Codeplan. Setor H Norte, Taguatinga, 1962
Codeplan. Gama, 1977
ensaio teórico
Três cidades em três momentos Trajetória de planejamento das primeiras cidades-satélites do DF (1958-2019)
Paulo Henrique de Souza Cardoso Orientador: Benny Schvarsberg Banca avaliadora: Maria Fernanda Derntl
Codeplan. Sobradinho, 1977
Universidade de Brasília Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
ENSAIO TEÓRICO
Três cidades em três momentos Trajetória de planejamento das primeiras cidades-satélites do DF (1958-2019)
PAULO HENRIQUE DE SOUZA CARDOSO ORIENTADOR: BENNY SCHVARSBERG BANCA AVALIADORA: MARIA FERNANDA DERNTL
BRASÍLIA NOVEMBRO de 2020
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Agradecimentos À Deus, primeiramente, por me capacitar durante essa minha árdua jornada e estar sempre ao meu lado. Aos meus pais, Paulo e Laudirene, e ao meu irmão, João, por me animarem nos momentos difíceis e por estarem sempre ao meu lado. À minha avó, Josefina, e a todos os meus familiares, pelas orações. Aos meus amigos, pelo apoio e incentivo constantes. Aos meus colegas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, especialmente à Brenda e ao Gerson, pela compreensão, companheirismo, incentivo e pelo apoio durante o curso. Às estagiárias da Central de Aprovação de Projetos (CAP) e companheiras de lutas, Samantha e Tamara, por todo o incentivo, amizade e aprendizado. Aos servidores da Central de Aprovação de Projetos (CAP), em especial ao João Dantas, meu amigo e chefe, e à Kelly, grande amiga, pelo apoio e pelos incentivos que eu precisava para começar a escrever este trabalho. Foi de fundamental importância o tempo de aprendizado que tive ao lado de vocês. Ao meu orientador, professor Benny Schvarsberg, por ter topado o desafio, sempre me apoiando, e por ter tido uma paciência enorme durante esse semestre turbulento. Agradeço por ter me ensinado tanto sobre planejamento urbano em suas aulas e agora neste trabalho. À professora Maria Fernanda Derntl, por ter aceitado o convite de compor a banca e por compartilhar do seu vasto conhecimento sobre o assunto. À Universidade de Brasília e à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, pelas oportunidades abertas e por todo o aprendizado. Aos participantes dos grupos “Pioneiros de Taguatinga”, “Sobradinho da Gente” e “Gama Bons Tempos” no Facebook, pela atenção e pelas informações valiosas sobre a história das cidades-satélites. À todos aqueles que de alguma forma colaboraram com a execução deste trabalho.
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Resumo Durante as últimas décadas, Brasília e o seu Plano Piloto têm sido objeto de estudo por diversos pesquisadores do Brasil e do mundo. O projeto de Lucio Costa já é razoavelmente conhecido por brasileiros, que aprendem desde a escola sobre Juscelino Kubitschek e a criação da nova capital. Mas Brasília não é formada apenas pelo Plano Piloto. Existem dezenas de Regiões Administrativas , antigamente chamadas de cidades-satélites, ao redor da área central do território do Distrito Federal, que tendem a ser vulgarmente compreendidas apenas como assentamentos para a população mais vulnerável. A maioria dessas cidades, ao contrário do que se comumente pensa, foi planejada por arquitetos, engenheiros e planejadores urbanos. O objetivo deste ensaio teórico é justamente analisar três momentos relevantes e expressivos de seu planejamento: os desenhos urbanos originais, os planos diretores urbanos subsequentes e a parametrização urbanística dos dias atuais das primeiras cidades-satélites planejadas do Distrito Federal. Taguatinga, Sobradinho e Gama surgem para suprir demandas habitacionais mínimas nos anos 60 e vão se transformando em núcleos urbanos de grande importância para Brasília com o passar dos anos. Essas mudanças foram potencializadas a partir da elaboração de planos diretores locais na década de 90 e início dos anos 2000, e mais atualmente, em 2019, com a elaboração de uma nova e mais abrangente legislação urbanística: Lei de Uso e Ocupação do Solo. Essa análise contribui, assim, para a reflexão dessa trajetória de planejamento e seus desafios atuais e futuros.
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Abstract During the last decades, Brasília and its Pilot Plan had been subject of study by many researchers from all around the world. The Lucio Costa’s project already is reasonably known by the Brazilian people, learning about Juscelino Kubitschek and the creation of Brazil's new capital city since primary school. But Brasília isn’t just the Pilot Plan area. There are dozens of administrative regions (Regiões Administrativas in portuguese), formerly called satellite-cities, around the central area of the territory of the Federal District of Brazil, that are used to be underrated known as just settlements for the most vulnerable populations. Most of these cities, instead of prejudiced thoughts, were planned by architects, engineers and urban planners. The target of this work is to analyze three relevant and expressive moments for its plannings: original urban designs, local master plans and current urban parameterization of the first three planned satellite-cities of the Federal District. Taguatinga, Sobradinho and Gama emerged to increase the supply of affordable housing during the 60s and, over the years, transformed themselves into very important urban cores to Brasilia. These changes were potentiated by elaboration of local master plans during the 90s and the 2000s and, more recently, in 2019, with the elaboration of a new and more embracing urban legislation: LUOS - Land Use and Occupation Law - Lei de Uso e Ocupação do Solo, in portuguese. This analysis contributes, then, to a reflection about a trajectory of planning and its current and future challenges.
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Lista de Abreviaturas e Siglas
BNH - Banco Nacional da Habitação. O BNH foi um banco criado pelo Governo Militar, em 1964, para ser responsável pela construção de conjuntos habitacionais em todo Brasil, visando responder perante a grande demanda habitacional do país. Foi extinto em 1986, sendo incorporado à Caixa Econômica Federal, que deu prosseguimento às políticas habitacionais décadas depois com o programa “Minha Casa, Minha Vida”. CAESB -Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal CODHAB - Companhia de Desenvolvimento Habitacional do DF CUB - Conjunto Urbanístico de Brasília (CUB) é compreendido pelas Asa Sul e Norte, Candangolândia, Setor Sudoeste, Cruzeiro, Octogonal, Setor Militar Urbano e Setor Noroeste. Instituído através do Decreto Nº10.829/1987. DNOCS - Departamento Nacional de Obras contra a Seca. Teve papel importante no desenvolvimento do interior do Nordeste. Foi responsável pela construção da estrada Brasília-Fortaleza. A antiga Vila DNOCS era moradia dos funcionários do departamento e ficava próxima de onde está localizado Sobradinho atualmente. EPCT -Estrada Parque Contorno (DF-001) EPTG - Estrada Parque Taguatinga (DF-085) GEB - Guarda Especial de Brasília. Foi uma corporação paramilitar, criada nos primeiros anos da capital, administrada pela Novacap. Era formada, muitas vezes, por pessoas sem nenhum treinamento, apenas com porte físico. Não era raro o uso de truculência em suas ações. (MENDONÇA, 2011) IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LUOS - Lei de Uso e Ocupação do Solo NOVACAP - Companhia Urbanizadora da Nova Capital PDL - Plano Diretor Local PDOT - Plano Diretor de Ordenação Territorial do Distrito Federal RA - Região Administrativa
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SHIS - Sociedade de Habitação de Interesse Social. A SHIS foi um órgão do Governo do Distrito Federal, criado em 1962. Foi responsável pela construção de casas populares na grande maioria das cidades, inclusive de moradias unifamiliares no Plano Piloto. Em 1996, foi substituída pelo IDHAB Sociedade de Habitação. Em 2007, se tornou a atual CODHAB. SEDHAB -antigaSecretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação do DF SEDUH -atualSecretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação do DF TERRACAP -Agência de Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal UnB - Universidade de Brasília
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Lista de Figuras
FIGURA 1 - Gráfico do percentual da população de acordo com o local de moradia
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FIGURA 2 - Distâncias das cidades-satélite para o Plano Piloto
11
FIGURA 3 - Faixa sanitária da bacia do Paranoá
14
FIGURA 4 - Centro de Taguatinga em 1958
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FIGURA 5 - Casas da SHIS em Taguatinga em 1970
20
FIGURA 6 - Fotografia aérea de Sobradinho em 1964
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FIGURA 7 - Planta da Quadra 07 de Sobradinho
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FIGURA 8 - Sobradinho nos anos 60
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FIGURA 9 - Fotografia aérea do Gama em 1964
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FIGURA 10 - Zoneamento do PDL de Sobradinho
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FIGURA 11 - Zoneamento do PDL de Taguatinga
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FIGURA 12 - Zoneamento do PDL do Gama
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FIGURA 13 - Zoneamento da LUOS de Taguatinga
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FIGURA 14 - Zoneamento da LUOS de Sobradinho
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FIGURA 15 - Zoneamento da LUOS do Gama
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Sumário Agradecimentos
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Resumo
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Abstract
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Lista de Abreviaturas e Siglas
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Lista de Figuras
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Introdução
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Os três momentos 1. Primeiro Momento: Projetos urbanísticos (1958-1960)
13 13
1.1. Precedentes às primeiras cidades satélites (1956-1958)
13
1.2. Precedentes e projeto urbano de Taguatinga (1958)
15
1.3. Precedentes e projeto urbano de Sobradinho (1960)
21
1.4. Precedentes e projeto urbano do Gama (1960)
24
1.5. Comparativos entre os projetos urbanos
26
2. Segundo momento: Planos Diretores Locais (1997-2006)
28
2.1. Precedentes aos Planos Diretores Locais
28
2.2. Plano Diretor Local de Sobradinho (1997)
29
2.3. Plano Diretor Local de Taguatinga (1998)
31
2.4. Plano Diretor Local do Gama (2006)
33
2.5. Comparativos entre os PDLs
35
3. Terceiro momento: Lei de Uso e Ocupação do Solo (2019)
36
3.1. Precedentes à LUOS
36
3.2. Parâmetros da LUOS em Taguatinga
39
3.3. Parâmetros da LUOS em Sobradinho
40
3.4. Parâmetros da LUOS no Gama
42
3.5. Comparativos dos Parâmetros nas RAs
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Conclusões
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Referências Bibliográficas
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Introdução No ano de 2020, Brasília chega ao seu 60º aniversário. Mesmo sendo uma cidade relativamente nova, cresceu rapidamente nas últimas décadas. Foi planejada inicialmente para abrigar algumas centenas de milhares de moradores, porém, acabou atingindo cerca de 3 milhões de pessoas, segundo estimativas do IBGE para o ano de 2019. O Plano Piloto não teve condições de abrigar toda a população desde o início, tanto por questões espaciais, quanto por questões sociais. A proposta vencedora do concurso para o Plano Piloto de Brasília, de Lucio Costa, apresentava um traçado que comportaria cerca 500 mil moradores, atendendo ao edital, mas que, ao contrário de outras propostas1, não era replicável, não apresentava desenhos para possíveis expansões urbanas. Segundo o próprio Lucio Costa, conforme reforçado no estudo “Brasília Revisitada 1985-1987”, de 1987, a expansão de Brasília deveria ser feita por meio de cidades-satélites, afastadas do Plano Piloto, para a devida “manutenção da feição original de Brasília”, mas que segundo ele, “a longa distância entre as satélites e o "Plano Piloto" isolou demais a matriz dos dois terços de sua população metropolitana que reside nos núcleos periféricos, além de gerar problemas de custo para o transporte coletivo.” (COSTA, 1987). No mesmo texto, Lucio Costa também chama à atenção de que as populações de menor renda de Brasília, naquela época, já estavam praticamente expulsas da cidade, apesar da sua intenção do plano original ter sido a oposta. Poucos anos antes da inauguração da nova capital, grandes invasões de áreas públicas não paravam de crescer, obrigando o governo a planejar e criar cidades-dormitório. Essas cidades, em sua maioria, tiveram de ser pensadas para abrigar trabalhadores e familiares, que vinham de diversos lugares do país, e não tinham condições econômicas de morar no Plano Piloto. Alguns defendem que essas novas cidades foram criadas para suprir a demanda por moradia no Distrito Federal. Outros, já defendem de que havia como interesse uma intencionalidade de
Uma dessas propostas, para ilustrar a questão da replicabilidade, é do escritório MMM Roberto, do Rio de Janeiro, que terminou em 3º lugar junto com a proposta do arquiteto Rino Levi, de São Paulo. A proposta dos irmãos Roberto previa 7 células hexagonais iniciais, que tinham a capacidade para 72 mil habitantes cada. Elas foram baseadas na teoria e nos projetos de cidade-jardim inglesas de Ebenezer Howard e poderiam ser replicadas inúmeras vezes. 1
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promover certa “centrifugação”, criando cidades para os mais pobres e preservar as áreas centrais para quem tivesse condições financeiras (SCHVARSBERG, 2019). Diferente dos modelos de urbanização normalmente observados no Brasil, onde os bairros das cidades tradicionais surgem e se desenvolvem ao redor do centro, em Brasília essa urbanização ocorreu de forma diferente. Os novos “bairros” de Brasília são “implantados distantes do Plano Piloto e separados uns dos outros no intuito de mantê-los separados ou para evitar a conurbação” (PAVIANI, 2005). Inicialmente esses assentamentos eram chamados de Cidades-satélites, termo esse que já havia sido usado diversas vezes nos Estados Unidos e na Inglaterra para se referir a pequenas comunidades em rede. Esse termo no Distrito Federal foi utilizado pela primeira vez ainda em 1957, em documentos da NOVACAP sobre a urbanização futura do DF (DERNTL, 2020). Em 1964, o Plano Piloto e as cidades-satélites receberam a nomenclatura de “Regiões Administrativas”. Já em 1998, por meio de decreto, se proibiu “a utilização da expressão ‘satélite’ para designar as cidades situadas no território do Distrito Federal”, considerando que “as aglomerações urbanas do Distrito Federal já assumem características de cidades, cada vez mais independentes social, econômica e culturalmente do Plano Piloto” (Decreto n. 19.040, de 18 de fevereiro de 1998 apud DERNTL, 2020). Optou-se então, neste ensaio, de se utilizar a nomenclatura “cidades”, como o sugerido pelo decreto, para se referir aos “bairros” que surgiram ao redor do Plano Piloto de Brasília. Taguatinga, em 1958, Sobradinho e Gama, em 1960, foram as primeiras dessas cidades planejadas, todas na mesma época, nos primórdios de Brasília. Pessoas que moravam em diversas invasões próximas da área projetada por Lucio Costa foram transferidas para esses assentamentos por ordens do Prefeito Israel Pinheiro. Os moradores da Vila Sarah Kubitschek (próximo da antiga Cidade Livre, atual Núcleo Bandeirante) e de um assentamento que se formara na beira da estrada Anápolis-Brasília foram transferidos para Taguatinga. Para Sobradinho, foram os que moravam na antiga Vila DNOCS2. Já para o Gama, foram transferidas diversas famílias dos antigos acampamentos do Paranoá, da Vila Amaury e da Vila 2
vide DNOCS na Lista de Abreviaturas de Siglas
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Planalto que moravam em áreas que foram inundadas pelo represamento do Lago Paranoá em 1959. (COSTA, 2011a) Essas três cidades, com o passar dos anos, se desenvolveram e sofreram diversas transformações, baseadas em pensamentos urbanísticos da época. Desde a concepção, até os dias atuais, são núcleos urbanos que exercem certa irradiação de centralidade para outras cidades próximas. Taguatinga, Sobradinho e Gama sofreram processos de desmembramento em suas áreas iniciais, originando novas cidades,
como
Ceilândia,
Sobradinho
II
e
Santa
Maria,
por
exemplo,
respectivamente.
FIGURA 1 - Gráfico do percentual da população de acordo com o local de moradia. Fonte: (MOTA e HOLANDA, 2001, apud FRAZÃO, 2009)
Já em 1960, ano da inauguração de Brasília, a maioria da população do Distrito Federal, 55%, já morava fora do Plano Piloto, parte da atual Região Administrativa I. Década após década, esse percentual de moradores do DF fora do Plano Piloto vem aumentando, atingindo, em 1998, cerca de 90% da população, resultado associado, em alguma medida, à criação de novas cidades-satélites, voltadas
principalmente
para
as
populações
mais
vulneráveis
socioeconomicamente. Esses assentamentos são construídos de forma espraiada no território do DF, com grandes vazios urbanos entre eles e grandes distâncias - de 10 à 56 km - até o Plano Piloto.
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FIGURA 2 - Distâncias das cidades-satélite para o Plano Piloto e vazios urbanos do DF. Fonte: REVISTA REALIDADE,1972
O objetivo deste ensaio é justamente analisar a evolução urbana das três primeiras cidades-satélite em três momentos importantes de sua trajetória de planejamento: o projeto urbanístico inicial, o Plano Diretor Local (PDL) e a Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS). A partir desses marcos, propõe-se observar as transformações que as legislações impuseram em cada cidade, mas também, as transformações que a dinâmica das cidades impuseram para que as legislações se atualizassem à realidade das mesmas. Com essas observações, podem-se obter lições de como tornar mais eficazes e coerentes os projetos, instrumentos e ações de planejamento urbano. A divisão deste ensaio em três momentos relacionados com a legislação urbanística também pode ser relacionada com os pensamentos urbanísticos predominantes de cada uma das épocas. Os planos iniciais das cidades foram realizados entre os anos de 1958 e 1960, que, para alguns especialistas, seguem
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uma corrente de “modernismo periférico”, como escrito por Frederico de Holanda. Segundo ele, seria um modernismo que “reproduz traços problemáticos do modernismo clássico, sem suas qualidades expressivas” (HOLANDA, 2003). Já os planos diretores locais dessas três cidades foram realizados entre os anos de 1997 e 2006, em um período em que ocorreu um grande processo de verticalização de partes de Taguatinga, de Sobradinho e do Gama, por exemplo, além da criação em massa de novos assentamentos populares no Distrito Federal. Além disso, foram elaborados em uma época de forte influência do chamado “Planejamento Participativo” em oposição ao planejamento centralizado e, até mesmo, autoritário e tecnocrático das décadas anteriores, durante o regime militar. (SCHVARSBERG, 2006) Esses planos, chamados de PDLs, por definição estabelecida na Lei Orgânica do Distrito Federal, foram elaborados para diversas cidades e levavam em consideração questões locais de cada uma. O último dos momentos considerados é o da aprovação da Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS) em 2019, que abrange todas as Regiões Administrativas do DF. Essa lei padronizou a legislação urbanística para todo o DF e surgiu inspirada em alguns dos ideais do arquiteto e urbanista contemporâneo dinamarquês Jan Gehl, defensor de cidades mais humanas, com o incentivo de uso misto, com estímulo à áreas com alta densidade, e mobilidade ativa de pedestres e ciclistas. Para a elaboração deste ensaio também foram usados como referencial teórico-metodológico registros memorialísticos locais, como os do jornalista Alberto Bahouth Júnior sobre Taguatinga de 1978, e registros históricos publicados, como o livro As Cidades-Satélites de Brasília, de Adirson Vasconcelos, de 1988. Também constam pesquisas acadêmicas em diferentes níveis e com abrangências e abordagens diversas, como a tese de Jusselma Brito e a pesquisa de Graciete Costa, além de registros de protagonistas, como os de Lucio Costa. Entender o crescimento dessas cidades também envolve analisar a mudança das legislações e o pensamento urbanístico predominante de cada uma das épocas: década de 60, década de 90 e década de 2010.
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Os três momentos 1. Primeiro Momento: Projetos urbanísticos (1958-1960) 1.1. Precedentes às primeiras cidades satélites (1956-1958) Enquanto o Plano Piloto de Brasília ia sendo construído, milhares de migrantes chegavam de diversas regiões do país, principalmente do Nordeste. Esses trabalhadores acabavam indo morar em invasões próximas ao atual Núcleo Bandeirante ou das Asas Sul e Norte. Algumas invasões que surgiram em canteiros de obras de construtores e outras, em terrenos próximos à de áreas já consolidadas, como a antiga Cidade Livre, por exemplo. Em 1956, a Novacap foi criada para gerenciar e coordenar as obras do projeto urbanístico de Lucio Costa e para organizar o território do Distrito Federal. A política adotada pelo órgão nos primeiros anos foi a de “deslocar todas as opções de “habitação econômica” (termo usado então) para áreas externas do perímetro do Plano Piloto” (ALVIM; SIMÕES Jr., 2015). Mesmo com a proposta de Lúcio Costa de moradia para poderes aquisitivos diferentes ao longo das Asas Norte e Sul (COSTA, 1995), houve uma clara intenção de transformar o Plano em local de moradia e trabalho dos funcionários públicos, empurrando para fora, as famílias menos abastadas. (ALVIM; SIMÕES Jr., 2015) Observando o aumento dos assentamentos irregulares, o governo resolveu então assumir uma postura de remoção de favelas ou ocupações irregulares para subúrbios-dormitórios, chamados de cidades-satélites, afastadas da área central. (DERNTL, 2018). Também segundo Maria Fernanda Derntl, a implantação dessas cidades-satélites se baseou na intenção de manter o Plano Piloto como cidade central de tamanho definido e limitado, separada por um cinturão verde dos núcleos de seus arredores, também isolados entre si. A localização desses novos núcleos foi baseada também nos acessos rodoviários ao Plano Piloto. Taguatinga, a oeste, nas proximidades da rodovia para Anápolis; Sobradinho, a norte, às margens da, em obras na época, estrada para Barreiras e Fortaleza; e o Gama, ao sul, junto da rodovia para Belo Horizonte (BRITO, 2009).
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No ano de 1958, foi elaborada pela Novacap a Faixa Sanitária de Brasília, uma área representada pelos limites da bacia do rio Paranoá em que não seria permitida a urbanização, apenas atividade rural. Essa faixa sanitária acabou sendo reforçada com a construção de um anel rodoviário para Brasília, a Estrada Parque do Contorno - EPCT (DF 001). Entre 1955 e 1960, apenas poucas áreas urbanas foram implementadas dentro dos limites da bacia sanitária do Paranoá: Plano Piloto, Setor de Mansões Park Way, Lagos Sul e Norte, Cruzeiro (antigo Setor Residencial Gavião), Candangolândia (antiga Velhacap) e Núcleo Bandeirante. Os demais núcleos oficiais de Taguatinga (1958), Sobradinho (1960) e Gama (1960) foram situados fora do traçado da EPCT. (BRITO 2009)
FIGURA 3 - Faixa sanitária da bacia do Paranoá delimitada pela EPCT (vermelho) e a urbanização do Distrito Federal em 2011 (cinza) (FONTE: MENDONÇA, 2011)
Nos planos das primeiras cidades-satélites predominam traçados com baixa densidade, em quadras formadas por lotes unifamiliares. Em algumas das cidades, pode-se
notar
no desenho urbano uma espécie de superquadras, com
equipamentos públicos e praças locais. Para Frederico Flósculo Barreto,
15 [...] nenhuma dessas expansões urbanas [bairros] tem um traço sequer das qualidades ambientais urbanas da cidade, naquilo que seu plano piloto tem de melhor, como cidade-jardim, ou como cidade (algo frustradamente) cosmopolita. (Barreto, 2004 apud CEBALLOS, 2014, p.27)
Frederico de Holanda afirma que esses assentamentos são núcleos urbanos densos que tentam resgatar um certo desenho tradicional, mas que ainda assim têm características modernistas, como o superdimensionamento do sistema viário, vias apenas como locais de passagem, descontinuidades físicas e proliferação de espaços cegos (HOLANDA, 2003). Luiz Alberto de Gouvêa também destaca: [...] o governo segregou física e socialmente as classes populares nas distantes e mal equipadas cidades-satélites, desenvolvendo ao mesmo tempo uma política de controle social dessa população, por meio da distância que separa os núcleos satélites do Plano Piloto (centro de decisões) e pelo traçado destes núcleos. Tal desenho, com ruas retilíneas e longas, com edifícios sem abertura para os espaços públicos, em várias de suas partes formando becos, que funcionam como depósitos de lixo, e espaços públicos exageradamente amplos e áridos, criou um traçado urbano bem diverso do arranjo espacial dos assentamentos erradicados. (GOUVÊA, 2010, p. 94).
Em agosto de 1962, foi publicada no jornal Correio Braziliense uma reportagem sobre a situação em que as cidades-satélites se encontravam na época: Faltam escolas, não há assistência médica, os transportes para algumas delas são precários, a luz é insuficiente, só em pequenos setores é que se encontra água encanada. Nem há um serviço de esgotos – antes pelo contrário, há focos imensos (no Núcleo Bandeirante, de um modo especial), mantendo sob o risco permanente uma epidemia os que vivem no Distrito Federal.3
Entendendo
agora
o
contexto
geral
do
surgimento
das
primeiras
cidades-satélites, com conflitos sociais, exclusões, dificuldade de acesso à infraestrutura urbana, passa-se a observar então cada um dos projetos originais.
1.2. Precedentes e projeto urbano de Taguatinga (1958) No ano de 1958, uma seca severa incentivou a migração de milhares de nordestinos para a nova capital do Brasil que ainda estava em construção. Eram pessoas que não tinham condições financeiras e acabaram se estabelecendo próximo da antiga Cidade Livre (atual Núcleo Bandeirante). A estratégia utilizada por eles foi a de usar o nome da primeira-dama, dona Sara Kubitschek, para batizar o
3
“A realidade de Brasília”. Correio Braziliense, 24 de agosto de 1962 (apud CEBALLOS, 2014, p.36)
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novo assentamento, como forma de dificultar uma possível ação de derrubada da GEB4 e da Novacap. A Vila Sarah Kubitschek acabou crescendo muito rápido. Juscelino então decidiu junto com a Novacap criar uma cidade-satélite, a 25 quilômetros do Plano Piloto, para onde os migrantes seriam transferidos. (HOLSTON, 1993). Para James Holston, “assim, a primeira cidade-satélite de Brasília foi designada como o lugar, a considerável distância do Plano Piloto, onde acomodar os favelados de Brasília”.5 O local escolhido para a nova cidade foi escolhido justamente fora da faixa sanitária, nas margens da EPCT, e nas proximidades de uma área sede da antiga INIC - Instituto Nacional de Imigração e Colonização -, uma espécie de posto de controle que recepcionava e distribuía os trabalhadores. Esse posto ficava na entrada do Distrito Federal, na estrada Brasília-Anápolis, por onde chegava a maioria dos migrantes. Segundo os planos de Israel Pinheiro, o comandante das obras de Brasília na época, o novo loteamento seria localizado na chapada da Fazenda Taguatinga, fazenda esta que ocupava uma área de quase 150 quilômetros quadrados. (VASCONCELOS, 1988) Foi aprovado de forma apressada, ainda em 1958, um “plano geral de loteamento” para que a cidade pudesse receber seus primeiros moradores. As primeiras obras de urbanização vieram ocorrer apenas dois anos depois, já em 1960, quando o hospital, a escola, o alojamento, a sede administrativa e pouquíssimas quadras passaram a ser abastecidas pelo Serviço de Água e Esgoto de Taguatinga. (BRITO, 2009) O plano urbanístico foi feito rapidamente por Lúcio Pontual Machado e Milton Pernambuco, arquitetos titulares da então Assessoria de Planejamento da Novacap para as Cidades-Satélites. Alberto Bahouth Jr. afirma que o trabalho deles foi mais de “adaptar o que seria um planejamento ao que já existia”. Não houve um estudo antecipado (BAHOUTH Jr., 1978). No final de 1958, a nova cidade possuía dez mil
4
vide GEB na Lista de Abreviaturas de Siglas Fundação da Cidade-Satélite de Taguatinga. Cronologia do Urbanismo UFBA. Disponível em: <http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=77>. Acesso em: 21 de Novembro de 2020. 5
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moradores. Em abril de 1960, na inauguração de Brasília, Taguatinga já tinha 30 mil habitantes (VASCONCELOS, 1988).
FIGURA 4 - Fotografia aérea do centro de Taguatinga, com o atual cruzamento da Avenida Comercial com a EPTG no centro, 1958. Fotógrafo: José Maciel Paiva
Para ser transferido para a nova cidade era necessário cumprir alguns requisitos, como ser trabalhador e servidor de baixa renda. Mas muitos dos moradores não se encaixavam nesses requisitos, por nem ter um emprego. Segundo Aldo Paviani, Taguatinga já nasceu com “invasões” (Vila Dimas e Vila Matias), na parte sul da cidade, por muitos dos sem teto não se adequarem à burocracia que existia para a distribuição dos lotes. A criação de Taguatinga era apenas uma mudança geográfica dos excluídos, carregando desde seu nascimento a desigualdade social (PAVIANI, 1996). Durante a fase de projeto ainda, os arquitetos já haviam pensado até mesmo no gabarito das alturas das edificações do centro da cidade. No livro do jornalista Alberto Bahouth Jr., é citada uma das falas do arquiteto Milton Pernambuco: “- Taguatinga, dizia Milton, está situada em declive e como tal sou de opinião que a tendência é nivelar. Portanto, na entrada da cidade o gabarito não deverá ultrapassar a dois pavimentos; chego até o balão da Comercial com um máximo de quatro pavimentos, para terminar na avenida do Hospital com seis andares.” (BAHOUTH Jr., 1978, p.79)
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Os edifícios seguiram esse padrão por pouco tempo. Ainda nos primeiros anos, com a criação do Setor Hoteleiro, na entrada de Taguatinga, foram construídos prédios de dez pavimentos na área. Na área central da cidade foi pensado a setorização de atividades, assim como aconteceu no Plano Piloto modernista. Seriam o Setor Hoteleiro e o Setor Automobilístico na entrada de Taguatinga e o Setor Bancário, que reuniria todas as agências bancárias, próximo da Praça do Relógio. Esse último não chegou a ser implementado. (BAHOUTH Jr., 1978) O Setor Automobilístico de Brasília foi instalado em julho de 1961 com o objetivo de realocar as oficinas que haviam na Cidade-Livre e no Plano Piloto. No Plano Diretor da Nova Capital constava que não era permitida a instalação de oficinas mecânicas no Plano Piloto6 (BAHOUTH Jr.,1978). Por isso, muitos negócios foram transferidos para Taguatinga e muitos outros acabaram ficando onde estavam, por não gostar da ideia de transferência para longe das áreas comerciais já estabelecidas na época. Só na década de 1970, foi que o Setor de Oficinas Norte (SOFN) foi criado para a instalação de oficinas em uma área mais próxima do Plano Piloto. (SEDHAB, 2009) A área escolhida foi no centro de Taguatinga, bem em frente à Estrada Parque Taguatinga (EPTG), que na época estava em fase de conclusão. O setor acabou valorizando a cidade-satélite, abrindo um novo campo de trabalho, gerando fluxo de pessoas na cidade. Atualmente, o setor ainda funciona em algumas quadras do centro. O traçado da nova cidade era uma mistura de modernismo, com seus espaços livres, setorização de usos e unidades de vizinhança, com o tradicionalismo das cidades brasileiras, com disposição de quarteirões e lotes típicos de 10 x 30m. (DERNTL, 2019)
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No Plano-Diretor da nova Capital constava: “no Plano Piloto do Distrito Federal não será permitida a instalação de oficinas mecânicas. As distribuidoras de veículos, concessionários e representantes de marcas, instaladas no Plano Piloto, poderão apenas atender seus clientes no que respeita a ferramentas de pequeno porte, sendo proibido o uso de compressor, bujão de gás e solda elétrica, apenas regulagem de motor e reajustes de porte pequeno, eliminando-se a possibilidade de serem feitas lanternagens e/ou pinturas de automóveis.”
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O endereçamento da cidade é normalmente formado por três letras e uma numeração. A primeira letra será C quando for uma área comercial ou Q quando for uma área residencial. A segunda letra se refere à localização na cidade, sendo N para áreas no setor Norte ou S para o setor Sul. A terceira letra se refere à quadra da cidade. Taguatinga Norte possui quadras de A até M, enquanto Taguatinga Sul possui quadras de A até G. Além dessa nomenclatura mais comum, as quadras do centro da cidade são endereçadas apenas com a letra C, mais a numeração. Quadras do Setor Industrial são QI e as quadras do setor Areal, QS. Entender o endereçamento de Taguatinga é importante já que ele foi implementado à medida que a região administrativa crescia. No ano de 1958, foram implementadas apenas as quadras QNA, QNB, QSA, QSB, QSC e C. Já entre 1960 e 1962, as quadras QND, QNE, QNF, QNG, QNH e CSA foram definidas, além da Vila Matias (quadras QSD), Vila Dimas (Quadras QSE) e Setor de Indústrias de Taguatinga (QI). Nos anos seguintes, várias quadras foram planejadas e os seus lotes tiveram casas populares construídas pelo BNH (Banco Nacional da Habitação)7 e pela SHIS (Sociedade de Habitação de Interesse Social do Distrito Federal)8. Esse foi o caso das quadras QNJ (1964), QSF (1966), QNM ou M Norte (1972) e QNH (1976). (COSTA, 2011a) Nos anos 80 outras expansões ocorreram em Taguatinga. Em 1982, moradores que viviam em invasões entre a QNC, a QSC e o córrego do Cortado, em uma região chamada de Chaparra, foram transferidos para próximos da QNL, chamado atualmente de Nova QNL ou Chaparral. Já em 1984, começou a ocupar um areal na parte sul da cidade. Esse terreno arenoso acabou dando nome ao setor. No ano de 1987, em um modelo de mutirão, diversas casas foram construídas no final das quadras QNM, criando assim a Expansão da M Norte. A maior
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vide BNH na Lista de Abreviaturas de Siglas vide SHIS na Lista de Abreviaturas de Siglas
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expansão da cidade ocorreu no ano de 1989, com a criação do Bairro Águas Claras9 , que anos depois, se tornou uma região administrativa separada.
FIGURA 5 - Fotografia das casas da SHIS na QNM 36 da M Norte de Taguatinga, 1970. Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal
As últimas quadras criadas na região administrativa foram as quadras CSG, em 1991, destinadas a indústrias e grandes comércios às margens da estrada para Goiânia, e o Setor de Mansões de Taguatinga (SMT)10, próximo à Samambaia. A evolução da malha da cidade se expandiu seguindo um projeto de parcelamentos do arquiteto Lúcio Pontual. Nesse projeto foram mantidas as características predominantes do desenho urbano local, com a existência de uma via principal de atividades e quadras residenciais divididas em conjuntos iguais de lotes ligados por uma via local (COSTA, 2011a). A maioria dessas vias locais é em formato de cul-de-sac11. Também foi pensado em um sistema de circulação de pedestres através de becos que conectam as ruas em cul-de-sac.
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Águas Claras inicialmente foi planejada como bairro de Taguatinga para preencher o vazio urbano que existia entre o Plano Piloto e as cidades-satélites mais populosas (Ceilândia, Taguatinga e Samambaia), viabilizando assim, a construção das linhas de metrô nos anos 90. 10 Mesmo sendo conurbado com Samambaia, na época da criação os moradores pediram para que fosse chamado de Setor de Mansões de Taguatinga, por considerar mais a cidade mais nobre do que Samambaia. Nesta época ainda não havia ligação direta entre o setor e Taguatinga. 11 Cul-de-sac é uma expressão em francês, que significa em português “fundo de saco”, utilizada para ruas sem saída. No final dessas ruas, a caixa viária é mais larga para permitir manobras de retorno dos veículos. Essa é uma estratégia utilizada para reduzir o fluxo de veículos em vias residenciais.
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A grande maioria das quadras residenciais de Taguatinga é formada por lotes unifamiliares. As quadras CNB e CSB, na Avenida Comercial, e as quadras CSA, são voltadas apenas para lotes mistos multifamiliares. Normalmente, são torres residenciais com o térreo voltado para o comércio. Além disso, em quadras da QNA e QND (nas margens da EPCT, o Pistão de Taguatinga) e quadras da QNL foram instalados edifícios de 4 pavimentos sobre pilotis entre os anos 1960 e 1970. O território da RA de Taguatinga acabou sendo desmembrado ao longo do tempo para a formação das RAs de Ceilândia, Samambaia, Águas Claras e, mais recente, Vicente Pires, criada em 2009.
1.3. Precedentes e projeto urbano de Sobradinho (1960) No final do ano de 1959 foi apresentada à NOVACAP a planta urbana do que viria a ser a cidade de Sobradinho. Foram feitos dois projetos, o primeiro sendo de Inácio de Lima Ferreira, técnico da NOVACAP, e o segundo do arquiteto Paulo Hungria, profissional de confiança de Lucio Costa. O projeto de Paulo Hungria acabou sendo realizado na área das antigas fazendas Sobradinho e Sobradinho Mugi. O nome dessas fazendas, segundo os moradores mais antigos, seria uma homenagem à morada construída por um pássaro João-de-Barro em um cruzeiro da região em formato de sobrado. Os primeiros moradores transferidos para a cidade eram antigos moradores do acampamento da DNOCS e da Vila Amaury, submersa após a criação da barragem do Lago Paranoá. A primeira quadra ocupada foi a quadra 4, onde se ergueu a antiga Igreja do Nazareno (VASCONCELOS, 1988). Inicialmente a cidade de Sobradinho seguiu a ideia de abrigar moradores vindo de invasões, mas rapidamente foi se transformando para abrigar também funcionários públicos locais e federais. A cidade passou a receber obras de infraestrutura e urbanização e, já no meado da década de 60, contava com um sistema de esgoto sanitário, algo que as demais cidades-satélites demoraram mais tempo para receber (BRITO, 2009). No ano de 1967 foi inaugurado o Hospital-Escola Regional de Sobradinho, em parceria com a UnB.
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O projeto urbanístico da cidade, elaborado por Paulo Hungria, abrangia uma área de 11,54 km² às margens da rodovia BR-41, a Brasília-Fortaleza. Assim como no projeto modernista do Plano Piloto, foi estabelecida uma setorização por atividades em toda mancha urbana de Sobradinho. Eram eles o Setor Comercial, o Setor Residencial, o Setor Industrial, o Setor de Áreas Isoladas, o Setor Administrativo e Cultural, o Setor Hoteleiro, o Setor Central, o Setor de Usina de Asfalto – SUA, o Setor de Expansão Econômica, e a Subzona Habitacional 8 – SZH-8, conhecida como Vila DNOCS. (COSTA, 2011a)
FIGURA 6 - Fotografia aérea da cidade de Sobradinho, 1964. Retirada pelo autor do Geoportal/SEDUH.
O Setor Residencial compreendia a maior área da cidade e seria composto apenas por residências unifamiliares. Já as residências multifamiliares seriam construídas em pilotis em diversas projeções no Setor Central. Os grandes equipamentos públicos estariam no centro da cidade, no Setor Administrativo e Cultural. Já a rodoviária é pensada para estar próxima ao Setor Hoteleiro da cidade. Alguns detalhes do projeto urbano foram comentados no Plano Diretor Local (PDL) de Sobradinho, publicado no ano de 1997: As áreas das quadras residenciais de Sobradinho, criadas pelo projeto original da cidade, são compostas por conjuntos de lotes cuja área sempre é
23 maior do que 300m2 , alcançando até 525m2 , em muitos casos. Estes conjuntos, por sua vez, são contemplados com amplas faixas verdes públicas na frente dos lotes. Esta configuração urbana resulta em uma baixa densidade do projeto (87 hab/ha) e, na prática, no mau uso das áreas verdes públicas e na utilização dos lotes para mais de uma residência. (DISTRITO FEDERAL, 1997 apud CEBALLOS, 2014, p.73)
FIGURA 7 - Planta da quadra 07 de Sobradinho. Fonte: CEBALLOS, 2014
Na imagem acima, a planta da quadra 07, fica clara a organização dos espaços no Setor Residencial. Cada quadra possui cerca de 5 a 6 ruas, chamadas de conjuntos, cada uma com 62 lotes. Há semelhanças das quadras residenciais de Sobradinho com as quadras residenciais unifamiliares do Plano Piloto - quadras 700 -, com ruas largas, lotes vazados, com acesso tanto à via como à área verde pública, e proximidade a comércios locais. Uma das críticas ao projeto de Sobradinho é justamente sobre a existência de vários espaços verdes de caráter residual, normalmente resultado do próprio desenho urbano da cidade, como é citado por Maria Fernanda Derntl: Como se vê na planta de Sobradinho de 1965, um dos problemas comuns aos vários planos é a existência de espaços livres de caráter residual, muitas vezes em decorrência da articulação deficiente entre os distintos setores habitacionais acrescentados à malha urbana e da existência de áreas livres destinadas a equipamentos urbanos que nem sempre viriam ser construídos. (DERNTL, 2018)
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Anos depois, na década de 90, o PDL de Sobradinho ainda tratou da questão dos espaços livres, citado que “as áreas verdes públicas dos conjuntos residenciais tem uma área demasiadamente grande sem que nada fique definido quanto ao seu uso, ficando os mesmos à mercê de ingerências até estranhas aos moradores” (DISTRITO FEDERAL, 1997 apud CEBALLOS, 2014, p.73).
FIGURA 8 - Fotografia aérea de Sobradinho no início dos anos 60. Fonte: ARPDF
O traçado da cidade é bastante regular, ortogonal, com a repetição de vários elementos, como o que aconteceu em outros assentamentos planejados no Distrito Federal. Já no início dos anos 70, Sobradinho contava com 40 mil moradores. (VASCONCELOS, 1988). As atuais Regiões Administrativas de Sobradinho II e da Fercal surgiram a partir do crescimento da cidade ao longo dos anos.
1.4. Precedentes e projeto urbano do Gama (1960) Em outubro de 1960, poucos meses após a inauguração de Brasília, surgia mais uma cidade-satélite no Distrito Federal, o Gama. O arquiteto Paulo Hungria, que já havia planejado Sobradinho, foi também responsável pelo projeto dessa cidade que ficaria alguns quilômetros ao sul do Plano Piloto. O desenho urbano da
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cidade, em formato de colmeia ou diamante, na verdade, foi inspirado na proposta dos irmãos MMM Roberto (Marcelo, Milton e Maurício) para o concurso de projetos do Plano Piloto (COSTA, 2011a). A proposta deles acabou ficando em terceiro lugar no concurso, mas tinha como solução unidades urbanas em formato hexagonal que se ligariam entre si, formando uma rede. O local do projeto foi o das fazendas Alagados de Suzana e Ponte Alta. A sede da fazenda Gama em si era próxima ao Catetinho. O nome Gama surge em homenagem ao padre Luiz da Gama, que teria realizado a primeira missa em Santa Luzia, atual Luziânia, no período da corrida do ouro na região (FREITAS, 2013). Os primeiros moradores transferidos vieram da Vila Planalto e das obras da Barragem do Paranoá. O núcleo pioneiro da cidade foi a quadra 21 do Setor Leste, com as primeiras obras sendo realizadas nas quadras 15, 18 e 22 (VASCONCELOS, 1988). A cidade foi dividida em seis setores: Setor Norte, Setor Leste, Setor de Indústrias Leste, Setor Oeste, Setor Central e Setor Sul. Este último foi projetado pelo arquiteto Gladson da Rocha (VASCONCELOS, 1988). Em 1988 a Vila DVO, originária dos funcionários do Departamento de Viário e Obras, foi oficialmente criada (FREITAS, 2013). O Setor Central foi pensado para agrupar os equipamentos de grande porte da cidade, sendo delimitados lotes para o hospital regional (inaugurado em 1967), a rodoviária e o estádio. Foi criado um eixo norte-sul onde os principais comércios e equipamentos estariam dispostos, com o prédio da Administração Regional da cidade na ponta norte. As quadras possuem formato hexagonal e são subdivididas em triângulos com 96 a 100 lotes em média. Os mais de 16 mil lotes residenciais possuem cerca de 200 m² cada. Em cada um desses triângulos, há uma área comercial local. Predominam o paralelismo, a simetria e um ortogonalismo, frutos de um sistema racionalista (COSTA, 2011a). As quadras do Setor Sul, projetadas pelo arquiteto Gladson da Rocha, se diferenciam das outras do Gama, se assemelhando mais com quadras residenciais de outras cidades-satélites do Distrito Federal, com quadras retangulares e ruas compridas. Nota-se uma clara hierarquia viária no
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Gama: grandes avenidas como eixos cortando a cidade, ruas largas nos perímetros das quadras e ruas locais em cul-de-sac. (DERNTL, 2018)
FIGURA 9 - Fotografia aérea da cidade do Gama, 1964. Retirada pelo autor do Geoportal/SEDUH
As primeiras casas foram construídas pelo governo distrital, através da SHIS (Sociedade de Habitação de Interesse Social do Distrito Federal). Mesmo tendo sido projeto do próprio governo, a urbanização do Gama era bastante precária nos primeiros anos, assim como na maioria das cidades-satélites dessa época. No final de 1960, o Gama tinha 811 moradores. Em 1970, já eram 75 mil (FREITAS, 2013, p.53). Santa Maria e Recanto das Emas surgiram de desmembramentos do território do Gama décadas após sua criação.
1.5. Comparativos entre os projetos urbanos Pode se estabelecer diversos paralelos entre os projetos urbanos dessas três cidades. Os três projetos foram elaborados em datas próximas, entre 1958 e 1960, por arquitetos e projetistas ligados à NOVACAP e ao governo local. Apesar do
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projeto de Taguatinga ter sido para “ adaptar o que seria um planejamento ao que já existia” (BAHOUTH Jr., 1978) e Sobradinho e Gama terem sido projetados do zero, os três planos originais apresentam algumas características modernistas inspiradas pelo projeto do Plano Piloto de Lucio Costa e algumas características da Cidade-Jardim de Ebenezer Howard. Podemos citar, por exemplo, setorizações com áreas exclusivamente residenciais, exclusivamente comerciais ou exclusivamente para equipamentos públicos; ruas em cul-de-sac; espaços verdes (muitos deles, residuais); e modelos semelhantes a unidades de vizinhança, com escolas e praças distribuídas no meio de quadras residenciais. Os três projetos originais tiveram áreas destinadas para setores industriais em sua mancha urbana, o que pode indicar um interesse governamental de que futuramente essas cidades-satélites pudessem ter certo nível de independência econômica do Plano Piloto, não sendo apenas subúrbio-dormitório, mas gerando empregos e riqueza localmente. Em 1958, por exemplo, foi prevista uma área de 15 hectares em Taguatinga para “pequenas indústrias, artesanatos e atividades auxiliares” e, no ano seguinte, áreas para indústrias de fundição de laminação, não apenas ali, como também em Sobradinho. (BRASÍLIA, n.19 p.23 apud DERNTL, 2019). Como já dito anteriormente, os projetos urbanos das cidades-satélites inicialmente tiveram como objetivo realocar a população mais vulnerável distante do Plano Piloto. Além de apenas planejar essas cidades, o Governo do Distrito Federal com a SHIS, junto com o Banco Nacional da Habitação - BNH, construiu milhares de moradias nesses novos assentamentos urbanos. Em 1964, por exemplo, a NOVACAP editou um Boletim de Serviços com obras que haviam sido executadas nas cidades-satélites. “A SHIS já construiu 1008 casas em Taguatinga Norte, 622 em Taguatinga Sul e 666 no Gama Norte, num total de 1266 residências já entregues e todas habitadas, enquanto constrói, para breve acabamento, 600 casas em Sobradinho e 666 no Gama, todas com água, luz, esgoto, pavimentação, meio fio e passeio público.” (NOVACAP, 1967 apud COSTA, 2011a)
Não obstante as diferenças de partido urbanístico e do sítio físico nota-se então diversas semelhanças entre as três primeiras cidades-satélites planejadas.
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Mesmo que Sobradinho tenha se tornado residência para muitos servidores públicos e tenha recebido diversos investimentos nos primeiros anos de existência, a história revela que a vida nesses assentamentos era bastante precária em comparação com o Plano Piloto.
2. Segundo momento: Planos Diretores Locais (1997-2006) 2.1. Precedentes aos Planos Diretores Locais Até a década de 1990 não haviam legislações urbanísticas voltadas para as cidades-satélite do Distrito Federal. Tinham sido criados alguns planos voltados especificamente para a área tombada do Conjunto Urbanístico de Brasília12 ou planos gerais de ordenamento de todo o DF. Toda a questão de desenho dos lotes, afastamentos da construção, altura máxima e usos eram tratados a partir das Normas de Gabarito (NGB), dos Memoriais Descritivos (MDE) e dos Projetos Registrados (PR). Foi elaborado um documento de cada um desses para determinada área, setor ou quadra de cada cidade. Imaginava-se que apenas o Plano Piloto e a ação da criação das novas cidades-satélites seriam suficientes para um certo ordenamento territorial no Distrito Federal. Até o momento só haviam sido elaborados a Faixa Sanitária de Brasília, em 1958, e o Código Sanitário, em 1964. (COSTA, 2011b) Mas em 1977 foi elaborado e em 1978 foi aprovado o Plano Estrutural de Ordenamento Territorial - PEOT, que buscava preservar o Plano Piloto e propunha novas áreas e vetores de urbanização no Distrito Federal. Em 1985 foi aprovado o POT, Plano de Ocupação Territorial, que consolidava e detalhava as propostas do PEOT, além de propor um macrozoneamento do DF inteiro. Já no ano de 1990 foi homologado o POUSO - Plano de Ocupação e Uso do Solo. Esse plano teve como principal objetivo delimitar o que seria solo urbano e solo rural, divididos em subcategorias de zonascom características próprias. Com a Constituição Federal de 1988 exigindo que todos os municípios com mais de 20.000 habitantes elaborassem um plano diretor, no ano de 1992 foi aprovado o chamado PDOT - Plano Diretor de Ordenamento Territorial. Esse plano,
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vide CUB na Lista de Abreviaturas de Siglas
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que depois sofreu atualizações em 1997 e em 2009 e que deve ser atualizado a partir de 2020, reuniu estudos socioeconômicos, demográficos e ambientais, contemplando áreas urbanas e ruas do Distrito Federal. Ele compilou vários dados ambientais e sanitários levantados pela CAESB e por órgãos ambientais em 1990 e estabeleceu parâmetros para o planejamento da cidade para os anos que seguiram. A partir dele, é criado um mecanismo de descentralização do planejamento urbano, permitindo que as Regiões Administrativas elaborassem Planos Diretores Locais. Os Planos Diretores Locais (PDL) surgem então no final dos anos 90 como proposta de simplificar e padronizar normas para uma RA inteira. Entre os anos de 1997 e 2006 são criados sete PDLs no total: Sobradinho (1997), Taguatinga (1998), Candangolândia (1998), Ceilândia (2000), Samambaia (2001), Gama (2006) e Guará (2006). O Plano Diretor de Taguatinga abrangia também Águas Claras e, por exemplo, agrupava normas e desenhos de cerca de 300 documentos de quadras e setores específicos das duas cidades.
2.2. Plano Diretor Local de Sobradinho (1997)
FIGURA 10 - Zoneamento urbano do PDL de Sobradinho. Fonte: IPDF, 1994 (apud DISTRITO FEDERAL, 1997)
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O Plano Diretor Local de Sobradinho foi a primeira legislação urbanística voltada especificamente para uma única região administrativa do Distrito Federal. A lei complementar 56, de 30 de dezembro de 1997, estabeleceu parâmetros urbanísticos, como usos e afastamentos, para toda a cidade, além de modelos urbanísticos com volumetrias. O PDL teve como objetivo auxiliar no desenvolvimento urbano, criando novas zonas passíveis de urbanização, mas também buscava criar e proteger áreas de interesse ambiental da RA V - Sobradinho. Usando como base os parâmetros de zoneamento descritos no Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) de 1992, o PDL de Sobradinho definiu cinco subzonas na cidade: Subzona Central (SZC), Subzona Habitacional (SZH), Subzona Industrial (SZI), Subzona Especial de Conservação (SZEC) e Subzona Rural Remanescente (SZR). Cada uma dessas subzonas foi definida de acordo com os usos predominantes, como os comércios de bens e prestações de serviço na Subzona Central e uso residencial na Subzona Habitacional, por exemplo. A Subzona Especial de Conservação é definida como sendo para usos e parcelamentos futuros condicionados às características ambientais do local. Na chamada Subzona Central (SZC), área que compreende as quadras centrais, o setor comercial da quadra 8 e a rua 5, era previsto um Projeto Especial de Urbanismo, com o objetivo de revitalizar os espaços públicos. Estava previsto um sistema de ruas pedestrianizadas, mais vagas de estacionamentos na área central e maiores taxas de construção no Setor Hoteleiro. Já a Subzona Habitacional (SZH) era dividida em nove categorias de acordo com tipologias e densidades predominantes. As SZH 1 e 2 abrangiam as quadras residenciais do Setor Tradicional, compostas predominantemente por tipologias de casas. Já as SZH 4 e 5, por exemplo, seriam áreas de expansão urbana futura. As Subzonas Industriais (SZI) estavam distribuídas em 6 áreas industriais diferentes, sendo diferenciadas por suas localizações, potencialidades e atividades. A SZI 3, por exemplo, compreenderia os lotes destinados para indústrias às margens da rodovia BR 020, lotes estes destinados às atividades de agroindústria,
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abastecimento alimentar e comércio de maquinário e insumos agrícolas, como é citado na lei. O parcelamento dessas subzonas também estaria condicionado às diretrizes ambientais. As Subzonas Especiais de Conservação (SZEC), como já foi dito anteriormente, compreendem áreas de interesse ambiental, como o Parque Regional do Paranoazinho, a Área de Proteção Ambiental do Cafuringa e trechos próximos a cursos d’água. Por último, a Subzona Rural Remanescente (SZR) abrangeria toda a área rural da Região Administrativa de Sobradinho, descrevendo questões fundiárias mínimas e parâmetros ambientais necessários. Acerca dos parâmetros de controle urbanísticos abordados no PDL, destacam-se as taxas máximas de ocupação, alturas máximas e afastamentos mínimos. A lei complementar ainda aborda parâmetros para parcelamentos do solo futuros, os quais deveriam levar em conta análises ambientais, como de abastecimento de água, e desenho urbano, como largura de vias e calçadas. O Plano Diretor Local também descreve instrumentos urbanísticos que poderiam ser utilizados a partir daquele momento, como as Outorgas Onerosas13 e o Cumprimento da Função Social da Propriedade14.
2.3. Plano Diretor Local de Taguatinga (1998) A Lei Complementar 90, de 11 de março de 1998, foi um dos primeiros Planos Diretores Locais do DF. Esse PDL possui algumas características diferentes do PDL de Sobradinho, publicado algumas semanas antes. Na época, no final dos anos 90, Águas Claras ainda estava em processo de urbanização e fazia parte da RA III - Taguatinga. O mesmo aconteceu com Vicente Pires. Por isso, o plano abrangia as três cidades. Outra característica é a que, diferente do PDL de Sobradinho, esse plano pretendia integrar vários de seus parâmetros com Ceilândia e Samambaia, cidades próximas que já apresentavam um processo avançado de
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Outorga Onerosa do Direito de Construir (ODIR) - Contrapartida financeira para se construir além do coeficiente de aproveitamento básico. | Outorga Onerosa de Alteração de Uso (ONALT) Contrapartida financeira para se alterar o uso do lote. 14 Função Social da Propriedade - Atendimento de interesses coletivos ao invés de interesses do proprietário.
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conurbação com Taguatinga na época. Um dos objetivos descritos no corpo da lei complementar é a de justamente “promover a integração físico-funcional” e “dinamização territorial” entre essas cidades. (DISTRITO FEDERAL, 1998)
FIGURA 11 - Zoneamento urbano do PDL de Taguatinga. Fonte: DISTRITO FEDERAL, 1998
Como estratégias foram estabelecidas, por exemplo, a criação de um Centro Regional e de um Corredor de Atividades. Essas seriam zonas de dinamização com objetivo claro de descentralizar atividades do Plano Piloto. Também são apontados planos de se priorizar o pedestre e incentivar o uso e a integração do transporte público. Também usando como base o macrozoneamento do PDOT, O PDL definiu apenas 3 zonas em Taguatinga: Zona Urbana de Dinamização, Zona Rural de Uso Controlado e Zona de Conservação Ambiental. Além disso, foram instituídas Áreas de Desenvolvimento Econômico (ADE), Áreas Rurais Remanescentes (ARR), Áreas de Uso Urbano com Restrição (AUR) e áreas de expansão urbana. Acerca dos lotes, eles foram classificados segundo o grau de restrição de atividades, sendo RE, lotes de uso residencial exclusivo; L0, lotes com maior restrição; L1, média restrição; L2, menos restrição; e L3, lotes com restrição à
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residências. A partir dessa classificação são determinadas quais as atividades são permitidas em determinada restrição. A partir do PDL, o Setor Industrial de Taguatinga passa a permitir uso residencial, com possibilidade de surgimento de edifícios de habitação coletiva. Essa medida acaba transformando totalmente a paisagem do setor, de Taguatinga e de toda a região, com o surgimento de grandes empreendimentos. Além disso, são estabelecidos como parâmetros urbanísticos o coeficiente de aproveitamento, taxa de permeabilidade, afastamentos e quantidades de vagas e domicílios por lote. Já sobre os instrumentos urbanísticos, além dos citados no PDL de Sobradinho, o PDL de Taguatinga cria o instrumento de edificação compulsória15, aplicado para terrenos do Centro Regional e/ou terrenos com área superior a mil metros quadrados. Nesses terrenos foi estabelecido prazo obrigatório para a aprovação de projetos e edificações. O Plano Diretor da RA III sofreu alterações a partir da Lei Complementar Nº907, de 28 de dezembro de 2015. Dentre essas atualizações estão a criação de novos lotes, alteração de restrições e mudanças de parâmetros urbanísticos em determinados lotes, como isenção de taxa de permeabilidade, por exemplo.
2.4. Plano Diretor Local do Gama (2006) A Lei Complementar Nº728, de 18 de agosto de 2006, foi um dos últimos Planos Diretores Locais aprovados no DF. O PDL do Gama divide a RA II em três zonas, assim como Taguatinga: Zona Urbana de Dinamização, Zona Rural de Uso Diversificado e Zona de Conservação Ambiental. Semelhante aos outros PDLs, ele também designa diversas áreas para a criação de projetos especiais de urbanismo, como praças, feiras e até um complexo cultural.
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Edificação Compulsória - Indução de uso de imóveis ociosos ou de ocupação de lotes vazios
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FIGURA 12 - Zoneamento urbano do PDL do Gama. Fonte: DISTRITO FEDERAL, 2006
Acerca dos lotes em si, eles são divididos em residencial e não-residencial. O uso residencial é subdividido em lotes unifamiliares e em lotes multifamiliares. Já o uso não-residencial foi subdividido em comercial, coletivo-institucional e industrial. Dessa forma, recebem a classificação R0, lotes com prioridade máxima ao uso residencial; R1, lotes de uso misto de pequeno porte; R2, uso misto; R3, uso coletivo residencial, comercial e industrial; R4, uso coletivo comercial, cultural e esportivo; e R5, lotes com uso residencial proibido. A grande mudança na cidade acontece no Setor Leste Industrial. Os lotes anteriormente exclusivamente industriais passam a ter a classificação R3, permitindo assim também o uso comercial e coletivo residencial. Além disso, o PDL reajustou os coeficientes de aproveitamento, permitindo assim que edifícios com vários pavimentos surgissem no setor. O mesmo que aconteceu em Taguatinga. O
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PDL previa projetos urbanísticos futuros para o Setor de Múltiplas Atividades, setor esse criado anos depois voltado para usos não-residenciais. Os parâmetros urbanísticos aplicados na RA do Gama são os de coeficiente de aproveitamento, permeabilidade do solo, afastamentos, quantidades de vagas e domicílios por lote e taxa de uso do subsolo. Já acerca de instrumentos urbanísticos, por ser uma lei mais recente, a lista é grande, abrangendo desde Outorgas Onerosas do Direito de Construir (ODIR) e de Alteração de Uso (ONALT), concessão de uso, até direito de preempção16 e IPTU progressivo17. O Plano Diretor do Gama ainda deixa clara a intenção de se integrar a cidade do Gama às cidades próximas do Entorno do DF, além de padronizar possíveis urbanizações futuras. O PDL do Gama sofreu alteração ainda através do Decreto Nº32.614, de 17 de Dezembro de 2010 e da Lei Complementar Nº935, de 21 de Dezembro de 2017 alterando usos, gabaritos e coeficientes de aproveitamento no Setor Leste Industrial.
2.5. Comparativos entre os PDLs Os Planos Diretores Locais do DF foram elaborados no final dos anos 90 e no início dos anos 2000. Mesmo com um período curto de tempo entre eles, pode-se
observar
algumas diferenças. O primeiro deles, de Sobradinho,
apresentava muitas subzonas, cada uma com características e parâmetros específicos. Já os planos seguintes, Taguatinga e Gama, eram mais sintéticos, dividindo o território da RA em zona urbana, rural e de conservação. Atuando nos lotes urbanos, a legislação definia os parâmetros a partir de restrições de atividade, como em Taguatinga, ou os usos propriamente ditos, como no Gama. Também pode-se notar que o primeiro PDL abordava pouco a questão da relação com as Regiões Administrativas vizinhas. O PDL de Taguatinga, por exemplo, é até bastante incisivo na questão metropolitana, destacando relações entre as cidades próximas, com a criação de Centro Regional e Corredor de Atividade, que abrange
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Direito de Preempção - Prioridade de compra de lote por parte do governo para construção de equipamentos públicos 17 IPTU Progressivo - Enquanto o proprietário não adequar o imóvel para cumprir sua Função Social, aumenta-se o IPTU
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diretamente Samambaia, Ceilândia e as regiões de Águas Claras e Vicente Pires, que ainda estavam em desenvolvimento na época. Os PDLs também foram decisivos para a mudança da paisagem de Taguatinga e do Gama, com permissões e alterações nos devidos setores industriais, possibilitando o surgimento de edificações residenciais em altura e comércios. Os setores industriais de Taguatinga e Gama vêm passando nos últimos anos por grandes transformações, com o surgimento de enormes torres residenciais e a redução das atividades industriais. Outro fato que chama bastante a atenção é a evolução dos instrumentos urbanísticos existentes na legislação. Enquanto os PDLs de Sobradinho e Taguatinga possuíam cerca de quatro instrumentos cada, o PDL do Gama apresenta uma lista volumosa deles. As duas legislações do final dos anos 90 contém instrumentos como as Outorgas Onerosas, a Concessão de Uso, a Obrigação do Cumprimento da Função Social da Propriedade e a Edificação Compulsória. Já na legislação do início dos anos 2000, existem quatro tipos de instrumentos de política urbana: instrumentos de planejamento, como zoneamentos e planos; instrumentos tributários, como taxas e incentivos; instrumentos urbanísticos
propriamente
ditos,
como
IPTU
progressivo,
desapropriação,
operações urbanas consorciadas, Estudos de Impacto de Vizinhança (EIV)18, concessões e usucapião19; e instrumentos de democratização, como conselhos populares. A lista abrange mais de 45 instrumentos aplicáveis na cidade. Depois do PDL do Gama, os questionamentos se voltaram para a criação de uma legislação que pudesse padronizar os parâmetros e instrumentos urbanísticos para todo o Distrito Federal: a Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS).
3. Terceiro momento: Lei de Uso e Ocupação do Solo (2019) 3.1. Precedentes à LUOS As discussões sobre legislações urbanísticas no Distrito Federal permeiam toda a sua história. Os planos diretores da nova capital começaram em 1957, com o
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Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) - Estudos de impacto de edificações com atividades incômodas na vizinhança 19 Usucapião - Aquisição da propriedade após posse prolongada do terreno e/ou edificação
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próprio Projeto Urbanístico de Lucio Costa (COSTA, 2011b). Após a construção de Brasília, outros surgem, sendo eles: o Plano Estrutural de Ordenamento Territorial PEOT (1977), o Plano de Ocupação Territorial do Distrito Federal - POT (1985), o Brasília Revisitada 85-87 (1987), o Plano de Ocupação e Uso do Solo - POUSO (1990) e o Plano Diretor de Ordenamento Territorial - PDOT, elaborado inicialmente em 1992, revisado em 1997, 2009 e 2012, e em processo de revisão agora em 2020-2021. Destes, tirando o Brasília Revisitada 85-87, elaborado por Lúcio Costa para a área próxima do Plano Piloto, todos os planos abordaram questões relacionadas ao controle territorial e macrozoneamento do Distrito Federal, como um todo. Porém, acabavam deixando o microzoneamento, parâmetros para as microparcelas urbanas, os lotes, na responsabilidade das próprias Regiões Administrativas, tirando algumas exceções. Ao longo das décadas foram elaboradas centenas de Normas de Gabarito (NGB), Memoriais Descritivos (MDE) e Projetos Registrados (PR) para cada nova parcela urbanizável das cidades. Junto com os PDLs, o montante de legislações urbanísticas em vigor era enorme. Surgiu então a ideia de simplificar e reunir todas as legislações, muitas desatualizadas, em uma só: A Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS). Já em 2007 foi aprovada a Emenda Nº49/2007, uma emenda que alterava a Lei Orgânica do Distrito Federal e que citava a necessidade da elaboração de uma lei de uso e ocupação do solo nos próximos anos: Art. 318. Os Planos de Desenvolvimento Local DAS 7 (SETE) UPTS UNIDADES DE PLANEJAMENTO TERRITORIAL- e a Lei de Uso e Ocupação do Solo, complementares ao Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal, são parte integrante do processo contínuo de planejamento urbano. § 1º A Lei de Uso e Ocupação do Solo estabelecerá normas urbanísticas destinadas a regular as categorias de usos, por tipo e porte, e definirá as zonas e setores segundo as indicações de usos predominantes, usos conformes e não-conformes. § 2º A Lei de Uso e Ocupação do Solo estabelecerá, ainda, o conjunto de índices para o controle urbanístico a que estarão sujeitas as edificações, para as categorias de atividades permitidas em cada zona.
38 § 3º A Lei de Uso e Ocupação do Solo deverá ser encaminhada à Câmara Legislativa do Distrito Federal pelo Poder Executivo, no prazo máximo de 2 (dois) anos, a partir da vigência do Plano Diretor de Ordenamento Territorial. (DISTRITO FEDERAL, 2007)
Em 2009, na revisão do Plano Diretor de Ordenamento Territorial - PDOT, também foi citada a elaboração da LUOS: Art. 149. A Lei de Uso e Ocupação do Solo do Distrito Federal complementará os princípios estabelecidos nesta Lei complementar, devendo indicar, para os parcelamentos consolidados ou já aprovados pelo Poder Público, no mínimo: I - os usos dos lotes de acordo com a Tabela de Classificação de Usos e Atividades do Distrito Federal, assegurando a localização adequada para as diferentes funções e atividades urbanas no Distrito Federal ; II - as alturas máximas das edificações ; III - taxas de permeabilidade, quando couber ; IV - os afastamentos mínimos laterais, frontais e de fundos dos lotes, quando couber ; V - os cones de iluminação e ventilação, quando couber ; VI - a utilização dos subsolos, quando couber ; VII - o tratamento das divisas do lote ; VIII - parâmetros para a definição do número mínimo de vagas de estacionamento interno das unidades imobiliárias ; IX - as penalidades correspondentes às infrações decorrentes da inobservância dos preceitos estabelecidos. Parágrafo único. Os parâmetros de uso e ocupação do solo a serem definidos no âmbito da Lei de Uso e Ocupação do Solo deverão observar as densidades demográficas indicadas no Anexo III, Mapa 5, desta Lei Complementar. (DISTRITO FEDERAL, 2009)
Em 2013 chegou-se a elaborar o Projeto de Lei Complementar Nº79/2013, mas esse foi retirado da Câmara Legislativa do Distrito Federal para reestudo. 20 Os trabalhos retornaram no ano de 2015, com a reelaboração do plano. Após todos os trâmites legais e votações na Câmara Legislativa, a Lei Complementar Nº948, de 16 de Janeiro de 2019, é aprovada.
HISTÓRICO DA LUOS. SEDUH. Disponível em: <http://www.seduh.df.gov.br/historico/#at>. Acesso em: 21 de Novembro de 2020. 20
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Segundo a SEDUH, atual Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação do Distrito Federal, “a legislação das Regiões Administrativas abrangidas pela LUOS compreende aproximadamente 420 documentos de normas urbanísticas e 6 Planos Diretores Locais. Um conjunto normativo que aplica-se a 365.341 mil lotes urbanos, dos quais, 220.702 lotes são regulados pelos PDLs e 144.807 lotes são regidos pelos demais instrumentos normativos.”21 A LUOS passa a vigorar então, abrangendo a maioria das Regiões Administrativas do DF, com exceção das RA I - Brasília, RA XI - Cruzeiro, RA XIX - Candangolândia e RA XXII Sudoeste/Octogonal, essas citadas que fazem parte do Conjunto Urbanístico de Brasília (CUB). Essas cidades serão incluídas no Plano de Preservação do CUB (PPCUB) que está atualmente em processo de aprovação.
3.2. Parâmetros da LUOS em Taguatinga O Plano Diretor Local de Taguatinga, de 1998, classificava os lotes da cidade a partir de restrição de atividades, com lotes com maior ou menor restrição e lotes com uso residencial exclusivo ou proibitivo. A LUOS, por sua vez, classifica os lotes por usos, com áreas em que determinado uso é exclusivo, permitido ou proibido, utilizando de siglas. Os lotes residenciais unifamiliares de Taguatinga são classificados em RO1 e RO2, Residencial Obrigatório, permitindo assim atividades não-residenciais que geram pouco incômodo, desde que exista habitação no lote, algo que de certa forma já era permitido desde o PDL de 1997. Apenas o Setor de Mansões de Taguatinga apresenta lotes com classificação RE2, Residencial Exclusivo, por causa da tipologia das habitações unifamiliares de alto padrão já existentes no local.
LUOS. SEDUH. Disponível em: <http://www.seduh.df.gov.br/luos-2/>. Acesso em: 21 de Novembro de 2020. 21
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FIGURA 13 - Zoneamento urbano da LUOS em Taguatinga. Fonte: DISTRITO FEDERAL, 2019
Algumas das alterações foram a permissão de residências no setor SAGOCAN - Setor Auxiliar de Garagens, Oficinas e Comércio afins Norte -, próximo do cemitério, e na QS 01, no Pistão Sul. Os lotes dessas áreas receberam classificação CSIIR3, onde os usos não-residenciais são obrigatórios e as habitações são admitidas. A LUOS também potencializa diversos usos em lotes de frente para ruas e avenidas importantes, com maiores valores permitidos para taxas de ocupação e alturas máximas.
3.3. Parâmetros da LUOS em Sobradinho O Plano Diretor Local de Sobradinho, de 1997, abrangia áreas que hoje formam as RAs de Sobradinho I e Sobradinho II, que se desmembrou em 2004.
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FIGURA 14 - Zoneamento urbano da LUOS em Sobradinho. Fonte: DISTRITO FEDERAL, 2019
Nos lotes residenciais unifamiliares da cidade, que anteriormente eram divididos em subzonas, passam a ter a classificação de uso e ocupação do solo RO1, uso Residencial Obrigatório, sendo permitido alguns usos não-residenciais. Os lotes residenciais multifamiliares, que são ocupados por edifícios residenciais sobre pilotis, foram classificados como RE3, uso Residencial Exclusivo. Já no comércio local, o uso misto, que já era permitido, foi reafirmado com a classificação de CSIIR2, onde os usos não-residenciais são obrigatórios e é admitido o uso residencial. Diferente do que aconteceu em Taguatinga e no Gama, o Setor Industrial de Sobradinho não teve mudança de uso, permitindo edifícios habitacionais multifamiliares, mas sim recebendo a classificação CSIInd2, onde o uso residencial é proibido. A LUOS acaba também abrangendo a área do Condomínio Alto da Boa Vista, parcelamento urbano formado nos anos 90, mas registrado em cartório apenas em 2014, e que tem a maior parte dos seus lotes com a classificação RO1, uso Residencial Obrigatório.
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3.4. Parâmetros da LUOS no Gama
FIGURA 15 - Zoneamento urbano da LUOS no Gama. Fonte: DISTRITO FEDERAL, 2019
Os parâmetros urbanos do PDL do Gama, de 2006, com as restrições de uso, não diferem muito dos parâmetros aprovados pela LUOS em 2006. Os lotes que recebiam classificação R0 no PDL, restrição máxima, voltados apenas para residência multifamiliar, receberam classificação RE3, Residencial Exclusivo. Os lotes residenciais unifamiliares que eram classificados como R1 e R2, lotes de uso misto de pequeno porte e lotes de uso misto, respectivamente, agora são classificados como RO1 e RO2, Residencial Obrigatório, permitindo assim o surgimento de pequenos estabelecimentos. As mudanças de nomenclatura apenas abrangem a cidade do Gama como um todo, com apenas algumas exceções pontuais. O Setor de Indústrias do Gama já havia passado por alterações no PDL, permitindo o uso residencial multifamiliar na área. Mas, para atividades industriais, alguns anos após a aprovação do PDL, foi criado o Setor de Múltiplas Atividades,
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chamado de AMA ou ADE do Gama. Esse setor, na saída norte da cidade, é composto por lotes classificados como CSIInd1 e CSIInd2, voltados para atividades não-residenciais de pequeno e médio porte.
3.5. Comparativos dos Parâmetros nas RAs Um dos objetivos com a aprovação da LUOS era a de justamente padronizar os parâmetros para todas as Regiões Administrativas do Distrito Federal. Fica bastante clara a intenção de possibilitar melhorias na urbanidade de Taguatinga, Sobradinho e Gama, as cidades que foram analisadas aqui. Possibilidade de novos usos, restrições menores para lotes voltados para vias importantes e tentativa de se reduzir setores monofuncionais, com apenas um uso. A LUOS acaba por transformar a maior parte dos lotes residenciais unifamiliares das cidades analisadas em lotes classificados em RO1, Residencial Obrigatório. Mesmo que em muitas das RAs as legislações já permitissem que esses lotes pudessem ter usos não-residenciais aliados ao uso residencial, como pequenos comércios, salão de beleza, ateliê de costura, por exemplo, essa mudança representa um avanço para a urbanidade dessas comunidades. Áreas exclusivamente residenciais ou exclusivamente comerciais desfavorecem a mobilidade ativa, incentivando a circulação nas cidades através do carro. Isso se reflete também nos lotes em áreas centrais das três cidades possibilitarem também o uso residencial e lotes nos setores industriais de Taguatinga e Gama possibilitarem usos não-industriais. Essas mudanças permitem que os diversos setores das cidades não fiquem vazios determinados dias e horários na semana, permitindo atividades e empregos em diversas áreas.
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Conclusões Chegando aos 60 anos em 2020, fica bastante clara a evolução urbana de Brasília através de suas legislações. Desde sua criação até os anos recentes, do ponto de vista do planejamento territorial urbano, o Distrito Federal foi conformado através de planos, leis e mapas que definiram o Plano Piloto e as cidades-satélites. Inicialmente, assentamentos para afastar as favelas e ocupações precárias do projeto de Lucio Costa, hoje, Taguatinga, Sobradinho e Gama são Regiões Administrativas bastante desenvolvidas, abrigando milhares de empresas, gerando milhares de empregos. Juntas, as três possuem cerca de 166 mil postos de trabalho, 13,14% dos mais de 1.260.000 milhões de postos de trabalho do Distrito Federal em 2018. (CODEPLAN, 2018, p.94) As transformações de cada uma das cidades puderam ser acompanhadas através da aprovação de cada uma das legislações. Com a aprovação dos projetos urbanos originais na década de 1960, se acompanha o nascimento delas, com o sonho de abrigar as famílias mais carentes da época. Com a aprovação dos planos diretores locais na década de 90 e início dos anos 2000, trinta anos depois, se percebe o desejo de desenvolver ainda mais esses assentamentos, não mais como cidades-dormitório. Nessa época, as três cidades já se consolidavam como pólos de emprego para as novas cidades-satélites que surgiam ao redor. Já com a aprovação da Lei de Uso e Ocupação do Solo no ano de 2019, se comprova o interesse de consolidar ainda mais essas cidades, densificando seus setores e diversificando seus usos, de forma a torná-las mais autônomas e independentes. Agora os olhos se voltam para o futuro, imaginando as transformações que Taguatinga, Sobradinho, Gama e as outras cidades-satélites (agora Regiões Administrativas) irão sofrer nas próximas décadas, mudando a paisagem urbana do Distrito Federal para o futuro. Cabe lembrar, finalmente, que o PDOT de 2009 extinguiu os Planos Diretores Locais (PDLs) e estabeleceu 7 (sete) UPTS (Unidades de Planejamento Territorial) no Distrito Federal, cada uma delas devendo ter um Plano de Desenvolvimento Local (PDL). Até o presente momento, nenhum PDL com essas características foi realizado, constituindo um desafio aberto de planejamento a curto e médio prazo
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que deverá incidir significativamente sobre o planejamento e desenvolvimento urbano das três cidades objeto deste ensaio.
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