que as crianças se sentiam a vontade para usufruir, utilizar e ocupar como um todo. Para nós, as perguntas que fizemos tinham conotações contrárias, como aprender X brincar, silêncio X barulho, lugar das crianças X lugar dos adultos. O que percebemos, no decorrer das discussões, é que para os estudantes, um lugar que serve para uma atividade não necessariamente não pode abrigar qualquer outra, mesmo que seja um exercício oposto do que acontecia antes. Ou seja: no local em que se realiza uma tutoria, em que as crianças estão aprendendo algo, pode ser ao mesmo tempo o espaço da brincadeira. Um lugar que há muito barulho pode ser tornar, através de um combinado, um espaço de silêncio para que alguém fale, exponha um trabalho ou apresente uma palestra.
Foi muito interessante reparar também na importância com
que a área externa, mais uma vez, aparece na disposição dos adesivos colados pelas crianças. Ela é colocada como principal espaço pertencente aos alunos, representando 74% da área que eles entendem como sua. É, realmente, um dos pontos altos do projeto do Amorim, que permite que a criança não só desfrute de uma grande área verde e livre, mas principalmente, se aproprie dela.
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ÁREA INTERNA
ÁREA EXTERNA
ÁREA INTERNA
ÁREA EXTERNA
38% 65%
72% 62%
69%
35%
28%
31%
lugares de brincar
lugares do individual
lugares de aprender
lugares do coletivo
ÁREA INTERNA
ÁREA EXTERNA
ÁREA INTERNA
45%
ÁREA EXTERNA
50%
41%
50%
59%
74% 55% 26% lugares de adultos
lugares de barulho
lugares de crianças
lugares de silêncio
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Com as duas atividades concluídas, e ao final de toda nossa
vivência no Amorim Lima, sentamos em grupo para conversar sobre o que tínhamos tirado de toda essa experiência de participação em uma escola pública com uma proposta tão inovadora em relação às demais.
Sabíamos que muitas das certezas que tínhamos antes, de
que estávamos abertas para conhecer a fundo uma prática de reapropriação do espaço público, haviam sido contestadas: ainda éramos ali adultas tentando compreender o universo da criança, nos deslocando desse lugar de conforto, sabedoria e disposição da verdade. As crianças, o tempo todo, nos indicavam questionamentos e mudanças de olhar que nós, tão acostumadas com nossa posição, tínhamos dificuldade de enxergar.
A experiência de ouvir uma criança, e mais que isso, deixá-la
falar, se colocar no mundo, manifestar seus sentimentos e expandir suas vontades é extraordinariamente rica, e extremamente importante também. Quando se permite que uma criança se posicione e esse posicionamento é levado a sério, ela entende que suas ideias tem prestígio e se sente parte da sociedade ativa, construtora de ideais e práticas conjuntas. E quase tudo que uma pessoa deseja ser, individual e coletivamente, tem a ver com o espaço que quer construir, com a cidade que quer para si, e com o mundo em que deseja viver.
O Amorim, dentre todas as suas dificuldades e constantes re-
construções, representa muito esse lugar potencial de, no fim, reapropriação de si mesmo a partir do espaço e a partir de uma pedagogia democrática, coletiva e mais igualitária. Para nós, passar esse tempo lá acompanhando a rotina das crianças, da escola, dos professores e
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funcionários nos fez perceber que é preciso valorizar essas histórias e disseminar esse conhecimento para que possamos continuar a partir dele; seja em projetos de arquitetura de novas escolas ou na construção em geral do espaço público para a sociedade.
Essa publicação vem, mais do que tudo, no sentido de querer
mostrar que devemos ocupar sim o espaço público com educação, com iniciativas humanitárias, que priorizem a construção de pessoas mais autônomas, reais e que se considerem capazes de intervir no ambiente em que se encontram. Foi muito importante para nós todas, e principalmente, para mim, como estudante quase formada em arquitetura, vivenciar na prática a potencialidade e o valor de um espaço público, ocupado, ativo e em constante transformação.
Muito obrigada! Paula dezembro de 2018
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BIBLIOGRAFIA
6.
ALVES, Ruben. A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. Campinas, SP: Papirus Editora, 2001. BUITONI, Cássia Schroeder. Mayumi Watanabe Souza Lima: a construção do espaço para a educação. 226 p. Dissertação (Mestrado – Área de Concentração: Projeto, Espaço e Cultura) – FAUUSP. 2009. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Editora Vozes LTDA, 1975. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1997. KOWALTOWSKI, Doris C. C. K. Arquitetura escolar: o projeto do ambiente de ensino. São Paulo: Oficina de Textos, 2011. LIMA, Mayumi Watanabe de Souza. Arquitetura e educação. São Paulo: Studio Nobel, 1995. LIMA, Mayumi Watanabe de Souza. A Cidade e a Criança. São Paulo: Studio Nobel, 1989. LIMA, Mayumi Watanabe de Souza. Espaços educativos, uso e construção. Brasília, DF: MEC/CEDATE, 1986.
124
NASCIMENTO, Andrea Zemp Santana do. A criança e o arquiteto: quem aprende com quem? 262 p. Dissertação (Mestrado – Área de Concentração: Paisagem e Ambiente) – FAUUSP. 2009. OLIVEIRA, Marina Rodrigues de. Autonomia e criatividade em escolas democráticas: outras palavras, outros olhares. 188 f. Dissertação (Mestrado)- Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Educação. 2012. SINGER, Helena. República de Crianças: Sobre Experiências Escolares de Resistência. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2010. TAKIYA, André. Edif 60 anos de arquitetura pública. 2 v. Dissertação (Mestrado - Área de Concentração: Projeto de Arquitetura) - FAUUSP. 2009.
125
ANEXOS
7.
Anexo I : Projeto Político Pedagógico Amorim Lima I – Dos primórdios do Projeto Da derrubada das grades à derrubada das paredes
Como você leu na História da EMEF Desembargador Amorim
Lima houve um grande processo catalisado pela diretora Ana Elisa Siqueira, com a colaboração de pais, professores e alunos para que o atual Projeto Pedagógico fosse aplicado. Abaixo, você lerá quais são os principais valores que fundamentam o projeto, inspirado no percurso realizado na Escola da Ponte, em Portugal. Mas um pequeno resumo pode ser apresentado da seguinte forma: – Na Amorim, cada aluno tem um educador tutor. Esse educador é responsável pela avaliação do progresso do estudante. Normalmente, cada professor da escola é responsável por cerca de 20 alunos por período. E, uma vez por semana, o tutor tem um encontro de cinco horas com seus tutorandos. Nos demais dias, se o tutorando tiver problemas pode procurar o seu tutor. E, de maneira geral, eles também se encontram no “Salão”, que você conhece abaixo. – Cada aluno recebe ao longo do ano apostilas com roteiros de pesquisa. Cada roteiro tem cerca de 18 objetivos, ou seja, perguntas ou tarefas que devem ser respondidas ou desenvolvidas pelo estudante. Saiba como é um roteiro, clicando aqui. Repare que os roteiros e seus objetivos são desenvolvidos a partir dos livros didáticos recebidos pelo estudante, e as perguntas que o estudante deve responder exigem que eles pesquisem em vários livros ao mesmo tempo (de português, de ciências, de geografia, de história…).
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– Dois grandes grupos de salas de aula tiveram suas paredes literalmente derrubadas. Assim, criaram-se dois grandes salões. Em um “Salão” ficam os alunos do Ciclo I e no outro os alunos do Ciclo II. Esses alunos sentam-se em mesas de quatro lugares para realizarem as suas pesquisas em grupo e responderem, individualmente, seus objetivos (dos roteiros). Não há aulas expositivas (a não ser as aulas de matemática, inglês e de oficina de texto). Os professores – cerca de cinco ou seis – circulam pelo salão para ajudar os alunos em suas dúvidas e explicar alguns conceitos se isso se fizer necessários. É importante saber que não necessariamente os alunos sentados juntos em uma mesa estão desenvolvendo as pesquisas de um mesmo roteiro. Isso acontece porque cada aluno decide a ordem em que quer fazer os roteiros. Assim, um estudante pode ter escolhido começar pelo roteiro Biografia e o outro colega de mesa pode ter escolhido começar o ano pelo roteiro Corpo Humano, por exemplo. – Quando acaba de preencher o seu roteiro, o aluno escreve um portfólio, com tudo que aprendeu com aquele roteiro e entrega para o tutor, que avalia se ele pode receber a apostila seguinte, com os demais roteiros. Não há provas. O progresso do conhecimento é avaliado pela qualidade dos portfólios e pela participação do aluno na escola. Uma reportagem sobre uma roda de conversa sobre o Projeto Político Pedagógico pode ser lida em aqui. II _ Dos valores que fundamentam o projeto Ascendermos todos – alunos, educadores, pais e comunidade – a graus cada vez mais elevados de elaboração cultural e a níveis cada
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vez mais elevados de autonomia moral e intelectual, num ambiente de respeito e solidariedade, é o objetivo que fundamenta o Projeto EMEF Desembargador Amorim Lima.
Para tanto, a prática diária deve apontar:
Para a elevação do grau de compromisso com a realização
deste Projeto, por parte de todos os segmentos da escola, nos limites de suas atribuições definidos no Regulamento Interno que o integra e dele é parte.
Diferentemente daquela escola em que cabe ao professor en-
sinar, e ao aluno aprender, esse Projeto visa um compromisso coletivo em que todos os seus agentes se engajem sempre mais num processo de aprimoramento cultural e pessoal de todos, de forma integral, e na construção de uma intencionalidade educativa clara, compartilhada e assumida por todos.
Esta intencionalidade educativa, calcada nos valores da au-
tonomia, solidariedade, democraticidade e responsabilidade deve ditar o funcionamento organizacional e relacional da escola, preservando e reforçando o papel do professor e dos educadores, e tendo o Conselho Pedagógico como responsável direto pela formulação e implantação das práticas pedagógicas que a sustentarão _ sempre em consonância com o Projeto Pedagógico aprovado pelo Conselho de Escola. Reconhece-se, no escopo desse Projeto, o papel de educadores à totalidade dos trabalhadores e trabalhadoras da escola, no âmbito de suas funções específicas.
Sendo que uma tal intencionalidade educativa, apoiada nos
valores da solidariedade e da democraticidade, só se realiza e produz
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sentido se fortemente apoiada pela totalidade dos agentes envolvidos, deve-se buscar, sempre mais, a participação e o apoio dos pais e da comunidade na vida da escola, preservadas as atribuições elencadas neste Projeto e melhor formuladas no Regulamento Interno, que regerá sua correta aplicação. Reconhece-se a importância do trabalho dos diversos agentes implicados na melhoria da EMEF Desembargador Amorim Lima ligados não formalmente a ela, seja na forma de voluntariado, seja sob a forma de apoio institucional e financeiro.
Para a elevação dos graus de autonomia de todos os envolvi-
dos neste Projeto: 1) do ponto de vista da autonomia intelectual, outorgando sempre mais ao aluno o domínio sobre os processos e meios de aprendizagem, auxiliando-o a encontrar e desenvolver os meios que lhe possibilitem construir e viver um percurso intelectual próprio; 2) do ponto de vista da autonomia moral, devem ser sempre aprimorados os mecanismos que favoreçam e estimulem, por parte dos alunos, a assunção de mais responsabilidades no sentido do melhor funcionamento da escola e da mais eficaz implantação deste Projeto, visto que a mesma só se dá frente a um coletivo no qual se inscreve e na medida em que também se assuma e respeite as diretrizes e os projetos traçados por este mesmo coletivo.
Se antes cabia ao professor formar-se individualmente para
dar conta de uma docência expositiva e solitária, numa relação dual com os alunos, o funcionamento deste Projeto passa a exigir: 1) uma prática compartilhada e solidária, visto que o professor não tra-
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balha mais intra-muros, solitariamente e com uma turma específica; 2) uma formação diversificada e múltipla, no sentido de poder acompanhar e incentivar a transversalidade curricular pretendida, sem contudo abrir mão de seu conhecimento mais aprofundado em uma área específica; 3) a mudança de foco na relação com os alunos, visto que a exposição de conteúdos passa a dar lugar ao incentivo constante à pesquisa, à orientação quanto o melhor uso dos Roteiros Temáticos, à solução das dúvidas que nascem dos mais diversos e inesperados lugares; 4) o descentramento do papel do professor como detentor de saber para um papel de colaborador na construção de saber, visto que lhe cabe, neste novo funcionamento, mais orientar que explicar, mais pesquisar que ensinar. Sendo, pois, variadas e profundas as demandas que a implantação deste Projeto dirige aos professores, devem os agentes todos que dão suporte à sua implantação comprometer-se no esforço de propiciar, aos educadores de forma geral, e aos professores especificamente, uma formação continuada de qualidade, voltada à sua prática diária e às suas questões mais prementes.
Uma atitude de respeito para com as diferenças culturais, ra-
ciais, de credo e quaisquer outras, de todos e para com todos. A convicção de que cada aluno é único, pode e deve permanentemente construir e exercer sua identidade no seio de um coletivo que não a mitigue ou aplaque. A convicção de que toda a criança é capaz de aprender e desenvolver-se, em ritmo e forma próprios, sendo-lhe dadas as condições para que o faça.
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A compreensão do ser humano como ser integral. A convicção
de que toda a aprendizagem significativa do mundo é também conhecimento e desenvolvimento de si, numa dialética que equipara a elaboração intelectual à elaboração pessoal e psíquica (Pichón-Riviere).
Pautando-se num critério de democraticidade e transparên-
cia cada vez mais elevados, deverão as diversas forças que compõem este Projeto, em seus diversos âmbitos, comprometer-se a um esforço constante de esclarecimento de suas ações e atitudes, frente ao coletivo da escola. Sendo este um projeto educacional coletivo, caberá aos diversos segmentos que o compõem a tarefa de manifestarem suas convicções e justificarem suas ações de forma clara e coerente, logicamente sustentadas. Os diferentes lugares de poder que tomam os detentores de diferentes saberes e diferentes fazeres, no escopo deste Projeto e salvaguardados em seu Regulamento, não devem servir de pretexto à atitude autoritária, arrogante, isolada, por parte de nenhum de seus membros. Os canais de diálogo e de divulgação, no âmbito dos diversos segmentos do Projeto, serão melhor explicitados no seu Regulamento Interno. III _ Das bases conceituais do Projeto, da aprendizagem e do currículo. O Projeto Pedagógico EMEF Desembargador Amorim Lima é um projeto único, nascido do esforço de uma comunidade específica e voltado a suprir as demandas e anseios desta comunidade. Para tanto, está construindo estratégias, encontrando soluções e criando os dispositivos pedagógicos que julga melhor se adequarem ao universo de seus alunos e educadores, no sentido de alcançar seus objetivos de forma
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plena e eficaz. É, portanto, um projeto que em tudo se apóia e em tudo coerente com o propugnado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB).
As grandes linhas pedagógicas do Projeto são absolutamente
consonantes com aquelas que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) indicam como objetivo a se esperar dos alunos do ensino fundamental, e cuja importância justifica reiterar: - compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia a dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito; - posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas; - conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao País; - conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais; - perceber-se integrante, dependente e agente transformador do ambiente, identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo ativamente para a melhoria do meio ambiente;
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- desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania; - conhecer e cuidar do próprio corpo, valorizando e adotando hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde coletiva; utilizar as diferentes linguagens – verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal – como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação; - saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos; - questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação.
No esforço de adequação e observância aos fundamentos
aqui relatados, o Projeto propugna uma série de transformações dos dispositivos pedagógicos anteriormente praticados na escola. Estas transformações, já implantadas, em fase de implantação e em fase de projeto, podem ser assim definidas:
No sentido de aumentar a implicação dos alunos no proces-
so de aprendizagem, melhor favorecer o desenvolvimento de seus graus de autonomia e ainda, no sentido de melhor adequar o currículo
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objetivo aos ritmos e predisposições individuais, o Projeto privilegia o trabalho de pesquisa. A aula expositiva deixa de ser o instrumento preferencial de transmissão e aquisição de saber, passando a ser um recurso utilizado pontualmente: 1) seja nos momentos em que o grau de autonomia não permita, ainda, a vinculação a um projeto de pesquisa; 2) seja nos momentos em que os educadores entendam que uma explanação possibilite um avanço no processo, esgotados todos os outros recursos; e 3) seja, finalmente, nas ocasiões em que características momentâneas do Projeto em implantação não permitam adequar a prática pedagógica aos princípios que a fundamentam.
O trabalho de pesquisa é norteado por Roteiros Temáticos de
Pesquisa, concebidos segundo a Teoria dialógica da linguagem do Círculo de Bakhtin, e apoiado nos livros didáticos e paradidáticos, num contexto predominantemente grupal. Apesar de usar tais livros de forma particular e não seqüencial, privilegiando uma transversalidade temática, e apesar de não se restringir a eles, o Projeto reconhece o Programa Nacional do Livro Didático como uma outra sua importante base prática e conceitual, além da sustentação em uma Política Pública Federal.
De implementação gradativa a partir de 2004, e abrangendo a
totalidade dos alunos desde o início de 2006, o dispositivo extingue as três classes de cada série, dividindo os alunos em 21 grupos de 5 membros cada.
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Além do acompanhamento grupal e individual em sala, são os
alunos acompanhados mais de perto por um tutor que, ao ater-se a um grupo menor de alunos, preferencialmente durante todo o período de formação escolar, pode orientá-los com olhar mais atento e agudo, indicando e corrigindo rumos. Sendo a busca da autonomia um valor matricial do Projeto, e somente podendo ela fundar-se numa cada vez mais aprofundada auto-avaliação, caberá ao espaço da tutoria auxiliar os professores a implantar e fomentar a auto-avaliação, numa gradual tomada de consciência, por parte dos alunos, de suas capacidades e de suas dificuldades.
Dados os fundamentos aqui apresentados, é pretensão do
Projeto oferecer, além de uma adequada formação intelectual e cognitiva, um aprimoramento artístico, físico, estético, enfim voltado às mais diversas formas de manifestação expressiva do ser humano, num clima de valorização do amadurecimento das relações interpessoais sem a banalização dos afetos. O trabalho dos arte-educadores assume, pois, lugar de grande importância, devendo as diversas forças que compõem o coletivo esforçar-se por viabilizar, segundo critérios do Conselho Pedagógico, a sua sustentada e permanente presença na escola _ seja empenhando-se em incluí-los no escopo do quadro funcional estável, seja buscando os recursos que possibilitem a manutenção de um contrato autônomo.
É reconhecida e valorizada, no âmbito deste Projeto, a im-
portância das novas tecnologias no que concerne ao acesso e à construção do conhecimento. A utilização de tais ferramentas tecnológicas – notadamente a informática – deve pois sempre mais se integrar
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ao trabalho diário de pesquisa e produção em sala de aula.
A EMEF Desembargador Amorim Lima possui importante acer-
vo de mais de 18.000 volumes. Reformada, e em processo de completa informatização, a sala de leitura transformou-se em biblioteca circulante, expandindo o acesso a seu acervo à toda a comunidade. Além do já citado, são bases conceituais do projeto, entre outras: 1) As contribuições de Jean Piaget quanto à formação dos conhecimentos e quanto às autonomias moral e intelectual; 2) A imensa contribuição do grande educador Paulo Freire _ em primeiro lugar como fonte de referência de toda a pedagogia que se pretenda libertária; em segundo por ter contribuído fortemente na criação dos avançados parâmetros normativos da educação brasileira atual _ sem os quais seguramente este Projeto teria muitas mais dificuldades em ser implantado; e 3) Cabe ressaltar a importância, para a existência deste Projeto, daquele outro implantado na pequena Vila das Aves, em Portugal, sob o nome Fazer a Ponte. Além de nos mostrar que “a utopia é possível”, como bem o disse o professor José Pacheco, a Escola da Ponte é uma fonte permanente de inspiração e reflexão, pois que soube, em seus quase 30 anos, ir criando mecanismos e dispositivos pedagógicos coerentes com seus valores e princípios _ e que são os mesmos que nos animam. Sabemos bem que uma coisa é ter princípios, outra bem diversa é aplicá-los. Nesse sentido a Ponte, em sua generosa proposição de fazer públicos sua história, seu trajeto, suas dificuldades e seu estágio atual, é fonte importantíssima de consulta e interlocução.
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Aprovado na Reunião Extraordinária do Conselho de Escola de
10 de agosto de 2005, com modificações posteriores.
XX
XX Projeto Político Pedagógico EMEF Desembargador Amorim Lima, disponível em: https://amorimlima.org.br/institucional/projeto-politico-pedagogico/, acessado em 03/12/2018.
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Anexo II: CD Debates Ocupa SP No CD em anexo, estão todos os vídeos do debate do dia 07/08/2018, que fazem parte da Semana de Debates Ocupa SP da matéria do Estúdio Vertical, no qual o tema em questão foi Ocupar com educação. Todos os debates ocorreram na Escola da Cidade. I – Escolas de Luta: Bruna Marchiori - min. 0:12. II – EMEF Des. Amorim Lima: Paula Hermann, Camilla Abdallah, Marina Saboya, Natália Andrade e Paloma Neves convidam Ana Elisa Siqueira e Fernanda Salles - min. 20:47. III – Filhos da Terra: Bruno Rissardo, Glauber Triana, Isabella Rosa e Luís Felipe Orlando convidam Jady Dantas (Associação Mutirão do Pobre) e Wagner Ramalho (Prato Verde Sustentável). Mediação: Lígia Miranda
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TRABALHO DE CONCLUSÃO
SÃO PAULO, 2018