Doenças Raras de A a Z

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36 mÊdicos portugueses apresentam 41 doenças raras


Prefácio

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(hemofilia, por exemplo). As restantes são, entre outras categorias, cancros raros, doenças auto-imunes ou malformações congénitas de origem distinta. Raras, mas frequentes no seu conjunto. Aliás, os cuidados de saúde que motivam e as respostas complexas que exigem, resultam da convergência da potenciação desses factores: raridade, singularidade, diversidade e gravidade. Para além da atenção que geram no Serviço Nacional de Saúde, as mais graves representam, igualmente, um peso social que não pode ser ignorado, antes de mais para a própria família, mas, também, para o Estado pelos apoios que impõem no âmbito das prestações sociais. As doenças raras, uma vez que afectam múltiplos órgãos, sistemas ou funções não dispõem de médicos especialistas no seu todo. São equipas multidisciplinares que se ocupam do diagnóstico, da intervenção terapêutica e do acompanhamento dos doentes. Por estas razões, a Direcção-Geral da Saúde conduz o Programa Nacional que visa melhorar o acesso dos doentes ao Sistema, mas, também, ter em consideração as respostas específicas dos doentes em domínios tão importantes como a inclusão na escola, a formação profissional e o emprego.

obra ora editada pela Federação das Doenças Raras de Portugal – FEDRA – tem grande utilidade. Cidadãos, médicos, farmacêuticos, enfermeiros e outros especialistas em ciências da saúde, ganham com esta publicação um excelente guia prático sobre Doenças Raras, de fácil consulta, escrito em língua portuguesa por especialistas portugueses. Todos reconhecem que as doenças raras afectam muitos doentes. Serão, em Portugal, certamente mais de meio milhão os cidadãos com uma dessas doenças. Paradoxo aparente. Algumas são, realmente, muito raras, extremamente raras, dir-se-ia com mais propriedade, como sucede com a síndrome de Pitt Hopkins que afecta quatro portugueses (a nível mundial não serão mais de cento e cinquenta a sofrerem esta anomalia congénita). Outras, naturalmente, têm maior magnitude, uma prevalência mais expressiva e são mais conhecidas, como certas alterações da hemoglobina. Muitas são graves e por vezes altamente incapacitantes, enquanto outras não são impeditivas do normal desenvolvimento intelectual e apresentam evolução benigna. Só uma em cada cinco não tem natureza genética. Isto é, sem relação causal com uma alteração cromossómica (como a síndrome de Down) ou dos genes

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Nesse processo, a investigação assume um pilar básico na perspectiva do aumento da produção de conhecimentos. Aliás, em Portugal, a história da identificação e estudo da paramiloidose de Corino de Andrade é bem um paradigma que não pode ser ignorado. Por outro lado, as estratégias de formação terão que compreender iniciativas informativas, pedagógicas e formativas capazes de assegurar melhores resultados na prevenção, gestão e controlo de doenças raras. É tempo para organizar unidades assistenciais especializadas, verdadeiros centros de referência, que as-

segurem melhor cobertura assistencial aos doentes. É tempo, igualmente, para estabelecer robustas parcerias capazes de articular, potenciando, o trabalho do Serviço Nacional de Saúde com a Educação e a Segurança Social. Importa ainda lançar pontes que contemplem outros Estados-membros da União Europeia e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Neste quadro, há que envolver toda a sociedade, o sector social não-governamental e em particular as associações representativas dos doentes. Todos os doentes.

Francisco George

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Aicardi-Goutieres Síndroma Com um padrão autossómico recessivo esta patologia caracteriza-se por grande irritabilidade, febre intermitente e estéril, perda de aquisições e desaceleração do crescimento do perímetro cefálico.

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síndroma de Aicardi-Goutieres (AGS) é uma encefalopatia de início precoce que condiciona um atraso mental e alterações motoras graves. A forma de apresentação neonatal, com alterações neurológicas acompanhadas de hepatosplenomegalia, aumento das enzimas hepáticas e trombocitopenia, sugere muitas vezes um quadro de infecção congénita. Em muitas crianças a doença tem uma apresentação, após um curto intervalo livre de aparente desenvolvimento normal. Tipicamente, o início da encefalopatia é subagudo, caracterizado por uma grande irritabilidade, febre intermitente e estéril, perda de aquisições e desaceleração do crescimento do perímetro cefálico. Esta fase pode durar vários meses, deixa sequelas cognitivas e motoras muito graves, mas a doença entra depois num período de estabilidade ou de evolução muito lenta. Cerca de 40% apresentam lesões (frieiras) da pele nos dedos das mãos e pés e nas orelhas. Manifestações mais raras e tardias da AGS são o glaucoma, a escoliose, a diabetes insulino-dependente e o hipotiroidismo. Contribui para o diagnóstico da AGS a análise do líquido cefalorraquidiano (LCR), a contagem

dos seus leucócitos e a determinação das concentrações do Interferão Alfa (IFN-α) e da neopterina. A neopterina está frequentemente elevada no LCR e parece ser um bom marcador da doença. Estes testes são informativos, na fase inicial da doença, mas normalizam frequentemente nos primeiros anos de vida. O diagnóstico é feito nas crianças com o quadro clínico típico, as anomalias características na TAC cerebral (calcificações dos gânglios da base, particularmente no putamen, globus pallidus e tálamo e da substância branca), as alterações da RMN cerebral (leucodistrofia e quistos temporais) e a identificação de mutações num dos cinco genes conhecidos para a AGS. Em 90% das crianças com as características clínicas e de imagem são identificadas mutações nos genes TREX1, RNASEH2A, RNASEH2B, RNASEH2C e SAMHD1. Há indicações de que, pelo menos mais um gene, pode estar implicado na AGS. Existe uma sobreposição dos diferentes fenótipos associados a mutações em cada um dos cinco genes identificados para a AGS, mas começa a delinear-se a possibilidade de definir alguma correlação fenótipo-genótipo. A forma de apresenta-

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Para saber mais www.aicardisyndrome.org/site/ www.aicardi-goutieres.org www.linharara.pt

ção neonatal, com uma mortalidade mais elevada, está frequentemente associada com TREX1, RNASEH2A e RNASEH2C, enquanto que as formas de início mais tardio e de evolução mais benigna são mais frequentes com RNASEH2B e SAMHD1. Uma ocorrência descrita recentemente na AGS é a existência de uma doença dos grandes vasos intracranianos, em associação com mutações no gene SAMHD1.

Algumas manifestações da doença podem ser tratadas, como as complicações respiratórias e a epilepsia (53% dos casos). Na maioria dos casos a AGS é herdada com um padrão autossómico recessivo mas, em algumas situações, pode resultar de uma mutação autossómica dominante de novo no gene TREX1. A identificação de portadores e o diagnóstico pré-natal são possíveis, se a mutação na família for conhecida.

Clara Barbot Neuropediatra • Licenciatura, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto • Doutoramento em Ciências Médicas, ICBAS, Universidade do Porto • Directora do Serviço de Neurologia Pediátrica, Centro Hospitalar do Porto (1998-2010) • Investigadora, IBMC (UnIGENe) • Neuropediatra do Gettingit (Pediatria e Desenvolvimento) • Neurologia Pediátrica, Doenças neurodegenerativas e neurometabólicas, Ataxias recessivas

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Autismo Atinge quatro vezes mais os rapazes. Em Portugal tem uma prevalência estimada de, aproximandamente, um caso em cada mil crianças, em idade escolar.

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atologia neurológica crónica, de espectro clínico alargado, que se manifesta por atraso ou desvio nas aquisições do desenvolvimento psicomotor e por alterações do comportamento. Na grande maioria dos casos esta sintomatologia é evidente nos dois primeiros anos de idade. Atinge quatro vezes mais os rapazes. Classicamente, considera-se como exclusivo do autismo a presença de uma tríade semiológica de défices na interacção e comunicação, na aquisição e uso da linguagem verbal e não verbal bem como um comportamento rígido e de interesses restritos, sendo este painel funcional e comportamental sempre desajustado do nível intelectual. No entanto, este perfil clínico é muito heterogéneo e o nível intelectual que é frequentemente abaixo da média na população com autismo, pode ser normal ou até acima da média nalguns casos. Já o estilo cognitivo é sempre patológico, caracterizando-se por um desinteresse e desmotivação para as aprendizagens de competências sociais adaptativas que não surgem naturalmente como na população em geral. Em Portugal, o autismo apresenta uma prevalência estimada de aproximadamente um caso em cada 1000 crianças em idade escolar.

O diagnóstico precoce, bem como uma avaliação adequada e uma intervenção atempada e intensiva, melhoram o prognóstico. Não há ainda tratamento médico específico e a intervenção baseia-se essencialmente em treino comportamental e educativo estruturado e individualizado para um ensino focado em aprendizagens de autonomia pessoal, doméstica e social, bem como no controlo de comportamento disruptivo. Sob o ponto de vista da etiologia a síndroma clínica do autismo revela também uma grande heterogeneidade. Estudos da taxa de recorrência nos familiares e da concordância de cerca de 90% nos gémeos monozigóticos são a favor de causas genéticas com marcada heredetariedade. Contudo, ainda hoje, apesar da intensa investigação, mais de 80% dos casos permanecem com causa desconhecida ou idiopática. Nos restantes, os rearranjos cromossómicos (cromossomopatias) são as alterações mais detectadas. Têm sido descritas cromossomopatias estruturais em praticamente todos os cromossomas. Estudos de citogenética molecular pela técnica multiplex ligation dependent probe amplification (MLPA) têm permitido a detecção de alterações

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Para saber mais www.autism.com www.autismspeaks.org www.linharara.pt

funcional exaustiva e a investigação laboratorial básica deve passar pelo estudo do cariótipo de alta resolução e pela exclusão do sindroma de X Frágil. O estudo dos loci já conhecidos de susceptibilidade para o autismo por MLPA deve ser ponderado caso a caso. Na área da investigação, as novidades mais recentes decorreram de um vasto estudo do Autism Genome Project (AGP) publicado na revista Nature (Pinto D et al, 2010).

de muito menores dimensões, particularmente na região proximal do braço longo do cromossoma 15 no locus 15 q11-q13, sobretudo duplicações herdadas da mãe, bem como no 16 (16p11.2 e 16p13.11) e no 22 (22q11.21 e 22 q13.3), este último inclui o gene SHANK3, forte candidato ao autismo. Para além de um diagnóstico que deve ser baseado em critérios clínicos quantitativos de padrões internacionais, uma história clínica bem detalhada e a avaliação física e

Guiomar Oliveira Pediatra de neurodesenvolvimento • Doutorada em Pediatria • Assistente Hospitalar Graduada Hospital Pediátrico do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra • Área diferenciada em Pediatria Neurodesenvolvimento • Coordenadora da Unidade de Neurodesenvolvimento e Autismo do Centro de Desenvolvimento Dr. Luís Borges • Professora Auxiliar Convidada de Pediatria da Clínica Universitária Pediátrica da Faculdade Medicina Universidade Coimbra

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Bannayan Riley-Ruvalcaba Síndroma Macrocefalia, peso elevado à nascença, hipotonia e atraso cognitivo são algumas das características desta doença autossómica dominante.

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m 1990 Cohen sugeriu a unificação de três síndromas anteriormente descritos como entidades distintas (Bannayan-Zonnana, Ruvalcaba-Myhre e Reiley-Smith) sob o nome de síndroma de Bannayan Riley-Ruvalcaba, visto serem expressões variáveis da mesma doença. Tal facto foi suportado por estudos clínicos em várias famílias. A síndroma de Bannayan Riley-Ruvalcaba (SBRR) é uma doença genética rara que se caracteriza por macrocefalia associada com um tamanho ventricular normal, presente na maioria dos doentes. Em aproximadamente 60% dos casos a macrocefalia está associada a testa proeminente e fendas palpebrais orientadas para baixo. 35% dos casos apresentam linhas de Schwalbe e nervos da córnea proeminentes. É característico um peso elevado ao nascer (>4000g) e um tamanho superior ao percentil 97 mas o desenvolvimento tende a desacelerar e as proporções dos indivíduos adultos são normais. 50% dos casos apresentam hipotonia (falta de força muscular), atraso no desenvolvimento motor, atraso cognitivo moderado a grave e atraso na linguagem. Cerca de um quarto dos indivíduos tem epilepsia.

A presença de hipotonia e atraso motor é confirmada através de biopsia muscular onde é possível observar uma miopatia proximal. Mais de 50% dos doentes apresentam angiolipomas subcutâneos disseminados pelo corpo, enquanto 75% apresentam lipomas, alguns dos quais agressivos originando complicações. A maioria dos homens afectados apresenta múltiplas manchas subtis tipo “café-com-leite” no pénis, e alguns dos doentes afirmam terem tido este tipo de pigmentação característica. É frequente o aparecimento de hamartomas no sistema gastrointestinal (45% dos doentes), no crânio (20%) e nos ossos (10%). O SBRR é transmitido hereditariamente através de uma forma autossómica dominante. Até agora, o único gene identificado e responsável por esta doença é o gene PTEN. Localizado no braço longo do cromossoma 10, são encontradas frequentemente mutações nos exões 6 e 7 deste gene supressor tumoral. A SBRR e a síndroma de Cowden são entidades clínicas distintas tendo por etiologia diferentes mutações.

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Para saber mais www.uihealthcare.com/topics/medicaldepartments/cancercenter/bannayanriley/index.html http://children.webmd.com/bannayan-riley-ruvalcaba-syndrome www.linharara.pt

Purificação Tavares Geneticista • Licenciada em Medicina e Cirurgia pela FMUP • Professora Catedrática de Genética Médica da FMDUP • Fundadora do CGC, 1º Laboratório privado de Genética Médica • Responsável pelo 1º Programa de Rastreio Pré-Natal em Portugal • Membro da Direcção do Código de Genética Médica da Ordem dos Médicos

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Cadasil Arteriopatia Cerebral Autossómica Dominante com Enfartes Subcorticais e Leucoencefaloptia Angiopatia cerebral hereditária que resulta de mutações na proteína Notch3 e caracterizada por atrofia cortical e central e múltiplos pequenos enfartes císticos.

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Arteriopatia Cerebral Autossómica Dominante com Enfartes Subcorticais e Leucoencefaloptia (Cerebral Autosomal Dominant Arteriopathy with Subcortical Infarcts and Leukoencephalopathy – CADASIL) é a mais frequente das angiopatias cerebrais hereditárias. A CADASIL resulta de mutações da proteína Notch34, um receptor da membrana das células musculares lisas da parede vascular. As mutações tipicamente encontradas em doentes com CADASIL resultam na alteração do número de resíduos de cisteína nos domínios de tipo EGF. A maior parte das mutações patogénicas do gene NOTCH3 localiza-se nos exões que codificam os domínios de tipo EGF da extremidade N-terminal da proteína, mas a distribuição das mutações por exão não é idêntica em todas as populações estudadas. Assim, as estratégias de diagnóstico genético mutacional de CADASIL devem ser ajustadas à informação epidemiológica genética disponível. Em Portugal, cerca de 80% das mutações identificadas em famílias com CADASIL localizam-se nos exões 4, 11, 18 e 197. A prevalência de mutações patogénicas do gene NOTCH3 na população adulta foi avaliada entre 30-55/1 000 000 indivíduo. A pe-

netrância fenotípica das mutações patogénicas do gene NOTCH3 em heterozigotos, embora seja elevada não é completa, o que levanta questões éticas importantes no contexto de diagnóstico pré-natal e de diagnóstico pré-sintomático. A patologia cerebral da CADASIL é caracterizada por atrofia cortical e central e por múltiplos pequenos enfartes císticos (enfartes lacunares), com diâmetros que em geral não excedem os 15 mm, localizados predominantemente na substância branca, na substância cinzenta profunda e na ponte. No exame histológico observa-se degenerescência e espessamento não-ateromatoso da parede vascular das artérias de pequeno e médio calibre e das arteríolas leptomeníngeas e intracerebrais. Em microscopia electrónica é possível identificar depósitos de material osmiofílico granular na camada média da parede vascular, que são considerados patognomónicos da CADASIL. Estas alterações ultraestruturais podem ser também observadas em biopsia de pele. O diagnóstico de CADASIL baseia-se no reconhecimento das manifestações clínicas típicas, na história familiar de hereditariedade autossómica dominante de uma ou mais manifestações clínicas típicas e na identificação dos sinais neurorradio-

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C Para saber mais http://emedicine.medscape.com/article/1423170-print www.ncbi.nlm.nih.gov/omim/125310 www.linharara.pt

são as lesões hiperintensas multifocais periventriculares e da substância branca profunda, os enfartes lacunares múltiplos e as micro-hemorragias. A presença isolada de lesões hiperintensas envolvendo os pólos temporais é um sinal neurorradiológico com elevada especificidade de diagnóstico. A expressão clínica intrafamiliar da CADASIL é muito variável. A média etária de morte é de cerca de 65 anos nos homens e de 70 anos nas mulheres Não há terapêuticas específicas para a doença.

lógicos característicos nas sequências apropriadas de ressonância magnética cerebral (RMC). As principais manifestações clínicas da CADASIL são as enxaquecas, os acidentes isquémicos transitórios (AIT) e os enfartes lacunares, a deterioração cognitiva de tipo subcortical e as perturbações do humor, sobretudo depressão. A deterioração cognitiva é a segunda mais frequente das complicações da CADASIL, depois da doença vascular cerebral. Na RMC, as alterações mais típicas de CADASIL

João Paulo Oliveira Geneticista • Licenciado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto • Especialista em Nefrologia e Genética Médica • C oordenador da divisão clínica do Serviço de Genética Humana do Hospital de São João

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Craniossinostoses Grupo heterogéneo de doenças que podem surgir isoladas ou num contexto de malformações gerais que envolvem a face e, eventualmente, os membros.

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s Craniossinostoses constituem um grupo heterogéneo de doenças que apresentam como característica comum o encerramento precoce de uma ou mais suturas craniofaciais, originando assim deformações na forma e volume cranianos. Além das consequências de carácter estético, podem causar várias complicações funcionais decorrentes da hipertensão intra-craniana (lesões cerebrais, oculares e neuropsíquicas). De um modo geral, estes problemas funcionais tendem a aumentar com o número de suturas afectadas. Estas perturbações funcionais são de desenvolvimento gradual, difíceis de detectar e frequentemente irreversíveis. Para além do compromisso funcional, a dismorfia craniana perturba o desenvolvimento psíquico, dado o evidente prejuízo na imagem e auto-estima. As Craniossinostoses podem surgir isoladas (90%) ou num contexto de malformações gerais que envolvem a face, e eventualmente os membros, em mais de 100 síndromas genéticos. Apesar de pouco frequente, tem uma prevalência de 14:10 000 e uma incidência que varia entre 1:1800 a 1:2500, afectando preferencialmente os homens.

Até à data, demonstrou-se que mutações em 5 genes (FGFR1, FGFR2, FGFR3, MSX2, TWIST) podem levar à ocorrência de Craniossinostose. A grande maioria dos casos apresenta um padrão de herança autossómico dominante. O crescimento da calote também se realiza por reabsorção óssea, na superfície endocraniana, e aposição, na superfície exocraniana. Este tipo de crescimento é especialmente significativo em áreas de maior convexidade da calote, tais como a zona frontal e occipitoparietal. Podemos distinguir dois tipos básicos de Craniossinostoses: primárias e secundárias. As Craniossinostoses primárias referem-se ao encerramento precoce das suturas cranianas por alterações intrínsecas das suturas sem modificação do potencial de crescimento cerebral. Deste modo, condicionam alterações da morfologia do crânio sem modificação significativa do seu perímetro. A forma adoptada pelo crânio, segundo a lei de Virchow, está dependente de vários factores: da sutura envolvida, elementos hipoplasticos ou restringidos, elementos hiperplasticos ou compensatórios. As Craniossinostoses podem, por outro lado, ser secundárias a várias condições que suprimem o

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C Para saber mais www.cgcgenetics.com/cgc/main-en/Clinical-Testing/New.html www.craniosynostosis.net/ www.linharara.pt

ce da(s) sutura(s) em causa e a deformação típica correspondente. Os objectivos do tratamento são, em primeira instância, a resolução/prevenção dos problemas de ordem funcional (quer neurológicos quer oftalmológicos, em relação com a hipetensão intracraniana). Em segundo lugar, pretende-se corrigir e restabelecer a morfologia craniofacial normal. A cirurgia deve ter lugar, idealmente, entre os 4 e os 9 meses de idade.

crescimento cerebral, cessado assim o principal estímulo para o desenvolvimento da calote craniana. Este tipo de Craniossinostoses cursa com microcefalia. O diagnóstico precoce é importante para que seja iniciado um protocolo terapêutico adequado. Este é baseado no exame clínico, que evidencia a deformação craniofacial, confirmado através da realização de um TAC Cranio e Face (idealmente com reconstrução 3D), que confirma a estenose preco-

João Marcelino Cirurgião maxilo-facial • Licenciado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. • Vice-Presidente da Associação Portuguesa de Cirurgia Cranio-Maxilo-Facial. • ‘Councilor’ da International Association for Craniomaxilofacial Surgery.

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Displasia Diastrófica Doença autossómica recessiva que afecta as cartilagens e que se caracteriza por nanismo mesomélico associado a pé boto bilateral.

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Displasia Diastrófica é uma doença genética rara de prevalência desconhecida mas com uma incidência provável de 1:100 000. Trata-se de uma displasia esquelética que se caracteriza por encurtamento do tronco, abdómen proeminente, desvios da coluna (cifoescoliose), encurtamento dos membros, braquidactilia, polegares com implantação proximal e em abdução (hitchhiker thumbs), desvio cubital dos dedos, contracturas das grandes articulações, luxação do rádio, pés botos, crânio de tamanho normal, hemangioma na fronte e fenda do palato, formação quística nos pavilhões auriculares no período neonatal (que depois dará lugar a pavilhões auriculares displásicos). Os achados radiográficos incluem cifoescoliose, com redução caudal da distancia interpedicular, tórax em forma de sino, ossos ilíacos hipoplásicos, ossos longos encurtados e com alargamento das metáfises, epífises planas, rádio e tíbia encurvados, braquidactilia, polegar em abdução e de implantação proximal, primeiro metacarpo curto e falanges proximais e médias em forma de delta. O diagnóstico de Displasia Diastrófica deve ser

alicerçado em critérios clínicos e radiológicos. A confirmação do diagnóstico é efectuada recorrendo ao estudo molecular do gene SLC26A2 que deverá revelar a presença de duas mutações. Em termos de tratamento, o objectivo é preservar a mobilidade articular recorrendo a meios físicos (fisioterapia e gesso). No entanto, a típica rigidez das cápsulas articulares e dos ligamentos nesta patologia tornam a correcção por estes meios particularmente difícil. A cirurgia da coluna cervical está habitualmente reservada para situações de compressão medular (evidencia clínica ou neurofisiológica). Relativamente à correcção cirúrgica da escoliose, não há ainda critérios que definam formalmente quais as indicações e timing para esta abordagem. No entanto, considera-se que esta cirurgia deverá ser preferencialmente realizada após a puberdade, excepto nos casos de escoliose com rápido agravamento, ou no caso de haver compromisso respiratório ou sinais neurológicos. A correcção cirúrgica do pé boto está indicada quando a deformidade do pé impede a ambulação. No entanto, esta é também uma cirurgia com taxa de sucesso modesta dado que a recorrência não é rara.

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D Para saber mais www.emedicine.com/orthoped/topic632.htm www.apdpn.org.pt/_scripts/index.asp www.linharara.pt

Dado que a artrose degenerativa ocorre prematuramente (jovens adultos), estes doentes podem beneficiar de artroplastia total de ancas e joelhos, verificando-se significativa diminuição da dor e aumento da mobilidade articular. No que concerne à vigilância, deverá ser efectuada anualmente monitorização das curvaturas da coluna e das contracturas articulares. A obesidade deve ser evitada e combatida dado

que o excesso de carga pode comprometer a função e exacerbar as queixas articulares. A Displasia Diastrófica é uma doença autossómica recessiva. O planeamento de uma nova gestação deverá ser feito após aconselhamento genético e discussão das opções de diagnóstico pré-natal disponíveis para cada casal. O risco de recorrência para os descendentes de indivíduos afectados, desde que não haja consanguinidade, é muito baixo.

Mafalda Barbosa Geneticista • Médica interna do 5º ano da especialidade de Genética Médica • Desempenha funções no Centro de Genética Médica Dr. Jacinto Magalhães do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge • Assistente convidada da Escola de Ciências da Saúde/Instituto de Investigação em Ciências da Vida e da Saúde da Universidade do Minho • Coordenação e colaboração em Projectos de Investigação com múltiplas instituições nacionais e internacionais

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Distrofias Musculares das Cinturas De natureza genética, estas doenças musculares têm uma heterogeneidade clínica e genética bastante difusas.

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s Distrofias Musculares das Cinturas (DMC) são definidas como doenças musculares hereditárias progressivas, crónicas, com predomínio proximal da fraqueza muscular (cinturas escapular e pélvica), preservando a face e associando elevação da enzima muscular creatina cinase (CK) e aspectos distróficos na biopsia muscular. Foram classificadas em dois grandes grupos, consoante o modo de transmissão: autossómica dominante (AD) ou autossómica recessiva (AR). Cada um dos grupos apresenta vários subtipos, designados por uma letra de acordo com a ordem cronológica da descoberta do gene (DMC 1A, 1B, 1C, 2A, 2B, etc.). As formas AR são as mais comuns, compreendendo 90% das DMC. Catorze genes, nas formas AR e três nas formas AD, foram clonados e os produtos proteicos identificados. Em quatro formas AD, o locus cromossómico foi localizado mas não foi identificado nem o gene nem o produto proteico. Os genes responsáveis por estas proteínas distribuem-se por diferentes cromossomas e em diferentes áreas de um cromossoma. Com uma prevalência extremamente variável, de acordo com o país ou região onde foi determina-

da, a incidência geral é de 1 por 15 000 habitantes. O diagnóstico das DMC é baseado na história clínica, exame neurológico, estudo laboratorial, avaliação cardio-respiratória, biopsia muscular e no estudo de genética molecular. A biopsia muscular é fundamental na avaliação diagnóstica, permitindo avaliar directamente as características histológicas gerais típicas das DMC e, através das técnicas de imunohistoquímica e quantificação da proteína muscular (imunoblot), confirmar a ausência de uma proteína muscular específica e quantificá-la nas situações em que ela é evidenciada, mas aparentemente em quantidade reduzida, respectivamente. O estudo de genética molecular é o teste diagnóstico definitivo ao revelar uma mutação patogénica no gene codificando a proteína em estudo e, assim, confirmando a DMC. Actualmente, nenhuma das DMC tem cura. As medidas terapêuticas disponíveis, do tipo conservador, visam diminuir as consequências da fraqueza muscular na realização das actividades diárias do doente e no melhoramento da qualidade de vida e prolongamento da sobrevida. Ajudas técnicas poderão melhorar a autonomia motora. A correcção cirúrgica de deformidades esqueléticas (escoliose

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D Para saber mais www.neuroliga.com/downloads_arquivos/aula03_distrofias.pdf http://emedicine.medscape.com/article/1170911-overview www.linharara.pt

por ex.), o controlo das manifestações de insuficiência cardio-respiratória e o tratamento da dor são alguns exemplos das terapêuticas disponíveis e que devem ser individualizadas para cada doente. Nos últimos anos, tem sido desenvolvida uma intensa investigação científica pluridisciplinar e multicêntrica com o objectivo de encontrar a cura para

as DMC. Com a aplicação de sofisticadas técnicas de engenharia genética pretende-se restaurar a normal expressão e função da proteína no músculo e, desta forma, recuperar a função motora perdida. No caso das situações de diagnóstico pré-clínico, as terapêuticas genéticas podem impedir o aparecimento da sintomatologia clínica.

Luís Negrão Neurologista neuromuscular • Desempenha as funções de Assistente Hospitalar Graduado de Neurofisiologia nos Hospitais da Universidade de Coimbra • Coordenador da Consulta Externa de Doenças Neuromusculares e do Laboratório de Electromiografia e Potenciais Evocados do Serviço de Neurologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra • Presidente do Conselho Científico da Associação de Doentes Neuromusculares da Região Centro

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Epidermólise Bolhosa Hereditária Lesões cutâneas com perda crónica de líquidos, anemia crónica e atraso de crescimento são algumas das características desta doença ainda sem cura.

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Epidermólise Bolhosa (EB) é uma doença genética rara, actualmente incurável, caracterizada por alterações na estrutura constituinte da pele e mucosas, que se manifesta pelo aparecimento de “bolhas”, espontâneas ou após trauma (pressão ou fricção), geralmente dolorosas. A sua gravidade varia entre o leve e o letal. O aparecimento das “bolhas” resulta da alteração (défice ou ausência) dos mecanismos de ancoragem que mantêm as várias camadas da pele unidas como um todo. A microscopia electrónica permitiu a identificação de 16 subtipos de EB que se agrupam em 3 grandes grupos: EB simples – a clivagem é intra-epidérmica, justa membrana basal; EB juncional – a clivagem ocorre em plena membrana basal; EB distrófica – a clivagem ocorre entre a membrana basal e a derme. Quanto mais profundo na pele for o nível de clivagem maior será o numero de complicações e sequelas, tornando-se numa doença altamente incapacitante. Os grupos das EB simples e distróficas podem ter

transmissão dominante ou recessiva. O grupo EB juncional é sempre de transmissão recessiva. Extrapolando a partir dos dados epidemiológicos dos EUA podemos estimar que em Portugal nasçam, por ano, 2 crianças com EB e que, na população em geral, existam 8 doentes em cada 1 milhão de habitantes. O diagnóstico pré-natal é possível através de biópsia de pele do feto, após a 15ª semana de gestação ou, antes desta data, através da análise do DNA fetal obtido por biópsia de vilosidade coriônica ou amniocentese. A microscopia electrónica e a imunofluorescência directa (IFD) em material de biópsia de pele são meios complementares de diagnóstico diferencial entre as várias dermatoses bolhosas As lesões cutâneas originam uma perda crónica de líquidos, electrólitos, proteínas e sangue provocando anemia crónica, diminuição das defesas, risco acrescido de infecção e atraso de crescimento. Em muitos dos doentes com EB, especialmente na EB distrófica, é frequente a perda das unhas e cabelo, o aparecimento de retracções e sindactilias cicatriciais dos dedos das mãos e pés, assim como de lesões da conjuntiva ocular e das mucosas da

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Para saber mais www.debra.pt www.fundacaoliga.pt/content/default.asp?idcat=NucleoEpidermoliseBolhosaNEB www.linharara.pt

boca, esófago, uretra, recto originando perda de dentes, anquiloglossia, estenoses esofágicas, etc. O tratamento de suporte deve ser orientado por uma equipa multidisciplinar - médicos (dermatologistas, cirurgiões, outros), enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais, geneticistas - enquanto esperamos que os avanços na terapia genética, como seja o trans-

plante de células estaminais embrionárias da pele previamente tratadas por terapia genética, possam conduzir à cura. Em Portugal, os doentes ou casos suspeitos devem ser referenciados aos Serviços de Dermatologia do Hospital de S. João no Porto, Hospital de Santa Maria e Hospital Curry Cabral em Lisboa e Hospitais da Universidade de Coimbra em Coimbra.

António Capelo Cirurgião pediátrico • Chefe de Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital Pediátrico de Coimbra • Responsável pelo Sector de Cirurgia Plástica e Queimados • Responsável pela Unidade Funcional de Fissurados do Hospital Pediátrico de Coimbra • Responsável pelo tratamento cirúrgico de doentes com sequelas cicatriciais de Epidermólise Bolhosa Distrófica

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Esclerodermia Esclerose Sistémica Doença com manifestações clinicas heterogéneas sendo o envolvimento pulmonar intersticial e a hipertensão arterial pulmonar as complicações mais temíveis.

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Esclerodermia é uma doença autoimune, rara, de etiologia desconhecida, que se caracteriza pela existência de fibrose e oclusão vascular tecidulares. A deposição excessiva de colagénio na derme, presente na maioria dos doentes, faz com que a pele se torne difícil de preguear. De acordo com o pregueamento cutâneo (efectuado em 17 áreas distintas: face, tórax, abdómen, braços, antebraços, coxas, pernas, mãos e pés), a Esclerodermia divide-se em Difusa (pregueamento alterado acima dos joelhos ou cotovelos ou abaixo das clavículas), Limitada (alteração do pregueamento que não ultrapassa os joelhos, cotovelos nem clavículas) ou Sine Esclerodermia (pregueamento normal). Cerca de 90% de todos os doentes com Esclerose Sistémica, independentemente do subtipo, têm envolvimento gastrointestinal. Qualquer zona do tubo digestivo pode ser afectada mas o atingimento esofágico é o mais frequente (hipomotilidade do corpo, diminuição da pressão do esfíncter esofágico inferior). Estas alterações podem traduzir-se na presença de pirose, disfagia, entre outras. Em 25% dos casos os doentes apresentam-se assintomáticos.

Aproximadamente, 70% dos pacientes têm algum grau de atingimento pulmonar e, actualmente, o envolvimento pulmonar intersticial (alveolite) e a Hipertensão Arterial Pulmonar são as complicações mais temíveis da doença, constituindo a primeira causa de morte. Os sintomas podem ser inespecíficos (ex. fadiga), numa fase inicial, pelo que é necessário estarmos atentos para que o tratamento seja instituído de forma atempada. Outros órgãos e sistemas também podem ser envolvidos, com frequência e clínica variáveis, desde o sistema musculoesquelético (artralgias/artrite, miopatia), renal (crise renal aguda; rara desde a utilização dos IECAS), cardíaco, neurológico, entre outros. Sendo uma doença com manifestações clínicas heterogéneas, o tratamento é baseado no atingimento orgânico não sendo, actualmente, curativo. A avaliação pré tratamento visa, portanto, determinar quais os órgãos envolvidos e, se possível, distinguir se há alterações potencialmente reversíveis, relacionadas com a actividade da doença (inflamação, vasoconstrição), ou irreversíveis (fibrose, necrose), atribuídas ao dano. Vários fármacos têm sido utilizados para as diferen-

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Para saber mais www.lpcdr.org.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=276:esclerodermia&cati d=65:patologias&Itemid=125 www.spmi.pt/docs/nedai/esclereodermia.pdf www.linharara.pt

Quando necessários, devem ser usados durante o menor período de tempo possível e em doses que não ultrapassem os 10mg/dia, salvo raras excepções. O futuro poderá passar por outras alternativas terapêuticas, de acordo com os resultados de ensaios clínicos que estão a decorrer, passando pelo uso de fármacos antifibróticos (ex: Imatinib, já utilizado, actualmente, em situações pontuais), até ao transplante autólogo de medula óssea, em casos seleccionados.

tes manifestações da doença, de que se salientam os vasodilatadores (nifedipina, iloprost, bosentano, entre outros) para as alterações vasculares e os imunossupressores/imunomoduladores (p.ex. ciclofosfamida, MMF, MTX), para o envolvimento tecidular extravascular (ex: alveolite, fibrose cutânea, artrite). A utilização de corticóides deve ser extremamente regrada nesta doença uma vez que constitui um dos factores de risco para o desenvolvimento de crises renais.

Isabel Almeida Medicina interna • Licenciada em Medicina pela Universidade do Porto • Especialização em Medicina Interna • Assistente Hospitalar Graduada de Medicina Interna do Hospital de Santo António, • Responsável pela consulta de Esclerodermia e técnica de videocapilaroscopia • Professora Auxiliar convidada do curso de Medicina do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar / HGSA

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Floating-Harbor Síndroma De origem desconhecida, com uma prevalência extremamente rara, esta patologia caracteriza-se por alterações faciais pronunciadas e baixa estatura, entre outras.

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Síndroma de Floating-Harbor (SFH) é caracterizada por dismorfismo facial característico, baixa estatura, idade óssea atrasada e atraso no desenvolvimento da linguagem expressiva. Até à data foram descritos menos de 50 casos. Os indivíduos com SFH têm baixa estatura e atraso no desenvolvimento ósseo, que se torna menos grave com a idade. As características faciais típicas incluem um rosto de formato triangular, um nariz bulboso com uma ponte nasal larga, columela larga, olhos profundos, com cílios longos, boca com lábios finos e sulco nasolabial pequeno e liso. O defeito da fala é marcado por dificuldades na linguagem expressiva e está frequentemente associada com uma voz hipernasal peculiar. Outras manifestações variáveis incluem a doença celíaca, défice cognitivo, anomalias dentárias (má oclusão dentária, dentes supranumerários no maxilar superior), pescoço curto e clinodactilia do quinto dedo. Anomalias cardíacas e genito-urinárias têm sido descritas em alguns casos. De etiologia ainda desconhecida, a maioria dos casos parece ser esporádica, mas existem alguns casos familiares descritos com

transmissão predominantemente autossómica dominante. O diagnóstico da SFH é realizado com base no fenótipo, baseando-se em particular sobre o dismorfismo facial característico. O diagnóstico diferencial deve incluir outras síndromas dismórficas, especialmente a síndroma de Rubinstein-Taybi e a monossomia 22q11. O dismorfismo facial é mais proeminente em meados de infância. A maioria dos doentes com SFH têm boas condições de saúde e boa qualidade de vida. A estratégia disponível para o tratamento baseia-se na gestão e controlo dos sintomas apresentados. As medidas de intervenção incluem terapia com hormona de crescimento, de forma a atenuar a baixa estatura, tratamento ortodôntico bem como medidas educacionais específicas e terapia da fala.

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Para saber mais http://rarediseases.info.nih.gov/GARD/Condition/6455/FloatingHarbor_syndrome.aspx http://jmg.bmj.com/content/28/3/201.extractl www.linharara.pt

Purificação Tavares Geneticista • Licenciada em Medicina e Cirurgia pela FMUP • Professora Catedrática de Genética Médica da FMDUP • Fundadora do CGC, 1º Laboratório privado de Genética Médica • Responsável pelo 1º Programa de Rastreio Pré-Natal em Portugal • Membro da Direcção do Código de Genética Médica da Ordem dos Médicos

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Goldenhar Complexo malformativo A presença de microtia ou outra malformação auricular ou pré-auricular, associado a uma assimetria facial são características essenciais ao correcto diagnóstico da patologia.

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êm sido propostas numerosas terminologias para este complexo malformativo, o qual inclui alterações otológicas, oculares, faciais e vertebrais, por vezes associadas a anomalias de outros orgãos, tais como o coração, rins e sistema nervoso central. Não é correcto classificar esta malformação como síndroma, pois não existe um conjunto de sintomas que associados definam o quadro. Existe, sim, um espectro contínuo de alterações entre microssomia hemifacial e síndroma de Goldenhar (SG), a que Cohen em 1989 denominou espectro oculo-auriculo-vertebral, o qual pode ser uni ou bilateral. Apesar de não existirem argumentos mínimos de diagnóstico, podemos considerar como característica essencial a presença de microtia ou outra malformação auricular ou pré-auricular, associado a uma assimetria facial. A incidência da SG calcula-se entre 1/3000 e 1/5000 nados-vivos. Existe grande heterogeneidade no que diz respeito à etiologia e patogenia, o que pode representar apenas uma gradação na severidade de um erro similar na morfogénese. Alguns agentes teratogénicos (ácido retinóico, primidona, talidomida, tamoxifeno) estão associados à SG, devendo ocorrer as alterações que

interferem com o desenvolvimento do aparelho branquial, entre a 7ª e a 12ª semanas de vida intra-uterina. A maioria dos casos são esporádicos, embora estejam descritos casos familiares com tipos de transmissão variáveis, tanto autossómica dominante como autossómica recessiva. É característica desta malformação uma grande variabilidade da expressão clínica. A nível da face é frequente uma assimetria mais ou menos acentuada, relacionada com hipoplasia da mandíbula e do malar; pode também existir macrostomia, vários tipos de alterações do palato primário e secundário e frequentemente mal-oclusão dentária. A assimetria mandibular na microssomia hemifacial não é progressiva, sendo o desenvolvimento do lado afectado paralelo ao do lado “normal”. Conforme referimos atrás, é característica essencial do diagnóstico a presença de microtia ou alterações pré-auriculares, nomeadamente apêndices pré-auriculares, únicos ou múltiplos e que se localizam logo adiante do pavilhão ou ao longo de uma linha imaginária traçada entre o tragus e a comissura labial. Nas alterações oculares é característica da SG, a presença de formações dermóides epibulbares, podendo também existir colobomas da pálpebra

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Para saber mais www.goldenhar.org.uk

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www.faces-cranio.org/Disord/Golden.htm www.linharara.pt

deve ser testada devendo ser corrigida precocemente qualquer alteração detectada, especialmente nos casos bilaterais através das Próteses Auditivas Osteoancoradas. A correcção da mal-oclusão dentária é frequentemente necessária, assim como a cirurgia plástica para a remoção dos apêndices pré-auriculares e dos grandes dermóides epibulbares e também para correção das fendas palatinas e alguns casos de microssomia hemifacial, através da distracção mandibular.

superior, blefaroptose e estreitamento da fenda palpebral. O envolvimento da coluna vertebral é frequente, estando descritas alterações da charneira occipito-vertebral, fusão de vértebras, hemivértebras, escoliose ou outras anomalias mais complexas. Embora mais raras, estão referidas alterações noutros órgãos como o coração, rins, ou sistema nervoso central. Em relação ao prognóstico e tratamento, a audição

Miguel Coutinho Otorrinolaringologista • Responsável pelo Departamento de Audiologia Pediátrica e Consulta de Surdez Infantil no Hospital Maria Pia • Vice-presidente do Grupo de Rastreio e Intervenção na Surdez Infantil • Membro da Comissão de Otorrinolaringologia Pediátrica da Sociedade Portuguesa de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cévico-Facial

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Hemofilia Doença tipicamente masculina que se caracteriza por uma deficiência na formação de um coágulo sanguíneo estável.

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Hemofilia é uma doença hereditária, originada por mutações genéticas no cromossoma X do par de cromossomas sexuais, e que se traduz numa dificuldade/impossibilidade de produção de proteínas necessárias ao processo de coagulação: Factor VIII no caso da Hemofilia A, e Factor IX no caso da Hemofilia B. É uma doença tipicamente masculina, sendo que as mulheres não apresentam habitualmente qualquer sintomatologia, compensando a deficiência do cromossoma X portador da mutação, com o cromossoma X saudável. A sua incidência é estimada em 1/10 000 nascimentos (80% – Hemofilia A; 20% – Hemofilia B), e embora seja em regra o resultado de uma herança genética, em cerca de 1/3 dos casos resulta de mutações de novo. O nível de factor determina a gravidade da Hemofilia: Grave – FVIII <1% Moderada – FVIII entre 1 e 5% Ligeira > 5% A Hemofilia caracteriza-se por uma deficiência na formação de um coágulo sanguíneo estável. Um doente com Hemofilia não sangra mais intensamente que uma pessoa saudável, mas a sua hemorragia

prolonga-se por muito mais tempo/não cessa, a não ser que seja feito o tratamento adequado com o factor em falta. O aparecimento da hemorragia é muitas vezes espontâneo não havendo conhecimento de qualquer traumatismo prévio. Pequenos cortes e equimoses não são problemáticos, mas hemorragias em localizações como o Sistema Nervoso Central ou Orofaringe podem causar a morte se não forem tratadas correcta e rapidamente. Um doente com Hemofilia deve manter-se sempre vigilante quanto a quaisquer incidentes envolvendo o crânio, mesmo aqueles que, para uma pessoa saudável, não sejam dignos de cuidados de maior. As hemorragias mais comuns são no entanto as intra-articulares (hemartroses) que, se repetidas, levam ao desenvolvimento da artropatia hemofílica, altamente incapacitante. Embora relatada desde sempre, o conhecimento e investigação da Hemofilia só tem início em finais do século XIX e é só na década de 60 do século XX que se torna possível o controlo efectivo desta doença e a introdução da terapêutica domiciliaria e da profilaxia primária, que permitem o tratamento atempado das hemorragias e a prevenção do desenvolvimento de artropatias. Nas décadas de 80 e 90, com a necessidade de evi-

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Para saber mais www.medipedia.pt/home/home.php?module=artigoEnc&id=169 www.wfh.org/2/docs/Publications/Other_Languages/Hemophilia-in-Pictures-Portuguese.pdf www.linharara.pt

tar contágios com novos vírus como a Hepatite e mais tarde a Sida, desenvolvem-se processos de remoção e inactivação viral, afastando o espectro da transmissão destas e outras doenças através do tratamento com derivados do plasma humano virus-inactivado. Paralelamente, a produção do factor em culturas de células de mamíferos possibilita a produção industrial de concentrados de factores coagulantes sem recurso ao sangue humano.

Desde então novos produtos têm sido desenvolvidos, dispondo-se actualmente de concentrados de 3ª geração (recombinantes), isentos de qualquer proteína de origem humana ou animal. Embora a terapia genica não esteja ainda num horizonte próximo, os doentes com Hemofilia sujeitos a tratamento adequado podem ter uma vida activa e normal, e uma esperança de vida semelhante à restante população.

Alice Tavares Especialista Imuno-Hemoterapia • Assistente Hospitalar Graduada no Serviço de Imuno-Hemoterapia do Hospital de Santa Maria • Responsável pelo Centro de Coagulopatias Congénitas do Serviço de Imuno-Hemoterapia do Hospital de Santa Maria desde 1992 • Presidente da Associação Portuguesa de Coagulopatias Congénitas

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Hemoglobinúria Paroxística Nocturna A HPN é potencialmente fatal e o seu diagnóstico atempado pode permitir a instituição de terapêuticas dirigidas e prevenir complicações graves.

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HPN é uma doença hematológica adquirida caracterizada por uma tríade de anemia hemolítica, trombose e insuficiência medular. A prevalência estimada é de cerca de 15 indivíduos afectados em cada milhão da população. Pode afectar indivíduos de qualquer idade, mas é mais frequente entre os 20 e 40 anos de idade. O quadro clínico da HPN é resultado da ausência de uma molécula glicolipídica membranar (GPI) que serve de âncora para a expressão de diversas proteínas na superfície de todas as células. Uma destas proteínas (CD59) tem como função proteger as células de destruição pelo complemento. A causa molecular são mutações somáticas no gene PIGA nas células estaminais hematopoiéticas. Crê-se que a expansão dos clones HPN deve-se ao facto de as células sem GPI escaparem aos mecanismos imunológicos que geram aplasia medular. A HPN está associada a uma redução significativa da sobrevivência daqueles que dela sofrem. O quadro clínico apresentado na HPN é principalmente devido à hemólise intravascular consequente da susceptibilidade ao ataque pelo complemento:

1. Anemia, que pode levar à dependência transfusional; 2. Tromboses, são mais frequentes nas veias hepáticas mas também frequente noutras localizações; 3. Insuficiência renal, devida à toxicidade directa da hemoglobina livre sobre os glomerulos e a tromboses nos pequenos vasos renais; 4. Hipertensão pulmonar causada por tromboses e embolias pulmonares e por uma vasoconstrição dos vasos pulmonares resultante da depleção de óxido nítrico pela hemoglobina livre; 5. A depleção do óxido nítrico leva a uma disfunção global dos músculos lisos, com disfagia, espasmos intestinais e impotência. Estas manifestações ocorrem de forma heterogénea, com gravidade e manifestações clínicas variáveis entre doentes individuais. A citometria de fluxo é considerada a técnica padrão para estabelecer o diagnóstico. Esta técnica permite não só detectar o defeito como quantificar o tamanho do clone. A heterogeneidade da doença exige que cada doente tenha um plano terapêutico individualizado.

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Para saber mais http://emedicine.medscape.com/article/207468-overview www.nlm.nih.gov/medlineplus/ency/article/000534.htm www.linharara.pt

A maioria dos doentes recebe medidas de suporte: transfusões e anticoagulação. A única modalidade terapêutica curativa na HPN é o transplante alogénico de medula óssea. No entanto, nem todos os doentes podem ser transplantados, seja por ausência de dador ou por apresentarem comorbilidades. O transplante é reservado àqueles com doença mais grave.

O Eculizumab, um anticorpo monoclonal que inibe a actividade do complemento, reduz significativamente a necessidade de transfusões, a frequência de tromboses e dos outros sintomas causados pela HPN. A melhoria clínica é de tal maneira marcada que o Eculizumab tornou-se a terapêutica de eleição para doentes com HPN com critérios de gravidade.

António Almeida Hematologista • Licenciado em Medicina pela Universidade de Cambridge em 1993 • Especialidade em Hematologia no Reino Unido em 2002 • Doutorou-se em 2007 com um trabalho que caracterizou a deficiência hereditária da âncora GPI • Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil • Hematologista no IPOLFG desde 2006.

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Homocistinúria clássica De início insidioso e envolvimento progressivo, esta patologia requer um tratamento que se deve iniciar nas primeiras semanas de vida de forma a permitir uma evolução totalmente normal, a longo prazo.

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Homocistinúria clássica é a principal doença hereditária do metabolismo dos aminoácidos sulfurados e foi descrita pela primeira vez, em 1962 por Carson e Niell. Pouco tempo depois, Mudd demonstrou que a doença é, na realidade, causada pelo défice cistationina β sintetase, enzima que permite a conversão da homocisteína em cistationina. A incidência estimada no rastreio neonatal para esta doença autossomica recessiva é de 1/200 000-300 000 e o gene que a codifica está localizado no braço longo do cromossoma 21. É uma doença com início insidioso e envolvimento progressivo dos órgãos alvo, nomeadamente, olho (luxação do cristalino miopia e glaucoma), esqueleto (membros longos que condicionam estatura alta, aracnodactilia e osteoporose), sistema vascular (tromboembolismo) e sistema nervoso central (atraso cognitivo e acidentes vasculares cerebrais). Ao nascimento, a criança é normal podendo a doença manifestar-se em qualquer idade, desde a primeira infância à idade adulta. Embora em algumas crianças possa ser já evidente algum atraso de desenvolvimento psicomotor, o diagnóstico é efectuado geralmente após os 2 anos de

idade, pelo envolvimento ocular, sendo com frequência o ofalmologista a alertar para o diagnóstico ao detectar a luxação do cristalino, evidente em 80% dos caso, antes dos 10 anos de idade. A osteoporose está presente em praticamente todos os doentes, após a primeira infância, levando a fracturas e escoliose. As alterações vasculares, caracterizadas por arteriosclerose prematura e complicações tromboembolicas das veias e artérias são evidentes em 50% dos doentes, antes dos 30 anos de idade, condicionando o prognóstico pela sua elevada morbilidade e mortalidade. Os marcadores bioquímicos que orientam o diagnóstico são o aumento da homocistina e metionina, com níveis reduzidos de cistina e cistationina no perfil de aminoácidos sericos e urinários. Este diagnóstico deverá ser confirmado pelo doseamento da enzima cistationina β sintetase em fibroblastos, ou pelo estudo molecular. Estão descritas mais de 130 mutações, apenas algumas com relevo epidemiológico, pois um número significativo é encontrado em famílias isoladas. Estas mutações determinam a resposta à piridoxina (cofactor da enzima deficitária) e condicionam as variações clínicas e bioquímicas destes doentes. A

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Para saber mais http://ghr.nlm.nih.gov/condition/homocystinuria www.apofen.pt

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www.linharara.pt

evolução é mais favorável nos casos que respondem a esta vitamina. O objectivo do tratamento é reduzir os níveis de homocist(e)ína para o mais próximo do normal. Cerca de 50% dos doentes respondem total ou parcialmente à piridoxina. Nos casos em que não há resposta, ou que a resposta é parcial, o tratamento passa por uma dieta hipoproteica e pela administração de betaina (fármaco que cria uma

via alternativa para eliminar a homocisteína). Os suplementos em cistina, acido fólico e vitamina B12 são também necessários. Apenas um tratamento iniciado nas primeiras semanas de vida permite uma evolução totalmente normal a longo prazo. A inclusão desta doença no rastreio metabólico neonatal alargado veio permitir a detecção destes doentes em estado pré-sintomático e o início precoce de um tratamento.

Esmeralda Martins Pediatra • Licenciada em Medicina pela Universidade de Coimbra • Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria • Coordenadora da Unidade de Doenças Metabólicas, Hospital de Crianças Maria Pia, Centro Hospitalar do Porto

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Imunodeficiências Primárias Susceptibilidade aumentada a infecções, por vezes associada a predisposição para doenças auto-imunes e neoplásicas são características desta patologia.

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2. As deficiências combinadas ocorrem em cerca de 8%. São muito raras mas podem ser muito graves. As manifestações clínicas incluem a má evolução ponderal, diarreia, eczema e infecções oportunistas. O seu diagnóstico precoce pode determinar a possibilidade de sobrevivência. O transplante de células percursoras hematopoiéticas (TCPH) pode estar indicado e constitui uma emergência nas Imunodeficiências Combinadas Graves. A terapia génica poderá ser uma opção no futuro. 3. As deficiências dos fagócitos (cerca de 11%) podem ser causadas por deficiência do nº ou da função destas células. Podem manifestar-se inicialmente por linfadenite, abcessos cutâneos ou viscerais recorrentes, ou outras infecções graves. O tratamento agressivo das infecções e a profilaxia antimicrobiana estão indicados. O TCPH poderá ser considerado. 4. As deficiências da imunidade inata, recentemente descritas, cursam com susceptibilidade aumentada a infecções bacterianas ou víricas. 5. Outras IDP bem definidas englobam um conjunto de imunodeficiências sindromáticas raras, responsáveis por cerca de 16% dos casos.

s Imunodeficiências Primárias (IDP) constituem um grupo heterogéneo de doenças genéticas caracterizadas por deficiências do sistema imune. Estas doenças têm um espectro muito largo de manifestações clínicas e achados laboratoriais. No entanto, na grande maioria dos casos, manifestam-se por susceptibilidade aumentada a infecções, por vezes associada a predisposição para doenças auto-imunes e neoplásicas. São doenças raras com excepção da deficiência selectiva de IgA (DIgA). A prevalência estimada, com base em dados de registos, é de cerca de 1:10 000 indivíduos (excluindo a DIgA). Nas últimas décadas verificaram-se progressos extraordinários neste campo, estando actualmente descritas mais de 150 IDP, classificadas em oito grupos: 1. As deficiências de anticorpos são as mais frequentes, responsáveis por cerca de 50% dos casos. Geralmente apresentam-se com infecções bacterianas recorrentes, predominantemente respiratórias (otites, pneumonias). A terapêutica é efectuada com Imunoglobulina por via subcutânea ou endovenosa quando indicado.

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Para saber mais www.spimunologia.org www.esid.org www.linharara.pt

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6. As síndromas autoimunes e de imunodesregulação associam-se a linfoproliferação e/ou manifestações de autoimunidade. 7. As síndromas autoinflamatórias incluem doenças que se manifestam por febre periódica. 8. As deficiências do complemento ocorrem em cerca de 5% dos casos. As manifestações clínicas variam consoante o componente deficitário e incluem infecções bacterianas graves recorrentes (Meningococo) ou doenças autoimunes. As manifestações de IDP surgem frequentemente

em idades precoces, mas também podem ocorrer apenas na adolescência ou na idade adulta. Em Portugal, o Grupo Português de Imunodeficiências Primárias (GPIP) reúne os profissionais que trabalham nesta área. Foi criado em 1998 e está actualmente sediado na Sociedade Portuguesa de Imunologia. Consultas especializadas de IDP estão a funcionar no Porto (Centro Hospitalar do Porto e H. S. João), Coimbra (Centro Hospitalar Universitário de Coimbra) e Lisboa (H. S. Maria).

Laura Marques Pediatra • Assistente Graduada do Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar do Porto, onde é Coordenadora da Unidade de Infecciologia Pediatrica e Imunodeficiências • Membro fundador do Grupo Português de Imunodeficiências Primárias • Presidente da Sociedade de Infecciologia Pediatrica • Membro da Sociedade Europeia de Imunodeficiências e da Sociedade Europeia de Infecciologia Pediátrica

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Intersticial Doença Pulmonar Crónica na Criança De diagnóstico difícil, esta doença tem uma apresentação muito variável que vai desde a insuficiência respiratória a sintomas frustres de cansaço.

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s doenças pulmonares intersticiais crónicas da criança são um grupo heterogéneo de patologias em que existe atingimento difuso dos alvéolos e das estruturas adjacentes, o que causa condensação intersticial difusa na radiografia do tórax, padrão funcional restritivo e alteração das trocas gasosas. Na literatura anglo-saxónica são designadas pelo acrónimo chILD (children’s interstitial lung diseases). Na sua classificação usavam-se modelos nosológicos do adulto mas, na última década, surgiram novas propostas de nomenclatura pois na criança muitas têm causa conhecida. Há variantes histológicas exclusivas da infância, caso da hiperplasia de células neuroendócrinas, e respostas ao tratamento diferentes das do adulto, caso da pneumonite intersticial descamativa ou da proteinose alveolar. Muitas diferenças e dificuldades na interpretação histológica resultam dos processos de reparação e de fibrose se darem num pulmão em desenvolvimento. Para o seu diagnóstico é fundamental um alto índice de suspeição. A apresentação é muito variável e vai desde a insuficiência respiratória de

início abrupto no período neonatal, no défice de surfactante B, a sintomas frustres de cansaço, dispneia e intolerância ao esforço. Com frequência existe tosse seca ou pieira, o que pode levar ao diagnóstico erróneo de asma e, na maioria dos casos, existe hipoxemia, sobretudo nocturna, ou durante o esforço, má progressão ponderal e atraso de crescimento. Pode haver história familiar de mortes neonatais ou de doenças respiratórias de causa desconhecida, nas variantes com base genética. Ao exame objectivo podem-se encontrar crepitações finas dispersas e deformidade toráxica; os sinais de hipertensão pulmonar e o hipocratismo digital surgem em fases avançadas. É essencial a procura da etiologia, mas não existe um algoritmo de estudo único dado que o diagnóstico varia com a idade e forma de apresentação. São feitos exames para exclusão de infecções, imunodeficiências, Fibrose Quística e doenças auto-imunes, entre outros, estudo funcional respiratório, RX, TC de alta resolução, ecocardiograma, broncofibroscopia e lavado broncoalveolar, mas em regra o diagnóstico definitivo é obtido por biópsia pulmonar, aberta ou por videotoracoscopia. É essencial que a leitura das lâminas seja

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Para saber mais www.mayoclinic.org/interstitial-lung-disease/ www.medicinenet.com/interstitial_lung_disease/article.htm www.linharara.pt

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feita por anatomopatologista muito experiente em doença intersticial. A oxigenioterapia, quando existe hipoxia, a vacinação, a suplementação calórica adequada e a evicção tabágica são medidas universais. O principal problema na escolha doutros tratamentos, como anti-inflamatórios, hidroxicloroquina, e novos imunomoduladores continua a ser a au-

sência de ensaios clínicos. Um dos objectivos principais do Rare Lung Diseases Consortium é de congregar os doentes dispersos pelos diferentes centros, para tentar ultrapassar esta limitação. Daí advém a importância de se procurar desenvolver no nosso país um registo de doentes, para se integrar no registo europeu que está presentemente a ser implementado.

Inês Azevedo Pediatra • Doutorada em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto • Professora auxiliar de Pediatria na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto • Assistente graduada de Pediatria no Centro Hospitalar de S. João, Porto

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Jeune Distrofia Torácica Asfixiante Doença caracterizada por tórax em forma de sino ou estreito e alongado, com clavículas elevadas e costelas curtas.

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Distrofia Torácica Asfixiante (DTA) é uma osteocondrodisplasia genética rara, com prevalência estimada entre 1:100.00-500.000 nascimentos, reconhecível clinicamente ao nascimento pela presença de tórax estreito e membros curtos. Cerca de 20% dos doentes apresentam também polidactilia pós-axial das mãos e/ou dos pés. O diagnóstico baseia-se nos achados clínicos e radiológicos. O exame ecográfico pré-natal pode revelar alterações esqueléticas sugestivas, mas o diagnóstico específico de DTA num feto é difícil. A restrição torácica pode condicionar hipoplasia pulmonar, que é a principal causa de morte na infância. Globalmente, apenas 20-40% dos doentes sobrevivem até ou para além da idade escolar. A DTA é uma doença geneticamente heterogénea, associada com pelo menos 3 loci distintos, respectivamente em 15q13 (DTA1; gene ainda não identificado), 3q24-q26 (DTA2; gene ITF80) e 11q13.5 (DTA3; gene DYNC2H1). Os genes ITF80 e DYNC2H1 codificam proteínas envolvidas na biogénese e/ou na manutenção da actividade ciliar. Embora o tórax pequeno seja uma manifestação dismórfica constante da DTA, as complicações res-

piratórias que lhe estão associadas podem evoluir com expressão muito diversa. Os recém-nascidos mais gravemente afectados apresentam respiração diafragmática, com taquipneia e cianose e muitos morrem no período neonatal com insuficiência respiratória, associada ou não a pneumonia. Em geral, os doentes que sobrevivem à primeira infância têm melhoria gradual dos sintomas respiratórios. Os sinais radiológicos mais característicos em recém-nascidos e nos primeiros meses de vida são o tórax em forma de sino ou estreito e alongado, com clavículas elevadas e as costelas curtas, horizontais e alargadas na extremidade anterior, a hipoplasia das asas dos ílios, com horizontalização dos acetábulos e configuração em tridente da sua vertente mais medial, que resulta da presença de uma protusão óssea mediana e de dois esporões laterais, a ossificação precoce das epífises capitais dos fémures, o encurtamento relativo, simétrico, de ossos longos dos membros e o encurtamento dos metacarpianos, dos metatarsianos e das falanges. A baixa estatura torna-se mais evidente com o crescimento, embora nalguns doentes tenha início pré-natal. O encurtamento dos membros pode assumir configurações de tipo rizomélico ou

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Para saber mais http://emedicine.medscape.com/article/945537-print. www.ncbi.nlm.nih.gov/omim/208500. www.linharara.pt

J 30% destes casos. A patologia renal mais característica da DTA é de displasia cística ou de nefronoftise pancreáticos e insuficiência pancreática. O tratamento dos doentes com a DTA é sintomático e de suporte, incluindo ventilação mecânica, tratamento intensivo das infecções respiratórias, alimentação por sonda nasogástrica ou por gastrostomia, diálise ou transplante renal, sempre que se justifiquem. Nos casos mais graves pode estar indicada cirurgia de reconstrução torácica.

mesomélico, mas nalguns doentes a braquidactilia é muito acentuada, conferindo aos membros superiores um aspecto acromélico. As extremidades dos dedos das mãos são bulbosas. A radiografia das mãos mostra que as falanges têm epífises cónicas e que há fusão precoce entre as metáfises e as epífises das falanges médias e distais. Nos doentes que sobrevivem às complicações da hipoplasia pulmonar, o principal factor de prognóstico é a doença renal crónica, que afecta até

João Paulo Oliveira Geneticista • Licenciado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto • Especialista em Nefrologia e Genética Médica • C oordenador da divisão clínica do Serviço de Genética Humana do Hospital de São João

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Klippel-Trenaunay-Weber Síndroma Esta doença tem início após o nascimento, na infância ou na adolescência e caracteriza-se pela presença de grandes hemangiomas cutâneos, varicosidade ou malformação venosa e hipertrofia das estruturas ósseas e dos tecidos subcutâneos.

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ambém denominado síndroma KTW (SKTW), síndroma Klippel-Trenaunay (SKT), síndroma angio-ósteo-hipertrofico, malformação vascular com envolvimento ósseo, esta doença tem hereditariedade esporádica ou formas raras familiares, com transmissão autossómica dominante. Com uma prevalência entre um a nove casos em cada 1 000 000 de pessoas, estando descritos cerca de 1000 casos, esta doença tem início, geralmente após o nascimento, na infância ou na adolescência e resulta de uma heterogeneidade génica. Genes candidatos posicionais e funcionais em 5q13.3 (gene AGGF1) e 11p15.5 (gene IGF2). Outros loci sugeridos: 8q22.3. Mecanismo provável de paradominância com mosaicismo somático que surge na vasculogénese/ angiogénese durante o período embrionário; overexpression/gain-of-function para os genes AGGF1 e IGF2. Mosaicismo de derivado em anel (4) do cromossoma 18, r(18). Sugere-se, em caso de antecedentes, o aconselhamento genético que poderá ser efectuado nos serviços de Genética Médica em Lisboa (Hospital Santa Maria e Hospital Dona Estefânia), em Coimbra (Hospital Pediátrico) e no Porto (Centro de Genética Médica Jacinto de Magalhães).

Quando diagnosticada a doença, os doentes são acompanhados em Medicina Interna, Cirurgia Vascular, Ortopedia ou outras especialidades médicas, de acordo com as manifestações da doença. A síndroma Klippel-Trenaunay (SKT) caracteriza-se pela presença de grandes hemangiomas cutâneos com coloração “vinho-do-porto”, varicosidade ou malformação venosa e hipertrofia das estruturas ósseas e dos tecidos subcutâneos relacionados, em grau variável. Habitualmente afecta apenas uma extremidade, mais vezes as pernas. Existem malformações venosas de baixo fluxo, o que o permite distinguir da síndroma de Parker-Weber (OMIM: 608355), em que estão presentes fístulas arteriovenosas (AV) capilares. Na SKTW pode também existir envolvimento do sistema linfático e das estruturas viscerais, como a pleura, o fígado e o baço. Pode ocorrer tromboembolismo, tromboflebite e hemorragias. Clinicamente, pode ser difícil distinguir estes doentes dos portadores da síndroma de Sturge-Weber (OMIM: 185300), estando descritos casos com as duas situações. O diagnóstico é, em grande parte clínico, complementado com ecografia e imagiologia (radiogramas, TAC, RMN,…) dirigidas às lesões ósseas. Se

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Para saber mais www.orpha.net/ www.ncbi.nlm.nih.gov/omim/149000 www.linharara.pt

As abordagens cirúrgicas às malformações vasculares da SKTW são de elevada complexidade e apenas se deverão realizar por médicos e em hospitais com elevada diferenciação nesta área. Por outro lado, a intervenção é multidisciplinar, com articulação dos diferentes médicos envolvidos. Na Orphanet são referidos 5 projectos de investigação que estão a decorrer na Europa: 2 no Reino Unido, 1 na Alemanha, Itália e França.

necessário, poderá recorrer-se a técnicas angiográficas para avaliar da presença de fístulas AV. Não existe ainda um teste genético para diagnóstico desta síndroma. Vários estudos têm procurado identificar os mecanismos implicados na etiologia da doença, sem que exista ainda uma compreensão da fisiopatologia e da sequência de eventos que conduzem à SKTW. Poderá haver uma ligação com os genes AGGF1 (angiogenic factor with G patch and FHA domains 1) e IGF2 (insulin-like growth factor 2).

Luís Nunes (com Rui Gonçalves) Geneticista • Responsável da Especialidade de Genética do Hospital Dona Estefânia CHLC EPE • Professor Associado Convidado da Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa

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Kugelberg-Welander Atrofia Muscular Espinhal tipo III Doença autossómica recessiva insere-se no espectro leve da Atrofia Muscular Espinhal, e apresenta uma sintomatologia logo após os primeiros 12 meses de vida.

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Atrofia Muscular Espinhal descreve um espectro de patologia neuromuscular que se caracteriza por fraqueza e atrofia muscular progressiva devido a degeneração dos neurónios dos cornos anteriores, ou seja 2os neurónios motores da medula espinhal e do tronco cerebral. O início e história natural da doença é muito variável, sendo habitualmente classificada em diferentes subtipos clínicos, que têm em conta a idade de início e função máxima atingida, úteis no delineamento do acompanhamento e prognóstico. A doença de Kugelberg-Welander é também conhecida como Atrofia Muscular Espinhal tipo III ou Atrofia Muscular Espinhal Juvenil e insere-se, portanto, no espectro leve da Atrofia Muscular Espinhal. O início dos primeiros sintomas verifica-se após os 12 meses. Frequentemente, a fraqueza muscular traduz-se em quedas frequentes ou dificuldade a subir e descer escadas, a partir dos 2-3 anos de idade. A fraqueza é, predominantemente, de predomínio proximal e os membros inferiores são mais gravemente afectados que os membros superiores. O prognóstico correlaciona-se com o máximo de

função motora atingida: doentes que nunca conseguem subir escadas sem se socorrer do corrimão perdem habitualmente a marcha por volta da adolescência, ao passo que os indivíduos que desenvolvem capacidades motoras normais antes do início da doença, mantêm a marcha até ao fim da 3ª ou 4ª década de vida. A esperança de vida é idêntica à da população geral. O diagnóstico clínico deve ser confirmado através do estudo molecular dos genes SMN1 e SMN2. A mutação (que em 95-98% dos casos se trata da deleção do exão 7) das duas cópias do gene SMN1 causam a doença no indivíduo. O número de cópias do gene SMN2 modela o fenótipo. Habitualmente, os doentes com doença de Kugelberg-Welander têm as 2 copias de SMN1 mutadas mas, em compensação, têm 3 ou 4 copias do gene SMN2. Na avaliação inicial, deverá ser determinada a extensão da doença, nomeadamente, o estado nutricional, função respiratória (incluindo provas funcionais respiratórias), padrão de sono (com polissonografia), independência nas actividades de vida diárias (e necessidade de ajudas técnicas) e avaliação ortopédica (contracturas, escoliose,

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Para saber mais http://emedicine.medscape.com/article/306812-overview www.orpha.net/consor/cgi-bin/OC_Exp.php?lng=PT&Expert=83419 www.linharara.pt

luxação da anca). O tratamento é essencialmente sintomático e deve colmatar as necessidades que forem surgindo. A vigilância deve ser feita, pelo menos, bianualmente e deve englobar o estado nutricional, função respiratória e avaliação ortopédica. A doença de Kugelberg-Welander é uma doença autossómica recessiva pelo que o risco de recorrência em irmãos é de 25%, devendo a possibili-

dade de diagnóstico pré-natal ser discutida com o casal. É recomendável que, em contexto de consulta de aconselhamento genético, seja feito estudo de portador no parceiro saudável de um indivíduo com doença de Kugelberg-Welander. As mulheres com doença de Kugelberg-Welander podem sofrer exacerbação da fraqueza muscular durante a gravidez. Não se observaram efeitos deletérios sobre a descendência.

Mafalda Barbosa Geneticista • Médica interna do 5º ano da especialidade de Genética Médica • Desempenha funções no Centro de Genética Médica Dr. Jacinto Magalhães do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge • Assistente convidada da Escola de Ciências da Saúde/Instituto de Investigação em Ciências da Vida e da Saúde da Universidade do Minho • Coordenação e colaboração em Projectos de Investigação com múltiplas instituições nacionais e internacionais

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Legg-Calve-Perthes Doença Trata-se de uma necrose avascular de parte ou da totalidade da epífise femoral proximal (EFS). Atinge mais os rapazes entre os 3 e os 9 anos, não havendo prevalência quanto à lateralidade

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4. Remodelação: A revascularização da cabeça do fémur dura mais ou menos 4 meses adquirindo uma forma de novo semiesférica. Este processo de revascularização é exclusivo das crianças. A DP classifica-se em 4 tipos, conforme o atingimento do núcleo de ossificação pela necrose, respectivamente até 25%, de 25 a 50%, de 50 a 75% e mais de 75%. Melhor quanto menor for a idade e o grau de atingimento da cabeça. A presença de lesões associadas, a que chamamos “sinais de cabeça em risco”, também fazem piorar o prognóstico. Estamos a falar de lesões metafisárias, calcificações ou subluxação da anca por aumento do tamanho da cabeça do fémur (fica mais baixa e pais larga). A dP não tem tratamento. Devemos, sim, acompanhar a sua evolução (cerca de 1 ano). Durante este período, deve ser recomendada a abstenção de desportos ou práticas desportivas de contacto (ex: futebol, desportos de inverno, skate. etc.). São de evitar traumatismos directos da articulação. Recomenda-se a natação (que deve substituir as aulas de Educação Física), bem como andar de bicicleta. Ao mínimo sinal de dor ou limitação da mobilidade, durante o curso da do-

doença de Perthes, ou dP, no início é igual à Sinovite Transitória da Anca. A criança entre os 3 e os 9 anos tem dor, limitação da mobilidade da anca (rotações), incapacidade para a marcha, sem alterações do estado geral. Não melhorando ao fim de 3 dias com medicação anti-inflamatória e repouso, deve suspeitar-se de uma DP em fase de Sinovite. O quadro analítico e os exames radiográficos são normais. O único exame que, nesta altura, pode mostrar a doença é a Ressonância Magnética. A DP evolui durante cerca de 1 ano passando por várias fases: 1. Sinovite: É normalmente a fase em que a doença é diagnosticada atendendo ao quadro clínico atrás descrito. Dura cerca de 6 semanas, com alguma melhoria dos sintomas a partir da 2ª ou 3ª semana. Rx normal. Análises normais. 2. Necrose: São evidentes no Rx simples as áreas de necrose, (áreas de maior condensação óssea). 3 a 4 meses. 3. Fragmentação: A área necrosada fragmenta-se com maior ou menor colapso da epífise. Dura também 3 a 4 meses.

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Para saber mais www.nlm.nih.gov/medlineplus/ency/article/001264.htm www.childrenshospital.org/az/Site1231/mainpageS1231P0.html www.linharara.pt

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ença, deve ser administrado um anti-inflamatório e repouso. Se no final existirem sequelas, as mesmas podem ser resolvidas com intervenções cirúrgicas simples.

Gilberto Costa Ortopedista • Licenciatura em Medicina – FMUP, 1977 • Docente de Ortopedia desde1996 • Doutorado em Ortopedia e Traumatologia – 1995 “A Cartilagem de Crescimento” • Director da Unidade de Ortopedia Infantil do H. S. João – 1996 • Chefe de Serviço de Ortopedia do H. S. João – 2001 • Professor Associado da FMUP – 2010 • Regente da Cadeira de Ortopedia e Traumatologia da FMUP-2010

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Lowe Síndroma Sem tratamento específico, esta doença mortal afecta os olhos, o cérebro e os rins e tem uma prevalência estimada na população geral de 1 para 500 000.

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síndroma de Lowe foi descrita, pela primeira vez, em 1952, por Lowe e colaboradores. Trata-se de uma doença genética, hereditária, ligada ao X, causada por um defeito no gene OCRL 1 que provoca uma diminuição na actividade da enzima, fosfatidilinositol (4,5) bisfosfato 5 fosfatase. A acumulação de fosfatidilinositol bisfosfato e o desequilíbrio dos fosfoinositois, que participam na remodelação do citoesqueleto e no tráfico através da membrana, causam o quadro clínico ao nascimento. A prevalência estimada na população geral é de 1:500 000. Os principais órgãos afectados são o olho, o cérebro e o rim pelo que também é denominada como síndroma óculo-cerebro-renal. As cataratas estão presentes ao nascimento em todos os doentes, uma vez que se desenvolvem in utero. Glaucoma pode ser detectado no primeiro ano de vida e pode estar presente em 50% dos rapazes. Hipotonia severa está presente ao nascimento. As crianças apresentam atraso motor e a marcha, geralmente, é adquirida aos 3 anos. Cerca de 10% dos doentes apresentam atraso mental ligeiro, os restantes severo a moderado. Cerca de 50% dos

adolescentes apresentam epilepsia. A maioria desenvolve doença renal no final do 1º ano de vida, que se manifesta por síndroma de Fanconi. A severidade varia muito entre indivíduos. Geralmente, na segunda década de vida surge insuficiência renal crónica e necessidade de diálise. A perda renal de fósforo conduz ao raquitismo renal, osteomalácia e fracturas patológicas. A hipercalciuria conduz a nefrocalcinose e nefrolitiase. Alterações do comportamento e distúrbios de conduta com auto ou hetero-agressividade, irritabilidade, episódios de fúria e comportamento obsessivo-compulsivo podem surgir em 85% dos casos. O doseamento enzimático da actividade da enzima é feito nos fibroblastos, através de uma biopsia de pele. O estudo molecular consiste na identificação de uma mutação causal no gene OCRL1. Não existe tratamento específico para a síndroma de Lowe. As cataratas devem ser removidas precocemente para evitar ambliopia. Um programa psicológico, pedagógico e ocupacional favorece a aprendizagem e previne alterações do comportamento, durante a adolescência. A epilepsia necessita de tratamento específico. A acidose tubular renal deve ser reconhecida e tratada com suple-

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Para saber mais www.lowesyndrome.org www.rarediseases.org www.linharara.pt

tória, convulsões e morte súbita. A morte ocorre entre o final da segunda década de vida e o início da 4ª década de vida. Para o aconselhamento genético é importante saber que mutações de novo ocorrem em 30% dos casos ou as mães podem ser portadoras. Todas as mães de rapazes afectados devem realizar diagnóstico pré-natal.

mentos de citrato de sódio ou potássio e bicarbonato de sódio. O citrato de potássio previne a nefrocalcinose e reduz a excreção renal de cálcio. O raquitismo deve ser tratado com suplementos de fósforo e vitamina D. O criptorquidismo pode melhorar com tratamento hormonal sendo a cirurgia raramente necessária. As principais causas de morte são doença respira-

Anabela Oliveira Bandeira Pediatra • Licenciada em Medicina no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar • Internato Complementar de Pediatria no Serviço de Pediatria do Hospital de Santo António • Estágio de Doenças do Metabolismo com a Dra. Héléne Ogier no Hospital Robert Debré em Paris • Assistente Hospitalar de Pediatria do Centro Hospitalar do Porto • Assistente Hospitalar na Unidade de Metabolismo do Hospital de Crianças Maria Pia

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McCune-Albright Síndroma Mutações no gene GNAS1 estão na origem desta doença não transmissível que afecta o osso, a pigmentação da pele e o funcionamento de algumas glândulas endócrinas.

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síndroma de McCune-Albright é uma doença genética rara que, na sua forma clássica, afecta o osso, a pigmentação da pele (aparecimento de manchas cor “café com leite”) e o funcionamento de algumas glândulas endócrinas. A síndroma de McCune-Albright é causada por mutações no gene GNAS1. Nas células que têm este gene anormal há receptores endócrinos (fracção Gsα do receptor acoplada à proteína G) que se activam e iniciam o seu funcionamento de forma autónoma e desregulada. O gene anormal está presente numa parte, mas não em todas as células do doente, o que explica a variabilidade na expressão das manifestações clínicas. A doença não é herdada, pois é causada por uma mutação que aparece “de novo” e que não se transmite aos filhos. A manifestação mais vulgar de hiperfunção endócrina autónoma é o aparecimento de puberdade precoce (independente da acção das gonadotrofinas), em raparigas. Pode apresentar-se por menarca isolada, em idades muito jovens, muito antes do desenvolvimento da glândula mamária ou do aparecimento de pêlo púbico. A puberdade precoce pode também atingir o sexo masculino,

mas é muito mais rara. Os indivíduos afectados podem ter também hipertiroidismo, hipercortisolismo e gigantismo ou Acromegalia. A alteração óssea da síndroma resulta da displasia fibrosa, que pode atingir um ou mais ossos, mas frequentemente afecta os ossos longos, as costelas ou o crânio. Nas áreas afectadas o tecido ósseo é substituído por tecido fibroso. As lesões ósseas podem ser assintomáticas, apenas detectadas por exames imagiológicos, ou podem manifestar-se por assimetrias, dismorfias ou fracturas patológicas. As lesões cutâneas manifestam-se por áreas, planas e irregulares, de hiperpigmentação (“café com leite”) que nalguns casos podem estar presentes desde o nascimento. As manchas têm aspecto peculiar, com distribuição que não ultrapassa a linha média no abdómen ou na região dorsal. Nalguns casos, não existem manifestações cutâneas ou são escassas, limitando-se a pequenas áreas de hiperpigmentação no pescoço ou nas pregas nadegueiras. O diagnóstico da síndroma de McCune-Albright implica a presença de, pelo menos, duas das três alterações antes descritas. É possível efectuar teste genético para detectar anomalias do gene GNAS1, no entanto, não é

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Para saber mais http://emedicine.medscape.com/article/923026-overview www.nichd.nih.gov/health/topics/mccune_albright_syndrome.cfm www.linharara.pt

ainda possível efectuar o diagnóstico pré-natal e não existem métodos que permitam antecipar a evolução da doença. Não há tratamento específico para a síndroma de McCune-Albright. O tratamento da puberdade precoce é difícil e tem sido tentado com recurso

a fármacos que bloqueiam a produção de estrogénios, tais como a testolactona, com resultados que se revelam promissores. A qualidade de vida é relativamente normal, embora possam surgir complicações resultantes de deformidades ósseas, fracturas e compressão nervosa.

Manuel Fontoura Pediatra • Professor Associado de Pediatria da Faculdade de Medicina do Porto • Chefe de Serviço de Pediatria do Hospital de S. João • Responsável pela Unidade de Endocrinologia e Diabetologia Pediátrica do H. S. João • Membro do Colégio de Especialidade de Pediatria da Ordem dos Médicos • Membro da Comissão Nacional de Normalização da Hormona do Crescimento (1993 - 2006) • Coordenador do Internato Complementar de Pediatria Médica do Serviço de Pediatria do Hospital de S. João

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Mielofibrose Neoplasia Mieloproliferativa A idade média dos doentes com Mielofobrose é de 67 anos e cerca de metade apresenta-se com anemia.

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s neoplasias mieloproliferativas são um conjunto de doenças hematológicas caracterizadas por aumento de produção de uma ou mais linhagens de células sanguíneas. Existem vários subtipos de neoplasias mieloproliferativas mas as mais frequentes são três entidades cuja causa está associada a uma hiperactividade da enzima JAK2: policitemia vera, trombocitose essencial e Mielofibrose. A Mielofibrose é a mais grave destas doenças. Pode ocorrer de novo ou como progressão de policitemia vera ou de trombocitose essencial. É uma doença rara afectando cerca de 2 indivíduos em cada 100,000. O diagnóstico é feito com base na presença de fibrose medular, na presença duma mutação no gene JAK2 (normalmente V617F) ausência de evidência de outras patologias, sobretudo leucemia mielóide crónica (caracterizada pela presença de BCR-ABL) num contexto clínico de anemia, esplenomegalia, LDH elevada e presença de percursores mielóides e eritróides no sangue. A idade média dos doentes com mielofobrose é de 67 anos e cerca de metade apresenta-se com anemia. As características principais desta doença são a fibrose medular, que impede o normal funciona-

mento da medula, e a esplenomegalia. Os sintomas da Mielofibrose são muito debilitantes e incluem febre persistente, sudorese nocturna, perda de peso, prurido, cansaço, dores ósseas e abdominais por causa da esplenomegalia. Para além do impacto importante sobre a qualidade de vida dos doentes, a Mielofibrose também está associada a uma taxa elevada de transformação para leucemia aguda e mortalidade precoce. A sobrevivência e velocidade de progressão dos doentes podem ser estimadas através da estratificação em grupos de risco, calculados de acordo com a idade, grau de anemia, leucocitose, sintomas constitucionais e proporção de blastos no sangue. Os doentes de risco mais baixo têm sobrevivências superiores aos 10 anos mas aqueles com doença de risco mais elevado têm uma sobrevivência inferior a 2 anos após diagnóstico. Até recentemente, as opções terapêuticas para estes doentes eram limitadas. Os doentes mais jovens e com dador de medula óssea compatível podem ser submetidos a transplante alogénico de medula óssea, a única possibilidade de cura para esta patologia. No entanto, a mortalidade associada ao transplante é de cerca de 35% para doentes com menos de 45 anos mas quase 80% para

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Para saber mais www.mayoclinic.org/myelofibrosis http://myelofibrosis.org/ www.linharara.pt

esta modalidade terapêutica é especialmente eficaz em reduzir o tamanho do baço, melhorar os sintomas e até aumentar a sobrevivência dos doentes com Mielofibrose, tendo-se tornado rapidamente na opção terapêutica de primeira linha para os doentes de risco mais elevado. A Mielofibrose é uma doença crónica e debilitante com um impacto importante sobre a qualidade de vida e sobrevivência dos doentes. Os recentes desenvolvimentos terapêuticos, com modalidades dirigidas contra a causa molecular da doença, abriram novas perspectivas de esperança para estes doentes.

aqueles com mais de 45 anos. Tendo em conta a idade média dos doentes com Mielofibrose e a disponibilidade de dadores compatíveis, o transplante é uma opção para uma minoria de doentes. As terapêuticas tradicionalmente utilizadas na Mielofibrose visavam o controle dos sintomas e da proliferação celular provocada pela doença. No entanto, a eficácia de todas estas opções é limitada e os doentes mantêm uma sintomatologia marcada. Recentemente foi estudada a utilização de um inibidor da enzima JAK2 em doentes com Mielofibrose. Os resultados destes estudos revelaram que

António Almeida Hematologista • Licenciado em Medicina pela Universidade de Cambridge em 1993 • Especialidade em Hematologia no Reino Unido em 2002 • Doutorou-se em 2007 com um trabalho que caracterizou a deficiência hereditária da âncora GPI • Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil • Hematologista no IPOLFG desde 2006.

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Mucopolissacaridose VI Doença de Maroteaux-Lamy A MPS VI é uma doença grave, debilitante, que conduz a incapacidade significativa e a uma diminuição da esperança de vida.

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Mucopolissacaridose VI é uma doença de sobrecarga lisossomal, do grupo das Mucopolissacaridoses, rara, pan-étnica, autossómica recessiva. É devida a alterações patogénicas do gene que codifica para a enzima N-acetilgalactosamina 4-sulfatase ou arilsulfatase B, fundamental no catabolismo do glicosaminoglicano sulfato de dermatano. A deficiência da enzima está relacionada com incompleta degradação e consequente acumulação deste GAG nos lisossomas de vários tecidos e orgãos. A prevalência é desconhecida, com registos de 1/238.095 recém-nascidos (norte de Portugal). A apresentação clínica é heterogénea. De uma forma geral, a criança é normal ao nascer e tem um período de crescimento e desenvolvimento normais. Doentes com a forma clássica, grave, rapidamente progressiva, registam em idade precoce atraso do crescimento e sinais de envolvimento multiorganico com face particular, alterações esqueléticas típicas, que caracterizam a disostose multipla, contracturas articulares com restrição dos movimentos, organomegalia, hérnias inguinal/umbilical, deficiência visual (opacidade corneana/glaucoma/atrofia do nervo óptico) e surdez (condução/ sensorial), alteração

da função pulmonar (padrão obstrutivo/restritivo) e doença cardíaca (doença valvular/cardiomiopatia/arritmias/hipertensão pulmonar), que condicionam gravemente a resistência física, e sinais de comprometimento neurológico, por compressão nervosa a nível central (compressão medular) ou periférico (síndroma do túnel cárpico). Nas formas de apresentação moderada ou leve, a idade de início de sintomas é mais tardia, o quadro clínico mais restrito e a progressão lenta. Caracteristicamente, o doente com MPS VI tem desenvolvimento cognitivo normal, embora as limitações decorrentes do envolvimento multisistémico possam condicionar o desenvolvimento psicomotor. A MPS VI é uma doença grave, debilitante, que conduz a incapacidade significativa e a uma diminuição da esperança de vida. A morbilidade depende da severidade do envolvimento. O diagnóstico clínico de MPS VI tem de ser confirmado a nível biológico. No plano bioquímico, a análise qualitativa e quantitativa dos GAGs na urina identifica o substrato acumulado, mas só a determinação de actividade enzimática da enzima ASB (em leucócitos e fibroblastos) permite afirmar o diagnóstico. A caracterização mutacional do gene abre ainda perspectivas para o rastreio e

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Para saber mais www.ommbid.com www.spdm.pt www.linharara.pt

aconselhamento familiar. A abordagem do doente com MPS VI baseia-se no tratamento sintomático de complicações, com apoio multidisciplinar, especialmente fisiátrico, próteses, intervenção farmacológica e cirúrgica e em terapias específicas, que fornecem a enzima deficiente. O transplante de células estaminais hematopoiéticas é uma opção, mas os problemas de compatibilidade tecidular e altas taxas de morbilidade/mortalidade motivam

uso restrito. Actualmente, a terapêutica enzimática de substituição (TES), com enzima recombinante humana, está disponível para doentes com MPS VI, com um perfil de eficácia e segurança favorável e melhores resultados com início precoce. A evolução do doente deve ser monitorizada. O diagnóstico precoce é crucial para minimizar efeitos irreversíveis e optimizar os benefícios do tratamento/ prevenção.

Elisa Leão Teles Pediatra • Licenciada pela Faculdade de Medicina Universidade do Porto • Pediatra Coordenadora da Unidade de Doenças Metabólicas do Hospital de S. João, E.P.E. • Membro do Conselho Científico da Associação Portuguesa das Doenças do Lisossoma • Presidente da Sociedade Portuguesa de Doenças Metabólicas

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Neoplasias Endócrinas Múltiplas 1 (MEN1) Patologia rara, com uma incidência de 0,25% em estudos post mortem, cuja principal causa de mortalidade é o potêncial maligno de alguns dos tumores associados.

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s neoplasias endócrinas múltiplas (MEN) caracterizam-se pela ocorrência de 2 ou mais tumores benignos ou malignos, envolvendo glândulas endócrinas e são reconhecidas 2 formas principais: MEN1 e MEN2. A MEN1 caracteriza-se pela ocorrência de tumores a nível das paratiróides em 95% dos doentes (adenoma ou hiperplasia), pancreáticos em >50% (adenomas não funcionantes, gastrinoma, insulinoma, glucagonoma e malignos), hipofisários em 20-30% (adenomas não funcionantes, prolactinoma, acromegalia, etc), gastroduodenais em >50% (gastrinoma ou carcinóide gástrico), podendo haver outras manifestações a nível da suprarrenal, carcinóide brônquico, colagenomas, lipomas, angiofibromas, etc. Esta é uma patologia rara, com uma incidência de 0,25% em estudos post mortem e a principal causa de mortalidade é o potencial maligno de alguns dos tumores associados. Os sinais e sintomas resultam da hiperprodução hormonal, do tamanho do tumor, ou do potencial de malignidade. Devem ser submetidos a estudo genético os do-

entes com o diagnóstico clínico ou suspeita de MEN1, os familiares de 1º grau de doentes em fase pré-sintomática e outros familiares que exibam sinais ou sintomas. No caso de não haver história familiar, perante a ocorrência de 1 dos 5 principais tumores em indivíduos com <35 anos, ou de mais de uma lesão de MEN1 no mesmo órgão, ou na presença de 2 dos 5 tumores principais, deve ser realizado o estudo genético. A identificação de um doente com MEN1 tem implicações para os restantes membros da família, uma vez que 50% tem risco de desenvolver a doença. O estudo genético determina a abordagem posterior, uma vez que se for negativo exclui o diagnóstico e, se positivo, obriga ao rastreio dos tumores associados. Além disso, permite detectar as fenocópias (que ocorrem em >5%), que não são transmitidas aos descendentes. Doentes com MEN1 requerem o rastreio bioquímico anual (Ca, PTH, gastrina, glicose, insulina, PP, proinsulina, glucagon, VIP, cromogranina A, PRL, IGF-1, T4 livre) e imagiológico, a cada 3 anos, dos diferentes tumores associados. Uma vez que a prevalência da doença aos 5 anos é pratica-

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Para saber mais www.endocrineweb.com/conditions/pituitary-disorders/multiple-endocrine-neoplasia-type-1 www.mayoclinic.org/men1/ www.linharara.pt

mente nula e aos 20 anos é de 50%, o rastreio deve iniciar-se aos cinco anos de idade. O tratamento varia consoante os tumores presentes, envolvendo muitas vezes cirurgia, nomeadamente paratiroidectomia, pancreatectomia e timectomia.

Estes doentes devem ser referenciados em hospitais com serviços de Endocrinologia, Cirurgia, Genética, Radiologia, etc. Existem áreas controversas no rastreio, tratamento e prevenção de doença maligna, o que realça a importância das equipas multidisplinares.

Joana Guimarães Endocrinologista • Licenciada pela Faculdade de Medicina de Coimbra em 1999 • Terminou a especialidade de Endocrinologia em 2007, nos HUC, Coimbra • Exerce actualmente funções como Assistente Hospitalar de Endocrinologia, no Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Nutrição do Hospital Infante D. Pedro, em Aveiro

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Optiz-Frias Síndroma Defeitos no plano mediano do corpo, sobretudo no esqueleto craniofacial e no tubérculo genital, são algumas das características desta doença congénita.

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sta síndroma caracteriza-se por múltiplas anomalias congénitas, tendo sido descrita em duas famílias em 1965, por Opitz e colaboradores. Inicialmente, não se sabia muito bem se as duas famílias teriam a mesma patologia e houve alguma dificuldade na atribuição do nome à doença. Posteriormente, foram publicados artigos descrevendo doentes com um quadro clínico semelhante e características comuns às duas famílias iniciais e concluiu-se que se tratava de uma só entidade clínica. Actualmente, ainda se utilizam diversas denominações, como Opitz G/BBB, Opitz-Frias e Opitz óculo-genito- laríngeo, o que pode causar alguma confusão quando se procura informação sobre a doença. As iniciais dos nomes próprios dos primeiros doentes descritos, BBB e G, completam, assim, o nome da doença. Estudos moleculares recentes revelaram que há duas regiões genómicas associadas a esta doença: um locus em 22q11.2 que causa a forma dominante e um gene localizado na banda Xq22.3 do cromossoma X que causa a forma ligada ao X. Ainda não foi, porém, identificado o gene da forma do-

minante, sendo que alguns doentes têm a doença devido a deleções da região 22q11.2. As principais características da síndroma passam pelo aumento da distância entre as pupilas (olhos afastados), pela raiz nasal larga, fenda do lábio e palato, malformações cardíacas, por dificuldades na deglutição, pela abertura da uretra em localização anómala (chamada hipospadias) e por atraso no desenvolvimento. No entanto, existe uma variabilidade clínica muito grande, mesmo entre membros da mesma família. As dificuldades de deglutição, causadas por malformações da laringe, traqueia e esófago, e que podem também ter uma componente neuromuscular, provocam frequentemente problemas significativos. Uma ajuda ao diagnóstico e uma medida importante de vigilância destas crianças são os estudos da deglutição por videofluoroscopia e a laringoscopia. Habitualmente, há necessidade da correcção cirúrgica das malformações graves laringo-traqueo-esofágicas, das fendas do lábio e palato e das hipospadias, com a orientação clínica feita por uma equipa multidisciplinar. Outras medidas terapêuticas úteis incluem tera-

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Para saber mais http://ghr.nlm.nih.gov/condition/opitz-gbbb-syndrome www.nature.com/ng/journal/v17/n3/abs/ng1197-285.html www.linharara.pt

pia da fala, apoio educacional e neuropsicológico, medicação anti-refluxo gastroesofágico e vigilância da audição. O diagnóstico pré-natal é possível quando se identificam mutações do gene MID1 nas famílias com hereditariedade ligada ao X, ou quando a doença é causada por uma deleção 22q11.2 nas famílias dominantes. Adicionalmente, pode

ser possível o diagnóstico através da detecção de anomalias ecográficas típicas da síndroma, nas famílias que já têm uma criança com a doença. Os assuntos relativos ao planeamento familiar e à possibilidade de diagnóstico pré-natal devem ser discutidos antecipadamente com os pais, em consulta de Genética, antes de se avançar para uma nova gravidez.

João Silva Geneticista • Médico interno de Genética Médica • Desempenha funções no Centro de Genética Médica Dr. Jacinto Magalhães do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge • Assistente convidado das aulas de Genética Clínica do 5º ano da Licenciatura em Medicina do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar • Colaboração em Projectos de Investigação com instituições nacionais e internacionais, na área do atraso mental e anomalias congénitas

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Osteopetrose Doença geralmente reconhecida pelo aumento da densidade dos ossos que envolve todo o esqueleto e que se manifesta de forma simétrica.

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Osteopetrose (doença dos ossos de “mármore”) é uma doença congénita caracterizada por um defeito na função dos osteoclastos, as células que no osso promovem a reabsorção. É uma doença bastante rara, com uma incidência estimada de 1 em 20,000-500,000 (forma dominante), e de 1 em 200,000 (forma recessiva). A forma da idade adulta é também chamada doença de Albers-Schonberg. A doença é geralmente reconhecida pelo aumento da densidade dos ossos que envolve todo o esqueleto e manifesta-se de forma simétrica. Existem três formas principais da doença: 1. A forma infantil ou maligna, de transmissão autossómica recessiva, é mais frequente em casos de casamentos consanguíneos. Expressando-se desde o primeiro ano de vida, a morte é frequente na primeira década. Os ossos são densos, mas frágeis. Pode existir hidrocefalia e anemia grave. Frequentemente existe aumento do baço e do fígado (esplenomegalia e hepatomegalia). São frequentes as lesões dos nervos cranianos. 2. A forma adulta ou benigna, de transmissão autossómica dominante, é caracterizada pela esclerose óssea radiológica que se inicia desde

a infância e que pode complicar-se com fracturas de fragilidade, osteoartrose precoce, lesões dos nervos cranianos (paralisia do nervo facial; surdez), osteomielite da mandíbula e anemia. 3. As formas intermédias de Osteopetrose, menos graves do que na forma infantil, as complicações são mais frequentes e importantes do que na forma benigna, nomeadamente a anemia e as lesões compressivas dos nervos cranianos. São geralmente indivíduos de baixa estatura, com macrocefalia e alterações da arcada dentária. Além dos citados anteriormente, existem outros tipos mais raros de Osteopetrose descritos na literatura científica. Uma forma de alteração esclerosante dos ossos associada a acidose tubular renal foi, até há algum tempo, considerada um quarto tipo de Osteopetrose. Esta situação, apesar de hereditária, com transmissão autossómica recessiva, está hoje identificada como devendo-se a uma deficiência da anidrase carbónica tipo II. A biopsia óssea raramente é necessária para o diagnóstico. O transplante de medula óssea com dador HLA (Human Leukocyte antigen) compatível tem permitido aumentar a esperança e qualidade de vida nas crianças, estando actualmente em curso

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Para saber mais http://emedicine.medscape.com/article/123968-overview www.osteopetrosis.org/ www.linharara.pt

tentativas para aperfeiçoar a selecção dos doentes com melhores hipóteses de resposta terapêutica a este método. Dependendo das situações, pode ser prescrita uma dieta pobre em cálcio e altas doses de vitamina D, tendo por objectivo estimular os osteoclastos hipofuncionantes. O uso de corticóides em altas doses pode ser necessário para

combater os efeitos hematológicos da doença, principalmente na forma infantil. O oxigénio hiperbárico tem sido usado em casos de osteomielite da mandíbula. A libertação cirúrgica dos nervos cranianos comprimidos pode ser necessária, assim como a artroplastia na forma adulta, devido ao aparecimento de Osteoartrose precoce.

Paulo Clemente Coelho Reumatologista • Reumatologista do Instituto Português de Reumatologia • Competência em densitometria óssea pela Ordem dos Médicos • Vários trabalhos realizados e publicados na área das doenças ósseo-metabólicas e da densitometria óssea

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Pancitopenia de Fanconi Anemia Caracterizada por falência progressiva da medula óssea esta patologia progride de forma incidiosa tendo como terapêutica o transplante.

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Anemia de Fanconi é uma doença rara de natureza hereditária. Descrita pela primeira vez em 1927, caracteriza-se pela falência progressiva da medula óssea, onde são produzidos os eritrócitos, os leucócitos e as plaquetas. Frequentemente, estão associadas alterações morfológicas que afectam, de modo muito diverso, diferentes órgãos e sistemas. As mais frequentes são as manchas de hiperpigmentação cutânea, as anomalias esqueléticas, nomeadamente, a nível de ambos os polegares e a baixa estatura. Outras alterações a nível craniano, renal, cardio-pulmunar e gastro-intestinal podem também estar presentes. Uma terceira vertente da doença relaciona-se com susceptibilidade aumentada para doenças de carácter oncológico, nomeadamente Leucemia e tumores sólidos (cabeça e pescoço). Trata-se de uma doença tendencialmente sub-diagnosticada, não só pela sua própria raridade, mas também pela grande variabilidade das alterações morfológicas de doente para doente. Este facto conduz, com frequência, ao diagnóstico tardio, sendo habitual um percurso prévio dos doentes por diferentes especialidades relacionadas com as suas manifestações. Este percurso, muitas ve-

zes longo, colide com os benefícios óbvios de um diagnóstico atempado. É o caso do aconselhamento genético a um casal após o nascimento de um filho doente. A preservação de sangue de cordão oriundo de uma gestação posterior saudável pode vir a revelar-se decisiva para salvar a vida de um irmão mais velho. Manifestações hematológicas como anemia, leucopenia (risco infeccioso) e trombocitopenia (risco hemorrágico) começam a instalar-se ainda na infância. Progridem de forma insidiosa e a um ritmo que, não sendo previsível, pode conduzir à falência medular completa. O transplante de medula óssea é hoje a terapêutica que, de forma mais eficaz e consequente, é capaz de mudar o curso da doença. A falência medular e o risco acrescido de Leucemia podem ser erradicados, o mesmo não acontecendo com o risco acrescido de tumores sólidos. Na década de 80, demonstrou-se que, na origem da doença, está o funcionamento anormal de mecanismos que procedem à reparação dos danos a que o património genético está sistematicamente sujeito. A doença passa, então, a ser classificada como síndroma de instabilidade cromossómica (IC) e é desenvolvido um exame citogenético que,

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Para saber mais www.fanconi.org www.medterms.com/script/main/art.asp?articlekey=9616 www.linharara.pt

ao demonstrar essa instabilidade, se torna no teste mais importante para o diagnóstico da doença. Existe, actualmente, um grande investimento científico em torno da doença, que ultrapassa os seus próprios limites, e que se insere no conhecimento da fisiopatologia do cancro. O Laboratório de Citogenética do Instituto Ciências Biomédicas

Abel Salazar (ICBAS), no Porto, além de oferecer apoio ao diagnóstico citogenético, faz investigação sobre a importância da instabilidade cromossómica como factor determinante da falência medular da susceptibilidade para a malignidade, na perspectiva de procurar agentes profiláticos que limitem a evolução da doença.

P José Barbot Hematologista • Chefe de Serviço de Hematologia Clínica • Responsável pela Unidade de Hematologia Pediátrica do Centro Hospitalar do Porto (CHP)

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Paramiloidose Doença hereditária que se traduz pela degenescência progressiva dos nervos periféricos sensitivos, motores e vegetativos ou autinómicos.

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paramiloidose ou polineuropatia amiloidótica familiar (PAF) é uma doença hereditária autossómica dominante, que se manifesta sempre na idade adulta. É causada pela presença em circulação de uma proteína anormal, instável, que se deposita nos tecidos como substância amilóide, lesando-os. A manifestação principal da doença é uma neuropatia sensitiva, motora e autonómica, que começa nas zonas mais periféricas e vai progredindo de uma forma ascendente e cada vez mais grave. Esta doença foi descrita, pela primeira vez, em 1952, por Corino de Andrade, a partir da observação de doentes oriundos maioritariamente da região da Póvoa do Varzim e Vila do Conde. Existem diversas proteínas e diversas mutações nessas proteínas que causam formas diferentes de PAF. A proteína mais frequentemente envolvida é a transtirretina (TTR), uma proteína circulante que transporta a hormona tiróideia e vitamina A. Conhecem-se inúmeras mutações desta proteína mas, aquela em que o aminoácido valina é substituído pela metionima na posição 30 (TTRVal30Met) é a mais frequente. Esta mutação é responsável por todos os grandes focos da doença. É uma doença hereditária autossómica dominante.

Em certos casos, o erro genético pode estar presente e não se manifestar ou manifestar-se em idade avançada. As principais manifestações da doença traduzem-se pela degenerescência progressiva dos nervos periféricos sensitivos, motores e vegetativos ou autonómicos (estes últimos nervos regulam o funcionamento de todo o corpo, de uma forma reflexa, não consciente).O único tratamento que trava a evolução natural da doença é o transplante hepático. É um tratamento agressivo, com alguma mortalidade e problemas relacionados com a medicação necessária para impedir a rejeição de um órgão estranho ao organismo do doente. Por isso está contraindicado em doentes idosos e em certas doenças crónicas. Para além deste tratamento, é importante nunca desistir de ir resolvendo os problemas que vão surgindo e prevenindo as possíveis complicações: tratar as dores nevrálgicas, combater a desnutrição, manter a actividade física sem exageros e de acordo com a capacidade de cada um, tratar as feridas e as infecções urinárias. Recentemente a European Medicine Agency (EMA) aprovou um novo medicamento chamado Tafamidis/Vyndaquel para o tratamento das formas iniciais da neuropatia. Um ensaio clínico com este medi-

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Para saber mais www.paramiloidose.com www.paramiloidose.org www.linharara.pt

um elemento afectado que recorram a métodos de reprodução que lhes assegurem que os filhos não serão afectados. No diagnóstico e orientação para transplante os doentes com sintomas devem ser encaminhados para consultas de Neurologia com a valência de Paramiloidose, no Hospital de Santa Maria e no Hospital de Santo António.Os familiares de doentes que pretendam saber se herdaram a alteração genética devem ser encaminhadas para consultas de Genética Médica no Porto, em Coimbra ou Lisboa.

camento mostrou ser capaz de parar a evolução, quando 60% dos doentes não tiveram progressão da doença, durante 18 meses e quando nos restantes a progressão foi mais lenta do que nos doentes a tomar placebo. Em Portugal o processo de aprovação está ainda em estudo no Infarmed. Estão em curso outros ensaios com produtos com o mesmo mecanismo de acção e com outras formas de actuação mas ainda vai demorar alguns anos até dispormos de diversas alternativas de tratamento. Além disso hoje é possível propor aos casais com

Teresa Coelho Neurologista • Responsável pela unidade clinica de Paramiloidose do Hospital Santo António no Porto.

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Progeria Síndroma Afecta 1 em cada 4 milhões de recém-nascidos e caracteriza-se por um envelhecimento precoce drástico, levando à morte prematura.

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síndroma de Progeria de Hutchinson-Gilford (SPHG), descrito em 1886 por Jonathan Hutchinson e Hastings Gilford, é uma doença genética rara que afecta, aproximadamente, 1 em cada 4 milhões de recém-nascidos. Esta síndroma é classificada como uma progeria segmentar (envelhecimento precoce drástico) pois vários órgãos e tecidos apresentam fenótipos associados com o envelhecimento. Os recém-nascidos são saudáveis, mas desenvolvem traços clínicos distintivos durante os primeiros anos de sua vida, com grave atraso de desenvolvimento, perda de cabelo, doença cardiovascular, anomalias esqueléticas bem como uma quase ausência de gordura subcutânea. A maioria das crianças sofre de osteoporose e sucumbe no início da adolescência devido a doença arterial coronária e sintomas neurológicos que se manifestam por derrames cerebrais, causados por doença arteriosclerótica progressiva. Outras manifestações clínicas características desta síndroma incluem alopécia, ausência de sobrancelhas e pestanas, hipotricose, pele fina, com rugas e veias superficiais proeminentes. Baixo peso, rigidez das articulações e osteólise distal também costumam estar presentes.

A maioria dos doentes com SPHG têm uma mutação de novo, (constituem o primeiro caso na família) em heterozigotia no gene LMNA. A esperança média de vida é de 14 anos devido a doença arterial coronária. O diagnóstico é suspeitado pelas características fenotípicas e radiológicas e confirmado pela análise ao gene LMNA. O gene LMNA, localizado no braço longo do cromossoma 1 (1q22), codifica um grupo de proteínas denominadas laminas do tipo A, isto é, proteínas dos filamentos intermediários da lamina nuclear interna. Estudos recentes indicam que o uso de inibidores da farnesiltransferase (IFTs – fármacos que bloqueiam a ligação de um grupo farnesil ao terminal carboxílico da proteína) poderá representar uma opção terapêutica para estes doentes. Indivíduos com mutações em heterozigotia no gene LMNA e um fenótipo sobreponível ao da SPHG manifestam as características clínicas desta doença no final da infância/início da adolescência, mas têm uma esperança de vida superior aos casos clássicos de SPHG. Além da SPHG, existem outras dez doenças genéticas diferentes causadas por mutações no gene LMNA. Não está claro como a SPHG se associa ao envelhecimento fisiológico normal, mas a identificação de mutações no gene

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Para saber mais www.progeriaresearch.org/ www.genome.gov/11007255 www.linharara.pt

LMNA aumentou o interesse nas laminas no processo de envelhecimento. Estudando culturas celulares de SPHG, Goldman et al. mostrou que os defeitos nucleares acumulam-se à medida que a cultura envelhece o que, por sua vez, é acompanhado por um aumento na quantidade de progerina.

Uma evidência adicional implicando a progerina no processo normal de envelhecimento vem de estudos recentes, tanto in vitro como in vivo, que mostram que o número de células de indivíduos normais que expressam progerina aumenta com o envelhecimento das células.

P Purificação Tavares Geneticista • Licenciada em Medicina e Cirurgia pela FMUP • Professora Catedrática de Genética Médica da FMDUP • Fundadora do CGC, 1º Laboratório privado de Genética Médica • Responsável pelo 1º Programa de Rastreio Pré-Natal em Portugal • Membro da Direcção do Código de Genética Médica da Ordem dos Médicos

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Queratocone Habitualmente diagnosticado na adolescência, caracteriza-se por perturbação da acuidade visual, distorção das formas, poliopia, halos diurnos e nocturnos e fotossensibilidade.

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ueratocone é uma ectasia corneana bilateral, progressiva, não inflamatória e geralmente assimétrica. Caracteriza-se por uma diminuição da espessura do estroma corneano paracentral que condiciona uma alteração da normal rigidez corneana e que origina uma distorção da superfície corneana. A normal geometria de uma calote esférica altera-se, progressivamente, assumindo um aspecto cónico central ou, mais frequentemente, descentrado no sentido infero-nasal. O Queratocone afecta de forma igual ambos os sexos. É, habitualmente, diagnosticado na adolescência e progride a ritmo variável até à terceira ou quarta década de vida. As queixas clínicas mais comuns são uma perturbação da acuidade visual, distorção das formas (imagens “fantasma”), diplopia monocular (poliopia), halos diurnos e nocturnos e glare/fotossensibilidade progressiva. Todas as camadas da córnea parecem estar afectadas no Queratocone. Estudos anatomo-patológicos permitem evidenciar alterações estruturais múltiplas, que incluem fragmentação da membrana de Bowmann, adelgaçamento do estroma axial e para-axial e alterações cicatriciais fibróticas. Estão descritos

depósitos de ferro nas células epiteliais basais do epitélio corneano que formam um anel de Fleischer, assim como pregas e rupturas na membrana de Descemet, que estão na génese das estrias e alterações súbitas da transparência do vértice do cone (hidropsia) nos estádios mais avançados da doença. A frequência do Queratocone varia, de acordo com as populações estudadas, entre 50-200 casos por 100.000 habitantes. O Queratocone parece ser uma entidade nosológica esporádica e multifactorial; estão descritas famílias com um padrão de hereditariedade autossómica dominante. Alguns genes e deleções cromossómicas foram já associados ao Queratocone incluem: mutações no gene VSX1 e deleções genómicas envolvendo o gene SOD1. As causas ambientais mais associadas ao Queratocone são a atopia e alergias oculares (que condicionam importante prurido ocular), outras situações clínicas associadas ao acto de esfregar repetidamente os olhos (ex. sinal óculo-digital de Franceschetti observado na Amaurose congénita de Leber) e o porte continuado de lentes de contacto. Todas estas situações são propostas como potenciais factores de risco de desenvolvimento de queratocone.

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Para saber mais www.nlm.nih.gov/medlineplus/ency/article/001013.htm www.querotocone.org www.linharara.pt

O Queratocone pode ser dividido em formas ligeiras, moderadas e graves. O tratamento das formas mais avançadas de Queratocone tem sofrido uma evolução significativa nas últimas duas décadas. Existem disponíveis múltiplos tipos de lentes de contacto cujo intuito é aplanar a

distorção superficial. Outras opções terapêuticas incluem a colocação de anéis intra-estromais (Intacs e anéis de Ferrara), cross-linking do colagénio corneano (com riboflavina e luz ultravioleta), queratoplastias lamelares e queratoplastias penetrantes, com uma excelente taxa de sucesso pós-operatório.

Q Eduardo Silva Oftalmologista • Licenciado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra • Doutorado em Oftalmologia pela Universidade de Coimbra • Professor Auxiliar da Faculdade de Medicina de Coimbra • Chefe do Centro de Excelência de Doenças Genéticas Oculares e Sector de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo dos HUC • Investigador no IBILI da Genética do Desenvolvimento Ocular e Distrofias Retinianas

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Rendu-Osler-Weber Telangectasia Hemorrágica Hereditária A epistaxis é a manifestação clínica mais comum desta doença que se manifesta por volta dos 12 anos de idade e que tem origem poligénica.

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síndroma de Rendu-Osler-Weber ou Telangectasia Hemorrágica Hereditária (THH) é uma doença rara que cursa com displasia vascular multissistémica e se caracteriza por epistaxis de repetição, telangectasias mucocutâneas e multiplas malformações arterio-venosas (MAVs) de orgãos e sistemas, provocando susceptibilidade para hemorragias expontâneas. A etiopatogenia é devida a uma alteração da lâmina elástica e da camada muscular da parede dos vasos sanguíneos, que os torna vulneráveis a traumatismos e rupturas espontâneas. A prevalência na população é de 1:100 000, afectando ambos os sexos. A manifestação clínica mais comum é a epistaxis, começando em média aos 12 anos de idade, associadas a telangiectasias ou MAVs que podem existir na pele e ou mucosas. Frequentemente, existem hemorragias após pequenos traumas. Cerca de 25% dos doentes têm hemorragia gastro-intestinal entre os 50 e os 60 anos. Adicionalmente, podem ocorrer MAVs pulmonares, cerebrais ou hepáticas. Apesar de ser uma patologia do desenvolvimento, as crianças são ocasionalmente afectadas (as formas mais graves). As telangiectasias mucocutâneas, epistaxis recorrentes, MAVs com comprometi-

mento visceral e historia familiar são os achados clínicos mais comuns. O diagnóstico é confirmado na presença de, pelo menos, 3 destas manifestações. As manifestações otorrinolaringológicas são as mais frequentes, sendo a epistaxis recorrente a forma de apresentação mais comum. Além da avaliação pormenorizada das telangiectasias mucocutâneas, a imagiologia (ecografia, angio-TAC, RMN) e estudos angiográficos e /ou cataterismos confirmam a presença de MAVs. Esta síndroma é uma doença poligénica – o gene da Endoglina (ENG) localiza-se no cromossoma 9, 9q34.1 e codifica para uma proteína ligante ao Factor de Crescimento – TGFβ e está associado a presença de MAVs pulmonares (fenótipo mais grave); o gene ACVRL-1, locus 12q, está associado ao fenótipo mais ligeiro e de início tardio. A THH é uma doença autossómica dominante, isto é, transmite-se de pais para filhos em 50% dos casos e tem uma penetrância predominantemente completa e espressão intrafamiliar variável. É possível disponibilizar o diagnóstico pré-natal nos fenótipos graves (mutações patogénicas do gene ENG). A terapêutica depende do órgão ou sistema envolvido e da gravidade do fenótipo: nas epistaxis, as

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Para saber mais http://hht.org/ http://emedicine.medscape.com/article/957067-overview www.linharara.pt

atitudes terapêuticas são variáveis, desde os tamponamentos anteriores e posteriores, cauterização eléctrica e/ou química, terapêutica com laser, até à reposição com ferro nas anemias ferropenicas por perdas e/ou as transfusões sanguíneas nos casos mais graves. Nas Telangiectasias cutâneas, a terapêutica tópica ou terapia a laser de ablação.

Nas MAVs pulmonares, a emboloterapia por cateter percutâneo e a intervenção cirúrgica nos casos mais graves. Nas MAVs gastrointestinais, as terapêuticas combinadas, estrogénios e progesterona em pequenas doses. Nas MAVs hepáticas a atitude é preferencialmente conservadora.

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Isabel Mendes Gaspar Geneticista • Médica no Hospital de Egas Moniz e no Hospital de Santa Cruz do CHLO • Investigadora clínica nos projectos de Prevalência da hipercolesterolemia familiar • Estudo clínico e molecular das lipoproteínas com elevado risco cardiovascular • Identificação de novos genes na Hipercolesterolemia Familiar • Estudo Fenotípico e Genotípico da Miocardiopatia Hipertrófica e Factores de Risco de Doença Cardiovascular na População Jovem • Docente da disciplina de Genética Clínica e Laboratorial do Curso de Pós-Graduação da Universidade Lusófona

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Sarcoidose Mais frequente no sexo feminino, esta doença rara tem o seu pico entre os 20 e os 29 anos e surge muitas vezes em indivíduos assintomáticos

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arcoidose é definida como uma doença multisistémica de causa desconhecida. O diagnóstico é suportado por uma quadro clínico e imagiológico, em conjunto com a evidência histológica de granulomas de células epitelióides não caseosas. A doença é rara e a real prevalência não é conhecida pois muitos casos cursam de modo assintomático. Estimam-se valores entre os 10 e 20 casos por 100.000 habitantes nos EUA e Europa Ocidental. Mais frequente no sexo feminino, habitualmente em não fumador, apresenta-se, em mais de 80% dos casos, antes dos 40 anos, com um pico entre os 20 e os 29 anos. Surge muitas vezes em indivíduos assintomáticos, em que o radiograma torácico executado num contexto de avaliação global revela alargamento mediastínico, ocasionalmente acompanhado de alterações parenquimatosas pulmonares bilaterais. Familiares em primeiro grau de doentes com Sarcoidose têm uma maior prevalência. Potencialmente com envolvimento de múltiplos órgãos, cerca de 90% dos casos tem atingimento pulmonar cursando com dispneia, tosse e dor torácica. Cerca de 40% tem envolvimento da pele, gânglios linfáticos, olhos e fígado. A afectação cardíaca e neu-

rológica, se bem que rara, tem implicações no prognóstico. O envolvimento simultâneo do pulmão e de mais um ou dois órgãos orienta presumivelmente para Sarcoidose. A enzima conversora da angiotensina (SACE), produzida pelas células epitelióides dos granulomas sarcoide, quando elevada sugere Sarcoidose. Uma tomografia computorizada de alta resolução permite-nos avaliar melhor todo o envolvimento pulmonar, ganglionar, pleural e hepático. Com raras excepções, é necessária confirmação de hipótese de diagnóstico. Para tal, obtém-se fragmento de tecido de um órgão envolvido para avaliação histológica. Sendo o pulmão o órgão frequentemente envolvido, o recurso a uma biopsia brônquica, biopsia transbrônquica ou mesmo a uma biopsia cirúrgica por mediastinoscopia ou vídeo-toracotomia confirma o diagnóstico. Com o diagnóstico, nem todos os casos necessitam de tratamento. Indicações absolutas incluem o envolvimento cardíaco e neurológico, a doença ocular e a hipercalcémia. A terapêutica com corticosteroides traduz-se , habitualmente, numa franca melhoria clínica da imagem torácica e da função respiratória. Esta terapêutica deverá ser prolongada no tempo, regularmente monitorizada, evitando

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Para saber mais www.nhlbi.nih.gov/health/dci/Diseases/sarc/sar_whatis.html www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMra071714 www.linharara.pt

recidivas. Há numerosas alternativas terapêuticas, protocolizadas em recentes normas de orientação diagnóstica e terapêutica. Novos fármacos na área da biologia molecular são e serão alternativas para casos específicos.

Embora habitualmente com bom prognóstico, recomenda-se que o doente com Sarcoidose seja avaliado e monitorizado, em consulta específica, com recurso a uma equipa multidisciplinar, sequência natural da afectação multiorgânica.

Fernando Barata Pneumologista • Director do Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar de Coimbra • Presidente da Comissão Oncológica do Hospital Geral do CHC EPE • Membro da Comissão de avaliação dos Ensaios Clínicos a realizar no CHC EPE • Vice-Presidente da Direcção da Sociedade Portuguesa de Pneumologia • Membro fundador da Comissão de Trabalho de Pneumologia Oncológica da SPP • Presidente do Grupo de Estudos do Cancro do Pulmão

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Sjögren Síndroma Afecta 0,2% da população, em particular as mulheres a partir dos quarenta anos. Dada a sua sintomatologia difusa a doença é de difícil diagnóstico.

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síndroma de Sjögren (SS) – nome proveniente do primeiro médico que a descreveu, o oftalmologista sueco Henrik Sjögren (1899-1986) –, é uma doença inflamatória, que se crê filiada nas doenças autoimunes (DAI). Na SS, o alvo do ataque imunológico são as glândulas exócrinas, em especial as salivares e as lacrimais. Porque se desenvolve esta autoimunidade ainda não sabemos, embora já se conheçam alguns factores com importância para o desenvolvimento das DAI. Esta doença poderá afectar cerca de 0,2 % da população, nove em cada dez doentes são mulheres e na quarta década da vida. Os sintomas decorrerão da maior ou menor falta de lágrimas – olhos secos (xeroftalmia; queratoconjuntivite seca) sensação de areia nos olhos – falta de saliva – boca seca (xerostomia) e muitas vezes gretada – e atingimento de outras glândulas como, por exemplo, a nível vaginal, pele, etc. A SS pode apresentar outros sintomas e sinais, de que se destaca a fadiga, as dores musculares e articulações e doença neurológica, quer a nível central, quer periférico – neuropatias, sensação de queimor, dor no trajecto de um nervo. Pode, ainda, atingir outros órgãos. Outra situação que será

de ter em conta, felizmente rara, é a possibilidade de aparecimento da doença Hematológica, como o Linfoma. Quanto ao laboratório, pode aparecer Factor Reumatóide positivo até 90% dos doentes, mas o mais específico são os autoanticorpos anti-SSA e SSB que, no entanto, podem aparecer noutras situações, como o Lupus, sem estarem associados à SS. Actualmente, estamos a ganhar experiência com o anticorpo anti-alfa-fodrina. O diagnóstico é suspeitado por alguma das queixas acima referidas; nalguns doentes o diagnóstico é muito fácil, noutros muito mais difícil, podendo demorar anos a ser claramente estabelecido, muitas vezes porque quer o doente, quer o médico subvalorizam estas queixas. Levantada a suspeita, então temos o recurso a exames complementares como análises, exames oftalmológicos, exames imagiológicos, como o cintilograma das glandulas salivares e a biopsia de uma dessas glândulas. Dispomos já de alguns biomarcadores que podem ajudar a prever que doentes podem ter pior evolução, mas de facto, a melhor atitude é uma vigilância regular e um acesso fácil (não apenas nas datas das consultas marcadas, por exemplo o contacto por email) ao médico e ao serviço, sem descurar

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Para saber mais www.spmi.pt/docs/nedai/sindromesjogren.pdf www.sjogrens.org/ www.linharara.pt

musculares e articulares, eventualmente os corticóides ou até imunomoduladores (Hidroxicloroquina) e imunossupressores (por exemplo, Metotrexato) para os casos mais graves. Existem, actualmente, ensaios clínicos utilizando o Rituximab, um anticorpo monoclonal anti-CD20 depletor das células B, que poderá alterar a história natural da doença, particularmente naqueles doentes com factores de risco para o desenvolvimento de Linfoma.

a importante relação com o médico de família. O tratamento é à base de lágrimas artificiais, saliva artificial, que não é tolerada por muitos doentes, a pilocarpina que é um estimulante da produção de saliva, muito aceite por uns doentes e o oposto por outros, usar chiclets e rebuçados, mas sem açúcar, sendo o apoio do medico dentista/estomatologista essencial. Hidratar, frequentemente, as mucosas, nomeadamente com um creme vaginal e a pele. Os anti-inflamatórios não esteróides para as dores

Carlos Vasconcelos Medicina interna • Licenciatura em Medicina pela Universidade do Porto • Assistente Hospitalar de Medicina Interna, com o perfil de Imunologista Clínico no Hospital Geral S. António • Chefe de Serviço de Medicina Interna • Responsável da Unidade de Imunologia Clínica (doenças autoimunes e imunodeficiências) do HGSA

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Takayasu Arterite Predomina no sexo feminino e surge mais comummente na segunda e terceira décadas de vida.

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Arterite de Takayasu (AT), também conhecida por doença sem pulso, é uma doença inflamatória crónica vascular que afecta artérias de grande calibre, como a aorta e os seus ramos principais. Takayasu é o nome do oftalmologista japonês que, em 1905, descreveu a doença pela primeira vez. A etiopatogenese desta doença permanece desconhecida. Sabe-se que predomina no sexo feminino (numa relação de 8,5:1) e surge mais comummente na segunda e terceira décadas de vida. Embora a doença tenha uma distribuição mundial, ocorre mais frequentemente nos países asiáticos. Do ponto de vista histopatológico, encontra-se uma panarterite granulomatosa que leva ao desenvolvimento de lesões vasculares estenóticas em mais de 90% dos doentes afectados. A clínica da AT é variável. Ao longo da evolução da doença são habitualmente consideradas duas fases distintas: uma fase inicial, designada por pré-oclusiva, onde predominam sintomas constitucionais como a febre, a perda de peso e a astenia, manifestações clínicas inespecíficas que dificultam e frequentemente retardam o diagnós-

tico da doença. Numa segunda fase, denominada pós-oclusiva, os sintomas dependerão das áreas acometidas. Pode então ocorrer ausência ou diminuição de pulsos, sopros vasculares, hipertensão, claudicação dos membros, perturbações neurológicas, alterações visuais e outras. O American College of Rheumatology propôs em 1990 critérios de classificação que facilitam a distinção com outras formas de vasculite. O diagnóstico é estabelecido quando estão presentes, pelo menos, 3 dos seguintes critérios: • Idade inferior a 40 anos • Claudicação das extremidades • Diminuição do pulso da artéria braquial • Diferença de pelo menos 10 mmHg de pressão arterial sistólica entre os dois braços • Sopros audíveis na aorta ou artérias subclávias • Alterações arteriográficas Laboratorialmente ocorre subida dos parâmetros inflamatórios (VS, leucocitose e outros). As alterações vasculares da AT podem ser visualizadas por angiografia, angio-RMN, angio-TC, PET scan ou ultrassonografia. Actualmente, preconiza-se a utilização preferencial da angio-RMN ou PET scan para o diagnóstico e avaliação da extensão

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Para saber mais www.rheumatology.org/practice/clinical/patients/diseases_and_conditions/takayasusartritis.asp http://rihuc.huc.min-saude.pt/bitstream/10400.4/440/1/Arterite%20de%20Takayasu.pdf www.linharara.pt

ca deve ser monitorizada com base na resolução das manifestações clínicas e controlo dos parâmetros inflamatórios. Setenta por cento dos doentes irão necessitar de cirurgia de reconstrução ou revascularização arterial. O prognóstico da AT é variável, com 92,9% de sobrevivência aos 5 anos. As principais causas de morte estão relacionadas com a insuficiência cardíaca congestiva e a insuficiência renal secundárias.

da doença. Quando estas técnicas de imagem não estão disponíveis a angiografia convencional deve ser considerada. O tratamento inicial recomendado na AT é prednisolona na dose de 1mg/Kg/dia, durante um a três meses. A redução da corticoterapia após remissão clínica e analítica deve ser progressiva. Nos doentes resistentes ou dependentes da corticoterapia é recomendada a associação de metotrexato ou azatioprina. A resposta à terapêuti-

José Alberto Pereira da Silva e Cristina Ponte Reumatologistas • Director do Serviço de Reumatologia do Hospital de Santa Maria, Lisboa

• I nterna do complementar de Reumatologia do Hospital de Santa Maria, Lisboa

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Ulbright-Hodes Síndroma Considerada habitualmente letal, esta síndroma apresenta morte precoce devido à hipoplasia pulmonar e falta de liquido amniótico, causados pela displasia renal grave.

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mbora seja relativamente frequente a existência simultânea de anomalias renais e dos membros em variadas combinações de padrões de multiplas anomalias, a ocurrência de “casos familiares” de anomalias acro-renais (dos membros e rins) é rara. Ulbright et al. descreveram, em 1984, em três lactentes (dois gémeos e outro que não era familiar deles), uma entidade clínica que consideravam “um novo síndroma” englobando: displasia renal, atraso de crescimento, focomelia e mesomelia (ausência de segmentos dos membros) anomalias das costelas, anomalias dos órgãos genitais externos e um facies característico “tipo Potter”(achatamento antero-posterior). A síndroma foi considerada, habitualmente letal, com morte precoce devida à hipoplasia (falta de crescimento) pulmonar e oligohidrâmnios (falta de líquido amniótico), causados pela displasia renal grave. O modo de transmissão parece ser genético e hereditário, do tipo autossómico recessivo. A sua prevalência é muito rara (<1/1 000 000). Schrander-Stumpel et al. descreveram, em 1990, o caso de dois irmãos recém-nascidos de sexo dife-

rente e que faleceram precocemente, um quadro clínico semelhante. Eles apresentavam atraso de crescimento e o facies “tipo Potter”, focomelia completa (ausência total de membros) dos membros superiores, hipoplasia das costelas, displasia renal e anomalias dos órgãos genitais externos. Os autores consideraram tratar-se da mesma entidade descrita por Ulbright et al., confirmando assim a “nova sìndroma” e sugeriram o nome de “síndroma de displasia renal – anomalias dos membros” (RL syndrome: renal dysplasia – limb defects syndrome), MIM ID 266910.

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Para saber mais www.ncbi.nlm.nih.gov www.orpha.net www.linharara.pt

Margarida Reis Lima Geneticista • Licenciada em Medicina pela Universidade do Porto • Especialista em Pediatria Médica • Especialista em Genética Médica • Coordenadora da Unidade de Genética Médica do Hospital da Boavista-HPP Saúde, do Porto, desde 2008

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Vasculites Conjunto heterogéneo de doenças, geralmente raras, de natureza auto-imune.

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s vasculites são um conjunto heterogéneo de doenças, que se caracterizam, como o próprio nome indica, pela existência de inflamação e lesões destrutivas das paredes dos vasos sanguíneos. Algumas destas doenças aparecem descritas nestes dicionários de forma individualizada, pelo que, neste breve texto, vamos apenas apontar aspectos comuns. As vasculites são cerca de vinte entidades distintas, geralmente raras, mas com uma prevalência variável, segundo a doença e localização geográfica e são, geralmente, de natureza auto-imune, ou seja, em que as lesões vasculares são causadas ou iniciadas por auto-anticorpos, havendo também factores genéticos e ambientais. As vasculites podem ser primárias, se aparecem isoladamente, ou secundárias, se aparecem associadas a outras doenças, sendo as mais comuns as conectivites (como a Artrite Reumatóide ou o Lúpus), neoplasias, infecções ou doenças inflamatórias intestinais. As vasculites podem também aparecer associadas a alguns fármacos. A classificação mais aceite distingue os grupos, de acordo com o tamanho dos vasos mais afectados: Vasculites de grandes vasos (capilares, vênulas pós-capilares e

arteríolas), Vasculites de médios vasos (artérias musculares e outros vasos de tamanho intermédio) e Vasculites de pequenos vasos (aorta, os seus ramos ou as grandes veias). Existem outras classificações baseadas noutros critérios, como sejam o perfil demográfico, o tipo de órgão mais afectado, a presença ou ausência de granulomas nas paredes dos vasos, a formação de imunocomplexos como principal mecanismo fisiopatológico, a existência de determinados autoanticorpos ou a relação com algumas infecções. Os sintomas podem ser constitucionais, como febre, mal estar, perda de peso, artralgias, ou resultarem da necrose ou da inflamação dos órgãos irrigados pelos vasos lesados. Assim, os doentes podem apresentar-se com púrpura, úlceras, nódulos, lesões vesiculobolhosas, livedo reticularis, a nível da pele, nos casos mais graves pode haver mesmo gangrena digital. As hemoptises por hemorragia alveolar podem também ser uma forma de apresentação, assim como glomerulonefrite, uveíte, mononeurite multiplex, claudicação intermitente ou hipertensão renovascular, entre outros. Para se fazer o diagnóstico, o médico tem primeiro que pensar nele para depois requisitar os testes

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Para saber mais www.nlm.nih.gov/medlineplus/vasculitis.html www.nedai.org www.linharara.pt

te a favor de uma Poliarterite Nodosa e a biópsia da artéria temporal pode confirmar o diagnóstico de uma Arterite de Células Gigantes. O tratamento médico baseia-se essencialmente em corticóides e imunosupressores; algumas terapêuticas biológicas apresentam-se promissoras, mas existem dificuldades para a realização de ensaios clínicos, nestas como noutras doenças raras.

adequados, contextualizando-os no quadro clínico do doente. A pesquisa de autoanticorpos como os ANCA, permitem suspeitar de Granulomatose de Wegener ou de síndroma de Churg-Strauss, a detecção de anticorpos anti-GBM é a favor de síndroma de Goopasture, os estudos serológicos podem identificar infecções associadas, a detecção de microaneurismas numa angiografia são fortemen-

Luís Campos Medicina interna • Chefe de Serviço de Medicina Interna • Director do Serviço de Medicina IV do HSFX/CHLO • Responsável pelas Consultas de Doenças Auto-imunes do HSFX/CHLO e da Clínica CUF Belém • Presidente do Conselho para a Qualidade em Saúde • Coordenador Nacional do Registo de Saúde Electrónico • Coordenador Nacional do Núcleo de Estudos de Doenças Auto-imunes da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna

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Werdnig-Hoffman Atrofia Muscular Espinal Trata-se da forma mais grave da doença e representa 50% dos casos. Manifesta-se nos primeiros meses de vida com hipotonia marcada e fraqueza muscular.

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Atrofia Muscular Espinal é a principal causa genética de morte infantil, com uma incidência aproximada de 1 em 10 000 nados vivos. É uma doença neuromuscular que se caracteriza por hipotonia e fraqueza muscular progressiva, resultante da degeneração das células do corno anterior da medula espinal. O gene causador – Survival Motor Neuron 1 (SMN1) – localizado no cromossoma 5, foi identificado em 1995. Está inserido numa região genómica complexa (duplicada e invertida), altamente instável e propensa a rearranjos intra-cromossómicos que resultam frequentemente em deleção de novo do gene (também podem originar duplicação ou conversão génica). Em termos clínicos, apresenta-se como um contínuo fenotípico, mas para uma abordagem de seguimento pode ser subdividida em 4 tipos. A forma mais grave, Werdnig-Hoffman, apresenta-se nos primeiros meses de vida, com hipotonia marcada e fraqueza muscular, resultando em morte precoce. Representa cerca de 50% dos doentes com Atrofia Muscular Espinal. No outro extremo do espectro fenotípico, o tipo IV,

apresenta-se por fraqueza muscular na segunda ou terceira década de vida. O diagnóstico é rapidamente evocado pela clínica, em particular no tipo I e facilmente comprovado pela detecção de alterações no gene SMN1 (85-90% dos casos por deleção de ambas as cópias do gene). Actualmente, ainda não existe tratamento eficaz, sendo as intervenções apenas de suporte. Após o diagnóstico, está indicada a avaliação nutricional, da função respiratória e, posteriormente, nos casos com melhor sobrevida, a avaliação ortopédica e das actividades de vida diária por forma a melhor dirigir as intervenções. Existem vários projectos internacionais de investigação em curso que poderão, no futuro, abrir caminho a propostas terapêuticas dirigidas. A Atrofia Muscular Espinal apresenta uma hereditariedade autossómica recessiva com risco de recorrência de 25% de terem novo filho afectado para a descendência do casal de progenitores. Está indicada a referenciação do casal e dos seus familiares de primeiro grau a consulta de aconselhamento genético para estudo de portador e discussão das opções reprodutivas, entre elas a possibilidade de diagnóstico pré-natal dirigido.

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Para saber mais www.orpha.net www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1352/ www.linharara.pt

SMN1 nestes indivíduos permite reduzir o risco de portador para 1 em 762 mas não exclui a possibilidade de outras alterações, por exemplo, mutações pontuais numa das cópias do gene.

Os parceiros reprodutivos de indivíduos portadores deverão também ser estudados, dada a elevada frequência de portadores na população portuguesa – 1 em 52. A presença de duas cópias do gene

Miguel Rocha Geneticista • Licenciado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto • Especialista em Genética Médica • Recebeu em 2009 o prémio Jovem Investigador em Genética Clínica atribuído pela Sociedade Portuguesa de Genética humana pelo trabalho intitulado ‘Estimar a frequência de portadores de Atrofia Muscular Espinal em Portugal’

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XXX Síndroma Na origem desta anomalia está um erro na divisão dos cromossomas. As crianças afectadas poderão apresentar hipotonia e dificuldades na coordenação de movimentos.

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síndroma XXX, também conhecida por Triplo X, é uma anomalia dos cromossomas sexuais, caracterizada pela existência de um cromossoma (sexual) X a mais, em indivíduos do sexo feminino. Relembrando que a determinação sexual genética é feita pelos cromossomas X e Y e que 46,XY e 46,XX são as constituições cromossómicas (cariótipo) masculina e feminina respectivamente, um indivíduo do sexo feminino com esta patologia tem um cariótipo de 47,XXX. Na origem desta anomalia cromossómica (cromossoma X extra) está um erro na divisão dos cromossomas, na maioria dos casos aquando da formação dos óvulos ou dos espermatozóides. Estes erros na divisão dos cromossomas são muito frequentes na espécie humana e, no caso específico do Triplo X, 80% a 90% deles são de origem materna, existindo uma correlação positiva com a idade materna. Com base em estudos efectuados em recém-nascidos, calcula-se que a frequência desta patologia nos recém nascidos do sexo feminino é de 1 em 1000. Contudo, pelo facto do Triplo X ser uma das anomalias cromossómicas mais benignas e de apresentação muito variável, estima-se que apenas 10% das

afectadas estejam diagnosticadas. As afectadas têm um desenvolvimento físico normal, sem qualquer anomalia relevante na grande maioria dos casos, apresentando apenas uma tendência para estatura alta, quando comparadas com as familiares. O desenvolvimento pubertário e sexual são normais e estas mulheres são férteis. Algumas poderão ter uma menopausa precoce. As crianças afectadas poderão apresentar hipotonia ao nascimento e algumas dificuldades na coordenação de movimentos. O desenvolvimento intelectual está, na maioria dos casos, dentro dos limites da normalidade, sendo habitualmente compatível com uma vida produtiva e socialmente ajustada. Contudo, quando comparadas com os outros membros da mesma fratria (irmãs), as afectadas com Triplo X revelam um QI 10 a 15 pontos abaixo do das familiares. Neste contexto, as dificuldades na compreensão da linguagem e na fala são as mais frequentes, se bem que normalmente de pouca gravidade e, na sua maioria, corrigíveis com o acompanhamento adequado (terapia da fala). Dificuldades na aprendizagem e deficits de atenção podem estar presentes, mas não são de modo algum obrigatórias nem específicas nas crianças com

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Para saber mais www.turnercenteret.dk/engelsk/triplex.htm http://ghr.nlm.nih.gov/condition/triple-x-syndrome www.linharara.pt

exame físico e os exames complementares de diagnóstico são essenciais para exclusão de eventuais anomalias associadas. A avaliação e o seguimento do desenvolvimento psicomotor são fundamentais, pois vão permitir as intervenções correctivas consideradas adequadas a cada caso (estimulação precoce, terapia da fala, terapia ocupacional, fisioterapia ou apoio psicológico) no sentido de corrigir, tão precocemente quanto possível, as dificuldades que elas possam apresentar.

XXX, apesar de serem mais frequentes nestas do que na população cromossomicamente normal. Apesar de, teoricamente, uma mulher com XXX ter riscos aumentados para ter descendentes com um cromossoma X a mais, na prática isso não se têm verificado e os filhos e filhas destas mulheres têm geralmente uma constituição cromossómica normal. Como é óbvio, o acompanhamento e tratamento dependem da idade na altura do diagnóstico e da gravidade da situação. A história clínica, o

Maximina Pinto Geneticista • Licenciada em Medicina pela Universidade de Lourenço Marques. • Doutorada (PhD) pela Faculdade de Medicina da Universidade de Witwatersrand (República da África do Sul) • Equiparada ao grau de Doutor, no ramo de Ciências Biomédicas, especialidade de Genética, pela Universidade do Porto • Especialista em Genética Médica pela Ordem dos Médicos

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Yunis-Varon Síndroma É caracterizada por defeitos nos membros, defeitos de ossificação, hipotricose generalizada e tem frequentemente uma evolução neonatal desfavorável.

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síndroma Yunis-Varon é uma doença genética muito rara, descrita pela primeira vez em 1980 por Yunis e Varon em cinco doentes de três famílias diferentes. Até 2011, só foram publicadas em todo o mundo descrições de 23 doentes. Também é conhecida por Displasia Cleidocraneana com Micrognatia e Ausência de polegares. É caracterizada por defeitos nos membros (ausência ou hipoplasia dos polegares e dedos grandes dos pés e hipoplasia das falages terminais dos dedos), defeitos de ossificação (hipomineralização do crâneo, hipoplasia das clavículas), hipotricose generalizada (rarefacção dos cabelos e pêlos) e tem frequentemente uma evolução neonatal desfavorável. A última revisão exaustiva destes doentes foi publicada em 2008 por L Basel-Vanagaite et al., onde se faz a descrição pormenorizada do fenótipo, que inclui: orelhas displásicas, fontanelas alargadas, microcefalia, micrognatia, fendas oculares inclinadas para cima, cataratas, narinas antevertidas, lábios finos, pele redundante no pescoço, polegares e dedos grandes dos pés afectados em mais de 90% dos casos, hipoplasia das últimas falanges dos dedos em mais de 90% dos doentes, sindactilia em 20%, hipoplasia ou

ausência de clavículas em 50% podendo ser assimétrica, hipomineralização do crâneo em 65%, cabelo escasso, rarefacção das sobrancelhas e pestanas em mais de 95%, anomalias dos dentes em 40%, hipoplasia das unhas descrita em alguns doentes. A nível do Sistema Nervoso Central estão descritas várias anomalias estruturais: agenesia do corpo caloso, hipoplasia do vermis, an. Dandy-Walker, defeitos da giração, hidrocefalia. Poderão ainda existir anomlias genitais em mais de 50% dos doentes (hipospádias, criptorquidia), em 40% luxação congénita da anca. As malformações cardíacas são pouco frequentes mas a cardiomiopatia e hipertrofia foi observada em vários doentes, também foram reportadas alterações vasculares (hipertensão pulmonar primária), as anomalias oculares observaram-se num terço dos doentes (microftalmia, córnea, cataratas), 17% dos doentes apresentou defeitos da linha média (úvula bífida, fenda palato ou lábio). Atraso de crescimento pré e pós natal frequente. Durante a gravidez é possível observar polihidrâmnios e hidropsia fetal, anomalias ecográficas, risco aumentado de prematuridade. A evolução clínica é frequentemente desfavorá-

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Para saber mais www.orpha.net www.ncbi.nlm.nih.gov/OMIM www.linharara.pt

foi normal e aquele é um achado inespecífico frequente, comum a várias situações inflamatórias, infecciosas e tóxicas. Não havia outros sinais físicos de acumulação e muitos doentes antigos foram insuficientemente estudados. Esta doença tem carácter genético hereditário, com transmissão autossómica recessiva, com risco de recorrência de 25% em cada nova gestação. O diagnóstico pré-natal só é possível através de ecografias seriadas para identificação das anomalias estruturais fetais.

vel, com 77% dos doentes falecendo no período neonatal precoce por problemas respiratórios e muitos não sobrevivendo nos primeiros meses.Só cinco doentes sobreviveram além do primeiro ano e até aos 28 anos. O gene desta doença não é ainda conhecido. Em vários doentes foram encontrados vacúolos intracelulares em vários tecidos (fibroblastos, macrófagos, medula óssea, tecido nervoso, músculo), levantando a hipótese de doença lisossomal de acumulação. A análise das enzimas do lisossoma

Margarida Reis Lima Geneticista • Licenciada em Medicina pela Universidade do Porto • Especialista em Pediatria Médica • Especialista em Genética Médica • Coordenadora da Unidade de Genética Médica do Hospital da Boavista-HPP Saúde, do Porto, desde 2008

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Zimmerman-Laband Síndroma A base genética deste síndroma não está perfeitamente esclarecida. Pensa-se que poderá ser uma entidade de transmissão autossómica dominante, embora também existam casos de transmissão autossómica recessiva.

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síndroma de Zimmerman-Laband é uma desordem genética rara que se caracteriza pela presença de fibromatose gengival, displasia das unhas, hipoplasia das falanges distais, hepatoesplenomegalia e alterações da cartilagem do nariz e/ou orelhas. O diagnóstico clínico desta síndroma é efectuado, geralmente, quando erupcionam os dentes anteriores superiores permanentes. As manifestações clínicas gerais desta síndroma centram-se na face e nos membros. Na face, destacam-se a presença de um nariz bulboso e de orelhas grandes. Nos membros, as unhas das mãos e/ ou pés são displásicas ou estão ausentes e as falanges distais são geralmente hipoplásicas. Alguns destes pacientes podem ainda apresentar hipertricose, hiperlascidez das articulações e alterações esqueléticas a nível torácico e vertebral. As manifestações clínicas intra-orais podem ser diversas, contudo a que é patognomónica desta síndroma é a fibromatose gengival. Esta condição corresponde a um aumento progressivo e generalizado da gengiva livre e aderida, a qual é dura à palpação e não hemorrágica. A análise histopatológica gengival revela um epitélio normal, um tecido

conjuntivo fibroso subjacente e um eventual infiltrado inflamatório. Alguns pacientes podem ainda apresentar dentes retidos e/ou impactados, dentes supranumerários e más-oclusões associadas. Relativamente ao coeficiente intelectual dos pacientes com síndroma de Zimmerman-Laband, a literatura não é consensual; encontram-se casos com um desenvolvimento intelectual normal, casos de um ligeiro atraso do desenvolvimento, bem como outros com um atraso mental profundo. A base genética deste síndroma não está perfeitamente esclarecida. Pensa-se que poderá ser uma entidade de transmissão autossómica dominante, embora também existam casos de transmissão autossómica recessiva. Os dados da literatura mais recente sugerem transmissão autossómica dominante associada a uma translocação cromossómica t(3,8)(p21.2;q24.3). O tratamento destes pacientes passa, essencialmente, pelo controle da hepatoesplenomagalia e intervenção oro-facial. Esta última inclui cirurgias gengivais, que deverão repetir-se ao longo da vida do paciente. Os intervalos destas cirurgias estão dependentes da manutenção dos tecidos periodontais e, por isso, dependentes da colaboração do

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Para saber mais www.humpath.com/gingiva www.biomedsearch.com/nih/Report-case-Zimmermann-Laband-syndrome/20457511.html www.linharara.pt

paciente e da taxa de recidiva própria da condição sindrómica. Nos casos em que há presença de dentes supranumerários, poderá ser necessária a remoção cirúrgica dos mesmos e, na presença de desarmonias dento-maxilares ou de más-oclusões, será necessária a intervenção da ortodontia fixa.

A presença de fibromatose gengival deverá ser um primeiro sinal de alerta para um profissional de saúde. Uma história médica minuciosa e avaliação clínica sistémica rigorosas podem constituir a chave para um correcto diagnóstico. A interdisciplinaridade médica é, no entanto, a peça fundamental na construção do puzzle do diagnóstico.

Paula Vaz Dentista especialista em Genética Orofacial • Licenciada pela Faculdade de Medicina dentária da Universidade do Porto (FMDUP) • Doutorada em Genética Orofacial pela FMDUP • Professora Auxiliar da FMDUP • Responsável pela Consulta de Genética Orofacial da FMDUP

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Doenças Raras de A a Z Volume I •A condroplasia • Acromegalia • Angioedema Hereditário • Bernard-Soulier • Behcet • Cornelia de Lange • Costello • Distrofias Musculares • Drepanocitose • Ehlers-Danlos • Esclerose Tuberosa • Fabry • Fibrose Quística • Gaucher • Gist • Grito de Gato • Hipertensão Arterial Pulmonar • Huntington • Ictiose Lamelar Congénita • Joubert • Kabuki • Kawasaki • Leucemias • Linfomas • Machado-Joseph

Volume II • Marfan • Mieloma • Neurofibromatose Tipo I • Osteogénese Imperfeita • Porfíria Aguda Intermitente • Púrpura Trombocitopénica Imune • Q Febre • Rett • Rubinstein-Taybi • Smith-Magenis • Smith-Lemli-Optiz • Spina Bifida • Trissomias • Turner • Usher • Vogt-Koyanagi-Harada • Wilson • Wolf-Hirschom • X-Frágil • XYY • Yersimiose • Zellweger

• Angelman •A taxia de Friedreich •A taxia com Apraxia Oculomotora • Batten • Charcot-Marie-Tooth • DiGeorge (Monossomia 22q11) • Dravet • Esclerodermia •E sclerosa Lateral Amiotrófica • Fanconi • Fenilcetonúria •G illes de la Tourette • Granulomatose de Wegener • Guillain-Barré • Hemoglobinopatias •H unter (Mucopolissacaridose tipo 2) • I P (Incontinência Pigmentosa) • I RF6 (Desordens) • Jacobsen • Klinefelter • Leigh • Mastocitose

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• Moebius • Niemann-Pick C • Noonan • Ochoa • Pênfigo • QT-Longo • Retinopatias Congénitas • Sotos • Treacher Collins (síndroma Franceschetti-Klein) • Ulick • Von Hippel-Lindau • Von-Willebrand • West • Whipple • Williams • Xantomatose Cerebrotendinosa (CTX) • Xantinúria • Young • Zollinger-Ellison


Índice Doenças Raras de A a Z – volume III Prefácio

2

Mielofibrose

74

A Aicardi-Goutieres

6

Mucopolissacaridose VI

76

Autismo

8

N Neoplasias Endócrinas Múltiplas

80

B Bannayan Riley-Ruvalcaba

12

O Optiz-Frias

84

C CADASIL

16

Osteopetrose

86

Craniossinostoses

18

P Pancitopenia

90

D Displasia Diastrófica

22

Paramiloidose

92

Distrofias Musculares das Cinturas

24

Progeria

94

E Epidermólise Bolhosa Hereditária

28

Q Queratocone

98

Esclerodermia

30

R Rendu-Osler-Weber

102

F Floating-Harbor

34

S Sarcoidose

106

G Goldenhar

38

Sjögren

108

H Hemofilia

42

T Takayasu

112

U Ulbright-Hodes

116

Hemoglobinúria Paroxística Nocturna 44 Homocistinúria clássica

46

V Vasculites

120

I Imunodeficiências Primárias

50

W Werdnig-Hoffman

124

Intersticial

52

X XXX

128

J Jeune

56

Y Yunis-Varon

132

K Klippel-Trenaunay-Weber

60

Z Zimmerman-Laband

136

Kugelberg-Welander

62

L Legg-Calve-Perthes

66

Lowe

68

M McCune-Albright

72

143


Ficha técnica

Título Doenças Raras de A a Z FEDERAÇÃO DAS DOENÇAS RARAS DE PORTUGAL

Projecto Raríssimas Coordenação Paula Brito e Costa Apoio à edição Paula Simões Capa e Paginação Raríssimas Produção Raríssimas Tiragem 5000 exemplares Impressão Textype Depósito legal n.º Para FEDRA – Federação das Doenças Raras de Portugal

Reservados todos os direitos




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