Jornal Mural "Memória - Lembranças dos anos de chumbo"

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Memória

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Curso de Jornalismo da UFSC - Atividade da disciplina de edição Professor: Ricardo Barreto Serviços editoriais: Folha de S. Paulo, Caros amigos, Jornal do Brasil, Site Memórias de uma Guerra Suja Edição, textos, planejamento e editoração eletrônica: Paula Salvador Impressão: Recicla Print Junho de 2012

LEMBRANÇAS DOS ANOS DE CHUMBO Florianópolis, 14 de junho de 2012.

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Livro revela a imprensa sob censura militar 10 reportagens que abalaram a ditadura traz os bastidores das publicações que mudaram o rumo da época

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ensura nos meios de comunicação, ameaças de morte e tortura a quem se dispusesse a ir contra o regime imposto pelos militares de 1964, ano do golpe que destituiu o presidente João Goulart, até 1985, quando o último general deixou o poder. Foi em meio a este cenário sombrio da história brasileira, que jornalistas colocaram a própria vida em risco para buscar informações que deveriam ser de conhecimento público. O livro 10 reportagens que abalaram a ditadura, publicado pela Editora Record em 2005, é o primeiro volume da série Jornalismo Investigativo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI). O responsável pela seleção dos conteúdos é o jornalista Fernando Molica que reúne, segundo ele, as melhores matérias produzidas em um dos piores tempos vividos na história do Brasil.

O título da publicação induz o leitor a pensar em reportagens que abalaram diretamente os alicerces da ditadura militar. É o caso da denúncia dos privilégios dos funcionários do governo, que culminou em diversas prisões; do caso Riocentro, uma tentativa fracassada dos militares de explodir bombas em um evento público; ou da morte do jornalista Vladimir Herzog, que morreu depois de prestar depoimento à polícia política. O conteúdo do livro, na verdade, é o que Molica chamou de “uma visão geral do período”. Uma variedade de temas foi buscada para abordar diferentes aspectos da vida nacional. A reportagem sobre a fome na Zona da Mata em Pernambuco prova o conteúdo amplo e não essencialmente direcionado. Ainda assim, é leitura obrigatória para quem se interessa pela trajetória do país. A informação obtida é muito maior do que a encontrada em publicações didáticas, já que repro-

Obra traz os detalhes das apurações duz o que a população leu na época, trazendo a real situação enfrentada. Cada capítulo traz uma reportagem com o depoimento do repórter sobre o processo de apuração até as

OEA denuncia país por Caso Herzog CIDH, a não apuração da morte do jornalista “é mais um exemplo da omissão do Estado brasileiro na realização de justiça dos crimes da ditadura militar cometidos por agentes públicos e privados”. Em dezembro de 2010, o governo foi condenado pela OEA por violação de direitos humanos na Guerrilha do Araguaia, que aconteceu de 1972 a 1975, também durante regime militar. A Corte exigiu a apuração e punição dos responsáveis pelas torturas e assassinatos dos guerrilheiros. A morte de Vlado comoveu a nação, provocou protestos na imprensa mundial e se tornou um dos fatos mais marcantes do período. O velório foi marcado para dois dias depois do assassinato e teve a presença de cerca de 600 pessoas. Entre eles o cardeal Arns e o senador Franco Montoro. Aquela era a primeira vez que um arcebispo e um senador da Silvaldo Leung Vieira

A foto de Vladimir Herzog morto nas celas do DOI-CODI, órgão de repressão política na ditadura militar, em 25 de outubro de 1975, tornou-se um símbolo da luta pela democracia, pela liberdade e pela justiça nos anos da ditadura militar no Brasil. O diretor de jornalismo da TV Cultura foi intimado a depor e se apresentou espontaneamente para explicar seu envolvimento com o Partido Comunista. No mesmo dia, sua morte foi comunicada à imprensa com a causa de suicídio. A foto divulgada pelo Instituto de Criminalística mostrava Herzog com as pernas dobradas no chão e amarrado a uma barra de ferro com altura menor do que a estatura do jornalista, o que impedia que o corpo ficasse suspenso e provocasse o enforcamento. Em fevereiro de 2012, o fotógrafo Silvaldo Leung Vieira revelou que a situação foi forjada. Ainda assim, os responsáveis pelo crime não foram reconhecidos. A partir de denúncias de organizações - Centro pela Justiça e o Direito Internacional, Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos, Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo -, a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH), órgão da OEA (Organização dos Estados Americanos), abriu processo para investigar a postura do governo brasileiro em não averiguar quais agentes militares assassinaram Herzog. A defesa do Brasil tem um prazo de dois meses para ser apresentada. Se for considerada insuficiente, o caso será encaminhado para a Corte Interamericana de Direitos Humanos deverá julgar o caso. Conforme a nota divulgada pela

Fotografia de Herzog gerou revoltas

República velavam um morto do regime militar. Um culto ecumênico organizado em homenagem ao jornalista na Catedral da Sé, na capital paulista, teve presença de oito mil pessoas, que conseguiram ultrapassar bloqueios montados pela polícia para impedir a aglomeração. Mesmo depois de três meses, a nação ainda estava mobilizada. O Sindicato dos Jornalistas encaminhou à Justiça o manifesto “Em nome da verdade” com 1004 assinaturas exigindo a revisão da causa da morte. Era a primeira vez que a população desafiava o governo publicamente e expunha sua indignação. O descontentamento dos brasileiros fez com que se iniciasse o processo de abertura política - o começo da transição para o governo democrático. Ernesto Geisel propôs mudanças na forma de repressão e, na tentativa de mostrar que não admitia tortura, afastou Ednardo Dávila, o comandante do 2º Exército, onde houve o crime. Em 1978, a versão oficial do inquérito foi rejeitada pela Justiça Federal, e a causa foi reconhecida como assassinato. Em 1992 e em 2008, houve a tentativa de reabrir as investigações, mas não houve sucesso. O Judiciário considerou que não havia como prosseguir as investigações pela Lei da Anistia, que absolveu os responsáveis por crimes políticos do período em 1979, e alegou que o crime já teria prescrito - o longo tempo passado entre o fato e o processo impediriam a punição. Desta vez, é provável que haja reabertura do inquérito. A Corte Interamericana declarou considerar inadmissíveis essas alegações que pretendem impedir o esclarecimento dos fatos.

repercussões, o que enriquece ainda mais o conteúdo. O jornalista Raimundo Rodrigues Pereira fez um levantamento das torturas ocorridas em todo o país, e quando militares souberam, proibiram o assunto em todos os meios de comunicação. Diante disso, diretor da revista Veja, Mino Carta, mandou que os telefones da redação fossem desligados, para que não fossem avisados e a reportagem, publicada. Em outro caso, Ricardo Kotscho publicou os privilégios dos funcionários do governo e recebeu ameaças para não circular sozinho pela cidade, e a cada vez que chegava em casa seguia um ritual para se assegurar que estava em segurança. Relatos como esses permitem compreender os perigos que se corria ao assinar uma matéria que ia de encontro com ideais autoritários. Por toda a dificuldade e perigo destes profissionais, deixar estas produções restritas às páginas de

jornais antigos não seria justo. Isso porque, a democracia e liberdade de expressão de hoje se deve, em grande parte, a essas pessoas de coragem e ousadia. Em 21 anos, militares comandaram o Brasil, calaram vozes, repreenderam a mídia e violaram direitos humanos. Familiares de desaparecidos políticos continuam sem respostas. Torturadores continuam impunes, assegurados pela Lei da Anistia - lei que concede perdão aos crimes políticos cometidos no período do regime militar. A Procuradoria da República estima que 30 mil cidadãos sofreram com prisões ilegais, sequestros, torturas, lesões corporais, estupros ou homicídios. Quem lutou contra a ditadura militar no Brasil - sendo jornalista ou não - tem, ao menos, reconhecimento e memória assegurados neste livro, que é uma obra histórica com um rico conteúdo para ser passado para todas as gerações.

Brasil investiga crimes políticos Depois de décadas de espera, a história vivida no Brasil no período da ditadura militar será finalmente resgatada. Os sete integrantes da Comissão da Verdade irão apurar violações a direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988. Em dois anos, o grupo irá elaborar um relatório com as circunstâncias dos casos de mortes, torturas e desaparecimentos com os nomes dos devidos responsáveis. A Comissão foi criada pela iniciativa de seis mulheres que, em 1980, entraram na Justiça Brasileira solicitando a busca dos corpos dos militantes desaparecidos para serem entregues aos familiares. Depois de dois anos sem resposta, elas solicitaram o caso na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Depois de investigar por 30 anos, o julgamento aconteceu em San José, capital da Costa Rica. Em dezembro de 2010, o Estado foi condenado e recebeu uma sentença com 12 exigências, entre elas, a abertura dos arquivos de Estado e a criação de uma Comissão da Verdade. Esses dois pontos já foram cumpridos. Derlei Catarina De Luca, ex-militante e uma das mulheres que levaram o caso à frente na Corte, critica que somente agora os meios de comunicação brasileiros estão dando destaque ao tema. “A imprensa divulga, mas não diz por quê. Como se fosse obra do Espírito Santo. A Comissão da Verdade e da Lei de Acesso à Informação chegaram porque o Brasil foi

condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Nenhum meio de nível nacional disse isso na época”. O objetivo das investigações é esclarecer fatos e não punir os responsáveis, e além disso, as pessoas que cometeram crimes políticos foram absolvidas conforme a Lei da Anistia instaurada em 1979. No entanto, como o tema voltou à tona, muitos começaram a protestar para exigir que o Congresso Nacional promova a revisão desta Lei. Entre estes, estão os integrantes da OAB do Rio de Janeiro, que enviaram recurso ao Supremo Tribunal Federal e aguardam resposta. Para o presidente da organização, Wadih Damous, a anistia aos torturadores e assassinos mancha a imagem do Brasil na comunidade internacional, uma vez que na Argentina, no Uruguai e no Chile, os responsáveis por crimes de Estado estão respondendo judicialmente. A iniciativa de averiguar os crimes gerou críticas por parte dos militares. Oficiais reformados do Clube Naval do Rio de Janeiro anunciaram a formação de uma “comissão paralela” para rebater as eventuais acusações do grupo oficial. Para eles, esta é uma tentativa de vingança. A presidente Dilma Roussef afirmou em pronunciamento que esta é uma homenagem aos que lutaram pela democracia e não há essa intenção. “Não nos move o revanchismo, o ódio, nem o desejo de reescrever a história, mas de mostrar o que aconteceu, sem camuflagem, sem vetos”.

“O ‘pau-de-arara’ e os choques elétricos eram tão ruins que naquele momento eu realmente achei que fosse impossível de sobreviver”


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Curso de Jornalismo da UFSC - Atividade da disciplina de edição Professor: Ricardo Barreto Serviços editoriais: Folha de S. Paulo, Caros amigos, Jornal do Brasil, Site Memórias de uma Guerra Suja Edição, textos, planejamento e editoração eletrônica: Paula Salvador Impressão: Recicla Print Junho de 2012

LEMBRANÇAS DOS ANOS DE CHUMBO Florianópolis, 14 de junho de 2012.

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A mulher que traz as marcas da repressão Derlei De Luca relembra a época em que foi militante, organizou comícios e foi presa, torturada e exilada que a vítima é pendurada de cabeça para baixo, os joelhos se dobram sobre um pau e as mãos são amarradas nas pernas). Eles foram tão violentos, que a vantagem daquela violência, no meu caso, foi que eu decidi morrer. E aí a cabeça e o coração sossegaram. É que o inferno existe quando tem que decidir. Depois disso, a pessoa fica tranqüila. A tortura era, tão violenta, tão violenta... O “paude-arara” e os choques Derlei De Luca: exemplo de força e coragem elétricos eram tão ruins que naquele momento eu realmente achei que fosse impossível de sobreviver. Às vezes eu me surpreendo que eu sobrevivi. Entrei em coma, quebraram meus ossos, dentes, mas sobrevivi. Acordei no hospital. M: Qual seria a sua reação se reencontrasse os seus torturadores? outro entendimento da vida. Hoje DDL: Já pensei nisso, mas não sei o jovem quer se dar bem, construir qual seria a minha reação. Prefiro uma casa, comprar um carro ou um não encontrar. A tortura é uma excelular de última geração. Naquele periência tão grande que não tem tempo não, só se pensava em criar como esquecer. A minha foi do dia 23 de novembro de 1969 até dia 6 um mundo justo. de janeiro de 1970. Dois meses. Só M: Você se arrepende de algo? DDL: Eu realmente não me arrepen- que marcou a minha vida. Hoje já se do. Eu faria tudo de novo. Claro, eu passaram 40 anos e eu ainda estou gostaria de ter mais conhecimento aqui falando nisso. E eles também teórico na época, porque a gente não não conseguem esquecer. Uma vez, tinha e fazia muita coisa na prática. o companheiro “Carlão” encontrou um torturador, conversou com ele e Mas não mudava nada. M: Como foram as torturas a que o cara perguntou por mim. Quando eu soube disso, eu entrei em pânico você foi submetida? DDL: Tortura é uma coisa terrível, só de ouvir. você não tem ideia. Quando eu fui M: Em algum momento você penpresa, eles começaram a bater na sou em desistir da luta? hora da prisão, e quando cheguei na DDL: Sim, e teve um momento que Operação Bandeirante me botaram parei. Em 1972, eu morava em Lonno “pau-de-arara” (instrumento em drina com meu marido e meu filho. Paula Salvador

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e 1966 até 1968, Derlei De Luca, natural de Içara (SC), fez parte da liderança do Diretório Central Estudantil (DCE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e foi militante da Ação Popular (AP), partido político clandestino da época. Após o decreto do AI-5, em 1968, saiu de Florianópolis, e caiu na clandestinidade até 1973. Depois exilou-se no Chile e em Cuba até 1979. A ditadura acabou, mas a luta continuou. Criou o Comitê Catarinense Pró-Memória de Mortos e Desaparecidos Políticos para exigir a entrega dos corpos dos militantes e publicou o livro No corpo na alma sobre sua experência no período. Hoje, aos 65 anos, luta pela memória dos companheiros e de tudo o que aconteceu. Memória: Por que você aceita falar sobre esse assunto? Derlei De Luca: Eu fiz tratamento psiquiátrico e os médicos diziam que uma das maneiras de limpar as dores da alma é falar sobre o assunto. Então as coisas vão ficando mais leves. Logo começaram a me convidar pra falar em colégios. Fui devagar e hoje eu falo quase normal. M: E qual teu objetivo com isso? DDL: É que se nós que lutamos contra a ditadura não falarmos, quem vai falar? Porque muita gente não sabe. Eu acho que a gente tem que falar e tem que escrever. Quando escrevi o meu livro, eu sofri, fiz tratamento, parava. Fui internada três vezes, tive crise de pânico, mas publiquei o livro, está lá registrado. M: Você media as conseqüências de seus atos ou agia por impulso? DDL: A gente sabia que podia morrer, sabia que podia ser preso. Só que a gente estava disposto a pagar o preço. É que os militantes tinham

Tortura é uma experiência que não tem como esquecer. A minha durou dois meses. Já se passaram 40 anos e eu ainda estou falando nisso

Os militares chegaram na minha casa pra me prender, só que eu usava outro nome. Levaram meu marido pra explicar e me disseram: “Você sabia que o seu marido tem uma amante muito perigosa chamada Derlei Catarina De Luca?”. Nisso, eu peguei o meu menino, fui para o hospital onde ele tinha nascido e deixei ele lá na porta. Porque o meu marido sabia que eu era Derlei e ia acabar falando. No ano seguinte, um companheiro da Ação Popular propôs que eu fosse para a Guerrilha do Araguaia. E eu disse: “Eu não vou, eu quero saber onde está o meu filho”. E o que me manteve com a cabeça sadia, em termos, foi a necessidade de procurá-lo. Levou dois anos e três meses para isso acontecer. M: De tudo o que você viveu, qual foi o momento mais difícil? DDL: Foi a hora que eu deixei o meu filho na porta do hospital. Mais difícil do que as torturas, porque é como algo cortando o coração e não tem como controlar. Isso me dói até hoje. M: Há muitas críticas em relação à Comissão da Verdade ser formada somente por sete pessoas e não ter orçamento. Quais os empecilhos para que as investigações sejam feitas? DDL: Tudo vai dificultar. Mas não acho que seja a questão do orçamento e nem do número de pessoas. Acho que pode funcionar bem se quiserem, vai depender do compromisso político que eles tiverem. M: A Comissão da Verdade não terá poder de punição. Ainda assim você acredita que possa levar à revisão da Lei da Anistia? DDL: Se eles vão rever ou não, eu não sei. Que nós vamos continuar lutando, nós vamos. Só vamos parar de brigar por isso quando a gente morrer. Aí a gente deixa pra geração de vocês.

Ela abraçou a luta política e se dispõe a contar sua trajetória Desde que entrei em contato, Derlei foi receptiva e não hesitou em me receber, mesmo que o assunto não fosse fácil. “É um sofrimento a cada vez que falo”, disse ela. Ainda asim, faz questão de atender a quem se interessa pela sua história, a fim de que a memória não se perca. Hoje ela trabalha na Comissão de Turismo e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, local onde a entrevistei. Antes de começarmos, ela me entregou livros e documentos do Comitê Catarinense Pró-Memória dos Mortos e Desaparecidos Políticos. A imagem da mulher forte que eu tinha antes de encontrá-la, firma-se ainda mais enquanto ouço seus relatos. Em uma hora de conversa, a ex-militante mostrou que as lembranças permanecem vivas com detalhes de cores, de ações e de falas, como se tudo tivesse acontecido a pouco tempo. Torna-se fácil imaginar as cenas. Difícil é imaginar a coragem necessária para enfrentar prisões, dois meses de torturas, a separação de um filho ainda pequeno 12 anos sem poder ter contato com a família. Derlei sobreviveu a tudo isso, mas não sem marcas físicas e psicológicas.

“Durante o espetáculo explodiram duas bombas. Essas duas bombas representam exatamente uma luta para destruir aquilo que nós queremos: uma democracia e uma liberdade!”. Esse é um trecho do discurso do cantor Gonzaguinha que interrompeu os shows de comemoração ao Dia do Trabalho, em 1981, no pavilhão do Riocentro, no Rio de Janeiro. A explosão passou despercebida pela plateia de 20 mil pessoas. Todo o policiamento e a assistência médica tinham sido suspensas. Das 30 portas de saída de emergência, 28 estavam trancadas com cadeado. Por 31 anos, nenhum militar admitiu participação no crime mal sucedido. A primeira confissão do caso está no livro Memórias de uma Guerra Suja, publicado em maio, que traz os relatos de Claudio

Agência Porã/IG

Ex-militar confessa planejar atentado Riocentro

Claudio Guerra publica ser culpado Guerra, ex-delegado do DOPS (Departamento de Operações Políticas e Sociais). Aos 71 anos, ele passa grande parte do seu tempo estudando a Bíblia. Quem o conhece hoje, não imagina que o pastor foi um dos

agentes mais poderosos da repressão do regime militar nos anos 70 e início dos anos 80. Arrependido, ele se dispôs a contar detalhes e a depor na Comissão da Verdade, que vai investigar os crimes que violaram direitos humanos no país. “Não quero mais carregar segredos, não há perdão, mas posso buscar contrição daquilo que fiz. Estou sereno, não podia deixar de fazer o que estou fazendo. Sofro e lamento por tudo o que aconteceu. Sinto como se eu estivesse falando de um Claudio que já não existe mais. Deus já me libertou”. Uma das três bombas explodiu antes da hora no estacionamento do evento, dentro do carro de dois militares que a transportavam. No livro, o ex-delegado conta que a bomba deveria explodir no show, mas o capitão que dirigia estacionou o veícu-

lo embaixo de um fio de alta tensão, e essa carga elétrica provocou a explosão. A segunda bomba explodiu 10 minutos depois, na casa de força do Riocentro. A terceira que não ex-

Sofro e lamento por tudo. Sinto como se eu estivesse falando de um Claudio que já não existe mais

plodiu foi recolhida pela polícia no automóvel destruído. O destino das três era o palco. “A expansão da explosão e a onda de pânico dentro do Riocentro gerariam consequências desastrosas. Era evidente que muitas pessoas morreriam pisoteadas.”

A missão foi organizada por um grupo de militares que era contra a abertura política – uma transição lenta do regime autoritário para o democrático começada em 1975 pelo governo do general Ernesto Geisel. O grupo Vanguarda Popular Revolucionária seria responsabilizado pelo atentado, e assim, teria-se uma boa desculpa para convencer Geisel de acabar com o processo de democratização e de que centros de tortura ainda eram necessários. Os envolvidos, segundo Guerra, eram “os mesmos de sempre”. O coronel Freddie Perdigão do Serviço Nacional de Informações, o comandante Antônio Vieira do Centro de Informações da Marinha e o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-Codi (Departamento de Operações de Informações) do 2º Exército.

“Hoje o jovem quer se dar bem, construir uma casa, comprar um carro. Naquele tempo não, só se pensava em criar um mundo justo”


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