A reliquia

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A

Relíquia



No fim de setembro,


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FUMO FUMOFUMO FUMO FUMOFUMO FUMO FUMO FUMO o _Rinchão_ chegou de Paris: e um domingo, á FUMO FUMO FUMO FUMO FUMOFUMO FUMO noitinha, á FUMO volta da Novena de S. Caetano, entranFUMO FUMO FUMO FUMO FUMO do no FUMO Martinho, encontrei-o, rodeado de rapazes, FUMO FUMO FUMO FUMO FUMO FUMO FUMO contando ruidosamente os seus feitos d’amor e de FUMO FUMOFUMO FUMO FUMO FUMO gentilFUMO audacia emFUMO Paris. Tristonho, puxei um banco FUMO FUMO e fiquei aFUMO ouvir o _Rinchão_. Com uma ferradura de rubis na gravata, o monoculo pendente d’uma fita larga, uma rosa amarella no peito, o _Rinchão_ impressionava, quando por entre o fumo do charuto esboçava traços do seu prestigio: «Uma noite no Caffé de la Paix, estando eu a cear com a Cora, com a Valtesse, e com um rapaz muito chic, um principe...» O que o _Rinchão_ tinha visto! o que o _Rinchão_ tinha gozado! Uma condessa italiana, delirante, parenta do Papa, e chamada _Popotte_, amára-o, levára-o aos Campos-Elyseos na sua victoria--cujo velho brazão eram dois chavelhos ncruzados. Jantára em restaurantes onde a luz vinha de serpentinas d’ouro, e os criados, macilentos e graves, lhe chamavam respeitosamente _Mr. le Comte_. E o _Acazar_, com festões de gaz entre as arvores, e a Paulina cantando, FUMO de braços nús, o _Chouriço de Marselha_-- eveláralheFUMO a verdade, a grandeza da civilisação. FUMO FUMO --Viste Victor Hugo? perguntou um rapaz de FUMO lunetas FUMO pretas, que roía as unhas.

chegou de Paris: e um domingo, á noitinha, á volta da Novena de S. Caetano, entrando no Martinho, encontrei-o, rodeado de rapazes, contando ruidosamente os seus feitos d’amor e de gentil audacia em Paris. Tristonho, puxei um banco e fiquei a ouvir o _Rinchão_. Com uma ferradura de rubis na gravata, o monoculo pendente d’uma fita larga, uma rosa amarella no peito, o _Rinchão_ impressionava, quando por entre o fumo do charuto esboçava traços do seu prestigio: «Uma noite no Caffé de la Paix, estando eu a cear com a Cora, com a Valtesse, e com um rapaz muito chic, um principe...» O que o _Rinchão_ tinha visto! o que o _Rinchão_ tinha gozado! Uma condessa italiana, delirante, parenta do Papa, e chamada _Popotte_, amára-o, levára-o aos Campos-Elyseos na sua victoria--cujo velho brazão eram dois chavelhos ncruzados. Jantára em restaurantes onde a luz vinha de serpentinas d’ouro, e os criados, macilentos e graves, lhe chamavam respeitosamente _Mr. le Comte_. E o _Acazar_, com festões de gaz entre as arvores, e a Paulina cantando, de braços nús, o _Chouriço de Marselha_-- evelára-lhe a verdade, a grandeza da civilisação. --Viste Victor Hugo? perguntou um rapaz de lunetas 5 pretas, que roía as unhas.


-NĂŁo, nunca andava cĂĄ na roda chic! 6


Toda essa semana, então, a idéa de vêr Paris brilhou incessantemente no meu espirito, tentadora e cheia de suaves promessas... E era menos o appetite d’esses gozos do Orgulho e da Carne com que se abarrotára o _Rinchão_, que a anciedade de deixar Lisboa, onde igrejas e lojas, claro rio e claro céo, só me lembravam a Adelia, o homem amargo de capa á hespanhola, o beijo na orelha perdido para sempre... Ah! se a titi abrisse a sua bolsa de sêda verde, me deixasse mergulhar dentro as mãos, colher ouro, e partir para Paris!... Mas, para a snr.^a D. Patrocinio, Paris era uma região ascorosa, cheia de mentira, cheia de gula--onde um povo sem santos, com as mãos maculadas do sangue dos seus arcebispos, está perpetuamente, ou brilhe o sol, ou luza o gaz, commettendo uma _relaxação_. Como ousaria eu mostrar á titi o desejo immodesto de visitar esse lugar de sujidade e de treva moral?...

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arroz


Logo no domingo porém, jantando no Campo de Sant’Anna os amigos dilectos, aconteceu fallar-se, ao cozido, d’um sabio condiscipulo do padre Casimiro que recentemente deixára a quietação da sua cella no Varatojo, para ir esposar, entre foguetes, a trabalhosa Sé de Lamego. O nosso modesto Casimiro não comprehendia esta cubiça d’uma mitra, cravejada de pedras vãs: para elle a plenitude d’uma vida ecclesiastica era estar assim aos sessenta annos, são e sereno, sem saudades e sem temores, comendo o

-inho

do forno da snr.^a D. Patrocinio das Neves... 9


--Porque deixe-me dizer-lhe, minha respeitavel senhora, que este seu arroz está um primor!... E a ambição de ter sempre um arroz d’estes, e amigos que o apreciem, parece-me a mais legitima e a melhor para uma alma justa... E assim se veio a discursar das acertadas ambições que, sem aggravo do Senhor, cada um podia nutrir no seu coração. A do tabellião Justino era uma quintasinha no Minho, com roseiras e com parreiras, onde elle pudesse acabar a velhice, em mangas de camisa, e uietinho. --Olhe, Justino, disse a titi, uma coisa que lhe havia de fazer falta era a sua missa na Conceição Velha... Quando a gente se acostuma a uma missinha, não ha outra que console... A mim, se me tirassem a de Sant’Anna, parece-me que começava a definhar... Era o padre Pinheiro que a celebrava; a titi, enternecida, collocou-lhe no prato outra aza de gallinha;--e padre Pinheiro revelou tambem a ambição que o pungia. Era elevada e santa. Queria vêr o Papa restaurado n’esse throno forte e fecundo em que resplandecera Leão X... --Se ao menos houvesse mais caridade com elle! exclamou a titi. Mas o Santissimo Padre, o vigariosinho de Nosso Senhor, assim n’uma masmorra, em farrapos, sobre palha...

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É de Caipházes, é de judeus!

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Bebeu 12

um gole da sua


agua morna


...


e recolheu-se ao retiro da sua alma—a rezar a AveMaria que sempre offertava pela saude do Pontifice e pelo termo do seu captiveiro. O dr. Margaride consolou-a. Não acreditava que o Pontifice dormisse sobre palhas. Viajantes esclarecidos afiançavam-lhe até que o Santo Padre, querendo, podia ter arruagem. -Não é tudo; está longe de ser tudo o que compete a quem usa a tiára; mas uma arruagem, minha senhora, é uma grandissima commodidade... Então o nosso Casimiro, risonho, desejou saber (já que todos patenteavam as suas ambições) qual era a do douto, do eminente dr. Margaride. -Diga lá a sua, dr. Margaride, diga lá a sua! clamaram todos, com affecto.

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Elle sorria,


grave.


-Deixe-me v. exc.^a primeiro, D. Patrocinio, minha senhora, servir-me d’essa lingua guizada, que marcha para nós e que me parece preciosa. Depois de fornecido, o veneravel magistrado confessou que appetecia ser Par do Reino. Não por alarde de honras, nem pelo luxo da farda; mas para defender o principio sacro da authoridade... -Só por isto, acrescentou com energia. Porque desejava tambem, antes de morrer, poder dar, se v. exc.^a, D. Patrocinio, me permitte a expressão, uma cacheirada mortal no theismo e na anarchia. E dava-lh’a! Todos declararam fervorosamente o dr. Margaride digno d’esses fastigios sociaes. Elle agradeceu, seriissimo. Depois volveu para mim a face magestosa e livida: -E o nosso Theodorico? O nosso Theodorico ainda não nos disse qual era a sua ambição.

Córei

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i:


e Paris logo rebrilhou ao fundo do meu desejo, com as suas serpentinas de ouro, as suas condessas primas dos Papas, as espumas do seu champagne--fascinante, embriagante, e adormentando toda a dôr... Mas baixei os olhos; e affirmei que só aspirava a rezar as minhas corôas, ao lado da titi, com proveito e com descanso... O dr. Margaride porém pousára o talher, insistia. Não lhe parecia um desapego de Deus, nem uma ingratidão com a titi, que eu, intelligente, saudavel, bom cavalleiro e bacharel, nutrisse uma honesta cubiça... -Nutro! exclamei então decidido como aquelle que arremessa um dardo. Nutro, dr. Margaride. Gostava muito de vêr Paris.

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-Cruzes!



...gritou a snr.^a D. Patrocinio, horrorisada. ir a Paris!... -Para vêr as igrejas, titi! -Não é necessario ir tão longe para vêr bonitas igrejas, replicou ella, rispidamente. E lá em festas com orgão, e um Santissimo armado com luxo, e uma rica procissão na rua, e boas vozes, e respeito, e imagens de dar gosto, ninguem bate cá os nossos portuguezes!... Calei-me, esmagado. E o esclarecido dr. Margaride applaudiu o patriotismo ecclesiastico da titi. Decerto, não era n’uma republica sem Deus, que se deviam procurar as magnificencias do culto... -Não, minha senhora, lá para saborear coisas grandiosas da nossa santa religião, se eu tivesse vagares, não era a Paris que ia... Sabe v. exc.^a onde eu ia, snr.^a D. Maria do Patrocinio? -O nosso doutor, lembrou o padre Pinheiro, corria direito a Roma... -Upa, padre Pinheiro! Upa, minha cara senhora! Upa? Nem o bom Pinheiro, nem a titi comprehendiam o que houvesse de superior a Roma pontifical! O dr. Margaride então ergueu solemnemente as sobrancelhas, densas e negras como ebano. -Ia á Terra Santa, D. Patrocinio! Ia á Palestina, minha senhora! Ia vêr Jerusalem e o Jordão! Queria eu tambem estar um momento, de pé, sobre o Golgotha, como Chateaubriand, com o meu chapéo na mão, a meditar, a embeber-me, a dizer «salvè!» E havia de trazer apontamentos, minha senhora, havia de publicar impressões historicas. Ora ahi tem v. exc.^a onde eu ia... Ia a Sião!

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Servira-se o lombo assado; e houve,

por sobre os pratos, um recolhimento reverente a esta evocação da terra sagrada onde padeceu o Senhor. Eu parecia-me vêr lá muito longe, na Arabia, ao fim de arquejantes dias de jornada sobre o dorso d’um camêlo, um montão de ruinas em torno d’uma cruz; um rio sinistro corre ao lado entre oliveiras; o céo arqueia-se mudo e triste como a abobada d’um tumulo. Assim devia ser Jerusalem.

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Linda viagem! murmurou o nosso Casimiro, pensativo. -Sem contar, rosnou padre Pinheiro, baixo e como ciciando uma oração, que Nosso Senhor Jesus Christo vê com grande apreço, e muito agradece, essas visitas ao seu Santo Sepulchro. -Até quem lá vai, disse o Justino, tem perdão de peccados. Não é verdade, Pinheiro? Eu assim li no _Panorama_... Vem-se de lá limpinho de tudo! Padre Pinheiro (tendo recusado, com mágoa, a couve-flôr, que considerava indigesta) deu esclarecimentos. Quem ia á Terra Santa, n’uma devote peregrinação, recebia sobre o marmore do Santo Sepulchro, das mãos do Patriarcha de Jerusalem, e pagando os rituaes emolumentos, as suas Indulgencias Plenarias... -Não só para si, segundo tenho ouvido dizer, acrescentou o instruido ecclesiastico, mas para uma pessoa querida de familia, piedosa, e comprovadamente impedida de fazer a jornada... Pagando, já se vê, emolumentos dobrados. -Por exemplo! exclamou o dr. Margaride inspirado, batendo-me com força nas costas. Assim para uma boa titi, uma titi adorada, uma titi que tem sido um anjo, toda virtude, toda generosidade!... -Pagando, já se vê, insistiu padre Pinheiro, os emolumentos dobrados!

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!


A titi não dizia nada; os seus oculos, girando do Sacerdote para o Magistrado, pareciam estranhamente dilatados, e brilhando mais com o clarão interior d’uma idéa: um pouco de sangue subira á sua face esverdinhada.

A Vicencia offereceu o Nós rezamos as graças.

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arroz d么ce.


Mais tarde no meu quarto, despindo-me, senti-me triste, infinitamente. Nunca a titi me deixaria visitar a terra immunda de França: e aqui ficaria enclausurado n’esta Lisboa onde tudo me era tortura, e as mais rumorosas ruas me aggravavam o ermo do meu coração, e até a pureza do fino céo de estio me recordava a torva perfidia d’essa que fôra para mim estrella e Rainha da Graça... Depois, n’esse dia, ao jantar, a titi parecera-me mais rija, solida ainda, duradoura, e por longos annos dona da bolsa de sêda verde, dos predios e os contos do commendador G. Godinho... Ai de mim! Quanto tempo mais teria de rezar com odiosa velha o fastiento terço, de beijar o pé do Senhor dos Passos, sujo de tanta bocca fidalga, de palmilhar novenas, e de magoar os joelhos diante do corpo d’um Deus, magro e cheio de feridas?

Oh vida entre todas 30


amargurosa!


E jรก nรฃo tinha, para me consolar do enfadonho serviรงo de Jesus, os macios braรงos da Adelia...


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...

E莽a de

Queir贸s Pedro Ramos n. 21728 Design II


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