Artigo - 2020 - DA EMERGÊNCIA AO PROJETO: INTERVENÇÕES NOS ALÇADOS DA FAUUSP - Encore Portugal

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Lisboa | LNEC | 3-6 novembro 2020 http://encore2020.lnec.pt

DA EMERGÊNCIA AO PROJETO: INTERVENÇÕES NOS ALÇADOS DA FAUUSP FROM EMERGENCY TO PROJECT: INTERVENTIONS IN FAUUSP FACADES

André Soares Haidar (1), Paulo Eduardo Scheuer (2), Rafael Sandrini (3) (1) Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil. as.haidar@hotmail.com (2) Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil, paulo.scheuer@gmail.com (3) Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil. rts.sandrini@gmail.com

RESUMO Os estudos apresentados neste artigo tiveram como objetivo trazer à luz os diferentes processos ocorridos na mais recente intervenção feita nos alçados do edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), tendo a análise sido guiada pelos conceitos fundamentais na construção dos campos do restauro e do patrimônio arquitetônico. Para a realização de tal empreitada foram estudados como ponto de partida documentos referentes ao restauro finalizado em 2015, realizado em caráter de urgência devido ao mal estado de conservação do conjunto arquitetônico. Posteriormente, buscou-se registrar o conjunto de discussões que surgiram derivando desta intervenção – com a participação do corpo docente da FAUUSP, parceria de estudos firmada entre a faculdade e a Getty Foundation e as atuais perspectivas para o edifício de João Batista Vilanova Artigas. O debate empreendido se torna especialmente complexo quando são incluídas questões referentes à preservação do patrimônio moderno brutalista, devido à sua proximidade histórica e dificuldade de valoração de sua importância. Para tal, o artigo é complementado com casos bem-sucedidos de restauro de edifícios contemporâneos à FAUUSP e que demonstram como foram abordadas tais questões. O objetivo final deste artigo foi caracterizar o patrimônio moderno brutalista, como forma de embasamento para os debates acerca das ações ja tomadas na última intervenção no edifício sede da FAUUSP, além da demonstração da importância dos debates e estudos que surgiram posteriormente a 2015. Palavras-chave: Restauro / Patrimônio histórico / Alçados / Brutalismo

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Da emergência ao projeto: intervenções nos alçados da FAUUSP

1.

INTRODUÇÃO

A motivação para o presente artigo parte das intervenções executadas nas fachadas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) entre 2012 e 2015, após contratação da empresa Jatobeton. A seguir, apresentamos apontamentos e diagnósticos a respeito do resultado estético fruto dos trabalhos cujo restauro gerou divergências sobre sua qualidade. Este processo conduziu os autores a abordar quais os critérios, métodos e orientações desenvolvidas ao longo deste período, no que diz respeito à importância do projeto e plano de conservação do patrimônio arquitetônico moderno.

2.

CARTAS PATRIMONIAIS NO CONTEXTO DO RESTAURO DO MODERNO: A CARTA DE MADRID (2011) E AS DIRETRIZES PARA PROJETOS DE CONSERVAÇÃO

Para melhor compreensão das diretrizes de preservação arquitetônica, destacamos no contexto contemporâneo das atividades de restauro do patrimônio a Carta de Madrid, elaborada pela International Scientific Committee on Twentieth-century Heritage (ISC20C), comitê integrante do International Council on Monuments and Sites (ICOMOS), organização não governamental que atua por meio de um corpo de profissionais na área de conservação como consultores da UNESCO. A carta patrimonial é um documento de grande relevância no apontamento para diretrizes de projetos de conservação e gestão do patrimônio arquitetônico produzido ao longo do século vinte. A carta indica que o patrimônio do século vinte deve possuir, uma "metodologia que avalie o significado cultural e providencia política para sua conservação e respeito, antes do início dos trabalhos". Ainda, menciona que as intervenções a serem feitas após o levantamento e projeto detalhados devem possuir um critério que estabelece limites para as alterações. Destacamos o trecho de seus objetivos, quando menciona que: Mais que nunca, o património arquitetônico deste século está em risco devido à falta de apreciação e manutenção. Uma parte é já irrecuperável, e outra, ainda maior, está em perigo. Trata-se de um património vivo que é essencial entender, definir, interpretar e gerir adequadamente para as gerações futuras. (ICOMOS, 2011). A respeito das etapas prévias da intervenção, o documento orienta que este seja uma etapa bastante prioritária, uma vez que o diagnóstico das circunstâncias dos materiais e aspectos construtivos poderão delimitar o andamento dos trabalhos. Corroborando com esta perspectiva, coloca em seu artigo terceiro que: Previamente a qualquer intervenção, estes materiais devem ser cuidadosamente analisados, identificando-se e compreendendo-se qualquer dano visível ou invisível. Alguns materiais experimentais podem ter um período de vida mais curto que os materiais tradicionais, pelo que é necessário analisá-los cuidadosamente. Investigações sobre o estado e deterioração dos materiais devem ser conduzidas por profissionais devidamente qualificados, usando criteriosamente métodos não destrutivos e não invasivos (ICOMOS,2011).

3.

INTERVENÇÕES FEITAS NA FAUUSP

3.1.

Entrevista com Helena Aparecida Ayoub Silva

Para compreender mais sobre o procedimento de restauro realizado na fachada da FAUUSP entre 2012 a 2015, uma entrevista foi realizada com Helena Aparecida Ayoub Silva, que faz parte do corpo docente da faculdade.

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Além da experiência profissional com relação a arquitetura, urbanismo e edifícios de diversas funções, Silva trabalha também com restauro e preservação de patrimônio histórico. Com relação ao início do processo de intervenção, foi perguntado à Silva sobre o desenrolar deste processo. A professora diz que o edital lançado para a contratação da empresa que seria responsável pelo restauro foi elaborado por Paulo Helene, engenheiro da PhD Engenharia – e que não continha detalhes suficientes dos procedimentos a serem adotados, assim como não orientava o processo para um plano ou projeto específico. A vencedora da licitação foi a empresa Jatobeton, de Recife, sob a modalidade de menor preço; Silva afirma que seria mais adequado uma licitação por técnica. Além disso, cita que não houve diálogo com o corpo docente durante o processo de restauro. Entre as consequências de uma licitação que não trouxe enfoque técnico no restauro, as fachadas sofreram intervenções que não levaram em consideração as especificidades de cada fachada: uma solução única de preenchimento foi adotada para todo o conjunto. Como exemplo, uma única técnica de aplicação de argamassa foi feita, enquanto a FAUUSP originalmente tem mais de uma solução construtiva para o seu concreto – entre formas de tábuas e madeirite. Para a fachada se aproximar da estética original decorrente das formas de concreto, a equipe de obra fez manualmente os "traços" in loco – em vez de reproduzir uma forma em silicone ou mesmo material. Além da técnica original não ter sido respeitada, Silva comenta que novas patologias surgiram em pouco tempo – algo constatado no estudo da Getty Foundation, posterior à intervenção de 2012 a 2015. Após a conclusão do restauro feito pela Jatobeton, a professora cita que um grupo de professores conseguiu patrocínio da Getty Foundation para a elaboração de um Plano de Conservação. Neste plano, diretrizes e técnicas adequadas para o restauro seriam apontadas. Na liderança desta comissão de professores está Maria Lucia Bressan Pinheiro e os coordenadores das linhas de investigação: Antonio Carlos Barossi, Beatriz Kuhl e Claudia Oliveira. Segundo Ayoub, “existe a possibilidade para se estudarem possibilidades de refazimento do que foi executado da maneira correta. Não houve preocupação na integração entre dois materiais que não são da mesma natureza”.

3.2.

Documentação produzida pela Getty Foundation e soluções propostas

A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (FAUUSP) conseguiu apoio da Getty Foundation sob o financiamento do programa Keeping it Modern, em 2018. Foi elaborado então o Plano de Conservação Preventiva para o Edifício Vilanova Artigas (FAUUSP), liderado por Maria Lucia Bressan Pinheiro e os codernadores das linhas de investigação Antonio Carlos Barossi, Beatriz Kuhl e Claudia Oliveira. Conforme as palavras de PINHEIRO (2018) para a Secretaria Executiva DOCOMOMO, o principal objetivo do plano é "quebrar o ciclo de manutenção e de tratamento reativos através de políticas e diretrizes que guiem futuras intervenções no edifício, garantindo sua contínua manutenção e a preservação de seu significado enquanto patrimônio cultural". Para o Plano de Conservação Preventiva, foi feito um relatório composto de três "tarefas", referentes às diretrizes de manutenção e conservação de cobertura e fachadas. PINHEIRO (2018) explica que para a Tarefa 1 foi realizado um levantamento cadastral do edifício (as built), algo nunca antes realizado e que seria base para futuros projetos e intervenções. Além disso, nesta tarefa foi apresentado o edifício sob suas características físicas, transformações ao longo do tempo e seu significado cultural. Na Tarefa 2, o enfoque é a conservação e manutenção da cobertura; aqui, a líder do plano diz que nesta etapa foi desenvolvido um plano de monitoramento da membrana de impermeabilização à base de poliureia (aplicada na última obra de recuperação da cobertura), além de ter sido estudado os diversos elementos que pudessem interferir no sistema de impermeabilização.

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Por fim, na Tarefa 3, entra em pauta a fachada da FAUUSP como enfoque. PINHEIRO (2018) explica que primeiramente foi realizado um levantamento de danos da fachada e a localização (e quantificação) dos reparos executados na última obra de recuperação. Tal levantamento foi feito por meio de varredura a laser. Também foi avaliada a situação atual da corrosão das armaduras de aço do concreto – segundo Pinheiro, por meio de determinação e monitoramento das variáveis eletroquímicas. O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) colaborou nesta etapa para testes de composição e resistência do concreto, e também com análises laboratoriais de amostras do mesmo material. "Pretende-se, assim, minimizar as áreas de intervenção e prevenir a perda desnecessária de material original", como conclui PINHEIRO (2018). Na Tarefa 3 do estudo subsidiado pela Getty Foundation, entitulada "Characteristics and conservation of the exposed reinforced concrete of the Vilanova Artigas Building (FAUUSP)", a coordenação foi realizada por Claudia T. de Andrade Oliveira e na equipe participaram Ana Paula Arato Gonçalves, Fábio Gallo Jr, Letícia de Almeida Chaves, e os colaboradores Carmen Silva Saraiva Masseo de Castro e Tatiana Regina Silva Simão. Neste capítulo, que se aprofunda na questão do concreto aparente do edifício da FAUUSP, há muita discussão sobre a fachada sob questões como a progressão histórica da mesma desde a sua construção, a última intervenção realizada entre 2012 a 2015 (em análises detalhadas sobre determinados trechos do edifício) e testes sobre a resistência do concreto aparente, para então gerar diretrizes e recomendações para futuras intervenções no local. Entre o período de construção da FAUUSP – de 1967 a 1969 – até a última intervenção realizada entre 2012 a 2015, várias outras intervenções e análises foram feitas (Figura 1). Doze anos após a inauguração do edifício, foi realizada a intervenção em um pilar da fachada nordeste que buscou recuperar o concreto armado e também substituiu seu elemento estrutural por um novo.

Figura 1 – Levantamento das intervenções na FAUUSP a partir de sua construção (esquerda) até 2015 (direita) Em 2000, outro pilar foi recuperado, desta vez na fachada sudoeste, sob as mesmas diretrizes: recuperar o concreto armado e substituir o elemento estrutural. Entre 2004 a 2010 foram feitas inspeções visuais de maneira a qualificar o estado de conservação das empenas cegas da fachada; em 2012, então, foi iniciada a mais recente intervenção nas empenas cegas das fachadas do edifício.

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No estudo realizado com apoio da Getty Foundation, foi realizado um plano de amostragem de material das fachadas minucioso. O plano, passo a passo, é explicado na tabela abaixo (Figura 2), discriminada em fatores como: atividade, nível de investigação, objetivo e variáveis e características de interesse.

Figura 2 – Tabela sobre as etapas do estudo, da análise até a intervenção (Getty Foundation. 2018) A primeira atividade é o reconhecimento da área e do edifício, para compreender quais os potenciais riscos decorrentes de variáveis climáticas (fatores externos) e identificar a melhor e menos invasiva maneira de se acessar a fachada e cobertura para realizar testes no futuro (reconhecimento do edifício). A próxima atividade é a inspeção das empenas cegas das fachadas, feita a olho nu e escaneamento a laser – importante para detectar características e alterações na superfície, e as consequências dos reparos realizados entre 2012 a 2015 (Figura 3) sob o âmbito da resistência e da materialidade.

Figura 3 – A fachada sudoeste: antes, durante e após reparo realizado entre 2012 a 2015

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Na sequência, a terceira atividade consiste na coleta de amostragem da fachada para a realização de testes laboratoriais; estes, realizados para compreender as propriedades essenciais do concreto das fachadas e da cobertura, segundo o estudo. Por fim, a atividade que visa testar a nova aplicação de concreto que foi realizada (Figura 4) e possíveis reações químicas com relação à estrutura (como a corrosão).

Figura 4 – Escaneamento da fachada e suas condições realizado pela Getty Foundation.

4.

CASOS DE REFERÊNCIA SOBRE INTERVENÇÕES EM FACHADAS

O assunto do restauro da arquitetura moderna é polêmico, sendo alvo de dificuldades na definição, por muitas partes, de preceitos teóricos que devem ser aplicados na sua realização. Beatriz Mugayar Kuhl em seu artigo intitulado “Preservação da arquitetura moderna e metodologia de restauro” discorre sobre muitos desses desafios: Invocam-se argumentos tais como a facilidade de reproduzir-se os elementos, a existência de projetos pormenorizados ou a proximidade do sistema projetual (ou ainda a presença do autor do projeto), o experimentalismo construtivo que leva a processos de degradação, cujo tratamento não é conhecido em profundidade, a obsolescência funcional, a facilidade de utilizar técnicas semelhantes ou “melhores” e a proximidade temporal, que dificulta o reconhecimento da obra por seu valor documental, como razões para uma tendência difusa a refazimentos, completamentos e volta a um suposto estado original. (KUHL, 2005, p. 200) Em outras palavras, existe uma grande dificuldade de se reconhecer o objeto arquitetônico moderno como um patrimônio capaz de ser alvo das mesmas análises metodológicas que permeiam todo o campo do restauro, acarretando em intervenções desastrosas que acabam gerando um “falso histórico”. A presença do projeto executivo original para uso indiscriminado na intervenção pode ser um grande engano quando não atrelado a pesquisas in loco, pois os pormenores que foram idealizados pelo arquiteto podem ter sido alterados no momento da construção do edifício, ocasionando, no caso da substituição de elementos construtivos por novos conforme o detalhamento projetual, em elementos que não são fidedignos ao edifício e que apagam sua memória histórica. A restauração teria então que atuar sobre o patrimônio moderno com a mesma seriedade de intervenção em construções mais antigas, salvaguardando essas arquiteturas como suportes da memória para futuras gerações. Sobre a abordagem do restauro como campo de conhecimento científico aplicável a qualquer tipo de patrimônio é explicado por Kuhl em este outro trecho: A restauração, como explicitado, é campo disciplinar com seus meios, métodos, definições e materiais, que tem por intuito transmitir ao futuro, da melhor maneira possível, a obra ou conjunto de obras consideradas testemunhos representativos da operosidade humana e, por isso, elementos portantes da memória coletiva. (KUHL, 2005, p.200) Neste artigo buscamos trazer, como forma de fundamentar uma posterior discussão sobre as intervenções

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empreendidas com o intuito de se restaurar a fachada do edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU USP), exemplos de restauro em edifícios modernos considerados bem resolvidos, mostrando que é possível se intervir num patrimônio recente com rigorosidade metodológica e de projeto.

4.1.

O edifício Pirelli em Milão

O caso do edifício Pirelli foi escolhido por demonstrar como é possível atuar sobre uma obra da arquitetura moderna a partir de conceitos teóricos, além de ser um exemplo de uma intervenção numa fachada simbólica dentro do panorama arquitetônico italiano, assim como a fachada da FAU USP é no contexto brasileiro. Alberto Pirelli encomendou a construção deste edifício em 1956 como sede administrativa das indústrias de sua família e, ao mesmo tempo, com a intenção de criar um marco do seu poderio na cidade de Milão. Tal empreitada foi confiada ao arquiteto Gio Ponti e completada em 1958, contando ainda com a participação de Pier Luigi Nervi no projeto e cálculo de sua solução estrutural. No ano de 2002 uma aeronave colidiu com o 25o. andar da torre num momento que a construção já passava por um processo de renovação. Contudo, com o considerável estrago causado à fachada, uma nova metodologia de atuação teve que ser adotada. A primeira ação tomada foi o reconhecimento dos elementos construtivos da década de 1950 como testemunhos históricos, devendo a atuação de restauro respeitar os processos inerentes a esses componentes (defeitos, erros técnicos ou efeitos do tempo nas superfícies). A segunda ação foi o descarte da possibilidade de substituir os antigos caixilhos por novos, visto que estes eram tidos como afirmação de um período industrial italiano. A intervenção foi realizada pelo escritório BMS Progetti entre os anos de 2002 e 204, tendo início com a análise dos perfis da fachada e, após a constatação de que muitos ainda se encontravam em condições boas, desenvolvimento de técnicas para “reanodizar” o alumínio, possibilitando a consolidação dos elementos já existentes e impedindo o futuro desgaste perante as intempéries. A substituição se deu apenas aos elementos de acabamento, como borrachas de vedação que se encontravam ressecadas, e a componentes diretamente afetados pelo impacto do avião, após estudos dos outros caixilhos existentes já que diferiam do que foi feito em projeto pelo arquiteto (Figura 5).

Figura 5 – Intervenção nos caixilhos do edifício Pirelli (BMS Progetti, 2009) As empenas de concreto armado que compõem as fachadas também foram alvo de atuação através da limpeza

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de seus elementos, seguindo-se pela reintegração e consolidação das pastilhas cerâmicas. Esta operação, seguindo um processo similar ao que seria empregado sobre superfícies consideradas históricas na definição tradicional, foi executada com reverência ao existente, salvaguardando, assim, outro testemunho de grande valor estético (Figura 6).

Figura 6 – Intervenção nas pastilhas das empenas de concreto (BMS Progetti, 2009) O resultado apresentado pela intervenção soube reconhecer o valor da obra como testemunho histórico de um período definido, valorizando os materiais e técnicas empregados, e não buscando atualizar o edifício para as tecnologias atuais. A ação se alinhou favorecendo processos científicos e criticamente fundamentados, ocasionando num projeto bem resolvido e bem-sucedido no contexto das intervenções de restauro.

4.2.

O Teatro Nacional de Londres

O segundo caso escolhido para este artigo trata dos processos de restauro numa fachada com semelhanças não só de significado, mas também de materialidade em relação ao estudo da FAU USP. O prédio do Teatro Nacional de Londres foi projetado pelo arquiteto Denys Lasdun e inaugurado no ano de 1976, utilizando-se para suas fachadas e interiores o partido do concreto aparente moldado com tábuas de madeira na horizontal (exceção para as escadas helicoidais onde as tábuas são na vertical). Quando o escritório Haworth Tompkins foi contratado para chefiar o projeto de discussão, restauro e intervenção do edifício as empenas apresentavam sinais de desgaste, resultado da ação do tempo e das intempéries, com pontos de descolamento de argamassa, armaduras expostas e ferrugem (Figura 7).

Figura 7 – Fachada em situação anterior ao restauro (Douglas-James, 2015)

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A primeira etapa de todo o processo foi o estabelecimento de uma comissão técnica e a abertura de audiências públicas, pensadas para receber opiniões e divulgar as propostas dos arquitetos para a sociedade. Posteriormente foi elaborado um plano geral de intervenção, constituído por diretrizes técnicas e ideológicas estabelecidas para orientar o decorrer da obra, expressando a visão do corpo técnico nos assuntos referentes ao campo do restauro. A intervenção na fachada se fundamentou em métodos de experimentação. Foi localizado o projeto original de estrutura onde constavam as especificações para a mistura do concreto, mas a ação foi complementada com a retirada de amostras e posterior análise da composição em termos de granulometria e agregados utilizados. Diferentes formulações de concreto foram preparadas para as diversas áreas e empenas das fachadas, melhor adaptando-se às várias circunstâncias. O efeito resultante foi um edifício que manteve a leitura integral de suas fachadas, minimizando as diferenças entre o concreto antigo e as atuações, mas com um embasamento teórico que garantiu a elaboração de materiais adequados e que realmente possibilitaram a conservação do teatro.

5.

LEVANTAMENTO FOTOGRÁFICO DAS INTERVENÇÕES NA FAU USP

Destacamos em imagens fotográficas da situação atual de uma das fachadas após as intervenções realizadas entre 2012 e 2015. São notáveis as diferenças entre os tons do concreto original e da argamassa aplicada (Figura 8).

Figura 8 – Fachada atual após intervenções da Jatobeton (Autores, 2019)

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6.

CONCLUSÃO

A vistoria empírica, junto à entrevista realizada com Helena Ayoub e a documentação produzida pela Getty Foundation apontam a necessidade do rigor técnico e metodológico antes, durante e após – no caso, a manutenção – do acervo moderno arquitetônico. O estudo de caso das intervenções nas fachadas da FAUUSP demonstra com clareza que projeto e execução devem percorrer uma jornada minuciosa e sensível a este período da historiografia da arquitetura do século vinte. Apontamos para a importância do projeto e plano de restauro prévio e seu valor na condução dos trabalhos, como também sublinha a Carta de Madrid. Ações que podem levar à bota interpretação das patologias e melhor manejo na conservação de obras arquitetônicas produzidas no século vinte, a fim de restaurar e manter seus valores estéticos, espaciais e culturais.

AGRADECIMENTOS Este trabalho foi financiado em parte pelo Fundo Mackenzie de Pesquisa.

REFERÊNCIAS BMS Projetti, 2009 – Pirelli Tower Refurbishment. Acessado <https://www.bmsprogetti.it/projects/pirelli-tower-refurbishment/>

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CAMPANELLI, Alessandro Pergoli, 2014 – Restoration of the façade of the Pirelli skyscraper in Milan and the repair of damage to reinforced concrete structures caused by a plane crash: An example of critic conservation. Frontiers of Architectural Research. Volume 3, Edição 2. pp. 213-223. Acessado a 31 Agosto 2020. <https://www.sciencedirect.com/science/ article/pii/S209526351400020X > DOI j.foar.2014.03.005 DOUGLASS-JAIMES, David, 2015 – AD Classics: Royal National Theatre / Denys Lasdun. ArchDaily. Acessado a 31 Agosto 2020. <https://www.archdaily.com/772979/ad -classics-royal-national-theatredenys-lasdun> ISSN 0719-8884. GETTY FOUNDATION, 2017 – Subsidies for a Conservation Management Plan Vilanova Artigas Building (School of Architecture and Urbanism of the University of São Paulo - FAUUSP). São Paulo: Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo. GONÇALVES, Ana Paula Arato; SARAIVA, Carmen Silvia, 2017 – Intervenção em concreto aparente histórico: o caso das empenas do edifício Vilanova Artigas. V SEMINÁRIO DOCOMOMO SP. ICOMOS – Critérios para a conservação do patrimônio arquitetônico do século XX, documento de Madrid 2011. 30 Março 2012. Lisboa. Acessado a 31 Agosto 2020. <http://www.icomos isc20c.org/pdf/MDversionportugese.pdf> KUHL, Beatriz Mugayar, 2005 – Preservação da arquitetura moderna e metodologia de restauro. Artigo publicado em Revistas Pós FAU USP, 2005. pp. 198 – 210. NATIONAL THEATRE LONDON, 2008 – Conservation Management Plan For The National Theatre Final Draft. Londres. Acessado a 31 Agosto 2020. <https://www.nationaltheatre.org.uk/sites/default/files/nt_conservation_plans_dec_08.pdf> PINHEIRO, Maria Lucia Bressan, 2018 – Keeping It Modern na FAUUSP: algumas linhas. FAUUSP. Acessado a 31 Agosto 2020. <http://docomomo.org.br/uncategorized/keeping-it-modern-na-fauusp-algumaslinhas>

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