Alex Ferguson - A Minha Autobiografia (2013)

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Título: Alex Ferguson - A Minha Autobiografia Autor: Alex Ferguson Tradução: Afonso Melo Revisão: Ayala Monteiro Fotos da capa: © Sean Pollock Capa: © Hodder & Stoughton Adaptação portuguesa da capa: Carlos Miranda/Oficina do Livro, Lda. ISBN: 9789724622231 CASA DAS LETRAS uma marca da Oficina do Livro – Sociedade Editorial, Lda. uma empresa do grupo LeYa Rua Cidade de Córdova, n.º 2 2610-038 Alfragide – Portugal Tel. (+351) 21 427 22 00 Fax. (+351) 21 427 22 01 © Sir Alex Ferguson, 2013 Primeira publicação no Reino Unido em 2013 por Hodder & Stoughton uma marca da Hachete UK Todos os direitos reservados de acordo com a legislação em vigor E-mail: info@casadasletras.leya.com www.casadasletras.leya.com


www.leya.pt Esta edição segue a grafia do novo acordo ortográfico Para a Bridget irmã da Cathy, sua fortaleza e melhor amiga

INTRODUÇÃO Comecei a recolher ideias para este livro há alguns anos, tomando notas no pouco tempo livre que o meu trabalho permitia. Sempre alimentei o projeto de escrever uma história que as pessoas, façam ou não parte do mundo do futebol, considerassem interessante. Assim, e apesar de a minha aposentação ter surpreendido o meio, esta autobiografia bailava na minha cabeça há muito tempo. No fundo, é o complemento de Managing My Life 1 , um volume anterior. Por isso, embora neste livro aborde brevemente a minha juventude em Glasgow e a minha vida e amizades em Aberdeen, debruço-me principalmente sobre os meus anos mágicos em Manchester. Sendo eu próprio um leitor ávido, tinha um enorme ensejo de escrever sobre os mistérios das minhas bases de trabalho. Numa longa vida dedicada ao futebol, temos momentos tristes, depressões, derrotas e frustrações. Nos meus primeiros anos, tanto em Aberdeen como depois em Manchester, decidi desde logo que, de forma a obter uma relação de lealdade e confiança com os jogadores, teria de os colocar em primeiro lugar. É esse o ponto de arranque a partir do qual se erguem as grandes instituições. A minha capacidade de observação ajudoume. Há pessoas que entram numa sala e nada veem. Vejam! Está lá tudo!


Fiz uso desta virtude no meu contacto com os jogadores, nos meus métodos de treino, nos meus padrões de comportamento e até nas minhas atitudes. É evidente que sinto falta do divertimento do balneário e dos treinadores meus adversários: todas essas grandes personagens da velha escola que eram os maiores nomes do jogo quando cheguei ao United, em 1986. Ron Atkinson não demonstrou o mínimo azedume no momento de abandonar o clube e apoiou-nos sempre. Jim Smith tem uma personalidade extraordinária e é um bom amigo. A sua hospitalidade é tão especial que nunca sentimos vontade de ir embora. Quando conseguia regressar a casa, a minha camisa ia manchada pela cinza dos charutos. Big John Sillett, que treinou o Coventry City, foi outro grande companheiro, e nunca poderia esquecer o falecido John Lyall, que me guiou nos meus primórdios e foi sempre tão disponível. O meu primeiro encontro com Bobby Robson foi em 1981, quando o Aberdeen eliminou o Ipswich da Taça UEFA. Bobby foi ao nosso vestiário e cumprimentou todos os jogadores com um aperto de mão. Jamais esquecerei a sua classe pura e simples e a sua valiosa amizade. Foi uma colossal perda nas nossas vidas. Outros da velha escola tornaram-se sobreviventes por via de uma ética profissional admirável. Se eu fosse assistir a um jogo de reservas, John Rudge e Lennie Lawrence surgiam sempre para me acompanhar com outras das grandes personagens do futebol, para o qual o velho Oldham trouxe sempre uma frescura que nunca terá igual. E uma delas era Joe Royle. O Oldham provocou-nos grandes sustos! E, sim! Sinto saudades! Harry Redknapp e Tony Pulis são outras figuras estupendas da minha geração, tal como Sam Allardyce, que se tornou um grande amigo. Tive a felicidade de dispor de uma maravilhosa e leal equipa técnica no Manchester United. Alguns deles trabalharam comigo durante mais de 20 anos. Lyn Laffin aposentou-se ao mesmo tempo do que eu e continua a ser a minha relações-públicas no meu novo trabalho, tal como era anteriormente; Les Kershaw, Dave Bushell, Tony Whelan e Paul McGuinness. Kath Phipps, rececionista, que também organizava a minha sala pós-jogo, em Old


Trafford, trabalhou no United mais de 40 anos. Jim Ryan, que também já se reformou, o meu irmão Martin, que foi responsável pela prospeção no estrangeiro (uma função deveras complicada), e Brian McClair. Norman Davies: que homem! Amigo leal que morreu há uns anos. O seu substituto como roupeiro, Albert Morgan, é igualmente uma formidável personagem cuja lealdade nunca estremeceu. O nosso médico, Steve McNally, o nosso fisioterapeuta-chefe, Rob Swire, e toda a sua equipa, Tony Strudwick e o seu enérgico grupo de cientistas desportivos, as nossas moças da lavandaria, o nosso pessoal da cozinha; a chefe de gabinete de John Alexander, Anne Wylie, e todas as raparigas. Jim Lawlor e o seu staff da prospeção. Eric Steele, treinador de guarda-redes. Simon Wells e Steve Brown, das análises de vídeo. O nosso pessoal de campo, comandado por Joe Pemberton e Tony Sinclair. A nossa equipa da manutenção, com Stuart, Graham e Tony: tudo gente de trabalho. Talvez me esteja a esquecer de um ou outro, mas todos sabem que os respeito imenso. Adjuntos e treinadores de campo ajudaram-me enormemente ao longo dos anos. Archie Knox foi um autêntico aliado, Brian Kidd, Nobby Stiles, Eric Harrison, um fantástico treinador das camadas jovens. Carlos Queiroz e René Meulensteen – dois excelentes técnicos – e o meu assistente, Mick Phelan, um observador verdadeiramente astuto, autêntico homem do futebol. Os pilares da minha longevidade assentam em Bobby Charlton e em Martin Edwards. A sua maior dádiva foi o tempo. Tempo para construir um clube, em vez de tempo para construir uma equipa. O seu apoio andou de braço dado com a forte ligação que tive com David Gill durante a última década. Há muito terreno para desbravar neste livro. Espero que vos agrade caminhar comigo a passo e passo. 1 Publicada em 1999, Alex Ferguson: Managing my Life, pela Hodder & Stoughton, foi a primeira biografia de Sir Alex Ferguson, e rematou um ano único na sua vida, durante o qual venceu, ao comando do Manchester United, a Liga Inglesa, a Taça de Inglaterra e a Liga dos Campeões, sendo agraciado pela rainha Isabel II com o título de Sir. (N. do T.)


PREFÁCIO Há cerca de 30 anos caminhei ao longo do túnel em direção ao relvado para o meu primeiro jogo em casa, sentindo-me nervoso e vulnerável. Acenei para o Stretford End e fui levado para o círculo central, onde me apresentaram como novo treinador do Manchester United. Agora, percorro o mesmo caminho, cheio de confiança, para dizer adeus. O domínio que exerci sobre o Manchester United foi um privilégio que a maioria dos treinadores nunca terão a sorte de experimentar. Por muito que estivesse convicto das minhas qualidades quando saí de Aberdeen em direção a sul, no outono de 1986, não podia imaginar que tudo iria correr tão bem. Depois da despedida, em maio de 2013, momentos únicos tomaram conta das minhas lembranças: ganhar aquele terceiro jogo da Taça de Inglaterra frente ao Nottingham Forest, em janeiro de 1990, no qual o golo de Mark Robins nos abriu caminho para a final quando o meu cargo estava supostamente em risco, pois atravessara um mês inteiro sem vencer uma partida, corroendo toda a minha confiança. Sem a vitória na Taça de Inglaterra contra o Crystal Palace, mais ou menos quatro anos após a minha chegada, terríveis suspeitas sobre a minha capacidade para o cargo se teriam levantado. Nunca saberemos quão perto estive de ser despedido, porque a decisão nunca chegou a colocar-se à mesa do Conselho de Administração do United, mas sem esse triunfo em Wembley a multidão teria uivado de desespero e o descontentamento varreria o clube. Bobby Charlton opor-se-ia a qualquer tentativa de me afastarem. Ele conhecia o trabalho que eu estava a fazer, o crescimento das camadas jovens, o meu esforço, as horas que gastava na reestruturação do futebol. O presidente Martin Edwards também o sabia, e ficou bem expresso no corajoso apoio que esses dois homens me deram durante esses anos negros.


Martin recebeu muitas cartas de adeptos enfurecidos exigindo a minha saída. Ganhar a Taça de Inglaterra de 1990 permitiu-nos respirar fundo e cimentou a minha certeza de estar no clube ideal para conquistar títulos. Essa vitória trouxe o bom tempo, só que, no dia seguinte, um jornal sentenciava: « Okay, provaste que eras capaz de ganhar a Taça, mas agora volta para a Escócia.» Jamais esqueci.

1 REFLEXÕES Se eu precisasse de um resultado para coroar tudo o que o Manchester United significa, ele surgiu no meu jogo 1500: o último. West Bromwich Albion, 5 - Manchester United, 5. Louco. Maravilhoso. Divertido. Escandaloso. Se o leitor estiver a caminho de um jogo do Manchester United, vai ao encontro de golos e de drama. O seu coração será posto à prova. Apesar de tudo, não podia queixar-me quando, em nove minutos, desperdiçámos uma vantagem de 5-2 perante o West Brom. Por entre os meus gestos de irritação, os jogadores leram-me a alma. E eu disse-lhes: «Obrigado rapazes. Que porcaria de despedida me deram!» David Moyes já tinha sido nomeado meu sucessor; quando chegámos ao balneário após o jogo, Ryan Giggs troçou: «David Moyes apresentou a demissão.»


A despeito das nossas fragilidades defensivas nesse dia, eu estava orgulhoso por entregar este magnífico grupo de jogadores e restante equipa nas mãos de David. O meu trabalho estava feito. A minha família encontrava-se ali, na Regis Suite, no campo do West Brom, e uma nova vida espreguiçava-se à minha frente. Foi um daqueles dias que se desenrolaram como um sonho. Os responsáveis pelo West Brom foram de uma enorme classe e trataram-me de forma impecável. Mais tarde enviaram-me a ficha do jogo assinada pelos jogadores de ambas as equipas. A maior parte da minha família disse presente: três filhos, oito netos e um ou dois amigos mais íntimos. Para mim, foi uma alegria tê-los ali, e para nós todos a felicidade de um momento único. Caminhámos juntos. Ao descer as escadas do autocarro no momento da chegada ao campo do West Brom, só pensava em desfrutar cada minuto. Não sofria com o adeus, porque estava seguro de que a hora chegara. Na véspera, os jogadores fizeram-me saber que tinham preparado algo para a despedida. A sua prenda especial foi um Rolex 1941, o ano em que nasci, com os ponteiros parados nas 15 e 3, momento exato em que vim ao mundo, no dia 31 de dezembro de 1941. Também me ofereceram um livro de fotografias, envolvendo todo o meu tempo no United e com as páginas centrais dedicadas à minha família. Rio Ferdinand, um apaixonado dos relógios, foi o mentor da ideia principal. Depois de o relógio e o livro me serem entregues e de os aplausos se multiplicarem pela sala, notei aquele olhar especial em um ou outro dos jogadores. Chegara o momento com o qual muitos deles pareciam não saber lidar porque sempre tinham estado comigo. Alguns durante 20 anos. Li neles a expressão vazia de quem pensa: como vai ser a partir de agora? Muitos nunca tiveram outro treinador. Ainda faltava um jogo e eu queria que o levássemos a sério. Ao fim de meia hora ganhávamos por 3-0, mas o West Brom não parecia disposto a facilitar-me a despedida. John Sivebaek marcou o primeiro golo da minha


vigência no United, no dia 22 de novembro de 1986. O último foi da autoria de Javier Hernández, no dia 19 de maio de 2013. Depois do 5-2, o jogo poderia ter chegado ao fim com 20-2 a nosso favor. Depois do 5-5, podíamos ter perdido por 5-20. Defensivamente, fomos uma vergonha. O West Brom fez três golos em cinco minutos, um hat-trick de Romelu Lukaku. Apesar dessa avalanche que tombou sobre a nossa baliza, havia um ambiente descontraído no balneário. Após o apito final, ficámos em campo para acenar aos adeptos do United. Giggsy empurrou-me para diante e os outros jogadores recuaram. Fiquei sozinho frente a frente com um mosaico de caras felizes. Os nossos adeptos passaram todo o dia a gritar, a cantar e a fazer vénias. Gostava de ter ganho por 5-2, mas, de certo modo, era uma boa forma de me despedir. Era o primeiro 5-5 da história da Premier League e o primeiro da minha carreira: mais um pedaço de história nos meus últimos 90 minutos. De regresso a Manchester, um dilúvio de correspondência invadiu o meu escritório. O Real Madrid enviou um belo presente: uma réplica de prata maciça da Praça de Cibeles, local onde se situa a fonte na qual celebram os seus títulos, juntamente com uma carta maravilhosa de Florentino Pérez, presidente do clube. Havia um presente do Ajax e outro de Edwin van der Sar. Lynn, a minha assistente, era obrigada a forçar caminho por entre toneladas de cartas. Para o jogo em casa contra o Swansea City, o meu último em Old Trafford, no fim-de-semana anterior, não fazia ideia do que me esperava para além da guarda de honra. Nessa altura chegava ao fim de uma dura semana de contactos com familiares, amigos, jogadores e colaboradores, anunciando uma nova fase na minha vida. As sementes da minha decisão tinham sido atiradas à terra no inverno de 2012. Por volta do Natal, a ideia ganhou contornos nítidos na minha cabeça: «Vou reformar-me!» «Porque vais fazer tal coisa?», perguntou Cathy.


«Perder o título na última época, na última jornada... já não aguento mais coisas destas», disse-lhe. «Só espero ganhar o campeonato esta época e chegar à final da Taça ou da Liga dos Campeões. Seria um final em beleza.» Cathy, que perdera a irmã Bridget em outubro e que lutava para conseguir sobreviver a tão grande perda, em breve concordou que era esse o caminho a seguir. Partia do princípio de que eu era ainda suficientemente novo para querer fazer coisas diferentes na minha vida. Contratualmente, era obrigado a notificar o clube até 31 de março, se quisesse sair nesse verão. Por coincidência, David Gill telefonou-me num domingo de fevereiro e pediu-me se podia ir a minha casa domingo à tarde? «Aposto que vai demitir-se de presidente executivo», disse eu. «Ou isso ou vais ser despedido», respondeu Cathy. A notícia era a de que David Gill abandonaria o cargo no final da época. «C'os diabos, David!», exclamei. E disse-lhe que tinha tomado a mesma decisão. Nos dias que se seguiram, David ligou-me dizendo que esperasse por um contacto dos irmãos Glazer. Quando isso aconteceu, assegurei a Joel Glazer que a minha opção nada tinha a ver com o abandono de David. «Resolvi durante o Natal», disse-lhe. E expliquei-lhe os motivos. A morte da irmã de Cathy tinha alterado as nossas vidas. Cathy sentia-se sozinha. Joel percebeu. Combinámos um encontro em Nova Iorque, durante o qual ele procurou fazer-me voltar atrás na minha decisão. Agradeci-lhe o apoio e o esforço que estava a fazer para me manter no cargo. Ele expressou a sua gratidão por todo o meu trabalho. Sem perspetivas quanto à minha não abdicação, levantou-se a questão do meu substituto. Havia unanimidade – David Moyes era o homem certo. David veio até nós discutir a sua disponibilidade. Era importante para os Glazer que não existisse um período de especulação a partir do momento em que fosse anunciado oficialmente o meu abandono. Queriam o novo homem no seu lugar nos dias próximos. A maioria dos escoceses são obstinados: têm força de vontade. Quando decidem sair da Escócia só uma coisa ocupa a sua mente: o sucesso. Os


escoceses não partem para fugir do passado, mas sim para se tornarem melhores. Podem observar isso por todo o mundo, sobretudo nos Estados Unidos e no Canadá. Deixar a terra natal provoca-lhes uma forte resolução. Não é um disfarce, uma máscara, é uma determinação de levar as coisas a cabo. A famosa obstinação escocesa também é uma das minhas características. Não falta humor ao escocês que saiu da Escócia. David Moyes é inteligente e, no trabalho, os escoceses são sérios e de uma qualidade notável. Às vezes, as pessoas dizem-me: «Nunca o vi sorrir durante um jogo.» Ao que eu respondo: «Não estou lá para sorrir, estou lá para ganhar.» David tem algumas destas características. Conheço a sua família. O pai foi treinador em Drumchapel, onde eu joguei quando era rapaz. David Moyes sénior. Há uma boa aura em redor deles. Não digo que isso seja motivo suficiente para contratarem quem quer que seja, mas é bom que haja princípios sólidos em alguém nomeado para cargo tão importante. Deixei Drumchapel em 1957, quando David Moyes sénior era ainda jovem, por isso não nos cruzámos, mas conheço a sua história. Os Glazer gostavam de David. Ficaram rapidamente impressionados com ele. A primeira coisa que lhes chamou a atenção foi o facto de ele ser muito direto nas conversas. É bom ser-se honesto em relação a si próprio. E, para que qualquer obstáculo fosse posto de lado, nunca me colocaria no caminho de David. Depois de 27 anos como treinador, porque haveria eu de me imiscuir nessa questão? Era tempo de deixar essa parte da minha vida para trás. David também não teria qualquer dificuldade em abraçar as tradições do clube. É um ótimo juiz de talentos e, a partir do momento que teve capacidade financeira para ir buscar jogadores de maior classe, pôs o Everton a jogar um futebol maravilhoso. Pensei para comigo que não ficaria com remorsos por tomar a decisão de me reformar. Quando se chega aos 70 anos é fácil cair com rapidez, tanto física como mentalmente. Mas estava ocupado, afastei-me, dediquei-me a


projetos na América e em outros locais. Não corria o risco de me deixar invadir pela indolência. Procurava novos desafios. Um dos momentos mais difíceis, nos dias que antecederam o anúncio formal, foi o de dar a notícia ao staff de Carrington, o nosso centro de treinos. Recordo-me particularmente de quando referi as mudanças na minha vida após a morte da irmã de Cathy e de ouvir um compreensivo «Aaah...» Tudo isso serviu para derrubar barreiras e eu senti verdadeiramente o ferrão do sentimento. Corriam rumores na véspera da declaração oficial e, entretanto, tive de dizer o que se passava ao meu irmão Martin. Não era um processo fácil de gerir, sobretudo em relação à Bolsa de Nova Iorque, pelo que algumas fugas de informação me comprometiam perante aqueles em quem queria confiar. Quarta-feira de manhã, dia 8 de maio, estava com os meus colaboradores mais próximos na sala de vídeo. Os restantes encontravam-se na cantina e os jogadores no balneário. Foi aí que me dirigi para lhes dizer que a notícia acabara de ser difundida através do website do clube. Não foram permitidos telemóveis. Não quis que ninguém entrasse em conversas antes de os juntar no campo de treinos, mas, por via dos rumores, eles sabiam que ia acontecer algo de importante. Dirigi-me aos jogadores: «Espero não ter prejudicado alguns de vocês que tenham tomado a decisão de ficar no clube pensando que eu ia continuar.» Tínhamos dito ao Robin van Persie e ao Shinji Kagawa que não sairia tão cedo, o que na altura até era a verdade. E eu sublinhei-lhes o facto. «As coisas mudam», continuei. «A morte da minha cunhada foi uma mudança dramática. Quero partir como um vencedor e vou partir como um vencedor.» Vislumbrei choque na cara de alguns. «Vão às corrida hoje e divirtamse», disse. «Vemo-nos na quinta-feira». Tinha dado folga aos jogadores para a tarde de quarta-feira de forma a que pudessem ir até Chester.2 Toda a


gente o sabia. Fazia parte do plano. Não queria que as pessoas pensassem que os jogadores estavam a ser insensíveis por irem a Chester no preciso dia em que eu cerrava a cortina e, por isso, já distribuíra uma nota na semana anterior a confirmar a folga. Depois fui ter com o meu pessoal e contei-lhes o que se passava. Todos aplaudiram. «Até que enfim que nos vemos livres de si», disse alguém. Comparando os dois grupos, o dos jogadores era o que revelava mais caras fechadas. É natural que numa circunstância como esta haja questões que os preocupem a todos. «Será o próximo treinador igual a ele? Vou continuar cá na próxima época?» Por seu lado, os técnicos perguntam-se: «Será o fim para mim?» E o final da minha carreira aproximava-se no meio de todas estas novidades, explicações e uma necessidade de arrumar as ideias. Nesse dia, decidi ir direto para casa porque se adivinhava uma reação sísmica na imprensa. Não me apetecia sair de Carrington envolto numa nuvem de repórteres e de flashes de máquinas fotográficas. Fechei-me em casa. Jason, o meu advogado, e Lyn mandaram-me mensagens simultâneas no preciso momento em que o anúncio oficial foi feito. Lyn continuou a enviar mensagens consecutivas durante 15 minutos. Consta que 38 jornais do mundo trouxeram a notícia na primeira página, incluindo o New York Times. Houve suplementos de 10 a 12 páginas nos jornais ingleses. O alcance e a profundidade de tal cobertura foram lisonjeadores. Tive, ao longo dos anos, as minhas questões com a imprensa escrita, mas não alimentei ressentimentos. Sei que os jornalistas vivem sob uma enorme pressão. Lutam para tentar vencer a televisão, a internet, o Facebook, o Twitter, e têm editores a exigir-lhes tudo a toda a hora. É uma indústria complicada.


A cobertura do acontecimento veio igualmente provar que a imprensa não me guardou rancores. Reconheceu o valor da minha carreira e aquilo que trouxe de novo às conferências de imprensa. Chegaram a oferecer-me um bolo com um secador de cabelo no topo e uma garrafa de bom vinho. Foi agradável. No estádio, antes do jogo com o Swansea, tocou-se o My Way, do Frank Sinatra, e o Unforgettable, do Nat King Cole. Ganhámos, tal como o fizemos em tantos dos 895 jogos nos quais as minhas equipas venceram: com um golo tardio, aos 87 minutos, de Rio Ferdinand. No relvado, o meu discurso foi rápido. Não levava nada escrito. Sabia apenas que não iria destacar ninguém individualmente. O assunto não eram os dirigentes, os jogadores ou os adeptos. O assunto era o Manchester United Football Club. Pedi à multidão que apoiasse o novo treinador, David Moyes. «Quero recordar que vivemos aqui tempos difíceis», disse ao microfone. «O clube esteve a meu lado. Toda a minha equipa esteve a meu lado. Os jogadores estiveram a meu lado. Por isso, a vossa obrigação é estarem ao lado do novo técnico. É isso que importa.» Se não tivesse citado o nome de David, alguns poderiam ter questionado: «E esta? Dá que pensar. Até que ponto Ferguson queria Moyes?» Precisamos de demonstrar o nosso apoio incondicional. O clube tem de continuar a ganhar. É esse o nosso desejo. Sou um dirigente do clube. Quero que o sucesso continue tanto como todos os outros. Agora posso apreciar os jogos, como Bobby Charlton o faz desde que se retirou. Se olharem para Bobby depois de uma vitória, verão que os seus olhos brilham e que esfrega as mãos. Adora isso. E eu quero isso também. Quero poder viajar pela Europa e dizer: tenho orgulho nesta equipa, é um grande clube. Durante a festa, dei por mim a falar de Paul Scholes. Sei que ele detesta ser destacado, mas não pude evitá-lo. Paul também abandonava. E também


desejei o melhor a Darren Fletcher na sua recuperação de uma doença do cólon que passou despercebida a muita gente. Dias depois, num aeroporto, um indivíduo veio ter comigo com um envelope na mão dizendo: «Tome, ia pôr isto no correio para si.» Era um artigo de um jornal irlandês defendendo a teoria de que eu tinha saído do clube da mesma forma que o havia orientado: segundo as minhas próprias regras. «Típico de Ferguson», escrevia o articulista. Gostei. Também era assim que via a minha passagem pelo United e era bom que o reconhecessem. Depois de me ter afastado, David trouxe consigo três homens da sua anterior equipa técnica – Steve Round, Chris Woods e Jimmy Lumsden. Juntou-lhes Ryan Giggs e Phil Neville, o que significou a saída de René Meulensteen, Mick Phelan e Eric Steele. Foi uma escolha do David. Disselhe que ficaria muito bem servido se mantivesse a minha equipa, mas não me cabia interferir na escolha dos seus adjuntos. Jimmy Lumsden está com David há muito. Conheço-o desde os meus tempos de Glasgow. Nasceu apenas a pouco mais de uma milha de distância de mim, no bairro a seguir a Govan. É um ótimo rapaz e sabe muito de futebol. Fiquei triste por ver bons profissionais perderem os seus empregos. Mas lidámos com o assunto. Disse-lhes, aos três, como lamentava a sua saída. Mick, que esteve comigo 20 anos, retorquiu-me que não havia nada para lamentar e agradeceu-me os tempos fantásticos que passámos juntos. Ao olhar para trás, foquei-me não apenas nas vitórias, mas também nas derrotas. Perdi três finais da Taça de Inglaterra, para o Everton, para o Arsenal e para o Chelsea. Perdi finais da Taça da Liga para o Sheffield Wednesday, para o Aston Villa e para o Liverpool. E duas finais da Liga dos Campeões para o Barcelona. Isto também faz parte da cultura do United: a capacidade de recuperação. Mantive-me fiel à ideia de que este mundo não é apenas composto de vitórias e de desfiles triunfais. Quando perdemos a final da Taça de Inglaterra de 1995, frente ao Everton, pensei: «Bom! Vou fazer mudanças!» E fi-las. Fizemos avançar os jovens, a chamada «Classe


de 92». Não podíamos refreá-los muito mais. Formavam um grupo verdadeiramente especial. No Manchester United, perder faz eco na nossa vida. Refletir durante um bocado e recomeçar tudo no ponto onde estava não se inclui na minha filosofia. Ser derrotado numa final mexe connosco profundamente, ainda por cima quando se remata 26 vezes contra duas do adversário e se perde nos penáltis. A primeira coisa que penso é: «Vê rapidamente o que deves fazer!» Sigo de imediato para o trabalho de recuperação e melhoramento. Fiz sempre questão de raciocinar depressa em vez de me deixar abater. Às vezes, a derrota é o melhor que pode acontecer. Reagir à adversidade é uma virtude. Mesmo nos nossos períodos mais depressivos revelamos qualidades. Há um ditado excelente: «É apenas mais um dia na história do Manchester United!» Ou seja, responder faz parte da nossa existência. Se nos deixarmos ir abaixo com as derrotas estamos a criar condições para que elas se repitam. Muitas vezes perdemos dois pontos em jogos decididos por um remate fortuito do adversário que selou o empate no último minuto. E, depois, ganhámos seis ou sete jogos seguidos. Isto não foi por acaso. Para os adeptos existe o drama de ir trabalhar à segunda-feira amarrado ao resultado de domingo da sua equipa. Em janeiro de 2010, alguém me escreveu uma carta na qual dizia: «Pode devolver-me as 41 libras3 que paguei pelo meu bilhete ontem? Prometeu divertimento e não me diverti nada. Devolve-me as minhas 41 libras?» Isto é um adepto. Pensei em escrever de volta: «Pode descontar as 41 libras do meu lucro destes últimos 24 anos?» Ganhámos muitos jogos à Juventus, ao Real Madrid e mesmo assim há sempre quem queira o seu dinheiro de volta depois de um domingo tristonho. Há algum clube do mundo que tenha oferecido momentos tão impropriamente cardíacos como o Manchester United? Em alguns programas de jogos deixaria este aviso aos adeptos: «Se estivermos a perder por 0-1 a 20 minutos do fim, recolha a casa. Caso contrário, corre o risco de ser transportado para a enfermaria do Manchester United!»


Espero que não me contrariem quando digo: ninguém ficou a perder! Nunca foi aborrecido! 2 Cidade do condado de Cheshire, nas margens do rio Dee, próxima do País de Gales, onde se realiza a corrida de cavalos mais antiga da Grã-Bretanha, conhecida por The Rodee, disputada desde o início do século XVI. Curiosamente, é também a mais curta das corridas inglesas, com apenas 1800 metros. (N. do T.) 3 Na mais recente cotação aquando da tradução desta obra, a libra esterlina equivalia a 1,21 euros. (N. do T.)

2 AS RAÍZES DE GLASGOW Na Escócia, o lema da família Ferguson é o seguinte: Dulcius ex asperis. Isto é, a doçura depois da amargura. Este otimismo foi-me muito útil em 39 anos de treinador de futebol. Ao longo desse tempo, desde a curta experiência de quatro meses no East Stirlingshire, em 1974, até ao Manchester United em 2013, fui capaz de olhar para o sucesso sobre o ombro da adversidade. Controlar grandes mudanças ano após ano foi possível pela crença de que era melhor do que qualquer adversário. Há uns anos, li um artigo sobre mim que dizia: «Alex Ferguson foi longe na vida apesar de ter vindo de Govan.» Frase insultuosa. É exatamente por ter começado no bairro dos estaleiros navais de Glasgow que consegui tudo o que se sabe no futebol. As origens nunca podem ser uma barreira ao sucesso. Um modesto início de vida pode ser mais uma ajuda do que um estorvo. Se examinarem com atenção alguém bem-sucedido, estudem os seus pais, aquilo que eles faziam, debrucem-se sobre energia e motivação.


Terem vindo de classes trabalhadoras nunca foi um entrave para muitos dos meus melhores jogadores. Pelo contrário, foi muitas vezes a razão da sua excelência. Desde que treinava jogadores que ganhavam seis libras no East Stirling até vender o Cristiano Ronaldo ao Real Madrid por 94 milhões de euros percorri um longo caminho. A minha equipa do St. Mirren valia em média 16 libras por semana e os jogadores trabalhavam durante o verão porque o eram apenas em part-time. O máximo que algum jogador do Aberdeen ganhou durante os meus oito anos no Pittodrie foi 200 libras por semana, teto salarial estabelecido por Dick Donald, o meu presidente. Por isso, a grande evolução económica dos milhares de jogadores que treinei durante quase quatro décadas foi das seis libras por semana aos seis milhões de libras por ano. Tenho guardada uma carta de um indivíduo que assevera ter trabalhado nas docas secas de Govan em 1959-60 e frequentar um pub4 local. Recordava-se de um jovem agitador que surgia com discursos inflamados recolhendo verbas para o fundo das greves dos operários. A única coisa que sabia sobre este rapaz, para além disso, era que se tratava de um jogador do St. Johnstone. E terminava a carta com uma pergunta: «Era você?» A princípio não me recordei desta minha intervenção social, mas mais tarde lembrei-me de ter andado pelos bares a recolher dinheiro para as greves. Não me cabia qualquer papel na arena política. Transformar os meus berros num discurso inflamado é dar-lhes qualidades oratórias que, mais do que certo, lhes faltavam. Recalcitrava como um idiota de cada vez que era obrigado a justificar os meus pedidos de dinheiro, isso sim. Teria sido preciso uma enorme paciência para escutar o jovem angariador de fundos explicar a causa que defendia. Os pubs fazem parte das minhas mais antigas experiências de vida. Tive a ideia de investir os meus primeiros proventos numa licença comercial que me garantisse um dia alguma segurança no futuro. O meu primeiro estabelecimento situava-se na esquina da Govan Road com a Paisley Road


West e era popular entre os rapazes das docas. Os pubs ensinaram-me muito sobre as pessoas, seus sonhos e desalentos, de uma forma que complementou os meus esforços para perceber o negócio do futebol, embora na altura ainda não o soubesse. Num dos meus pubs, por exemplo, tivemos um Wembley Club, no qual os clientes depositavam dinheiro durante dois anos para poderem ir assistir ao Inglaterra-Escócia, em Wembley. Eu duplicava o que fosse angariado e lá iam eles para Londres durante três ou quatro dias. Pelo menos era essa a intenção. Eu juntar-me-ia a eles no próprio dia do jogo. O meu melhor amigo, Billy, iria para Wembley na quinta-feira e só regressaria uma semana depois. Inevitavelmente, esta duração da viagem provocou problemas no seio da família. Na quinta-feira a seguir a um sábado de jogo em Wembley, o telefone de minha casa tocou. Era Anna, a mulher de Billy. «Cathy, pergunta ao Alex por onde anda Billy», pediu ela. Justifiquei a minha ignorância. Cerca de 40 dos nossos clientes tinham-se deitado ao caminho das Twin Towers 5 e eu não sabia porque Billy não aparecia. Mas, para muitos dos trabalhadores da minha geração, um grande jogo de futebol era uma peregrinação, tanto pelo jogo em si como pela camaradagem. O pub que tivemos na Main Street, Bridgeton, situava-se num dos maiores bairros protestantes de Glasgow. No sábado anterior ao Orange Walk6 , Big Tam, o carteiro, veio ter comigo e disse: «Alex, a rapaziada quer saber a que horas abres no próximo sábado. Por causa do desfile. Vamos para Androssan.» Androssan situa-se na costa oeste da Escócia. «Os autocarros saem às dez da manhã. Todos os pubs vão estar abertos. Precisas de abrir o teu.» Fiquei desconcertado: «Bem, a que horas devo abrir?» E Tam respondeu: «Sete.» E então lá estava eu, às 6 e 15, com o meu pai, o meu irmão Martin e um madrugador empregado italiano que tínhamos contratado. Estávamos


preparados, pois Tam dissera-me: «Reforça o stock! Precisamos de muita bebida!» Abri às sete. Num instante o pub encheu-se de orangemen que falavam em altos gritos, enquanto lá fora a polícia passava em silêncio. Entre as sete e as 9 e 30 vendemos tudo. Vodcas duplas, tudo! O meu pai sentou-se, abanando a cabeça. Depois, trabalhámos no duro para ter o pub pronto para o resto da nossa clientela. Esfregámos o bar de cima a baixo. Mas tinha valido a pena. Dirigir pubs não era fácil. Em 1978, vi-me a braços com a terrível responsabilidade de ter de acorrer a dois fogos. Treinar o Aberdeen não me deixava tempo livre para arrastar bêbados para a rua ou para fechar contabilidades. Ah! Mas que belas histórias guardo desses tempos! Poderia escrever um livro só sobre isso. Chegavam ao sábado pela manhã – os estivadores –, acompanhados pelas mulheres. Na véspera à noite tinham trazido os seus salários acabados de receber e depositavam-nos no meu cofre. Numa sexta-feira pela madrugada, sentia-me milionário. Não sabia ao certo, do dinheiro que estava no cofre, qual era o meu ou o deles; ou qual fora gasto por eles, nessa noite, em bebida. Nos primeiros tempos, Cathy contava-o sobre o tapete. Sábado bem cedo eles vinham buscá-lo. Chamávamos ao resultado desta transação a... contabilidade instantânea. Uma mulher chamada Nan era particularmente vigilante em relação ao movimento da conta do marido. Tinha a língua de uma varina. «Julga que somos todos tolos?», perguntava, com os olhos fixos nos meus. Eu procurava ganhar tempo: «Como?» «Julga que somos todos parvos? Mostre-me lá a contabilidade, quero vêla!» «Oh! Mas não pode ver a contabilidade», improvisava eu. «Isso é sagrado. Nem o contabilista deixava. Não senhora. Ele vem cá confirmar as


contas todas as semanas. Não a deixo vê-las.» Depois, Nan virava-se para o seu submisso marido e perguntava: «Isto é verdade?» E o homem gaguejava: «Hum... Não sei ao certo.» A tempestade passava. «Se eu descobrir o nome do meu marido aí na lista dos clientes, nunca mais cá ponho os pés!», ameaçava ela. Estas são as memórias que sobram de uma juventude passada no convívio com gente de grande caráter e obstinação. Gente dura. Às vezes ia para casa com a cabeça rachada ou com um olho negro. Era a vida dos pubs. Quando se armava confusão ou rebentavam lutas, era preciso restabelecer a ordem. Procurava separar os antagonistas, mas de vez em quando acertavam-me em cheio nos queixos. Contudo, olho para trás e penso na grande vida que era. As personagens, a comédia. Não esqueço Jimmy Westwater, um homem que entrou aflito, incapaz de respirar. O seu tom de pele era azulado. «Céus! Está a sentir-se bem?», perguntei. Tentara escapar-se das docas embrulhado em seda chinesa, procurando não ser apanhado, mas enrolara-a tão justa em redor do corpo que mal conseguia respirar. Outro Jimmy, ao qual dei emprego e mantinha sempre o local imaculadamente limpo, apareceu certa noite de laço ao pescoço. Um dos meus clientes ficou incrédulo: «De laço, em Govan? Deves estar a gozar connosco!» Uma sexta à noite, dei por alguém a vender saquinhos de sementes à porta do bar. Naquela parte de Glasgow, todos tinham pombos. «Que é isto?», perguntei. «Sementes para pássaros», respondeu, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.


Um irlandês chamado Martin Corrigan gabava-se de resolver qualquer necessidade doméstica. Porcelanas, talheres, um frigorífico, o que fosse preciso ele arranjava. Eis que entra um outro indivíduo no pub e pergunta: «Querem comprar um par de binóculos? Estou teso.» Mostra os binóculos, magníficos, embrulhados em papel de embrulho. «Uma nota de cinco», pede ele. « Okay. Com uma condição», repliquei. «Dou-te as cinco libras, mas bebes aqui. Não vais para o outro lado da rua, ao Baxter‘s.» Era um tipo simpático, com um problema na fala. Fiquei com os binóculos e ele gastou de imediato três libras. De cada vez que levava para casa as compras que fazia a Martin, Cathy ficava possessa. Lembro-me de aparecer com uma bonita jarra italiana que ela viu mais tarde numa montra à venda por 10 libras. O problema é que, ao balcão do pub, o comprei por 25. De outra vez, surgi com um casaco de camurça que parecia verdadeiramente especial. «Quanto?», perguntou Cathy. «Sete broas», respondi, impante. Fui pendurá-lo no roupeiro. Duas semanas depois fomos convidados para uma matiné em casa da irmã dela. Vesti o casaco e fiquei a admirá-lo frente ao espelho. Sabem aquele movimento de puxar as duas mangas com os dedos de forma a fazer com que o casaco encaixe na perfeição? Foi o que fiz – e as duas mangas ficaram penduradas nas minhas mãos. Ali estava eu com um casaco sem mangas. E a Cathy ria às gargalhadas enquanto eu, furioso, gritava: «Eu mato aquele gajo!» Não havia um ponto cosido no casaco. Numa das paredes da minha sala de bilhar está pendurada a fotografia de Bill, o meu grande companheiro. Era uma figura, o velho Billy. Não era


capaz sequer de aquecer uma chávena de chá. Um dia, de regresso a casa dele depois de termos almoçado fora, disse-lhe: «Põe a chaleira ao lume.» E ele assim fez. Passados 15 minutos, ainda não tinha voltado. Onde diabo se teria enfiado? Estava ao telefone, com a mulher, Anna: «Como fazes o chá?» De outra vez, Anna deixou um empadão de carne no forno enquanto Billy via o filme A Torre do Inferno. Duas horas mais tarde, acabada de chegar a casa, viu uma coluna de fumo que saía da cozinha. «Céus!, não desligaste o forno? Olha que fumarada!», gritou. «Pensei que era da televisão», replicou Billy. Estava convencido de que se tratava de um qualquer efeito especial. Toda a gente se juntava na casa de Billy. Eram como traças atraídas pela luz. Ninguém o conhecia por Billy. Todos lhe chamavam McKechnie. Os dois filhos que teve com Anna, Stephen e Darren, são dignos dos pais e muito próximos dos meus. Billy morreu, entretanto, mas vivo com as recordações de todos os momentos divertidos que partilhámos. Tenho um núcleo duro de amigos desse tempo. Duncan Petersen, Tommy Hendry e Jim McMillan andaram comigo na escola quando tínhamos quatro anos. Duncan foi canalizador, trabalhou para a ICI 7 e reformou-se muito cedo. Comprou um pequeno apartamento em Clearwater, na Florida, e adora viajar. Tommy, que chegou a sofrer de problemas cardíacos, é engenheiro como Jim. Um quarto, Angus Shaw, toma conta da mulher doente. John Grant, do qual sou também muito amigo, emigrou para a África do Sul nos anos 1960. A mulher e a filha dirigem um negócio de venda por grosso. Quando deixei o Harmony Row, em rapaz, cavou-se um fosso entre mim e a malta de Govan. Não gostaram que tivesse trocado a equipa local pelo Drumchapel Amateurs. Mick McGowan, o responsável pelo Harmony Row, nunca mais me dirigiu palavra. Foi intransigente.


Mick «Zarolho» McGowan. Era um incrível entusiasta pelo clube e riscou-me de vez quando me fui embora. Mas eu e os rapazes de Govan continuámos a ir juntos aos bailes até chegarmos aos 19 ou 20 anos. E todos começámos a namorar ao mesmo tempo. Depois, deu-se a separação. Casei com Cathy e fui viver para Simshill. E todos eles casaram também. A amizade parecia quebrar-se. Os contactos eram intermitentes. John e Duncan jogaram comigo no Queen’s Park, entre 1958 e 1960. Quando se é treinador sobra pouco tempo para qualquer coisa que não se prenda com a exigência do cargo. E no St. Mirren isso passou-se comigo. No entanto, os laços entre nós não se rasgaram por completo. Cerca de dois meses antes de deixar o Aberdeen, em 1986, Duncan ligoume dizendo que ia comemorar as bodas de prata do seu casamento em outubro. Cathy e eu gostaríamos de ir? Disse-lhe que adoraríamos. Era um ponto de viragem na minha vida. Toda a malta estava lá e voltámos a sentirnos próximos. Tínhamos criado famílias; éramos homens maduros. Mudeime para o United no mês seguinte e continuamos juntos desde então. Quando atingimos essa idade próxima dos 19 ou 20 anos, há um ligeiro distanciamento próprio do percurso de cada um, mas eles mantiveram-se ligados. Só eu tinha um estilo de vida diferente. Não era uma questão de os evitar. Tinha apenas a ver com a forma como a minha existência se desenrolou. Cheguei a gerir dois pubs e a treinar o St. Mirren em simultâneo. Depois, em 1978, surgiu o Aberdeen. Todos estes amigos apoiaram-me durante o meu tempo em Manchester. Surgiram certa vez na nossa casa, no Cheshire, para uns petiscos, umas cantorias ou simplesmente para ficarmos sentados a ouvir discos antigos. Todos eles cantavam bem. Quando chegou a minha vez, já o vinho exagerara a noção que tinha sobre as qualidades do meu próprio trauteio. Seria um frente a frente entre mim e o Frank Sinatra. Não me restavam quaisquer dúvidas de que iria espantar a audiência com uma versão de categoria do Moon River. Mal comecei, bastou um piscar de olhos para


perceber que a sala ficara vazia. «Vocês chegam aqui, atiram-se à minha comida e depois fogem para a sala ao lado para ver televisão no momento em que estou a cantar», queixei-me. «Não queremos ouvir isso. É uma porcaria», responderam-me. São gente boa e sólida. Alguns deles casados há mais de 40 anos. E, meu Deus, como me criticaram! Como por vezes me fizeram sentir encostado à parede! E safam-se com isso, porque são iguais a mim, feitos do mesmo material. Cresceram comigo, mas foram, igualmente, um apoio muito grande. Cada vez que aparecem, desejo oferecer-lhes uma vitória. Mas, se acontece perdermos, eles dizem com simpatia: «Foi difícil!» Não dizem: «Foi uma porcaria»; dizem: «Foi difícil!» Também continuo próximo dos meus amigos de Aberdeen. O que pude aprender sobre a Escócia é que quanto mais para norte mais caladas são as pessoas. Demoram a cimentar a amizade, mas quando o fazem os laços são profundos. Gordon Campbell costuma passar as férias connosco; o meu advogado, Les Dalgarno, Alan McRae, George Ramsay, Gordon Hutcheon. À medida que me embrenhei no meu trabalho no United, a minha vida social reduziu-se. Deixei de sair aos sábados à noite. O futebol exauria-me. Agarrado ao campo desde o pontapé de saída das três da tarde, só voltava a casa pelas 20 e 45. Era o preço do sucesso: 76 000 pessoas regressando a casa ao mesmo tempo. A necessidade de sair foi-se apagando, mas desenvolvi fortes amizades: Ahmet Kurcer, o diretor do Alderley Edge Hotel, Sotirios, Mimmo, Marius, Tim, Ron Wood, Peter Done, Jack Hanson, Pat Murphy e Pete Morgan, Ged Mason, o maravilhoso Harold Riley e o meu staff, claro, sempre leal. James Mortimer e Willie Haughey são dois velhos companheiro da minha terra. E houve Martin O‘Connor e Charlie Stillitano, em Nova Iorque, e Eckhard Krautzun, na Alemanha, tudo gente boa. Nos momentos de energia, tivemos umas belas noites por aí. Nos meus primeiros tempos em Manchester, tornei-me amigo de Mel Machin, antigo treinador do City e que seria despedido pouco tempo depois de nos ter ganho por 5-1. O motivo, se me recordo bem, foi o de Mel não


sorrir com frequência. Já teria sido despachado há muito, se essa filosofia se aplicasse ao United. John Lyall, treinador do West Ham, foi uma das minhas âncoras nesse tempo. Não conhecia todos os jogadores ingleses e tinha dúvidas sobre o departamento de prospeção do United. Muitas vezes lhe liguei e ele enviou-me relatórios sobre jogadores de forma a que pudesse completar os meus. Confiava muito nele e fazia-lhe confidências. A sua maneira de me dizer que o United não jogava bem era: «Não vejo grande coisa de Alex Ferguson nessa equipa.» Jock Wallace, o terrível antigo treinador do Rangers, também me disse certa noite num hotel: «Não vejo o Alex Ferguson nessa equipa. Acho bem que lhe devolvas rapidamente o Alex Ferguson.» Esses homens ofereciamme os seus conselhos, seguros de que a amizade era a base das críticas. São assim as melhores amizades. Bobby Robson era o selecionador inglês e, por via disso, a nossa relação foi diferente no início. Mas acabámos por nos tornarmos próximos. Lennie Lawrence foi, e ainda é, outro dos amigos dessa época. Bobby Robson e eu restabelecemos contacto numa homenagem a Eusébio, em Portugal, onde ele treinou o Sporting e o FC Porto. Eric Cantona estreou-se nesse jogo. Bobby foi ao nosso hotel e sempre o recordarei dirigindo-se a Steve Bruce: «Bruce, cometi um erro contigo. Devia ter-te feito internacional pela Inglaterra e não o fiz. Quero pedir-te desculpa por isso.» E disse-o em frente a todos os outros jogadores. Tanto do que sabia na fase final da minha carreira aprendi-o nesses velhos tempos, muitas vezes não percebendo que escutava verdadeiras lições. Fiquei a saber muito sobre a natureza humana bem antes de ter tomado o caminho do Sul e do Manchester United. Muita gente não olha o mundo nem o futebol da forma como nós os vemos, e é necessário ajustar-nos a essa realidade. David Campbell foi meu jogador no St. Mirren. Corria como uma gazela, mas era incapaz de apanhar um coelho. Estava a repreendê-lo no intervalo de um jogo quando a porta


do vestiário se abriu. Era o pai: «David, estás a jogar maravilhosamente, filho, muito bem!» E desapareceu. Certa vez, em Cowdenbeath, com o East Stirling, cometemos o erro de não verificar o estado do tempo com antecedência. O terreno parecia tijolo. Então, fomos ao centro da cidade comprar doze pares de botas de basebol. Nessa altura não havia solas de borracha. Estávamos a perder por 0-3 ao intervalo. Na segunda parte, alguém se aproximou e tocou-me no ombro. Era Billy Renton, um velho companheiro. Disse: «Alex, quero apenas apresentar-te o meu filho.» Desabafei: «Por amor de Deus, Billy! Estamos a levar três a zero!» Nesse mesmo dia, Frank Conner, uma pessoa maravilhosa com um terrível temperamento, viu o árbitro errar contra a sua equipa e, furioso, atirou o banco em que estava sentado para dentro do campo. Gritei-lhe: «C'os diabos, Frank! Estás a ganhar por três a zero!» Ao que ele respondeu: «E isso é uma vergonha!» Era assim o vendaval de paixão que me rodeava. Outro episódio me acode à memória, fazendo parte das guerras entre Jock Stein e Jimmy Johnstone, jogador brilhante e lendário pândego. Certa tarde, Jock tirou Jimmy a meio de um jogo, como castigo por este se ter recusado a atuar num encontro fora para as competições europeias. Ao sair do campo, Jimmy vociferou: «Seu grande estupor, perneta, tu!...» E deu um pontapé na proteção do banco de suplentes. Desata a correr pelo túnel e Jock corre atrás dele. Fecha-se no balneário. «Abre essa porta!», ordena Jock. «Não, que me bates», responde Jimmy.


«Abre essa porta», repete Jock. «Estou a avisar-te!» Jimmy abre e porta e lança-se para o tanque de imersão, cheio de água a escaldar. Jock berra: «Sai daí!» «Não, não vou sair», diz Jimmy. Lá fora, o jogo desenrola-se. Ser treinador de futebol é um nunca mais acabar de desafios. Muito desse trabalho é sobre a fragilidade do ser humano. Uma vez, após uma noite de paródia, e já bem bebidos, um grupo de jogadores escoceses resolveu ir passear nuns barcos a remos. Tudo acabou com Jimmy Johnstone, o pequeno Jinky, a ficar sem eles e a ser arrastado pela corrente ao mesmo tempo que cantava. Quando a notícia chegou a Celtic Park, Jock Stein foi informado de que Jinky fora salvo pela Guarda Costeira num barco à deriva no firth de Clyde 8. Jock brincou: «Não podia ter-se afogado? Tínhamos-lhe feito uma homenagem, olhávamos pela Agnes e eu ainda conservava o resto do cabelo.» Jock era hilariante. Lembro-me de, quando estivemos juntos na seleção da Escócia, termos ganho 1-0 à Inglaterra, em Wembley, e de voarmos em seguida para Reiquejavique, na Islândia, muito contentes connosco próprios. Na noite da chegada, o staff banqueteou-se com camarões, salmão e caviar. Big Jock nunca bebia, mas insisti com ele para que tomasse um copo de vinho branco para celebrar a nossa vitória sobre os ingleses. Contra a Islândia, arrancámos uma vitória por 1-0. A exibição foi um desastre. No fim, Jock Stein veio ter comigo: «Vês o que tu arranjas com o teu maldito vinho?» Apesar de toda esta experiência acumulada, os meus primeiros tempos no United foram complicados. Ser irascível ajudou-me porque quando perdia a paciência a minha personalidade vinha ao de cima. Ryan Giggs também tinha um temperamento forte, mas mais calmo. O meu foi uma ferramenta útil, impunha-me, fortalecia a minha autoridade. Tanto os jogadores como os restantes membros da equipa sabiam que eu não era para brincadeiras.


Contudo, há sempre quem queira fazer-nos frente, desafiar-nos. Quando me iniciei na carreira, no East Stirling, tive um confronto com o avançadocentro, que era genro de um dos dirigentes, Bob Shaw. Fiquei a saber, através de um dos meus jogadores, Jim Meakin, que era uma velha tradição de toda a família deles ir para fora, de férias, uma semana em setembro. «Que queres dizer com isso?», perguntei. «Já vê, ele não vai jogar no sábado», respondeu-me. «Bem. Então vou eu dizer-te uma coisa – não joga no sábado e escusa de voltar.» E assim, antes do jogo, o rapaz meteu-se à estrada e foi ter com a família, em Blackpool. Na segunda-feira, recebi um telefonema dele: «Chefe, tive uma avaria.» Acho que falava de Carlisle. Devia pensar que eu era estúpido. Respondi de imediato: «Oiço mal. Dá-me o teu número que já ligo para aí.» Silêncio. «Não voltes», disse apenas. Bob Shaw estava profundamente zangado comigo. E isto manteve-se por semanas a fio. O presidente teimava: «Alex, por favor, já não posso ouvir o Bob Shaw, põe lá o Jim a jogar.» Respondi: «Não, Willie, ele para mim acabou. Queres convencer-me de que posso fazer o meu trabalho decentemente com tipos que decidem por eles se vão de férias ou não?» «Percebo o problema, mas três semanas não foram suficientes?», retorquiu.


Na semana seguinte, em Forfar, seguiu-me até aos vestiários, pôs-se a meu lado e suplicou: «Por favor, Alex, se há em ti o mínimo espírito cristão.» Fiz uma pausa e disse: «Muito bem.» Beijou-me. «Que estás a fazer velho pateta?», perguntei. «Estás a beijarme numa casa de banho pública!?» Em outubro de 1974, fase seguinte da minha aprendizagem, fui trabalhar para o St. Mirren. No primeiro dia de trabalho, foto no Paisley Express. Reparei que, por trás de mim, ficara impressa a imagem do capitão de equipa fazendo um gesto. Na segunda-feira seguinte, chamei-o e disse-lhe: «Deixamos-te sair de graça, se quiseres. Não há aqui lugar para ti. Não vais jogar.» «Porquê?», perguntou ele. «Para começar, fazer o V de vitória nas costas do treinador não me dá a ideia de que sejas um jogador experiente ou um homem maduro. Preciso de um capitão. Preciso de maturidade. Aquilo foi uma garotice. Tens de ir embora.» É fundamental deixarmos a nossa marca. Como me disse uma vez o Big Jock sobre jogadores: «Nunca te apaixones por eles porque te traem.» Em Aberdeen, tive de lidar com todo o tipo de transgressores. Apanhei vários. E, no final, ri-me muito com as reações de alguns. «Eu?», diziam com a mais profunda expressão de mágoa. «Sim, tu.» «Oh, fui encontrar-me com um amigo.» «Ah, sim? Durante três horas? E acabaram bêbados?»


Mark McGhee e Joe Harper abusaram muito da minha paciência. E havia o Frank McGarvey, no St. Mirren. Num domingo de 1977, arrastámos 15 000 adeptos até Fir Park para um jogo da taça, mas perdemos 1-2. O Motherwell despachou-nos e eu fui alvo de uma participação à Federação Escocesa por ter dito que o árbitro fora mau. Nessa noite, o meu telefone tocou. O meu amigo John Donachie disse do outro lado da linha: «Não quis dizer-te isto antes do jogo porque sabia que ficarias de cabeça perdida, mas eu vi o McGarvey no pub, bêbado, sexta à noite.» Liguei para casa dele. Atendeu a mãe. «O Frank está?» «Não», disse ela. «Foi à cidade. Posso ajudá-lo em alguma coisa?» «Pode pedir-lhe que me telefone quando chegar? Vou estar a pé. Não me deito antes de falar com ele.» Às 23 e 45 ele ligou. Atendi. Uns sons peculiares fizeram-me perceber que se tratava de uma chamada feita de um telefone público. «Estou em casa», disse Frank. «Mas eu ouvi as moedas a caírem», reclamei. «Pois, tenho um telefone desses em casa.» Isso até podia ser verdade, mas não acreditei que estivesse a ligar de lá. «Onde estiveste na sexta à noite?» «Não me lembro», respondeu. «Então vou eu dizer-te: foi no Waterloo Bar. Foi aí que estiveste. Ficas definitivamente suspenso. Não voltes. E estás fora da seleção escocesa de sub-vinte e um. Desconvoquei-te. Nunca mais vais jogar futebol na vida!» E desliguei. Mantive-o suspenso durante três semanas e os outros jogadores murmuravam pelos cantos sobre o assunto. Aproximava-se um encontro importante com o Clydebank e desabafei com o meu adjunto, Davie Provan: «Preciso dele para este jogo.» O clube foi recebido na Câmara Municipal de Paisley na semana anterior a esse jogo, e ia eu a entrar com Cathy quando Frank saltou de trás de uma coluna


e suplicou: «Dê-me mais uma hipótese!» Foi uma dádiva do céu. Andava eu a matutar a forma de o trazer de volta sem perder a face e eis que ele me aparece de supetão. Disse a Cathy para ir entrando e mantive-me esfíngico: «Já te disse, estás acabado!» Tony Fitzpatrick, que observara tudo uns passos mais longe, avançou em direção a nós: «Chefe, dê-lhe uma nova hipótese, prometo que ele se porta bem.» «Vem falar comigo amanhã de manhã», resmunguei. «Esta não é a altura certa.» Entrei no edifício para me juntar a Cathy, triunfante. Ganhámos por 3-1 ao Clydebank, e Frank marcou. Precisamos de inculcar nos jovens um certo sentido de responsabilidade. Se juntarem uma boa dose de consciência à sua energia e ao seu talento poderão ser recompensados com grandes carreiras. Uma certeza de que estava imbuído no início da minha carreira era a de que deveria tomar decisões. E nunca tive medo de o fazer, nem quando era um rapazinho e escolhia uma equipa. Até aí dava orientações. «Tu jogas aqui, tu jogas ali», instruía-os. Willie Cunningham, um dos meus primeiros treinadores, dizia: «És um verdadeiro chato.» Costumava discutir táticas com ele e terminar com a pergunta: «Tem a certeza do que está a fazer?» «Um chato, é o que tu és», respondia ele. Os outros juntavam-se em redor, ouvindo as minhas intervenções, convencidos de que eu não tardaria a ser condenado à morte por insubordinação. Mas tudo tinha a ver com a minha certeza de ser capaz de tomar decisões. Não sei de onde ela veio, mas sei que mesmo em miúdo já era um organizador, um instrutor, aquele que escolhia as equipas. O meu pai era um simples operário, inteligente, mas de forma alguma um líder, por isso não copiava um exemplo paternal. Por outro lado, sei-o bem, há uma parte de mim solitária, distante. Aos 15 anos, quando jogava pelos estudantes de Glasgow, depois de ter marcado aos estudantes de Edimburgo – o melhor dia da minha vida! –, cheguei a


casa e o meu pai disse-me que um grande clube queria falar comigo. A minha resposta surpreendeu-nos aos dois: «Só quero ir dar uma volta. Quero ir ao cinema». «Que se passa contigo?», estranhou ele. Queria ficar sozinho. Não sei porquê. Até hoje não sei porque o fiz. Precisava de solidão. O meu pai estava encantado e orgulhoso, a minha mãe dançava e dizia: «É tão bom, filho!» A minha avó nem queria acreditar. Marcar aos estudantes de Edimburgo era um acontecimento. E, no entanto, eu precisava de fugir para o meu pequeno mundo, só meu, percebem? Daí para cá percorri um longo caminho. Quando comecei no United, em 1986, Willie McFaul era treinador do Newcastle United. O Manchester City tinha o Jimmy Frizzell e o George Graham era responsável pelo Arsenal. Gosto do George: grande homem, grande amigo. Quando passei por alguns problemas com Martin Edwards por causa do meu contrato, Sir Roland Smith era o presidente do clube 9. Às vezes, os presidentes dos clubes causam problemas. Somos obrigados a esperar que decidam sobre certas matérias. Um dia, Sir Roland sugeriu que Martin, Maurice Watkins, o advogado do clube, e eu fôssemos para a ilha de Man e resolvêssemos a questão do meu contrato. George ganhava o dobro de mim no Arsenal. «Empresto-te o meu contrato, se quiseres», disse ele. «De certeza que não te importas?», perguntei. E assim, viajei até à ilha de Man com o contrato de George na mão. Martin sempre foi um bom presidente do Conselho de Administração, no meu ponto de vista. Era duro. O problema era pensar que cada tostão lhe pertencia. Pagava aquilo que queria pagar. Não apenas a mim – a todos.


Quando lhe mostrei o contrato de George, não quis acreditar. «Ligue ao David Dein», sugeri. E foi o que ele fez. E David Dein, o patrão do Arsenal, negou que George recebesse o que estava no contrato. Era uma farsa. A assinatura de David Dein estava nos documentos que George me dera. Se não fosse por causa de Maurice e de Roland Smith, ter-me-ia ido embora nesse mesmo dia. Estava perto disso, de qualquer forma. E guardei uma lição para todos os meus 39 anos na linha da frente. Precisamos de saber lutar por nós próprios. Não há outra saída. 4 Pub vem de public house, expressão que define estabelecimentos de venda ao público de bebidas alcoólicas, sobretudo cerveja, muito enraizados na cultura da Grã Bretanha e de algumas das suas colónias. Sociólogos defendem que, perante a tão fraca qualidade das habitações das classes trabalhadoras nas grandes urbes do país nos primórdios da Revolução Industrial, os pubs e o futebol se tornaram numa espécie de «irmãos gémeos», unidos pela necessidade de os homens se manterem fora de casa no dia dedicado ao descanso (sábado). Recorde-se que no final da década de 1880, o Old Firm, dérbi de Glasgow entre o Celtic e o Rangers, conseguia atrair aos estádios multidões a rondar os 150 000 espetadores. (N. do T.) 5 As Twin Towers, ou Torres Gémeas, foram a imagem de marca do velho Empire Stadium, ou mais coloquialmente Estádio de Wembley. Inaugurado a 28 de abril de 1923, pelo rei Jorge V, foi demolido em 2003 para dar lugar ao novo Estádio de Wembley, inaugurado em 2007. (N. do T.) 6 Celebrado a 12 de julho para comemorar a vitória do príncipe Guilherme de Orange (Guilherme III) da Inglaterra e da Holanda, e Guilherme II da Escócia, que invadiu a Inglaterra, em novembro de 1688, unindo as coroas da Irlanda, Inglaterra e Escócia) sobre Jaime II na batalha do Boyne, em 1690. Basicamente trata-se de uma série de desfiles levados a cabo anualmente por membros da Ordem de Orange, tanto nas cidades da Irlanda como da Escócia. (N. do T.). 7 ICI – Imperial Chemical Industries – empresa química estatal da Grã-Bretanha, privatizada em 2008. (N. do T.) 8 Literalmente, firth é o termo usado na Escócia para distinguir águas costeiras, baías ou estreitos. O de Clyde é uma enorme reentrância do oceano Atlântico, na costa escocesa, com mais de 42 quilómetros de amplitude. (N. do T.) 9 Em Inglaterra há a clara distinção entre os presidentes dos clubes e os presidentes dos conselhos de administração nomeados pelos proprietários dos clubes. (N. do T.)


3 MARCHA ATRÁS NA REFORMA Sentado no sofá, nessa noite de Natal de 2001, ia cabeceando em frente à televisão. Na cozinha, preparava-se um motim. A tradicional sala de reuniões da nossa família era palco de uma discussão que iria mudar a vida de cada um de nós. O chefe da revolta veio à sala e tocou-me com a ponta do seu pé no meu de forma a acordar-me por completo. Pela frincha da porta consegui vislumbrar três pessoas: todos os meus filhos, solidariamente alinhados. «Estivemos a falar», começou Cathy. «Decidimos que não te vais reformar.» Enquanto absorvia esta novidade não senti necessidade de a contrariar. «Primeiro, a tua saúde está bem. Segundo, não te quero aqui às voltas em casa. Finalmente, ainda és demasiado novo.» Era Cathy quem falava, mas os nossos filhos apoiavam-na. O grupo mostrava-se unido. «Estás a ser estúpido, pai», disseram-me por sua vez. «Não faças isso. Tens ainda muito para dar. Podes construir uma nova equipa no United.» Foi o que deu ter adormecido durante cinco minutos no sofá. Resultou em mais 11 anos de trabalho. Uma das razões que me levaram a pensar no abandono foi um reparo feito por Martin Edwards após a final da Liga dos Campeões de 1999, em Barcelona. Foi-lhe perguntado qual seria o meu papel no clube depois de deixar as funções de treinador e ele respondeu: «Bem, não quero outra situação igual à do Matt Busby.» 10 Não gostei. Não era possível comparar os dois períodos. No meu tempo, foi preciso viver com as complicações criadas por agentes, contratos, imprensa. Ninguém com um pingo de sensibilidade quereria continuar metido nessas embrulhadas após largar o cargo de treinador. Não havia a mínima hipótese de me ver envolvido neste tipo de jogos ou na complexidade do negócio do futebol.


Que mais me fazia pensar em abandonar? Havia sempre a sensação de que, após aquela noite mágica de Barcelona, atingira o zénite. Até então, as minhas equipas não tinham tido grande sucesso na Taça dos Campeões, e eu sempre procurara afanosamente esse pote de ouro no fim do arco-íris. A partir do momento em que atingimos o objetivo da nossa vida, damos connosco a perguntar até onde podemos voltar a chegar. Quando Martin Edwards notou que queria evitar uma nova «síndroma Matt Busby», a primeira coisa que pensei foi: «Tolice.» E em seguida: «Os 60 anos são uma boa idade para ir embora.» Por isso, três fatores encontraram-se efervescentes na minha cabeça: o desapontamento que senti por Martin ter levantado o fantasma de Busby; o imponderável de saber se viria, ou não, a ganhar uma segunda Taça dos Campeões; e esse número, o 60, que era definidor de indiscutíveis qualidades. Já era treinador desde os 32 anos. Chegar aos 60 tem efeitos profundos. Sentimo-nos como quem entra noutra sala. Aos 50, atingimos um momento único. Meio século. Mas não nos sentimos com 50. Aos 60 dizemos: «Céus! Sinto-me com 60! Tenho 60!» E isso atinge. Percebemos uma alteração de noções, uma mudança numérica. Já não me sinto assim em relação à idade. Mas, nessa altura, chegar aos 60 tornou-se uma barreira psicológica. O facto de me sentir novo era um obstáculo. Mudou a sensação quanto à forma como me sentia e em relação à minha saúde. Vencer a Liga dos Campeões permitiu-me pensar que cumprira todos os meus sonhos e que podia abandonar satisfeito. Era esse o catalisador dos meus pensamentos. E quando ouvi Martin dizer que não queria que eu fosse um espectro incomodativo sobre o ombro de um novo treinador, disse para com os meus botões: «Que disparate!» Claro que acabou por ser um alívio esta súbita marcha atrás na minha reforma, mas ainda precisava de discutir algumas particularidades com Cathy e com os rapazes. «Não sei se vai ser possível. Já avisei o clube da minha saída.»


Cathy retorquiu: «E não achas que te devem algum respeito perante o facto de mudares de ideias?» «Já podem ter entregue o cargo a outro, por esta altura», respondi. «Mas, depois do trabalho que fizeste, não achas que devem dar-te a oportunidade para voltares?», insistiu ela. No dia seguinte, telefonei ao Maurice Watkins, que se riu quando lhe falei em desistir da reforma. Os empresários estavam em campo procurando um candidato para me suceder já na semana seguinte. Penso que seria SvenGöran Eriksson o escolhido para novo técnico do Manchester United. Era essa a minha ideia, embora Maurice nunca mo tivesse confirmado. «Porquê Eriksson?», perguntei-lhe mais tarde. «Podes ter razão, mas também podes não ter», limitou-se a responder. Lembro-me de ter perguntado um dia ao Paul Scholes: «Scholesy, que há com o Eriksson?» Mas Scholes também não sabia de nada. O próximo passo de Maurice foi entrar em contacto com Roland Smith, o presidente do clube, que me disse: «Eu bem avisei. Que estupidez a tua! Temos de nos sentar e falar sobre isto.» Roland era uma daquelas raposas velhas. Tivera uma vida farta, completa. Vivera todo o tipo de experiências fascinantes e tinha um não mais acabar de histórias que as sublinhavam. Uma vez contou-nos um episódio sobre um jantar entre Margaret Thatcher e a rainha. Sua Majestade queria renovar o avião real. Roland aproximou-se e percebeu que, a determinado momento, estavam de costas uma para a outra. «Roland», chamou a rainha. «Importa-se de dizer a esta mulher que o meu avião precisa de melhoramentos?» « Ma‘am», disse Roland. «Vou já tratar disso!»


Era o que precisava de ouvir da boca dele em relação à minha mudança de ideias, ou seja, que tratasse disso imediatamente. Aquilo que lhe dei desde logo a entender é que necessitava de um novo contrato. O que existia expirava nesse verão. Era preciso agir rapidamente. No dia em que anunciei a minha partida, especificando a data, percebi que cometera um erro. Bobby Robson dizia sempre: «Não te atrevas a reformares-te!» Bobby era uma excelente pessoa. Uma vez, estava sentado em casa quando o telefone tocou. «Alex? Daqui é o Bobby. Estás ocupado?» «Onde estás?», perguntei. «Em Wilmslow.» «Então aparece», disse-lhe. «Estou à tua porta», respondeu. Bobby era um homem refrescante. Mesmo já nos setentas, ainda queria regressar ao Newcastle, depois de ter sido afastado na época de 2004-05. Nunca esteve na sua natureza deixar-se vencer pela inércia, e recusava-se a aceitar que o cargo de treinador do Newcastle já estava para além das suas capacidades. Essa atitude de desafio foi com ele até ao fim e isso demonstra como gostava de futebol. A partir do momento em que decidi abandonar, deixei de fazer planos. No exato minuto em que contrariei essa ideia, o meu cérebro voltou a disparar. Pensei para comigo: «Precisamos de uma equipa nova.» Recuperei a minha velha autoconfiança. Aos prospetores, anunciei: «Voltemos a farejar!» Estávamos outra vez a rolar e sentia-me bem com isso.


Não havia qualquer problema físico que me impedisse de continuar a trabalhar. Às vezes, nós, os treinadores, somos frágeis. Questionamo-nos até que ponto nos valorizam. Lembro-me do meu amigo Hugh McIlvanney no Arena 11, numa trilogia de documentários televisivos sobre Stein, Shankly e Busby. Uma das teorias de Hugh é que todos estes homens foram demasiado grandes para os seus clubes e, assim sendo, cada um à sua maneira, tiveram de ser cortados à medida. Recordo-me do que me dizia Jock Stein sobre proprietários e dirigentes de clubes: «Toma atenção, Alex. Nós não somos eles. Nós não somos eles. Eles dirigem o clube. Nós somos seus empregados.» Big Jock sempre sentiu isso. Éramos nós e eles, o proprietário e o servo. O que fizeram a Jock no Celtic, além de detestável, foi ridículo. Mandaram-no tomar conta das piscinas – 25 troféus conquistados para o clube e mandaram-no ser responsável pelas piscinas. Bill Shankly nunca foi convidado para fazer parte da direção do Liverpool e isso provocou-lhe ressentimentos. Começou a ver jogos do Manchester United ou do Tranmere Rovers. Aparecia no nosso velho campo de treinos, The Cliff, e até no do Everton. Pouco importa a envergadura do nosso currículo, há momentos em que nos sentimos expostos, vulneráveis; apesar disso, nos últimos anos a minha base de trabalho com David Gill foi de primeira classe e a nossa relação excelente. Contudo, existe sempre um receio de fracasso em cada treinador e muitas vezes estamos por nossa conta. Há alturas que damos tudo o que temos só para que não nos deixem sozinhos com os nossos pensamentos. Quantas tardes estive fechado no meu escritório sem que alguém batesse à porta só porque assumiam que eu estava ocupado. Só queria que o Mick Phelan ou o René Meulensteen aparecessem e perguntassem: «Vai uma chávena de chá?» Sentia necessidade de sair e ir à procura de qualquer um com quem conversar, invadir o seu espaço. O treinador tem de enfrentar


essa solidão. Precisa de contacto, mas todos pensam que está envolvido em assuntos importantes e não querem aproximar-se. Até à uma da tarde havia uma contínua fila de gente que queria ver-me. Os rapazes da academia, Ken Ramsden, o secretário, jogadores da primeira equipa: o que é sempre gratificante pois significa que confiam em nós, muitas vezes para os ajudar a resolver problemas familiares. Sempre conservei uma atitude próxima perante os jogadores da minha confiança, mesmo que estivesse ansioso por uma folga para curar a fadiga ou para resolver um problema contratual. Se um jogador me pedisse um dia livre, teria de ser por uma boa razão, já que não havia ninguém que quisesse faltar a uma sessão de treino no United. Sempre lhes disse que sim. Sempre confiei neles. Porque, se respondesse: «Não, para que precisas da folga, afinal?», e eles se justificassem: «Morreu a minha avó», então deixavam-me com um problema. E, se havia um problema, cabia-me encontrar a solução. Tive comigo gente que era 100 por cento Alex Ferguson. E os exemplos seriam Les Kershaw, Jim Ryan e Dave Bushell. Fui buscar Les em 1987. Foi uma das minhas melhores contratações. A sugestão veio do Bobby Charlton. Já que eu não era um profundo conhecedor da realidade do futebol inglês, Bobby mostrou-se inestimável. Les trabalhou nas escolas de Bobby Charlton e foi prospetor do Crystal Palace. Acompanhou igualmente George Graham e Terry Venables. Bobby estava convencido de que Les adoraria trabalhar para o United. Por isso, fui desafiá-lo. Era efervescente. Entusiástico. Nunca se calava. Ligava-me todos os domingos pelas seis e meia da tarde para me pôr em dia com os seus relatórios. Passada uma hora, Cathy aparecia e perguntava: «Ainda agarrado a esse telefone?» Se interrompia Les, ele acelerava. Que química na Universidade de Manchester. escolas para alunos abaixo dos 15 anos e Brown, quando este se reformou. Jim Ryan

trabalhador! Era professor de Dave Bushell foi diretor de contratei-o para substituir Joe chegou em 1991. Mick Phelan


foi meu jogador e um valioso adjunto, apesar de nos ter deixado em 1995, regressando como técnico em 2000. Paul McGuinness esteve comigo desde o meu primeiro dia no clube. Filho do antigo jogador e treinador do United Wilf McGuinness, foi também ele jogador. Fiz dele um dos técnicos da academia. Geralmente o treinador traz um adjunto e este mantém-se com ele. O United foi um desafio diferente porque os meus adjuntos ganharam nome e tornaram-se alvos de outros clubes. Perdi o meu braço-direito, Archie Knox, para o Rangers duas semanas antes da final da Taça das Taças de 1991 e, perante a ausência do Archie, levei Brian Whitehouse para o jogo de Roterdão e fiz questão de que todo o staff de apoio se envolvesse nessa decisão. Mais tarde, e enquanto procurava um número dois, Nobby Stiles propôs: «Porque não promoves o Brian Kidd?» Brian conhecia perfeitamente o clube e transformara o gabinete de prospeção trazendo alguns dos seus velhos companheiros, homens do United e professores que dominavam bem a área. Foi o melhor trabalho de Brian. Um sucesso tremendo. Por isso, promovi Brian. E ele cumpriu, pois criou uma relação próxima com os jogadores e concebia bons esquemas de treino. Tinha estado em Itália a observar o que se fazia nas equipas da Série A e trouxe de lá muito desse conhecimento. Quando saiu para o Blackburn, em 1998, avisei-o: «Espero que saibas o que estás a fazer.» De cada vez que um técnico sai para outro clube, geralmente pergunta: «Qual a tua opinião?» No caso do Archie, não consegui que Martin Edwards cobrisse a oferta do Rangers. No de Brian, não pensava que tivesse condições para ser treinador principal. Steve McLaren: capacidade de organização. Nunca tive dúvidas sobre isso. O que lhe disse, foi: «Assegura-te de que vais para o clube certo, com o presidente certo.» Algo de essencial. Sempre. West Ham e Southampton eram os clubes que o queriam na altura.


De repente, Steve recebeu uma chamada de Steve Gibson, o presidente do Middlesbrough, e dei-lhe o meu conselho: «Não tenhas dúvidas, aceita!» Bryan Robson, mesmo tendo sido despedido de lá, dizia o melhor de Steve Gibson, que era novo, desembaraçado e sempre disposto a avançar com o seu dinheiro. Tinham um ótimo campo de treinos. «É o teu trabalho», disse a Steve. Organizado, forte e sempre aberto a ideias novas, Steve foi feito para ser treinador. Era mexido e enérgico, com boa personalidade. Carlos Queiroz, outro dos meus números dois, era brilhante. Simplesmente meticuloso.

brilhante.

Excecional!

Um

homem

inteligente

e

Quem o recomendou foi Andy Roxburgh, numa altura em que começámos a prestar mais atenção aos jogadores do hemisfério sul e por isso talvez precisássemos de um treinador fora do Norte da Europa que falasse mais uma ou duas línguas. Andy foi claro. Carlos era incrível. Tinha sido selecionador da África do Sul, por isso liguei ao Quinton Fortune para lhe pedir opinião. «Fantástico!», disse Quinton. «A que nível, achas tu?» «Qualquer um», respondeu. «Bem», pensei, «isso serve-me.» Quando Carlos veio a Inglaterra, em 2002 para falar connosco, estava à espera dele com o meu fato de treino. Ele vinha impecavelmente vestido. Havia uma suavidade nos seus modos. Foi tão marcante que lhe ofereci o trabalho de imediato. Foi o mais perto que esteve de ser treinador do Manchester United sem verdadeiramente exercer o cargo. Tomou a responsabilidade por uma série de assuntos sem que fosse obrigado a isso por via das suas funções. «Preciso de falar contigo», telefonou-me ele uma vez em 2003, quando eu estava de férias no Sul de França. «Que se passa?» Quem poderia andar atrás dele? «Só preciso de falar contigo», repetiu.


Por isso, ele voou para Nice e eu apanhei um táxi para o aeroporto, onde encontrámos um lugar sossegado. «Ofereceram-me o lugar de treinador do Real Madrid», informou. «Vou dizer-te duas coisas. Primeira, não podes recusar. Segunda, estás a deixar um grande clube. Podes não durar mais de um ano no Real. No United, podes ficar a vida toda.» «Eu sei», disse Carlos. «Só que penso que é um desafio único.» «Carlos, não posso convencer-te a não ires. Sob o risco de daqui a um ano o Real Madrid ganhar a Taça dos Campeões e tu pensares – podia lá estar... Mas aviso-te: é um cargo de pesadelo!» Três meses mais tarde já ele queria sair do Madrid. Disse-lhe que não podia fazê-lo. Voei até Espanha para me encontrar com ele e almoçámos em sua casa. A minha mensagem foi: não desistas, aguenta e volta para o pé de mim no próximo ano. Nessa época, optei por não nomear um adjunto por ter a certeza de que Carlos iria regressar. Cooptei Jim Ryan e Mick Phelan, dois bons homens, mas não quis entrar em compromissos, com a ideia de que Carlos em breve voltaria. Falei com Martin Jol cerca de uma semana antes de ele me dizer que as coisas em Madrid já não funcionavam. Martin causou-me boa impressão e senti-me inclinado a dar-lhe o lugar, mas entretanto houve essa chamada do Carlos, que me fez confessar-lhe: «Olha, para já vou deixar as coisas como estão.» Não podia explicar-lhe porquê. Treinador adjunto do Manchester United é um cargo de enorme responsabilidade. É uma tribuna no mundo do futebol. Quando Carlos Queiroz voltou a sair, em julho de 2008, era a sua pátria que o chamava e pude entender a sua vontade de regressar a Portugal. Mas ele era impressionante. Tinha todas as qualidades para vir a ser o próximo treinador do United. Podia ser emocional, mas de todos com quem trabalhei ele foi, sem dúvida, o melhor. Era profundamente sério. Dizia com franqueza: não gosto disto ou disto.


Foi bom para mim. Era um rottweiler. Irrompia pelo meu escritório e apontava-me o que era preciso fazer. Desenhava esquemas no quadro. «Certo. Okay, Carlos, sim», dizia eu enquanto pensava: «Estou ocupado.» Mas é uma boa qualidade essa de sentir urgência em ver as coisas feitas. Na época em que decidi voltar atrás na minha reforma, a estrutura da equipa era forte apesar das saídas de Peter Schmeichel e Denis Irwin. Eis um jogador: Denis Irwin. Um daqueles com os quais se pode contar para tudo. Rápido, ágil: raciocínio veloz. Nunca nos deixa ficar mal. Jamais houve um problema com ele. Recordo um jogo no campo do Arsenal, no qual, nos últimos minutos, Denis permitiu a Dennis Bergkamp espaço para marcar um golo, e a imprensa questionou: «Está desapontado com Denis?» Respondi: «Bem, sim, trabalha comigo há tanto tempo e nunca cometeu um erro, por isso acho que posso perdoar-lhe este.» O maior desafio estava na baliza. A partir do momento em que Schmeichel resolveu sair para Lisboa, para o Sporting, em 1999 – e tendo falhado a contratação de Van der Sar –, atirei bolas para o ar na esperança de uma delas cair no lugar certo. Raimond van der Gouw era um tremendo e seguro guarda-redes, que treinava de forma leal e consciente, mas não seria uma primeira escolha. Mark Bosnich era, na minha opinião, um mau profissional, coisa que devíamos ter sabido com antecedência. Massimo Taibi simplesmente não se adaptou e regressou a Itália onde retomou a sua carreira. Fabien Barthez era um guarda-redes campeão do mundo, mas talvez o nascimento do filho, em França, tenha prejudicado a sua concentração, já que viajava de mais para estar com ele. Era bom rapaz, forte entre os postes e com bom jogo de pés, mas se um guarda-redes perde concentração está metido em sarilhos. Quando os jogadores se convenceram de que eu iria sair, desmotivaramse. Se me foquei sempre em alguma coisa foi na forma como mantê-los no máximo das suas capacidades, como se estivéssemos perante um caso de vida ou de morte. A filosofia do ter-de-vencer. Tirei os meus olhos da bola, vi mais longe do que devia e preocupei-me com quem iria ser o meu


sucessor. É da natureza humana, em tais circunstâncias, relaxar um pouco e pensar: «Não ficarei cá para o ano.» No United estavam tão habituados a ter-me por perto que não adivinhavam como poderiam ser os próximos capítulos. Foi um erro. E eu percebi-o em outubro de 2000. Nessa altura, só queria que a época acabasse. Não tirava prazer do trabalho. Culpava-me: «Fui estúpido! Porque falei no assunto?» E não havia em campo a mesma qualidade. Começava a ter dúvidas sobre o meu próprio futuro. Para onde iria, que iria fazer? Sabia apenas que sentiria falta da natureza exigente do trabalho no United. A época de 2001-02 foi um fracasso para nós. Ficámos em terceiro no campeonato e atingimos as meias-finais da Liga dos Campeões, sendo eliminados pelo Bayer Leverkusen. Não haveria lugar a títulos no ano da marcha atrás na minha reforma. E isto depois de três vitórias seguidas no campeonato. Nesse verão gastámos muito dinheiro em Ruud van Nistelrooy e Juan Sebastián Verón. Laurent Blanc também veio depois de eu ter vendido Jaap Stam – um erro que já admiti por diversas vezes. A minha opção por Blanc, como expliquei na altura, baseava-se na ideia de que precisava de um jogador que pudesse orientar e falar com os mais jovens. O início dessa nossa campanha ficou marcado pelo inesquecível episódio de Roy Keane a atirar a bola a Alan Shearer (e a ser expulso) na derrota de 3-4 em Newcastle e pela incrível vitória sobre os Spurs, em Londres, por 5-3, no dia 21 de setembro de 2001, num jogo em que o Tottenham marcou através de Dean Richards, Les Ferdinand e Christian Ziege, antes de assinarmos uma das grandes reviravoltas. Que memória tão vívida! Quando entraram no balneário, vergados ao peso de três golos de desvantagem, os jogadores pareciam descontraídos. Eu, pelo contrário, sentei-me e anunciei: «Bom, vou dizer-vos o que vamos fazer. Vamos marcar o primeiro golo desta segunda parte e ver onde chegamos a partir daí. Vamo-nos a eles desde já e marcar o próximo golo.»


Teddy Sheringham era o capitão do Tottenham e, quando as equipas surgiram novamente no túnel, ouvi-o dizer para os companheiros: «Agora tenham atenção e não os deixem fazer golo primeiro.» Nunca mais me esqueci. Marcámos logo no minuto inicial da segunda parte. Podíamos ver os Spurs perderem gás à medida que nós íamos ganhando alma. Faltavam ainda 44 minutos. Fizemos mais quatro golos. Foi incrível! A forma como o Tottenham se bateu deu mais brilho a essa vitória do que se tivéssemos recuperado de uma desvantagem de cinco golos em Wimbledon, por exemplo. Vencer um clube grande daquela forma tem ramificações históricas. O nosso vestiário após o jogo merecia ser visitado: jogadores abanando as cabeças, ainda não acreditando bem no que tinham acabado de conseguir. O aviso de Teddy aos jogadores do Tottenham refletia bem a nossa capacidade de assustar os adversários graças a golos retaliatórios nos momentos certos. Havia a ideia (que encorajávamos) de que marcar-nos golos era uma atitude provocatória, a qual merecia uma terrível vingança. A maior parte das equipas nunca se tranquilizava quando frente a frente connosco. Estavam sempre à espera da nossa revolta. Em muitos jogos, dava visíveis pancadas no meu relógio, não para encorajar a nossa equipa, mas para assustar o adversário. Se quiserem a minha súmula do que é ser treinador do Manchester United, apontarei para os últimos 15 minutos dos jogos. Às vezes, era uma espécie de bruxaria, como se a bola fosse sugada para dentro das redes. Frequentemente, os jogadores como que sentiam que ela seria chamada para lá. Sabiam que iríamos marcar um golo. Nem sempre aconteceu, mas nunca deixámos de acreditar que assim seria. E isso era uma enorme virtude. Sempre corri riscos. A minha tática era: nunca entrar em pânico antes dos 15 minutos finais, conservar a paciência até chegar o último quarto de hora, depois vamos a eles! Uma vez, para a Taça de Inglaterra, frente ao Wimbledon, o Peter Schmeichel avançou para a área contrária na busca do golo e deixámos o


Denis Irwin na linha de meio-campo a controlar um dos avançados deles. O Schmeichel ficou lá durante dois minutos. O Wimbledon chutava a bola na direção do ponta-de-lança e o pequeno Irwin antecipava-se e devolvia-a para junto da baliza deles. Grande divertimento! Schmeichel tinha uma habilidade especial. Tanto ele como Barthez gostavam de jogar com os pés. Este último era especialmente bom nisso, embora estivesse convencido de ser melhor do que de facto era. Numa digressão à Tailândia, insistiu comigo para que o deixasse jogar à frente, por isso na segunda parte fui permissivo. Os outros jogadores começaram a meter-lhe a bola para os extremos pelo que Barthez ia e vinha correndo atrás da bola com a língua de fora. Desistiu. Nenhuma equipa entrou alguma vez em Old Trafford convencida de que o United poderia baixar os braços. De nada valia ganharem vantagem e esperar que nos desmoralizássemos. Mesmo com 1-0 ou 2-1, o treinador adversário podia ter a certeza de que iria sofrer 15 minutos finais de verdadeiro inferno. E esse medo esteve sempre presente. Por mais que os seus jogadores agarrassem os nossos pelas gargantas ou teimassem em deitá-los ao chão, teria sempre de se colocar a questão: iremos aguentar? No máximo dos nossos esforços frenéticos, testávamos o caráter da equipa que defendia. E eles sabiam. Qualquer falha seria para eles o fim. Nem sempre resultava, mas quando corria bem sentíamos a alegria própria de uma conquista que chega sobre a meta. A aposta compensava. Raramente éramos contrariados quando íamos à procura da recuperação. Perdemos uma vez em Liverpool, quando o Luke Chadwick foi apanhado em contragolpe e expulso. Todo o resto da equipa estava na área deles. Contra nós, os adversários punham tanta gente a defender que se tornava difícil saírem em contra-ataque. No intervalo desse jogo com os Spurs parecia que estávamos mortos, mas, como disse mais tarde, no final da época: «Em altura de crise o melhor é acalmar toda a gente.» Fizemos cinco golos e ganhámos o jogo, com Verón e David Beckham a marcarem os últimos dois. Mas é verdade que, ao


tempo, tínhamos problemas na baliza. Em outubro, Barthez deu dois frangos. Perdemos 1-2 em casa com o Bolton e 1-3 em Liverpool, com o Fabien a sair para socar a bola e falhar. No campo do Arsenal, no dia 25 de novembro, o nosso guarda-redes francês fez um passe para o Thierry Henry, que marcou golo, e depois correu à toa para uma bola, deixando o Henry fazer o 1-3. O mês de dezembro de 2001 não foi melhor, com uma derrota em casa por 0-3 frente ao Chelsea, a nossa quinta para o campeonato, em dez jogos. Ole Gunnar Solskjaer formava uma boa dupla com Van Nistelrooy (Andy Cole sairia para o Blackburn em janeiro) e subimos até ao topo da tabela no Ano Novo de 2002. Na vitória por 2-1 frente ao Blackburn, Van Nistelrooy marcou pela décima vez consecutiva e no final de janeiro, já tínhamos quatro pontos de vantagem sobre o segundo. Depois veio, em fevereiro, o anúncio da minha retirada. E, afinal, não seria assim. A partir do momento em que esse assunto foi esclarecido, subimos de forma drástica. Ganhámos 13 jogos em 15. Estava ansioso pela nossa presença na final da Liga dos Campeões, em Glasgow, em 2002. Sentia-me tão seguro disso que comecei a fazer prospeção de hotéis. Procurei encarar as coisas com serenidade, mas a vontade de levar a equipa à final de Hampden Park obcecou-me. Na meia-final contra o Bayer Leverkusen, falhámos três ocasiões claras no segundo jogo e fomos eliminados por diferença de golos marcados fora, com 3-3 no cômputo das duas mãos. Michael Ballack e Oliver Neuville marcaram em Old Trafford. Na equipa de Leverkusen jogava o jovem Dimitar Berbatov, que se juntaria mais tarde a nós vindo dos Spurs. Seja como for, conservava o meu trabalho. Na véspera de Ano Novo, na celebração do meu aniversário, estive com a família no Alderley Edge Hotel. Há algum tempo que não nos juntávamos todos. Mark, que passava a maior parte do seu tempo em Londres, estava lá, assim como Darren, Jason e Cathy. Todos os conspiradores em redor da mesa.


Quando os jogadores souberam finalmente que eu já não iria sair, preparei-me para os comentários jocosos que me esperavam. Não podia tomar uma decisão de tal magnitude sem pagar um alto preço de muita galhofa. Ryan Giggs foi o mais talentoso na hora da brincadeira: «Oh, não! Nem quero acreditar», disse. «Logo agora que acabei de assinar um novo contrato.» 10 Matt Busby, escocês como Alex Ferguson, foi treinador do Manchester United entre 1945 e 1969, tendo, em 1968, conquistado a primeira Taça dos Campeões Europeus do clube, batendo o Benfica na final disputada em Wembley (4-1 após prolongamento). Depois de abandonar o cargo de treinador, tornou-se dirigente responsável por questões administrativas relacionadas com a equipa de futebol. Voltou a ser treinador por um breve período na época de 1970-71, mas continuou como dirigente até 1982 quando chegou a presidente do United. Foi preciso esperar até 1999 para que o Manchester United voltasse a erguer a Taça dos Campeões. (N. do T.) 11 Considerado um dos 50 mais influentes programas de sempre, Arena é o nome de uma série documental da BBC que está no ar desde outubro de 1975. (N. do T.)

4 UM NOVO COMEÇO À medida que a época de 2002 chegava ao fim, sentia-me repleto de uma energia renovada. Era como se fosse o meu primeiro dia num trabalho completamente novo. Todas as dúvidas em relação ao meu abandono haviam sido dissipadas e eu estava pronto para refrescar a equipa após a nossa primeira época sem qualquer título desde 1998. Tínhamos atravessado um período de ouro, entre 1995 e 2001, ganhando cinco campeonatos em seis e assegurando a primeira das minhas duas Ligas dos Campeões. No final desses seis anos, promovêramos alguns dos nossos jovens à equipa principal. David Beckham, Gary Neville e Paul Scholes tornaram-se titulares, a despeito daquela derrota com o Aston Villa por 1-3,


que levou Alan Hansen a comentar na televisão: «Não é possível ganhar o que quer que seja com miúdos!» Depois de um hat-trick de campeonatos, cometemos o erro de deixar sair Jaap Stam. Pensei que 16,5 milhões de libras eram um bom preço e pareciame que o seu desempenho se ressentira desde a operação ao tendão de Aquiles, Mas falhei, e esta é a minha oportunidade de desfazer de uma vez por todas o mito de que a sua amarga autobiografia tenha algo a ver com a minha decisão de o vender, embora o chamasse para falarmos sobre o livro. Acusava-nos de o termos assediado, de termos entrado em contacto com ele sem o conhecimento do PSV. «Que ideia foi a tua?», perguntei. Mas em nada afetou a minha decisão. Não muito depois dessa conversa, um empresário disse-me que um representante da Roma tentara estabelecer contacto. Ofereciam 12 milhões de libras pelo Jaap. «Não estou interessado», afirmei. Na semana seguinte, foi a vez da Lazio. Nunca demonstrei interesse até a proposta atingir os 16,5 milhões. Nessa altura, já Jaap chegara aos 30 e estávamos preocupados com a sua recuperação do problema no tendão de Aquiles. Seja como for, veio a provar-se que se tratou de um episódio desastroso. Ainda por cima ter-lho dito numa bomba de gasolina foi muito mau, porque ele era realmente uma pessoa muito decente, que gostava do clube e era adorado pelos adeptos. Foi um dos meus piores momentos. Tentei falar com ele no campo de treinos, dois dias antes do encerramento do prazo para a transferência. Apanhei-o no telemóvel, mas já ia a caminho de casa. Um ponto equidistante para ambos era uma bomba de gasolina na autoestrada e foi aí que nos encontrámos. Sabia que podia trazer Laurent Blanc a custo zero. Sempre o admirei e gostava de o ter contratado mais cedo. Era muito seguro e elegante a sair com a bola jogável da defesa. Pensei que a sua experiência ajudaria o crescimento de John O‘Shea e de Wes Brown. Foi um mau juízo da minha parte, o de deixar sair Stam.


Defesas-centrais sempre tiveram a maior importância no meu planeamento estratégico e Rio Ferdinand foi a grande aquisição desse verão de 2002, no qual deveríamos ter chegado à final da Liga dos Campeões, disputada na minha cidade de Glasgow. Teria sido algo de muito especial defrontar, na terra natal, o Real Madrid, no lugar onde assisti à minha primeira final europeia, na qual o Real bateu o Eintracht Frankfurt por 7-3. Nesse dia, estava na bancada reservada a estudantes porque jogara pelo Queen‘s Park e isso dava-me o direito de entrar pela porta da frente e ocupar esse espaço. Saí três minutos antes de o jogo acabar de forma a apanhar o autocarro porque tinha de trabalhar na manhã seguinte e, assim, faltei aos festejos finais, que não eram habituais nos jogos desse tempo. Os jogadores do Real formaram um grande cortejo e dançaram em redor do estádio. Não vi. No outro dia, observei com atenção as fotografias que enchiam os jornais e pensei: «Bolas! Perdi isto tudo!» Hampden Park rebentava pelas costuras, cheio com 128 000 almas. Para evitar a confusão nas saídas dos grandes jogos, corríamos umas milhas para lá do estádio: acelerávamos para longe de Hampden, em direção ao terminal de autocarros, e aí apanhávamos um. Tínhamos de palmilhar umas três ou quatro milhas, mas ao menos conseguíamos entrar num autocarro. No estádio, as filas podiam ter quilómetros. Quilómetros! Velhos surgiam com camionetas e por seis pence 12 cada amontoávamo-nos nas caixas abertas. Era outra das formas de lá chegar ou de ir embora. Mas teria sido inesquecível atingir essa final de 2001, que o Real Madrid ganhou por 2-1, e subir com o Manchester United a esse relvado sagrado. A contratação de Carlos Queiroz para meu adjunto foi outra das maiores iniciativas desse ano. O Arsenal ganhara o double 13 na época anterior e Roy Keane tinha sido banido do Mundial de 2002, pelo que havia muita coisa a ocupar os meus pensamentos ao mesmo tempo que preparava a nova época. Quando o Roy foi expulso em Sunderland por arranjar confusão com Jason McAteer, autorizei-o a ser operado a uma anca, o que o deixou fora


dos palcos durante quatro meses. Isto logo depois de termos caído numa baixa de forma que nos valeu derrotas com o Bolton, em casa, e com o Leeds, fora. Só tínhamos somado duas vitórias nos nossos primeiros jogos e estávamos em nono lugar na classificação quando pensei ser um risco menor autorizar alguns jogadores a serem operados com a esperança de que viriam dar-nos energias na segunda metade da nossa campanha. Em setembro de 2002, no entanto, tinha as facas afiadas em meu redor. É próprio deste trabalho que nos ataquem publicamente de cada vez que as coisas pareçam correr mal. Mais, nunca fui submisso em relação à imprensa e nunca contei com o seu apoio. Nunca socializei muito com jornalistas, nunca lhes dei histórias, nunca os corrigi, talvez com a exceção – ocasional – de Bob Cass, do Mail on Sunday. Por isso, não tinham qualquer razão para gostar de mim ou para me apoiarem nos tempos difíceis. Outros treinadores têm mais habilidade para cultivar relações com a imprensa. Talvez isso lhes dê mais tempo no cargo, mas não indefinidamente. Os resultados é que determinam se a lâmina da guilhotina cai ou não. A pressão da imprensa é geralmente mais forte no início. De cada vez que havia um mau começo, podia imaginar os títulos: «O teu tempo acabou, Fergie, está na altura de dizer adeus!» A velha questão dos prazos. Pode dar vontade de rir, mas não nos podemos distrair porque o riso está na natureza das hienas. Houve na imprensa muitas manchetes sobre mim favoráveis porque se tornaram inevitáveis, tendo em conta o sucesso que fomos conseguindo. Mas para que alguns nos apelidem de génio é preciso estar preparado para que outros nos chamem louco. Matt Busby costumava dizer: «Para que os lês quando sofres um mau resultado? Eu nunca leio.» E ele viveu numa época em que a imprensa não era tão intrusiva como é hoje. Matt sempre cavalgou as ondas de elogios e as de críticas sem lhes prestar grande atenção. O que fizemos sempre, tanto no sucesso como na adversidade, foi assegurar-nos de que o campo de treinos era sagrado. O trabalho, a concentração e os níveis de qualidade que aí mantivemos nunca foram


atraiçoados. Mais tarde ou mais cedo essa consistência de esforços dará frutos ao sábado. Dessa forma, de cada vez que um jogador do United se confrontar com uma série de maus resultados, vai odiá-lo. Ser-lhe-á intolerável. Até mesmo os grandes futebolistas perdem confiança de quando em vez. Eric Cantona tinha fases de dúvida. Contudo, se a cultura em redor do campo de treinos for a correta, os jogadores sabem que podem confiar no grupo e na capacidade da equipa técnica. O único jogador treinado por mim que nunca se deixava abater pelos erros foi David Beckham. Podia fazer o jogo mais horrível que se possa imaginar e, no entanto, não acreditava que tinha estado abaixo das suas capacidades. Era incrivelmente autoprotetor. Se isso lhe foi transmitido pelas pessoas que viveram em seu redor, não sei dizer, mas nunca reconhecia que fizera um mau jogo ou que cometera um erro. É necessário admirá-lo por isso. De certa forma, é uma virtude. Por mais asneiras que fizesse (do meu ponto de vista, não do dele), queria sempre ter a bola. A sua confiança era inabalável, mas a verdade é que momentos de quebra são inatos em todos os jogadores e todos os treinadores. O escrutínio público penetra na armadura com que se protegem, venha ele da imprensa ou dos adeptos. O nadir chegou em novembro, com o último dérbi em Maine Road 14: vitória de 3-1 para o City, inesquecível pelo erro de Gary Neville, que, numa brincadeira com a bola, se viu desarmado por Shaun Goater, o autor do segundo golo deles. Mais tarde, questionei a dedicação dos meus jogadores, uma decisão difícil que raramente tomava. O balneário é um lugar horrível para quem perde um dérbi. Antes do jogo, Keith Pinner, meu velho amigo e adepto doente do City, disse-me: «Como é o último dérbi disputado em Maine Road, vens beber comigo um copo a seguir?» Divertido pela audácia dele, respondi: «Sim, se ganharmos.» Por isso, após termos perdido por 1-3, ia a entrar no autocarro quando o meu telemóvel tocou. Era Pinner.


«Onde estás?», perguntou. «Não vens?» «Desaparece!», gritei-lhe, ou qualquer coisa que se tenha minimamente parecido com isso. «Nunca mais quero pôr-te a vista em cima!» «Não sabes perder, pois não?», riu-se Pinner. E lá fui eu tomar um copo com ele. No final da época, Gary Neville comentou: «Foi uma encruzilhada para nós. Fiquei convencido de que nesse dia os adeptos nos iam virar as costas.» Às vezes, um treinador tem de ser honesto com os adeptos, para lá da sua relação com os jogadores. Eles não são estúpidos. Desde que não entremos em críticas individuais em público, admoestar a equipa não tem qualquer problema. Podemos todos arcar com as culpas: o treinador, o staff, os jogadores. Desde que devidamente expressas, as críticas devem ser aceites como responsabilidade coletiva. Debaixo da pressão dos maus resultados, mudámos a nossa forma de jogar. Começámos a meter a bola na frente mais vezes e mais rapidamente e deixámos de nos preocupar com a sua posse. Com Roy Keane na equipa, segurar o esférico nunca foi um problema. Tive a certeza disso desde o primeiro momento em que ele chegou ao clube: «Este tipo nunca deixa fugir a bola.» Disse-o aos jogadores e ao staff. A sua posse é uma espécie de religião no Manchester United, mas, se não existir imprevisibilidade no ataque é uma perda de tempo. E começava a faltar-nos também agressividade. Com um jogador como Van Nistelrooy na nossa linha avançada, havia a necessidade de lhe fazer chegar a bola rapidamente. Passes inesperados, de trás para a frente, por entre os defesas. Era aí que tinha de fazer mudanças. Procurámos recuar um pouco Diego Forlán, mas insistíamos muito no meio com Véron, Scholes e Keane. Verón tinha liberdade e Scholesy entrava muito na área contrária. Beckham bem aberto na direita e Giggs bem aberto na esquerda. Tínhamos grandes talentos. As nossas armas


ofensivas eram as corretas. Van Nistelrooy revelava-se um goleador implacável. Beckham jogava sempre no máximo e Scholes era igual. Phil Neville mostrava-se excelente no meio-campo. Era um sonho. Ele e Nicky Butt eram os meus melhores aliados. O seu único desejo na vida era o de jogarem pelo Manchester United. Nunca quiseram sair. A altura certa para deixar ir embora este tipo de jogadores é quando percebemos que os prejudicamos mais do que os beneficiamos no momento em que fazemos deles suplentes ou reservas. Estes jogadores caem na armadilha que se situa entre a lealdade extrema e aquela espécie de infelicidade que nasce de não continuarem a fazer parte da primeira equipa. É difícil para qualquer um. Phil teve um papel importantíssimo quando precisámos de estabilidade. Muitíssimo disciplinado, era um daqueles jogadores aos quais podíamos dizer: «Phil, preciso que subas aquele monte, que desças e depois cortes aquela árvore.» Ele responderia: «Muito bem, chefe, onde está a serra?» Tive poucos como ele. Phil faria tudo pelo clube. Era apenas nisso que pensava. Na maior parte das vezes, mesmo que desempenhasse um pequeno papel no sucesso da equipa, sentia-se feliz com isso. No entanto, na fase final, Gary veio falar comigo para perceber como eu lidava com o destaque cada vez menor de Phil. «Não sei o que fazer, é um rapaz excelente», disse-lhe. «É esse o problema», enfatizou Gary, «ele não quer vir falar consigo.» Gary complementou a falta de à-vontade de Phil, percebem? Convidei Phil para uma conversa em minha casa. Apareceu com a mulher, Julie. A princípio nem dei por ela, sentada no carro. «Cathy, vai buscar a Julie e trá-la para dentro», disse. Mas quando Cathy foi ao seu encontro, Julie começou a chorar: «Não queremos deixar o Manchester United», soluçava. «Adoramos este clube.» Cathy convidou-a para tomar


um chá, mas ela não quis entrar em nossa casa. Estou convencido de que tinha medo de partir alguma coisa e com isso embaraçar o marido. O meu problema com Phil era pensar que estava a fazer-lhe mais mal do que bem com a forma como o utilizava. Concordou. Disse-me que precisava de seguir em frente. Ele que resolvesse a questão com a mulher. Quando saíram, Cathy interpelou-me: «Não vais permitir que eles se vão embora, pois não? Não se deixam pessoas como aquelas ir embora.» «Cathy», repliquei. «É para bem dele. Não percebes? Está a destruir-me mais a mim do que a ele.» Permiti que fosse embora barato, por 3,6 milhões de libras. Valia pelo menos o dobro, já que fazia cinco posições – tanto na defesa como no meiocampo. No Everton, até jogou a central quando Phil Jagielka e Joseph Yobo se lesionaram. A saída de Nicky Butt foi igualmente traumática, embora Nicky nunca tivesse problemas em avançar na sua própria defesa. Era um vivaço. Belo rapaz! Desafiava a sua sombra. Dirigia-se a mim e perguntava: «Porque é que não jogo?» Era assim. E eu adorava-o. Dizia: «Nicky, não jogas porque acho que o Scholes e o Keane são melhores do que tu.» Às vezes, em jogos fora de casa, punha-o à frente do Scholesy. Na meia-final da Liga dos Campeões, contra a Juventus, por exemplo. Butt jogou no lugar de Scholes. Este e Keane tinham visto «amarelos» e não podia correr o risco de ambos não jogarem a final, embora tenham acabado os dois por ser suspensos. Fiz entrar Scholes por lesão de Butt – e Paul viu o cartão amarelo. Acabei por vender Butt ao Bobby Robson, no Newcastle, por dois milhões de libras. Que bela compra! No final de novembro de 2002, com a vitória em Newcastle por 5-3, o céu tornou-se mais azul. Diego Forlán, que demorou 27 jogos a marcar o


seu primeiro golo por nós – um penálti contra o Maccabi Haifa – foi fundamental na vitória por 2-1 em Liverpool, depois de Jamie Carragher ter tocado a bola de cabeça para Jerzy Dudek e ele se ter interposto para marcar. Ganhámos ao Arsenal por 2-0 e ao Chelsea por 2-1, com Forlán a assinar outra vez o golo decisivo. Nesse inverno, trabalhámos intensamente o sistema defensivo no nosso campo de treinos. Em fevereiro de 2003 perdemos, em casa, na quinta eliminatória da Taça de Inglaterra por 0-2, frente ao Arsenal. Foi o jogo no qual Ryan Giggs falhou um golo de baliza aberta, atirando por alto com o pé direito com ela à sua frente completamente vazia. «Bem Giggsy», disse-lhe, «marcaste o melhor golo de sempre da Taça de Inglaterra e agora juntaste-lhe a maior perdida de sempre.» Teve todo o tempo do mundo. Podia ter entrado com a bola pela baliza. Esse jogo, que me provocou um estado de fúria, teve outras sérias implicações no meu relacionamento com um dos vencedores da FA Youth Cup 15 de 1992. Envolveu um penso rápido, mas não podia curar a ferida. A bota que chutei com raiva aterrou no sobrolho de David Beckham. Depois de termos perdido a final da Carling 16para o Liverpool, corremos para os braços de outro dos nossos maiores rivais dessa altura. Neste final da minha vida de treinador, o Leeds United não entra em qualquer lista de ameaças, mas na primavera de 2003 eles eram um autêntico perigo, embora os tenhamos batido por 2-1. É merecido que deixe aqui algumas palavras sobre a nossa rivalidade com o Leeds até porque foi incomodativamente intensa. Quando cheguei a Manchester, sabia bem como era o dérbi com o City e os confrontos com os rivais do United no Merseyside, Liverpool e Everton. Mas ignorava o que quer que fosse em relação à animosidade entre o United e o Leeds. Fui com o Archie Knox ver um jogo da antiga primeira divisão: vitória do Crystal Palace sobre o Leeds.


Ao intervalo estava 0-0. A segunda parte foi toda do Leeds. Com 20 minutos para jogar, o árbitro negou um penálti ao Leeds e a multidão enlouqueceu. Um adepto desatou aos gritos para comigo: «Tu! Tu, seu bastardo manc! 17» «Que é isto, Archie?», perguntei. «Não faço ideia», respondeu ele. Então olhei para um segurança. O camarote presidencial de Leeds é pequeno e os adeptos rodeiam-no. O Palace foi ao ataque e marcou. Foi aí que a chusma perdeu a cabeça. Archie sugeriu que fôssemos embora, mas eu insisti em ficar. O Palace marcou outra vez e então o nosso amigo bateume nas costas com uma taça de Bovril 18. O efeito foi estonteante. «Vamos sair daqui», exclamei para o Archie. No dia seguinte, em conversa com o nosso roupeiro, Norman Davies, fiquei a saber: «Digo-lhe, em Leeds é puro ódio.» «Mas donde é que isso vem?», perguntei. «Dos anos mil novecentos e sessenta», respondeu Norman. O Leeds costumava ter um representante que viajava no nosso autocarro e, à chegada a Elland Road, gritava como um pregão: «Em nome dos dirigentes, jogadores e adeptos do Leeds United sejam bem-vindos a Elland Road!» Ameaçando em seguida: «Esperem por ela...» Muitos espectadores esperavam-nos com crianças às cavalitas, exibindo a mais pura aversão. Na meia-final da Taça da Liga de 1991, em Leeds, deram-nos uma boa sova na segunda parte, mas o Lee Sharpe quebrou o zero-zero com um golo a dois minutos do final. Eu estava no relvado, Eric Harrison, no banco. Muitas pessoas acham que ele é parecido comigo. Um adepto do Leeds também foi da mesma opinião, pois acertou-lhe com uma varada. Deu-lhe em cheio. O indivíduo pensava que estava a bater-me.


Vieram mais adeptos. Pandemónio. E, no entanto, havia algo naquela atmosfera hostil de Leeds que me agradava. No tempo de Peter Ridsdale, quando o Leeds «vivia o sonho», como o seu presidente disse uma vez, sentia que o clube se erguia sobre areia. Ao saber dos montantes que pagavam, as minhas campainhas de alarme soaram. Quando lhes vendemos o Lee Sharpe, acho que lhe duplicaram o ordenado para uns 35 000. Contudo, construíram uma equipa séria. Alan Smith, Harry Kewell, David Batty. Em 1992, foram campeões com uma das equipas mais vulgares que alguma vez ganhou o título, mas eram empenhados como poucos. E soberbamente treinados por Howard Wilkinson. Uma década depois, ouvimos falar de um rapaz de Derby que estava em negociações com eles, Seth Johnson, e das discussões entre este e o seu agente sobre quando deveriam pedir. Consta que chegaram a uma verba de 25 000 libras. A oferta do Leeds era, aparentemente, na ordem dos 35 000 por semana, estando dispostos a subir até às 40 ou 45. Os clubes não aprendem estas lições. As emoções do futebol transformam-se em armadilhas. Recordo-me de um industrial de Manchester ter vindo ter comigo e perguntado: «Estou a pensar comprar o Birmingham City, que acha?» Respondi: «Se tiver cem milhões de libras para arriscar, força!» «Não, não», disse ele, «eles só têm uma dívida de onze milhões.» «Mas já viu o estádio?», insisti. «Precisa de um novo, por sessenta milhões no mínimo. E mais quarenta para os pôr na primeira divisão.» As pessoas são tentadas a aplicar ao futebol os princípios básicos do negócio. Mas não estamos a falar de tornos mecânicos nem de moinhos, mas sim de grupos de seres humanos. É essa a diferença.


Ainda vivemos emoções fortes antes do final dessa época. Uma vitória de 4-0 sobre o Liverpool – o Sami Hyypiä foi expulso aos cinco minutos por impedir que o Van Nistelrooy se isolasse – antecedeu uma eliminatória da Liga dos Campeões frente ao Real Madrid. No primeiro jogo, só tínhamos um avançado disponível, o Van Nistelrooy. Luís Figo e Raul, por duas vezes, deixaram-nos com uma desvantagem de 1-3 para a segunda mão, em casa, na qual Beckham ficou no banco. Foi um jogo épico com, segundo se diz, Roman Abramovich a assistir, inspirando-se na nossa vitória por 4-3 e no hat-trick do brasileiro Ronaldo para se envolver nesse grande drama global que foi a compra do Chelsea. Depois de termos estado a nove pontos do primeiro lugar, atingimos os quatro de vantagem sobre o segundo após uma vitória sobre o Charlton por 4-1, com Van Nistelrooy a marcar três golos e a atingir os 43 nessa época. No penúltimo fim de semana, o Arsenal precisava de ganhar ao Leeds, em Highbury, para continuar com hipóteses de nos apanhar, mas Mark Viduka deu-nos uma ajuda ao apontar um golo tardio pelos nossos rivais do Yorkshire. No nosso triunfo por 2-1 no campo do Everton, David Beckham marcou de livre direto o seu último golo por nós. Éramos de novo campeões, pela oitava vez em onze épocas. Os jogadores dançavam e cantavam: «Temos o nosso título de volta.» Ganhámos a Liga, mas perdemos Beckham. 12 Um penny (plural pence) equivale a um centésimo da libra esterlina. (N. do T.) 13 Double– vitória na Taça de Inglaterra e no campeonato, na mesma época. (N. do T.) 14 Maine Road, em Moss Side, Manchester, foi, entre 1923 e 2003, o estádio do Manchester City. Chegou a ter uma capacidade para 100 000 espectadores, sendo conhecido por «Wembley do Norte». A partir de maio de 2003, o City mudou-se para o City of Manchester Stadium, ou El Etihad, situado próximo de Ardwick, local da fundação do clube, em 1880. (N. do T.) 15 The Football Association Youth Challenge Cup é uma competição organizada pela Federação Inglesa para equipas compostas por jogadores entre os 15 e os 18 anos. Disputada desde 1953, teve o


Manchester United como vencedor por 10 vezes (cinco primeiras consecutivas, de 1953 a 1957) e uma delas precisamente em 1992 – 6-3 na final ao Crystal Palace. (N. do T.) 16 Um dos nomes que a Taça da Liga Inglesa tomou desde a sua primeira edição, em 1960. Patrocinada pela Molson Coors Brewing Company, uma empresa americana que nasceu da fusão da Molson e da Coors, a competição ganhou, entre 2003 e 2012, a designação da cerveja Carling, um dos seus produtos-bandeira. Atualmente, a Taça da Liga Inglesa chama-se Capital One Cup. (N. do T.) 17 Manc: de mancunian, nome pelo qual são conhecidos os naturais ou habitantes de Manchester. O termo surge de uma corruptela de Mamucium, povoação aí existente no tempo dos romanos. (N. do T.) 18 Extrato salgado de carne muito popular na Grã-Bretanha, desenvolvido desde 1870, que se pode misturar com água quente para criar uma bebida vulgarmente consumida em locais públicos. (N. do T.)


5 BECKHAM Desde o primeiro momento em que tocou com um pé numa bola, David Beckham lançou-se numa inquebrável urgência de conseguir o melhor de si mesmo e do seu talento. Abandonámos o palco principal no mesmo verão, com ele ainda proeminente no futebol europeu e abundantes oportunidades pela frente. Saiu do Paris Saint-Germain um pouco como eu saí do United: à sua maneira. Às vezes é preciso roubar algo a alguém para o fazer perceber quanto gostava desse algo. Quando Beckham foi para a América, para o LA Galaxy, acredito que pensou ter desistido de uma parte da sua carreira. Trabalhou de forma incrível para recuperar o nível que tinha tido no início, e mostrou mais entusiasmo pelo trabalho duro do futebol do que o fizera nos últimos tempos connosco. Na altura da sua transferência do Real Madrid para a Major League Soccer19 , David não tinha muitas opções. Acredito que também estava de olhos posto em Hollywood e no impacto que isso poderia ter na fase seguinte da sua carreira. Não havia qualquer razão futebolística para ele ir para a América. Ia virar as costas ao futebol de alto nível, bem como à cena internacional, embora lutasse pelo seu regresso à seleção inglesa. E isto só comprova a minha ideia sobre o seu desapontamento em relação à sua carreira na fase final. Precisou de ser muito flexível para recuperar a sua importância entre a elite. Porque o vi crescer, juntamente com Giggs e Scholes, David foi como um filho para mim. Era um rapazinho de Londres quando chegou ao United, em julho de 1991. Um ano depois, fazia parte da chamada «Classe de 1992», que ganhou a FA Youth Cup, juntamente com Nicky Butt, Gary Neville e


Ryan Giggs. Jogou 394 vezes pela equipa principal e marcou 85 golos, incluindo aquele da linha de meio-campo, frente ao Wimbledon, que o anunciou verdadeiramente ao mundo. Quando abandonei o banco do United, em 2013, Scholes e Giggs ainda estavam connosco, mas já havia dez anos que David saíra para Espanha. Numa quarta-feira, 18 de junho de 2003, avisámos a Bolsa de que ele iria para o Real Madrid pela verba de 24,5 milhões de libras. David tinha 28 anos. A notícia espalhou-se pelo planeta. Foi um daqueles momentos globais para o nosso clube. Não guardo qualquer ressentimento em relação a David. Gosto dele, acho que é um rapaz maravilhoso, mas nunca devemos desistir daquilo em que somos bons. David foi o único jogador treinado por mim que escolheu ser famoso e que quis tornar-se conhecido para além do futebol. Wayne Rooney foi alvo de uma indústria que quis mudá-lo. O seu perfil estabilizou-se na juventude. Teve ofertas que fariam a cabeça de qualquer um andar à roda. Ganharia fora de campo o dobro do que lhe pagávamos. Esse mundo corporativo teria adorado envolver também Giggsy, mas não era esse o seu estilo. Na sua última época connosco, o nível de trabalho de David baixou e ouvimos rumores de que o Real estaria a namorá-lo. O grande problema é que o seu empenho já não estava no habitual nível estratosférico. O confronto entre nós que causou tanta excitação deu-se numa quinta eliminatória da Taça de Inglaterra, que perdemos em Old Trafford, frente ao Arsenal, por 0-2. A crítica que lhe fiz nesse jogo em particular foi a de não ter fechado mais atrás no lance do segundo golo do Arsenal, marcado por Sylvain Wiltord. Limitou-se a ir a passo, enquanto o outro fugia dele. No final, enfrentei-o. Como era costume, David desviou-se das minhas críticas. Talvez tivesse começado a pensar que já não tinha a obrigação de defender, qualidade que fizera dele o que era. Estava a cerca de quatro


metros de distância de mim. Entre nós, no chão, havia uma fila de chuteiras. David praguejou. Caminhei na direção dele e, pelo caminho, dei um pontapé numa das botas. Foi bater-lhe mesmo em cima do olho. Claro que ele se levantou e cresceu para mim, mas os outros jogadores agarraram-no. «Senta-te!», gritei. «Deixaste ficar mal a tua equipa. Podes dizer o que bem entenderes.» Chamei-o no dia seguinte para vermos o vídeo do lance, mas ele continuou a não aceitar o erro. Sentado a ouvir-me, não disse uma palavra. Nem uma. «Percebes do que estamos a falar, a razão por que te chamo a atenção?», perguntei. Não me respondeu. No dia seguinte a história vinha escarrapachada na imprensa. Uma bandelete puxava-lhe o cabelo para trás tornando bem visível na foto a ferida provocada pela chuteira. Foi aí que avisei o Conselho de Administração de que David teria de ir embora. E os membros que me conheciam deviam estar familiarizados com a minha mensagem. Se um jogador do Manchester United tiver a ousadia de se achar mais importante do que o treinador tem de sair. Costumava dizer: «No momento em que o treinador perder a sua autoridade, deixa de ter um clube. Os jogadores passam a dirigi-lo e estás metido em sarilhos.» David pensou que era maior do que Alex Ferguson. Não tenho dúvidas sobre isso. Pouco importa se se trata de Alex Ferguson ou de Bob, o Construtor. O nome do treinador é irrelevante. É a autoridade que conta. Não podemos permitir que um jogador mande no balneário. E muitos tentaram. O centro da autoridade no Manchester United é o gabinete do treinador. E isso foi o dobre a finados para David. Em seguida, depois de termos sido os primeiros no nosso grupo da Liga dos Campeões, coube-nos por sorteio defrontar o Real Madrid. Em


Espanha, na primeira mão, David parecia muito interessado em cumprimentar o defesa-esquerdo do Real, Roberto Carlos. No sábado seguinte, já após a nossa derrota no Bernabéu por 1-3, declarou que não estava em condições para o jogo com o Newcastle. Fiz entrar o Solskjaer, que esteve magnífico na nossa vitória por 6-2, e David ficou de fora. A forma em que David se encontrava não era motivo suficiente para eu tirar Solskjaer de uma equipa vencedora para o jogo com o Real, em Old Trafford. No final de um treino de vólei jogado com a cabeça, chamei-o de parte e disse-lhe: «Olha, vou começar o jogo com o Ole.» Encolheu os ombros e foi-se embora. Houve uma enorme excitação nessa noite, com David a entrar aos 63 minutos para o lugar de Verón, deitando um olhar de despedida para a multidão de Old Trafford. Marcou de livre direto e definiu a vitória ao minuto 85. Ganhámos por 4-3, mas o estupendo hat-trick de Ronaldo e a derrota em Espanha deixaram-nos fora da competição. David procurava o voto de simpatia dos adeptos, mas não restavam dúvidas de que existira um ataque direto contra mim. A transferência para o Real Madrid acelerava-se nitidamente. Pelo que podíamos perceber, já tinham ocorrido contactos entre o seu empresário e o Real. O primeiro deve ter sido, provavelmente, em meados de maio, quando a nossa época chegara ao fim. O nosso diretor executivo, Peter Kenyon, ligou-me para dizer: «O Real já telefonou.» «Bem», sublinhei eu. «Já estávamos à espera.» Pretendíamos 25 milhões de libras. Fui de férias para França e Peter apanhou-me no telemóvel, numa noite em que jantava com Jim Sheridan, o realizador, que tinha um apartamento situado na praça do restaurante onde nos encontrávamos. Precisava de um telefone privado. «Vem a minha casa, usa o meu», ofereceu Jim. E assim foi. «Ele não sai por menos de 25 milhões», disse eu a Peter. Calculo que recebemos menos de 18 milhões, já com as alcavalas.


David não desapareceu da equipa de repente. Fomos campeões com uma vitória sobre o Charlton por 4-1, em Old Trafford, no dia 3 de maio de 2003. Marcou nesse jogo e também no dia 11 desse mês, no campo do Everton, quando fechámos a época ganhando por 2-1. Um livre direto a cerca de 20 metros não foi uma má despedida para ele numa tarde em que a nossa defesa foi massacrada por um jovem talento local chamado Wayne Rooney. David tinha desempenhado o seu papel na nossa vitoriosa campanha na Liga, por isso não havia razão para o deixar de fora em Goodison Park. Talvez não tivesse ainda, nesse tempo, maturidade suficiente para gerir tudo o que se passava na sua vida. Hoje em dia, parece lidar melhor com as coisas. Está mais certo do seu lugar na vida, controla tudo mais corretamente. Na altura, eu chegara a um ponto em que não conseguia sentir-me confortável com a sua celebridade. Dou um exemplo: ao chegar ao campo de treinos, pelas três da tarde, antes de viajarmos para Leicester City, reparei na imprensa alinhada no caminho de Carrington. Deviam lá estar 20 fotógrafos. «Que se passa?», questionei. Responderam-me: «Parece que David vai revelar o seu novo penteado amanhã.» David apareceu com um gorro enfiado na cabeça. Ao jantar ainda o usava. «David, tira o gorro, estás num restaurante», avisei-o. Recusou. «Não sejas teimoso! Tira isso!», mas não tirou. Irritei-me. Não podia multá-lo por aquilo. Muitos jogadores usam bonés de basebol no trajeto para os estádios, e por aí fora, mas nunca ninguém fora tão desafiante durante uma refeição da equipa. No dia seguinte, os jogadores preparavam-se para subir ao relvado para o aquecimento, e David continuava com o gorro. «David», impus-me eu. «Não vais lá para fora com esse gorro na cabeça. Nem vais jogar. Sais da equipa agora mesmo.»


Ficou furioso. Tirou o barrete. Cabeça careca, completamente rapada. «Era por causa disso? Uma cabeça rapada que ninguém pode ver?», perguntei. O plano era ele manter o gorro na cabeça, mas tirá-lo antes do pontapé de saída. Comecei a ficar desesperado. Via-o engolido pelos média e pelos agentes publicitários. David estava num grande clube. Tinha uma bela carreira à sua frente. Dava-me entre 12 a 15 golos por época, trabalhava no duro. Tudo isso lhe tiraram. E no momento em que tal aconteceu, perdeu a hipótese de se tornar um jogador de topo absoluto. É essa a minha opinião: depois das mudanças na sua vida, nunca mais atingiu o nível em que pudéssemos dizer que estávamos perante um jogador de topo. Tudo começou quando ele tinha 22 ou 23 anos. Passou a fazer coisas que o impediram de se transformar verdadeiramente num grande jogador. Para mim foi uma deceção. Não havia animosidade entre nós, só o meu desapontamento. Desânimo. Olhava para ele e pensava: «Que estás a fazer, meu filho?» Quando se juntou a nós, era um miúdo baixinho de olhos perfurantes, louco por futebol. Aos 16 anos, era raro vê-lo longe do ginásio ou dos treinos. Adorava o jogo; vivia o sonho. Depois, quis trocar tudo por uma nova carreira, por um novo estilo de vida, pelo estrelato. De certa forma ficar-me-ia mal dizer que ele tomou a decisão errada, tendo em conta que é um homem muito rico. Tornou-se um ícone. As pessoas reagem às suas modas, copiam-nas. Mas eu sou um homem do futebol e, para mim, não o troco por coisa alguma. Podemos ter hobbies. Eu tenho cavalos, Michael Owen tem cavalos, Paul Scholes tem cavalos. Um ou outro jogador gosta de arte. Possuo no meu gabinete um magnífico quadro pintado pelo Kieran Richardson20 . O que não podemos fazer é desistirmos da loucura e do fascínio do futebol. Um ano antes de nos deixar, David Beckham esteve no Mundial da Coreia do Sul e do Japão, poucas semanas após ter partido o metatarso num


jogo da Liga dos Campeões, na primavera de 2002, em Old Trafford. Foi um drama! Embora David tenha tido uma lesão idêntica à que afligiu Wayne Rooney quatro anos depois, houve diferenças no processo de recuperação. David era o tipo de homem que estava geralmente em boa forma. Wayne precisava de mais trabalho para ficar mais magro. Por isso, calculei que David se apresentasse bem no Campeonato do Mundo e disse-o publicamente. Na competição, quando a Inglaterra chegou ao Japão, talvez se tenha ressentido da lesão. Não é fácil dizer isto sobre certos jogadores porque, na ânsia de jogarem um Mundial, dizem sempre que estão ótimos. Pelo que se viu ao longo da prova, David não devia sentir-se bem. A prova da sua evidente fragilidade física viu-se quando evitou um tackle, junto à linha lateral, no lance que conduziu o Brasil ao empate, nos quartos-de-final, em Shizuoka. Fiquei surpreendido com a sua falta de capacidade física exatamente por ele ter sido sempre um rapaz cuidadoso. E, por isso, ele tinha um problema, ou físico ou mental. As pessoas acusam-me de, pelo facto de ser escocês, não querer o êxito da Inglaterra, mas sempre tive mais jogadores a jogarem pela Inglaterra do que por qualquer outra seleção e gosto que eles brilhem. Quando temos um jogador com o perfil de Beckham (e tive outro depois, Rooney), há sempre a tentação de a equipa médica interferir. A de Inglaterra esteve continuamente a tentar entrar na área do treino. Muitas vezes senti isso como um insulto. E pensei que o facto de ser escocês talvez fizesse com que desconfiassem de mim. Antes do Mundial de 2006, quando Rooney chegou mais tarde à seleção inglesa, já na Alemanha, os responsáveis ingleses enviavam-nos mensagens todos os dias, perguntando como ele estava, como se não fôssemos capazes de tomar conta dele. Pareciam em pânico. Petrificados. Em 2006, eu estava absolutamente certo. Wayne Rooney não devia ter jogado nessa competição. Não se encontrava em condições.


Nunca deveria ter sido chamado a Baden-Baden, local da concentração da seleção inglesa. Foi injusto para ele, para os outros jogadores e para os adeptos. Wayne era, claro está!, a grande esperança daquela equipa e isso ajudou a que não se perspetivasse claramente a realidade. No caso de David, estava convencido de que ele iria surgir em boa forma porque conhecia os seus antecedentes e tinha visto os números. Era facilmente o jogador em melhor condição física em Old Trafford. Nas sessões de préépoca, nos testes, ia quilómetros à frente dos outros. Dissemos aos responsáveis pela Inglaterra que estávamos seguros da sua boa forma. A obsessão com a recuperação de David era previsível. Uma tenda de oxigenação chegou a Carrington. Tínhamos obtido bons resultados com um dispositivo igual, que usámos para debelar uma lesão tendular do Roy Keane antes de um jogo para as competições europeias, mas os ossos são outro assunto. A sua cura está no repouso. No tempo. Uma lesão no metatarso exige seis ou sete semanas de paciência. A Inglaterra não conseguiu ter grande impacto no Campeonato do Mundo de 2002. Contra o Brasil, foram ultrapassados por uma equipa reduzida a dez. No primeiro jogo da fase de grupos, contra uma Suécia que conhecia bem o estilo inglês, teimaram num jogo direto que dificilmente poderia surpreender o adversário. É um erro que muitas equipas jovens de clubes ingleses insistam nesta tática ultrapassada. São demasiadas as que insistem nas bolas longas. Uma vez fizemos a monitorização do Tom Cleverley na seleção inglesa de sub21 num jogo contra a Grécia e os nossos prospetores escreveram no relatório que a Inglaterra jogou com um homem no meio e dois nas alas – sendo Cleverley um dos extremos – e que ele não recebeu uma única bola. Chris Smalling jogou no estilo de pontapé para a frente e continua a treinar dessa forma. Esta é uma questão com a qual os ingleses devem preocupar-se. Por falta de qualidade técnica e de treino, as idades entre os nove e os 16 estão a ser desperdiçadas.


Então, como compensá-lo? Os rapazes respondem, fisicamente têm uma grande atitude. Mangas arregaçadas. Mas não se consegue produzir um jogador. Nunca conseguirão ser campeões do mundo com este sistema, com esta mentalidade. O Brasil produz jogadores capazes de dominarem qualquer bola em qualquer ângulo. São fluidos nos movimentos. São gente com mentalidade para o futebol porque se habituam a isso desde os cinco ou seis anos. David trabalhou muito duramente a vertente técnica do seu jogo. Também era muito bom na internet. Quando ficou de fora da seleção olímpica da Grã-Bretanha, no verão de 2012, a sua equipa divulgava as novidades mais depressa do que a Federação Inglesa. Os comentários foram todos magnânimos, mas ele devia estar furioso. Lembro-me de o Mel Machin me dizer. «Giggs e Beckham são jogadores de craveira mundial, e ainda assim tu obriga-los a correrem de área a área. Porque fazes isso?» Só pude responder-lhe que era por eles serem não apenas dotados de talento mas também de energia suficiente para subirem e descerem no terreno. Havia algo de especial naqueles dois. Mudou em relação a David, porque ele assim quis. Desviou os olhos da bola. Uma pena, porque podia ainda ter ficado no United após a minha saída. Teria sido uma das grandes lendas do Manchester United. A única coisa que o torna uma lenda no LA Galaxy é o seu estatuto de ícone. Num certo momento da sua vida, sentirá necessidade de dizer: cometi um erro. Contudo, deixem-me igualmente prestar-lhe tributo. A sua perseverança é espantosa, como demonstrou ao assinar pelo Paris Saint-Germain, em janeiro de 2013. No United, era sempre o rapaz mais elegante da casa. Isto ajudou-o a jogar até aos 37 anos. A energia que conservou em si desde criança sobreviveu. A MLS não é o campeonato do Rato Mickey. É até uma prova exigente do ponto de vista atlético. Vi David jogar a final da MLS e reparei como


esteve bem, recuando, trocando a bola. E não se foi abaixo no seu longo período no Milan. No PSG, jogou durante uma hora numa partida dos quartos-de-final da Liga dos Campeões. Não interferiu muito nos acontecimentos, mas cumpriu bem o seu papel. Trabalhou muito e conseguiu fazer passes de qualidade. Perguntei-me: «Como consegue ele isso?» Energia é a primeira resposta, mas David também consegue ter o desejo de nos surpreender. Consegue arrancar um bom cruzamento, uma boa mudança de flanco, qualidades que nunca perdeu. Foram-lhe enraizadas no tempo em que era um atleta. Jogar nas eliminatórias finais da Liga dos Campeões aos quase 38 anos e depois de cinco anos na América é uma façanha. Voltou à órbita. E seja abençoado por isso. Uma ou duas pessoas perguntaram-me se eu o aceitaria de volta depois de ele deixar Los Angeles. Aos 37 anos, não havia hipótese. Houve a faceta publicitária no seu contrato de seis meses com o PSG. David, no entanto, ignorou-a. Considerava-se ainda um grande jogador. Giggs, Scholes e eu discutimos o assunto certa vez. Como já disse, David tinha um jeito especial para ignorar as más exibições. Dava-lhe uma reprimenda e ele saía dela fanfarrão, se calhar pensando: «Aquele treinador é maluco! Estive bem hoje.» Em LA, deve ter pensado que Hollywood seria o seu próximo passo na vida. Havia um propósito e um projeto na sua ida para Los Angeles, penso eu. Fora isso, há que admirar a sua tenacidade. Espantou-me e espantou toda a gente no Manchester United. Seja o que for que persegue na vida, teima em consegui-lo. 19 Major League Soccer (MLS) é a liga de futebol profissional que aglomera os principais clubes dos Estados Unidos e do Canadá. (N. do T.) 20 Kieran Richardson é atualmente jogador do Fulham, e passou pelo Manchester United entre 2002 e 2007. Até esta revelação de Sir Alex Ferguson, o seu dote para a pintura era desconhecido na GrãBretanha. (N. do T.)


6 RIO Asuspensão de seis meses aplicada a Rio Ferdinand foi um choque que fez estremecer a alma do Manchester United e até hoje sinto-me indignado com ela. O meu problema não se prende com os testes de doping, mas com a forma como Rio foi chamado a uma operação de rotina no nosso campo de treinos, nesse dia. No dia 23 de setembro de 2003, uma equipa de testes antidopagem da UK Sport21 deslocou-se a Carrington para recolher amostras de quatro dos nossos jogadores, cujos nomes foram sorteados. O que começou por ser um dia rotineiro de treinos acabou por ter consequências terríveis para Rio, a sua família, o Manchester United e a seleção inglesa. Rio, um dos sorteados, abandonou Carrington sem deixar a amostra e, quando conseguimos contactá-lo, já os membros da equipa da UK Sport tinham saído. Fez o teste no dia seguinte, 24 de setembro, mas avisaram-no de que tinha quebrado a regra da «estrita responsabilidade» e que seria castigado por isso. Rio foi suspenso de 20 de janeiro a 2 de setembro de 2004 e multado em 50 000 libras. Além de todos os jogos que falhou com o Manchester United, também ficou fora da convocatória inglesa para o Campeonato da Europa de 2004, em Portugal. O seu afastamento por parte da Federação Inglesa do jogo frente à Turquia, em outubro de 2003 quase provocou uma greve dos jogadores ingleses. Nessa fatídica manhã de setembro, os elementos da equipa de testes estavam a tomar uma chávena de chá e, na minha opinião, não cumpriram devidamente o seu trabalho. Não foram à procura de Rio. Na minha maneira de ver as coisas, quem recolhe as amostras deve ir ao campo de treinos, esperar que os jogadores acabem a sessão e segui-los até ao balneário. Por essa altura, uma equipa de testes foi ao Wrexham Football Club recolher amostras de jogadores, entre os quais o meu filho Darren.


Esperaram por eles no campo de treinos, desceram ao balneário e recolheram as amostras de urina. Porque é que em Carrington, com Rio, não aconteceu o mesmo? Ficámos a saber da sua presença no nosso centro de treinos porque Mike Stone, o médico, nos avisou. Mike tomou uma chávena de chá com eles enquanto a mensagem era transmitida aos jogadores sorteados, que já estavam nas cabinas. O recado foi entregue a Rio, disso não restam dúvidas, mas basta conhecer a sua natureza descontraída para não ficarmos surpreendido por não se ter encontrado com gente que não parecia estar visível em lado algum. Não era homem para tomar drogas. Rio Ferdinand não era pessoa para se dopar. Teríamos sabido com antecedência. Vê-se nos olhos. E nunca faltou a uma sessão de treino. Jogadores que usam drogas estão por toda a parte. São inconsistentes. Rio nunca o faria porque o seu sentido de responsabilidade para com quem pratica desporto é muito grande. Rio é um tipo inteligente, só que descontraído. Cometeu um erro, mas a equipa de testes também. E não tomou medidas para impedir a crise que se seguiu. Deviam ter estado à sua espera, no campo de treinos, e conduzido Rio ao teste. Sabia que muitos atropelos já tinham sido feitos às regras da antidopagem, mas custava-me a acreditar que Rio fosse submetido a tão brutal castigo. A minha tendência é a de tratar os jogadores como meus filhos, e não acreditar em qualquer acusação que lhes seja imputada vinda de fora da família. Maurice Watkins, o nosso advogado, estava confiante que ganharíamos o caso com base no facto de os responsáveis pelo teste não terem conduzido Rio pessoalmente para o local da recolha da amostra. Penso que o Manchester United foi utilizado como exemplo. Eric Cantona foi o primeiro grande caso, em 1995, ao ser condenado a duas semanas de prisão e suspenso por nove meses pelo seu golpe de kung-fu a um espectador (a sua


sentença de prisão foi depois comutada em 120 horas de serviço comunitário). Em 2008, foi a vez de Patrice Evra ser castigado pela Federação Inglesa por causa de um confronto com um delegado ao jogo, em Stamford Bridge. Patrice apanhou quatro jogos de suspensão pela escaramuça, que ocorreu depois de toda a gente já ter saído. As pessoas assumem que o Manchester United tem direito a tratamento especial. O inverso é que é muitas vezes verdadeiro. No fim de uma longa batalha judicial, Rio foi finalmente ouvido pela Comissão Disciplinar da Federação, no Estádio Reebok, de Bolton, em dezembro de 2003, durante 18 horas e 86 dias depois de ter faltado ao teste. Estive entre as testemunhas abonatórias de Rio, mas os três juízes consideraram-no culpado de conduta imprópria. Maurice Watkins classificou a sentença de «selvagem e sem precedentes» e David Gill afirmou que Rio estava a ser transformado num «bode expiatório». Gordon Taylor, da Associação dos Profissionais de Futebol, adjetivou-a de «draconiana». Telefonei de imediato para a mãe de Rio, que estava destroçada. Nós sentíamo-nos devastados pela perda de um jogador tão importante, mas é a mãe que carrega com o peso de tal castigo. Janice chorava do outro lado da linha e eu disse-lhe que a alta opinião que tínhamos de Rio não seria afetada pelos acontecimentos desses quatro meses. Sabíamos que estava inocente, que havia sido apenas descuidado e sabíamos que fora punido com excessiva severidade. Avançámos com um recurso, mas tínhamos a noção de que de pouco serviria. Custava-me a entender que falhar um teste antidopagem fosse tido em conta da mesma forma que um outro que desse positivo. Sentíamos que o jogador dizia a verdade, mas o sistema assumia que não. E também não gostámos de perceber que a informação tinha sido soprada para a imprensa pela própria Federação Inglesa. Para nós, o princípio da confidencialidade havia sido quebrado.


Disse na audição de Bolton que Rio estaria na minha equipa desse fimde-semana para jogar contra os Spurs, independentemente daquilo que se viesse a passar depois. Jogou ao lado do Mikaël Silvestre na vitória por 2-1 em White Hart Lane. No seu último jogo nos próximos oito meses, Rio começou como titular na nossa derrota por 0-1 no campo do Wolves, no dia 17 de janeiro de 2004, mas saiu lesionado aos 50 minutos. Wes Brown tomou o seu lugar. Kenny Miller marcou o único golo do jogo. Senti-me abatido por ficar sem ele durante tanto tempo. A nossa relação começou, de certa forma, muito antes de ter feito dele a mais cara contratação do futebol inglês. Era muito amigo de Mel Machin, que me ligou de Bournemouth, em 1997, para me avisar de que tinha um rapaz emprestado pelo West Ham. «Compra-o», aconselhou-me Mel. «Como se chama?» «Rio Ferdinand.» Conhecia o nome das seleções jovens de Inglaterra. Mel foi insistente. Era, como é lógico, próximo de Harry Redknapp, treinador do West Ham, onde Rio se havia formado, por isso tinha a certeza de que o seu juízo era baseado em informação sólida. Aflorei o assunto deste jovem emprestado ao Bournemouth com Martin Edwards. Mandámos observá-lo e tomámos nota das suas características: elegante, equilibrado, primeiro toque na bola como um avançado-centro. Depois, verificámos as suas origens. Martin contactou o presidente do West Ham, Terry Brown, que disse: «Queremos um milhão mais o David Beckham.» Isto é: não estava à venda. Nessa altura, Jaap Stam e Ronny Johnsen faziam dupla no centro da nossa defesa e Wes Brown emergia como um central de futuro. Entretanto, Rio foi transferido para o Leeds por 18 milhões de libras. No primeiro jogo pelos nossos rivais do Yorkshire, jogou num sistema de três defesas contra o Leicester e foi aniquilado. Ao ver esse jogo, senti uma pontada de alívio, da qual hoje me rio. Graças a Deus que não o comprámos. Andava perdido por todo o lado, mas escusado será dizer que a sua evolução foi excelente.


Defesas-centrais foram os pilares das minhas equipas do Manchester United. Sempre defesas-centrais. Procurava estabilidade e consistência. Vejam os casos de Steve Bruce e de Gary Pallister: até os encontrar vivíamos com o credo na boca. Paul McGrath estava constantemente lesionado; Kevin Moran andava sempre com a cabeça partida. Quando me tornei seu treinador, parecia um pugilista que fora atingido por um golpe. Fui observar um jogo à Noruega no qual Ron Yeats esteve presente como chefe de prospeção do Liverpool. «Vi um teu antigo jogador em Blackburn, a semana passada, Kevin Moran», disse Ron enquanto tomávamos uma bebida. Perguntei: «E como se portou?» Resposta: «Durou cerca de quinze minutos. Teve de sair com a cabeça partida.» «O habitual», comentei. Graeme Hogg não conseguiu atingir o patamar que desejávamos. Por isso, repetia ao meu presidente: «Precisamos de defesas-centrais que joguem todas as semanas. Dão-nos estabilidade, consistência e continuidade.» Isso levou-nos até ao Bruce e ao Pallister, que jogavam sempre e nunca pareciam lesionar-se. Lembro-me de uma sexta-feira que antecedeu um jogo em Liverpool, o Bruce coxeava por todo o Cliff, agarrado ao tendão e dizendo: «Não escolha a equipa ainda.» Tinha-se aleijado no fim-de-semana anterior. Queria escolhê-la na sexta-feira de forma a trabalhar processos táticos e por aí fora. «Que andas aí a preparar?», perguntei. «Vou estar bem», disse Steve. «Não sejas estúpido», admoestei-o. Então começou a correr à volta do campo. Deu duas voltas. «Estou bem», concluiu. Ia apenas defrontar o Ian Rush e o John Aldridge, do Liverpool,


mas não conseguia deixar de esfregar o tendão. Bruce jogou mesmo esse jogo. Ele e Pally foram fantásticos. Stam trouxe-nos a mesma dureza e confiança. Vejam, também, a dupla formada por Ferdinand e Vidić. Brilhante, sólida, não dão lances por perdidos. Reparem nas equipas do Manchester United durante toda essa era e verão que os centrais eram sempre algo de especial. Por isso, a compra de Ferdinand, em julho de 2002, confirmou a minha política sagrada de fortalecer o centro. Pagámos muito, mas quando se gasta esse tipo de verbas num central que ainda tem mais 10 ou 12 anos pela frente começa a parecer-nos barato. Pode deitar-se fora muito dinheiro em jogadores que não são suficientemente bons. É melhor investi-lo num só, de indiscutível classe. Pagámos 3,7 milhões de libras por Roy Keane, transferência recorde naquele tempo, mas ganhámos 12 anos de Roy. Durante o meu período no United, vendi muitos jogadores de que já ninguém se recorda: jovens, reservas, etc. Durante uma viagem pelo Oeste da Escócia, no final da minha última época, percebi que tinha gasto menos de cinco milhões de libras por época no United. Mal Rio chegou, disse-lhe: «És demasiado descontraído.» Ele respondeu: «Não posso evitá-lo.» «Vais ter de remediar isso. Porque te vai custar golos e porque eu vou andar sempre em cima de ti.» E era descontraído. Às vezes, corria como se tivesse metido a segunda ou a terceira e depois arrancava como um carro desportivo. Nunca vi um tipo com 1,88 metros ter uma tão impressionante mudança de velocidade. Com o tempo, a sua concentração melhorou e as expectativas que depositava em si próprio subiram, tal como o grau de responsabilidade que aceitou tanto na equipa como no clube. Tornou-se um futebolista completo.


Quando se compra um jovem jogador, não se leva para casa o pacote inteiro logo nesse dia. Há trabalho para fazer. Se Rio decidia desligar a ficha num jogo, era sempre contra uma equipa mais pequena, que não considerava uma ameaça. Quanto mais complicados os jogos, mais ele gostava. Com o início das lesões de Gary Neville e com o Vidić e o Evra a habituarem-se à casa, Rio e Edwin van der Sar transformaram-se no fulcro defensivo da equipa na segunda metade dessa década. Uma vez, coloquei Rio no meio-campo, em 2006, contra o Blackburn Rovers, e ele foi expulso. Robbie Savage foi a vítima da entrada dura que o mandou para as cabinas mais cedo. Isto pode ser surpreendente para alguns, mas Pallister era um jogador tão bom como Rio. Curiosamente, também era rápido, mas não gostava de correr. Pally era contra o trabalho, e afirmo isto afetuosamente. Costumava dizer que quanto menos tivesse para fazer melhor se sentia. Nos treinos, era o pior do mundo. Eu andava sempre em cima dele. Ao fim de 15 minutos, cambaleava para fora da nossa grande área arfando, depois de um ataque adversário. Virava-me para o Brian Kidd e dizia: «Está morto.» Confesso que costumava chamar-lhe nomes. Tendo ido buscá-lo a casa para irmos a um jantar do clube, entrei na sala e deparou-se-me uma enorme garrafa de coca-cola sobre uma mesa, bem como um enorme saco de doces: Crunchies, Rolos, Mars. Perguntei à sua mulher, Mary: «Que é isto?» «Não sei quantas vezes o avisei, chefe, mas ele não me ouve», disse ela. Então escutámos passos nas escadas, Pally surgiu e viu-me a observar a sua vasta coleção de guloseimas para crianças. «Mary!», gritou ele para a mulher. «Porque raio compraste isto tudo?» Disparei sobre ele: «Seu grande preguiçoso, seu isso, seu aquilo! Vou multar-te por isto.» Gary, não sendo nenhum Adónis, era um bom jogador, sério, de personalidade calma. Uma joia de moço. Tal como Rio, era capaz de passar


a bola em condições e era veloz quando queria. Na sua última época connosco, sofreu um golpe no sobrolho e gritava, queixando-se de que era a primeira vez que se cortava na vida. Nem parecia ele. Pally achava que ele era o Cary Grant. Nunca procurei de forma consciente um defesa-central que soubesse sair com a bola controlada ou fazer um passe incisivo, como o Franz Beckenbauer. Calma e capacidade para ler o jogo, eis algo fundamental para o topo do futebol mundial. Rio tinha ambas, e foi por isso que o fui buscar. Não sabia apenas defender, como saía com a bola. Por isso, se a minha preocupação era o processo defensivo, sentia-me satisfeito por perceber que o meu novo defesa-central era capaz de começar a construir jogo desde trás, o que se tornou vulgar depois, sobretudo com o Barcelona e outros. Em determinadas fases da carreira de Rio, há que dizer que a sua vida se expandiu em mais direções do que aquelas que nós gostaríamos. Disse-lhe que estava farto de ler notícias sobre a sua presença em jantares e eventos. «Sabes uma coisa sobre futebol? Ele armadilha-te. O que se passa dentro do campo diz tudo a todos sobre ti», avisei-o. Quando o declínio chega, avança depressa. Num clube pequeno, dá para disfarçar, mas, em Manchester, temos 76 000 pares de olhos postos em nós e não conseguimos enganá-los. Disse a Rio que, se essas distrações prejudicassem a qualidade do seu futebol, não iria ficar muito mais tempo connosco porque deixaria de convocá-lo. Contudo, ele respondeu bem aos alertas. Acertámos um sistema no qual o seu empresário era obrigado a dizer-nos onde ele estava a toda a hora, e isso deu-nos maior controlo. Uma companhia musical, um filme, uma produção televisiva e uma revista levaram-no aos Estados Unidos para entrevistar P Diddy. «Poupa-me, Rio!», exclamei quando o ouvi dizer que ia encontrarse com a estrela americana da cena rap. «Ele vai fazer de ti um defesacentral melhor?»


Rio não era o único a explorar novos campos de ação. Esta é a realidade do novo estatuto de estrela dos jogadores de futebol de hoje. Alguns procuram expandi-lo. Beckham foi um, Rio foi outro. O sucesso de David nessa matéria foi milagroso. Nem tudo o que Rio fazia fora do futebol se prendia com a sua celebridade. O seu trabalho em África em prol da UNICEF foi impressionante. Não se pode negar o impacto que a figura de Rio Ferdinand provocava na vida de um miúdo negro em África. A nossa mensagem era simplesmente a de fazê-lo perceber a necessidade de equilibrar a fama com aquilo que o fez célebre. Alguns não o fazem. Outros não conseguem. Também ficámos sempre com a ideia de que Rio preparava a sua vida para depois do futebol, o que era razoável. Fiz o mesmo ao tirar os meus cursos de treinador. Demoraram quatro anos. Por isso preparei-me para a segunda parte da minha vida, quando deixasse de jogar, mas sem ir ao encontro de P Diddy. Há um momento em que todos os jogadores se perguntam o que irão fazer, porque parar provoca um enorme vazio. Num dia estão a jogar finais europeias, finais da Taça de Inglaterra, a ganhar campeonatos, e de repente tudo se desfaz em nada. Como lidar com isso é um desafio que qualquer jogador enfrenta. A fama não nos dá imunidade contra a queda emocional. A segunda fase não é tão emotiva; como recriála? Como substituir a excitação de estar na cabina sentado 10 minutos antes do pontapé de saída de um jogo que decidirá o vencedor da Liga? Na minha fase final, Rio sofria com problemas lombares. O golo que sofremos contra o City, marcado por Craig Bellamy, no dérbi de Manchester de 2009, foi um exemplo demonstrativo de que estava a jogar diminuído. Dois anos antes, teria roubado a bola a Bellamy e deixava-o fora do lance. Outro foi o golo de Torres, em Liverpool, quando o bateu em velocidade e o derrotou no um-para-um em plena área, frente ao Kop. Fizemos com ele a análise dos vídeos. Rio adiantou-se para deixar Torres fora de jogo e, ao contrário de antigamente, não reparou o erro, desarmando-o. Agora lutara para voltar atrás e lidar com a ameaça, mas Torres varrera-o do caminho e disparara para o golo. Ninguém fazia uma


coisa dessas com Rio. A lesão nas costas não lhe provocava apenas dores, mas afetava-lhe negativamente o equilíbrio. Rio deslizava. Nunca precisava de se esforçar para correr. Após uma longa ausência que o fez perder a maior parte do inverno, regressou aos treinos com brilho, e excedeu-se na segunda mão da meia-final da Taça contra o City, em Old Trafford, depois de uma paragem de quase três meses. Na fase madura da sua carreira, precisei de lhe explicar a forma como deveria alterar o seu jogo de modo a diminuir o peso da idade e daquilo que ele nos provoca. Os anos não perdoam. Disse-lhe, em público e em privado, que deveria recuar um passo ou dois no campo para ganhar mais hipóteses no momento de enfrentar os avançados. Cinco anos antes seria como mudar as fraldas a um bebé. Com a sua mudança de velocidade roubaria a bola ao seu opositor no exato momento em que este já se convencera de que ia marcar golo. Agora, já não podia fazer isso. Precisava de entrar em cena antes de o crime ser cometido. Aceitou a minha análise. Não estava a diminui-lo. Expliquei-lhe apenas as mudanças sofridas pelo seu corpo. E fez uma grande época em 2011-12, apenas manchada individualmente pela sua não convocatória, pela Inglaterra, para o Euro 2012. Quando Roy Hodgson me pediu opinião sobre se Rio poderia ou não jogar ao lado de John Terry, respondi: «Pergunta-lhe. Pergunta-lhe como é a relação entre os dois.» Porque, sinceramente, não sabia. Outro incidente menor envolvendo Rio deu-se em 2012-13 quando se recusou a usar uma T-shirt da campanha Kick It Out 22, pensando eu que todos tínhamos concordado subir com elas para os aquecimentos. Foi falta de comunicação. No momento em que decidiu boicotar a campanha, Rio deveria ter vindo falar comigo, porque sabia que estava decidido usarmos as T-shirts. Sabia que havia um problema qualquer entre ele, o irmão Anton e John Terry, mas não pensei que tivesse estes contornos. Terry foi


naturalmente punido pela Federação por ter utilizado termos racistas contra Anton num jogo entre o QPR e o Chelsea, em Loftus Road. Estava no meu gabinete quando Mark Halsey veio ter comigo, anunciando que Rio não iria usar a camisola Kick It Out. Fui à procura de Albert, o nosso roupeiro, e disse-lhe que instruísse Rio para que vestisse a T-shirt. Foi-me transmitido em resposta que Rio não o faria. Quando o confrontei, nada disse, mas, a seguir ao jogo, explicou-me que achava que a Associação dos Profissionais de Futebol não fazia o suficiente para combater o racismo. A minha posição era a de que ele, ao não usar a Tshirt, não estava a apoiar a causa contra o racismo. Se tinha alguma questão mal resolvida com a associação, deveria entrar em contacto com eles. Não vestir a camisola, parecia divisionista. Sobre o racismo, devo dizer apenas que não consigo, de modo algum, compreender como é que alguém pode odiar outro só pela cor da sua pele. 21 A UK Sport é a organização governamental para o desenvolvimento do desporto no Reino Unido. N. do T.) 22 Kick It Out está estabelecida como campanha desde 1993 e como organização desde 1997 sob o lema Let‘s kick racism out of football – vamos banir o racismo do futebol. (N. do T.)

7 TEMPOS DIFÍCEIS Sopravam ventos de mudança, mas ela ainda não chegara. Entre o verão de 2003 e maio de 2006, vivi uns dos meus momentos menos encantadores. Ganhámos a Taça de Inglaterra, em 2004, e a Taça da Liga, dois anos depois, mas os títulos de campeão foram para o Arsenal e para o Chelsea.


Antes de Cristiano Ronaldo e Wayne Rooney se tornarem na alma da nossa vitória na Liga dos Campeões de 2008, atravessámos um deserto rochoso, enquanto tentávamos implantar novos jogadores, tendo muitos deles falhado o impacto esperado. David Beckham saiu para o Real Madrid e Verón estava a caminho do Chelsea. Barthez foi substituído por Tim Howard na baliza e Kléberson, Eric Djemba-Djemba e David Bellion eram algumas das caras novas. Ronaldinho também poderia ter vindo, se não tivesse aceitado e depois recusado a nossa proposta. Não podemos fugir à realidade desses anos. Baixámos de qualidade ao contratar jogadores sem provas dadas – que estávamos convencidos de que iriam atingir os nossos níveis de imediato. Kléberson, por exemplo, foi campeão do mundo pelo Brasil e tinha apenas 24 anos. Verón era um jogador feito, de reputação mundial. Djemba-Djemba jogara em bom registo em França. Eram aquisições fáceis e óbvias, o que me preocupava. Não gosto de aquisições fáceis. Gosto de lutar por um jogador de forma a que essa batalha prove que estamos a adquirir algo de valioso. Gosto que o clube que vende se desespere por manter o jogador, mas aqueles que comprámos foram muito fáceis de obter. Fiquei com a sensação de que estávamos a contratar todos os guardaredes do país. Mark Bosnich foi um bom exemplo. A sua compra foi apressada pelo anúncio feito por Schmeichel, no outono da sua última época de contrato, de que se iria retirar, o que nos apanhou desprevenidos. Tomámos decisões apressadas. Encontrámo-nos com Bosnich em janeiro, embora nos tivessem chegado relatórios preocupantes sobre o seu comportamento fora de campo. Mandei alguém observá-lo nos treinos. Não fazia nada de especial que me convencesse de que era o homem certo para o Manchester United. Então mudei de alvo e apontei para o Edwin van der Sar, falei com o seu empresário e depois com o Martin Edwards, que me disse: «Alex, desculpa, já acertámos com o Bosnich.»


Foi um balde de água fria. Martin e Mark tinham chegado a acordo e eu respeitava isso, mas era um mau negócio. Bosnich era problemático. Os seus níveis de treino e de forma física estavam abaixo das nossas necessidades. Procurámos puxar por ele e acho que fizemos um bom trabalho. Esteve em grande na nossa vitória sobre o Palmeiras, na Taça Intercontinental, na qual deveria ter sido considerado o homem do jogo em vez de Giggs. Pouco tempo depois, em fevereiro, jogámos em Wimbledon e eis que Bosnich atacava toda a comida que via: sanduíches, sopas, bifes. Devorava tudo como um cavalo. Espantei-me: «Por amor ao Cristo, Mark! Tens o peso certo, porque comes assim?» «Estou esfomeado, patrão», respondeu. Regressámos a Manchester e apanhei o Mark ao telemóvel encomendando um take-away num restaurante chinês. «Não tens fundo?», apertei com ele. «Pensa bem no que estás a fazer.» Não serviu de nada. Não se recupera facilmente da perda de um Peter Schmeichel. Era o melhor guarda-redes do mundo e, de repente, a sua presença e a sua personalidade já não estavam lá. Devíamos tê-lo substituído pelo Van der Sar. O empresário dele avisou-me: «Têm de andar depressa porque há contactos com a Juventus.» Mas perdemos o comboio. Tive de lhe dizer que já tínhamos contratado outro jogador e que retirávamos o nosso interesse. Contudo, devia tê-lo comprado igualmente. Rapidamente teríamos percebido tudo sobre Bosnich e Edwin teria jogado desde o fim da era Schmeichel até quase ao final dos meus dias no cargo. Não teria sido preciso gastar dinheiro no Massimo Taibi ou no Barthez, que era um bom guarda-redes, mas tinha problemas em França. Mais tarde percebemos que as qualidades de Van der Sar estavam ao nível das de Schmeichel. Em matéria de talento, a diferença era pouca.


Schmeichel fazia defesas impossíveis. Havia momentos de pura estupefação: «Jesus! Como fez ele aquilo?», perguntava eu. Tinha tanta elasticidade, era tão atlético! Em Van der Sar destaco a sua compostura, a sua calma, o seu controlo da bola, a sua capacidade organizativa. Era um estilo diferente de guarda-redes, mas também inestimável, o que influenciava positivamente as pessoas em seu redor. Schmeichel tinha, por seu lado, uma relação de amor/ódio com Steve Bruce e Gary Pallister. Saía em direção a eles gesticulando e gritando, e Bruce dizia-lhe: «Volta para a tua baliza, meu grande pudim alemão!» Schmeichel detestava isso. «Não sou alemão», murmurava. Eram, apesar disso, grandes amigos fora de campo, mas dentro dele, Schmeichel era volátil. No balneário, Van der Sar era muito enfático com as suas exibições. Tinha uma voz forte, voz de holandês. «Não quero confusões», rosnava. Schmeichel impunha a sua voz à equipa. Tive a sorte de contar com os dois melhores guarda-redes dessas três décadas, mas devo uma menção honrosa a Peter Shilton e Gianluigi Buffon. Para mim, no entanto, Schmeichel e Van der Sar foram os melhores de 1990 a 2010. Ser guarda-redes envolve mais do que apenas jeito para a posição. Tem muito a ver com a personalidade que acrescentam à função. Não se limitam a terem de lidar com a questão de fazerem defesas, precisam igualmente de conviver com o facto de cometerem erros. No Manchester United, é preciso ser dono de uma grande personalidade para suportar o dia seguinte a um erro crasso. Fui ver Schmeichel mais do que uma dúzia de vezes. Alan Hodgkinson, o treinador de guarda-redes, disse-me: «Ele é uma certeza. Vai buscá-lo.» A princípio fui ambivalente em relação à ideia de trazer guarda-redes estrangeiros para o futebol inglês. Um dos primeiros jogos de Schmeichel no United foi contra o Wimbledon. O Crazy Gang 23 caiu sobre ele, lançando bombas sobre a sua cabeça e atacando-o com os ombros.


Schmeichel ia enlouquecendo, sempre aos gritos com os fiscais de linha, pedindo ajuda: «Árbitro! Árbitro!» Eu via este filme desenrolar-se à minha frente e pensava: «Ele não tem hipóteses.» O árbitro não conseguia entrar e sair da zona de conflito com rapidez suficiente para ver o que quer que fosse. Noutro dos seus primeiros jogos, Peter saiu a uma bola junto ao primeiro poste e chegou atrasado para aí dois dias. Lee Chapman tocou-a para a baliza. Por isso foi cometendo erros à medida que se adaptava ao nosso futebol e as pessoas interrogavamse: «Que é isto?» Mas ele tinha uma presença física incrível, cobria a baliza e era corajoso. A maneira como distribuía jogo era maravilhosa. E todas essas qualidades vieram em seu auxílio nesses dias complicados. Van der Sar foi testemunha de muitas alterações na nossa defesa, enquanto Schmeichel jogou atrás dos mesmos jogadores quase todas as semanas – Parker, Bruce, Pallister, Irwin, disputaram praticamente todas as partidas. Van der Sar teve de adaptar-se a novos defesas-centrais e laterais. Houve entradas e saídas. E, por isso, há que dar-lhe o crédito de ter sabido organizar essa parte da equipa tão bem. Era o tempo em que Peter Kenyon era o responsável pelas nossas transferências. Patrick Vieira, do Arsenal, era um jogador do qual gostávamos muito. Pedi a Peter que se informasse sobre ele junto do Arsenal. Disse-me que já o tinha feito. No dia seguinte, falei com o David Dein e ele olhou para mim como se visse chifres na minha cabeça. Não fazia ideia do que eu estava a falar. Um deles procurava esconder as cartas e até hoje não sei qual foi. De tempos a tempos, recebia chamadas de empresários dizendo: «O meu jogador adorava poder ir para o Manchester United!» Nunca duvidei disso, mas também tenho a certeza de que adorariam estar no Arsenal, no Real Madrid, no Bayern de Munique e em todos esses clubes de elite. É evidente que os jogadores gostam de chegar às grandes equipas. E os empresários


também ganham mais com isso. Foi nessa fase do mercado que fixámos a nossa atenção no Verón. Verón era um jogador soberbo, com imensa energia. A sua inteligência em jogo e a sua dinâmica eram de primeira água. O problema? Não conseguirmos encontrar uma posição onde encaixá-lo. Se o colocássemos como médio-centro, acabava como avançado-centro, ou extremo-direito, ou extremo-esquerdo. Era um perseguidor da bola. Era extremamente difícil fazê-lo caber num meio-campo com Scholes e Keane. Embora tivesse feito jogos excelentes por nós, nunca conseguíamos que a equipa tomasse forma. Não víamos a estabilidade posicional que procurávamos. Beckham tinha saído, Giggs envelhecia, tal como Roy e Paul, e andávamos em busca daquela frescura que nos desse um ímpeto evolutivo. Apesar de nos ter oferecido algumas contribuições espetaculares, Verón pura e simplesmente não podia alinhar na nossa equipa. Era um individualista. Era o tipo de jogador que, se fizéssemos um treino entre os coletes amarelos e os vermelhos, jogaria pelos dois. Andava por onde queria. Não saberia onde pô-lo a jogar nem que fosse seu treinador durante cem anos. Era o jóquer. Não sei quem me disse certa vez: «Já pensaste em fazê-lo atuar numa posição fixa, em frente dos centrais?» Respondi: «Estás a sonhar? Nunca consegui fixá-lo em posição nenhuma, porque iria ele fixar-se nessa?» Aparentemente, na Lazio jogou aí e foi magnífico, mas era um pássaro livre, voando por toda a parte. Havia momentos em que te fazia tocar o céu. Num jogo de pré-época, fintou dois adversários sobre a linha de fundo e tocou a bola para o Van Nistelrooy marcar. Noutro, isolou Beckham com um passe de trivela que sobrevoou toda a defesa adversária e este fez um chapéu ao guarda-redes. Tinha pormenores sublimes. Em matéria de talento puro não se podia apontar-lhe o que quer que fosse. Tinha dois pés excelentes, era rápido, tinha um domínio de bola extraordinário, e uma visão de jogo fantástica – mas não se encaixava na equipa. O estilo do futebol inglês não foi um obstáculo para ele. Era valente. Nunca lhe faltou coragem.


Também se falou do seu mau relacionamento com os outros jogadores, mas não me parece que tenha sido isso, até porque ele não falava com ninguém. Estava sempre sozinho no balneário. Não dominava o inglês. Sem ser antissocial, só não era comunicador. Eu chegava ao trabalho e dizia: «Bom dia, Seba.» «Bom dia, mister». E era só. Não se tirava mais nada dele. Lembro-me de uma zanga entre ele e o Roy Keane, depois de uma eliminatória europeia. Foi feia. Mas não, não criava mau ambiente. Tentámos alterar a forma como jogávamos na Europa. Dois anos depois da vitória na Taça dos Campeões de 1999, fomos jogar à Bélgica com o Anderlecht e a Eindhoven com o PSV e perdemos ambas as partidas, com os adversários a jogarem apenas no contra-ataque. Usámos o tradicional sistema do United, 4-4-2, e fomos batidos. Disse aos jogadores que, se não melhorássemos o controlo da bola e não fôssemos mais sólidos no meiocampo, voltaríamos a ser derrotados daquela forma porque os adversários já nos conheciam perfeitamente. Então passámos a jogar com três homens no meio e Verón fazia parte dessa evolução. À medida que fui promovendo mudanças táticas, algo que fiz frequentemente ao longo dessa década, fui descobrindo muitos jogadores admiráveis. Esforcei-me bastante para adquirir o Paolo Di Canio, por exemplo. O negócio chegou a estar feito. Fizemos-lhe uma proposta que ele aceitou, mas depois voltou atrás e pediu mais dinheiro. Não concordámos com a exigência. No entanto, era o tipo de futebolista que fazia falta ao Manchester United: um indivíduo que mantinha traseiros colados às cadeiras, mas também os fazia levantarem-se. Sempre gostei de jogadores assim enquanto lá estive. Depois houve Ronaldinho, outro que fugiu do anzol. Fiz um acordo para trazê-lo para Old Trafford. Carlos estava lá e pode testemunhá-lo. A tentativa de contratar Ronaldinho prendia-se com o facto de, no United, sempre termos gostado de jogadores-talismãs. Andei sempre à caça de


praticantes desse tipo. A minha linha de raciocínio era: «Vamos receber 25 milhões de libras pelo Beckham e comprar o Ronaldinho por 19 milhões? Por amor de Deus, acordem! Que negócio!» Quando regressávamos da nossa viagem à América, parámos para reabastecer num pequeno aeródromo em Newfoundland. O lugar resumia-se a uma pequena cabana. Enquanto esperávamos pelo reabastecimento, uma das hospedeiras abriu uma porta do avião para deixar entrar ar fresco e vimos um rapazinho junto a uma cerca com uma bandeira do United na mão. Não fomos autorizados a desembarcar. Podíamos estar nas escadas, mas não pisar a pista, pelo que apenas conseguimos acenar para este pequeno adepto do United, encostado a uma cerca, no meio do nada. De volta à Europa, com uma paragem em Portugal, vendemos o Verón, que tinha dito a Quinton Fortune que iria para o Chelsea. Não o deixaria sair por menos de 15 milhões de libras. O Chelsea ofereceu nove milhões. Fiz finca-pé: «Nem pensar, não sai por nove milhões!» Mas, em Portugal, Peter Kenyon disse-me: «Fiz o acordo – 15 milhões.» Depois veio o jogo contra o Sporting e Ronaldo contra O‘Shea. Ainda consigo ouvir-me gritar para o John: «Fica junto dele, Sheasy!» «Não consigo», queixou-se ele. Um mês mais tarde, David Gill telefonou para me informar: «E esta? Kenyon vai sair para o Chelsea». David tomou conta do cargo e isso foi fantástico – uma grande melhoria. Eu era de opinião de que Peter Kenyon concentrava demasiado as coisas e era incapaz de cumprir algumas das tarefas mais importantes. A grande virtude que um diretor executivo deve ter é a de ser capaz de completar as suas missões. Quando David Gill assumiu o lugar, suspeitei de que estava pouco convicto da sua função. Ele era, de profissão, um contabilista e o meu conselho foi: «Não faças como o Peter Kenyon. Delega.» Não tenho dúvidas de que foi o melhor administrador ou diretor executivo com quem


trabalhei. Primeira classe. Fiável como um fuso. Atencioso. Mantinha os pés no chão e sabia o que estava em jogo. E sabia o que fazia. Martin Edwards também tinha um bom conhecimento do futebol, mas com David nunca havia complicações. Podia ter de dizer algo de que não gostássemos, mas não fugia a fazê-lo. E assim é que era preciso. Embora Martin me tivesse apoiado nos momentos mais complicados, sempre fui pago abaixo do meu valor até David tomar conta do cargo. Nada compensa mais do que vermos o nosso trabalho reconhecido. Dizerem-nos que estamos a fazer um bom trabalho é bom até certo ponto, mas tem de haver uma recompensa financeira. Lidar com mudanças de proprietários é extremamente difícil para os dirigentes dos clubes. Depois de surgir um novo poder, todo o cenário muda. Será que gostam de ti? Querem um novo treinador, um novo diretor executivo? A compra do clube pelos Glazer foi o período mais duro para David. A pressão da imprensa foi intensa. A questão da dívida nunca deixava de ser notícia, mas a experiência contabilística de David deu-lhe vantagem no que a isso diz respeito. A minha visão do clube é que este poderia ser o local ideal para o desenvolvimento de jovens talentos. E para atingir esse propósito precisávamos de manter a base de Giggs, Scholes e Neville. E Roy Keane. Tínhamos esqueleto suficiente para sair à procura de potencial. Van der Sar era outro jogador fundamental. Foi uma das minhas melhores contratações de sempre. A busca de um novo Bryan Robson conduziu-nos a Keane. Eric DjembaDjemba parecia-nos outro potencial centrocampista de topo. Fui a França vê-lo jogar e gostei. Percebia o jogo, iniciava bem o ataque e estava disponível por quatro milhões de euros. Também fui a esse jogo para observar o guarda-redes do Rennes: Petr Čech, que tinha 18 ou 19 anos. Achei que era demasiado jovem para nós. Às vezes perdemos um jogador, mas ganhamos outro de igual qualidade.


Ficámos sem o Paul Gascoigne, por exemplo, mas comprámos o Paul Ince. Não conseguimos convencer o Alan Shearer a juntar-se a nós, mas assinámos com o Eric Cantona. As bolas andam sempre pelo ar. Temos uma lista de alvos e quando um foge fixamo-nos noutro. O objetivo principal é o de melhorar qualquer que seja o jogador que contratemos. Cantona estava nos seus vinte e poucos, e normalmente iríamos à procura de alguém mais novo. Rooney e Ronaldo chegaram como adolescentes. Depois de 2006, redobrámos os esforços para evitar cair na perigosa armadilha de ver uma equipa envelhecer junta. Focámo-nos nisso. Com Andy Cole, Dwight Yorke e Teddy Sheringham houve tanto quebras de forma, como um problema de anos a mais. Nessas circunstâncias, a exigência sobre a rede de prospetores aumenta. Os descobridores de talentos ficam na berlinda. Passamos a vida a perguntarlhes: «Então, o que tens visto por aí?» A contratação de Kléberson surgiu depois de ele se ter destacado, pelo Brasil, no Campeonato do Mundo de 2002. Ainda jogava na sua terra quando assinámos com ele, mas foi um exemplo de risco associado a uma compra apressada. Queríamos alguém que viesse a tomar o lugar de Keane, razão por que Vieira também fez parte do cenário. Teria sido ideal. Estava habituado ao futebol inglês, era uma figura imponente, um líder. Sabemos que temos um grande jogador quando os adeptos adversários entoam cânticos contra ele, o que sempre acontecia no caso de Patrick Vieira. Sinal de que tinham medo dele. Alan Shearer foi outro. Sempre vigiado por esse tipo de cânticos. Kléberson era um jogador talentoso, mas exemplifica a minha preocupação na importância do exame do background e do caráter. Foi demasiado fácil adquiri-lo. Fiquei incomodado. Quando o rapaz chegou, descobrimos que se tinha casado com uma garota de 16 anos. Ele tinha 23 e ela trouxe a família toda. Na pré-época, treinando em Portugal, em Vale do Lobo, o pequeno-almoço, antes da sessão de trabalho, era apenas permitido


aos jogadores. Kléberson trouxe o sogro. Parecia não ter qualquer tipo de autoridade nessa área. Bom rapaz, mas faltava-lhe a confiança para aprender inglês. Nos jogos, despendia uma enorme energia e mostrava qualidades técnicas de grande valia, mas era incapaz de impor a sua personalidade. Talvez a forma como foi utilizado no Brasil não fosse aquela que nós pretendíamos para ele. Com a sua seleção, instalava-se à frente da defesa no apoio às cavalgadas vindas de trás de Cafu e de Roberto Carlos. Quando procuramos resolver os problemas à pressa, os erros acontecem. Atingimos o nosso melhor se trabalharmos com base num plano durante anos, estudando jogadores, compilando informação detalhada. Sabíamos tudo sobre Cristiano Ronaldo antes de assinarmos contrato com ele. Procurámos trazer o Rooney quando ele tinha 14 anos e voltámos a tentar aos 16. Finalmente conseguimos tê-lo aos 17. Conseguíramos estabelecer um projeto para Rooney. Era um alvo óbvio para nós. Foi a prospeção do Manchester United no seu melhor. Véron e Kléberson foram improvisos. Compras não em pânico, mas apressadas. Djemba-Djemba, outro moço incrível, viu-se esmagado pela imprensa por não ter sido uma contratação sonante. Os jornalistas sempre gostaram de nomes brilhantes e não prestam grande atenção aqueles que têm pouco prestígio. A princípio, adoravam o Verón, mas foram pouco calorosos com Kléberson e Djemba-Djemba. David Bellion era jovem e pensámos que poderíamos desenvolvê-lo. Tinha uma velocidade de relâmpago, era um rapaz encantador, cristão, mas muito tímido. Estivera no Sunderland e, contra nós, saiu do banco de suplentes. Deu cabo de tudo. Quando o seu contrato chegou ao fim, fizemos uma tentativa para o ir buscar. Tivéssemos prestado mais atenção ao seu passado e saberíamos que era inseguro. Vendemo-lo ao Nice por um milhão de euros, e foi dali para o Bordéus, o que nos valeu uma soma adicional. A contratação de Bellion não pode classificar-se como uma daquelas que tinham como objetivo lançar as bases


para uma nova equipa. Foi uma mais-valia que estava disponível por um bom preço. Os pontos de viragem neste capítulo foram as contratações de Ronaldo e de Rooney, que nos trouxeram o que precisávamos: jogadores-talismãs, capazes de resolverem um jogo, dentro da nossa tradição. Patrice Evra e Nemanja Vidić foram, em janeiro de 2006, outras aquisições excecionais. Nas notas que tomámos sobre Vidić, apontámos, em primeiro lugar, a sua coragem, a sua determinação. Era bom no tackle, despachava a bola com rapidez. Estávamos perante um típico defesa-central inglês. Vidić, que estava em Moscovo, não jogava desde o final da época em novembro. No primeiro jogo que fez por nós, contra o Blackburn, parecia que lhe saíam os pulmões pelas costas. Precisava de uma pré-época. Era essa a questão. A lateral-esquerdo, na antiga posição de Denis Irwin, tivemos o Heinze durante pouco tempo e, em seguida, o Evra, que era utilizado como ala no Mónaco, lugar em que se destacou na final da Liga dos Campeões contra o FC Porto. No que respeita a laterais, é como andar à caça de um pássaro raro. A primeira vez que vi Evra, jogava a extremo mais recuado, mas tinha velocidade e era suficientemente jovem para alinhar a lateral no nosso sistema. Sabíamos muito sobre as suas qualidades ofensivas. Era rápido, tinha uma técnica soberba e uma personalidade forte. Muito forte. Heinze era completamente diferente. Implacável, seria capaz de pontapear a avó, mas um verdadeiro vencedor, que também podia jogar a central. Em ambos os casos, fomos bem-sucedidos. Todos os adeptos do United se recordarão do total desastre que foi a estreia de Evra, no dérbi de Manchester, nas Eastlands. Era possível ouvi-lo pensar: «Que estou aqui a fazer?» Depois, assentou e evoluiu. Heinze, por seu lado, sempre teve uma faceta mercenária, que me deixava a sensação de perscrutar o horizonte a toda a hora, tentando vislumbrar o seu próximo negócio. Após um ano, quis sair. Íamos defrontar o Villarreal e estávamos


instalados num maravilhoso complexo, nos arredores de Valência, quando o seu agente veio ter comigo dizendo que ele queria mudar de ares. As coisas nunca mais voltaram a ser as mesmas. No dia seguinte, sofreu uma rotura dos ligamentos cruzados. Fizemos tudo o que pudemos por ele. Demos-lhe autorização para prosseguir a sua reabilitação em Espanha. Esteve lá seis meses e voltou para um único jogo. Demos o nosso melhor, mas no fim de dezembro quis de novo sair, quis outras condições, um novo contrato. Quando ficou definitivamente curado da lesão, fomos com o seu empresário ter com o David Gill e decidimos que seria melhor dispensá-lo. Aceitámos libertá-lo por nove milhões de libras. Foram daí direitos a Liverpool, onde disseram que o aceitavam. Foi explicado ao Gabriel, sem ambiguidades, que, por razões históricas, o Manchester United não vende jogadores diretamente ao Liverpool e viceversa. Foi então que os advogados de Heinze tentaram levantar uma questão legal, que conduziu a uma reunião em Londres, tendo a Liga decidido a nosso favor. Durante o processo, o presidente do Crystal Palace entrou em contacto com o David Gill informando-o de que um representante do Heinze tinhalhes proposto a compra do jogador para ser revendido depois ao Liverpool. Usámos esse facto como prova. A sentença veio dar-nos razão e em seguida negociámo-lo com o Real Madrid. Heinze já tinha estado em dois clubes espanhóis antes de ir para o PSG, onde fomos buscá-lo. Alan Smith foi outra aquisição desse tempo, em maio de 2004, por sete milhões de libras. O Leeds vivia dificuldades financeiras e alguém sussurrou ao David Gill que ele poderia ser comprado por cerca de cinco milhões. Sempre gostei do Alan. Era aquilo que eu apelidava de um jogador de atitude, de bom caráter. Podia jogar em várias posições: extremo-direito, centrocampista, avançado-centro. Era um jogador do género Mark Hughes: não um verdadeiro goleador, mas um jogador de equipa. Mais tarde,


vendemo-lo ao Newcastle por seis milhões de libras. Alan fez um belo trabalho para nós e realizou algumas exibições marcantes. O momento em que partiu a perna, em Liverpool, em 2006, foi dos mais horríveis a que assisti. Nunca me esquecerei de correr para ele deitado na maca – o médico do Liverpool foi inexcedível, devo dizê-lo –, enquanto o injetavam de forma a controlar os primeiros sintomas do trauma. O seu pé estava virado para todas as direções. A meu lado, Bobby Charlton arrepiava-se. E ele sobreviveu ao desastre aéreo de Munique.24 Alan, por seu lado, estava imperturbável. Parecia não ter emoções. Foi um acidente horroroso. A sua reação ensinou-me que o patamar de dor suportável por alguns homens vai muito para além do de muitos outros. Eu fico aflito só de ver agulhas. No meu tempo de gerente de pubs, em Glasgow, estava a mudar um barril, certo domingo de manhã, quando uma ratazana saltou para o meu ombro. Dei um pulo para a frente e um espigão do barril entrou-me pela bochecha. Ainda é possível ver o implante de pele. Guiei os três quilómetros até ao hospital com medo de lhe mexer. A enfermeira tirou-mo e eu desmaiei mal me espetaram a agulha. Ela disse: «Este é o grande avançado-centro do Rangers Football Club e desmaia assim...» Sentia-me como se estivesse a morrer. Alan ficou a contas com uma das piores lesões que jamais vi e não demonstrava qualquer perturbação. Ele era assim: um rapaz extremamente corajoso. E também era um bom e honesto profissional. Só lhe faltava aquela excecional qualidade que é exigida nos grandes clubes. Quando o Newcastle nos fez uma proposta por ele, tivemos de o deixar sair. Na fase final, utilizámo-lo como médio defensivo. Era agressivo, mas incapaz de ler o jogo como um autêntico jogador de contenção. Arriscava no tackle, estivesse a bola onde estivesse. No seu tempo de avançadocentro, os defesas ficavam sempre ocupados com ele. Contudo, o trabalho de substituir Roy exigia-nos a descoberta de um jogador que ocupasse áreas importantes do campo, tal como Owen Hargreaves fez durante certo período. Alan, embora não sendo esse tipo de futebolista, era sério e


gostava de estar no United. Demorei a explicar-lhe que não podia garantirlhe que jogasse. A equipa tinha de evoluir. Louis Saha foi outra contratação sonante, vindo do Fulham em janeiro de 2004, mas lesões persistentes prejudicaram-no a ele e a nós. Fomos vê-lo algumas vezes a Metz, mas os relatórios não nos davam qualquer indicação de que pudesse ser um alvo dos grandes clubes. Assinou pelo Fulham e de cada vez que nos defrontava era uma carga de trabalhos. Numa eliminatória da Taça de Inglaterra, em Craven Cottage, fintou o Wes Brown na linha de meio-campo, voou para a nossa baliza, tocou para trás e foi golo do Fulham. A partir daí, não tirámos os olhos dele e em janeiro avançámos para a sua contratação. Negociar com Mohamed Al Fayed, o dono do Fulham, não era fácil. Respondeu-nos que tinha um número em mente e disse-nos: «Isto é o melhor que podem conseguir.» Era uma posição intermédia: 12 milhões de libras. De todos os avançados-centros que contratámos, se falarmos em talento (dois bons pés, fortes no jogo aéreo, elevação, velocidade, força), Saha foi dos melhores. Era uma ameaça perpétua. Mas depois vieram as lesões. Louis, que vivia a 50 metros de distância de mim e era um ótimo rapaz, precisava de estar a 150 por cento para poder jogar. Isso era preocupante para nós. E não era uma questão de ficar de fora durante semanas: eram meses. O motivo por que o vendemos não se prendia com o seu talento, mas porque não podia engendrar um plano que o incluísse, porque nunca podia dizer: «Esta vai ser a minha equipa para os próximos dois ou três anos». Saha era suficientemente jovem para ser visto como pedra angular de um conjunto, mas a incerteza provocada pela sua instabilidade tornava impossível prever o futuro. Isto tornou-se tão vexatório para ele que pensou em abandonar. «És novo, não podes desistir por causa de uma lesão, precisas de trabalhar para regressar. Isto não dura para sempre», assegurei-lhe.


Contudo, ele era assaltado por um sentimento de culpa. Achava que nos tinha deixado ficar mal. Mandava-me mensagens apologéticas sobre isso. Tentei fazê-lo perceber que era um jogador azarado e que a história do futebol estava cheia de futebolistas assim. Viv Anderson foi um deles. Quando estudámos a carreira de Viv pelo Arsenal reparámos que só falhara quatro jogos em quatro épocas. E todos por castigo. Viv foi nosso jogador, mas nunca conseguiu estar em forma. Deixámo-lo sair de graça para o Sheffield Wednesday, onde jogou três anos e raramente falhou um jogo. Às vezes embirrava com ele por causa disso: «Nunca quiseste jogar por mim.» Era um grande adepto do United, quis desesperadamente brilhar por nós, mas foi sempre massacrado por problemas no joelho. Louis sabia que as suas lesões não lhe permitiam atingir a boa forma, e a partir daí começou a criar um complexo de culpa. O Carlos programou-lhe um trabalho de duas semanas que lhe permitiria estar em condições ao fim desses 15 dias. Era um esquema personalizado que teria de fazer por si próprio. Explicámos-lhe e ele aceitou – rematar, rodar e basicamente insistir nestes exercícios preparatórios. Parecia voar. Na sexta-feira, antes do jogo, Saha saiu do treino queixando-se do ligamento. Nunca mais conseguiríamos conquistar a sua plenitude física, por isso chegámos a um acordo com o Everton, em 2008. Neste clube, tentaram fazer como nós, procurando elevá-lo a um nível de confiança que lhe permitisse jogar. Talvez lhe fizesse bem sair da pressão que o Manchester United exercia sobre ele. Mas era um fantástico avançado-centro. Na época de 2009-10, fiquei convencido de que os franceses seriam loucos se não o levassem ao Campeonato do Mundo. Uma constante nas nossas discussões sobre jovens jogadores – relativamente à sua capacidade de aguentarem as exigências da multidão de Old Trafford e da falta de paciência dos média – era o temperamento.


Cresceriam ou desapareceriam dentro da camisola do United? Conhecíamos o perfil de todos os jovens que vinham para o clube e que iriam chegar à equipa principal, depois de passarem pela formação e pelas reservas. Ninguém pode deixar a sua personalidade nas cabinas. É preciso que ela saia connosco do balneário, que entre no túnel e que suba ao relvado. Na época de 2003-04, fomos terceiros na Liga, atrás dos «Invencíveis»25 do Arsenal, mas terminámos com a vitória na Taça de Inglaterra, em Cardiff, sobre o Millwall por 3-0. Nesse jogo, Ronaldo foi majestoso, marcando o nosso primeiro golo com a cabeça, antes de Van Nistelrooy assinar mais dois, um de penálti. Esse ano foi ensombrado pela morte de Jimmy Davis, num acidente rodoviário. Com 21 anos, ele era um daqueles indivíduos brilhantes e alegres. Também teve a sua hipótese. Podia ter tido uma carreira. Emprestámo-lo ao Watford. A caminho de um jogo na nossa academia, nesse sábado de manhã, fiquei a saber que o jogo do Watford dessa tarde tinha sido adiado. Não deram mais detalhes. Depois, já no destino, disseram-me que o Jimmy tinha morrido num acidente de automóvel. Era um rapazinho tenaz e muito popular. Muita gente do clube foi ao seu funeral. Dois anos depois, num casamento, fui invadido por aquela arrepiante sensação do déjà vu. Enquanto os fotógrafos iam saindo da sala, o padre dirigiu-se-me e disse: «Quer vir comigo ver a campa do Jimmy?» Não tinha percebido a relação e isso mexeu comigo até ao âmago. Ele não será esquecido pelo Manchester United. 23 Crazy Gang (ou Grupo Louco) – forma como a imprensa inglesa se referia à equipa do Wimbledon nos anos 1980 e 1990. Crazy Gang foi o nome original de um grupo cómico muito popular no final dos anos 1930. A alcunha nasceu da forma como muitos dos jogadores do Wimbledon e o seu treinador, Dave Bassett, se comportavam dentro e fora dos relvados, exibindo orgulhosamente um comportamento excêntrico, rude e provocador. (N. do T.)


24 No dia 6 de fevereiro de 1958, o voo 609 da British European Airlines despenhou-se na sua terceira tentativa de aterrar no aeroporto de Munique. A bordo viajava a equipa do Manchester United, que acabara de disputar um jogo europeu em Belgrado para as taças europeias, e 20 dos 44 passageiros do avião morreram. Matt Busby, o treinador, e Bobby Charlton contaram-se entre os sobreviventes. (N. do T.) 25 Nessa época, o Arsenal foi campeão com 26 vitórias, 12 empates e nenhuma derrota. (N. do T.)

8 RONALDO Cristiano Ronaldo foi o jogador mais dotado que treinei. Ultrapassou todos os outros grandes com os quais trabalhei no United. E foram muitos. Os únicos que poderiam ser colocados no seu patamar são produtos da casa. Paul Scholes e Ryan Giggs pelo seu prodigioso contributo para com o Manchester United durante duas décadas. A sua longevidade, consistência e níveis de comportamento foram excecionais. Acabámos por perder o nosso feiticeiro Ronaldo para o Real Madrid, mas olhamos para o tempo que passou connosco com orgulho e gratidão. Em seis épocas no United, de 2003 a 2009, marcou 118 golos em 292 jogos, ganhou a Liga dos Campeões, três títulos de campeão, uma Taça de Inglaterra e duas Taças de Liga. Marcou na final da Liga dos Campeões de 2008, contra o Chelsea, em Moscovo, e jogou a última vez por nós 12 meses depois, na final de Roma contra o Barcelona. Pelo meio assistimos à explosão de um talento inconfundível nos campos de treino de Carrington e na nossa equipa principal, que atravessou como um cometa o meio da década. Ajudámos Ronaldo a tornar-se no jogador que é, e ele ajudou-nos a recuperar o entusiasmo e a identidade das equipas do Manchester United. O Real pagou 80 milhões de libras em cash por ele. Sabem porquê? Foi uma forma de o seu presidente, Florentino Pérez, dizer ao mundo: «Somos


o Real Madrid. Somos os maiores!» Foi uma jogada inteligente da parte deles e uma declaração da sua intenção de partirem à caça dos jogadores mais famosos. Ramón Calderón, o predecessor de Pérez, tinha afirmado no ano anterior que Ronaldo seria um dia jogador do Real Madrid. Eu sabia bem de mais que, se eles fossem capazes de avançar com os 80 milhões de libras, teria de o deixar ir. Não podíamos impedir o seu desejo fervilhante de regressar à Ibéria e vestir a mítica camisola branca de Di Stefano e de Zidane. A vantagem de treinar Ronaldo, tal como outros talentos que chegaram ao Manchester United adolescentes, era a de que podíamos olhar com segurança para os anos próximos, pois não eram ainda ídolos globais, estavam no caminho ascendente. No momento em que se tornam superestrelas, como aconteceu com Ronaldo, põe-se a questão que eu e Carlos Queiroz debatíamos frequentemente: «Quanto mais tempo vamos conseguir manter Cristiano Ronaldo?» Carlos era tão pragmático como é possível sê-lo. Dizia: «Alex, se conseguires tê-lo durante cinco anos descobriste ouro. Nenhum jogador português saiu para o estrangeiro aos 17 anos e ficou num clube durante cinco.» O facto de se ter mantido seis anos foi um bónus. Durante esse tempo, ganhámos uma Liga dos Campeões e fomos campeões por três vezes. Parece-me um bom proveito. Quando a possibilidade da sua saída se transformou numa probabilidade, fiz um acordo de cavalheiros com ele. Fui ter com Carlos, à sua casa, em Portugal, e encontrei o rapaz ansioso por ir para o Real Madrid. «Não podes ir este ano. Não, depois da forma como Calderón se portou em relação a este assunto», disse-lhe. Bem sei que queres ir para o Real, mas prefiro darte um tiro do que vender-te a esse tipo agora. Se jogares o que sabes, não arranjares confusão e alguém surgir com uma proposta recorde, então deixamos-te ir.» Tinha feito chegar a mesma mensagem ao seu empresário, Jorge Mendes. Fiz os possíveis para o acalmar. Disse-lhe que Calderón era o motivo por que não o deixava sair nesse ano. Acrescentei: «Se fizesse isso, perdia a


honra, perdia tudo, e pouco me importa se te tivesse de mandar para a bancada. Bem sei que não necessitamos de chegar a esse ponto, mas preciso de te afirmar que não te deixo sair este ano.» Transmiti o teor desta conversa ao David Gill e este falou com os Glazer. Tenho a certeza de que o eco também chegou ao Real Madrid. Nessa altura receávamos muito que os termos do nosso acordo se espalhassem. Alertámos o Cristiano para isso. Não acredito que tenha sido ele a falar com o Real Madrid. O seu empresário, Jorge Mendes, é, devo dizê-lo, o melhor agente com quem trabalhei, sem dúvida alguma. É responsável, preocupa-se com os seus jogadores de uma maneira incrível, e é honesto com os clubes. Fiquei com a sensação de que estava apreensivo com a ida de Ronaldo para Espanha pela razão óbvia de que o Real poderia engoli-lo. Empresários diferentes, gente diferente. Acho que tinha medo de perdê-lo. A minha visão sobre Ronaldo assentava na ideia de que mesmo que fizesse um jogo horrível criaria sempre três oportunidades de golo. Em cada partida. Olhem para os jogos. Na pilha dos vídeos da evidência não é possível encontrar um no qual não crie pelo menos três oportunidades. Tinha um talento incrível. Posso resumir tudo nesta lista: excelência no treino, força, coragem, habilidade com ambos os pés, bom jogo de cabeça. No início, não há dúvidas de que era um pouco teatral. A sua aprendizagem foi feita num futebol com essa cultura. A injustiça nunca esteve longe dos juízos feitos sobre ele, mas mudou. Um aspeto muitas vezes esquecido pelos seus críticos é o da velocidade a que se movia. Basta tocar ao de leve num jogador que se desloca com tal rapidez para que haja a tendência para a queda. O equilíbrio do homem não é tão refinado que possa impedir o corredor de cair quando se movimenta a uma velocidade fora do normal. Um pequeno toque na perna ou um cotovelo contra o tronco pode perturbar esse equilíbrio.


Não considerar esse fator velocidade/equilíbrio é injusto. Nos seus primeiros tempos, aceito, mergulhava muito e Carlos trabalhou bastante essa parte do seu repertório. Teimava em dizer a Cristiano: «Só vais ser um grande jogador quando as pessoas alheias ao clube te reconhecerem como tal. Não basta sê-lo para nós, Manchester United. Quando começares a executar os passes e os cruzamentos no tempo certo, as pessoas vão deixar de adivinhar o que vais fazer. É aí que surgem os grandes jogadores.» Os adversários sabiam o que esperar dele. Sabiam que iria segurar a bola. Se virem o seu golo na meia-final contra o Arsenal, vão reparar na mudança. Lançámos o contra-ataque, Ronaldo tocou de calcanhar para JiSung Park e nove segundos depois estávamos na outra ponta do campo. Demorámos nove segundos a fazer o golo. Foi a transformação, o abandono do pequenino show-off com que procurava desesperadamente convencer toda a gente de como era bom. É disso que se trata: a necessidade que tantos jogadores dotados têm de demonstrar como foram abençoados. E ninguém conseguia afastá-lo disso. Por mais tackles e faltas que sofresse, todo ele exibia desafio. «Não vão conseguir chutar-me para fora deste jogo! Eu sou o Ronaldo.» Tinha essa admirável coragem e confiança nas suas qualidades. Crescia, em frente a mim e aos outros jogadores do United, a um ponto em que todos ao seu redor respeitavam o seu talento. Nos treinos, os jogadores eram bons com ele. Ajudavam-no a aprender. A princípio, em Carrington, de cada vez que era carregado soltava um grito terrível: «Aaahhh!» Os colegas troçavam dele. Depressa deixou de fazer esse tipo de algazarra. A sua inteligência ajudava. É um rapaz muito esperto. A partir do momento em que percebeu que, nos treinos, não tinha uma boa audiência para os seus gritos e para o seu teatro amador, parou com isso. Com o tempo esse vício desapareceu do seu jogo. Na sua última


época, exagerou um par de vezes para ganhar uma falta, mas não mais do que os outros. Contra o Bolton, em 2008, arrancou um penálti que não tinha sido falta, mas não procurou enganar ninguém. Foi apenas um erro do árbitro. O defesa esticou a perna para ganhar a bola, intercetou-a, e Ronaldo caiu por cima dele. Foi embaraçoso não do ponto de vista de Ronaldo, mas no que respeita a Rob Styles, o árbitro. A despeito de muita gente dizer que o poderia ter contratado (Real Madrid e Arsenal afirmaram-no), tínhamos um acordo com o Sporting, o seu primeiro clube em Portugal. Fizemos intercâmbio de técnicos nas camadas jovens. Quando Carlos se juntou a nós, em 2002, disse-me: «Temos de pôr o olho num jovem do Sporting.» «Qual deles?», perguntei, porque havia dois ou três interessantes. «Ronaldo», respondeu. Sabíamos tudo sobre ele. Nessa altura, Cristiano jogava como avançado-centro. Carlos insistiu que devíamos apressar-nos porque se tratava de um miúdo especial, e então mandei Jim Ryan observar os treinos do Sporting, dentro do nosso acordo recíproco. Quando Jim voltou, exclamou: «Uau! Vi um jogador. Acho que ele é um extremo, mas nas equipas jovens do Sporting joga a avançado-centro. Não esperava muito mais tempo. Aos 17 anos surgirão ofertas.» Então avançámos com o nome do rapaz-maravilha numa conversa com o Sporting. Responderam-nos que pretendiam mantê-lo por mais dois anos. Sugeri um compromisso que o mantivesse no Sporting durante esse período de tempo antes de o levarmos para Inglaterra. Mas ainda não tínhamos falado com o empresário nem com o jogador. Era só uma conversa entre clubes. Nesse verão, o Carlos foi para o Real Madrid e nós fizemos uma digressão pela América. Peter Kenyon saiu, Juan Sebastián Verón saiu. Parte do nosso acordo acertara que jogaríamos com o Sporting no seu novo estádio, construído para o Campeonato da Europa de 2004.


E fomos. John O‘Shea era o defesa-direito. Há quem teime que Gary Neville jogou nessa pouco invejável posição, mas não. Foi O‘Shea. O primeiro passe que Ronaldo recebeu fez-me gritar: «Por amor de Deus, John, fica junto dele!» John encolheu os ombros. Um olhar magoado de desorientação espalhouse pela sua cara. Os outros jogadores, no banco de suplentes, diziam: «C'os diabos, chefe! Que jogador que ele é!» Respondi: «Está tudo bem. Temo-lo controlado.» Como se o negócio já tivesse sido feito há dez anos. Disse ao nosso roupeiro, Albert: «Vai ao camarote presidencial e diz ao Kenyon para vir cá abaixo ao intervalo.» E apertei com Peter: «Não vamos sair deste estádio sem contratar o rapaz.» «É assim tão bom?», perguntou ele. «John O‘Shea terminou o jogo com uma enxaqueca», respondeu. «Assina com ele.» Kenyon falou com as pessoas de Lisboa e pediu autorização para contratar Cristiano. Avisaram-nos de que o Real Madrid tinha oferecido oito milhões de libras por ele. «Oferece-lhes nove», disse eu. Ronaldo estava numa pequena cabina, no interior do estádio, com o seu empresário, quando lhe dissemos como gostaríamos de o ter no Manchester United. Em frente ao Jorge Mendes, fiz-lhe notar: «Não vais jogar todas as semanas, aviso-te agora, mas tornar-te-ás num jogador de primeira equipa. Não tenho dúvidas sobre isso. Tens dezassete anos, precisarás de te adaptar. Vamos tomar conta de ti.» Um avião particular foi alugado para o trazer, assim como sua mãe, sua irmã, Jorge Mendes e o seu advogado, no dia seguinte. Precisávamos de


concluir esse negócio. Rapidez na atuação era fundamental. Também já fiz prospeção, aos sábados de manhã, em Glasgow, e sempre disse a todos os que vieram trabalhar para mim nessas funções: «Deve ser maravilhoso quando descobrimos alguém que sabemos que vai dar negócio.» Certa noite estava a ver um filme, Caninos Brancos, baseado no livro de Jack London sobre a descida do Klondike em busca do ouro. É disto que trata a vida de um prospetor. Está a assistir a um jogo, num sábado de manhã, e vê um George Best, um Ryan Giggs ou um Bobby Charlton. Foi o que senti naquele dia em Lisboa. Uma revelação. É essa a grande vaga de entusiasmo, de antecipação, que experimentei no meu trabalho de treinador. Uma das melhores foi com Paul Gascoigne, embora por razões diversas. O Newcastle lutava para não descer de divisão e Gascoigne estivera afastado devido a lesão. Encontrávamo-nos em St. James Park, na segunda-feira de Páscoa. Pus o Norman Whiteside e o Remi Moses a jogarem no meio do terreno. Não era propriamente um meiocampo de meninos de coro. Com essa dupla não havia lugar para brincadeiras. Bem, o Gascoigne fez passar a bola por debaixo das pernas do Moses, mesmo em frente ao banco onde eu estava sentado, e depois deu-lhe uma palmada na cabeça. Até voei, gritando: «Vai para tal e tal parte!!!» Whiteside e Moses tentaram fazer ver a Gascoigne que estava a pôr o pé em ramo verde. Começaram a tentar reeducá-lo, enquanto ele saltitava em redor deles. Fizemos o possível para o contratar no final dessa época, mas o Newcastle preferia vendê-lo ao Tottenham. Quando vivemos a experiência de ver o talento explodir à frente dos nossos olhos, sabemos que é um daqueles momentos que sempre procurámos na nossa vida de treinadores. E essa sensação de descoberta fez-me apressar na tentativa de acertar um acordo com Gascoigne nesse mesmo dia. Em relação ao Ronaldo, pelo contrário, Kenyon conseguiu finalizar o negócio. Acho que os dirigentes do Sporting ficaram satisfeitos por não o terem vendido a um clube espanhol. O acordo concluiu-se muito


rapidamente na sua totalidade, chegou aos 12 milhões de libras, com a única condição de que, se quiséssemos vendê-lo, o Sporting teria a opção de compra. Alguns dias antes de o negociarmos com o Real Madrid, perguntámos ao Sporting se o queriam de volta, mas custar-lhes-ia 80 milhões de libras. Não foi surpresa percebermos que de lá não viria nenhum cheque. No início da sua nova vida no Cheshire, Cristiano trouxe consigo a mãe e a irmã. Foi bom. A mãe era muito protetora, como seria de esperar, e era uma mulher direta, sem manias nem pretensões. Era fortemente maternal. Expliquei ao Ronaldo que Lyn e Barry Moorhouse tratariam de tudo o que se relacionasse com as coisas necessárias para a casa, contas bancárias e por aí adiante. Mostrámos-lhes algumas residências nos arredores, próximo de Alderley Edge, e instalaram-se rapidamente. Regressámos da América, e do jogo com o Sporting em seguida, num avião que era propriedade dos Dallas Cowboys, alugado para nós no verão. Ferdinand, Giggs, Scholes e Neville estavam entusiasmados com Ronaldo: «Contratem-no, contratem-no.» Por isso, Ronaldo chegou ao campo de treinos com a consciência de que os nossos jogadores sabiam tudo sobre ele e com a certeza de quão bom ele era. Acho que isso ajudou. A sua estreia foi contra o Bolton, em casa, no dia 16 de agosto de 2003, tendo começado no banco. Os defesas dos visitantes acabaram de rastos. Logo nos primeiros momentos, o defesa-direito carregou-o no meiocampo, tirou-lhe a bola, mas Cristiano levantou-se num instante e pediu novo passe. De imediato: «Bom, ele tem-nos no sítio, seja como for», pensei.


No minuto seguinte, sofreu uma falta e ganhou um penálti, que Van Nistelrooy falhou. Depois, por autorrecreação, fugiu para o lado direito e tirou dois cruzamentos soberbos. Um foi para Scholes, que deu a bola a Van Nistelrooy; o remate deste foi desviado pelo guarda-redes e Giggs na recarga fez o segundo golo. A multidão, nesse lado do campo, reagiu como se ele fosse um Messias materializando-se bem na sua frente. O público de Old Trafford elege heróis com rapidez. Veem alguém que lhes cai no goto e adotam-no de imediato. Ronaldo foi o jogador que teve o maior impacto nos adeptos do Manchester United desde Eric Cantona. Nunca chegou ao nível de idolatria que envolveu Cantona, porque Eric tinha aquele carisma desafiador, mas o seu talento foi instantaneamente visível. O golo que Ronaldo marcou na decisão da meia-final da Liga dos Campeões, no campo do Arsenal, em 2009, exibiu toda a sua excelência no contra-ataque. A bola viajou de Park para Rooney e deste para Ronaldo com uma velocidade devastadora. Repeti-lhe muitas vezes: «Quando correres em direção à baliza, alarga a passada.» Ao fazer isso, reduzimos ligeiramente a velocidade e ganhamos sentido de oportunidade. Quando continuamos a ganhar rapidez, o nosso corpo perde coordenação, mas quando a baixamos damos mais hipóteses ao cérebro. Observem-no. Na primavera anterior à final da Taça de Inglaterra de 2004, em Cardiff, na qual vencemos o Millwall por 3-0, Walter Smith, que se juntara a mim como adjunto em março, questionou-me sobre os diversos níveis de talento dos nossos jogadores. «E Ronaldo?, perguntou. «É assim tão bom?» Respondi: «Oh, sim. Inacreditável! Até no ar. É um excelente cabeceador.» Mais tarde, Walter provocou-me: «Dizes que o Ronaldo é ótimo no jogo aéreo. Vejo-o jogar de cabeça nos treinos, mas nunca nos jogos.» Nesse sábado, frente ao Birmingham, Ronaldo marcou com uma excelente cabeçada. Virei-me para o Walter. «Já sei, já sei», concordou ele.


Vi o Millwall vencer o Sunderland na outra meia-final e avisei o meu staff: «Aquele Tim Cahill não é mau, sabem?» Grande capacidade de elevação para um rapaz baixote. Não sendo um enorme talento com a bola, é uma ameaça constante. Era uma praga. Podíamos tê-lo comprado na altura por 10 milhões de libras. Teria marcado muitos golos numa boa equipa. Dennis Wise foi especialmente batalhador nesse jogo, mas, ao longo dos anos, houve muitos jogadores baixos que eram terríveis, como ele, daqueles por causa dos quais pensamos: «Pedia a Deus que ainda jogasse... Ele iria ver.» Existiria muita gente capaz de pensar o mesmo sobre Dennis Wise. Ele não teria sobrevivido nos velhos tempos, tenho a certeza disso. No futebol moderno, se formos suficientemente espertos, podemos safarnos com uma espécie de capacidade física clandestina. Wise era bom a deixar o pé, chegando uma fração de tempo mais tarde, mexia-se bem neste estilo de jogo. Atualmente, é difícil fugir dos jogadores verdadeiramente violentos, daqueles que vão direitos aos outros para os magoar, mas pouco importou, porque Ronaldo destruiu o Millwall nesse dia. A única questão polémica que tivemos com Ronaldo foi, como está bem de ver, a que surgiu durante o Campeonato do Mundo de 2006, quando piscou o olho para o banco português depois de Rooney ter chocado com Ricardo Carvalho. Isto colocou a possibilidade de ambos se distanciarem de tal forma que não pudessem voltar a jogar pela mesma equipa. O que salvou Ronaldo nessa altura foi a tremenda atitude de Rooney. Durante as férias, mandei-lhe uma mensagem para que me telefonasse. Ele sugeriu que dessem uma entrevista conjunta para provar que não havia mau ambiente. No dia seguinte transmiti a ideia ao Mike Phelan, que foi de opinião de que pareceria demasiado forçado e artificial. Decidi dar-lhe razão. Mas a generosidade de Rooney impressionou Ronaldo, que, na altura, chegou a pensar ser impossível regressar a Old Trafford. Convenceu-se de que tinha chegado a um beco sem saída e de que a imprensa iria matá-lo. Rooney telefonou-lhe um par de vezes para o tranquilizar. Não era a primeira vez que dois jogadores do United se desentendiam no palco internacional.


Devolvo-vos ao Escócia-Inglaterra de 1965, estreia internacional de Nobby Stiles. Denis Law estava perfilado com a equipa escocesa quando Nobby se dirige a ele para o cumprimentar dizendo: «Boa sorte, Denis.» Nobby idolatrava Denis, mas este respondeu: «Vai-te..., seu inglês disto e daquilo!» E o Nobby ficou ali, espantado. Sim, é verdade que Ronaldo correu para o árbitro a pressioná-lo para deixar Rooney em sarilhos, o que é comum no futebol dos dias de hoje, mas só pensava numa coisa – vencer aquele jogo pelo seu país. Não se lembrava, no momento, de que ia jogar pelo Manchester United na época seguinte. Era uma partida do Campeonato do Mundo. E ele arrependeu-se. Quando fomos visitá-lo tinha consciência das implicações. O piscar de olho foi mal interpretado. O treinador dissera-lhe que se mantivesse longe da confusão, por isso não foi um sinal da sua participação na expulsão de Rooney. Acreditei nele quando me afirmou, que com esse gesto, não quis dizer: «Já está, pu-lo na rua!» Encontrámo-nos numa vivenda, em Portugal, e almoçámos juntos. Jorge Mendes estava presente. O facto de Rooney lhe ter telefonado ajudou a mudar o pensamento de Ronaldo e a deixá-lo à vontade. Disse-lhe: «És dos jogadores mais corajosos que já passaram pelo Manchester United, mas fugir não é prova disso.» Sublinhei a situação de Beckham em 1998: «Foi exatamente a mesma coisa. Enforcaram bonecos com a cara dele nos pubs de Londres, mas teve a coragem de enfrentar tudo isso. 26 O primeiro jogo de Beckham após o incidente foi contra o West Ham – o pior lugar para ir depois do drama inglês – e ele foi tremendo. «Tens de ultrapassar isto», disse eu a Ronaldo. O jogo seguinte para ele era no campo do Charlton, numa quarta-feira à noite. Logo para começar reparei num indivíduo sentado no camarote da direção que gritava insultos inacreditáveis: «Seu bastardo português!», era um dos mais educados.


Cinco minutos depois do intervalo, Ronaldo recebeu a bola, dançou em redor de quatro adversários e rematou à face interior da barra. O homem não voltou a levantar-se da cadeira. Murchou. Talvez tenha pensado que os seus insultos motivaram o Cristiano. Ronaldo estava bem, fez um bom início de época e entendia-se perfeitamente com Rooney. Os problemas tinham passado e este teria sido expulso de qualquer forma. A intervenção de Ronaldo em nada contribuiu para isso. Sentia-me aliviado por ver o incidente resolvido e saber que poderíamos mantê-lo na equipa que atingiria a final da Liga dos Campeões de 2008, em Moscovo. No verão de 2012, estive num programa de perguntas e respostas da BBC, conduzido por Dan Walker, juntamente com Peter Schmeichel e Sam Allardyce. «Quem é melhor jogador: Ronaldo ou Messi», perguntou um espectador. A minha resposta foi a seguinte: «Bem, Ronaldo é fisicamente mais forte do que Messi, é melhor no jogo aéreo, joga com os dois pés e é mais rápido. Messi tem algo de mágico quando a bola lhe chega. É como se caísse numa almofada de penas. O seu baixo ponto de gravidade é devastador.» Schmeichel era de opinião de que Ronaldo poderia perfeitamente jogar numa equipa fraca, mas que Messi não. É um ponto interessante, mas este último protagonizaria sempre grandes momentos com a bola no pé. A ideia de Peter assentava na necessidade que Messi tinha dos passes de Xavi e de Iniesta. Ronaldo também é parecido, no sentido de que precisa de ser alimentado. Nunca fui capaz de dizer definitivamente qual deles é melhor jogador, porque colocar um ou outro em segundo lugar seria errado. Para mim, tão importante como as prestações brilhantes que assinou com as nossas cores, foi a proximidade que manteve depois da sua saída para Madrid. A nossa ligação continuou apesar da separação: um feliz acontecimento neste mundo de relações transitórias.


26 No Mundial de 1998, em França, no jogo dos quartos-de-final que pôs frente a frente a Inglaterra e a Argentina, em Saint-Éttienne, Beckham fez-se expulsar no início da segunda parte, obrigando a sua equipa a bater-se com 10 durante o resto do jogo e do prolongamento. O resultado final foi de 22, tendo os argentinos seguido em frente nos penáltis – 4-3. A grande rivalidade existente entre os dois países virou a imprensa britânica contra Beckham, culpando-o da eliminação. The Daily Mirror titulou em manchete: «Ten Heroic Lions, One Stupid Boy» – «Dez Leões Heroicos, Um Rapaz Estúpido». (N. do T.)

9 KEANE Roy Keane era um jogador de energia, coragem e sangue nas veias, com um enorme instinto para o jogo e para as suas estratégias. Era a grande influência no balneário ao tempo em que trabalhei com ele. Roy tirou-me um grande peso dos ombros ao assegurar-se de que toda a equipa obedecia a um alto nível motivacional. Um treinador nunca pode dispensar esse tipo de ajuda vindo de um jogador. Contudo, quando Roy deixou o United, em novembro de 2005, o nosso relacionamento deteriorara-se. Tenho opiniões seguras sobre os acontecimentos que o levaram a partir para o Celtic, mas, primeiro, devo acentuar o motivo por que foi um dínamo para o nosso clube. Se Roy Keane pressentia que alguém não estava a esforçar-se ao máximo, caía de imediato em cima dele. Muitos jogadores conheceram a sua ira por cometerem esse crime e não havia maneira de se esconderem dele. Nunca pensei que fosse uma faceta negativa do seu caráter. Para mim, as personalidades fortes ajudaram sempre a moldar as ações da equipa. Bryan Robson, Steve Bruce, Eric Cantona: esses jogadores reforçaram a vontade do técnico e do clube. No meu tempo de jogador, os treinadores raramente interpelavam os atletas durante aqueles momentos plenos de adrenalina imediatos ao final


das partidas. As primeiras acusações costumavam surgir entre jogadores, muitas vezes durante o duche. Havia confrontos com a água ainda a correr: «Tu, tu falhaste aquela oportunidade, tu...» Eu acusava sempre os defesas e os guarda-redes por terem sofrido golos. Sabia, por isso, que, se falhasse uma oportunidade na outra ponta do campo, receberia essas acusações acrescidas de juros por parte daqueles que exerciam funções menos glamorosas e a quem eu criticara anteriormente. Eram os riscos que corriam os que falavam de mais. Hoje em dia, os treinadores têm sempre uma palavra a dizer depois do jogo. Se querem analisar, criticar ou elogiar alguém, há um momento de envolvimento depois do apito final durante o qual a sua influência pode ser útil: 10 a 15 minutos. Com Roy houve muitos episódios de fricção e drama quando queria impor a sua vontade ao resto da equipa. Numa ocasião, quando me dirigi às cabinas, encontrei Roy e Ruud van Nistelrooy à bulha. Tiveram de ser separados pelos colegas. Ao menos, Van Nistelrooy teve a coragem de enfrentar Roy, porque não eram todos que o faziam. Era um indivíduo feroz e intimidante. Quando estava zangado, a sua tendência era para atacar, para se lançar sobre os outros. Acredito – e Queiroz partilhava esta minha opinião – que o comportamento de Roy Keane se alterou quando ele percebeu que já não era o mesmo jogador de antes. Tínhamos a certeza disso. Atuando com a convicção de que a idade e as lesões haviam diminuído algumas das suas qualidades, tentámos alterar a sua forma de trabalhar, em benefício dele e nosso. Procurámos mudar o seu papel em campo, desencorajando as suas correrias por todo o terreno e as suas cavalgadas para o ataque. De cada vez que um colega recebia a bola, Roy procurava dar-lhe uma linha de passe.


Era uma virtude admirável. A filosofia no United baseia-se na ideia de que sempre que um dos nossos jogadores tem a bola há um movimento de forma a que os outros apoiem a jogada. Roy chegara a uma fase da carreira em que já não devia fazer isso, mas não conseguia aceitá-lo. Penso que, na verdade, percebia que os nossos conselhos eram corretos, mas render-se a eles ameaçava o seu orgulho. Era um jogador que fora construído com base nas próprias paixões. Na época anterior à sua saída, começou a revelar fraquezas físicas no momento de cumprir as suas tarefas defensivas. Já não era o mesmo jogador, mas como podia sê-lo depois de operado à anca e aos ligamentos cruzados do joelho e tendo participado em tantas batalhas impiedosas? A energia que Roy despendia durante os jogos era excecional, mas quando entramos nos trintas é difícil perceber o que está errado. Não podemos ir contra a natureza de uma personalidade que nos deu tantos sucessos. Para nós, era claro que já não lidávamos com o mesmo Roy Keane de antes. A solução que encontrámos foi dizer-lhe que se mantivesse fixo numa área delimitada do meio-campo. Podia controlar de lá o jogo. No fundo, penso que ele sabia isso melhor do que ninguém, mas que não era capaz de se convencer a abandonar o seu papel fundamental de antigamente. Este foi o contexto básico que o levou ao confronto e a abandonar o clube, indo para o Celtic. Pensava ser o Peter Pan. Ninguém é. Ryan Giggs é o mais parecido que existe com essa mítica figura sem idade, mas nunca teve lesões graves. Roy sofreu algumas muito sérias. A da anca foi aquela que mais deteriorou as suas capacidades físicas. A primeira grande rutura nas nossas relações deu-se na pré-época, antes da campanha de 2005-06, num estágio em Portugal. Carlos Queiroz foi tratar de tudo, porque tivera a ideia, e levou-nos para um local com condições maravilhosas: Vale do Lobo. Era do outro mundo. Campos de treino, ginásios e apartamentos pequenos, ideais para os jogadores.


Cheguei lá no final das minhas férias de verão em França. Todo o staff e jogadores estavam confortavelmente instalados, mas esperavam-me más notícias, Carlos vivia um pesadelo com Roy. Perguntei qual era o problema. Carlos contou-me que Roy considerava os apartamentos de Vale do Lobo abaixo do nível desejável e recusava-se a ficar no dele. De acordo com Carlos, Roy rejeitou a primeira casa por não ter ar condicionado. A segunda, por outro problema do género. A terceira, vi-a eu, era fantástica. Roy não queria ficar nela. Queria ir para ali perto, para a Quinta do Lago, com a família. Na primeira noite, organizámos um churrasco, no pátio do hotel. Estava maravilhoso. Roy veio dizer-me que precisava de falar comigo. «Roy, francamente, agora não, falamos amanhã de manhã», respondi-lhe. Depois do treino, chamei-o à parte. «Que se passa Roy?», perguntei. «Fui ver os apartamentos. São ótimos!» Roy irrompeu numa longa lista de queixas dentro da qual se incluía o ar condicionado. Depois, começou a falar do Carlos, por que fazíamos a préépoca ali?, e por aí fora. Só críticas. Colocou um entrave à nossa relação. Tornou-se muito fechado, penso eu, durante esse estágio. Fiquei desapontado. Carlos tinha dado o coiro para que aquela viagem corresse pelo melhor para toda a gente. Quando regressámos a casa, resolvi chamar o Roy ao meu gabinete para que, pelo menos, apresentasse as suas desculpas a Carlos. Não se dispôs a isso. Certa vez, enquanto discutíamos por uma coisa qualquer, acusou-me: «Já não é o mesmo homem.» Exaltámo-nos. Tivemos um verdadeiro confronto. Disse-lhe que não estava a portar-se como devia: «És o capitão. Não mostraste


responsabilidade perante os outros jogadores. Não vos obriguei a dormir em barracas. Eram bons apartamentos.» A má sensação não desapareceu. A nossa relação começou a deteriorar-se a partir daí. Depois, veio a entrevista à Manchester United TV, na qual Roy culpou alguns dos jogadores mais jovens da equipa de não cumprirem com as suas obrigações. Tínhamos uma listagem para as entrevistas da MUTV e era a vez de Gary Neville. Na segunda-feira seguinte a termos defrontado o Middlesbrough, não prestei grande atenção quando um dos assessores de imprensa me veio informar de que Roy tomaria o lugar de Gary. Não me pareceu significativo. Contudo, aparentemente, ele atirou-se aos outros jogadores com acusações referentes ao jogo do sábado anterior. Pelas quatro da tarde recebi um telefonema em minha casa: «Precisas de ver isto.» Na entrevista, Roy descrevia Kieran Richardson como um «defesa preguiçoso», questionava o motivo «por que as pessoas na Escócia adoravam o Darren Fletcher» e dizia, sobre Rio Ferdinand: «Só porque lhe pagam cento e vinte mil libras por semana e jogou bem vinte minutos frente ao Tottenham já julga que é uma superestrela.» O assessor de imprensa tinha ligado de imediato ao David Gill. Estava de mãos atadas, dependente da minha decisão sobre o que fazer com a gravação. « Okay, traz o vídeo ao meu gabinete amanhã de manhã e eu doulhe uma olhadela», disse eu. Jesus! Era inacreditável! Retalhava toda a gente. Darren Fletcher levava pela medida grande. Alan Smith. Van Nistelrooy. Roy deitava-os todos abaixo. Nessa semana, não havia jogos e eu tinha de ir ao Dubai visitar a nossa escola. Nessa mesma manhã, o Gary Neville pediu-me que fosse ter com ele ao vestiário dos jogadores. Lá fui, esperando que Roy, entretanto, já se tivesse desculpado. Sentei-me. Gary anunciou de rompante que não estavam contentes com os treinos. Nem acreditava nos meus ouvidos.


«Vocês o quê?», soltei. Roy tinha muita influência no balneário e acredito que a usasse para dar a volta à situação. Carlos Queiroz era um ótimo treinador. Sim, podia ser repetitivo com determinados exercícios, mas é isso que faz os grandes jogadores: a força do hábito. Ataquei-os: «Chamaram-me aqui para se queixarem dos treinos? Não comecem com isso! Julgam que estão a falar com quem?» E fui-me embora. Mais tarde, Roy veio falar comigo e disse-lhe: «Sabes bem o que se passa.» E pus o vídeo. «O que fizeste nesta entrevista foi desgraçado, uma anedota. Criticas os teus companheiros, e querias que isso fosse divulgado». Roy sugeriu que deixássemos os jogadores verem o vídeo e tomarem uma decisão. Concordei e toda a equipa veio ao meu gabinete para o ver. David Gill estava nas instalações, mas declinou o meu convite para assistir ao espetáculo, embora Carlos e o resto do staff se juntassem à audiência. Roy perguntou aos outros jogadores se tinham algo a dizer sobre o que haviam acabado de ouvir. Edwin van der Sar disse que sim. Acusou Roy de ter passado dos limites ao criticar companheiros de equipa. Então Roy atacou Edwin. Quem pensava ele que era? Que sabia ele sobre o Manchester United? Van Nistelrooy saiu em defesa de Van der Sar e Roy virou-se contra ele. Depois, dirigiu-se ao Carlos. E guardou o melhor para mim. «Trouxe a sua vida particular para dentro do clube com a sua discussão com Magnier», disse. Foi aí que os jogadores começaram a sair. Scholes, Van Nistelrooy, Fortune. A parte mais dura do corpo de Roy é a língua, que é a mais selvagem que possam imaginar. Com ela, deita por terra a pessoa mais confiante do mundo em segundos. Reparei, nesse dia, enquanto discutíamos, que os seus olhos se iam tornando cada vez mais pequenos, transformando-se em dois pontos negros. Era assustador. Até para mim, que sou de Glasgow.


Depois de Roy ter saído, Carlos notou a minha perturbação. Nunca na sua vida tinha assistido a uma cena daquele género, confessou. Classificou-a como o pior espetáculo alguma vez imaginável num clube de futebol. «Ele tem de ir embora, Carlos», concluí. «Cem por cento de acordo», apoiou. «Vê-te livre dele.» Quando voltei do Médio Oriente, David informou-me de que os Glazer chegariam na sexta-feira e que tinha contactado Michael Kennedy a dizer que queríamos encontrar-nos com ele. Michael e Roy estiveram presentes na reunião e definimos a nossa decisão, com todos os detalhes. Roy tornou mais tarde público que estava desapontado por eu não o ter deixado terminar a sua carreira no Manchester United, mas, depois da primeira discussão, fiquei farto dele. Não queria de forma alguma voltar a entrar em guerra com ele ou ter de conviver com ele fosse de que maneira fosse. Fui ao campo de treinos informar os jogadores e notei o choque que a notícia provocou nas suas caras. Senti sempre que os melhores momentos da minha carreira como técnico foram aqueles nos quais tomei decisões rápidas baseadas em factos irrefutáveis, em convicções. Para mim era muito clara a forma de pôr um ponto final naquela crise. Se fraquejasse, teria dado a Roy mais poder no balneário, mais crença em si próprio de que estava certo, mais tempo para convencer os outros de que o seu comportamento era o correto. E não era verdade. O que fez foi errado. Há tanto para recordar, tanto para dizer até ao momento em que Roy Keane se tornou um ex-jogador do Manchester United! No topo da lista, o Campeonato do Mundo de 2002 quando, por causa de um frente-a-frente com o selecionador da Irlanda, Mick McCarthy foi mandado para casa. O meu irmão Martin tinha-me convidado para um fim-de-semana de férias de forma a comemorarmos o meu 60.º aniversário. Não levei o telemóvel comigo para o jantar, mas Martin tinha o dele, que tocou


exatamente quando estávamos de saída. Era o Michael Kennedy dizendo que andava à minha procura. Explicou que houvera uma confusão em Saipan, onde a equipa irlandesa se reunira para preparar o Mundial. «Tens de falar com ele. És a única pessoa que ele ouve», insistiu. Estava aflito. Nunca pensei que Michael se deixasse incomodar tanto pelo assunto. Contou-me a história do confronto de Roy com Mick McCarthy. O número que me deu não funcionava, pelo que sugeri que fosse Roy a ligar para mim. A voz de Keane fez-se ouvir do outro lado. «Roy, que raio estás a fazer?», perguntei. Vomitou toda a sua raiva contra McCarthy. Avisei-o: «Acalma-te. Ouve um conselho. Não podes deixar os teus filhos irem para a escola com o peso de uma coisa destas nos ombros. Pensa na tua família. Vai ser horrível. Esquece o Campeonato do Mundo. Esta vai ser a história mais quente do verão.» Ele sabia que eu tinha razão. Disse-lhe que voltasse a falar com McCarthy, que resolvessem o assunto, só os dois, e que dissesse ao treinador que voltaria a jogar. Roy concordou, mas, quando regressou ao estágio, já Mick dera uma conferência de imprensa a contar o que se passara. Já não havia remédio para ele. Defendi Roy até ao fim, porque ele era do Manchester United e estava habituado aos nossos parâmetros de exigência. Ir para um centro de treinos de baixa qualidade, com falta de condições para trabalhar, era motivo razoável para ficar zangado e, como capitão, devia queixar-se. Mas a questão põe-se ao longo da vida: até que ponto podemos aceitar uma ofensa? Por muito más que as condições fossem na Coreia, Roy não devia ter levado a sua revolta a tais níveis, mas ele era assim. Um homem de extremos.


Protegi sempre os meus jogadores, e Roy não foi exceção. Era o meu dever. Por isso, não vou desculpar-me por todas as vezes que me empenhei por eles mesmo quando havia motivos para olhar para o lado. Houve alturas em que suspirei: «Cristo, mas em que estavas a pensar?» Cathy colocou-me essa questão muitas vezes, mas eu não podia ficar contra os meus jogadores. Tinha de encontrar outras soluções que não as de os castigar publicamente. Muitas vezes precisei de os punir ou multar, claro está!, mas nunca deixei que isso saísse do balneário. Sentiria que tinha traído um dos princípios básicos de treinador: defendê-los. Não, não só defendê-los, mas protegê-los dos juízos externos. No futebol moderno, o estatuto de celebridade ultrapassa o poder do treinador. Na minha juventude, não se deixava soltar um murmúrio que fosse contra o técnico. Era enfrentar uma morte certa. Durante os meus últimos anos, ouvi constantemente histórias sobre jogadores que usavam o seu poder contra os técnicos, recebendo o apoio do público e até dos clubes. O jogador desabafará sempre as suas revoltas com quem estiver disponível para o ouvir, o treinador não deve fazê-lo porque tem maiores responsabilidades. Acho que Roy descobriu que estava à beira do final da carreira de jogador e começou a sentir-se treinador. Estava a assumir encargos organizativos, mas, como é óbvio, isso não contemplava ir para a Manchester United TV destruir os colegas. Ao impedir que a entrevista fosse propalada, evitámos que Roy perdesse o respeito de todos naquele balneário. Mas, a partir do momento em que a discussão no meu gabinete atingiu aquele tom venenoso, foi o fim dele. Se há coisa que nunca tolerei foi a quebra de comando, porque este foi o meu salvador. Tal como aconteceu com David Beckham, sabia que no momento em que um jogador começasse a querer tomar conta do clube seria o fim de tudo. Os verdadeiros jogadores gostam disso. De um treinador duro, ou que saiba ser duro.


Apreciam que um treinador seja homem. Há uma recompensa. O jogador pensa: «1. Pode fazer de nós vencedores? 2. Pode fazer de mim um jogador melhor? 3. É leal para connosco?» São considerações vitais do seu ponto de vista. Se a resposta a estas três perguntas for sim, até assassinos estão dispostos a aguentar. Tive terríveis ataques de mau génio depois de jogos e nunca me orgulhei desses meus excessos. Por vezes, regressei a casa com receio das consequências. Talvez os jogadores nem me dirijam a palavra quando voltar ao campo de treinos. Talvez se revoltem e conspirem contra mim. Contudo, à segunda-feira mostravam mais medo de mim do que eu deles porque me tinham visto perder as estribeiras e não queriam viver aquilo outra vez. Roy é um indivíduo inteligente. Apanhei-o a ler alguns livros verdadeiramente interessantes. É um bom conversador e uma boa companhia, quando está para aí virado. Os fisioterapeutas costumavam entrar no meu gabinete e perguntavam: «Como está a disposição do Roy hoje?», porque isso determinava o ambiente de todo o balneário. Vejam como tinha influência no nosso dia-a-dia. Graças às suas contradições e alterações de comportamento, podia ser fantástico num minuto e quezilento no seguinte. A mudança dava-se num estalar de dedos. Num sentido lato, a sua saída foi o melhor que podia ter acontecido porque muitos jogadores sentiam-se intimidados por ele e emergiram após a sua saída. John O‘Shea e Darren Fletcher beneficiaram claramente com isso. Quando fomos a França defrontar o Lille, em Paris, em 2005, foram vaiados no relvado, durante o aquecimento, em parte por via daquilo que Roy dissera num comentário televisivo. Fletcher e O‘Shea foram as principais vítimas. Penso que houve mais tranquilidade no balneário depois da saída de Roy. Um alívio perpassou por toda a gente. Não mais tinham de ouvir o tiroteio com o qual muitos deles cresceram esperando-o a qualquer momento.


Como entrara num plano inclinado, o buraco que deixou não foi tão grande como teria sido três anos antes. Fui vê-lo num Celtic-Rangers e antecipadamente disse ao Carlos: «Vai ser a estrela do dia.» Roy nunca esteve no jogo. Desempenhou um papel secundário. A dinâmica e o pulso firme que eram exigências de Roy Keane não estavam lá. Ele adorava Celtic Park. Falei com ele sobre isso e elogiou os treinos, as condições de trabalho, o Prozone.27 Entre nós, as coisas acalmaram. Cerca de dois meses mais tarde estava sentado no meu gabinete discutindo assuntos referentes à equipa com Carlos, quando um membro do staff veio dizer-me que Roy estava ali para me ver. Fiquei sobressaltado. «Só quero pedir-lhe desculpa pelo meu comportamento», disse. Começou então a falar-me da sua vida no Celtic e a explicar-me como tudo corria bem, mas quando o vi naquele Celtic-Rangers percebi que não conseguia ir para a frente com aquilo. As mudanças já estavam em curso quando Roy saiu, mas ainda não eram visíveis. Há uma verdade insofismável em relação ao Manchester United: somos sempre capazes de produzir novos jogadores, nomes revigorantes, e já começávamos a trazê-los à superfície quando Roy partiu. Fletcher ganhava maturidade e experiência, trouxe Ji-Sung Park e Jonny Evans estava a desabrochar. Muitas vezes os jogadores principais não dão pela renovação que vai acontecendo em seu redor porque não conseguem ver para além de si próprios. Não fazem ideia do que se passa mais abaixo na escala. Giggs, Scholes e Neville eram exceções. E talvez Rio e Wes Brown. Os outros não davam por nada, concentravam-se no seu trabalho de jogar, mas eu podia observar o desenvolvimento das bases. Não foi uma fase brilhante para nós em termos de troféus. No entanto, quando fazemos mudanças, temos de aceitar esse ensinamento silencioso que nos diz que as transformações demoram mais de um ano. Nunca fui capaz de pedir três ou quatro anos para completar as minhas mudanças porque no Manchester United não dispomos desse tempo. Por


isso, tentamos apressá-las e muitas vezes arriscamos: fazemos entrar jogadores jovens, experimentamo-los. Nunca tive medo disso. Não se limitava a ser um dever, era uma faceta do trabalho da qual eu gostava. É aquilo que sou. Fi-lo no St. Mirren, no Aberdeen e no Manchester United. Por isso, quando atravesso períodos como esses, confio sempre nos jovens. Em termos de alvos de recrutamento, Carlos apostava muito em Anderson. No mesmo dia, David viajou até Lisboa, para contratar o Nani ao Sporting, e em seguida fez-se à estrada, para comprar o Anderson ao FC Porto. Custaram muito dinheiro, mas provaram que, como clube, pensávamos em jovens talentos. Tínhamos um bom núcleo defensivo, com Ferdinand, Vidić e Evra. Éramos um bloco sólido atrás. Rooney começava a desenvolver-se. Deixámos sair o Louis Saha porque estava sempre a sofrer lesões. Tivemos o Henrik Larsson connosco por um tempo e foi uma revelação. Após uma aproximação inicial, as relações com Roy voltaram a azedar. Li na imprensa uma declaração sua na qual dizia que tinha varrido o Manchester United da sua vida. Queixava-se de que todos nós o havíamos esquecido. Como é que alguém podia esquecer o que ele fizera pelo clube? A imprensa tinha a tendência para o ver como um quase-treinador, fosse por causa da sua ânsia de ganhar, fosse pela forma como conduzia a equipa em campo. Perguntavam-me, a torto e a direito: «Acha que Roy Keane vai ser treinador?» À medida que a sua carreira de técnico se ia desenrolando, tornou-se evidente que precisava de dinheiro para conseguir resultados. Estava sempre à procura de comprar jogadores. Não me pareceu que Roy tivesse paciência para construir uma equipa. Na época de 2011-12, voltámos a traçar armas quando Roy foi publicamente muito crítico em relação aos nossos jovens jogadores depois da derrota em Basileia, que nos deixou fora da Liga dos Campeões, tendo eu respondido referindo-me a ele como «um opinador televisivo». Se


prestarem atenção aos seus últimos dias no Sunderland e no Ipswich, verão que a sua barba foi ficando cada vez mais branca e os seus olhos cada vez mais negros. Alguns terão ficado impressionados com as suas opiniões na televisão, pensando: «Bem, ele tem a coragem de malhar no Alex Ferguson.» No minuto em que se tornou um crítico de TV, soube que iria focar-se no United. E quanto às acusações sobre os jovens? Não teria escolhido Wayne Rooney como alvo, não o enfrentaria, mas atacaria os mais velhos. Fletcher e O‘Shea foram as suas duas vítimas e por causa disso seriam vaiados pelos nossos adeptos quando jogámos com o Lille, em Paris. As suas duas experiências como treinador provaram o seguinte: precisa de dinheiro. Gastou muito no Sunderland e falhou. Gastou ainda mais no Ipswich e durou lá pouco. Deu uma entrevista ao David Walsh, do Sunday Times, dizendo que eu apenas me defendera, dando como exemplo o caso John Magnier/ Rock of Gibraltar. 28 Inacreditável! Naquele dia no meu gabinete, quando nos confrontámos, vi raiva nele. Os seus olhos enegreceram. E também falou de John Magnier. Nunca percebi a sua obsessão com esse caso. No acordo que estabelecemos nessa tumultuosa sexta-feira, ficou assente que nenhum de nós voltaria a falar sobre as nossas divergências. Teria respeitado o acordo, não se dera o facto de Roy o ter trazido a lume. Quando estava no Sunderland, acusou o United de o ter insultado e de lhe mentir na discussão que se gerou antes da sua partida. O clube pensou em agir judicialmente contra ele, mas fiquei com a sensação de que queria ser levado a tribunal para impressionar os adeptos. Apesar de tudo, continuava a ser um herói para eles. Por isso, aconselhei David Gill a deixar cair a ação. Parecia a melhor forma de preservarmos a nossa dignidade. 27 Prozone é um sistema analítico que pretende, graças à recolha de imagens e de dados de determinado jogador, fornecer um retrato estatístico baseado em gráficos de forma a ser estudado pelas equipas técnicas e promover a melhoria das suas atuações. (N. do T.)


28 Rock of Gibraltar era um cavalo de corridas pertencente à Coolmore Stud, uma das grandes criadoras desse tipo de animais. Durante a maior parte da sua carreira, correu sob as cores de Sir Alex Ferguson, que se tornou seu coproprietário juntamente com Susan Magnier, a esposa de John Magnier, que acabou em tribunal, dono da Coolmore Stud. Após a retirada de Rock of Gibraltar, rebentou uma disputa entre o treinador do Manchester United e John Magnier sobre o verdadeiro proprietário do cavalo. (N. do T.)

10 OUTROS INTERESSES O público que se interessa por futebol viu-me sempre, provavelmente, como um obcecado que não encontrava qualquer outro interesse para além do Manchester United. Mas, à medida que as exigências da função se intensificavam, encontrei refúgio em inúmeros entretenimentos e hobbies que me permitiam espreguiçar a mente, apinhei as minhas estantes com livros e enchi a minha cave com bom vinho. Excetuando a minha paixão pelas corridas de cavalos, esta minha outra vida ficou fora de vista. Era o mundo para o qual regressava depois de o dia ter decorrido como de costume em Carrington, o nosso campo de treinos, ou depois de o jogo ter sido disputado, discutido e atirado para trás das costas. Durante os últimos 10 anos, ou algo do género, dediquei-me a uma série de outros interesses que me ajudaram a gerir o futebol do Manchester United de forma mais eficaz. Trabalhei da mesma maneira dura de sempre, mas utilizei as circunvoluções do cérebro de um modo mais variado. A casa tornou-se o quartel-general de todos os meus fascínios, desde biografias de ditadores a documentos sobre o assassínio de John F. Kennedy e a relatórios sobre a minha coleção de vinhos. As minhas convicções políticas mantiveram-se fortemente imutáveis desde o meu tempo de gerente comercial nas docas de Govan. A opinião das pessoas muda com o tempo, com o sucesso e com a riqueza, mas na minha juventude não absorvi certas facetas ideológicas como formas de ver a vida, antes um conjunto de valores.


Nunca me tornei tão ativo que fosse capaz de me transformar num animal do Partido Trabalhista que estivesse presente em todos os jantares ou surgisse em todas as campanhas eleitorais, mas apoiei sempre os membros do Parlamento do meu círculo. Cathy dizia, e repetia, que, a partir do momento em que nos dedicamos à política, ela exige a nossa contínua presença. Cria-se a expectativa de que estamos sempre disponíveis e desejosos de lhe dar o nosso tempo. Acreditar no Partido Trabalhista e em princípios socialistas é uma coisa, mas tornarmo-nos ativistas é outra. O Manchester United não me deixava tempo livre para aceitar tais solicitações. Pus a minha cruz no boletim de voto e apoiei-os de forma visível. Nunca me viram sentado ao lado do David Cameron, pois não? Viram-me ao lado de um parlamentar trabalhista. Era esse o meu impacto. Sempre fiz parte da ala esquerda do partido, o que explica a minha boa opinião em relação ao trabalho de Gordon Brown e igualmente ao do John Smith. Senti pena de Neil Kinnock: boa pessoa com má sorte. Gostaria de o ter visto em Downing Street, mas tinha esse tipo de espírito fúnebre. Eu era mais próximo de Brown, em princípio, mas acredito que o estilo populista de Blair lhe valeria uma eleição. Nesse aspeto ele estava certo. Mais: tinha carisma para acrescentar a essa ideia e seria popular durante muito tempo até que invasão do Iraque mudasse a visão da opinião pública a seu respeito. A minha amizade com Alastair Campbell desenvolveu-se através desse grande homem, repórter veterano do futebol escocês e confidente de muitos primeiros-ministros trabalhistas, Jim Rodger. Entrou em contacto comigo e pediu-me que fizesse um artigo com Alastair, que trabalhava nessa altura no Mirror. Alastair e eu demo-nos bem e ele começou a corresponder-se comigo. Era bom a criar redes de contactos. Depois, passou a ser secretário de imprensa de Tony e tornámo-nos bons amigos através do Partido Trabalhista. Jantei com Alastair, Tony e Cherie no Hotel Midland, em Manchester, na semana anterior às eleições de 1997. Disse ao Tony: «Se conseguir manter o seu Governo numa sala e fechar a porta não terá problemas. O problema com a governação é que cada um vale por si


próprio, tem os seus aliados e os seus contactos nos jornais. Controlar o Gabinete vai ser a parte mais difícil.»


Tony pareceu entender a mensagem. Sempre que assumimos o poder vivemos uma parte de fragilidade. Se governamos o país, estamos sujeitos a uma enorme responsabilidade e a uma certa solidão, que sou capaz de definir. Sentava-me no meu gabinete, à tarde, depois de ter terminado o trabalho, desejando companhia. Há um vazio ligado a este que as pessoas não querem quebrar. Tony era um jovem que caminhava para isso. Nas suas memórias, escreveu que me tinha perguntado se, quando era primeiro-ministro, devia ter despedido Gordon Brown, o seu vizinho do número 11. 29 A minha ideia é que Tony não tinha feito uma referência específica em relação a Gordon. A sua questão baseava-se em superestrelas e na minha forma de lidar com elas. A minha resposta foi: «Aquilo que é mais importante no meu trabalho é o comando. A partir do momento em que o ameaçarem, tenho de me ver livre deles.» Confessou-me que existiam problemas com Gordon, mas não me perguntou especificamente o que faria no seu lugar. Mantive o meu conselho em geral porque não queria imiscuirme em questões pessoais. Sempre fui de opinião de que é preciso escolhermos o caminho mais difícil, seja isso popular ou não. Se tivermos dúvidas sobre alguém do nosso staff, isso avisa-nos da proximidade de um problema. Para mim, nunca fez sentido ir para a cama a pensar no momento de me ver livre de um sarilho. O poder é útil se quisermos usá-lo, mas não me parece que funcione com jogadores, que são homens da classe trabalhadora. Mas o comando era o meu objetivo. Podia usar o meu poder como quisesse, e usei, mas quando se chega ao estatuto que eu atingi no Manchester United, o poder surge naturalmente. As grandes decisões que tomamos nesses cargos são vistas geralmente por quem está de fora como exercícios de poder quando, de facto, o que está em questão é o comando. À parte da política trabalhista e dos grandes vinhedos, a América era a fonte da maior parte dos meus interesses intelectuais. JFK, a guerra civil, Vince Lombardi e os grandes jogos de futebol americano: eis as minhas fugas da pressão quotidiana. Nova Iorque era a minha porta de entrada para


a cultura americana. Comprámos lá um apartamento, que toda a família utilizava, e Manhattan passou a ser o local ideal para os curtos intervalos em que o calendário internacional nos mantinha longe dos jogadores. Os Estados Unidos sempre me intrigaram e inspiraram. Alimentei-me da energia americana, da sua variedade. A minha primeira viagem até lá foi em 1983, quando o Aberdeen ganhou a Taça dos Vencedores de Taças. Levei a família à Florida, numa espécie de férias de rotina. Mas, nessa altura, já a América e a sua história tinham invadido o meu sangue. O assassínio de John Kennedy, em Dallas, em 1963, deixou-me uma marca desde o momento em que ouvi as notícias. Ao longo do tempo desenvolvi um interesse forense em relação à forma como ele morreu, às mãos de quem e porquê. Recordo-me desse dia que chocou o mundo. Era uma sexta-feira à noite, eu estava frente ao espelho, barbeando-me, no quarto de banho, preparandome para ir ao baile com os meus amigos. Meia hora antes, as notícias rebentaram. Ele tinha sido levado para o Hospital de Parklands. Vou lembrar-me para sempre, no baile, no Flamingo, perto de Govan, de ouvir a canção que chegou aos tops: «Do You Like to Swing on a Star?» O ambiente estava soturno. Em vez de dançarmos fomos para o andar de cima falar sobre o assassínio. Para um rapaz como eu, Kennedy dominava a minha imaginação. Era um jovem com bom aspeto e havia nele um certo brilho. Tornava-se entusiasmante que alguém tão refrescante e dinâmico como ele chegasse à presidência. Embora se tenha fixado na minha mente como uma figura determinante, o meu interesse sobre o seu assassínio desenvolveu-se ao longo de um caminho inesperado, quando fui convidado por Brian Cartmel para falar num jantar, em Stoke. Stanley Matthews e Stan Mortensen estavam presentes, bem como Jimmy Armfield, e lembro-me de pensar: «Que faço eu aqui com todos estes grandes jogadores? Certamente preferem ouvir o Stanley Matthews do que a mim.»


Contudo, durante o jantar, Brian perguntou-me: «Quais são os seus hobbies?» «Não tenho hobbies», respondi. Estava obcecado com o United. «Tenho uma mesa de snooker lá em casa, gosto de jogar golfe e de ver filmes.» Lançou um trunfo: «O meu filho tem uma empresa em Londres com acesso a todas as estreias. De cada vez que quiser um filme, ligue-lhe.» Na noite anterior tinha ido ao cinema em Wilmslow ver o JFK. «Está interessado nisso?», perguntou Brian. Nessa altura já eu havia colecionado vários livros sobre o assunto. «Eu ia no décimo quinto carro do cortejo», disse Brian. Estávamos nós nos Potteries30 e este tipo a dizer-me que fizera parte do cortejo de JFK. «Como?» «Eu era jornalista do Daily Express. Emigrei para São Francisco e trabalhei para a revista Time», explicou. «Candidatei-me junto da Administração Kennedy, em 1958, para trabalhar nas eleições.» Brian viajou no avião no qual Johnson fez o juramento oficial de presidente. Esta relação pessoal fez-me mergulhar mais profundamente na matéria. Comecei a comparecer em leilões. Um indivíduo da América que leu sobre o meu interesse no assunto mandou-me o relatório da autópsia. Tinha duas fotografias no centro de treinos – uma comprei numa licitação e outra foi-me oferecida. Também adquiri o relatório da Warren Comission31 assinado por Gerald Ford, num leilão. Custou-me 3000 dólares. Quando Cathy e eu regressámos aos Estados Unidos, em 1991, para comemorar o nosso aniversário de casamento, viajámos até Chicago, São Francisco, Havai, Las Vegas, e para casa de uns amigos, no Texas, antes de seguirmos para Nova Iorque. Depois disso, voltámos durante muitos anos.


A minha coleção foi crescendo. A mais definitiva biografia de John Kennedy é, provavelmente, «An Unfinished Life, John F. Kennedy 19171963», de Robert Dallek. Um livro excecional. Dallek teve acesso aos relatórios clínicos de Kennedy e mostra-nos que ele era um milagre andante com todos os problemas de fígado e com a doença de Addison. Durante os três anos da sua presidência, muitos problemas atravessaram o seu caminho, tal como o falhanço da invasão da baía dos Porcos, do qual assumiu a culpa, ou a segregação, a Guerra Fria, o Vietname e a crise da colocação dos mísseis em Cuba. Medicare também foi uma matéria duradoura, tal como ainda é hoje. Foi trabalho difícil. Deixo aqui um parêntesis que sublinha a importância do jogo mais fascinante do mundo. Sabem como é que a CIA descobriu que os soviéticos estavam a atuar em Cuba, em 1969? Campos de futebol. Fotografias aéreas de campos de futebol ocupados por operários soviéticos. Os cubanos não jogavam futebol. Henry Kissinger tinha um temperamento europeu e percebeu isso. As minhas leituras sobre os Kennedy puseram-me em contacto com uma literatura maravilhosa: The Best and the Brightest, de David Halberstam, destaca-se. Baseia-se nos motivos por que foram para o Vietname e nas mentiras em que os irmãos Kennedy se viram envolvidos. Até Robert McNamara, secretário da defesa dos Estados Unidos e amigo da família, os enganou. No momento da retirada, pediu-lhes perdão. Na minha viagem pela América, em 2010, visitei Gettysburgh e fui almoçar à Princeton University com James M. McPherson, grande especialista sobre a história da guerra civil, que escreveu Battle Cry of Freedom. Também era um frequentador da Casa Branca. O meu fascínio por esse conflito começou no momento em que alguém me ofereceu um livro sobre os generais que nele participaram. Ambas as partes tiveram dúzias, alguns antigos professores. Gordon Brown um dia perguntou-me o que estava eu a ler. The Civil War, respondi. Gordon disse-me que ia enviarme alguns vídeos. Não tardou muito que recebesse 35 gravações de conferências dadas por Gary Gallagher, que, juntamente com James


McPherson, se dedicou ao trabalho sobre o papel da marinha na guerra, uma história ainda desconhecida. Depois, surgiram as corridas de cavalos, outra grande paixão, outra fuga. Martin Edwards, o nosso presidente, chamou-me uma vez para me dizer: «Devia tirar um dia de folga.» «Estou bem», repliquei. Contudo, estava naquela fase em que a Cathy me acusava: «Vais dar cabo de ti!» Em casa, depois do trabalho, ficava agarrado ao telefone até às nove da noite e pensava em futebol a toda a hora. Comprei o meu primeiro cavalo em 1996. No nosso 30.º aniversário de casamento, fomos a Cheltenham, onde me encontrei ao almoço, pela primeira vez, com esse homem extraordinário chamado John Mulhern, um treinador irlandês. Inevitavelmente dei por mim a perguntar à Cathy mais tarde: «Gostavas de comprar um cavalo? Acho que seria bom para mim.» «De, onde te surgiu essa ideia?», perguntou ela. «Alex, o problema é que vais acabar por comprar qualquer porcaria de cavalo.» Contudo, foi para mim uma válvula de escape. Em vez de me deixar estagnar no meu gabinete ou perder tempo em conversas telefónicas infinitas, podia desviar os meus pensamentos para o Turf. Era uma distração agradável da penosa vida do futebol – e foi por isso que mergulhei de cabeça nela, tentando fugir da obsessão do meu trabalho. Ganhar duas corridas grade 132 com o What a Friend foi o máximo: Lexus Chase e Aintree Bowl.33 No dia anterior a Aintree, tínhamos sido batidos pelo Bayern de Munique para a Liga dos Campeões. Estava completamente em baixo, mas 24 horas depois ganhava uma corrida de grade 1 em Liverpool. O meu primeiro cavalo, Queensland Star, foi batizado em homenagem a um navio no qual o meu pai trabalhou e ajudou a construir. Os treinadores alertaram-me para o facto de haver muitos proprietários que nunca tiveram


um cavalo vencedor. Fui dono de 60 ou 70 e agora tenho participação em cerca de 30. Sou muito próximo do Highclare Syndicate34: Harry Herbert, que o dirige, é uma personalidade forte e um bom homem de negócios. Sabemos sempre, diariamente, o que se passa com os cavalos. Rock of Gibraltar era um cavalo magnífico; foi o primeiro no hemisfério norte a vencer sete corridas de grade 1 consecutivamente, batendo o recorde de Milf Reef. Correu sob as minhas cores graças a um acordo que obtive com a organizadora de corridas Coolmore, na Irlanda. No meu ponto de vista, sentia que era dono de metade do cavalo, para eles tinha direito a metade dos prémios. Mas a questão ficou resolvida. O assunto foi fechado quando assinámos um acordo afirmando que tinha havido confusão de ambas as partes. Claro que existiu um potencial conflito entre os meus interesses na corrida e o proprietário da empresa, e quando, na assembleia geral anual, um homem se levantou e exigiu a minha demissão criou-se uma situação desagradável para mim. É preciso dizer que de forma alguma descurei os meus deveres com treinador do Manchester United durante esse período. Tenho um excelente advogado, Les Dalgarno, e ele geriu o processo por mim. Não afetou o meu gosto pelas corridas e estou de boas relações com John Magnier, o patrão de Coolmore. As corridas ensinaram-me a desligar, tal como ler livros ou comprar vinhos. Essa faceta da minha vida desenvolveu-se verdadeiramente a partir de 1997, quando bati na parede e percebi que precisava de fazer qualquer coisa para distrair os meus pensamentos do futebol. Aprender sobre vinhos também ajudou nesse aspeto. Comecei a comprálos juntamente com Frank Cohen, um grande colecionador de arte contemporânea e meu vizinho. Quando Frank foi viver uns tempos para o estrangeiro, passei a fazer isso sozinho. Nunca poderei considerar-me um especialista, mas não sou mau. Conheço as boas colheitas e os bons vinhos. Sou capaz de provar um e distinguir as


suas propriedades. Os meus estudos levaram-me até Bordéus e à região do champanhe, mas foi sobretudo através da leitura que expandi o meu conhecimento, bem como por meio de conversas com negociantes e especialistas ao almoço ou ao jantar. Era entusiasmante. Jantei com o crítico de vinhos e apresentador televisivo Oz Clarke e com o comerciante John Armit. Os bares Corney & Barrow servem grandes refeições. Estes homens têm longas conversas sobre vinhas e colheitas que eu não consigo acompanhar, mas que me deixavam sempre enfeitiçado. Talvez tivesse tido a obrigação de saber mais sobre as vinhas. São a essência de tudo, mas rapidamente desenvolvi um conhecimento de trabalho. No outono de 2010, perguntaram-me sobre a reforma e dei por mim a responder, instintivamente: «A reforma é para os jovens que têm outras coisas para fazer.» Aos 70 anos, com a ociosidade, toda a estrutura se desfaz rapidamente. Precisamos de ter algo a que nos dedicarmos depois. Logo a seguir, no dia imediato, não após três meses de férias. Quando somos novos, precisamos de 14 horas por dia porque procuramos estabilidade e a única forma de a obtermos é trabalhar como galegos. Dessa forma, criamos uma ética laboral para nós mesmos. Se tivermos família, passamo-la a ela. A minha mãe e o meu pai transmitiram-me o fruto do seu trabalho e eu fiz o mesmo com os meus filhos. Na juventude, temos a oportunidade de conquistar toda a estabilidade da vida futura. Com a idade precisamos de dosear a nossa energia. Mantenham-se em forma. As pessoas necessitam de continuar em forma. Comam corretamente. Nunca fui um grande dorminhoco, mas garantia as minhas cinco ou seis horas de sono, o que era adequado para mim. Há pessoas que acordam e ficam deitadas na cama. Nunca consegui fazer isso. Desperto e salto para o chão de imediato. Estou pronto para ir para qualquer lado. Não fico estendido a desperdiçar o meu tempo. Tivemos a nossa dose de sono – e por isso é que acordámos. Eu levantava-me às seis, talvez 15 minutos depois, e estava no campo de


treinos às sete. Era apenas um quarto de hora de caminho, tornou-se um hábito. E a rotina nunca mudava. Sou de uma geração do tempo da guerra, que dizia: nasceste, és tu. Tínhamos a biblioteca, a piscina e o futebol. Os nossos pais passavam o dia a trabalhar, por isso ou a nossa avó deitava o canto do olho para saber se estávamos bem, ou atingíamos uma idade na qual tomávamos conta de nós mesmos. Era este o nosso padrão básico. A minha mãe costumava dizer: «Aí está o picado, aí estão as batatas, só precisas de ter tudo pronto às quatro e meia.» Tudo ficava já pronto a cozinhar. Acendíamos a lareira para quando regressassem do trabalho. O meu pai chegava por volta das seis menos um quarto e a mesa estava posta – era a nossa obrigação –, e levávamos as cinzas para a estrumeira. Estas eram as nossas tarefas depois da escola e fazíamos os trabalhos mais tarde, o meu irmão e eu, pelas sete da noite. Era um regime simples, fruto da ausência dos confortos modernos. Hoje em dia, temos seres humanos mais frágeis. Nunca estiveram nas docas, nunca estiveram nas minas e poucos foram obrigados a trabalho de mãos. Temos uma geração de pais, na qual se incluem os meus filhos, que fazem mais pelas suas crianças do que eu fiz. Estão presentes em mais eventos familiares do que aqueles em que participei e fazem piqueniques com as crianças. Nunca organizei nenhum em toda a minha vida. Dizia: «Vão brincar, rapazes.» Havia um pátio de escola perto da nossa casa, em Aberdeen, e os miúdos passavam lá os seus dias com os amigos. Não tivemos leitor de vídeos até 1980. E via-se cheio de grão, terrível. O progresso trouxe os CD e DVD, e netos que constroem a sua equipa de fantasia no seu computador pessoal. Não fiz o suficiente pelos meus filhos, mas Cathy, a minha mulher, fê-lo, porque era uma grande mãe. Costumava dizer: «Quando chegarem aos 16 anos, vão ser meninos do papá», o que foi verdade. À medida que


cresceram, os três irmãos tornaram-se muito próximos uns dos outros, o que me deixou feliz, e Cathy concluía: «Eu disse-te.» «Mas foste tu que os fizeste», retorquia eu. «Se alguma vez proferir uma palavra de desagrado sobre ti, eles matam-me. Continuas a ser a chefe.» Neste mundo, não há segredo para o sucesso. A chave é trabalho árduo. O livro de Malcolm Gladwell Outliers – os Melhores, os mais Inteligentes, os mais Bem-Sucedidos, podia chamar-se «Trabalho Árduo. Duro Trabalho Árduo.» Os exemplos estendem-se pelo tempo até Carnegie e Rockefeller. Há uma história sobre este último que eu adoro. A família era frequentadora da igreja. Um dia, quando a caixa das contribuições ia passando de mão em mão e cada crente depositava nela um dólar, o filho perguntou-lhe: «Pai, não era preferível darmos já 50 dólares para o ano inteiro?» «Sim», respondeu-lhe, «mas iríamos perder três dólares, filho. Juros.» Também ensinou o seu mordomo a acender uma lareira capaz de durar mais uma hora a arder, colocando a lenha de uma forma específica. E era bilionário. O trabalho duro de Rockefeller instigou nele uma natureza frugal. Havia algo disso em mim. Ainda hoje, se os meus netos deixam comida no prato, eu como-a. Fazia o mesmo com os meus três filhos. «Não deixes nada no prato», era um mantra. Agora, se me aproximasse da comida, Mark, Jason ou Darren cortavam-me a mão. Nada vence o trabalho árduo. Claro que a mistura entre ele e o stresse instala no nosso corpo uma tensão invisível. Tal como a idade. Entre uma coisa e outra passei a ter problemas de coração. Certa manhã, no ginásio, com a fita em redor do peito, vi a minha batida cardíaca voar de 90 para 160. Chamei o instrutor, Mike Clegg, e queixei-me: «A fita deve estar avariada.»


Experimentámos outra. Os mesmos resultados. «Tem de ir ao médico», disse Mike. «Isto não está bem.» Aconselharam-me uma consulta com Derek Rowlands, o médico que tratara Graeme Souness. Era fibrilhação. Propôs-me que tentasse choques elétricos de forma a controlar a batida cardíaca. Sete dias mais tarde, estava de volta ao normal. No nosso jogo seguinte, no entanto, perdemos e a minha batida cardíaca voltou a acelerar. Culpei os jogadores. Uma vitória poderia ter-me mantido nos parâmetros normais. O tratamento tinha tido uma taxa de 50 a 60 por cento de sucesso, mas eu sabia que era preciso mais. A solução seria colocar um pacemaker e tomar uma aspirina todos os dias. A operação, que se realizou em março de 2004, durou meia hora. Vi tudo no ecrã. Vou sempre lembrar-me do sangue a espirrar. O aparelho foi substituído no outono de 2010. Duram oito anos. Dessa vez, dormi durante toda a cirurgia. Ao longo destas consultas, foi-me dito que poderia continuar a fazer o que gostava na vida: exercício, trabalhar, beber o meu vinho. Confesso que o episódio inicial me incomodou. No ano anterior tinha feito um exame clínico e a minha batida cardíaca era de 48. Albert Morgan, o nosso roupeiro, troçou: «Nunca pensei que tivesse um bom coração.» A minha forma era excelente. E, no entanto, 12 meses depois precisei de um pacemaker, o que me mostrou que envelhecer é como um castigo. Tornamo-nos suscetíveis. Pensamos que somos indestrutíveis. Eu pensava: sabemos que a porta da vida se vai fechar na nossa cara um dia, mas consideramo-nos inquebráveis até que esse momento chegue. De repente, Deus puxa-nos as rédeas. Nos meus dias de juventude, correria de uma ponta a outra do campo, chutando todas as bolas, envolvendo-me em todos os aspetos do jogo. Com a idade acalmei. No fim, já me dedicava mais a observar os acontecimentos do que a envolver-me diretamente na ação, embora alguns jogos ainda fossem capazes de puxar por mim. De tempos a tempos, recordavam-me


que ainda estava vivo. E passava essa mensagem para os árbitros, para os meus jogadores e para os meus adversários. Em relação à saúde, geralmente dizemos: se for avisado, acautele-se. Ouça os médicos. Faça análises. Preste atenção ao seu peso e àquilo que come. Sinto-me feliz por dizer que o simples ato de ler é um maravilhoso alívio para as pressões do trabalho e da vida. Se levar um convidado a ver a minha biblioteca, ele encontrará livros sobre presidentes, primeiros-ministros, Nelson Mandela, Rockefeller, a arte da oratória, Nixon e Kissinger, Brown, Blair, Mountbatten, Churchill, Clinton, África do Sul e história da Escócia. O livro de Gordon Brown sobre o político escocês James Maxton está lá. Como estão todos os volumes sobre Kennedy. Depois tenho a minha secção de déspotas. O que me interessa neles são os extremos em que a humanidade pode cair. O Jovem Estaline, de Simon Sebag Montefiore; os ditadores – Estaline, Hitler e Lenine; Segunda Guerra Mundial: à Porta Fechada – Estaline, os Nazis e o Ocidente, de Laurence Rees; Estalinegrado e A Queda de Berlim, de Antony Beevor. Num registo mais leve, posso falar de Edmund Hillary e David Niven. Depois, regresso ao lado negro do crime: os Kray35 e a máfia americana. Ao longo da vida estive sempre tão envolvido no desporto que nunca tive a tentação de ler livros sobre o assunto. Mas tenho alguns calhamaços nas minhas prateleiras. Lendo When The Pride Still Mattered, a biografia de Vince Lombardi escrita por David Maraniss, o grande treinador dos Green Bay Packers, pensei: «É sobre mim que ele escreve. Sou tal e qual como Lombardi.» A obsessão. Identificava-me profundamente com uma frase dele: «Não perdemos o jogo, só chegámos atrasados.»


29 Enquanto o primeiro-ministro do Reino Unido reside no número 10 de Downing Street, o número 11 é ocupado pelo second lord of the Treasury, equivalente ao nosso ministro das Finanças. (N. do T.) 30 Staffordshire Potteries é o nome que engloba uma área industrial formada por Tunstall, Hanley, Stoke, Fenton e Longton, e que hoje em dia constitui a cidade de Stoke-on-Trent. (N. do T.) 31 A comissão presidencial para o assassínio do presidente Kennedy, nomeada pelo presidente Lyndon B. Johnson, em novembro de 1963, tinha como missão investigar o assassínio de John F.Kennedy. Foi apelidada de Warren Comission por causa do seu responsável, Earl Warren. Um dos membros dessa comissão foi Gerald Ford, representante do Michigan, mais tarde eleito como 38.º presidente dos Estados Unidos. (N. do T.) 32 As corridas de cavalos do National Hunt, nome oficial das provas disputadas no Reino Unido, França e Irlanda, obedecem a uma classificação medida pelo grau de dificuldade. As provas de maior prestígio são denominadas de grade 1. (N. do T.) 33 Lexus Chase e Aintree Bowl são corridas de cavalos de grade 1. A primeira, aberta a cavalos com cinco anos ou mais, disputa-se na Irlanda, em Leopardstown, numa distância de três milhas (4,828 quilómetros); a segunda decorre em Aintree, no Merseyside, com 7,24 quilómetros. (N. do T.) 34 Organização responsável pela compra e venda dos cavalos de corrida, sedeada em Highclare, Birmingham. (N. do T.) 35 Ronald «Ronnie» Kray e Reginald «Reggie» Kray, irmãos gémeos, foram os mais famosos gangsters do crime organizado do East End de Londres, nos anos 1950 a 1960. (N. do T.)

11 VAN NISTELROOY Estava em casa numa noite de neve de janeiro de 2010 quando o meu telemóvel apitou com uma mensagem escrita: «Não sei se se lembra de mim», começava, «mas precisava de falar consigo.» Ruud van Nistelrooy. «Cristo! O que vem a ser isto?», disse para a Cathy. «Ele já se foi embora há quatro anos.» Ela respondeu: «Que quererá? Talvez voltar para o Manchester United.» «Não, não sejas tonta», atalhei.


Não fazia ideia do que poderia ser, mas respondi-lhe: «Okay.» E então ele ligou. Primeiro, conversa de chacha. Tinha sofrido umas lesões, já estava em forma, mas não jogava, bla, bla, bla. Depois, saiu-se com esta: «Quero pedir desculpa pelo meu comportamento no último ano no United.» Gosto de pessoas que conseguem pedir desculpas. Sempre admirei isso. Nesta cultura moderna de autoabsorção, esquecemo-nos de que existe a palavra desculpa. Os jogadores são envolvidos num casulo pelo treinador e pelo clube, pela imprensa, pelos empresários, ou por amigos que passam o tempo a dizer-lhes como são magníficos. É bom encontrar um que seja capaz de pegar no telefone mais tarde e dizer: «Estava errado, peço desculpa.» Ruud não entrou em explicações. Talvez devesse ter aproveitado a oportunidade para lhe perguntar: «Por que razão escolheste esse caminho?» Refletindo sobre o telefonema de Ruud, nessa noite de inverno, sabia que dois ou três clubes da Premier League estavam atrás dele, mas não conseguia aceitar que fosse essa a razão por que me ligou. Não havia motivo para restaurar a sua relação com o Manchester United para jogar por outro clube inglês. Talvez fosse um complexo de culpa. Pode ter estado na sua cabeça durante tempos. Ruud era certamente uma pessoa mais madura nessa fase. O primeiro sinal de problemas na nossa relação deu-se quando ele começou a queixar-se de Ronaldo a Carlos Queiroz. Houve alguns confrontos, mas nada que não fosse controlável. Depois, Ruud virou as suas queixas para Gary Neville, mas este estava preparado para enfrentar a situação e ganhou a batalha. David Bellion era outro que parecia provocar azedume em Ruud. Surgiram algumas altercações durante a sua última época connosco, mas o grande alvo de Van Nistelrooy era Ronaldo. No final da época anterior, 2004-05, fomos à final da Taça de Inglaterra com o Arsenal. Van Nistelrooy fez um jogo terrível. Na quarta-feira que antecedeu o jogo, o seu empresário, Rodger Linse, procurou David Gill e propôs uma mudança: «Ruud quer ir embora.»


David fez-lhe ver que tínhamos uma final para jogar no sábado e que talvez não fosse o melhor momento para o nosso avançado-centro dizer que queria sair. Perguntou-lhe o porquê de tal decisão. Linse respondeu que Van Nistelrooy era de opinião de que a equipa tinha estagnado e de que não seríamos capazes de vencer a Liga dos Campeões. O seu ponto de vista era o de que não podíamos ser campeões da Europa com jogadores jovens – como Rooney e Ronaldo. Depois da final da Taça, David ligou a Rodger para marcar uma reunião comigo e Ruud. A nossa posição era dura porque o Real Madrid não iria pagar 35 milhões de libras por ele. Isso era óbvio. E penso que era essa a razão pela qual Ruud queria sair. Tivesse o Real Madrid na disposição de dar os 35 milhões por ele e não havia necessidade de forçar a saída. Estava à espera de regatear com o clube de forma a encontrar uma verba que o United achasse aceitável. Ideia tonta. Por isso, fizemos a nossa reunião. Ele mantinha que não podia estar à espera de que Rooney e Ronaldo amadurecessem. «Mas eles são grandes jogadores», disse-lhe. «Devias liderar estes jovens. Ajudá-los.» Ruud teimou que não queria esperar. «Olha, vamos contratar este verão alguns jogadores que nos devolvam ao nível habitual», afirmei. «Não gostamos de perder finais, não gostamos de perder o campeonato. Quando construímos equipas temos de ser pacientes. Não apenas eu, os jogadores também. Esta equipa vai ser boa.» Aceitou os meus argumentos e apertámos as mãos. Nessa época, fomos buscar Vidić e Evra na janela de transferências de janeiro. Indiretamente, essas duas aquisições serviriam para desencadear o momento mais alto de todo o tempo em que Ruud esteve connosco. Na Carling Cup, joguei sempre com Louis Saha na frente. Quando chegámos à final, disse ao Ruud: «Escuta, não seria justo se não incluísse o Saha na equipa. Sei que gostas de jogar finais. Espero poder meter-te durante o jogo», foi este o meu discurso, sem dúvidas.


Estávamos em velocidade cruzeiro contra o Wigan e vi ali uma boa oportunidade para dar ao Vidić e ao Evra um sabor do jogo. Foram as minhas últimas substituições. Virei-me para o Ruud e disse: «Vou dar uma oportunidade a estes dois miúdos.» Vão ter um toque, um cheiro de ganhar algo pelo Manchester United.» «Seu...!», soltou Van Nistelrooy. Vou lembrar-me sempre disso. Nem queria acreditar. Carlos Queiroz fez-lhe frente. Tornou-se agressivo no banco de suplentes. Os outros jogadores aconselhavam-no: «Domina-te.» Mas foi o fim dele. Percebi que nunca o recuperaríamos. Tinha chegado a um beco sem saída. Depois desse incidente, a sua conduta foi de mal a pior. Na última semana dessa campanha, precisávamos de vencer o jogo derradeiro da época, contra o Charlton. Por via das lesões de Saha, estávamos a pisar gelo fino. Mas, apesar de tudo, sentia ser impossível chamar Ruud. Carlos foi ao quarto dele e sublinhou: «Não te vamos convocar, vai para casa. Não suportamos mais a forma como te comportaste durante toda a semana.» Ronaldo tinha perdido o pai recentemente. Nos treinos dessa semana, Ruud pontapeou-o e disse: «E agora? Que vais fazer? Queixar-te ao papá?» Ele referia-se a Carlos, não ao pai de Cristiano. Provavelmente nem pensou. Mas, nessa altura, já Ronaldo estava transtornado, queria ir para cima de Van Nistelrooy, e Carlos ficara aborrecido com o insulto. Como seria de esperar, este tinha tomado conta de Ronaldo. É um treinador português, são do mesmo país. E aqui estava um rapazinho a quem morrera o pai. Se não pudesse pedir o apoio de Carlos, a quem iria pedi-lo? Todo o episódio foi triste. Porque mudou Ruud, não sei. Não posso garantir que apostasse nisso a sua forma de sair de Old Trafford. Nunca o favoreci nem lhe dei qualquer crédito suplementar no que aos outros jogadores diz respeito.


Foi uma pena, porque os seus números eram sensacionais. Foi um dos maiores goleadores do nosso clube. Os primeiros problemas surgiram na sua segunda época, quando chegou a altura de renovar contrato tendo como base o seu acordo inicial. Quis uma nova cláusula que lhe permitisse sair para o Real Madrid, especificamente o Real Madrid, no caso de este oferecer determinada verba. Uma cláusula de rescisão. Ponderei o assunto durante muito tempo. A minha sensação era a de que, sem essa cláusula, Van Nistelrooy não assinava. Por outro lado, se cedêssemos dar-lhe-íamos capacidade de controlo. Corríamos o risco de o ver sair na época seguinte. Dessa forma, inserimos a verba de 35 milhões de libras, que pensávamos afastar qualquer comprador, mesmo o Real Madrid. Disse ao David: «Se na próxima temporada pagarem os trinta e cinco milhões, ao menos sabemos que duplicámos o que gastámos nele. Senão, fica as duas épocas de contrato que restam e então já terá 29 anos. Somará quatro anos connosco. Já poderá sair.» Tudo bem, mas Ruud mudou no momento em que assinou aquele contrato. Na última época, tornou-se um rapaz difícil. Penso que no final já não era popular. A alteração que se deu nele foi dramática. O meu irmão Martin viu-o jogar pelo Heerenveen e afirmou: «Gosto mesmo deste tipo, faz bem o seu trabalho.» Perante tal afirmação, tive de entrar em ação. Fomos vê-lo outra vez, mas recebemos a informação de que tinha assinado pelo PSV no mês anterior. Isso baralhou-me. Contudo, parecia ser um negócio fechado. De qualquer forma, mantivemo-lo sob vista e avançámos em 2000. Numas curtas folgas em Espanha, durante uma fase de jogos de seleções, recebi más notícias: uma mensagem do nosso médico a dizer que Ruud chumbara nos testes. Estávamos certos de que ele sofrera danos nos ligamentos cruzados. O PSV não aceitava o diagnóstico, afirmando que os testes feitos por eles mostravam apenas um pequeno problema nos ligamentos que não podia impedi-lo de ser aprovado nos nossos. Mas o Mike Stoner não assinava por baixo. Dessa forma, devolvemos o jogador ao PSV, que começou a filmar os seus treinos para nós. Numa das sessões, o joelho de Ruud cedeu quase por completo. A sequência de imagens que o seguiam mostram-no a gritar de dor. Que havíamos de fazer?


«Hoje em dia, com as pessoas competentes a velarem por eles, os jogadores recuperam deste tipo de lesão em poucos meses», disse eu ao Martin Edwards. Van Nistelrooy seguiu o caminho da confiança até ao Dr. Richard Steadman, no Colorado, e esteve afastado cerca de um ano. Voltou no finalzinho dessa época e assinámos contrato em 2001, depois de o ter ido observar num jogo contra o Ajax. A sua mobilidade não fora afetada e a sua passada não afrouxara. Era o mais rápido dos goleadores, galopava e tinha um raciocínio rápido dentro da grande área. Também fui visitá-lo a sua casa durante a sua convalescença e disse-lhe que o íamos levar para Old Trafford a despeito da lesão. Foi para ele uma mensagem importante, porque não o senti como o rapaz mais confiante do mundo naquela altura. Era um moço do campo. Tinha o estilo de um velho ponta-de-lança italiano fora de moda. Esqueçam todas aquelas correrias pelas alas e carrinhos. Nos anos 1960, a Juventus tinha um avançado-centro chamado Pietro Anastasi que contribuía muito pouco durante os jogos antes de os ganhar à custa de explosões para golos súbitos. Era o género de goleador que marcou essa era. Deixavam-nos fazer o seu trabalho na grande área. Van Nistelrooy era dessa estirpe. Precisávamos de lhe oferecer oportunidades. Era um finalizador implacável, que marcava golos de forma furtiva. Na verdade, foi um dos pontas-de-lança mais egoístas que alguma vez vi. O seu registo pessoal era a sua obsessão. Esse egoísmo elevou-o ao patamar dos grandes assassinos. Não se preocupava em construir lances, nem com os quilómetros que percorria em cada jogo. A única coisa que verdadeiramente lhe interessava era quantos golos marcava. Soberbo no «primeiro toque». Surgia como uma seta, ultrapassando o defesa, e aplicava aquele veloz e letal remate.


Se comparasse todos os meus grandes goleadores (Andy Cole, Eric Cantona, Van Nistelrooy, Rooney), Ruud era o mais prolífico, mas o finalizador mais natural foi Solskjaer. Van Nistelrooy marcou golos magníficos, mas na sua maioria à babugem, na pequena área. Andy Cole também marcou muitos excelentes, mas na confusão, com as canelas, em que bastava empurrar a bola. A forma de finalizar de Solskjaer podia ser majestosa. O seu processo mental era o suporte da sua técnica. Tinha um raciocínio analítico. Mal chegava à zona de tiro, já levava consigo a decisão. Formava cenários mentais em toda a parte. E, no entanto, não jogava sempre porque não era dos mais agressivos. Veio a desenvolver essa característica com o tempo, mas foi sempre um rapazinho esguio, pouco capaz de desbravar sozinho o seu caminho. Nos jogos, sentado no banco, ou nos treinos, estava sempre a tomar notas. Por isso, na altura de entrar já tinha analisado as características dos adversários e as posições que assumiam. Essas imagens faziam sentido para ele. O jogo desenrolava-se perante si como um diagrama e sabia para onde e quando devia ir. Ole era um miúdo adorável que nunca procurou confrontar-me. A porta do meu gabinete não corria o risco de ser arrombada por ele, exigindo um lugar no onze. Estava contente com a sua função e isso ajudou-nos porque, se tínhamos de tomar decisões complicadas em relação aos outros três avançados-centros, pensando em qual deixar de fora, ao menos o quarto estava feliz no seu papel secundário. Assim só sobravam três resmungões com quem lidar. Yorke, Cole e Sheringham. A princípio pensei que o espectro de atributos de Ruud eram mais latos do que aquilo que revelaram ser. Esperei ver nele mais daquele trabalho de sapa que os jogadores do Manchester United são obrigados a fazer. Havia alturas em que cumpria a sua parte e aplicava-se nisso, mas nunca se mostrou muito inclinado em ser um trabalhador para a equipa. Não era dotado de grande energia. Os resultados dos seus testes nunca foram muito entusiasmantes. E, apesar de tudo, sabíamos que ele meteria a bola nas redes, se a puséssemos ao seu alcance.


Nos anos anteriores, tínhamos perdido Cantona, Teddy Sheringham saíra, Ole estava com problemas no joelho, Yorkie deixara de estar tão concentrado e Andy ainda estava fresco e em forma. Podíamos sempre confiar nele, mas sabia que a partir do momento em que fosse buscar Van Nistelrooy teria aborrecimentos porque se julgava o melhor ponta-de-lança do mundo. Digo isto com afeição, porque é uma útil forma de se ver a si próprio, mas ficou de mau humor quando se viu equiparado a Ruud. O desagrado também foi evidente na relação entre Andy e Cantona. O único colega do qual era verdadeiramente próximo era Yorkie. A época de 1998-98 foi celestial. A sua camaradagem, a sua amizade, eram fenomenais. Não se conheciam antes de Yorkie chegar ao clube, mas a química foi imediata. Nos treinos faziam os sprints juntos, trabalho com os pinos, um-dois. Sincronizavam-se maravilhosamente. Acho que entre ambos marcaram 53 golos. Sabendo que Van Nistelrooy não ia jogar para Andy, vendi este ao Blackburn Rovers. Estava no início dos trintas, por essa altura, e sentimos que já tínhamos tirado bom proveito dele. Contratámo-lo em 1995, esteve sete épocas connosco, e recebemos 6,5 milhões de libras do Blackburn. Pagámos por ele ao Newcastle sete milhões, mais Keith Gillespie, que não valia mais de um milhão. Por isso, recuperámos praticamente o investimento depois de sete anos de produtividade. Nada mau. Outro avançado que pagou as custas da singularidade de Ruud foi Forlán, grande jogador. Ruud queria ser o goleador número um. Estava na sua natureza. Diego Forlán pura e simplesmente não existia para ele, e assim, quando os punha juntos, havia zero de empatia. Diego era melhor com alguém ao lado. E marcou alguns golos preciosos. Dois em Anfield, outro no último remate do jogo contra o Chelsea. Era bom jogador e um profissional tremendo. Outro problema que tive com ele foi o facto de ter uma irmã inválida, em Maiorca, e sentir que tinha de olhar por ela. Mas criava bom ambiente, sempre a sorrir. Falava cinco línguas. Como pessoa, era um sopro de ar


fresco. Deixámo-lo sair por dois milhões de libras, demasiado barato, na minha opinião. Com o ordenado que ganhava, nenhum clube o viria buscar por mais do que isso. Soubemos depois que fora em seguida negociado por 15 milhões. Flutuava sobre o relvado. Era pequeno, mas forte na zona do tronco. Duro. Jogava tão bem ténis que poderia ter sido um profissional e escolher entre isso e o futebol. Já o sabia, quando ele chegou. Durante o nosso torneio de ténis da pré-época, tentei apostar nele. Perguntei ao Gary Neville, que fazia de bookmaker: «Quanto vale uma aposta no Diego?» «Porquê? Porquê?», alarmou-se. «Ele joga?» «Como é que vou saber?», rebati. «Porque não lhe perguntas?» Mas Gary estava a gozar comigo. Não haveria apostas no Diego. Ele massacrou-os a todos. Cortou-os em pedaços. «Julga que somos estúpidos, não é?», atacou Gary. «Bem», disse eu, «valeu a pena tentar. Tinha a esperança que me respondesses dez-para-um.»

12 MOURINHO – O RIVAL «ESPECIAL» Aprimeira vez que reconheci em Mourinho uma potencial ameaça foi na sua conferência de imprensa de apresentação no Chelsea, no verão de 2004: «I‘m the Special One», anunciou José. «Que jovem arrogante de m...», pensei enquanto o via entreter a imprensa com bom material para manchetes.


Uma voz interior avisou-me: há um rapaz novo no bairro. Jovem. Nem pensar em discutir com ele. Nem pensar em combatê-lo. Tem a inteligência e a confiança para lidar com o cargo de treinador do Chelsea. Tinha falado muito com o Carlos sobre José e ele dissera: «É um rapaz muito inteligente.» O seu conhecimento sobre Mourinho vinha do tempo em que ambos se tinham cruzado na faculdade. José fora aluno de Carlos, em Portugal. «O meu melhor aluno, de longe.» Armado com estes dados, vi-o montar a onda de expectativas que criara para si próprio; a onda que o levou do Porto a Londres e a trabalhar para Roman Abramovich. José é um daqueles tipos que se mantêm mais tempo do que os outros em pé sobre uma prancha de surfe. Percebi de imediato que não seria sensato arrastá-lo para um conflito psicológico. Precisava de descobrir outra forma de o derrubar. No período que mediou entre agosto de 2004 e maio de 2006, só ganhámos um troféu: a Taça da Liga de 2006. O Chelsea e José venceram a Liga em ambas essas campanhas. À medida que o Arsenal caía, a riqueza de Abramovich e o talento de José como treinador tornavam-se os maiores obstáculos para a nossa reabilitação. Tradicionalmente, a nossa preparação para a nova época enfatiza-se sobre a segunda metade do programa de 38 jogos. Acabamos sempre fortes. Há tanta ciência como força mental por detrás das nossas vitórias nos meses em que elas são verdadeiramente importantes. José acabara de chegar, trabalhava para um patrão que tinha rios de dinheiro, e com muito entusiasmo, varrendo o seu caminho. No outono de 2004, precisava de um início forte nas suas primeiras semanas em Stamford Bridge. O Chelsea arrancou com seis pontos de vantagem e não fomos capazes de contrariá-lo. A partir do momento em que começou a liderar a corrida para o título, José assegurou-se de que a sua equipa venceria muitos jogos por resultados curtos. Tudo vitórias por um/dois a zero. Ganhava vantagem e depois segurava-a. O Chelsea tornou-se extremamente difícil de quebrar. Estava muito mais bem organizado do que dantes. Depois de Mourinho chegar, não voltei a ganhar um jogo em Stamford Bridge.


José aposta muito no trabalho de pré-época na construção defensiva, e joga inicialmente com três homens atrás, dois laterais e um losango a meiocampo. É difícil lutar contra essa formação. O nosso primeiro encontro foi na Liga dos Campeões de 2004-05, quando o FC Porto de José nos eliminou. Tive uma altercação com ele no final da primeira mão, mas é frequente haver questiúnculas com treinadores no nosso encontro inicial. Até com George Graham aconteceu, quando este estava no Arsenal. Depois, tornámo-nos bons amigos. Com Mourinho foi igual. Sempre o considerei muito disponível e comunicativo. Acho que ele percebeu que lidava com alguém que já tinha vivenciado todos os extremos do futebol e apreciava a nossa conversa. A minha indignação nesse jogo da primeira mão prendeu-se com o excesso de teatro dos jogadores do FC Porto. Penso que ele ficou de pé atrás com a minha irritação. Fui longe de mais. Não tinha necessidade de despejar a minha contrariedade em cima dele. Estava mais zangado com Keane por ter sido expulso. Ainda bailavam na minha cabeça as queixas de Martin O‘Neill sobre o comportamento dos jogadores de José na final da Taça UEFA, entre o Celtic e o FC Porto, que este último ganhou. Tinha uma semente a crescer dentro de mim. Vi essa final, mas não senti que fossem muitos diferentes de quaisquer outros portugueses, mas quando Martin O‘Neill insistiu no assunto persuadi-me de que a equipa de José era cínica. A impressão que retirei desse primeiro jogo foi a de que Roy tinha sido vítima de um erro de arbitragem. Revendo o lance, tornou-se claro que procurou deixar a sua marca no guarda-redes. Isso reduziu-nos a dez jogadores e significou a suspensão de Keane para a segunda mão. No jogo de Old Trafford, os árbitros portaram-se de forma bizarra. A três ou quatro minutos do fim do jogo, estávamos ao ataque. Ronaldo ultrapassou o último defesa e ele deitou-o ao chão. O fiscal de linha levantou a bandeira, mas o juiz russo deixou jogar. O FC Porto devolveu a jogada e marcou.


Felicitei José no final desse encontro. Quando uma equipa nos vence, é imperativo encontrar uma forma de desejar: «Tudo do melhor.» Bebemos um copo de vinho e eu disse-lhe: «Tiveste sorte, mas felicidades para a próxima eliminatória.» Na vez seguinte que surgiu em Old Trafford, trouxe com ele uma garrafa de vinho, Barca Velha, e uma tradição começou. No Chelsea, o vinho era horroroso, coisa que nunca consegui perceber. Uma vez, disse a Abramovich: «Isto é zurrapa!» Na semana seguinte, enviou-me uma caixa de Tignanello. Grande colheita, uma das melhores. Quanto à correria de José ao longo da linha lateral, em Old Trafford, também já fiz o mesmo. Se me recordo, quando marcámos ao Sheffield Wednesday e o Brian Kidd caiu de joelhos no relvado, enquanto eu festejava na lateral. Admiro pessoas que nos mostram as suas emoções. Demonstram que lhes dão importância. Essa vitória na Liga dos Campeões sobre o United lançou José. Bater o Celtic na final da Taça UEFA foi uma proeza, mas afastar o United em Old Trafford e depois vencer a Liga dos Campeões foi uma demonstração cabal do seu talento. Lembro-me de lhe dizer uma vez, por volta de 2008: «Não sei quando vou retirar-me. É difícil quando envelhecemos porque temos medo da reforma.» Ele respondeu que tinha outros desafios em vista, mas que queria, sem dúvida, regressar a Inglaterra. Ganhou a Liga dos Campeões com o Inter e a Liga Espanhola com o Real Madrid antes de voltar ao Chelsea, em junho de 2013. Toda a gente com quem falo diz-me que José lida extremamente bem com os jogadores. É meticuloso com o seu planeamento, preocupa-se com os detalhes. Quando o conhecemos, torna-se uma pessoa agradável, e consegue brincar consigo próprio, contar piadas sobre si. Não sei até que ponto Wenger ou Benítez terão essa capacidade. Ver a forma como José tomou conta do Real Madrid depois de ter assinado em 2010 foi fascinante. Tratou-se do pormenor mais interessante que observei no futebol e o mais intrigante esquema de estilos, tanto de


treino como de jogo. Todos os treinadores que lá trabalharam tiveram de se submeter à filosofia da casa, a dos galácticos. Quando contrataram Mourinho, tenho a certeza de que estavam dispostos a deixá-lo implantar o seu estilo, isto se queriam ganhar a Liga dos Campeões. É como em todas as profissões. Trazemos alguém de fora e, de repente, tudo se altera, e os responsáveis pela entrada dizem: «Esperem um minuto, não sabíamos que ia ser assim.» Decerto alguns adeptos, sentados no Bernabéu, pensavam: «Não estou contente com isto. Não foi para isto que paguei. Prefiro perder por quatro a cinco do que por zero a um.» Por isso, o tempo de Mourinho no Real Madrid amarrou-me ao seu próprio destino. Foi o maior desafio da sua vida profissional. Tinha provado os méritos dos seus métodos no FC Porto, no Chelsea e no Inter de Milão. Havia ganho duas Ligas dos Campeões por dois clubes diferentes. Seria capaz de redesenhar o Real Madrid à sua imagem, à sua forma de pensar? De início não pareceu muito provável que viesse a abandonar as suas ideias em troca de um futebol totalmente ofensivo, cheio de exuberância. Sabia que não era essa a forma de ter sucesso no futebol moderno. O Barcelona ataca de uma forma magnífica, mas também é muito agressivo quando perde a bola. São um bloco muito trabalhador, um coletivo. De certo ponto de vista, quando o Real atingiu três finais da Liga dos Campeões em cinco anos tinha os melhores jogadores: Zidane, Figo, Roberto Carlos, Fernando Hierro, Iker Casillas na baliza. Claude Makelelé instalado no meio-campo, destruindo tudo. A partir daí, mantiveram a filosofia galáctica, importando jogadores holandeses em massa, e David Beckham, Van Nistelrooy, Robinho, mas a Liga dos Campeões foge-lhes desde a final de Glasgow, em 2002. Mourinho já tinha provado que poderia ganhar com grandes clubes, mas o mistério que eu queria ver resolvido era se o deixariam impor o seu estilo em Madrid.


Não há dúvida de que José é um pragmático. O princípio básico do seu sistema é garantir que a sua equipa não perde. Contra o Barcelona, na campanha da Liga dos Campeões da época anterior, sabia que o Inter iria ceder 65 por cento de posse de bola. Todas as equipas sabem isso. A tática do Barcelona passa por invadir por completo a zona do meio-campo. Se jogarmos com quatro jogadores ali, eles põem cinco; se pomos cinco, eles põem seis, ou até sete. Ao fazer isto, conseguem circular a bola por dentro e por fora, com apoio da defesa na fase exterior. Acabamos por nos ver metidos naquele carrossel, à roda e à roda e à roda até ficarmos tontos. De tempos a tempos, tropeçamos na bola. Observem um carrossel e perceberão o que quero dizer. Ficamos com os olhos trocados. Assim, José sabia que contra o Barcelona não iria ver a bola muitas vezes, mas tinha as suas armas, sobretudo concentração e posição. Esteban Cambiasso, o seu médio-centro, era uma peça fulcral nessa equipa do Inter. Se Messi surgia no centro, também Cambiasso. Parece fácil, mas no plano geral de uma equipa na qual todas as tarefas defensivas estão ligadas era fantasticamente eficaz. Mais tarde, observei um jogo do Real Madrid em que José fez três substituições nos últimos 15 minutos. Foram todas defensivas, para conservar o resultado. Contudo, tudo isto veio muito depois das nossas batalhas de metade da década, quando o Chelsea venceu a sua primeira Liga ao fim de 50 anos e voltou a ganhá-la doze meses mais tarde, no verão de 2006. Se 2004-05 foi uma época horrível, sem troféus, a época seguinte só nos trouxe a Taça da Liga. Uma nova equipa estava a crescer, mas não podia adivinhar que iria vencer três campeonatos consecutivos. A nossa estratégia baseava-se na preparação para as eventuais saídas de Keane, Giggs, Scholes e Neville. Três deles sobreviveram ao plano enquanto Keane teve de sair. A intenção era juntar jovens jogadores que pudessem desenvolver-se, durante uma série de anos, com a experiência de Giggs, Scholes e Gary a apoiar o seu crescimento. Agora posso olhar para trás e ver como foi uma política de sucesso.


Sim, tivemos uma época-travão em 2004-05, perdendo a Taça de Inglaterra para o Arsenal, nos penáltis, mas pude ver o que o futuro prometia nesse jogo, com Rooney e Ronaldo. Nesse dia, eles derreteram o Arsenal. Fizemos 21 remates à baliza. Nos oitavos-de-final da Liga dos Campeões perdemos em casa e fora 0-1 com o Milan, com ambos os golos a serem marcados por Hernán Crespo. Reconstruir não me assusta. É a minha segunda natureza. Um clube de futebol é como uma família. Às vezes as pessoas partem, por vezes são obrigadas a isso, outras vezes decidimos assim, outras ainda não há nada a fazer contra as lesões e a idade. Senti-me triste quando grandes jogadores nos deixaram. Também tive sempre um olho atento sobre aqueles que estavam a chegar ao fim. Uma voz cá dentro perguntava continuamente: «Quando irá ele embora? Quanto mais tempo vai durar?» A experiência ensinou-me a preparar jovens jogadores para posições importantes. Dessa forma, quando, no dia 10 de maio de 2005, fizemos a guarda de honra para o Chelsea, os novos campeões, no nosso campo, não estava disposto a render-me à riqueza de Abramovich nos anos que se seguiriam. Em termos psicológicos, foi um momento muito importante para o Chelsea. Tinham sido campeões pela primeira vez em meio século e podiam olhar para si próprios à luz de uma nova realidade. A lição que aprendemos é que, perante este novo adversário, os inícios de campeonato já não poderiam voltar a ser vagarosos. Na época seguinte, saímos voando, embora a campanha tenha sido um fiasco, com o pior momento no jogo com o Lille, em Paris, onde uma parte dos nossos adeptos vaiou os jovens jogadores no aquecimento, na sequência dos comentários de Keane na televisão, acusando-os de não se esforçarem o suficiente. Foi absolutamente assassino. Roy exacerbou a nossa baixa de forma, tomando os seus colegas como alvos. No campo, estivemos horríveis e a derrota por 0-1 nessa noite foi o meu ponto mais baixo por muitos anos.


Em novembro de 2005, o mesmo mês em que Keane deixou o clube, morreu George Best. Era uma boa pessoa, um tipo gentil, embora ligeiramente nervoso. Nervoso na conversa. Havia nele uma certa insegurança, que era incomodativa. Lembro-me de estar uma vez sentado com ele num bar, no Japão – ele vinha com uma namorada – e mal conseguia falar. Parecia emudecido pela timidez. George podia ter tido uma boa vida depois do futebol, treinando jovens jogadores, mas talvez não tivesse a personalidade para ser um mestre. Um facto sobre ele que pouca gente tem consciência é o de que era muito inteligente. O funeral foi muito concorrido, triste e extraordinariamente bem organizado pela cidade de Belfast. Teve o ambiente e a grandeza de um enterro de Estado. Recordome de olhar para o pai de George, um homem baixo e humilde, e pensar: «Produziu um dos melhores jogadores de todos os tempos.» Um homem de Belfast, um homem calado. Era possível perceber donde George herdara a sua discrição. Os adeptos do futebol neste país são geralmente da classe operária e, por isso, gostam de pessoas com defeitos. Best, Gascoigne, Jimmy Johnstone. Veem-se ao espelho nestes heróis imperfeitos. Compreendem a sua fragilidade. Jimmy era um rapaz tão adorável que era impossível não acharmos graça aos seus comportamentos azougados. Todas as sextas-feira à noite, Jock Stein ficava perto do telefone até a sua mulher, Jean, perguntar: «Que estás a fazer, aí parado a olhar para o telefone?» «Vai tocar», dizia Jock. «O telefone vai tocar.» Uma das chamadas típicas começava: «Daqui polícia de Lanarkshire, Mister Stein. Temos aqui o jovem Jimmy.»


George Best, por exemplo, foi um dos grandes vencedores da Taça dos Campeões pelo United. Mas estávamos muito longe desse pináculo na campanha que então se desenrolava. Wayne Rooney foi expulso num empate 0-0, em Villarreal, em setembro de 2005, por ter aplaudido sarcasticamente Kim Milton Nielsen, que também já expulsara David Beckham, no Campeonato do Mundo de 1998. Não é o meu árbitro favorito. Nielsen era dos juízes mais irritantes. Quando víamos o seu nome na ficha do jogo ficávamos petrificados. Noutra ocasião, Rooney lançou imprecações sobre Poll aí umas dez vezes. Este, que o poderia ter expulsado, talvez gostasse de ter as câmaras de televisão apontadas para si, mas ao menos teve o bom senso de tratar Wayne como um ser humano e não ficar incomodado com tanta dose de saliva. Nesse aspeto, Rooney tinha mais respeito por Poll do que por Nielsen. Foi nesse jogo que Heinze rasgou os ligamentos do joelho depois de o seu empresário nos ter pedido que o transferíssemos. Entretanto, depois de termos ficado fora da Liga dos Campeões, a seguir a uma derrota por 1-2 frente ao Benfica, em dezembro, a imprensa voltou a desenvolver a teoria do fora-de-prazo. Ser criticado por negligência continuada no trabalho teria feito sentido para mim, mas a ideia de que perdera qualidades por causa da idade era-me insuportável. Com ela ganhamos experiência. Houve uma fase em que jogadores do topo do futebol inglês começaram a ser contratados como técnicos da Premier League mesmo sem terem qualquer experiência do assunto. Treinadores batidos foram postos de parte. Vejam o que aconteceu com Bobby Robson, que foi afastado do Newcastle. Sam Allardyce, um treinador com provas dadas, não esteve mais de seis meses no mesmo clube. Ridículo! Enfrentar a imprensa à sexta-feira era doloroso. Ninguém me perguntava cara a cara: «Já não passou o seu prazo de validade?» Mas escreviam-no. Usavam o poder da caneta para destruir um treinador. Cada momento tem a sua própria lógica. Os adeptos dirão: «O que eles escrevem faz sentido, ouviram? Já ando há anos a dizer o mesmo.» Sabia para onde caminhávamos e que precisávamos de algum tempo. Não muito,


porque nessa fase da minha carreira não tinha créditos ilimitados. Não tivesse eu sentido que estávamos a construir uma nova equipa e sairia por minha própria vontade. Depositava confiança em Rooney e Ronaldo. Tinha a certeza de que a estrutura da prospeção era forte. Os jogadores iriam descobrir a forma de nos devolver aos níveis de sempre. Embora só tivéssemos conquistado a Taça da Liga, conseguimos alguns bons momentos em 2006. Depois da derrota com o Benfica, recuperámos com vitórias sobre o Wigan, Aston Villa, West Brom e Bolton, o que nos deixou a nove pontos do Chelsea na classificação. Eis que entraram Evra e Vidić. Principiámos a trabalhar ações específicas na defesa, especialmente com cruzamentos: posicionamento, ataque da bola, movimentos dos avançados, com os laterais no apoio. Começávamos no centro do terreno, com dois avançados e duas linhas de extremos, à direita e à esquerda. De início, a bola era passada para um dos avançados, que rematava. Imediatamente, uma segunda bola era lançada para uma das alas, donde surgia um centro, e uma terceira bola era metida na entrada da área. Desta forma eram obrigados a reagir ao remate, ao cruzamento e à bola que chegava à área tudo ao mesmo tempo. Três testes num só. A cultura do nosso jogo mudou. Quantos centrais há hoje em dia que gostem realmente de defender? Vidić gostava. Adorava o desafio de estar lá no meio. Era visível que aquelas disputas de bolas divididas o animavam. Smalling também é um pouco assim: adora defender. Vidić era um tipo obstinado, intratável. Um sérvio orgulhoso. Em 2009, veio dizer-me que talvez pudesse vir a ser chamado.» «Que queres dizer com isso, chamado?», alarmei-me. «Kosovo. Vou para lá», respondeu. «É o meu dever.» Li a decisão nos seus olhos. A busca do novos talentos atravessa fronteiras e continentes. Gérard Piqué foi um dos que descobrimos num torneio para jovens. A porta para os


bons jogadores do Barcelona abrira-se com a vinda de Cesc Fàbregas para o Arsenal, por isso estávamos seguros da nossa relação com Piqué. O problema que se levantava era que um dos seus avós tinha feito parte da direção do Barcelona. A família de Gérard estava embrenhada na história de Nou Camp. As constantes mudanças de treinador feitas recentemente em Barcelona também não ajudavam, visto que havia um fluxo de jogadores. Piqué era um central tremendo e fiquei muito desapontado quando me disse que queria regressar a Espanha. Tinha uma capacidade de passe excelente, grande personalidade e mentalidade ganhadora. Na sua família, todos são vencedores: pessoas de sucesso. Isso vê-se na sua mãe e no seu pai. Infelizmente, não quis esperar que Ferdinand e Vidić lhe dessem uma oportunidade. Foi o meu azar. Piqué e Evans teriam feito uma dupla fantástica para os 10 anos que se seguiram. Quando jogámos contra o Barcelona na meia-final da Liga dos Campeões e empatámos 0-0, o pai de Gérard veio falar comigo ao nosso hotel – são, de facto, excelentes pessoas – e explicou-me que o Barcelona pretendia o seu filho de volta. Eles também o queriam de regresso a casa. Tinham saudades. E Gérard queria ser titular e acreditava que podia jogar no onze do Barcelona. Tudo batia certo. A sua transferência estava fixada nos oito milhões de euros. Tinha-nos custado 180 000 libras de acordo com os regulamentos da FIFA à época. Entretanto, os grandes clubes da Europa começaram a levantar trincheiras de forma a contrariar os ataques ingleses. Não estavam dispostos a deixar que outros como Piqué ou Fàbregas continuassem a sair ano após ano. Na minha fase final de treinador, pescar um jovem talento em Espanha já poderia custar cinco milhões de euros, se estivéssemos a falar de um jogador de primeira equipa. Mas porque haviam de nos pedir meio milhão de libras por outro que não conseguisse dar o salto? Richard Eckersley foi um caso interessante: o Burnley ofereceu-nos meio milhão de libras por ele.


Queríamos um milhão. Gastámos 12 anos no crescimento do rapaz. A compensação deve chegar no momento em que se atinge a equipa principal. Não me parece que o clube vendedor se possa queixar, sobretudo quando existem cláusulas de rescisão. Todos estamos sujeitos a juízos errados, e eu cometi alguns nesses anos, com Kléberson, Djemba-Djemba e por aí fora. Fui acusado até ao fim por causa de Ralph Milne – que custou 170 000 libras. Gozaram-me. O pessoal do staff provocava-me: «Precisamos de outro Ralph Milne, chefe.» Todos eles trabalham comigo há 20 anos ou mais. E não se esquecem. William Prunier foi outro que me valeu brincadeiras. Até o Patrice Evra, no seu estilo esganiçado, me disse certa vez: «Chefe, foi você que comprou o William Prunier?» Ryan Giggs ficou pálido à espera da resposta. «Sim, andei a testá-lo uma vez», resmunguei. «A testá-lo», grasnou Evra. Não ia deixar cair o assunto. «Durante quanto tempo?» «Dois jogos.» «Um teste de dois jogos?» «Sim, e foi um desastre!» Patrice tinha atingido o alvo. A primeira coisa que fazemos com um novo jogador é ajudá-lo a ambientar-se: questões bancárias, casa, língua, transporte, etc. Há um sistema. A língua é sempre a grande barreira. A dificuldade de Valencia com o inglês, por exemplo, foi um problema. Com Antonio era uma questão de confiança. Eu consigo ler e escrever em francês, mas falta-me à-vontade para o falar. Antonio sabia isso. «Como vai o seu francês?», perguntou um dia. Aceitei o remoque. Mas garanti-lhe que, se estivesse em França, faria


um esforço para falar a língua. Valencia trabalhava em Inglaterra, o mesmo devia aplicar-se a ele. Como jogador, no entanto, era bravo como os diabos, não se deixava intimidar. É um rapaz das favelas. Trepou na vida a custo. Duro que se farta. Nos lances divididos, dizia presente e traçava armas com o adversário. Outra das boas contratações do verão de 2006, foi Michael Carrick. Há muito tempo que admirava as suas qualidades e David Gill recebeu notícias dos Spurs de que poderiam considerar vendê-lo. «Que verba daria por ele?», perguntou David. «Se o conseguir por oito milhões, é um bom negócio», respondi. Vou sempre lembrar-me da resposta que David trouxe após o primeiro contacto: «Daniel Levy mandou dizer que é preciso subir um bocado para poder aceitar.» Negociámos durante semanas. Tínhamos visto o Michael jogar contra o Arsenal no final da época anterior, e Martin disse-me: «É definitivamente um jogador à Manchester United.» Era a estrela da equipa. Acho que o seu preço inicial foi de 14 milhões, a chegar aos 18 milhões com as cláusulas acessórias. Michael tinha um jeito natural para o passe, isto numa fase em que Scholes atingia os trintas e meio. O que me impressionou nele foi a forma como estava sempre a prever o passe para a frente. A sua gama de recursos era larga e podia mudar o ritmo do jogo. Com o tipo de jogadores que tínhamos, eu era de opinião de que podíamos utilizar o passe longo. Um par de meses mais tarde, disse-lhe que não conseguia perceber porque é que ainda não marcara um único golo. Nos treinos rematava bem, mas nos jogos não se tornava ameaçador quando surgia em posição de alvejar a baliza. Melhorou nesse aspeto. Demos-lhe mais liberdade em campo e tentámos que libertasse forças que, se calhar, nem sabia que possuía. Talvez nos


Spurs estivesse rotinado a ser o médio mais adiantado e a inventar sozinho o caminho para o golo. Connosco, descobriu outras virtudes no seu jogo. É um belo jogador, o Michael. É um rapaz tímido que às vezes precisa de ser sacudido. Não começa bem as épocas, por motivos que procurámos perceber e que discutimos com ele, mas geralmente surge no fim de outubro. Há nele uma certa negligência que faz com que as pessoas não valorizem as suas qualidades e o seu caráter. Quando abandonei, Mourinho regressou ao Chelsea, que, em tempos, teve um dos meus jogadores estrangeiros favorito na Premier League – fora do United, claro! Gianfranco Zola era uma maravilha! Vou ficar para sempre na memória com um golo que nos marcou, em Stamford Bridge, quando levantou o pé para chutar e, depois, fez uma pausa antes do remate. Enquanto Zola desenhava a sua magnífica finalização, Big Pally surgiu e escorregou ao mesmo tempo que Zola fazia a pausa. Oh, como Pally foi zurzido nesse dia. Um dos companheiros perguntava-lhe: «Há alguma maneira de te manteres em pé?» Mas eu adorava Zola porque ele jogava com um sorriso nos lábios.

13 COMPETINDO COM WENGER Não somos os mesmos no campo de batalha ou na igreja. Fora do futebol, Arsène Wenger é uma figura calma, uma boa companhia e com muitos temas de conversa. Podemos falar de vinho e de outras coisas da vida. Nas reuniões da UEFA, faz questão de ajudar os outros treinadores. É um membro consciencioso da nossa comunidade, mas quando toca à sua equipa – num dia de jogo – transforma-se num animal completamente diferente.


Sempre tive a convicção de que conseguia compreender Arsène, lograva identificar-me com aquela mudança afiada que nele se dava quando se ouvia o primeiro apito. Também há algo disso em mim. Partilhamos a característica de odiar perder. Quando no início da minha carreira no St. Mirren perdemos com o Raith Rovers (arrancaram-nos pela raiz, de tão duros), recusei apertar a mão a Bertie Paton, treinador dessa equipa, que era meu grande amigo e foi meu colega de equipa no Dunfermline. Bem, o Bertie foi atrás de mim para me descompor. Ah, pois. Às vezes precisamos de uma pequena lição que nos demonstre como estamos errados, e nesse dia errei. Foi uma lembrança de que a vida é maior do que o futebol. Quando nos comportamos assim, é mau e pecamos por falta de dignidade. No final, eu e Arsène relacionávamo-nos amigavelmente. Sobrevivemos ambos e respeitávamos o esforço um do outro para jogar bom futebol, mas, ao longo dos anos, entrámos em conflito. O tiro de partida foi dado por ele ao queixar-se de uma queixa minha acerca do calendário. Uma queixa sobre outra. Por isso, disparei de volta um tiro certeiro: «Acabou de chegar do Japão. Que sabe ele do assunto?», o que era verdade. Nos dois anos que se seguiram, Arsène não parou de reclamar sobre o nosso calendário congestionado. Um treinador estrangeiro que pensa que pode chegar à nossa Liga e jogar 55 partidas sem se adaptar está a brincar consigo próprio. É um campeonato duro e cansativo. É por isso que, no futebol moderno, precisamos de fazer alterações na equipa para que ela aguente até ao fim. Arsène aprendeu e habituou-se a esta cultura. Sobreviveu ao choque de competir ao sábado, à quarta-feira e ao sábado. Na primeira vez que o seu Arsenal jogou em Old Trafford, veio ao meu gabinete. A nossa relação, a princípio, era boa. Os problemas começaram quando ele perdeu um jogo quando tinha uma das suas boas equipas. Sentiu dificuldade em aceitar os erros próprios e tentou lançar as culpas para o adversário. Faz isso frequentemente ao concentrar-se nos duelos físicos. Não leva a bem que o opositor adote uma atitude robusta contra os seus homens. A sua interpretação de dureza física estende-se até aos tackles.


Fixou-se na ideia de que ninguém pode fazer tackles sobre os seus rapazes. No entanto, ao ver as boas equipas que formou no Arsenal, fiquei entusiasmado. Jogar contra elas apresentava uma série de desafios especiais que me queimaram muitos neurónios. Apercebi-me de que precisava de observar tudo o que o Arsenal fazia porque eles montavam muitas armadilhas em todo o campo. O Chelsea trazia outro tipo de problemas. Contra eles defrontávamos jogadores experientes, que conheciam todos os truques do catálogo. O Arsenal, pelo contrário, jogava da maneira certa. Tinham os piores recordes disciplinares nos primeiros tempos de Arsène, mas nunca se podia dizer que eram jogadores, ou uma equipa, que jogassem sujo. Steve Bould e Tony Adams eram capazes de arrancar a cabeça a qualquer – todos sabiam isso. Rosnavam nas nossas costas a toda a hora, mas, na essência, as suas equipas não eram violentas. Agressivos ou machos seriam termos mais adequados. Eram um grupo combativo. De Bould e Adams já falei. Depois, foram buscar Patrick Vieira, um tipo muito competitivo, capaz de mexer com as coisas, com as pessoas. E Nigel Winterburn, um pouco massacrante: sempre nas dobras. Ian Wright, o seu principal goleador nesses tempos, também deixava a sua terrível marca. Em 2010, Arsène avançou com críticas surpreendentes em relação a Paul Scholes, dizendo aos jornalistas que ele tinha «um lado negro». Não havia motivos para se pronunciar sobre os meus jogadores. Não nos íamos defrontar nessa semana e não ocorrera qualquer fricção entre nós. Nessa altura já Paul Scholes tinha ganho 10 títulos de campeão e uma Liga dos Campeões, e ali estava Arsène a discutir o seu «lado negro». Desconcertante. Os jogadores surpreendem-nos. Conseguem isso pela altura a que sobem, mas também pelas profundezas em que chegam a cair. Arsène lutou para conseguir aceitar tal facto, que pode contribuir para uma derrota. O futebol dá-nos o melhor e o pior de cada um por causa da sua alta emotividade.


Num jogo de alto nível, um jogador pode perder a calma por um minuto, mas também alterar por completo o seu temperamento. E nós ficamos ali, a lamentar que tal tenha acontecido. O Arsenal viveu muitos momentos desse género, mas Arsène recusava-se a acreditar que erros e falhanços internos pudessem ditar uma derrota. As causas estão muitas vezes no nosso seio. Não digo que os treinadores vejam tudo, mas observam muitas coisas, e a defesa preferida de Arsène em caso de derrota – «não vi!» – não era uma que eu usasse. A minha frase preferida era: «Preciso de ver outra vez.» Basicamente, uma mensagem igual, mas dava-me tempo. No dia seguinte, ou pouco depois, o mais provável era já ser um tema requentado. Algo teria sucedido, entretanto, na grande roda dos acontecimentos para desviar de nós as atenções. Na minha carreira, fui expulso oito vezes – sendo a última a mais estúpida de todas porque eu era treinador. Um adversário andava a «caçar» um dos nossos jogadores às patadas e eu disse para o meu braço-direito, Davie Provan: «Vou lá e rebento com o gajo!» David avisou-me: «Não sejas estúpido, fica quieto.» «Se ele volta a acertar no miúdo Torrance, vou lá.» E, claro, acertou. «Chega!», gritei. «Vou lá!» Dois minutos depois estava de volta, expulso. No balneário sublinhei: «Se. Eu. Alguma vez. Ouvir. Uma. Palavra. Sobre isto. Estão todos mortos!» Pensei que o árbitro estava de costas quando desferi o meu murro. Ele tinha 1,90 metros, parecia um jogador do exército. O meu primeiro confronto com um treinador do Arsenal foi com George Graham. Estava a ver pela televisão o jogo do título de 1989, sentado no meu quarto, e ordenei à Cathy: «Não quero chamadas. Não falo com ninguém!» Quando Michael Thomas marcou o golo que deu o campeonato ao Arsenal, fiquei furioso. Dois anos mais tarde, o Arsenal ganhou outra vez, batendo-nos por 3-1. Foi a época em que vencemos a Taça das Taças.


Fiquei com George durante uma hora após o nosso jogo em Highbury. Ele tem uma fantástica coleção de uísques de malte. «Queres um?», perguntou. «Não bebo uísque», respondi. Então ele abriu uma garrafa de vinho. «Quais destes maltes abres para os convidados?», perguntei por minha vez. «Nenhum. Ninguém bebe malte», disse ele. «Tenho ali uma garrafa de Bell‘s.» «Típico de escocês», atirei. George riu-se: «Esta é a minha reforma.» O nosso primeiro jogo em Old Trafford foi uma guerra. Depois, George foi convencido por um amigo comum a ir ao meu gabinete. Palavra de honra, era difícil jogar contra o Arsenal nesse tempo. Quando Arsène assumiu o cargo, depois de uma breve passagem de Bruce Rioch, sabia muito pouco sobre ele. Uma vez perguntei ao Eric Cantona: «Como é o Arsène Wenger?» E ele respondeu: «Acho que é superdefensivo». «Oh! Está bem», pensei. De facto, no seu início no Arsenal, ele jogava com cinco defesas. Mas quando observamos as suas equipas hoje em dia não é possível acusá-lo de ser defensivo. A opinião de Eric ainda me faz sorrir. No final dos anos 1990 e durante o início do novo milénio, o Arsenal era o nosso rival. Não havia mais ninguém no horizonte. Liverpool e Newcastle tiveram breves momentos de proeminência e o Blackburn teve o seu ano do título. Mas, se olharmos para a nossa história antes da chegada de Mourinho ao Chelsea, apenas o Arsenal era uma ameaça ao nosso domínio. O Chelsea era uma boa equipa de taça, mas nunca conseguia chegar ao topo da Premier League. Quando o Blackburn tomou o campeonato de assalto, sabíamos que não podia durar porque não havia por detrás história que escorasse proeza de tal


tamanho. O seu título foi ótimo para o futebol e para Jack Walker, o benfeitor que levou tantos bons jogadores para o clube, e especialmente para Alan Shearer. Foram tempos tremendos para o Blackburn, mas a experiência diz-me, todavia, que me preocupe apenas com os adversários que disputam sempre o primeiro prémio. Quando o United e o Arsenal lutaram ombro a ombro durante muito tempo, sabíamos que os Gunners eram sustentados pela sua história e pela sua forte identidade. No meu penúltimo ano como treinador do United, fui almoçar ao camarote presidencial do seu estádio e disse para com os meus botões: «Isto é classe! É verdadeira classe!» Em Highbury, estudava o busto de Herbert Chapman e sentia que qualquer brisa de nostalgia seria soprada para longe pela sensação de solidez e de propósitos que aquela entrada de mármore nos transmitia. O sucesso estava lá, sempre, desde Herbert Chapman e dos anos 1930 até hoje. Os balneários do Arsenal são maravilhosos. As vantagens de se construir um novo estádio de raiz são enormes. É uma folha em branco. Todos os detalhes que encontramos nos balneários do Arsenal seguiram as especificações de Arsène. Têm tudo o que uma equipa de futebol exige. No centro da sala, há uma mesa de mármore para colocar os alimentos. Depois de um jogo, toda a gente se encaminha para lá. Outra expressão de classe: os membros do staff têm os seus próprios aposentos. Por tudo isto nunca deixei de me concentrar no alto nível que o Arsenal podia trazer para as nossas disputas. A história ajudou-nos, mas também os ajudou a eles e têm o treinador certo. Arsène é o homem ideal para o lugar porque, desde que lhe deram a oportunidade de vir treinar para Inglaterra, montou a sua tenda e deixou bem claro que não deseja partir. Pelo caminho, houve especulações que o deram como treinador do Real Madrid. Nunca pensei que Arsène sairia do Arsenal. Nunca. «É preciso metermos isto na cabeça. Ele vai ficar aqui para sempre. É melhor habituarmo-nos a isso.» Às vezes era um bocado tenso. Embora Arsène nunca viesse tomar um copo depois dos jogos, Pat Rice, o seu adjunto, atravessava sempre os corredores para uma bebida, até que houve a luta da piza em Old Trafford.


A minha memória desse lendário incidente é a de Van Nistelrooy entrar no balneário queixando-se de que Wenger se atirara a ele quando ia a sair do relvado. Fui de imediato ter com Arsène para lhe dizer: «Deixa os meus jogadores em paz!» Ele estava irritado por ter perdido o jogo. Era essa a razão para o seu comportamento agressivo. «Presta antes atenção aos teus próprios jogadores!», ordenei-lhe. Ele estava lívido. De punhos cerrados. Eu controlava os acontecimentos e sabia-o. Arsène tinha algo contra Van Nistelrooy. Lembro-me de o ouvir dizer que pensara em contratá-lo, mas que decidira que não era suficientemente bom para o Arsenal. Concordo com Arsène no sentido de que Ruud pode não ter sido um grande jogador, mas era um grande marcador de golos. Seja como for, a única coisa que sei é que no minuto seguinte estava todo sujo de piza. Pomos sempre comida na cabina adversária depois dos jogos. Piza, frango. Toda a gente faz isso. A comida do Arsenal era a melhor. Dizem que foi Cesc Fàbregas quem me atirou a piza, mas até hoje não faço ideia de quem foi o culpado. O corredor que conduzia às cabinas transformou-se na maior confusão. O Arsenal vinha de 49 jogos sem perder e esperava somar o 50.º no nosso campo. Parece-me que a derrota mexeu com o cérebro de Arsène. Esse dia marcou uma divisão entre nós, sem dúvida, e a fratura estendeuse a Pat Rice, que deixou de vir beber o seu copo depois dos jogos. A ferida não sarou por completo até à meia-final da Liga dos Campeões de 2009, quando Arsène nos convidou para o seu gabinete depois do jogo e nos deu os parabéns. Quando jogámos contra eles em Old Trafford, umas semanas mais tarde, Arsène e Pat vieram ter connosco, mas por breves minutos. No futebol deparam-se-nos conflitos que refletem as normais divergências da vida. Estão a ver o momento em que a nossa mulher desliga a máquina e não fala connosco? «Cristo, que terei feito?», perguntamos.


«Então, o teu dia foi bom?», tentamos. «Sim», resmunga ela. Depois, a zanga passa e a normalidade regressa. O futebol é assim. Detestaria que o silêncio entre Arsène e eu fosse tão longo que se tornasse venenoso. No final, eu tinha um remédio para as derrotas. Depois de dizer o que era preciso no balneário, antes de sair para enfrentar a imprensa, a televisão, para falar com os outros treinadores, murmurava para comigo: «O jogo acabou. Esquece.» Fazia sempre isso. De cada vez que alguém ia ter comigo ao meu gabinete, no estádio, quando o jogo terminava, procurava garantir que o ambiente fosse agradável. Nada de mau humor nem de azedume. E nada de culpar o árbitro. Quando o Aston Villa nos bateu em Old Trafford, na época de 2009-10, foi a primeira vitória deles no nosso estádio em décadas. Martin O‘Neill, cuja conversa sempre apreciei, mudou-se praticamente para o meu escritório com a mulher e os filhos. Foi para mim mais do que uma honra. Bela noite. John Robertson, o adjunto de Martin, e alguns dos meus amigos juntaram-se a nós e acabámos numa verdadeira festa. Até necessitei de um motorista para me levar a casa. Quando perdemos a terceira eliminatória da Taça para o Leeds United, o fisioterapeuta do Leeds, Alan Sutton, não conseguia parar de sorrir e de rir à gargalhada no meu gabinete. Quando saiu, censurei-o: «Que raio! Ainda estás a rir?» «Não consigo evitar», respondeu ele. Era a primeira vez na minha carreira de técnico do United que o Leeds nos vencia em Old Trafford e ele era incapaz de conservar os dentes dentro da boca. A sua satisfação era contagiosa. Nesses casos, precisamos de nos lembrar que somos seres humanos e de manter a nossa dignidade. Fui hospitaleiro com todos os treinadores que se juntavam a mim após os jogos.


Notei mudanças em Arsène nos últimos anos. Quando os Invencíveis se formaram, nós estávamos em transição. Por volta de 2002, começávamos a reconstruir a equipa. O Arsenal ganhou o campeonato em nossa casa, em 2001-02, de forma natural, e foi aplaudido de pé pelos nossos adeptos. Um dos méritos dos apoiantes do Manchester United é o de reconhecer a classe. Havia tempos em que eu remoía, com acidez: «Isso. Aplaudam-nos. Porque não? Entretanto vou para as cabinas animar os nossos jogadores.» Mas essa é a sua forma de ser. Lembro-me dos aplausos para o brasileiro Ronaldo quando fez um hat-trick contra nós na Liga dos Campeões. Ao sair do campo, Ronaldo parecia tão espantado como o seu treinador. «Estranho clube este», devem ter pensado. No último jogo de Gary Lineker em Inglaterra, pelos Spurs, ele também foi bem recebido, mas há muito para dizer sobre o assunto. Eleva o futebol ao zénite. Quando vemos classe, entusiasmo, divertimento, é nossa obrigação reconhecê-lo. Esta gente viu as melhores equipas do United, por isso conhece bem quando está perante um bom conjunto. Tem as melhores referências. Como sabe perfeitamente quem são os grandes jogadores, há que reconhecê-los sobretudo quando nos vencem. Então já nada há a fazer. O enfado é fútil. O jogo de 2002 foi para mim, de certa forma, um não-acontecimento, mesmo que o segundo lugar ainda estivesse em jogo. Era óbvio que a equipa de Arsène ia ganhar o campeonato. Existia uma sensação de fatalidade. Nesses momentos de derrota e aceitação, há para mim uma revelação sobre o caminho a seguir. Pensava sempre: «Não gosto disto, mas, enfim, temos de enfrentar o desafio e de apresentar uma nova atitude.» Não seria eu próprio nem o clube, se nos submetêssemos a pensamentos apocalípticos, prevendo o fim do nosso trabalho. Nunca nos podemos dar ao luxo de o fazer. Sempre que essas fases da vida vieram direitas a nós e nos esmurraram os olhos, aceitámos o convite para nos reagruparmos e voltarmos a avançar. Foram motivacionais. Provocaram-me. Forçaram-me a ir mais além e não estou certo de que sem essas provocações tivesse gostado tanto do meu


trabalho. Passados uns anos, aprendemos mais sobre a filosofia do Arsenal. Arsène tem um padrão para o modo como vê os jogadores e a sua forma de atuar. Contra o Arsenal não precisamos de conquistar a bola, mas, sim, de a intercetar e de jogadores que saibam fazê-lo. Trabalhámos bem isso quando Fàbregas recebia a bola de costas para a baliza, rodava em direção às linhas de fundo e ia à procura de recebê-la de novo. Metia-a nos cantos e corria para a reaver nas costas dos defesas. Por isso, dizia aos nossos jogadores: «Marquem quem corre e intercetem o passe.» Então podíamos contraatacar com rapidez. Eram mais perigosos em Old Trafford no que no seu próprio campo. Fora de casa não sentiam a necessidade de se lançar sobre nós, eram mais conservadores. O Barcelona era bem mais organizado do que o Arsenal. Quando perdia a bola ia à caça dela. Qualquer um dos seus jogadores lutaria para a ter de volta. O Arsenal não tinha essa dedicação no momento de recuperar a bola. E, no entanto, por vezes, o Barcelona imitava o Arsenal no seu estilo superelaborado, porque lhe dava prazer. Contra o Real Madrid, no Santiago Bernabéu, em 2009, Messi entrava em um-dois na área do Real: não apenas em um-dois, porque às vezes as tabelinhas eram com dois ou três, enquanto os defesas contrários andavam por ali às aranhas. Ganharam por 6-2, mas houve um altura que pensei que iam perder. Todos nós temos de aceitar, por vezes, jogadores que abusam do físico, mas Arsène nunca conseguiu fazê-lo, o que é uma fraqueza. Não é crime admitir a culpa na expulsão de um jogador. Devemos, quanto muito, sentirnos mal por ter prejudicado a equipa. Tive algumas questões com o Paul Scholes e até lhe apliquei multas por coisas parvas. Não me preocupava que um jogador fosse advertido por fazer um tackle, mas, se fosse expulso por uma entrada estúpida sobre um adversário – e Scholesy foi culpado disso –


multava-o. Contudo, se estamos à espera de que um jogador passe uma época inteira sem infringir as regras, então é porque pedimos milagres. O meio-campo mais macio de Arsène que apanhei nas minhas últimas épocas reflete o tipo de jogadores que ele trouxe para o clube. Samir Nasri estava disponível, por isso Arsène ficou com ele. Rosický também, e contratou-o porque é o seu género. Arshavin ficou igualmente disponível, portanto veio. Quando adquirimos muitos jogadores deste tipo, eles tornamse praticamente clones. Foi a equipa que Arsène herdou, que lhe fez dar os primeiros passos no futebol inglês. Mantivemo-nos nestas linhas paralelas até ao fim e, claro, unidos pelo desejo de descobrir e trabalhar jogadores à nossa imagem. Aaron Ramsey disse certa vez, antes de defrontarmos o Arsenal, que tinha escolhido a equipa de Arsène em detrimento da minha porque eles formavam mais jogadores. Pensei: «Em que mundo vive ele?» Acho que um jovem pode ser manipulado para dizer certas coisas. A decisão de rejeitar o United foi sua, não tenho problemas com isso. Penso que fez a opção errada, e digo-o sabendo que teria encontrado mais competição entre nós até chegar à primeira equipa. O Arsenal não produziu muitos dos seus jogadores, desenvolveu alguns, o que não é a mesma coisa. Compraram-nos em França e por todo o lado, mas o único jogador da casa de que me consigo lembrar é Jack Wilshere. Giggs, Neville, Scholes, Fletcher, O‘Shea, Brown, Welbeck: todos feitos no Manchester United. Lá estou eu outra vez... Nunca poderei deixar de competir com Arsène, meu rival durante 17 anos.


14 A «CLASSE DE 92» De cada vez que um membro da grande geração da casa deixava o clube, eu contava os que restavam. Dois conseguiram ficar até ao fim do meu tempo: Paul Scholes e Ryan Giggs. Gary Neville quase que cumpriu todo o caminho comigo. Ainda hoje consigo ver os seis, fazendo partidas uns aos outros como miúdos, depois do treino. Scholesy tentava acertar com a bola na nuca de Nicky Butt – ou ainda mais frequentemente na de Gary. Era um demónio com isso. Essa meia dúzia de rapazinhos era inseparável. E eram sólidos seres humanos – daqueles que detestamos perder. Compreendiam o clube e a sua filosofia. Marchavam connosco, defendiam os princípios que nos norteavam. Todos os pais conhecem o momento em que o filho de 21 anos chega e diz que vai comprar a sua própria casa, ou viver com a namorada ou aceitar um trabalho noutra cidade. Deixam-nos. Comigo, o futebol funcionou da mesma forma. Afeiçoei-me muito aos homens que me acompanharam desde a adolescência, a chamada «Classe de 92». Vi-os crescerem desde os 13 anos. Nicky Butt foi um exemplo de primeiro grau. Sempre o achei parecido com o miúdo sardento, de orelhas despegadas e dentes separados que fazia a capa da revista de quadradinhos, Mad. Aquela malandragem, trocista. Estiveram tanto tempo a meu cuidado que os sinto como da família. Pressionava-os mais do que aos outros jogadores porque os via mais como parentes do que como subordinados. Nicky andava sempre em busca de algo, sempre irrequieto. Também era corajoso como um leão, incapaz de fugir a qualquer desafio.


Foi um dos jogadores mais populares que passaram pelo nosso clube. Era um verdadeiro homem do Manchester United. Terra a terra e mentalmente forte. Tal como sucedeu com Phil Neville, Nicky chegou a um ponto em que não jogava o suficiente para suprir as suas necessidades competitivas. Isso empurrou-o na procura de outras oportunidades. Deixámo-lo ir muito barato, por dois milhões de libras. Esses homens não nos devem um tostão. Fomos buscá-los de graça através da nossa academia. O dinheiro do negócio de Nicky serviu apenas para nos assegurarmos de que ia para o melhor destino possível. Até ao fim da sua carreira, referiu-se sempre ao United como o seu clube. Nas minhas costas, aposto que esses rapazes ainda se lembram de suportar o ímpeto do meu mau-humor. «Oh! Não! Eu outra vez?», deviam pensar. «Porque não vai ele descarregar noutro qualquer?» O primeiro ao qual comecei a dar na cabeça foi ao Giggsy, Deus o abençoe. Quando são miúdos, nunca reclamam. Com o tempo, Ryan aprendeu a defender-se. Nicky também retaliava de quando em vez. Phil podia tentar, mas depois Gary surgia no apoio, como se fosse a sua sombra. Todos os dias trazia questões. Estava a pé às seis da manhã com os jornais, mandando mensagens para Di Law ou, mais tarde, Karen Shotbolt, os nossos assessores de imprensa: «Já leram isto no Telegraph, ou no Times?» De Gary, dizíamos que acordava zangado. Tinha uma natureza quezilenta. É um tipo franco. Mal deteta um erro, um defeito, ataca-o. O seu instinto não o deixa entrar em negociações no meio de um impasse, atacava antes de forma dura com as suas opiniões. Com Gary não havia lugar a consensos. Era explosivo. Eu podia adivinhar uma pequena contrariedade crescer na sua cabeça, mas ele conhecia os limites da minha paciência. Dizia-lhe: «Gary, vai chatear outro.» Então ele ria e o ambiente desanuviava-se.


Se tentar imaginar esses 20 anos sem os jogadores feitos no clube, não consigo visualizar a base da equipa. Foram o garante da nossa estabilidade. O Manchester United é famoso pelos jogadores que descobriu durante os 26 anos em que lá estive, de Bryan Robson e Norman Whiteside e Paul McGrath em diante, com Cantona e Ronaldo pelo meio. Mas os rapazes da formação trazem o espírito do Manchester United dentro deles. Foi o que deram ao clube: alma, e constituíram um grande exemplo para a nossa equipa técnica daquilo que poderia ser atingido através do crescimento dos jovens jogadores e um farol para os outros que vieram depois. O sucesso deles mostrou ao próximo rapaz de 19 anos que esperava a sua oportunidade: «É possível. Um novo Cantona pode ser criado aqui na nossa academia, no nosso campo de treinos.» Guardo na memória o primeiro dia de Paul Scholes no nosso clube. Veio com um miúdo chamado Paul O‘Keefe. O seu pai, Eamonn, tinha jogado no Everton. Perfilaram-se atrás do Brian Kidd, que me avisara de que ia trazer dois rapazes que gostava de observar. Tinham 13 anos. «Onde estão os tais miúdos?», perguntei. Eram tão pequeninos que desapareciam por detrás da figura de Brian. Mediam metro e meio. Olhei para o parzinho e pensei: «Como é que estes dois vão ser futebolistas?» Tornou-se uma piada interna. Quando Scholesy começou a jogar nas camadas jovens, eu disse na sala de treinadores: «Esse Scholes não tem hipótese nenhuma. É muito pequeno.» Quando de facto se juntou a nós, aos 16 anos, ainda era minúsculo. Mas depois disparou. Aos 18 já tinha crescido uns 10 ou 12 centímetros. Paul não dizia uma palavra. Era extremamente tímido. O seu pai tinha sido um bom jogador e partilhavam ambos uma alcunha, Archie. Quando alimentei aquelas dúvidas iniciais sobre o seu tamanho, ainda não o vira jogar, embora o tivesse observado nos treinos da academia. No pavilhão


ensinávamos sobretudo pormenores de técnica. Quando subiu aos juniores, jogava a avançado-centro. «Não tem arcaboiço para essa posição», alertei. Colocaram-no como segundo ponta-de-lança. Num dos primeiros jogos no Cliff, teve um remate à entrada da área que acertou na trave e me deixou impressionado pela sua potência. «É bom. Mas não me parece que tenha futuro. É demasiado pequeno», duvidou Jim Ryan, que estava a ver o jogo a meu lado. Era já uma frase habitual sobre Scholesy: demasiado pequeno. À medida que o tempo ia passando, Scholes descobriu problemas de asma. Não jogou pela equipa no ano em que venceram a FA Youth Cup. Beckham só surgiu na fase final porque o seu crescimento foi complicado, era um adolescente desengonçado e fraco. Simon Davies, que foi internacional pelo País de Gales, era o capitão, até que Giggs assumiu a braçadeira, na segunda mão, frente ao Crystal Palace. Robbie Savage também fazia parte do grupo. A maioria deles chegou a internacional. Outro, Ben Thornley, poderia ter lá chegado mas foi traído por graves problemas num joelho. Como jovem avançado, Scholes garantiria, no geral, 15 golos por época. Quando evoluiu para médio-centro, mostrou raciocínio no passe e talento para a organização. Nascera para isso. Adorava ver os adversários procurarem impedi-lo de jogar. Arrastava-os para posições que eles não queriam e, com um simples toque, metia a bola na lateral ou simulava e fazia um passe atrasado. Os opositores perdiam um minuto atrás dele, tornavam-se inconsequentes e, às vezes, até tolos. Acabavam a correr de volta para a sua grande área. Era capaz de destruir os seus marcadores. Paul sofreu muito com lesões duradouras, mas regressou sempre melhor. Foi um jogador mais completo depois do seu problema no olho e após a lesão no joelho. Voltava com energia renovada.


Ao chegar aos 30 anos viveu momentos ocasionais de frustração à medida que se intensificava a competição pelos lugares do meio-campo. Tinha Darren Fletcher e Michael Carrick para as duas posições centrais. Confesso que aqui cometi um erro. Ter alguém como certo não é asneira que se torne evidente na altura, e é difícil de corrigir até que sejamos confrontados com o seu efeito na vítima. O meu princípio era o de que, em tempos difíceis, podia sempre contar com Scholesy, um servo leal, pronto e desejoso de dar um passo em frente. Carrick e Fletcher seriam as minhas primeiras escolhas e Scholes o apoio experiente. Já há muito tempo que tinha a sensação de que Paul caminhava para o fim da carreira. Na final da Liga dos Campeões, em 2009, em Roma, que perdemos para o Barcelona, meti o Paul na segunda parte. Anderson só tinha feito três passes no primeiro tempo. Scholes fez 25 nos últimos 20 minutos do jogo. Às vezes pensamos que sabemos tudo sobre futebol. Não é verdade. Ter as pessoas como certas, e pensar que se pode sempre recorrer a elas enquanto envelhecem, é um erro. Esquecemo-nos da qualidade que têm. Para o fim utilizei-o muito mais vezes e fi-lo descansar nas alturas devidas. As pessoas pedem-me que escolha o meu melhor onze de sempre no Manchester United. Seria extremamente difícil. Não poderia deixar de fora Paul Scholes como não poderia esquecer Bryan Robson. Ambos garantiam pelo menos 10 golos por época. Mas depois levanta-se a questão: e como prescindir de Keane? Teriam de alinhar os três. E, se assim fosse, quem acompanharia Cantona, que foi sempre melhor quando jogou com outro avançado? Tentem escolher um entre McClair, Hughes, Solsjkaer, Van Nistelrooy, Sheringham, Yorke, Cole, Rooney ou Van Persie. E não se pode descartar Giggs. Por isso, nunca achei possível escolher um melhor onze, mesmo que tivesse de dizer que Giggs, Scholes, Robson e Cristiano Ronaldo nunca poderiam ficar de fora. Paul Scholes foi provavelmente o melhor centrocampista inglês desde Bobby Charlton. Quando vim para Inglaterra, Paul Gascoigne era aquele jogador capaz de nos fazer levantar da cadeira, mas, nos seus últimos anos,


Scholes elevou-se acima dele. Primeiro, pela longevidade; segundo, pela forma como melhorou depois de ter entrado nos trinta. Era tão brilhante no passe longo que, no nosso campo de treinos, acertava com a bola na cabeça de que companheiro quisesse, como se respondesse a um chamamento da natureza. Certa vez, Gary Neville pensou que tinha sido capaz de se esconder num arbustos, mas Scholes atingiu-o a mais de 30 metros. De outra, acertou com um míssil de longa distância no Peter Schmeichel, que correu campo fora atrás dele, procurando castigá-lo pela impertinência. Scholes poderia ter sido um sniper de categoria. Como jogador, nunca tive a habilidade inata de Cantona ou de Paul Scholes: olhos na nuca, mas consigo vislumbrá-la nos outros porque vi muitos e muitos jogos. Sei bem da importância que esses jogadores têm para uma equipa. Scholes, Cantona, Verón. Beckham também tinha boa visão de jogo. Não era do tipo de fazer grandes passes a rasgar, mas via muito bem o outro lado do campo. Laurent Blanc lia igualmente bem o jogo. Teddy Sheringham e Dwight Yorke apercebiam-se de tudo o que se passava à sua volta, mas, dos jogadores de topo, Scholes era o melhor nisso. Quando estávamos a ganhar facilmente, por vezes tentava algo arriscado e eu dizia: «Olhem, está aborrecido.» Ryan Giggs foi o maior expoente dessa geração. É quem se pode apelidar mais facilmente de rapaz-maravilha. Ao fazê-lo estrear-se na primeira equipa com apenas 17 anos, criámos um problema inesperado: o fenómeno Giggs. Quando ele ainda era um miúdo, um empresário italiano ligou-me e perguntou: «Que fazem os seus filhos?» Respondi: «Mark está a tirar um curso, Jason trabalha na televisão e Darren está aqui a aprender.» Então, ele disse: «Venda-me Giggs e faço deles homens ricos.» Claro que recusei. A comparação com George Best colou-se-lhe de imediato e foi impossível de dissolver. Todos queriam tê-lo, mas Giggs era esperto: «Vão ter com o treinador», dizia a quem lhe solicitava um encontro ou uma


reunião. Não queria comprometer-se com nada e transferiu as culpas das recusas para as minhas costas. Era esperto! Um dia Bryan Robson propôs a Ryan tomar Harry Swales como empresário. Veio aconselhar-se comigo. Bryan estava no final da carreira e convencera-se de que Harry era o homem certo para ele. Tinha razão. Harry é fantástico. Aos 81 anos ficou noivo de uma senhora que conheceu numa estação de comboios. Ela estava perdida. Antigo major do exército, usa um bigode de pontas reviradas. A mãe de Ryan também é uma senhora forte e seus avós são pessoas excelentes. Para esticar a sua carreira de topo ao longo de 20 anos, Ryan dedicou-se a um intenso programa para manter a forma. O ioga e as suas rotinas preparatórias são as raízes da sua longevidade. Ryan é rigoroso em relação ao ioga. Duas vezes por semana, após o treino, um mestre vem conduzi-lo nos exercícios. Para ele tornou-se vital. Nos momentos em que ficou suscetível a lesões nos tendões, nunca estávamos certos quanto à forma de o utilizar. Era uma preocupação constante. Precisávamos de o deixar de fora em certos jogos para o termos pronto para outros. No final, só a sua idade nos obrigou a dar-lhe descanso. Podia jogar 35 partidas por época porque a sua forma era fantástica. A inteligência de Ryan permitiu-lhe fazer sacrifícios na sua vida pessoal. É um rapaz reservado, mas ao fim ao cabo é aquele que todos procuram. Era o rei, o homem. Houve uma altura em que ele e Paul Ince tinham a mania de usar fatos adoidados, mas passou-lhes depressa. Ryan ainda guarda o casaco que me levou a gritar: «Mas que diabo é isso?!» Incey era um fã de roupa moderna e ele e Ryan eram bons amigos. Formavam uma dupla, mas Ryan levou sempre uma vida altamente profissional. É adorado por toda a gente no clube, as pessoas reverenciamno e admiram-no.


Quando começou a perder a passada, pusemo-lo a jogar mais no centro do terreno. Já não esperávamos que disparasse para as costas dos defesas como fazia quando era novo. Nem todos repararam que, mesmo nesta sua última fase, conseguiu manter a mudança de velocidade que muitas vezes é mais importante do que apenas a rapidez em si. O seu equilíbrio também continua inalterado. No outono de 2010, foi derrubado por Jonathan Spector, do West Ham, dentro da grande área e nesse momento uma questão bailou-me no espírito. Quantos penáltis tinha Giggs provocado a favor do Manchester United? Resposta: cinco, porque ele mantém-se sempre de pé, é carregado mas não vai ao chão. Perguntei-lhe, depois de ter sofrido uma falta dura na área, porque não se deixara cair, já que estava no seu direito fazê-lo, e ele olhoume como se eu tivesse chifres. Tinha aquele seu olhar ausente: «Eu não caio», respondeu. Ryan é um rapaz calmo, controlado até na adversidade. É estranho, mas nunca foi um grande substituto até aos seus anos mais tardios, foi sempre melhor quando jogou de início. Mas teve um grande papel quando entrou na final da Liga dos Campeões de 2008, em Moscovo, e contra o Wigan, quando vencemos o campeonato, marcando o segundo golo. Apagou-nos as dúvidas quanto ao ser um jogador capaz de causar impacto saindo do banco, e lançá-lo nesses jogos revelou-se um trunfo fantástico. Giggs virou as costas à fama e às marcas; não tinha temperamento para tal tipo de exposição. A sua personalidade era introvertida. Levar esse género de vida exige uma grande disponibilidade para se andar por todo o mundo e pôr a cara à frente das câmaras de televisão, e também exige uma certa vaidade: acreditar que fomos feitos para aquilo. De cada vez que falamos sobre atores, sabemos que eles querem estar no palco ou na tela. Nunca tive uma atração magnética pela fama. Criei a expectativa de que os jogadores que cresceram connosco tomassem conta do futuro de Carrington e mantivessem a continuidade,


como, por exemplo, fizeram Uli Hoeness e Karl-Heinz Rummenigge, no Bayern de Munique. Eles sabem como funciona o clube e que jogadores são necessários para que a máquina continue a funcionar. Se isso os leva a tornarem-se treinadores, já não sei, porque depende da sua maneira de ser. Mas Giggs e Scholes são homens inteligentes, conhecedores do espírito do United e foram eles próprios grandes jogadores, ou seja, tudo o que é preciso está lá. Ryan poderá vir a ser treinador, porque é muito sensato e os colegas respeitam-no. A sua relativa calma não seria uma barreira. Há muitos treinadores de poucas falas, mas precisam de possuir um caráter forte. Para comandar um clube como o Manchester United necessitamos de ter uma personalidade mais forte do que a dos jogadores. Ou, pelo menos, acreditar nisso, de forma a controlar o grupo. Temos grandes jogadores, jogadores ricos e famosos em todo o mundo, e precisamos de os dirigir, de estar acima deles. Só há um chefe no Manchester United, e esse é o treinador. Ryan vai precisar de desenvolver essa faceta, mas eu também o fiz, desde os 32 anos. Na escola perguntavam: «O que queres ser quando fores grande?» E eu respondia: «Jogador de futebol.» Bombeiro era a resposta mais habitual. Ao dizer isto, não pensava em ser famoso, apenas em ganhar a vida jogando futebol. Com Giggs deve ter sido igual. A nossa natureza pode conduzir-nos por determinado caminho, e David Beckham sempre deu ideia de saber para onde ia. Sempre se mostrou confortável com aquele estilo de vida e com vontade de atingir esse estatuto. Nenhum dos outros sonhou com o reconhecimento mundial. Não fazia parte do seu ADN. Imagino como seria o Gary Neville frente a um grupo de fotógrafos de moda: «Podem despachar-se, porra?» Todos tiveram a sorte de ser protegidos por boas famílias. Os Neville são gente sólida e o mesmo acontecia com as outras. Para eles e para nós, foi uma bênção. Sabem o valor de uma boa educação: manter os pés no chão, modos, respeito pelos mais velhos. Se eu tratasse alguém de uma geração


acima da minha pelo seu primeiro nome, o meu pai puxar-me-ia uma orelha: «Para ti é senhor», diria. Tudo isso desapareceu, hoje em dia. Todos os meus jogadores me chamam «patrão», ou «chefe». Lee Sharpe veio um dia ter comigo e soltou: «Como vais, Alex?» Perguntei-lhe: «Andaste comigo na escola?» Melhor ainda. Um jovem irlandês, Paddy Lee, viu-me a subir as escadas do Cliff, com o Bryan Robson atrás de mim, e enquanto descia perguntou: «Tudo bem, Alex?» Dei-lhe o mesmo remédio: «Andaste na escola comigo?» «Não», respondeu, baralhado. «Então não me trates por Alex!!!» Agora, dou umas gargalhadas ao pensar nesses momentos. Por detrás da resposta bruta, ria-me por dentro. O pequeno Paddy Lee era ótimo a imitar vozes de animais. Em todas as festas de Natal era o mesmo: patos, vacas, pássaros, leões, tigres. Até avestruzes. Os jogadores rebolavam-se de gozo. Paddy foi um ano para o Middlesbrough, mas não se deu bem. George Switzer era outro do género. Um rapaz típico de Salford. Na cantina do centro de treinos, era brilhante a soltar palavras e a disfarçar de imediato de forma a que a vítima perscrutasse a sala à procura donde vinha a voz. «Ei, chefe!», ou «Archie!», para o Archie Lennox. E não era possível encontrar o culpado. Não havia qualquer pista naquele mar de caras sentado à mesa das refeições. Contudo, um dia apanhei-o. «Muito bem, meu filho», disse-lhe, «fazes isso outra vez e vais correr à volta do campo até ficares tonto». «Desculpe, chefe», gaguejou Switz.


A despeito da imagem que criaram de mim como alguém que exige obediência a toda a hora, gosto de gente com malandrice. É revigorante. É preciso autoconfiança, um pouco de coragem. Se vivermos rodeados de pessoas que têm medo de se expor na vida, também se assustarão nos momentos importantes, no campo, nos jogos. Esses rapazes de 92 não tinham medo de nada. Eram cem por cento cúmplices.

15 LIVERPOOL – UMA GRANDE TRADIÇÃO Depois da adversidade, os clubes ilustres recuperam o seu ciclo de vitórias. Talvez eu tenha tido a sorte de me juntar ao United numa fase complicada da sua existência. Não ganhava o campeonato há 19 anos e herdei uma filosofia de expectativas baixas. Tínhamo-nos transformado numa equipa de taça, e os adeptos esperavam mais sucesso nas provas a eliminar do que na Liga, onde as suas esperanças saíam defraudadas. Os meus predecessores, Dave Sexton, Tommy Docherty e Ron Atkinson, foram homens ganhadores, mas no seu tempo o clube não tinha consistência para lutar pelo título. O mesmo se pode dizer do Liverpool nos anos em que o United esteve no topo, a partir de 1993, mas eu sempre fui capaz de sentir o seu bafo nos nossos calcanhares mesmo a 40 quilómetros de distância. Quando um clube com a história e a tradição do Liverpool conquista uma tripla de taças, como eles o fizeram em 2001, com vitórias na Taça de Inglaterra, Taça da Liga e Taça UEFA, sob o comando de Gérard Houllier, começamos a sentir um tremor de medo. Nesse ano, o meu pensamento foi: «Oh, não! Não eles! Todos menos eles!» Com a sua estrutura, a sua herança, o seu apoio fanático, bem como os seus tremendos resultados em casa, o Liverpool é um opositor implacável, mesmo nos seus anos de crise.


Sempre respeitei e gostei de Gérard Houllier, o francês que ficou como único responsável depois de o Conselho de Administração de Anfield Road ter posto um fim à dupla técnica que ele formava com Roy Evans. Steven Gerrard começava a surgir como um jovem cheio de potencial no meiocampo, e juntaram dois goleadores fantásticos, Michael Owen e Robbie Fowler. A grande alteração cultural foi a de entregarem o poder a alguém fora da filosofia do Liverpool. A sucessão de nomeações internas para o cargo de treinador, de Shanks a Bob Paisley, de Joe Fagan a Kenny Dalglish, de Graeme Souness a Roy Evans, manteve uma consistência de percurso. No final da primeira experiência de Kenny no cargo, notou-se uma certa mudança. A equipa envelhecera e o Liverpool começou a fazer algumas aquisições pouco habituais: Jimmy Carter, David Speedie foram contratações atípicas no clube. Graeme Souness fez o que tinha a fazer, mas depressa de mais, desfazendo rapidamente uma equipa já velha. Um dos erros foi dispensar um dos jovens com mais qualidade, Steve Staunton. Graeme já o admitiu. Não havia necessidade de deixar sair Staunton. Graeme é bom rapaz, mas impetuoso. Anda sempre depressa de mais, e essa impetuosidade custou-lhe caro nessa época. O agradável na relação com o Liverpool nessa altura era que eles entravam no meu gabinete aos magotes depois dos jogos. Herdei a tradição de os membros do nosso staff serem convidados para os jogos em Anfield, vindo eles a Old Trafford. Os roupeiros do Liverpool tinham muito mais experiência na matéria do que eu, mas aprendi depressa. Ganhando, perdendo ou empatando, havia uma mistura total dos membros das duas equipas técnicas. Por existir tanta rivalidade entre as duas cidades e tanta tensão competitiva em campo, sentíamos ser importante preservar a nossa dignidade, independentemente do resultado, mas também era vital escondermos os nossos pontos fracos, coisa que eles faziam igualmente. Gérard tinha sido convidado para ir a Liverpool como treinador visitante quando ainda frequentava a Universidade de Lille e examinou o clube com


o seu olho académico. Não entrou em Anfield ignorando as tradições. Percebeu a essência, as expectativas. Era um homem inteligente e também afável. Depois de ter sido internado com um problema cardíaco sério, perguntei-lhe: «Porque não deixas o cargo e sobes um degrau?» «Não posso», respondeu. «Gosto de trabalhar.» Era um homem do futebol. Um coração fraco não era suficiente para o libertar do vício. As expectativas tombam sempre sobre os ombros dos treinadores do Liverpool e acho que esse nível de pressão trespassou a resistência de Kenny Dalglish, no final. Na altura em que abandonou o lugar de ícone no campo para se sentar no banco não possuía sustentação para o cargo. O mesmo se passou com John Greig, no Rangers. Muito possivelmente o melhor jogador de todos os tempos deste clube, John viu-se a braços com uma equipa em desintegração, à qual não podia devolver o nível que tinha tido. O emergir do Aberdeen e do Dundee United também não ajudou. Desempenhar o papel de um dos mais fantásticos jogadores do Liverpool num dia e ser promovido a treinador no dia seguinte foi muito difícil para o Kenny. Lembro-me de ele ter vindo ter comigo ao campo de treinos da seleção da Escócia, pedindo-me conselho sobre um lugar de técnico que lhe fora oferecido. Demorei a perceber que estávamos a falar do «grande». «É um bom clube», perguntei. «Sim, é um bom clube», respondeu. Então disse-lhe que, se era um bom clube, com história, boa capacidade financeira e com um presidente que percebesse de futebol, pensava que ele tinha hipóteses. Se duas destas variáveis fossem postas de lado, estava a meter-se num sarilho. Sem a minha aprendizagem exaustiva no Aberdeen, dificilmente estaria qualificado para treinar o Manchester United. Comecei no East Stirling sem um tostão e gostei de lá trabalhar, ainda que com apenas 11 ou 12 jogadores. Depois fui para o St. Mirren sem um chavo e dispensei 17 na


minha primeira época: não tinham qualidade. O clube contava com 35 antes de eu começar a brandir a minha machadinha. Depois, pus ordem naquela confusão e tratei do material e dos programas de treino. Um curso completo. Quando Gérard começou a importar um grande número de jogadores estrangeiros, pensei que essa tripla vitória na época vinha provar que tal política podia reconduzir o clube à glória. As compras de Vladimír Šmicer, Sami Hyypiä e Dietmar Hamann criavam uma forte base sobre a qual Houllier podia trabalhar. A conquista de três troféus num ano tem de ser levada a sério. Podemos dizer que a fortuna lhes sorriu na final da Taça de Inglaterra contra o Arsenal, porque a equipa de Arsène Wenger lhes deu uma lição antes de Michael Owen ter marcado o seu segundo golo. Nenhum emblema me incomodava mais do que aquele: Liverpool. A história. Sabia que, se este ressurgimento continuasse, voltariam a ser os nossos grandes rivais, acima do Arsenal e do Chelsea. Um ano depois dessa tripla vitória, terminaram em segundo no campeonato, mas em seguida caíram para quinto, quando Gérard trouxe El Hadji Diouf, Salif Diao e Bruno Cheyrou, o que muitos analistas consideraram causa e efeito. Cheyrou foi um dos jogadores que tivemos debaixo de olho quando esteve no Lille. Não tinha grande passada, mas possuía um bom pé esquerdo. Um rapaz forte, mas pouco rápido. Diouf fez um bom Campeonato do Mundo, com o Senegal, e ganhara nome. Eu podia perceber o movimento de antenas de Gérard. Sempre fui cauteloso quanto à compra de jogadores que acabam de realizar bons torneios do género. Dei esse passo no Campeonato da Europa de 1996, quando me apressei a contratar Jordi Cruyff e Karel Poborský. Ambos assinaram boas prestações na competição, mas não retirei deles a qualidade que os seus países haviam obtido nesse verão. Não eram maus moços, mas por vezes os jogadores motivam-se e preparam-se para campeonatos da Europa e campeonatos do Mundo e depois não conseguem manter o nível. Em Diouf havia talento, mas precisava de ser domado. Era um espinho cravado na carne e nem sempre no bom sentido. Podia ser tolo em campo, mas tinha uma boa aura competitiva e habilidade. Entrar num clube


histórico como o Liverpool não foi compatível com o seu lado rebelde, porque sentia dificuldade em lidar com a disciplina de que precisava para obter sucesso. Gérard descobriu isso depressa. Com a quantidade de jogos altamente competitivos que temos contra equipas como o Arsenal ou o Chelsea, precisamos de jogadores de bom temperamento. E, na minha opinião, o de Diouf era mau. Quanto a Cheyrou nunca conseguiu impor-se, não tinha ritmo para jogar na Premier League. A cultura spice boy foi outro búfalo que Gérard teve de pentear. Ouvi histórias de jogadores do Liverpool que iam até Dublin para se divertir. Senti que a chegada de Stan Collymore dificilmente ajudaria na estabilidade da equipa. Quase o comprei, porque tinha um talento incrível, mas quando o vi jogar pelo Liverpool percebi que era ligeiramente preguiçoso e fiquei satisfeito por não o termos contratado. Só posso calcular que no United teria sido o mesmo. Em vez dele, fui buscar o Andy Cole, que era valente como um leão e sempre deu o seu melhor. Antes do progresso trazido por Houllier, o Liverpool caíra na mesma armadilha que o United, anos antes. Comprava jogadores como se quisesse completar um puzzle. Se repararem no Manchester United entre meados dos anos 1970 e meados dos anos 1980 verão que comprou jogadores como: Garry Birtles, Arthur Graham, do Leeds United, Peter Davenport, Terry Gibson, Alan Brazil – parecia haver uma espécie de desespero. Se alguém marcava um golo ao United, assinava contrato, era esse o tipo de raciocínio a curto prazo. O Liverpool ganhou o mesmo hábito. Ronny Rosenthal, David Speedie, Jimmy Carter. Uma sucessão de jogadores que iam chegando e não eram identificáveis com o clube. Collymore, Phil Babb, Neil Ruddock, Mark Wright, Julian Dicks. Gérard comprou uma grande variedade de futebolistas para Anfield: Milan Baroš, Luis García, Šmicer e Hamann, que fizeram um bom trabalho. Eu conseguia ver um padrão nas aquisições de Gérard. Já com Benítez não fui capaz de observar a mesma estratégia. Os jogadores iam e vinham.


Houve alturas em que olhava para equipa titular e sentia que era o Liverpool menos imaginativo que alguma vez defrontara. Num jogo contra nós, colocou o Javier Mascherano a médio-centro, com o habitual quarteto defensivo, mas com o Gerrard aberto na esquerda e Alberto Aquilani na frente. Depois tirou o Dirk Kuyt e pôs o Ryan Babel na esquerda, movendo o Gerrard para a direita. Jogaram os três juntos no meio. Babel era o extremo-esquerdo, mas não foi à linha de fundo uma única vez. Não sei quais seriam as suas ordens, mas lembro-me de, no banco, ter dito que seria boa altura para o meter nesse lugar, contra o Gary Neville. E alertei o Paul Scholes: «Diz ao Gary que fique atento!» Mas o Liverpool jogou sem largura nenhuma. Aparentemente, Benítez terá estado no nosso campo de treinos como convidado do Steve McClaren, mas não me recordo de o ter conhecido. Recebíamos muitas visitas de treinadores estrangeiros, por isso não era fácil fixá-los a todos. Vinha gente da China, de Malta e grupos de três e quatro de países escandinavos. Também havia um fluxo de outros desportistas: a equipa de críquete da Austrália, jogadores da NBA, Michael Johnson, Usain Bolt. Johnson, que dirige um programa de treinos no Texas, na primavera, impressionou-me com os seus conhecimentos. Pouco depois de Benítez ter chegado, fui ver um jogo do Liverpool e ele e a mulher convidaram-me para tomar um copo. Até aí tudo bem, mas a nossa relação esfriou. Ele cometeu o erro de transpor a nossa rivalidade para o campo pessoal e, a partir do momento em que a tornou assim, já não havia hipótese, podia dar-me ao luxo de esperar. Tinha o sucesso do meu lado. Benítez batalhava por troféus ao mesmo tempo que lutava comigo. Era insensato. No dia em que tornou pública a sua famosa lista de «factos» detalhando a minha influência sobre os árbitros, recebemos uma dica de que o Liverpool estaria a ensaiar uma forma de permitir a Benítez desenvolver a sua ofensiva. Não é incomum no futebol. Foi-me dito que estivesse preparado.


Vamos colocar as coisas desta forma, os nossos serviços de imprensa avisaram-me: «Achamos que o Benítez vai lançar um ataque sobre si, hoje.» «Então?», perguntei. «Não sei, sopraram-nos», disseram. E eis que, na televisão, Benítez pôs os óculos e desenrolou a folha de papel. Factos. Os factos estavam todos errados. Primeiro, disse que eu intimidava os árbitros. A Federação Inglesa tinha medo de mim, segundo Rafa, mesmo que eu tivesse acabado de ser multado pela mesma federação em 10 000 libras, duas semanas antes, e eu não apoiava a campanha Respect. 36 A iniciativa iniciara-se essa época e, no entanto, Rafa atacava-me pelas críticas que eu havia feito a Martin Atkinson num jogo da taça do ano anterior, antes de terem saído as novas indicações. Por isso, já estava errado nas duas primeiras coisas que dissera. A imprensa adorou, apesar das incorreções. Estavam à espera de que a guerra começasse e que eu disparasse um morteiro em resposta. Na verdade, limitei-me a dizer que Rafa estava obviamente «ressentido» com algo e que não sabia explicar o que seria. Foi a minha forma de lhe dizer: «Olha, és um tolo. Nunca deves fazer disto uma coisa pessoal.» Foi a primeira vez que aplicou tal tática, e todos os ataques subsequentes enfermaram da mesma lógica. As minhas investigações levaram-me à conclusão de que ele ficara agastado comigo por eu ter questionado se o Liverpool seria capaz de se manter na luta pelo título ou se sucumbiria à pressão. Se eu fosse o treinador do Liverpool, teria tomado estas palavras à conta de elogio. Pelo


contrário, Benítez encarou-as como um insulto. Se, como técnico do United, falava sobre o Liverpool e deixava remoques na tentativa de os perturbar, o meu colega de Anfield devia saber que eles me preocupavam. Quando o Kenny estava ao comando do Blackburn e eles saíram na frente da corrida para o título, contei: «Bem, esperemos que sejam um Devon Loch. »37 Em cheio! Todos os artigos de jornais passaram a falar de Devon Loch e o Blackburn começou a perder pontos. Devíamos ter ganho o campeonato nesse ano, mas o Rovers aguentou-se. Não há dúvida de que lhes tornámos a vida mais difícil ao agitar o fantasma do cavalo da rainhamãe e daquele falhanço em Aintree. Dizia-se que Benítez era um obcecado pelo controlo, o que veio a confirmar-se, a um ponto que não fazia sentido. Nunca mostrou interesse em criar amizade com os outros treinadores: uma política perigosa, porque havia muitos técnicos de clubes mais pequenos que teriam gostado de tomar uma bebida e de aprender com ele. Na época de 2009-10, apareceu para um copo, em Anfield, mas pareceu desconfortável e, passado um pouco, disse que tinha de sair, ficando tudo por ali. Desabafei para Sammy Lee, o seu adjunto: «Pelo menos foi um começo.» Um dia, Roberto Martínez, treinador do Wigan Athletic, foi citado dizendo que eu tinha «amigos» que seguiam as minhas diretivas em relação a Benítez (Sam Allardyce era um dos visados). Roberto contactou a LMA38 para perguntar se deveria fazer uma declaração corrigindo o que havia sido dito e ligou-me dizendo que não tinha qualquer tipo de relação com Benítez, que, aliás, nunca o ajudara em nada. Acho que Martínez falara a um jornal espanhol sobre a forma como Benítez nos via a nós, seus rivais em Inglaterra, mas não partilhava dos mesmos pontos de vista. Foi apenas o mensageiro. Seria de esperar que Martínez e Benítez tivessem desenvolvido algum tipo de afinidade, afinal eram os únicos treinadores espanhóis na Premier League.


Benítez sempre se queixou de não ter dinheiro para gastar, mas desde que chegou despendeu mais do que eu. Muito mais. Espantava-me como é que era capaz de ir para as conferências de imprensa dizer que não dispunha de verba. Foi-lhe dada muita. A qualidade das suas compras é que o deixaram mal. Se excetuarmos Torres e Reyna, poucas das suas aquisições estavam ao nível de exigência do Liverpool. Havia jogadores úteis – Mascherano e Kuyt, que trabalhavam no duro –, mas não havia verdadeira qualidade à moda do Liverpool. Não existia nenhum Souness, nenhum Dalglish, nem um Ronnie Whelan ou um Jimmy Case. Benítez conseguiu dois grandes sucessos no mercado de transferências: Pepe Reina, o guarda-redes, e Fernando Torres, o homem-golo. Torres possui um enorme talento individual. Observámo-lo várias vezes e tentámos comprá-lo quando tinha 16 anos. Demonstrámos o nosso interesse dois anos antes de ele ter ido para o Liverpool, mas verificámos que os nossos contactos só serviam para que ele melhorasse o seu contrato com o Atlético de Madrid. Fomos vê-lo jogar em diversos torneios para jovens e sempre gostei dele. Estava muito arreigado ao Atlético, por isso fiquei surpreendido quando o Liverpool o foi buscar. As ligações de Benítez ao futebol espanhol devem ter ajudado. Torres é dotado de uma grande destreza: uma argúcia quase maquiavélica. Tem um toque diabólico, embora não na aceção física, e uma mudança de velocidade fatal. Num sprint de 40 metros, não era mais rápido do que muitos dos jogadores do Liverpool, mas tem essa mudança de velocidade, que pode ser letal. A sua passada é ilusoriamente lenta, mas inesperadamente acelera e ultrapassa um adversário. Por outro lado, quando as coisas lhe correm mal não reage da melhor forma, e as suas reações até podem ser feias. Talvez tenha sido estragado com mimos no Atlético de Madrid, onde foi o menino de ouro durante tanto tempo. Aos 21 anos já era capitão de equipa. Tem um físico notável: figura e envergadura de ponta-de-lança, e foi o melhor avançado do Liverpool desde Owen ou Fowler. Outra estrela, claro está, era Gerrard, que nem sempre jogou bem contra o Manchester United,


mas que era capaz de ganhar jogos sozinho. Mostrámo-nos interessados nele no mercado de transferências, tal como o Chelsea, porque havia a sensação de que ele gostaria de deixar o Liverpool, mas pareceu existirem influências contrárias por parte de pessoas alheias ao clube e tudo acabou num beco sem saída. A sua transferência para o Chelsea parecia já acertada, em determinado momento. Uma questão continuava a incomodar-me: porque é que Benítez não confiava em Gerrard para médio-centro? O mais certo para mim, nos meus últimos jogos com o Liverpool, era que, os seus dois médios-centros ganhavam vantagem sobre o nosso meio-campo, mas não sabiam tirar proveito dela. Se fosse Gerrard a ganhar essa vantagem no meio, sabíamos que ele tinha pernas e ambição para se lançar em frente e provocar-nos estragos. Por isso, nunca percebi porque, no Liverpool, o utilizavam tão pouco como médio-centro. Em 2008-09, quando terminaram em segundo, com 86 pontos, tinham o Alonso para fazer os passes e Gerrard jogava mais adiantado, atrás de Torres. Outra das nossas vantagens é a de que eles deixaram de produzir jogadores. Michael Owen foi provavelmente o último. Se ele se tivesse juntado a nós quando tinha 12 anos, teria sido um dos grandes goleadores. No ano em que jogou na fase final do Campeonato do Mundo de Sub-20, disputado na Malásia, nós tínhamos o Ronnie Wallwork e o John Curtis na seleção inglesa. Quando voltaram, dei-lhes um mês de férias. Michael Owen foi diretamente para a equipa principal do Liverpool, sem descanso nem aperfeiçoamento técnico. Michael evoluiu como jogador nos dois anos em que esteve no United. Era espetacular no balneário e muito bom rapaz. Acho que a falta de repouso e de aperfeiçoamento técnico nos seus primeiros anos prejudicaram-no. Quando Houllier se tornou seu treinador, já ele era um jogador adulto e a estrela da equipa. Não teve a oportunidade de o separar do grupo e de trabalhar com ele aspetos técnicos. Cometi um erro para com Michael no sentido de que deveria tê-lo contratado mais cedo. Não haveria hipótese de o ir buscar diretamente ao Liverpool, mas


devíamos ter avançado quando o Real Madrid o vendeu ao Newcastle. É uma joia de menino. Entre os outros elementos do Liverpool que nos causaram problemas, Dirk Kuyt é dos jogadores mais honestos que podemos encontrar. Aposto que tinha 1,85 metros quando chegou e 1,75 quando se foi embora, pois correu até gastar as pernas. Nunca vi um avançado que trabalhasse tanto no aspeto defensivo. Benítez pô-lo a jogar nos jogos todos, mas, se a oportunidade surgisse na área contrária, não estaria ele já exausto de tanta correria? A despeito das minhas reservas sobre ele como pessoa e como treinador, Benítez conseguia que os jogadores deixassem a pele em campo por ele, pelo que tem de existir aí qualidade inspiracional: medo ou respeito ou habilidade. Nunca vi uma equipa sua atirar a toalha ao chão, e merece crédito por isso. Porque não foi ele capaz, na minha perspetiva, de fazer em Anfield tudo o que estava ao seu alcance? Benítez tinha mais tendência para o futebol defensivo e destrutivo do que para um futebol de ataque, e não se pode ser totalmente bem-sucedido, nos dias de hoje, com tal filosofia. José Mourinho é bem mais astuto na forma de lidar com os jogadores e tem personalidade. Se olharmos para José e para Rafa na linha lateral, podemos acertar em qual deles sairá vencedor. É preciso respeitar sempre o Liverpool e o mesmo se aplica a algum do trabalho que Benítez lá fez, porque é uma equipa difícil de bater e porque ganhou uma Taça dos Campeões. São pontos altos. Teve sorte, mas também eu a tive, às vezes. O seu estilo junto à linha era o de quem quer que os seus jogadores se movam constantemente por todo o campo, mas duvido de que eles olhassem para ele a toda a hora ou que estivessem a agir segundo as suas instruções. Ninguém conseguiria perceber tantos gestos. Pelo contrário, num jogo entre o Chelsea e o Inter, reparei que os jogadores corriam para Mourinho como se perguntassem: «Diga, chefe.» Estavam atentos ao que ele pretendia deles.


É preciso um treinador forte, isso é fundamental. E Benítez é forte. Tem grande confiança em si próprio e é suficientemente teimoso para ignorar as críticas que lhe são feitas. Fá-lo uma e outra vez. Mas ganhou uma Liga dos Campeões, contra o Milan, em Istambul, em 2005, o que o protegeu de quem desprezava os seus métodos. Quando o Milan foi para o intervalo desse jogo a ganhar por 3-0, diz-se que alguns dos seus jogadores já comemoravam a vitória, usando T-shirts alusivas ao acontecimento e festejando. Disseram-me que Paolo Maldini e Gennaro «Rinoceronte» Gattuso ficaram malucos, tentando meter na cabeça dos companheiros que o jogo ainda não acabara. O Liverpool ganhou a taça nessa noite com uma notável exibição. Depois de uma ligeira passagem pelo banco do Liverpool, Roy Hodgson deixou o cargo para o regressado Kenny Dalglish, e o clube voltou a cair num período de reconstrução, mas poucas das contratações de Kenny me tiraram o sono. Observámos Jordan Henderson diversas vezes e Steve Bruce mostrou-se grandemente entusiasmado, mas reparámos que ele assenta a sua corrida no movimento dos joelhos, com as costas direitas, enquanto os jogadores modernos o fazem com base nas ancas. Pensámos que esse defeito o poderia prejudicar mais tarde na sua carreira. Stewart Downing custou ao Liverpool 20 milhões de libras. Tinha talento, mas não era nem dos mais corajosos nem dos mais rápidos. Era bom nos cruzamentos e possuía remate perigoso, mas 20 milhões? Andy Carroll, que lhes custou 35, chegou a estar na nossa escola de formação do Nordeste, tal como Downing e James Morrison, que jogou no Middlesbrough e no West Brom e chegou à seleção escocesa. A Federação fechou-a após queixas do Sunderland e do Newcastle. Foi nesta altura que as academias deram o pontapé de saída. A contratação de Carroll veio em reação à transferência de Torres por 50 milhões de libras. O problema de Andy era a sua mobilidade, a sua velocidade. A menos que a bola passe o tempo na grande área contrária, é difícil jogar da forma que Andy Carroll o faz porque os defesas saem bem dessa zona hoje em dia. Reparem nos movimentos de um


ponta-de-lança moderno. Suárez não é muito rápido de pés, mas é veloz no raciocínio. Os jovens que Kenny promoveu vindos da formação deram-se bem. Jay Spearing, especialmente, era tremendo. Jogava a defesa-central, com John Flanagan como líbero, e era de longe o melhor dos dois: agressivo, rápido, um líder. Mas era visível que havia um problema qualquer. Era bom no centro do campo, mas não era fácil prever-lhe o futuro. Talvez o físico jogasse contra ele. Kenny ganhou a Taça da Liga e foi à final da Taça de Inglaterra, mas quando ouvi dizer que ele e o seu adjunto, Steve Clarke, tinham sido chamados a Boston para uma reunião com o proprietário do clube, temi o pior. Acho que a T-shirt de protesto que usou para defender Suárez no caso com Patrice Evra39 não ajudou. Como treinadores, às vezes metemos a cabeça na areia, sobretudo por causa de um grande jogador. Se tivesse sido um suplente, em vez de Suárez, teria Kenny ido tão longe para o defender? Os editoriais subsequentes publicados no New York Times e no Boston Globe sobre o facto de Suárez e Evra não terem apertado as mãos deu o mote para o caminho que o debate levava. O problema de Kenny, na minha opinião, era o de ser idolatrado por muita gente jovem no clube. Peter Robinson, o diretor executivo do clube nos seus tempos de glória, teria impedido a situação de atingir o ponto a que chegou. O clube é mais importante do que qualquer personalidade. O novo treinador, Brendan Rodgers, só tinha 39 anos. Fiquei surpreendido por terem entregue o cargo a alguém daquela idade. Um erro cometido por John Henry nas primeiras semanas de Brendan no Liverpool, em junho de 2012, foi o de autorizar um documentário sobre a intimidade da equipa. Colocar os holofotes sobre um homem tão novo foi duro e teve más consequências. Não registou grande impacto na América, por isso não compreendo qual foi o objetivo. Fiquei com a ideia de que os jogadores foram obrigados a dar as entrevistas que vimos no ecrã.


Brendan promoveu os novos, o que foi admirável, e obteve uma boa resposta por parte da equipa. Penso que tinha a consciência de que algumas das aquisições não mostravam categoria. Henderson e Downing estavam entre aqueles que precisavam de mostrar credenciais. É importante fazermos perceber aos jogadores que não podem deixar fugir as oportunidades. A nossa rivalidade com o Liverpool foi sempre muito intensa, mas, para além dela, havia um respeito mútuo. Tive orgulho no meu clube no dia em que assinalámos a publicação do relatório de Hillsborough, em 2012: uma semana importantíssima para o Liverpool e para aqueles que lutaram pela justiça. Concordámos com tudo aquilo que o Liverpool solicitou em termos de comemorações, e recebemos o seu apreço pela nossa posição. Naquele dia, disse aos meus jogadores que não comemorassem golos de forma provocante e que se prontificassem a ajudar a levantar-se qualquer jogador do Liverpool que sofresse uma falta. Antes do pontapé de saída, Bobby Charlton surgiu com uma coroa de flores e entregou-a a Ian Rush, que a depositou no Hillsborough Memorial40, junto do Shankly Gates. A princípio, o Liverpool mostrou vontade em que fosse eu juntamente com Ian Rush a personalizar a cerimónia, mas pensei que Bobby era uma escolha mais apropriada. O dia correu bem, a despeito de alguns bate-bocas levados a cabo por uma minoria. Para que o Liverpool atinja o mesmo nível que nós e o Manchester City vai ser necessário um grande investimento. O estádio é outra força inibidora. Os proprietários americanos do clube preferiram reconstruir Fenway Park, casa dos Boston Red Sox, do que levantar um novo recinto, por exemplo. Erguer um estádio pode custar hoje em dia 700 milhões de libras. Anfield não evoluiu. Até os balneários se mantêm iguais há 20 anos. Ao mesmo tempo, do meu ponto de vista, precisam de oito jogadores para poderem atingir o nível de um candidato ao título. E quando se cometem erros no mercado de transferências, acabamos por deixar sair alguns por preços muito baixos.


Enquanto Brendan Rogers iniciava o seu trabalho, eu e Benítez continuávamos a encontrar-nos. Regressou ao futebol inglês como treinador do Chelsea depois de Roberto Di Matteo, que tinha ganho a Liga dos Campeões, ser despedido, no outono de 2012. Numa conferência de imprensa, logo após a sua chegada, fiz notar que Benítez tinha a sorte de pegar em equipas já construídas. Sinto que este comentário deve ser contextualizado. Ele ganhou a Liga Espanhola em 2001-02, com 51 golos marcados, o que dá bem ideia do seu pragmatismo. Não era agradável ver os jogos do Liverpool quando ele foi treinador. Para mim, eram maçadores. Fiquei surpreendido com a opção do Chelsea. Ao colocarmos lado a lado o palmarés de um e de outro, vemos que Benítez foi campeão duas vezes com o Valência e ganhou a Liga dos Campeões e a Taça de Inglaterra com o Liverpool. Em apenas seis meses, Di Matteo venceu a Liga dos Campeões e a Taça de Inglaterra. Eram proezas comparáveis, mas Rafa voltava a cair de pé, outra vez. 36 Iniciativa da Federação Inglesa de Futebol, a Respect Campaign é uma espécie de código de conduta para treinadores, jogadores e árbitros, de forma a acentuar o respeito pelo trabalho de cada um, promovendo castigos a críticas e comportamentos considerados desajustados. (N. do T.) 37 Devon Loch era o nome de um cavalo de corrida, propriedade da rainha-mãe. Na ponta final do Grand National de 1956, disputado em Aintree, a cerca de 40 metros da chegada, comandava a corrida confortavelmente quando, de repente, deu um pinote e caiu de barriga, perdendo a hipótese da vitória. Consta que a rainha-mãe se limitou a comentar: «As corridas são mesmo assim.» (N. do T.) 38 LMA – League Managers Association: o sindicato dos treinadores ingleses. (N. do T.) 39 No dia 15 de outubro de 2011, no empate 1-1 entre Liverpool e Manchester United, em Anfield Road, Suárez e Evra mantiveram uma discussão acesa e este acusou o uruguaio de lhe ter dirigido insultos racistas. A Federação castigou Suárez com oito jogos de suspensão e uma multa de 40 000 libras. (N. do T.) 40 Memorial erguido em memória das 96 pessoas que, no dia 15 de abril de 1989, morreram no Estádio de Hillsborough, em Sheffield, durante a meia-final da Taça de Inglaterra entre Liverpool e Nottingham Forest. Outras 766 ficaram feridas. Em setembro de 2012, um relatório final concluiu que não cabiam aos adeptos do Liverpool quaisquer responsabilidades numa das maiores tragédias que aconteceram num estádio de futebol. (N. do T.)


16 UM MUNDO DE TALENTO Apartir do momento em que o Manchester United passou a fazer parte do mercado das grandes empresas, em 1991, tive a certeza de que iria ser comprado por algum privado. Rupert Murdoch, da BskyB, foi o primeiro dos grandes investidores a aparecer, até Malcolm Glazer que avançou, em 2003. Com toda a nossa história e aura, éramos grandes de mais para sermos ignorados pelos investidores. Para mim, a única surpresa, no momento em que a família Glazer assumiu o controlo, foi não ter havido muito mais concorrentes ricos na corrida. Quando os novos donos assumiram essa condição, Andy Walsh, do grupo de adeptos do United, ligou-me para dizer: «Tem de se demitir.» Andy era bom rapaz, mas eu não fazia tenções de seguir o seu conselho. Eu era treinador e não dirigente, nem sequer um dos antigos proprietários que vendera o clube. A tomada do poder não tinha, de forma alguma, a ver comigo. «Bem, estarei a seu lado», disse Andy. Respondi: «Mas que acha que aconteceria a todo o meu staff?» No momento em que eu saísse, a maioria dos meus assistentes acompanhar-me-ia. Alguns estavam comigo há mais de 20 anos. O impacto provocado nos outros na altura em que se muda de treinador é muitas vezes ignorado por aqueles que vivem fora do clube. Eram tempos inquietantes, admito. Uma das minhas preocupações centrava-se no dinheiro de que iríamos dispor para investir, mas era preciso ter confiança nas minhas capacidades para descobrir bons jogadores e na estrutura da organização. Os Glazer tinham comprado um clube sólido e perceberam isso desde o início.


O meu primeiro contacto com eles veio sob a forma de um telefonema de Malcolm. Duas semanas mais tarde, os filhos, Joel e Avi, vieram afirmar a sua posição. Disseram-me que não haveria alterações na forma como era dirigido o futebol. Do seu ponto de vista, o clube encontrava-se em boas mãos. Eu era um treinador de sucesso. Não estavam preocupados. Apoiavam-me totalmente. Tudo o que queria ouvir deles, ouvi-o nesse dia. Bem sei que há sempre algo de não completamente percetível. Dizem-nos que está tudo bem e depois fazem um milhão de alterações. As pessoas perdem os seus empregos e fazem-se cortes porque há dívidas a pagar. Contudo, o United manteve-se sólido sob a nova administração, a despeito dos empréstimos que foram falados e dos juros que acarretaram. Ao longo dos anos, muitos grupos de adeptos do clube desafiaram-me a tomar posição sobre o montante das dívidas contraídas e a minha resposta foi sempre a mesma: «Sou o treinador. Trabalho para um clube que é propriedade de americanos.» Era o meu ponto de vista. Nunca pensei ser importante para a tarefa do treinador meter-se na forma como o clube era gerido. Se os Glazer tivessem optado por uma política de maior confrontação, então talvez fosse diferente – por exemplo, se me tivessem pedido que me visse livre de alguns dos meus adjuntos, promovessem alterações que limitassem a minha forma de gerir o clube, ou modificassem a dinâmica do trabalho, mas nunca existiu essa pressão. Então deveria desistir só porque alguns adeptos queriam que eu abandonasse o trabalho de uma vida? Quando cheguei ao United havia um grupo de adeptos conhecido por Second Board. Juntavam-se no Grill Room41 e debatiam aquilo que estava mal no Manchester United. Nessa altura, quando a minha posição era mais frágil, preocupava-me com os danos que me poderiam provocar se se virassem contra mim. Outros treinadores do United que me antecederam sentiram o mesmo. No meu tempo de jogador no Rangers, um grupo de adeptos influentes viajava com a equipa e formava um lóbi poderoso. No


United, também muitos faziam ouvir a sua voz. Desgostosos com a tomada do poder pelos Glazer, deixaram os seus lugares cativos e fundaram o FC United of Manchester. Há um preço a pagar por se ser adepto de um clube que é o de não se poder ganhar sempre. Não seremos treinadores para toda a vida. O United teve a sorte de ter dois durante meio século. Ao ganhar e ao perder jogos, as emoções sobem e descem. O futebol gera, naturalmente, dissidências. Lembro-me de perder um jogo com o Rangers e de os adeptos nos atirarem tijolos pelas janelas. Tirando a minha idade, não havia razões para que os Glazer considerassem a possibilidade de alterar a forma de treinar o clube no verão de 2005. Nunca pensei nisso, nunca me senti ameaçado. As dezenas de milhões de libras gastas como juros dos empréstimos provocaram sentimentos de algum cuidado dentro do clube. Percebi isso, mas não senti, nunca, que tal se traduzisse na necessidade de vender um jogador ou no excesso de cautelas na hora de fazer uma contratação. Uma das suas virtudes baseava-se nas dúzias de patrocinadores à escala global. Trouxeram a Turkish Airlines, companhias telefónicas da Arábia Saudita, de Hong Kong, da Tailândia, e empresas cervejeiras do Extremo Oriente. Isso traduziu-se em dezenas de milhões e ajudou a sustentar a dívida. No futebol, gerávamos muitos lucros e as multidões de 76 000 espectadores contribuíam muito. Por isso, em nenhum momento fui contrariado pela administração Glazer. Várias vezes perdemos interesse em jogadores porque as cláusulas de transferência ou os salários se tornavam ridículos. Essas decisões foram tomadas por mim e pelo David Gill. Nunca houve indicações superiores para gastar consoante as dívidas do clube.


Pelo contrário, a nossa galáxia expandiu-se. De 2007 para cá, mais talento chegou a Carrington vindo da América do Sul, de Portugal, da Bulgária. Nenhum jogador importado durante esses anos gerou mais atenção do que Carlos Tévez, que foi o fulcro de uma grande controvérsia após a descida do Sheffield United da Premier League e terminou do outro lado da barricada, chegando ao ponto de Carlos exibir na sua camisola azul-celeste do nosso rival Manchester City a mensagem provocatória: «Bem-vindo a Manchester!» A história tem início quando Tévez estava no West Ham e David Gill recebeu uma chamada do seu empresário, Kia Joorabchian, dizendo que o rapaz adoraria jogar pelo Manchester United. David já tinha escutado estes apelos muitas vezes. Era quase uma rotina que os empresários entrassem em contacto connosco assegurando que os seus representados sentiam algo de especial pelo nosso clube. O meu conselho foi o de não entrarmos em negócios complicados com o grupo de Tévez. David concordou. Era evidente que o jogador pertencia a um consórcio, mas também sublinhei: «Ele provoca impacto nos jogos com a sua energia, e também tem uma média decente de golos. Tudo depende do tipo de negócio.» David transmitiu-me que poderíamos ter Tévez por empréstimo, por dois anos, mediante determinada quantia. E assim foi, com Carlos a fazer uma boa época de estreia connosco. Marcou uma série de golos importantes, contra Lyon, Blackburn, Tottenham e Chelsea. Havia nele um entusiasmo e uma força especiais. Não possuía um grande ritmo de jogo, nem era muito bom nos treinos. Gostava de fazer pequenos intervalos, argumentando queixas nos gémeos. No contexto da nossa preparação, isso por vezes irritava-nos. Gostávamos de ver uma vontade genuína de treinar a toda a hora. Os jogadores de topo têm-na, mas Tévez compensava bem graças ao seu entusiasmo durante os jogos. Na final da Liga dos Campeões de 2008, em Moscovo, jogou e marcou no desempate por penáltis frente ao Chelsea. Foi o primeiro a marcar.


Durante o jogo, fiz sair Rooney e deixei Tévez em campo porque ele estava a jogar melhor do que Wayne. O que me criou dúvidas foi que, na sua segunda época, contratámos o Dimitar Berbatov e a ideia era juntar Rooney e ele na frente. Ao observar Berbatov no Tottenham, senti que poderia fazer a diferença porque possuía uma certa calma e certeza na finalização que faltavam no nosso grupo de avançados. Tinha o mesmo condão de Cantona ou de Teddy Sheringham: não uma velocidade espantosa, mas a capacidade de levantar a cabeça e fazer um passe criativo. Achei que podia elevar o nosso nível e aumentar a nossa cambiante de talentos. Assim, a chegada de Berbatov relegou Tévez para um papel mais secundário, e por volta de dezembro, na sua segunda época, começámos a sentir que ele não se mostrava especialmente bem. A razão, penso eu, prendia-se com o facto de ser do tipo que precisa de estar sempre em jogo. Se não treinarmos intensamente, coisa que ele não fazia, temos necessidade de jogar com regularidade. Durante esse inverno, David Gill perguntou-me: «Que queres fazer?» Fui de opinião de que deveríamos esperar por uma fase mais adiantada da época para resolvermos o caso. «Eles exigem uma decisão agora», asseverou Gill. Insisti: «Diz-lhes que quero dar-lhe mais tempo de jogo para podermos decidir convenientemente, porque Berbatov está a ser muito utilizado.» Tévez teve influência em muitos resultados da segunda metade da campanha de 2008-09, especialmente frente aos Spurs, em casa, quando estávamos a perder por 0-2 e o mandei para dentro de campo dar uma sacudidela ao jogo. Atacou tudo o que mexia. Trouxe um novo entusiasmo à equipa e foi o grande responsável por termos vencido por 5-2. O seu impacto mudou o rumo dos acontecimentos. A meia-final da Liga dos Campeões de 2009 pôs-nos frente a frente com o Arsenal e joguei com um trio na frente, Ronaldo, Rooney e Park. Foi essa


a minha escolha para a final e Tévez não ficou convencido. Só fizemos asneiras em Roma. Escolhemos um mau hotel. Era um caos. Há que nos rendermos perante o nosso mau planeamento. Seja como for, fiz entrar Tévez na segunda parte e pareceu-me que jogou um pouco para si próprio. Pelo que percebi, já tinha tomado a sua decisão de ir para o City. Depois do jogo de Roma, confrontou-me: «Nunca mostrou grande vontade de assinar comigo, em vez de me ter por empréstimo.» Expliquei-lhe que precisava de analisar a época e que ele não disputara o número de jogos suficiente para me dar uma certeza. David ofereceu os 25 milhões de libras da sua cláusula, mas foi como se estivéssemos a falar para a parede. Isso levou-nos a ficar com a certeza de que ele já tinha decidido mudar-se para o outro lado da cidade. O rumor, não confirmado, era o de que os nossos rivais de Manchester teriam pago por ele 47 milhões de libras. A certa altura, Tévez esteve em contacto com o Chelsea e penso que os seus agentes jogaram com isso. Dizse que o Chelsea ofereceu 35 milhões, mas que o City cobriu a oferta. Para mim eram verbas incríveis. Nunca pagaríamos esse dinheiro, por muito bom jogador que ele fosse, e era. Olhava-o como um causador de impacto no jogo. Foi um erro meu, porque Berbatov era um jogador do qual gostava muito e queria vê-lo ter sucesso, mas também é do género que precisa de que lhe garantam que é um grande jogador. Escolher entre ele e Tévez foi sempre uma questão difícil de resolver. Nunca houve qualquer problema disciplinar com ele do género daquele que teve Roberto Mancini quando, aparentemente, se recusou a fazer o aquecimento, num jogo da Liga dos Campeões, na Alemanha, mas ocorreu um grande bruaá em redor do seu suposto papel na despromoção do Sheffield United à Premiership, em 2007. Os golos de Tévez estavam a manter o West Ham longe da descida quando eles vieram jogar no nosso campo, no final dessa época. Tinham sido multados por quebrar a regra da propriedade tripartida42 por causa de Tévez, mas não lhes foram retirados pontos. Inevitavelmente, Tévez marcou um golo contra nós, o que ajudou à descida do Sheffield United, e Neil Warnock, o treinador deles, tentou


culpar-nos por termos alegadamente apresentado, contra o West Ham, uma equipa secundária. Tínhamos jogado a final da Taça no fim-de-semana anterior ao desse jogo contra o West Ham. O nosso plantel era o mais forte da Liga e eu mudara a equipa ao longo da época de acordo com as circunstâncias. Se virem esse jogo, verificam que ficaram dois ou três penáltis por marcar a nosso favor e que o guarda-redes deles fez uma exibição fantástica. Tévez marcou num contra-ataque. O West Ham nunca discutiu o jogo. Demos-lhes uma sova. Na segunda parte, meti o Ronaldo, o Rooney e o Giggs, mas mesmo assim não conseguimos vencer. Entretanto, Mr. Warnock acusa-nos de entregar o jogo. Na última jornada, recebiam o Wigan em casa e só precisavam de um empate. No início de janeiro, Warnock deixara sair David Unsworth para o Wigan a custo zero, e ele marcou o penálti que atirou o Sheffield United para fora da Premier League. Podia alguém de cabeça limpa deixar de dizer: «Fiz aqui asneira.» Alguma vez se olhou no espelho e pensou: «Bastava-nos um empate em casa e não fomos capazes de ganhar um ponto ao Wigan?» A acusação foi ridícula. Em janeiro de 2007, fomos buscar um aristocrata – por dois meses, sem custos. Louis Saha começou a época a prometer muito, mas voltou a lesionar-se. Em outubro, Jim Lawlor, o chefe da prospeção do United, chamou-nos a atenção para o desperdício que era ver Henrik Larsson jogar na Suécia quando ainda tinha qualidade para oferecer a alto nível. Helsingborgs, o clube no qual ele jogava, recusava-se a vendê-lo, mas pedi a Jim que perguntasse ao presidente sobre a possibilidade de ele vir por empréstimo em janeiro. Henrik ajudou a empurrar o barco nessa direção. Quando chegou ao United, parecia ser uma figura de culto para muitos dos nossos jogadores. Proferiam o seu nome de forma reverente. Para um homem com 35 anos, a sua disponibilidade para escutar os treinadores era


espantosa. Concentrava-se em todas as sessões. Queria ouvir as leituras táticas feitas pelo Carlos e embrenhava-se em tudo o que fazíamos. Era soberbo nos treinos: os seus movimentos, o seu jogo posicional. Os três golos que marcou por nós não podem aferir a sua contribuição. No seu último jogo com a nossa camisola, em Middlesbrough, estávamos a perder por 1-2 Henrik recuou para jogar no meio-campo e deu o litro e um quartilho. No seu regresso às cabinas, todos os jogadores se reuniram para o aplaudir e o resto do staff juntou-se-lhes. É preciso ser um grande jogador para criar tal impressão em dois meses. O estatuto de culto pode desvanecer-se em dois minutos, se um jogador não fizer o seu trabalho, mas Henrik conservou a sua aura durante o tempo que passou connosco. Parecia que fora sempre um jogador do United, pela bravura e pela forma como se movimentava. E tinha uma elevação impressionante, para um homem de baixa estatura. Tive a oportunidade de assinar com ele antes. Estava pronto para avançar quando ele jogava no Celtic, mas Dermot Desmond, o sócio maioritário do clube, ligou-me, dizendo: «Estás a deixar-me ficar mal, Alex, tens pilhas de jogadores, nós precisamos dele.» Um mês depois de Henrik ter regressado à Suécia, registámos uma das nossas grandes vitórias europeias: 7-1 à Roma, no dia 10 de abril, a nossa maior goleada na Liga dos Campeões. Michael Carrick e Ronaldo marcaram dois golos cada um, e os outros foram de Rooney, Alan Smith e Patrice Evra, que apontou o seu primeiro nas taças europeias. No futebol, os jogos de topo são geralmente ganhos por oito jogadores. Três deles podem ser levados às costas, se tiverem uma noite má, mas trabalharem bastante, ou se interpretarem apenas um papel tático na equipa a fim de segurar o resultado. Mas meia dúzia de vezes na nossa carreira atingimos a perfeição quando os onze estiveram afinados. Nessa noite, tudo o que fizemos foi bem feito. No segundo golo, construímos um lance entre seis jogadores sempre ao primeiro toque. Alan Smith marcou na sequência de um passe de Giggs pelo meio dos dois


centrais. De primeira – bang! Na rede! Brilhante! Por isso, temos momentos em que dizemos: não era possível fazer melhor. Recordo-me de irmos a Nottingham, em 1999, e de vencermos por 8-1. Podiam ter sido 20. A Roma tinha uma bela equipa. Com Daniele De Rossi, Christian Chivu e Francesco Totti, e nós massacrámo-los. Havíamos perdido em Roma por 1-2, com Paul Scholes a ser expulso por uma entrada suicida junto à linha de fundo. O outro já estava praticamente fora do campo quando Scholes o carregou. Por isso, encontrávamo-nos debaixo de uma certa pressão no jogo da segunda mão, até que os golos começaram a entrar. Com o Wimbledon, para a Taça de Inglaterra, em fevereiro de 1994, foi outro clássico. Na vitória por 3-0 marcámos um golo após 38 passes. As pessoas consideram o golo de Ryan Giggs, naquela meia-final da Taça contra o Arsenal, ou o de Rooney, em pontapé de bicicleta, contra o Manchester City, como os melhores apontados pelo Manchester United, mas para mim esse golo em Wimbledon foi sublime. Todos os jogadores da equipa tocaram na bola. No primeiro minuto do jogo, Vinnie Jones atirou-se sobre Cantona. Crack! Eric ao chão. A equipa inteira correu para Jones, mas Cantona ordenou: «Deixem-no em paz.» Tinham sido companheiros no Leeds United e ainda sentia uma certa camaradagem. Depois, deu-lhe uma palmada nas costas, como se dissesse: «Podes pontapear-me, se quiseres, mas não me vais parar.» Cantona foi maravilhoso nesse dia e marcou o nosso primeiro golo com um magnífico vólei, que preparou para si próprio com um toque de pé direito. Sempre se disse que o Wimbledon não jogava futebol. Ora, isso não é verdade. A qualidade do serviço preparado para os seus avançados era boa, sobretudo os cruzamentos. A forma como saíam a jogar depois de recuperar a bola revelava-se terrível. Não eram desprovidos de talento e utilizavam os seus trunfos como uma arma contra os mais frágeis. Se o adversário não cabeceava a bola, estava morto. Se não a conseguia controlar, também. Se queríamos entrar em lances divididos com eles – não havia hipóteses. Era


difícil defrontá-los. Por isso, essa vitória por 3-0, no seu campo, foi especial para nós. Dois grandes triunfos frente ao Arsenal merecem destaque. Num 6-2 em Highbury, para a Taça da Liga, em 1990, Lee Sharp fez um hat-trick. Noutra ocasião, em fevereiro de 2001, batemo-los por 6-1 em Old Trafford. Uma família irlandesa tinha adquirido num leilão bilhetes para ver o nosso jogo em Liverpool, em 2000, mas foi impedida de viajar por causa do nevoeiro. Perdemos por 0-1, num jogo horrível. Telefonaram-me perguntando: «Que havemos de fazer?» Disse-lhes: «Vamos receber o Arsenal em breve.» Assistiram ao massacre dos 6-1. Que diferença! Ao intervalo já estava 5-1. O Yorke deu cabo deles. Apesar da nossa vitória por 7-1 sobre a Roma, a nossa campanha na Liga dos Campeões terminou com um 0-3 em Milão, no dia 2 de maio. Tínhamos sido obrigados a jogar com a equipa na sua máxima força no sábado anterior para vencermos o Everton por 4-2, em Goodison Park, enquanto o Milan fez descansar nove jogadores para o embate contra nós, que foi a uma terça-feira. Não estávamos simplesmente tão bem preparados como os nossos adversários italianos. Concedemos dois golos em 15 minutos, choveu a potes e não conseguimos sair do nosso meio-campo. Não esperávamos aquilo. A vitória de sábado tinha sido uma tarefa hercúlea porque chegámos a estar a perder por 0-2 com o Everton, e mesmo assim saímos de lá com cinco pontos de avanço no comando do campeonato. A par de Tévez e de Larsson, outros talentos globais juntaram-se a nós. Carlos, através das suas ligações com Portugal, falou-nos de um jovem brasileiro do FC Porto chamado Anderson. Tinha 16 ou 17 anos. Ficámos de olho nele. Entrava e saía da equipa. Um jogo aqui, suplente utilizado ali. Depois, alinhou contra nós no Torneio de Amesterdão e resolvi agir, mas na semana seguinte partiu uma perna.


Quando a sua recuperação se completou, mandei Martin observá-lo em todos os jogos durante quatro ou cinco semanas. Martin afirmou: «Alex, ele é melhor do que o Rooney.» «Por amor de Deus, não digas isso», repliquei. «Ele precisa de ser mesmo muito bom para que isso seja verdade.» Martin estava inflexível. Nessa altura, Anderson jogava nas costas do ponta-de-lança. No final do campeonato, fomos buscá-lo, a ele e ao Nani, que fui ver pessoalmente. O que me atraiu neste último foi o seu ritmo, força e jogo aéreo. Tinha dois belos pés. Todas as qualidades individuais estavam lá, o que me levava à velha questão: que tipo de rapaz é ele? Resposta: boa índole, sossegado, sabia falar inglês razoavelmente, nunca causou qualquer problema no Sporting, gostava de treinar. Mantinha-se em forma. Era bem ginasticado. Os seus níveis atléticos eram sempre de primeira classe. Portanto, as bases estavam lá. Carlos encontrou-se com David Gill: foram a Lisboa contratar o Nani e depois guiaram até ao Porto para garantir o Anderson. Tudo no mesmo dia. Dois anos mais tarde, podemos dizer que os motivos que nos levaram a comprá-los batiam certo. Houve problemas com Anderson no inverno de 2009-10. Não jogava tanto como esperava e queria regressar a casa. Era brasileiro e, assim sendo, a complicação, como sempre, prendia-se com o Campeonato do Mundo, no qual ele queria desesperadamente participar. O seu plano era ir para o Vasco da Gama o resto da época, de forma a poder jogar no Mundial de 2010, na África do Sul. «Não podes ir embora. Não investimos milhões de libras num jogador para ele fugir para o Brasil», impus-lhe. Tem uma personalidade adorável, o Anderson. Guardei sempre muito respeito pelos jogadores brasileiros. Digam-me o nome de um que não se destacasse nos grandes jogos. Nasceram para os momentos importantes. Têm uma qualidade especial: orgulho em si próprios, além de uma forte crença. Existe o mito de que os brasileiros encaram os treinos como uma maçadora interrupção de uma vida de prazeres. Não é verdade, treinam conscienciosamente. A ideia de que odeiam o frio é outra falácia. Os dois irmãos Da Silva, por exemplo: nada


de calças de fato de treino, nada de luvas – aí vão eles! Nenhum país nos oferece a rica mistura de ingredientes que retiramos de um jogador brasileiro. Os argentinos são profundamente patrióticos, mas falta-lhes a personalidade expansiva dos brasileiros. Com Nani, comprámos puro material em bruto. Era imaturo, inconsistente, mas com um fantástico instinto para o futebol. Conseguia controlar a bola com qualquer dos pés, cabecear e era um poço de força física. Podia centrar, rematar. Quando se adquire um jogador com tais talentos, o truque é domá-lo. Era um bocado desorganizado e precisava de maior consistência, sendo inevitável que caísse na sombra de Ronaldo, pois era um extremo vindo de Portugal com alguns dos mesmo atributos. Fosse ele natural da Sérvia e ninguém faria comparações. Mas tanto Ronaldo como Nani tinham vindo do Sporting, por isso foram sempre observados pelo mesmo prisma. Ronaldo foi abençoado com um talento extraordinário, e é corajoso, com dois excelentes pés e uma capacidade de elevação tremenda. Talvez tenha sido desencorajador para o Nani ver-se confrontado com este cenário no seu início no Manchester United. Lutar contra Ronaldo por um lugar na equipa também era um problema. No primeiro ano, passou muito tempo no banco. Nani habituou-se depressa à língua, mas Anderson demorou mais tempo. Todavia, por ser brasileiro, trouxe muita autoconfiança para o trabalho, ele sentem que podem jogar contra não importa quem. Eu perguntei ao Anderson: «Viste esse Neymar, no Brasil?» «Oh! Grande jogador! Fantástico!» «Viste o Robinho?» «Maravilha! Jogador incrível!» Cada brasileiro que eu mencionasse mereceria a mesma resposta.


Segundo ele, todos os jogadores lá no país eram de classe mundial. Quando o Brasil venceu Portugal num jogo particular, Anderson provocou Ronaldo: «Da próxima vez, jogamos com a quinta equipa para vos darmos uma hipótese.» Ronaldo não achou graça. É assim que o Brasil é. Adoro a história sobre uma competição levada a cabo no Rio de Janeiro para se descobrir um novo número 10, com milhares de miúdos a aparecerem. Um deles viajou durante 22 horas num autocarro. É um país enorme, com talento por toda a parte. Já não vejo de maneira tão entusiástica a forma como nos mexemos para contratar Owen Hargreaves, que foi fenomenal no verão de 2006 e parecia mesmo o tipo de jogador que precisávamos para suprir a saída de Keane. Fomos construindo uma ideia sobre o seu perfil, mas estudei os seus dados estatísticos e levantou-se-me uma sombra de dúvida. Não senti por ele uma forte vibração. David Gill trabalhou duramente para chegar a um acordo com o Bayern. Encontrei-me com o empresário de Owen durante a final do Campeonato do Mundo, em Berlim. Bom homem, advogado. Disse-lhe que poderíamos desenvolver Hargreaves no United. Afinal, foi um desastre. Owen não tinha qualquer confiança em si próprio. Do meu ponto de vista, não mostrou sequer determinação para ultrapassar os seus problemas físicos. Vi-o sempre, nos treinos, optar pela solução mais fácil. Foi das mais frustrantes contratações da minha carreira. Viajou por toda a parte em busca de cura para as suas diversas lesões: Alemanha, América, Canadá. Eu sentia que lhe faltava confiança para as debelar. Foi de mal a pior. Passou na América a maior parte de um ano. Consultou Hans Müller-Wohlfahrt, médico do Bayern de Munique, por causa dos gémeos. Nos jogos em que participou verdadeiramente, não posso queixar-me das suas prestações. Era extremamente rápido e um grande distribuidor de jogo. Podia jogar a defesa-direito, extremo-direito ou como centrocampista. Coloquei-o a extremo-direito na final de 2008, frente


ao Chelsea, e, quando foi preciso combater o trio deles no meio-campo, desviei-o para o centro, com Rooney na direita, e funcionou. Não há dúvida de que tinha valor, mas perdeu-se na névoa da sua falta de jogos. No entanto, Hargreaves foi espantoso no Campeonato do Mundo de 2006, pela Inglaterra, espalhando armadilhas para os adversários, lutando pela bola. Em setembro de 2011, fomos acusados por Hargreaves de ter sido supostamente abandonado pelo nosso departamento médico enquanto estava no United. Queixou-se de ter sido usado como «cobaia» nos seus tratamentos contra a tendinite e outros problemas nos joelhos. Fomos à procura de uma opinião jurídica e podíamos ter avançado com um processo contra ele, mas o médico não se considerou assim tão ofendido que lhe quisesse exigir uma compensação judicial. Fizemos os possíveis por ele, mas, tivesse sido fosse o que fosse, ele criou a sua própria versão dos factos. Às vezes perguntava-lhe: «Como estás hoje?» «Bem, chefe», respondia. «Mas penso que é melhor fazer treino individual. Sinto aqui qualquer coisa.» Uma das suas acusações foi a de que o pusemos a jogar contra o Wolverhampton, no início de novembro de 2010, mesmo tendo ele pedido que não fosse convocado. Disparate! Três semanas antes desse jogo, avisoume de que estaria apto para tais e tais datas, que por acaso coincidiam com jogos das competições europeias. Estava relutante em lançá-lo num jogo europeu depois de uma ausência tão longa. Nessa semana, houve um jogo de reservas no qual foi previsto fazê-lo jogar, mas ele não quis. Que eu saiba, na semana do jogo com os Wolves não deu nenhuma indicação ao nosso staff de que tinha um problema. A minha preocupação, e desabafei com Mick Phelan, era que ele se lesionasse durante o aquecimento. Fiquei com a sensação de que se queixara do tendão de Aquiles a um dos seus companheiros. Quando o aquecimento acabou, perguntei-lhe claramente: «Estás bem?», para lhe dar confiança. A minha


mensagem era: desfruta. Pois, durou cinco minutos. O seu tendão de Aquiles cedeu. Mas não foi uma surpresa. Quando o fui buscar, havia algo nele de que não gostava. Se há uma que um bom líder deve ter é instinto. O meu dizia: «Não me agrada.» Quando veio a Old Trafford para os testes médicos, continuei com uma dúvida indefinida. Era muito cheio de nove-horas. Quase demasiado simpático. O Kléberson também me deixou de pé atrás, mas por ser tão tímido que não nos olhava nos olhos. Tinha uma bela técnica, mas prestava demasiada atenção às vontades do sogro e da mulher. Li mais tarde que a Federação Inglesa fazia tenções de apressar a promoção de Hargreaves a treinador. Eis uma das coisas erradas no nosso futebol. Isto não acontece na Alemanha, em França ou na Holanda, onde são precisos três anos para obter o canudo. Bebé foi o único jogador que fui buscar sem nunca o ter visto em ação. Tínhamos um bom prospetor em Portugal que o detetou. O rapaz jogara futebol com os sem-abrigo e dera nas vistas numa equipa secundária. Portara-se bem. O nosso homem disse-nos: «Precisam de o ver.» Depois, surgiu o Real Madrid na sua pista. Sei que isto é verdade porque José Mourinho me disse que o Real esteve à beira de o contratar antes de o United lhes ter passado a perna. Fizemos uma pequena aposta nele, de cerca de sete milhões de libras. Bebé chegou com limitações, mas havia ali talento. Tinha uns pés sensacionais. Chutava a bola de forma venenosa, tanto com um como com o outro, e sem preparação. Não era um jogador completo, mas trabalhá-loíamos para ser melhor. Levámo-lo para a Turquia em estágio e ele aleijou-se nos ligamentos cruzados do joelho ao fim de duas semanas. Trouxemo-lo de volta a casa para tratamentos e, depois, lançámo-lo nas reservas. Esteve bem. Treinava forte nos jogos curtos de oito para oito, baliza a baliza. No relvado, o seu conceito de jogo precisava de ser burilado. Com os pés que tinha, deveria ser capaz de marcar 20 golos por época. Era um moço


tranquilo, falava um inglês razoável, e via-se que passara uma infância difícil nas ruas de Lisboa. Com tantos jogadores que vieram para o United, sinto-me orgulhoso pelo trabalho feito com muitos que acabaram noutros clubes. Na primavera de 2010, por exemplo, havia 72 jogadores espalhados pela Escócia, Inglaterra e pelo resto da Europa que tinham feito a sua aprendizagem no Manchester United – 72! Fabio Capello disse a um grande amigo meu que mesmo que disfarçassem jogadores do Manchester United com vestidos compridos e máscaras ele os distinguiria a milhas de distância, o que é um elogio e peras. O seu comportamento e a sua forma de treinar sobressaem. Tivemos três na Dinamarca, um na Alemanha, dois na Bélgica e vários um pouco por todo o lado, em Inglaterra. Espalhámos por aí seis guarda-redes, nenhum dos quais tendo chegado à nossa equipa principal: Michael Pollitt, Ben Williams e Luke Steele entre eles. Procuramos jogadores que venham a tornar-se habituais titulares. Algo se destaca num jogador de alto nível do Manchester United que faz com que o chamemos obrigatoriamente à primeira equipa. Darron Gibson é um exemplo de alguém que nos empurra para uma encruzilhada, na qual é necessário decidir se vai ou não ser jogador de primeira linha. Em 2009-10, estava naquela fase em que corríamos o risco de não sermos justos com ele. Tinha qualidades diferentes de todos os meus outros centrocampistas. O seu principal atributo era a capacidade de marcar golos de fora da área. Scholes era o único que o fazia bem, mas aproximava-se do final da carreira. Por isso, a decisão foi difícil, tal como aconteceu com Tom Cleverley, que estava no Watford, onde conseguira 11 com remates de longe. Não tinha envergadura, era magrinho como um arame, mas valente como um leão, possuía bons pés e sabia marcar golos. David Gill perguntou-me certo dia: «Que vais fazer com o Cleverley na próxima época? Está a marcar muitos golos no Watford.» A minha resposta foi esta:


«Eu digo-te o que vou fazer. Vou pô-lo a jogar, a ver se é capaz de os obter por mim como faz lá.» Seria ele capaz de marcar seis golos desses pelo United? Ninguém mais o conseguiria fazer. Michael Carrick atingiu o alto número de cinco. Se Cleverley conseguisse marcar seis na Premier League, tinha de ser levado em consideração. A linha de demarcação é sempre a mesma: que são eles capazes ou não de fazer? A pergunta sobre a capacidade é esta: podem conseguir que eu ganhe um jogo? Se marcarem seis golos de longe por época, estava disposto a ignorar alguns dos seus defeitos. Às vezes os jogadores estagnam quando atingem os 20 ou 21 anos. Se até lá não chegam à primeira equipa, podem desmotivar-se. Também atingi esse ponto na minha carreira de jogador. Aos 21 estava farto no St. Johnstone e preenchi os papéis para emigrar para o Canadá. Sentia-me desiludido. O futebol não parecia feito para mim, pensava. Não vou chegar a lado algum. Nas reservas do United, encontramos este dilema a toda a hora. Emprestamos jogadores na esperança de que regressem melhores, mas muitas vezes mandamo-los embora para um nível mais dentro da perspetiva das suas carreiras a longo prazo, para que tenham futuro. Sentimo-nos orgulhosos por termos recolocado esses 72 jogadores de que falei noutras paragens. Aqueles que terão sucesso serão capazes de nos dar a certeza de que chegarão lá. Welbeck é um exemplo. A certa altura poderia apostar que faria parte da seleção de Fabio Capello para o Campeonato do Mundo de 2010, mas teve problemas com o seu ritmo de crescimento. Aos 19 anos ainda estava a desenvolver-se e os joelhos sofreram com isso. Disse-lhe que encarasse os treinos com algum cuidado e guardasse o melhor dele para os jogos. Preparava-se para atingir os seus 1,85 metros ou 1,88. Mas que bom jogador! Cheio de confiança. Disse-lhe: «Um destes dias, mato-te!», porque ele era muito vaidoso. E ele respondeu: «Se calhar mereço.» Touché. Tinha resposta para tudo.


Uma constante nas nossas discussões sobre jovens jogadores era se seriam capazes de suportar a exigência das multidões de Old Trafford e a falta de paciência da imprensa. Cresceriam ou encolheriam com a camisola do Manchester United vestida? Conhecíamos todo o desenvolvimento dos jogadores formados por nós até ao momento de entrarem no onze principal, vindos das reservas. Na altura de chegarem a esse ponto, queríamos estar seguros do seu temperamento, do seu caráter e das suas qualidades. Contudo, quando íamos buscar jogadores ao estrangeiro, sabíamos geralmente pouco sobre eles, por mais que tivéssemos investigado as suas raízes, e o turbilhão que se gera ao jogar pelo United podia esconder as suas virtudes. Em 2009-10, estávamos a estudar Javier Hernández – de alcunha Chicharito (quer dizer ervilhinha). Tinha 21 anos. Mandámos um prospetor viver para o México um mês. A informação que recebemos foi a de que era um menino-família relutante em deixar o seu país. O nosso contacto no México ajudou-nos a fazer uma investigação muito detalhada sobre ele. O adepto do United é por vezes estranho. Assinamos com um jogador por dois milhões de libras e ele sente que é um sinal de fraqueza e que estamos a baixar os níveis de exigência. Gabriel Obertan estava dentro desses valores. Era brilhante, mas, por vezes, no último terço do campo mexia-se como uma barata tonta. A tarefa era coordenar a sua velocidade com o seu cérebro de forma a que ele se tornasse mortal nessa zona. Mame Biram Diouf foi recomendado por Ole Gunnar Solskjaer através dos seus contactos no Molde, da Noruega. O Hannover 96 e o Eintracht Frankfurt andavam de roda dele quando mostrámos o nosso interesse. Por isso, mandámos o Ole e um dirigente do clube e assinámos com ele por quatro milhões de euros. De novo, a pesquisa fora bem feita, mas não conseguiu estabilizar-se entre nós. Chris Smalling foi comprado ao Fulham, em janeiro de 2010, com a ideia de se juntar à equipa para a campanha de 2010-11. Tinha jogado pelos amadores do Maidstone até 2008, mas Roy Hogdson apostou muito nele no Fulham. Custou cerca de 10 milhões de libras. Avançámos para ele quando Rio Ferdinand começou a ter problemas nas costas, além de outros.


Andámos à procura de defesas-centrais por toda a parte. Fizemos observações ao longo da época de 2009-10 e chegámos à conclusão de que Smalling era um jovem que poderia amadurecer até atingir a qualidade de Ferdinand. A longo prazo, conseguia imaginar uma defesa que se ergueria em redor de Chris Smalling e Jonny Evans. Nunca descansei sobre os louros conquistados, mesmo nos melhores dias. Quanto mais tempo fui ficando, mais longe procurava olhar. A regeneração era um trabalho de todos os dias. 41 Grill Room: nome de um dos restaurantes do Estádio de Old Trafford. (N. do T.) 42 Ao contrário do que acontece na maioria dos países, sobretudo na América do Sul, em Inglaterra a propriedade repartida de jogadores – direitos económicos divididos entre empresários, agências e outros investidores – não é permitida desde a época de 2008-09. (N. do T.)

17 UMA NOITE EM MOSCOVO Antes da final da Liga dos Campeões de 2008, em Moscovo, eu era o relutante proprietário dos piores recordes no desempate por grandes penalidades. Tinha perdido dessa forma duas meias-finais com o Aberdeen, uma eliminatória europeia com este clube, uma eliminatória da Taça de Inglaterra frente ao Southampton, em Old Trafford, uma final da Taça de Inglaterra contra o Arsenal e uma eliminatória europeia em Moscovo, com o United. Seis derrotas e só um triunfo não criavam um contexto auspicioso no momento em que Carlos Tévez colocou a bola na marca de penálti, no início do nosso tira-teimas com o Chelsea na cidade-natal de Roman Abramovich. Com aquelas memórias a bailarem-me na cabeça, não era de esperar que me sentisse otimista. Todos aqueles desapontamentos me visitaram à


medida que o jogo se estendia pelo prolongamento e deslizava pelas primeiras horas de um novo dia, depois de ter tido início às 22 e 45. Quando Van der Sar defendeu o remate de Nicolas Anelka e nos deu o troféu, mal consegui levantar-me, pois tinha dificuldade em acreditar na nossa vitória. Fiquei sem reação durante longos momentos. Ronaldo estava deitado no chão a chorar porque tinha falhado o seu penálti. O nosso treinador de guarda-redes tinha compilado todas as análises de vídeo de que poderíamos precisar e colocou os dados num ecrã de forma a que Van der Sar soubesse como os jogadores do Chelsea iriam rematar. Durante vários dias discutimos a ordem pela qual os nossos jogadores marcariam as penalidades. Todos estiveram bem, exceto Ronaldo, que passara a época a marcar os penáltis da equipa. A execução de Giggs foi a melhor: remate forte e rasteiro junto ao poste. Hargreaves bateu a dele junto ao canto superior. Nani teve alguma sorte porque o guarda-redes tocou na bola e podia tê-la defendido. Carrick foi decidido. Ronaldo hesitou e falhou. John Terry tinha apenas de concretizar a dele para dar a taça ao Chelsea. Nesse momento estava calmo e seguro, pensando: «Que vou dizer aos jogadores?» Sabia que precisava de ser cauteloso com as palavras em caso de derrota. Seria injusto apertar com eles depois de uma final europeia, concluí para comigo, porque tinham trabalhado muito para ali chegar e estes são momentos profundamente emotivos para aqueles que estão no cerne da ação. Quando Terry falhou o último da sequência de 10 penáltis e passámos para a fase do quem-falhar-perde, o meu otimismo voltou. O de Anderson, o primeiro da segunda fase, ressuscitou os nossos adeptos porque ele correu na direção deles, que voltaram a demonstrar entusiasmo. Os pontapés da marca de grande penalidade estavam a ser marcados para a nossa zona do estádio, o que era uma vantagem. Esta não foi, de forma alguma, uma final europeia convencional. O fuso horário foi a primeira contrariedade, já que o jogo começou às 10 e 45 da noite. Também não me esqueço da forma como fiquei encharcado pela chuva que destruiu os meus sapatos, pelo que assisti à festa da vitória de


ténis, sendo muito gozado pelos jogadores. Bem sei que devia ter levado outro par. Sentámo-nos para cear entre as quatro e as cinco da manhã. A comida do bufete não era grande coisa, mas os jogadores ofereceram uma bela prenda a Giggs para comemorar ter quebrado o recorde de Bobby Charlton de jogos com a camisola do Manchester United. Foi o seu 759.º e todos cantaram o seu nome. A partida em si foi um espetáculo maravilhoso, com algumas exibições fantásticas da nossa parte. Na minha opinião, Wes Brown fez um dos seus melhores jogos por nós e serviu Ronaldo para o golo de abertura, com um cruzamento excelente. Na meia-final, o Chelsea fez alinhar o Michael Essien como defesadireito e, ao observar a equipa de Avram Grant, decidi colocar Ronaldo como ponta-esquerda de forma a criar embaraços ao Essien, médio de vocação. No nosso golo, Ronaldo voou sobre ele, pelo que posso dizer que o plano resultou. Um médio jogar a defesa-direito contra um jogador com o nível de Cristiano Ronaldo é tarefa muito complicada, e o nosso homem deu cabo dele. Ao pôr Ronaldo na esquerda, abri um lugar na ponta-direita para alguém. Escolhi Hargreaves porque tinha velocidade, energia e sabia tirar cruzamentos. Cumpriu bem. No centro do meio-campo joguei com Carrick e Scholes, que foi obrigado a sair sangrando do nariz. A sua respiração começou a ficar congestionada. Giggs entrou para o seu lugar, e as coisas melhoraram. A despeito do choque cultural de Moscovo e da qualidade do hotel, a nossa preparação foi tranquila. Na meia-final, tínhamos eliminado o Barcelona, empatando 0-0 fora e ganhando por um único golo em casa. O golo de Scholes foi magnífico, um verdadeiro relâmpago a 30 metros de distância. Nos primeiros minutos de Camp Nou, jogámos bem, como o fizemos várias vezes contra eles, atirando uma bola à barra e falhando um penálti. Quando o Barcelona tomou conta do jogo, recuámos para junto da nossa grande área, algo que eu deveria ter feito nas finais de 2009 e de 2011, se não estivesse tão determinado em ganhar esses jogos.


Podem dizer que taticamente fui ingénuo, mas eu discordo. Estávamos a tentar fortalecer a filosofia de querermos ganhar da maneira certa. A minha visão sobre os dois jogos da meia-final era a de que tínhamos passado por momentos demasiado complicados. Vivemos fases difíceis dentro da área ou à entrada dela, desesperados para resistir. Em Old Trafford, fazendo um jogo normal, devíamos ter vencido por mais, explorando a qualidade do nosso contra-ataque. Da mesma forma, quando eles fizeram entrar Thierry Henry para os últimos 15 minutos, cercaram-nos junto da nossa grande área. Agonizei junto à linha, de olhos postos no relógio. Mais tarde, disse que tinha sido um dos grandes momentos de apoio por parte dos nossos adeptos. De cada vez que limpávamos uma bola da zona defensiva, ouvia-se um grito de satisfação em uníssono, algo pouco vulgar. Henry falhou uma oportunidade de golo fácil. Demonstrámos um enorme caráter. A equipa sofreu uma pressão extrema, mas não perdeu concentração. Depois do jogo, afirmei: «Isto não é lugar para meninas. Eles têm de ser homens, e esta noite foram.» Sempre nos convencemos de que poderíamos juntar mais uma taça às nossas de 1968 e 1999, desde que tomássemos rapidamente o controlo da bola em Moscovo, o que fizemos desde o início. O nosso jogo foi pleno de confiança e criatividade e deveríamos ter ganho por três ou quatro de diferença. Cheguei a pensar que seria um massacre. Todavia, os golos podem virar um jogo de pernas para o ar, e o Chelsea aproveitou uma brisa da fortuna mesmo antes do intervalo, empatando através de Frank Lampard, o que nos deixou de pé atrás. Eles melhoraram a partir daí e controlaram os primeiros 25 minutos da segunda parte. Drogba atirou ao poste. Foi o sinal para me fazer pensar depressa sobre a forma de recuperar o domínio dos acontecimentos. Desviei o Rooney para a pontadireita, coloquei o Hargreaves numa posição mais central e voltámos a ficar por cima. No final, senti que éramos melhores. Envolvidos pelas marés dos acontecimentos junto ao relvado, nunca podemos ter a certeza de que o espetáculo que se desenrola à nossa frente está a ser agradável. Mas toda a gente considerou que participámos numa


grande peça de teatro, uma das melhores finais das taças europeias. Foi consolador sentir que fizemos parte de um momento que exibiu a qualidade da nossa Liga à luz de tais holofotes. É preciso valorizar Van der Sar pela qualidade das suas defesas nos penáltis. Quando o Anelka correu para a bola, pensei: «Atira-te para a esquerda.» Nos dois penáltis anteriores, um falhado por Terry e outro convertido por Kalou, Edwin tinha mergulhado para a direita. Por isso, quando Anelka caminhou para o momento decisivo, deve ter-se interrogado: «Vai atirar-se para a sua esquerda ou para a sua direita?» Van der Sar continuou a apontar para a esquerda para o enervar. Sim, é verdade que o penálti de Anelka foi mal batido, mas Van der Sar escolheu o lado certo para mergulhar, o direito. Avram Grant é boa gente. Receei que não fosse suficientemente forte para aquele grupo de jogadores do Chelsea. O comportamento deles na final foi deplorável, arrastando-se um a um para fora do campo ao intervalo, atirando-se ao árbitro, no túnel. Uma equipa sai de campo em conjunto, não gota a gota. O árbitro solicitou-lhes que se apressassem, mas não lhe ligaram nenhuma. Durante o intervalo, tentaram todos os truques possíveis. E isso deve ter influenciado o árbitro no momento da expulsão do Drogba. O cartão vermelho surgiu na sequência de um choque com Carlos Tévez que fez com que Vidić viesse em apoio do companheiro. Então, a mão de Drogba atingiu a cara do sérvio. Se gesticulamos, não temos hipótese. Fiquei com a sensação de que o árbitro perguntou ao juiz de linha quem tinha sido o culpado. E pimba! , o Drogba foi expulso! Nessa altura já havíamos recuperado o domínio do jogo. A expulsão não foi o motivo dessa viragem no encontro. Giggs teve um remate que beijou a linha de golo. Criámos várias oportunidades durante o prolongamento e devíamos tê-las aproveitado. Na minha opinião, o Chelsea jogou para o empate, apostando numa vitória nos penáltis.


Apesar da expulsão naquela noite, Drogba foi sempre um espinho na nossa garganta. Era um tipo forte e poderoso, mas o que nele me enchia as medidas era o seu talento para marcar golos espetaculares, por exemplo, à meia-volta da entrada da área. Fiquei surpreendido por não o ver entre os titulares num jogo contra nós durante as últimas semanas de Carlo Ancelotti como técnico do Chelsea. Torres jogou de início, mas Drogba entrou para marcar um golo e para devolver o Chelsea à luta. Dessa equipa do Chelsea, que sempre nos criou problemas, o guardaredes Petr Čech era extraordinário. Devia ter assinado com ele quando tive hipótese, aos seus 19 anos. Em vez disso, o Chelsea foi buscá-lo nesse verão por oito milhões de libras. John Terry foi sempre um jogador de influência na equipa, Ashley Cole transmitia-lhe energia ofensiva e Frank Lampard era incrivelmente fiável no seu trabalho de área a área. No início, fugia das funções defensivas, mas durava 90 minutos e raramente falhava um jogo. Juntamente com Drogba, formavam o núcleo duro, o quinteto principal. Tinham uma força tremenda no balneário. Em momento algum antes do jogo, aceitei que o Chelsea estivesse sob mais pressão do que nós só porque Abramovich era moscovita, embora ele ali estivesse, na bancada, observando o seu vasto investimento. Mas não vi isso como um fator do jogo em si. A segurança foi a minha grande preocupação. Moscovo é uma cidade misteriosa. Li livros sobre a Revolução Russa e sobre Estaline, que foi pior do que os czares, assassinando a sua própria gente em nome de uma agricultura coletivizada. Levámos dois cozinheiros connosco e a comida foi de boa qualidade, ao contrário do que aconteceu em Roma, onde foi uma anedota, uma desgraça. Que época fez Ronaldo no ano em que ganhámos a Liga dos Campeões – 42 golos para um extremo? Em alguns jogos atuou como avançadocentro, mas no nosso sistema era geralmente um ala. Em cada partida criava pelo menos três oportunidades para si próprio. Uma noite fui vê-lo jogar pelo Real Madrid e fez para aí uns 40 remates à baliza.


Moscovo foi sobretudo um alívio, porque eu tinha dito que o Manchester United precisava de se afirmar mais na Europa. Foi a nossa terceira Taça dos Campeões e aproximou-nos das cinco do Liverpool. Sempre pensei que, em breve, igualaríamos esse total, mesmo depois das derrotas frente ao Barcelona, em 2009 e 2011, porque já tínhamos conquistado uma dose extra de respeito internacional. Com uma vitória numa dessas finais, já somaríamos quatro, igualando o Bayern, na altura, e o Ajax. Na hora do nosso triunfo, não se encontrou champanhe no Estádio Luzhniki. Na falta do verdadeiro, o nosso pessoal foi enviado a um bar na tentativa de encontrar qualquer líquido com gás. Sabe Deus o que seria. «Nem consigo oferecer-te uma taça de champanhe», desculpei-me perante o Andy Roxburgh, que veio à cabina dar-nos os parabéns. Seja o que for que houvesse dentro daquelas garrafas, chocalhámo-las e fizemos espalhafato. Havia grande dose de hilaridade e de gozo, com os jogadores a provocarem-se uns aos outros. Estávamos contentes e orgulhosos deles. Por causa da chuva, fiquei molhado até aos ossos e fui obrigado a mudar de fato. Não houve nem sinal de Abramovich e não me recordo de qualquer jogador do Chelsea ter aparecido. A final de 1999, em Barcelona, quando vencemos o Bayern de Munique, calhou no dia de anos do falecido Sir Matt Busby. Às vezes, desejamos que os deuses estejam connosco ou que o velho Matt vele por nós lá de cima. Não sou grande crente em coincidências, mas há algo que se pode chamar destino e pergunto-me se ele não terá dado uma ajuda nessas duas vitórias. Matt levou o nosso clube para a Europa quando todos na Liga o censuravam. Provou-se que estava certo, pois o futebol inglês foi figura grada de grandes noites europeias. Com um belo troféu nas mãos, devemos sempre contratar jogadores para refrescar a equipa e evitar o risco de estagnação. Foi nas semanas a seguir a Moscovo que juntámos Berbatov à nossa equipa – ele já era um dos nossos


alvos antes de ir para os Spurs. Tinha talento em abundância: bom equilíbrio, noção da bola e uma boa média de golos. Estava com boa idade, era alto, atlético. Eu sentia que precisávamos de mais presença no último terço do campo, o ofensivo. Mas tudo acabou numa guerra com Daniel Levy, presidente do Tottenham, o que nos deixou relutantes em voltar a comprar jogadores dos Spurs. Foi a nossa segunda dose de montanha-russa após a aquisição de Michael Carrick. Saímos de lá tontos. Com Daniel não se podem discutir os dois lados da questão. Tudo se resume a ele e ao Tottenham, o que não é propriamente mau do ponto de vista do clube dele.

18 PSICOLOGIA Em primeiro lugar, devemos dizer-lhes a verdade. Não há nada de mal em confrontarmos um jogador com a sua baixa de forma. E o que transmitiria a alguém cuja confiança se revelasse abalada era que estávamos no Manchester United e não podíamos permitir-nos descer ao nível de outras equipas. Enfrentando a necessidade de informar um jogador de que tinha atuado abaixo das nossas expectativas, dir-lhe-ia: «Foi uma porcaria!», mas, em seguida, acrescentaria: «Para um jogador com as tuas qualidades.» Isso serviria para restabelecer-lhe o moral. Criticar, sim, mas contrabalançar com encorajamento. «Que andas a fazer? És melhor do que isso!» Elogios fáceis soam a falso. Eles percebem-no facilmente. Uma das componentes fundamentais da relação treinador/jogador é fazê-los sentirem-se responsáveis pelos seus atos, pelos seus erros, pelo nível das suas exibições e pelos resultados. Vivemos todos na dependência deles. Às vezes, uma vitória à justa vale mais do que uma goleada de 6-0, com um golo marcado ao fim de 25 passes seguidos. A regra é a de que o


Manchester United tem de triunfar sempre, e essa cultura de vitória só pode ser mantida se eu disser o que penso a um jogador sobre as suas performances, num clima de absoluta honestidade. Tenho de lhes explicar o que o clube exige deles. Hoje, digo aos jovens treinadores: não procurem o confronto, não vão ao seu encontro, porque ele irá atrapalhar-vos a vida. Se comprarem uma guerra, o jogador vai ficar num papel de contragolpe e isso dar-lhe-á vantagem. Quando o antigo capitão do Aberdeen, do United e da seleção da Escócia Martin Buchan foi treinar o Burnley, esmurrou o capitão de equipa logo no primeiro dia. «Belo começo!», disse-lhe eu. Era um homem de princípios, Martin Buchan. No seu tempo de jogador, transferiu-se para o Oldham e recebeu um prémio de assinatura de 40 000 libras, o que era muito dinheiro à época. Com dificuldade para recuperar a forma, devolveu-as ao clube. Não era capaz de ficar com dinheiro que sentia não merecer. Imaginem se hoje era possível acontecer uma coisa do género. No geral, ao longo da minha carreira, as pessoas assumiam que eu engendrava estratégias maquiavélicas. Na verdade, nunca dominei esse tipo de artimanhas. Joguei, isso sim, os meus trunfos. Dizer que acabávamos sempre as nossas campanhas numa passada larga e com maior capacidade para resolver os jogos poderia ser classificado como uma armadilha, e fiquei admirado por ver Carlo Ancelotti, treinador do Chelsea, cair nela no inverno de 2009. Cito-o: «Alex diz que o United é mais forte na segunda metade da época, mas nós também.» Repetia ano após ano: «Esperem pela segunda metade da época.» E funcionou sempre. Fervilhava na cabeça dos nossos jogadores e criava receios nos adversários. Nessa segunda metade, o United surgiria como uma força invasora, jorrando fogo nos olhos de todos. Tornou-se uma profecia que nos realizava. Tocar no relógio era outro ardil psicológico, já que não me preocupava muito com o tempo durante os jogos. Deitava-lhe o olho de vez em quando,


mas é muito difícil calcular quantos minutos vão ser dados como compensação para se ter a certeza absoluta do momento em que a partida irá acabar. O objetivo era provocar efeitos no adversário, não na nossa equipa. Ao verem-me tocar no relógio e gesticular, os opositores assustavam-se. Pensavam logo que o árbitro iria dar mais 10 minutos, ou assim. Toda a gente sabia que o United era especialista em marcar golos tardios. Ao verem-me apontar para o relógio, os nossos adversários sentiam que teriam de se defender durante um período de tempo que, para eles, pareceria uma eternidade. Sentiam-se encurralados. Sabiam que nós nunca desistíamos e que estávamos fadados para dramas ao cair do pano. Clive Tyldesley afirmou-o no seu comentário para a ITV sobre a final da Liga dos Campeões de 1999, no início do tempo de compensação: «O United marca sempre!», o que é comparável à exclamação de Kenneth Wolstenholme, na final do Campeonato do Mundo de 1966: «Eles pensam que já acabou... É agora!» Jogos mentais. É preciso igualmente uma certa dimensão psicológica para lidar com jogadores individualistas. Sendo de comportamentos erráticos, torna-se útil olhá-los nos olhos durante um momento. Também já fomos jovens, por isso podemos pôr-nos na posição deles. Se fizer algo de errado, esperamos ser castigados por isso. «Que vai ele dizer?», pensamos. Ou: «Que vai o meu pai dizer?» Importante é causar o maior impacto possível. O que é que me deixou mais marcas profundas nessa minha fase da vida? A vantagem do treinador é que sabe que o jogador quer jogar. Basicamente, todos eles querem estar no relvado. Por isso, quando os privamos desse prazer tiramos-lhes a vida. É a ferramenta mestra, é o maior poder que está nas nossas mãos. Com o incidente com Frank McGarvey, no St. Mirren, fui teimoso na insistência: «Nunca mais vais jogar!» Ele acreditou. Durante três semanas acreditou nisso. Acabou por pedir-me mais uma hipótese. Consciencializou-


se de que o poder estava na minha mão. Nesses tempos, não havia liberdade contratual para cada um sair quando quisesse. Muito se falou dos meus jogos mentais. De cada vez que fiz uma declaração pública, um exército de analistas procurou as intenções escondidas nas palavras, quando em 98 por cento dos casos não existia nenhuma. Mas a pressão psicológica tem o seu lugar e até as superstições, porque cada um possui as suas. Certa vez, nas corridas de Haydock, em 2010, uma senhora disse-me: «Vejo-o na televisão e está sempre tão sério, no entanto, aqui ri-se e diverte-se.» Repliquei: «Bem, não quer que seja sério no meu trabalho? A minha função exige concentração. Tudo o que se passa no meu cérebro tem de ser útil para os jogadores. Não posso errar. Não tomo notas, não confio nas imagens de vídeo e, contudo, preciso de ter a certeza do que faço. É um trabalho sério e não quero cometer erros.» Cometi muitos, claro! Numa meia-final da Liga dos Campeões, contra o Borussia de Dortmund, fiquei convencido de que o Peter Schmeichel tinha falhado, mas ainda não usava óculos durante os jogos. Peter disse-me: «A bola sofreu um desvio.» «Qual desvio, qual caraças!», gritei. «Desvio nenhum!» Quando vi a repetição, percebi que a bola tinha mudado claramente de trajetória. Então comecei a levar os meus óculos para os estádios. Não podia dar-me ao luxo de cair em erros daqueles, que me deixavam ficar mal. Se perguntamos a um defesa «porque tentaste colocá-lo fora de jogo» e a sua resposta é «não tentei», precisamos de estar certos do que afirmamos. Não faz sentido darmos do pé para a mão aos jogadores a possibilidade de dizerem: «Perdemos por causa do treinador.» Se perderem confiança nos nossos conhecimentos, deixam de acreditar em nós. Devemos conservar-nos donos dos acontecimentos sempre ao mais alto nível. Precisamos de ser


assertivos no que dizemos aos jogadores. Procurar o que está certo também pode ser divertido, não se trata apenas de uma demanda pela verdade. Um dos jogos que fazia baseava-se em adivinhar o onze com que o adversário iria entrar em campo. Certa noite fiz a minha previsão sobre quem iria jogar. Quando nos enfiaram a folha de jogo por debaixo da porta, para um encontro da Liga dos Campeões, René anunciou: «Chefe, eles fizeram seis alterações!» Senti-me gelar. Mas, depois, descobri uma saída. A indignação far-me-ia fugir do buraco. «Estão a ver isto?», rosnei para os jogadores. «Querem gozar connosco! Julgam que podem vir para aqui jogar com as reservas.» Um episódio mais antigo ocorreu quando defrontámos o Coventry, em Old Trafford, para a Taça de Inglaterra, depois de termos afastado o Manchester City na terceira eliminatória. Na semana anterior, tinha ido observar um jogo entre o Coventry e o Sheffield Wednesday. Nem conseguem imaginar como o primeiro esteve mal. Eu e o Archie Knox voltámos para casa sem qualquer tipo de preocupações. Pois, adivinhem lá! Contra nós, o Coventry foi brilhante. As equipas que nos visitam transformam-se amiúde. Táticas diferentes, motivação diferente: tudo. Dessas lições iniciais, retirei ensinamentos de forma a preparar a equipa para os jogos em casa contra o melhor dos adversários, as melhores táticas, as melhores exibições, e assegurar-nos de que não os deixávamos tomar conta do jogo. As grandes equipas vieram sempre tentar armadilhar-nos em Old Trafford. Especialmente o Arsenal, por extensão o Chelsea e o Liverpool frequentemente. O City, depois de se ter iniciado a era do xeque Mansour, começou a visitar-nos com ambições alargadas. Equipas orientadas por antigos jogadores do Manchester United também eram um problema. O Sunderland de Steve Bruce, por exemplo, nunca foi tímido sobre a nossa relva. A minha longevidade tornou-me imune ao diz-se diz-se e à especulação que atacava os outros treinadores depois de três derrotas consecutivas. O


meu sucesso vacinou-me contra uma imprensa sempre ávida de execuções. Podem ter visto esse tipo de coisas noutros clubes, mas não comigo. Isso dava-me força no balneário e os benefícios dessa política estendiam-se aos jogadores. Nem o treinador saía, nem eles. Os técnico e o staff de apoio também não, porque o treinador se mantinha. Estabilidade. Continuidade. Algo raro, nos tempos que correm. Nas fases más, não entrávamos em pânico. Podíamos não gostar, mas isso não acontecia. Também gosto de pensar que nos preocupámos com o espírito do jogo. Um dia, nos anos 1990, Johan Cruyff disse-me: «Vocês nunca hão de ganhar a Taça dos Campeões!» «Porquê?», espantei-me. «Não jogam sujo e não compram árbitros», respondeu ele. Disse-lhe: «Se tiver de ser esse o meu epitáfio, aceito-o.» O futebol precisa de ser encarado com uma certa ferocidade e eu percebi isso desde cedo. Dou como exemplo o Dave Mackay – joguei contra ele quando tinha 16 anos. Nessa altura, estava no Queen’s Park e atuava pelas reservas. David recuperara recentemente de uma fratura num dedo do pé e regressara pelas reservas do Hearts, que nesse tempo tinha uma bela equipa. Eu jogava a interior e ele a médio-direito. Vi-o lutando, com aquele peito enorme, de touro. Na primeira bola que me chegou, ele carregou-me. Pensei: «Não vou aturar isto!» No lance seguinte que disputámos, fui direito a ele. Dave olhou-me friamente e soltou: «Queres chegar ao fim do jogo?»


«Ainda há pouco me deste uma pancada», espantei-me. «Não. Carreguei-te», elucidou-me. «Se te desse uma pancada, passavas a saber a diferença.» Depois disso, fiquei com medo dele e eu não receava ninguém. Dave tinha uma aura incrível. Jogador fantástico! Tenho uma fotografia no meu gabinete com ele e Billy Bremner agarrados um ao outro. Certo dia, arrisquei e perguntei-lhe, de bom humor: «Chegaste mesmo a ganhar aquela luta?» Estive em Hampden Park para ver a melhor seleção de sempre da Escócia e o nome de Dave não constava. Toda a gente se sentia perplexa. Podia criticar a minha equipa publicamente, mas nunca me atirei a um dos meus jogadores através da imprensa após um jogo. Os adeptos tinham o direito de saber se eu ficara agastado com determinada exibição, mas não com um desempenho individual. Tudo começou com Jock Stein; a toda a hora fazia-lhe perguntas sobre fosse o que fosse. No Celtic, foi sempre muito humilde. Chegava a ser irritante. Quando o questionava sobre Jimmy Johnstone ou Bobby Murdoch, esperava que ele reclamasse créditos pelas suas opções táticas ou pela escolha da equipa, mas Jock limitava-se a dizer: «Oh! O pequeno Jimmy hoje estava em grande forma!» Nunca se gabava. Queria ouvi-lo dizer, nem que fosse apenas uma vez: «Bem, hoje decidi jogar em quatro-três-três e deu resultado.» Era humilde de mais para o fazer. Jock falhou uma digressão do Celtic à América por ter sofrido um acidente de viação, e Sean Fallon, que o substituiu, mandou três jogadores para casa por comportamento impróprio. «Não, não teria agido dessa forma e disse-o ao Sean», explicou-me quando o pressionei a contar-me o que teria feito naquela situação. «Quando se age assim, arranjam-se muitos inimigos», concluiu. «Mas os adeptos aceitaram», insisti.


«Esquece os adeptos», disse Jock. «Esses jogadores têm mães. Achas que alguma é de opinião de que o filho é mau? As mulheres, os irmãos, os pais, os amigos: afastaste-os.» E acrescentou: «Resolve a questão no teu gabinete.» Às vezes o gelo faz o mesmo efeito do que o fogo. Quando o Nani foi expulso num jogo contra o Aston Villa, em 2010, não lhe dirigi palavra. Deixei-o sofrer. Olhava para mim em busca de compreensão. Sei que não queria ter feito o que fez. Quando fui questionado sobre o assunto na televisão, respondi que ele tinha sido «ingénuo». Considerei que Nani não era um jogador malicioso, mas que entrara a pés juntos e que por isso teria de ser expulso. Direito ao assunto. Não havia que cair em lamentos. Limitei-me a referir que ele tinha cometido um erro num tackle, tal como todos os cometemos neste jogo tão emotivo que é o futebol. As pessoas assumem que declarei uma guerra psicológica ao Arsène Wenger, sempre na tentativa de lhe provocar detonações no cérebro. Não penso que fizesse de propósito para o desafiar. Contudo, por vezes usei de jogos mentais de forma a criar momentos de distração, sabendo que a imprensa os interpretaria como combates psicológicos. Lembro-me de o Brian Little, que na altura treinava o Aston Villa, me telefonar por causa de uma afirmação que fiz na véspera de os defrontarmos. «Que quiseste dizer com aquilo?», perguntou. «Nada», respondi, confuso. «Pensei que estavas outra vez com os teus jogos mentais», desabafou ele. Pelos vistos, mesmo depois de pousar o telefone, Brian não conseguiu deixar de pensar: «Onde queria ele chegar? Que estava a tentar dizer?» Embora até fosse proveitoso enervar os adversários, a maior parte das vezes inquietei-os sem querer, ou sem sequer perceber que o fazia.


19 BARCELONA (2009-2011) – «SMALL IS BEAUTIFUL» 43 O Barcelona foi a melhor equipa que jamais defrontou qualquer das minhas formações do Manchester United. De longe a melhor. Trouxeram para o futebol a mentalidade certa. Tínhamos em Inglaterra médios – Patrick Vieira, Roy Keane, Bryan Robson – fortes, guerreiros, vencedores. No Barcelona tinham esses maravilhosos gnomos, de 1,65 metros de altura, com coragem de leão, que não largavam a bola e nunca se deixavam intimidar fisicamente. A forma como Lionel Messi, Xavi e Andrés Iniesta se entendiam fascinava-me. A equipa do Barcelona que nos venceu, em Wembley, na final da Liga dos Campeões, em 2011, era superior à que nos bateu, em Roma, dois anos antes. O grupo de 2011 estava no auge das suas capacidades e acrescentou mais maturidade ao seu jogo. Em ambos os casos, tive de aceitar que éramos uma grande equipa, mas que tínhamos defrontado alguém que soubera lidar com essas finais melhor do que nós. Gostava de ter voltado a jogar a final de Roma no dia seguinte. Logo no dia seguinte. Reinava um ambiente maravilhoso no Estádio Olímpico, uma noite linda, e foi a minha primeira derrota numa final europeia em cinco presenças. Receber a medalha de finalista é doloroso quando sentimos que poderíamos ter feito muito melhor. A coragem era um requisito prévio para quem defrontava essas equipas do Barcelona. Foram as da sua geração, tal como o Real Madrid foi nas décadas de 1950 e 1960 e o Milan nos inícios dos anos 1990. O grupo de excelência que cresceu em redor de Messi foi formidável. Não sinto qualquer tipo de inveja perante equipas desta grandeza. Pena, sim, quando perdemos com eles, mas nunca inveja.


Em ambas as finais podíamos ter equilibrado mais as coisas se tivéssemos jogado de forma mais defensiva, mas eu tinha atingido um estatuto com o Manchester United que não nos permitia encarar os adversários dessa forma. Usei essa estratégia para vencer o Barcelona na meia-final de 2008: defender bem atrás, mas foi uma tortura para mim, levei os adeptos ao inferno. Quis ser mais positivo nos jogos que se seguiram contra eles e, em parte, fomos derrotados por causa dessa alteração de filosofia. Protegendo mais a nossa grande área e mantendo uma defesa mais rígida, talvez tivéssemos atingido os resultados que pretendíamos. Não me culpo: só gostava que a nossa forma mais ofensiva de interpretar o jogo produzisse melhores resultados. A vitória do Barcelona em Roma acelerou o seu domínio sobre o futebol dessa época. Levou-o ao topo. Uma simples vitória tem, às vezes, esse efeito. Era a sua segunda Taça dos Campeões em quatro épocas e o conjunto de Pep Guardiola foi a primeira equipa espanhola a vencer na mesma época o campeonato, a Taça do Rei e a Liga dos Campeões. Éramos os campeões em título, mas não fomos capazes de ser a primeira equipa da moderna Liga dos Campeões a conquistá-la por duas vezes consecutivas. Pois, não devíamos ter perdido esse jogo da Cidade Eterna. Existia uma forma de bater o Barcelona, tal como o havíamos provado na época anterior. O que fizemos 12 meses antes, no jogo fora, foi desdobrar Tévez no ataque e colocar Ronaldo como avançado-centro de modo a apresentar duas frentes ofensivas. Tivemos o poder de penetração de Ronaldo, e Tévez a ajudar a segurar mais a bola. Claro que foi complicado, sobretudo porque o Barcelona tem posse de bola durante períodos tão largos de tempo que os nossos jogadores tendem a desconcentrar-se. Começam a olhar apenas para o jogo: são hipnotizados pela bola que lhes foge e baixam os seus índices de intensidade. O nosso plano era: sempre que a tivéssemos, Ronaldo iria à procura de espaço e Tévez recuaria para a vir buscar. Mas mantivemo-nos demasiado na expectativa. Ao intervalo alertei os jogadores: «Estamos só a olhar para o jogo. Não estamos a contra-atacar.» Não usámos o método do Inter de


Milão: defender bem baixo e sair para o ataque quando possível. Na segunda parte, fomos mais ofensivos. Um dos fatores que mais nos prejudicaram em Roma, posso dizê-lo agora, foi o hotel que escolhemos. A sala das refeições não tinha luz, a comida chegava tarde e vinha fria. Levei um cozinheiro connosco, mas eles puseram-no de lado, ignoraram-no. Na manhã do jogo, dois ou três dos nossos jogadores sentiam-se enfraquecidos, sobretudo Giggs. Alguns estavam adoentados e um ou dois jogaram assim mesmo. O papel atribuído a Giggs, que exigia um trabalho intenso, era incompatível com o seu sistema debilitado. Seria para ele uma tarefa sobre-humana vigiar Sergio Busquets, surgir no ataque e voltar para fazer a cobertura. Isto não é, de maneira alguma, uma crítica a Giggs, qualquer que fosse a forma em que estivesse, depois de tudo o que deu ao clube. É só um lamento por se encontrar abaixo dos seus níveis habituais de energia, nessa noite, em Roma. No entanto, começámos o jogo francamente bem, com Ronaldo a ameaçar a defesa do Barcelona por três vezes: primeiro num livre direto que fez a bola picar sobre a baliza, depois através de dois remates de longe, que criaram pressão sobre o guarda-redes deles, Victor Valdés. Mas, aos dez minutos, sofremos um golo horrível, com o nosso meio-campo a não recuar suficientemente depressa para evitar o passe de Iniesta para Samuel Eto. Este rematou e Van der Sar não resolveu a situação, com a bola a deslizar junto ao poste. O Barcelona entrou em campo com Messi aberto na direita, Eto no meio e Thierry Henry aberto na esquerda. Mesmo antes do golo, tinham puxado Eto para direita e desviado o Messi para o centro, atuando como um verdadeiro ponta-de-lança. A forma como Evra estava a marcar Messi obrigou-os a essa alteração. Evra lançava-se sobre o meio-campo deles, por isso mudaram a forma de jogar. Mais tarde, Guardiola reconheceu-o e Messi passou para o meio de forma a libertar-se de Evra. Com isso, o Barcelona deu-lhe a posição que ele mais gosta, no centro.


Foi onde jogou daí em diante, nesse buraco, fazendo a vida negra aos defesas, que não sabiam se haviam de se adiantar para o marcarem, se esperar mais atrás, de forma mais segura. Depois do golo de Eto e com Messi numa posição central, o Barcelona passou a dispor de mais uma unidade no centro do terreno. Iniesta e Xavi continuavam, bum-bum-bum-bum, com a bola nos pés toda a noite. Eram superiores a nós nesse tipo de jogo, nem vou perder tempo a contrariar essa evidência. Perder a bola para a equipa de Guardiola teve um preço tremendo porque a superioridade numérica que tinham no meio do campo reduziu-nos a meros espectadores outra vez. Para contrariar o seu jogo de passes contínuos, meti Tévez no lugar de Anderson ao intervalo e vi-o desperdiçar uma bela oportunidade quando, depois de ter ultrapassado um defesa, resolveu passar por ele outra vez, puxando a bola para trás e ficando sem ela. O golo decisivo do Barcelona surgiu uma hora após o primeiro: uma inusitada cabeçada de Messi a centro de Xavi. Algum tempo mais tarde, conversei com Louis van Gaal, antigo treinador holandês do Barcelona, sobre a evolução do jogo deles. Iniciou-se com Johan Cruyff, um técnico impressionante, que concebeu a ideia de largura e posse de bola, sempre com um homem a mais no meio-campo. Depois de Bobby Robson, regressaram à filosofia holandesa, com Van Gaal e Frank Rijkaard. Guardiola acrescentou-lhe a capacidade de pressão sobre os adversários. Com Pep tinham este método-dos-três-segundos, se assim lhe quisermos chamar, graças ao qual não permitem à equipa que defende ter a bola mais de três segundos. Depois dessa vitória em Roma, Guardiola agradeceu: «Somos felizes por ter em mãos o legado de Johan Cruyff e Charly Rexach. Eles foram os pais e nós seguimos os seus passos.» Nunca consegui perceber como os seus jogadores eram capazes de disputar um tão grande números de partidas. Faziam atuar praticamente a mesma equipa todas as semanas. O sucesso é geralmente cíclico, com


momentos de letargia. O Barcelona saiu da sua e lançou-se na perseguição do Real Madrid. Não gosto de admitir que fomos vencidos por uma grande equipa porque nunca ficamos contentes quando pronunciamos tais palavras, a maior concessão que estamos prontos a fazer limita-se a: duas grandes equipas disputaram esta final e nós falhámos. O nosso desejo era atingir aquele nível em que toda a gente concordasse que estávamos a par dos melhores da Europa. Para vencer o Barcelona naquela fase eram necessários dois centrais verdadeiramente ativos, mas Rio e Vidić tinham chegado a uma idade na qual preferiam resguardar o seu espaço. Nada a dizer, é correto, mas contra o Barcelona resulta numa limitação. Precisávamos de centrais que pudessem cair sobre o Messi sem se preocupar com o que se ia passando nas suas costas. Okay, ele fugiria para as laterais. Ótimo! É menos perigoso aí do que no centro. Eles tinham quatro jogadores de classe mundial: Piqué, os dois médios e Messi. O primeiro era, sem dúvida, o mais subestimado da equipa. É um grande jogador! Já o sabíamos desde o tempo que passou connosco quando jovem. Numa reunião da UEFA, Guardiola confessou-me que ele tinha sido a sua melhor contratação. Marcava o ritmo, a certeza, a confiança e a penetração no campo adversário desde lá de trás. Foi o que procurámos anular ao colocar os nossos avançados na sua zona, tentando conquistar a bola primeiro e obrigando-os a verem-se livres dela sem critério. Durante os primeiros 20 ou 30 minutos funcionou muito bem, mas, entretanto, marcaram um golo. Escorregaram por entre os nossos dedos. Tinham esse tremendo talento para o escapismo. Quando atiramos o isco à água, o peixe morde-o, mas às vezes não. Xavi colocava a bola em Iniesta num espaço que nos deixava convencidos de que a iríamos recuperar, só que isso não acontecia porque eles mantinham-na longe dos nossos pés. A medida do passe, a sua certeza, o ângulo, tudo nos conduzia para um território que nunca devíamos pisar. Eram brilhantes nessa maneira de enganar.


A Premier League procura desesperadamente uma política mais laxista na obtenção de licenças de trabalho, facilitismo passível de tornar-se perigoso. Podemos ver a competição ser invadida por maus jogadores. No entanto, os clubes grandes deviam ter essa possibilidade, já que podem escolher os melhores. Bem sei que isto soa um bocado elitista, mas, se queremos ter sucesso na Europa, precisamos de alterar a política de licenças de trabalho em favor dos clubes. Dentro da União Europeia, podemos ir buscar jogadores a partir dos 16 anos. Dois anos mais tarde, voltámos a encontrar-nos na final da Liga dos Campeões, desta vez em Wembley. Procurámos jogar da mesma forma que havíamos feito em Roma, começámos bem, mas acabámos por ser atropelados no meio-campo e perder por 1-3. Entrámos com o Edwin van der Sar na baliza, Fábio, Ferdinand, Vidić e Evra na defesa, Giggs, Park, Carrick e Valencia no meio, e Rooney e Hernández na frente. Não conseguimos controlar Messi. Os nossos centrais não atacavam a bola, ficavam lá atrás e, todavia, a preparação para esse jogo foi a melhor que já vi. Durante 10 dias trabalhámos duro no campo de treinos. Sabem qual é o problema? Por vezes, os jogadores disputam a ocasião e não o jogo. Wayne Rooney, por exemplo, foi uma desilusão. A nossa estratégia passava por apostar nas suas entradas nas costas dos centrais, com Hernández a mantê-los em sentido, mas não conseguimos aproveitar esses espaços recuados. Por algum motivo, nessa noite Antonio Valencia congelou. Estava muito nervoso e não quero ser exageradamente crítico. Não apertámos a sério com o defesa-esquerdo deles, que acabara de recuperar de uma doença e já não jogava há vários meses. Pensei que poderia ser um bom ponto a explorar – até mesmo no caso de ser Puyol a ocupar a posição. Até à final, a forma de Valencia estava num plano excelente. Tinha torturado o Ashley Cole duas ou três semanas antes do jogo de Wembley e deixara o defesa do Shalke de olhos trocados. É preciso ser forte cá atrás quando se defronta o Barcelona, mas devíamos ter sido mais agressivos em relação a Messi. Michael Carrick também não esteve no seu melhor.


Ter deixado Dimitar Berbatov fora da lista de convocados foi o primeiro momento de sensação da noite. Em vez dele, Michael Owen foi o avançado que escolhi para ficar no banco. Ele levou a coisa a mal, naturalmente, e eu fiquei pior do que estragado. Wembley tem um gabinete para os treinadores, agradável e privado, e foi aí que lhe expliquei as razões da minha decisão. Dimitar estivera mal ultimamente e não me parecia o suplente ideal. Disselhe: «Se nos últimos minutos tivermos de ir para a área deles à procura de um golo, Owen estará mais fresco.» Talvez não fosse inteiramente justo, mas precisava de fazer opções e esperar que fossem as melhores. Assinei com Berbatov no verão de 2008 porque ele tinha aquele maravilhoso equilíbrio e tranquilidade nas zonas de ataque. Pensei que dessa forma criava mais opções em termos ofensivos, mas, ao mesmo tempo, arranjei um impasse com Tévez, que não aceitou bem a medida. Passou a ser suplente, em seguida titular e depois outra vez suplente. Reconheço que Tévez provocava sempre impacto quando estava em campo. Alterava as coisas, mas a situação acabou por mexer com ele e os seus agentes começaram a negociar com outros clubes. Berbatov entrou numa surpreendente fase de falta de confiança. Nunca teve os pavoneios de Cantona ou de Andy Cole, nem foi seguro de si como Teddy Sheringham. Hernández também era muito confiante: alegre e alerta. Não faltava a Berbatov crença nas suas capacidades, mas isso baseava-se na sua forma de jogar. O nosso coletivo funcionava a determinada velocidade e ele não estava sintonizado com ela. Não era um jogador de reflexos rápidos. Gostava que o jogo abrandasse para trabalhar os seus movimentos na área ao seu próprio ritmo, ou de sair da zona ofensiva para ligar o jogo mais atrás. As suas virtudes eram consideráveis. Embora no verão de 2011 tivessem ocorrido alguns contactos, não estava ainda preparado para o


deixar sair. Tínhamos investido nele 30 milhões de libras e não queria perder esse investimento só porque ele não jogara bem em duas ou três partidas importantes da época anterior. Podíamos ficar com o jogador e tirar partido das suas qualidades. Nos treinos, começou a habituar-se a chegar à bola com mais rapidez, mas, quando o ritmo quebrava, ele tinha tendência para caminhar em vez de correr. Connosco isso não funciona assim. Precisamos de nos reagrupar com velocidade para não ficarmos demasiado expostos, com jogadores a mais na zona ofensiva. Queríamos gente que reagisse à perda da bola de forma a que o adversário ficasse de imediato sob pressão. Mas ele também era capaz de momentos fantásticos e tinha um apetite ao nível do de Nicky Butt. Durante as refeições, raramente levantava a cabeça do prato, e levava comida para casa. Berbatov não teria jogado a final de Wembley, mesmo que estivesse no banco. Fui obrigado a tirar o Fábio e a fazer entrar o Nani, o que me deixou com apenas duas opções. Quis apostar no Scholes porque precisava de um jogador mais experiente para orquestrar a nossa distribuição de jogo, e assim Paul substituiu Carrick. Tínhamos discutido a retirada de Scholesy nos últimos meses, e eu procurei fazê-lo mudar de ideias, tentando que ficasse durante mais uma época, sendo ele de opinião de que entrar em 25 jogos por ano não era suficiente. Também admitiu que as suas pernas começavam a fraquejar nos últimos 25 ou 30 minutos. Havia sido sujeito a duas intervenções aos joelhos e a um problema num olho que o tinham mantido fora durante bastante tempo e, apesar de tudo, ainda conseguia jogar a um nível altíssimo. Fenomenal! O golo que marcou na sua despedida, nesse verão, foi soberbo. Não deu qualquer hipótese ao Brad Friedel. Um míssil! Eric Cantona estava presente, aplaudindo. Mais tarde, na rádio, no «Talksport», ouvi um comentador opinar que Paul Scholes não entrava no top-quatro dos modernos jogadores ingleses. Asseverava que Gascoigne, Lampard e Gerrard eram todos melhores do que ele. Um disparate completo.


Depois da nossa segunda derrota com o Barcelona numa final da Liga dos Campeões tive de me questionar: que se passa? O problema número um era sentir que alguns dos nossos jogadores tinham caído para níveis inferiores às suas capacidades. Outra das causas importantes podia ser a de que estávamos geralmente habituados a ter nós a bola. Quando essa vantagem passou para o campo adversário, a nossa confiança e concentração foram abaladas. Há alguma consistência na teoria de que os nossos jogadores não estavam preparados para assumir um papel subserviente, por exemplo, gente como Giggs, ou Ji-Sung Park, que, nos quartos-de-final frente ao Chelsea, mordeu as canelas a toda a gente e passou hora e meia acima e abaixo no campo. Nunca o vi jogar assim contra o Barcelona, cuja formação nessa final foi: Valdés; Alves, Piqué, Abidal e Mascherano; Busquets, Xavi e Iniesta; Messi, Villa e Pedro. Eles ganharam vantagem graças a um golo de Pedro, que deu sequência a um dos inúmeros passes inteligentes de Xavi, mas Rooney fez o empate após uma rápida troca de bola com Giggs. Depois, o carrossel do Barcelona começou verdadeiramente a rodar, com Messi ao comando. Ele e Villa marcaram os golos que acabaram connosco no último jogo de Van der Sar pelo United. Cometi um erro ao intervalo. Estava ainda focado em vencer o jogo e pressionei Rooney para que continuasse à procura de espaços nas costas dos centrais. «Vamos ganhar isto, se insistires nesses movimentos», incitei-o. Esqueci-me de um pormenor fundamental para quem defronta o Barcelona. Eles ganham muitos jogos nos primeiros 15 minutos da segunda parte. Devia ter alertado os meus jogadores para isso, e ter posto o Park a marcar Messi durante esse quarto de hora, com Rooney encostado à esquerda. Se tivesse explorado essa estratégia, talvez nos conseguíssemos salvar, pois disporíamos de capacidade para contra-atacar. Tais alterações dariam liberdade a Busquets, que se adiantaria para o nosso meio-campo,


mas seríamos uma ameaça mais real com Rooney a entrar pelo lado esquerdo. A minha intenção era a de substituir Valencia ao fim de 10 minutos do segundo tempo, mas o Fábio voltou a queixar-se de cãibras e eu vi-me forçado a mudar de ideias. Costumava ter sorte em finais, mas nesta a fortuna abandonou-me. Ao fazer o balanço de todos os meus grandes jogos e dos sucessos que obtive, não me ficava bem entrar em autocomiseração em Wembley, cenário da grande vitória do Manchester United sobre o Benfica, em 1968. Pensei que pudéssemos ter algumas hipóteses nos cantos, mas eles não surgiram para o nosso lado. Com a derrota confirmada, não houve qualquer exibição de vaidade por parte do Barcelona. Nunca alardearam a sua superioridade. A primeira coisa que Xavi fez após o apito final foi pedir a camisola a Scholes. Os jogadores devem ter um modelo, alguém sobre o qual digam: «Quero chegar aonde ele chegou.» O meu modelo era Denis Law, apenas um ano e meio mais velho e eu olhava-o e pensava: «Quero chegar aonde ele chegou.» Nos dias que se seguiram à derrota, comecei a pensar profundamente sobre os técnicos da nossa academia. Gary Neville, Paul Scholes e eu trocámos muitas opiniões. Queria encontrar um novo comando para a formação. Sempre fomos capazes de produzir grandes jogadores e a nova fornada do Barcelona não me parecia melhor do que a nossa. De forma alguma. Thiago estava ao mesmo nível que Welbeck e Cleverley, mas os outros não me metiam medo. Olhar para o futuro é fundamental. Já andava atrás do Phil Jones muito antes dessa final da Liga dos Campeões. Procurei comprá-lo em 2010, mas o Blackburn não o quis vender. Ashley Young veio para substituir Giggs. A questão do guarda-redes resolveu-se em dezembro. É verdade que David de Gea teve um início complicado no United, mas vai crescer. Tínhamos Fábio e Rafael, Welbeck e Cleverley estavam prontos a explodir; Nani tinha 24 anos, Rooney 25. Havia um núcleo de jovens talentos.


Nesse verão, saíram cinco dos nossos jogadores. Com a chegada de Jones, não iria ser fácil Wes Brown e John O‘Shea serem titulares. Foramme leais. A parte mais horrível da carreira dos treinadores é termos de dizer a homens que deram tudo por nós que deixou de haver lugar para eles. Depois do cortejo do título da Premier League, à chuva, regressámos à escola donde tínhamos saído para os festejos. Aí mesmo, perguntei a Darron Gibson como via o seu futuro. Talvez não fosse o local ideal para dar início a tal conversa, mas ele percebeu onde eu queria chegar. Ia de férias nessa noite, por isso havia urgência em falarmos. Fiz os possíveis para contactar Wes Brown pelo telefone. É angustiante deixar sair atletas com tanta experiência e lealdade. Perdi cinco jogadores com 30 anos, ou mais, e também tive de deixar sair o Owen Hargreaves. Entraram Welbeck e Cleverley; Mame Diouf e Macheda vieram por empréstimo, e assinámos com três novos jogadores. A média de idades da equipa desceu para 24 anos. O meu plano para Neville e Scholes era o de os deixar trabalhar por toda a parte, formação, academia e reservas, e depois sentarmo-nos os três para perceber onde residia a nossa força. Colocava-lhes sobre os ombros um grande fardo, porque eles sabiam melhor do que ninguém o que era preciso para se ser jogador do United. Era algo que desejava fazer há anos e anos: colocar os meus jogadores de topo na corrente de comando. Scholes é um homem de excelentes critérios. As suas intervenções eram brilhantes. Sempre atento e com ele não há ses. Quando tivemos um problema com Van Nistelrooy, Paul deixou logo claro que Ruud não tinha o direito de criar divergências. Foi franco. Gary perguntou-lhe: «Tens a certeza Scholesy?» Só para tentar abalá-lo. Nessa altura, na equipa técnica estavam Brian McClair, Mick Phelan, Paul McGuinness, Jim Ryan e Tony Whelan. Todos eles foram jogadores do United ou possuíam formação académica. Queria reforçar essas áreas. Clayton Blackmore e Quinton Fortune passaram a ajudar na formação.


Depois destas intervenções, disse para com os meus botões: «Da próxima vez que defrontarmos o Barcelona numa final da Liga dos Campeões, terei Jones e Smalling, ou Smalling e Evans, a caírem sobre Messi.» Não iria deixar que nos massacrassem outra vez. 43 Small is Beautiful – A Study of Economics as If People Mattered é o título de um livro, publicado em 1973, do famoso economista Ernst Friedrich Schumacher. A expressão, que se pode traduzir à letra por «o que é pequeno é bonito», ganhou popularidade e é correntemente utilizada, na sua forma original, nas mais diversas áreas, pelo que entendemos mantê-la na abertura do capítulo. (N. do T.)

20 A IMPRENSA O melhor conselho que alguma vez recebi vindo de alguém da imprensa foi-me dado por um amigo chamado Paul Doherty, nessa altura na Granada TV. Grande personagem, o Paul. Certo dia, disse-me: «Tenho observado as tuas conferências de imprensa e vou chamar-te a atenção para uma coisa. Estás a dar trunfos aos adversários. Mostras demasiado as tuas preocupações. Olha para o espelho e põe a cara de Alex Ferguson.» Parecer acossado não é forma de lidar com a imprensa. Mostrar aquilo que nos preocupa não ajuda a equipa e não aumenta as nossas hipóteses de vencer no sábado seguinte. Paul tinha razão. Quando me deu esse conselho, eu evidenciava de mais as contingências do meu trabalho. Não podia permitir que uma conferência de imprensa se transformasse numa sala de tortura. Era meu dever proteger a dignidade do clube e de tudo aquilo que estávamos a fazer. Era necessário ser firme e controlar a conversa o mais possível. Antes de sair por aquela porta e enfrentar o mundo, treinei-me, prepareime mentalmente. A experiência ajudou. Nas minhas sextas-feiras de conferências de imprensa, cheguei a um ponto em que já vislumbrava a linha que determinado jornalista ia seguir. Às vezes, combinam entre si:


«Muito bem, tu começas por aqui e eu sigo por este lado...» Topava-os a todos. Algo que a experiência me ofereceu. Mais, o mecanismo interno desatava a funcionar mais rapidamente. Adorava quando um jornalista me colocava uma pergunta longa, porque assim ganhava tempo para lhe responder pela certa. As piores eram as perguntas curtinhas: «Porque jogaram tão mal?» Essa espécie de inquérito impiedoso pode conduzir-nos a respostas mais alongadas. Começamos a esticar-nos ao mesmo tempo que raciocinamos e acabamos a explicar toda a nossa filosofia. É preciso uma certa habilidade para não expor as fragilidades da nossa equipa, e essa tem de ser a primeira prioridade. Sempre. Podemos ter um jogo três dias depois e isso, também, deve estar na primeira linha dos nossos pensamentos à medida que somos questionados. Ganhar essa partida é que conta e não marcar pontos numa conferência de imprensa. Terceiro objetivo: não fazer figura de tolo, respondendo de forma estúpida. Estas eram as considerações que me atravessavam o cérebro, enquanto ia sendo cozido em lume brando. A manha, essa grande mestra, demora anos a adquirir. Lembro-me de ser um jovem jogador e estar na televisão a gaguejar sobre um castigo de seis jogos de suspensão que me tinha sido aplicado pela Federação Escocesa. Disse em direto: «Pois, essa é a espécie de justiça star chamber44 que existe na Escócia.» De imediato, uma carta da Federação Escocesa aterrou no clube. Pensarmos que temos a obrigação de nos tornar interessantes pode levarnos a dizer coisas das quais nos arrependemos. Podia ter razão nesse dia, mas dei por mim obrigado a responder por escrito, justificando as minhas declarações. O treinador questionou-me: «Onde raio foste buscar essa da justiça star chamber?» Não podia esconder: «Estava a ler um livro e pareceu-me que a expressão soava bem.»


Claro que a minha maior guerra com a imprensa foi contra a BBC e durou sete anos, até eu decidir, em agosto de 2011, que já chegava. Pela minha perspetiva, as chatices foram mais que muitas, incluindo nelas um artigo publicado na revista Match of the Day, mas a gota de água foi um documentário chamado Fergie and Son transmitido, no dia 27 de maio de 2004, na BBC3, um miserável ataque ao meu filho Jason. Lançaram-se na pista da transferência de Jaap Stam para a Lazio e de Massimo Taibi para a Reggina do ponto de vista de Jason ter ligações com a Elite Sports Agency. Antes de o programa ir para o ar, a direção do United ilibou-nos, a mim, a Jason e à Elite, de qualquer comportamento menos claro nas transferências, mas decidiu que Jason não voltaria a atuar em nome do clube em futuros negócios. A BBC não pediu desculpas e as suas alegações não eram verdadeiras. Pouco tempo depois, Peter Salmon, da BBC, veio ver-me e eu disse-lhe: «Vê o programa e diz-me para onde caminha a credibilidade da BBC.» Quis processá-los, mas o meu advogado e Jason opuseram-se. Salmon pensou que a sua antiga camaradagem comigo desde os tempos da Granada TV poria uma pedra sobre o assunto. «A BBC agora é uma empresa de Manchester», disse ele. «Boa», retorqui. «E precisam de pedir desculpa.» Não tive resposta. O plano dele era que eu me referisse ao documentário Fergie and Son numa entrevista com Clare Balding. A que propósito? Acabámos por sanar as nossas divergências e voltei a falar para a BBC. Já tinha deixado clara a minha posição. Em termos gerais, a Sky alterou o clima televisivo ao torná-lo mais competitivo e ao aumentar o falatório. Reparem na cobertura feita ao episódio da dentada de Suárez, na primavera de 2013. Colocaram-me a questão numa conferência de imprensa e o destaque dado à minha resposta era: «Ferguson coloca-se ao lado do Liverpool.» Perguntaram-me sobre Suárez e limitei-me a dizer: «Percebo como eles se sentem porque Cantona


foi suspenso nove meses por dar um pontapé de kung-fu num adepto.» O meu ponto de vista era – esqueçam lá os 10 jogos, experimentem ver o que custa nove meses. E no entanto fui citado como se tivesse pena do Suárez.45 Outra notícia referia: «Ferguson diz que Mourinho volta ao Chelsea.» A questão que me foi posta foi esta: «Qual vai ser o seu principal adversário na próxima época?» Respondi que o Chelsea seria um deles e que, se se confirmassem os rumores sobre o regresso de Mourinho, isso lhes daria uma nova alma. Pois o destaque saiu mesmo assim: «Ferguson diz que Mourinho volta ao Chelsea.» Tive de mandar uma mensagem ao Mourinho a explicar-me. Respondeume dizendo: « Okay, eu sei, eu vi.» Essa notícia passou em rodapé de 10 em 10 minutos. Mourinho regressou mesmo ao Chelsea, mas a questão está longe de ser essa. Há uma intensidade e uma volatilidade na imprensa moderna que me transtornam. Acabei por sentir que se tornava difícil estabelecer uma relação com eles. Estavam submetidos a uma pressão tal que não era fácil confiar neles. Quando cheguei a Manchester, andava de pé atrás com alguns, mas nada comparável com os meus últimos anos. Gente como John Bean ou Peter Fitton era decente. Bill Thornton. David Walker. Steve Millar. Boas pessoas. E tinha os meus velhos amigos da Escócia. Durante as deslocações, costumávamos tirar uma noite para confraternizar com a malta da imprensa. Certa vez, acabámos no meu quarto e Bean estava em grande forma, sapateando em cima da mesa. Outra vez, já eram onze da noite, estava na minha cama quando o telefone tocou: «Alex! Pode confirmar ou desmentir que foi visto com o Mark Hughes num táxi, hoje à noite?» Era o John Bean. Disse-lhe: «Seria muito difícil, John, porque ele jogou hoje uma eliminatória europeia pelo Bayern de Munique.» John disse: «Ah! Pois. Eu vi esse jogo.»


Desliguei-lhe o telefone na cara. Na sexta-feira, apareceu na conferência de imprensa. «Um milhão de desculpas, Alex. Sei que aceita as minhas desculpas.» E sentou-se. Depois, surgiu uma série de jovens repórteres que se vestiam mais àvontade do que aquilo a que eu estava habituado. Talvez por uma questão de geração, mas a moda não me caía bem. Para esses jovens a profissão torna-se complicada porque estão sob a pressão contínua dos editores. Esqueçam o off-the-record. Isso já não existe. Expulsei um par de jornalistas na época de 2012-13 por fazerem uso de expressões proferidas off-the-record. Bani outro por escrever que eu e Rooney nunca falávamos um com o outro durante os treinos – e que toda a gente no clube podia confirmá-lo. Mentira. Não lia todos os jornais, mas de tempos a tempos os nossos serviços de imprensa chamavam-me a atenção para certas inexatidões que poderiam provocar estragos. Há uns anos costumava avançar com processos, mas isso custa dinheiro. Quanto aos pedidos de desculpa, 40 palavras escondidas na página 11 estão longe de ter o impacto de uma história com direito a chamada de primeira página. Portanto, de que valia? Ao expulsar jornalistas, estava a dizer: não aceito a vossa versão dos factos. Mais uma vez estava numa posição de força graças a muitos anos de sucesso no Manchester United. Se fosse um pobre diabo a lutar contra uma série de maus resultados, as coisas funcionariam de forma muito diferente. Em muitos casos, sentia uma inevitável compreensão porque sabia que tais extrapolações ou exageros eram fruto da natureza competitiva do negócio. Os jornais têm de combater a Sky, os websites e outros canais de média. Qualquer treinador da Premier League precisa de um assessor de imprensa experiente, alguém que conheça o meio e saiba reagir com rapidez perante as falsidades publicadas. Não é possível evitar todas, mas pode-se


avisar os autores de que os factos estão errados e exigir correções. Além disso, um bom assessor de imprensa é capaz de livrar-nos de sarilhos. A Sky emite todos os dias da semana durante 24 horas. Um episódio qualquer é exibido até à exaustão. Lidar com a imprensa é um problema cada vez mais complicado para os treinadores. Digamos que o Paul Lambert está a ter dias complicados no Aston Villa. A conferência de imprensa tem tendência para ser dominada pelo negativismo. Só alguém que conhece bem os jornalistas pode preparar um treinador para esses momentos. Quando tive dias maus no Manchester United, Paul Doherty disse-me: «Estás tenso. Vais ser presa fácil para eles. Antes de ires para as conferências de imprensa, olha para o espelho, esfrega a cara, põe um sorriso nos lábios e representa. Assegura-te de que não te comem vivo.» Foi um conselho maravilhoso e é isso que temos de fazer. Muitas vezes precisamos de aproveitar a corrente e tirar o melhor proveito dela. Uma pergunta básica é: «Sente pressão?» Bem, claro que sentimos, mas não vamos deixá-los morder esse osso. Marcava as minhas conferências de imprensa para antes dos treinos ao passo que muitos dos meus colegas preferem realizar as deles depois. Nessas alturas, estamos mais concentrados no treino do que na imprensa. Para as conferências das nove da manhã já tinha sido preparado pelo nosso diretor de comunicação, Phil Townsend, para o que poderia suceder. Avisava-me, por exemplo, de que iria ser questionado sobre a dentada de Luis Suárez, ou acerca do escândalo do doping de Godolphin nas corridas de cavalos, ou sobre a possível transferência de um jogador como Lewandowski. Começava sempre por falar daqueles que estavam disponíveis para o jogo seguinte. Depois, o assunto fugia para questões em redor do jogo em si, as eventuais táticas. Ao domingos, parecia que se criava um tema em redor de um jogador. A forma de Michael Carrick, por exemplo.


Dava-me geralmente bem com as conferências de imprensa. O desafio mais complicado era o de abordar a questão das más arbitragens. Fui castigado por me queixar de árbitros porque os níveis que estabeleci para as suas atuações são os mesmos que para o futebol e não os dos observadores. Não me interessam aqueles que os árbitros estabelecem para si próprios. Como treinador exijo que eles se mostrem à altura do jogo que estão a arbitrar. E, como organização, não fazem o trabalho tão bem como deviam. Hoje em dia, falam da arbitragem como um trabalho a tempo inteiro, mas isso é uma falácia. A maior parte deles começa aos 16 anos, muito jovens. Admiro a vontade de alguém que deseja ser árbitro. O jogo precisa deles. Gostava de ver alguns, como o italiano Roberto Rosetti, apitarem em Inglaterra. Tem 1,85 metros, presença autoritária, corpo de pugilista, e desliza sobre o relvado, acalmando os jogadores. Tem o poder. Sempre gostei de ver árbitros de topo em ação. Aprecio que a verdadeira autoridade seja bem aplicada. Seria difícil correr com um árbitro da Premier League com base na sua incompetência ou no excesso de peso. Todos eles têm advogados e o sindicato é forte. Além disso, não surgem árbitros jovens, por isso aproveitam-se os que há. A arbitragem é provavelmente a área do futebol da qual me devia ter mantido à distância, sem entrar em comentários durante as entrevistas. Na semana seguinte, posso vir a ser o beneficiário de uma decisão arbitral, por isso atacar uma que me seja desfavorável pode ser visto como uma atitude seletiva. Apoio The Referee Association. Em Aberdeen, cheguei a aceitar árbitros nos treinos para que mantivessem a forma. Sou exigente. Gosto que estejam fisicamente bem e penso que os níveis que exibem não estão de acordo as exigências do futebol inglês. A quantidade de quilómetros que são capazes de percorrer não é variante correta para se avaliar a sua capacidade. É, isso sim, quão rapidamente conseguem percorrer o terreno de jogo. Se houver


um contra-ataque rápido, serão capazes de chegar a tempo à outra ponta do campo? Na verdade, se prestarmos atenção à nossa meia-final da Liga dos Campeões de 2009 contra o Arsenal, podemos ver que Rosetti, que foi o árbitro, estava a 20 metros de distância do jogador que fez o golo. Demorámos nove segundos a marcar por isso não podemos exigir ao árbitro que faça 90 metros em nove segundos. Só o Usain Bolt é capaz disso. Como regra, acho que a Federação Inglesa tem tendência para castigar os alvos de topo, porque isso lhe traz publicidade positiva. Ao estudarmos o incidente de Rooney num jogo contra o West Ham, quando ele soltou um palavrão para a câmara, percebemos que houve pressão sobre o árbitro da parte federativa e Wayne apanhou três jogos de suspensão. A justificação baseou-se no facto de não ser bom para as crianças ouvirem um jogador dizer palavrões na televisão. Percebo a lógica, mas ao longo dos anos quantos proferiram palavrões de forma bem audível? Nunca consegui perceber quem manda ao certo no futebol inglês. Os tipos da escolas de Exeter46 têm uma palavra a dizer. Greg Dyke, o novo presidente, precisa de reduzir o número de pessoas envolvidas nas tomadas de decisão. Uma comissão de 100 membros não tem sensibilidade para gerir seja o que for. Estas comissões são criadas mais para «premiar as pessoas pela sua dedicação ao jogo» do que para o gerirem de forma tranquila. É um problema institucional. Os reformadores entram nelas de espinha direita e saem delas curvados. Nos jogos grandes, o nosso comportamento foi quase sempre excelente. Um jornal citou o caso do árbitro Andy D‘Urso, que teria sido ameaçado por Roy Keane e Jaap Stam, ao qual nós pusemos fim num instante. Eu respondo que «não têm nada a ver com isso» irritou as gentes da Federação. Claro que sublinhei tratar-se de um jogo para a Taça da Liga e não para a Taça de Inglaterra. Nunca confiei muito no trabalho da secção de reclamações da Federação.


Quando critiquei Alan Wiley por causa da sua condição física, no outono de 2009, quis marcar posição sobre a forma dos nossos árbitros em geral. Na minha opinião, Alan Wiley tinha excesso de peso quando dirigiu o nosso jogo com o Sunderland, 2-2, em Old Trafford. O comentário que me atirou para a frigideira foi: «O ritmo do jogo exigia um árbitro em forma. E ele não estava. Vemos no estrangeiro árbitros elegantes como gazelas. Este demorava 30 segundos para mostrar um cartão amarelo. Foi ridículo.» Mais tarde pedi desculpa por ter criado qualquer embaraço pessoal ao Alan Wiley, e afirmei que a minha intenção era a de «trazer a público uma faceta séria e importante do jogo». Mas, 16 dias depois dessa partida, fui castigado pela Federação por conduta imprópria. Já tinha sido afastado do banco por duas vezes, em 2003 e depois em 2007, por ter opinado sobre o árbitro Mark Clattenburg. Em seguida, fui suspenso durante cinco jogos devido aos meus comentários acerca de Martin Atkinson na ressaca da nossa derrota por 1-2 no campo do Chelsea. A seguir à minha questão com Alan Wiley, o antigo árbitro Jeff Winter sugeriu que o castigo mais apropriado talvez fosse jogarmos à porta fechada. Na verdade, penso que não temos árbitros de autêntica qualidade para a Premier League há muito tempo. Sei que Graham Poll exibia aquele estilo arrogante, mas era o que tomava as decisões mais corretas. Tinha um ego tão grande que chegava a estragar as suas atuações e, se estava nas suas habituais disposições embirrantes, podia tornar-se muito complicado. Foi o melhor juiz de um dos incidentes dos meus tempos em Old Trafford. Quando um árbitro está frente a frente com 44 000 pessoas, em Anfield Road, ou 76 000, em Old Trafford, e assinala um golo contra a equipa da casa, ao ouvir os gritos da multidão fica por vezes afetado. É algo que os distingue: a capacidade para decidirem contra a maré, contra o rugido dos adeptos. Há uma velha expressão que diz que todos os árbitros são caseiros, e isso tem uma ponta de verdade. Não quer dizer que estejam a fazer de propósito, mas são influenciados pela força emocional da assistência.


Anfield é provavelmente o pior local para um árbitro ser objetivo, já que é um ambiente muito fechado e volátil. Há esse fator intimidatório dos adeptos sobre ele, não só em Liverpool, mas um pouco por toda a parte. Há 40 anos, as multidões não eram tão histéricas como são hoje. Por isso, talvez fosse útil que os árbitros se apresentassem perante a imprensa com um dos seus supervisores ao lado, e explicassem a forma como viram os lances. Por exemplo, seria interessante para mim ouvir o árbitro turco que apitou a nossa eliminatória da Liga dos Campeões frente ao Real Madrid, em Old Trafford, em março de 2013, falar sobre a expulsão do Nani, que foi grotesca. Uma breve conferência de imprensa dos árbitros talvez fosse um passo em frente. Não podemos opor-nos ao progresso. Falemos das botas de futebol: fui completamente contra estas botas modernas, mas entretanto os fabricantes investiram tanto dinheiro no futebol que já não é possível fazerlhes frente. A necessidade de dar nas vistas chegou a tal ponto que leva os miúdos a comprarem chuteiras cor-de-rosa ou cor de laranja. Muitos clubes aliam-se às marcas para adquirirem jogadores: celebrando contratos com a Nike, com a Adidas e por aí fora. Precisam de recuperar o investimento, e também o fazem através das botas. Como observadores, nunca estaremos contentes com as arbitragens porque as vemos sob o interesse das nossas próprias equipas, mas a profissionalização dos árbitros não foi bem-sucedida, exceto talvez em termos da sua vida pessoal. É impossível para alguém ter um trabalho normal e estar sujeito aos treinos que se exigem a um árbitro moderno. Por isso, o sistema é imperfeito. Deveria haver árbitros a tempo inteiro que reportassem diariamente a St. George‘s Park.47 Podem perguntar: «Como vão eles viajar entre Newcastle e Burton-upon-Trent todos os dias?» Bem, se formos buscar um jogador a Londres, arranjamos-lhe casa em Manchester. Robin van Persie é um bom exemplo. Se querem ter o melhor sistema de arbitragem, deviam ser tão profissionais como os clubes da Premier League, já que o futebol hoje movimenta muito dinheiro.


Mike Riley, que preside ao Professional Game Match Officials Board48, queixou-se um dia de que não havia dinheiro para dar esse passo. Se tem razão, é vergonhoso que, recebendo 5000 milhões de libras de direitos televisivos, o futebol não tenha recursos para uma verdadeira profissionalização dos árbitros. Ridículo! Pensem nos montantes que caem de para-quedas nas mãos dos clubes relegados para a segunda divisão. Se os árbitros vão passar a sê-lo a tempo inteiro, o futebol tem de suportar esse investimento. As coisas devem ser feitas devidamente. Na Europa, os árbitros da Liga dos Campeões exibem uma grande soberba porque sabem que não vão voltar a encontrar-nos no fim-de-semana seguinte. Estive em quatro finais e apenas numa delas o árbitro pode ser considerado como verdadeiramente de topo: Pierluigi Collina, na final de Barcelona, em 1999. Perdi duas eliminatórias importantes frente a José Mourinho não por causa da prestação dos jogadores, mas devido às arbitragens. O jogo com o FC Porto, em 2004, foi inacreditável! E a pior decisão que o árbitro teve nessa noite nem foi anular o golo a Scholes, que nos daria uma vantagem de 2-0. A poucos minutos do fim, Ronaldo escapou-se e foi derrubado pelo defesa-esquerdo deles. O juiz de linha agitou a bandeira assinalando a falta, mas o árbitro deixou seguir. O FC Porto subiu no terreno e ganhou um livre, Tim Howard falhou a interceção e eles marcaram nos descontos. Por isso, temos uma grande experiência em más decisões contra nós na Europa. Uma vez fui ver um jogo entre o Inter e o Milan, e um dirigente do Inter disse-me isto: «Sabe qual a diferença entre ingleses e italianos? Em Inglaterra, não vos passa pela cabeça que um jogo possa ser comprado. Em Itália, não nos passa pela cabeça que um jogo não possa ser comprado.» De um ponto de vista positivo, em Inglaterra melhorou-se o desenvolvimento pessoal. Foi bom. A comunicação entre árbitros e jogadores tornou-se mais construtiva. Quem tem autoridade vê-se obrigado a tomar opções e a muitos falta a capacidade para decidirem de forma rápida. Humanamente, temos de reconhecer que os árbitros podem errar, mas os mais competentes vão julgar mais vezes bem do que mal. Os que o


fazem mal não serão necessariamente maus árbitros, falta-lhes o talento para tomarem a opção certa no momento devido. Com os jogadores sucede o mesmo. O que é que impõe a diferença no último terço do terreno? A capacidade para decidir. Sempre trabalhei muito este aspeto com os jogadores. Se estivesse agora a começar a carreira, obrigá-los-ia a aprenderem a jogar xadrez de forma a melhorarem a sua concentração. Quando ainda somos aprendizes desse jogo, uma partida pode durar três ou quatro horas, mas, depois de evoluirmos, passamos a entrar naquelas em que só se dispõe de 30 segundos para cada lance. Aí, sim! Decisões rápidas sob pressão. O futebol é isso mesmo. 44 Star chamber: tribunal de justiça inglês que funcionou em Westminster do final do século XV a meados do século XVII. No inglês corrente, justiça de star chambers ilustra geralmente situações de arbitrariedade. À semelhança dos tribunais plenários do antigo regime. (N. do T.) 45 Em abril de 2013, Luis Suárez, do Liverpool, mordeu o braço do defesa Ivanović, do Chelsea, num lance na área deste. Apesar de o árbitro não se ter apercebido do lance, o jogador do Liverpool foi castigado com 10 jogos de suspensão graças ao recurso às imagens do jogo. (N. do T.) 46 A Exeter High Football School of Excelence é um centro de estudos universitários no qual há departamentos que se dedicam ao desenvolvimento do futebol nas suas diversas vertentes, em ligação próxima com a Federação Inglesa de Futebol. (N. do T.) 47 St. George‘s Park National Football Center: atual sede da Federação Inglesa de Futebol, situada em Burton-upon-Trent, no Staffordshire. (N. do T.) 48 Professional Game Match Officials Board: organização que, em 2001, nasceu da English Association Football Referees para gerir especificamente o trabalho dos árbitros profissionais da Premier League. (N. do T.)

21 O 19.º TÍTULO DO UNITED À medida que o nosso 19.º título de campeão se desenhava no horizonte, havia esta constante insistência sobre bater o recorde do Liverpool.


Quanto a mim, estava certo de que ultrapassaríamos os seus 18 títulos mais cedo ou mais tarde, pelo que não havia necessidade de colocar todas as fichas nessa época em particular. Queria que nos focássemos na campanha em si, e não em pormenores laterais, mas era algo que também senti que tínhamos de conseguir. As equipas do Liverpool de Souness e Dalglish marcavam o futebol inglês nos anos 1980, quando atravessei a fronteira para sul. Foram equipas formidáveis. Bem me fizeram sofrer quando estava no Aberdeen e trouxe essas recordações comigo para Manchester. Numa eliminatória europeia, perdemos contra eles 0-1 em Pittodrie, jogámos verdadeiramente bem nos primeiros 20 minutos em Anfield, mas saímos para o intervalo a perder por 0-2. Tive a conversa habitual nas cabinas e, quando os jogadores iam saindo para a segunda parte, um deles, Drew Jarvie, encorajou: «Vamos rapazes, dois golos em pouco tempo e estamos de volta ao jogo.» Ao intervalo, estávamos a perder por 0-3 no conjunto das duas mãos, em Anfield Road, e ele falava de dois golos como se eles estivessem ali a cair das árvores. Olhei para Drew e disse: «Deus te abençoe, meu filho.» Mais tarde, os colegas massacraram-no por causa do episódio. Atiravam-lhe: «Não estávamos a jogar contra o Forfar, sabias?» Quando o grande Liverpool ganhava vantagem de 1-0, era impossível tirar-lhes a bola. Era bum-bum-bum-bum por todo o campo. Souness distribuía o jogo. Hansen, Lawrenson, Thompson – fosse qual fosse a combinação defensiva –, ficavam tranquilos lá atrás. Quando me mudei para o United ainda tinham o Ian Rush e o John Aldridge, gente desse calibre. Quando compraram o John Barnes e o Peter Beardsley voltaram a subir de nível. Na altura, assumi: «Quero tirá-los do trono!» Não me lembro de ter dito exatamente isso, mas atribuem-me essas palavras. De qualquer forma, representa a minha forma de pensar, por isso não me importo de ter dado pasto aos jornais. O grande rival do Manchester United, embora isso ultimamente se tenha alterado, era o Liverpool – por questões históricas e


industriais que se estenderam ao futebol. Os jogos entre ambos sempre foram acontecimentos emocionalmente intensos. O nosso sucesso no campeonato de 1993 abriu-nos as portas e, na viragem do século, já tínhamos somado mais cinco títulos de campeão. Em 2000, olhei para o Liverpool e pensei que o seu regresso ao topo não iria ser fácil. Haviam caído numa fase de longo arrastamento. O aproveitamento das camadas jovens era espasmódico. Não sentíamos que fosse uma ameaça. Todo o ímpeto estava do nosso lado. Da maneira como trabalhávamos iríamos conquistar os mesmos 18 títulos que eles e também ultrapassá-los, estava certo disso. O fim-de-semana da nossa 19.ª coroação foi extraordinário para a cidade de Manchester. O City ganhou finalmente um troféu após a vitória na Taça da Liga de 1976, batendo o Stoke por 1-0 na final da Taça de Inglaterra, e nós empatámos 1-1 em Blackburn, com um golo de Rooney, de penálti, aos 73 minutos. Em 1986, quando cheguei, a vantagem do Liverpool em títulos de campeão em relação ao United era de 16-7. Agora decorria uma época na qual o Chelsea investiu 50 milhões de libras em Fernando Torres, o City 27 milhões no Edin Džeko e nós avançámos para Javier Hernández pela pechincha de seis milhões. Estivemos 24 jogos sem perder até sermos derrotados pelo Wolverhampton, no dia 5 de fevereiro de 2011, e terminámos só com quatro derrotas no total. Um dos momentos fulcrais da caminhada foi a vitória por 4-2 no campo do West Ham, no início de abril, depois de estarmos a perder por 0-2 ao intervalo. Sublinhei o facto de vários dos nossos jogadores saborearem pela primeira vez o sucesso e quererem mais, tal como acontecia com Valencia, Smalling ou Hernández. Ganhar o campeonato era o objetivo principal da época, sendo o 19.º um bónus. Nessa altura, voltei-me para o 20, número que os nossos adeptos cantavam com grande alegria. Não havia qualquer indicação, nesse meu último ano, de que o Liverpool possuísse uma equipa capaz de discutir o título, apesar de algumas boas exibições. Estava a sair da corrida do Grand National, com a Cathy a meu lado, quando surgiram dois adeptos do


Liverpool e me avisaram: «Hei, Fergie, na próxima época damos cabo de vocês!» Eram bons rapazes. «Bem, precisam de comprar nove jogadores», respondi. Eles olharam para mim, esgazeados: «Nove?!» Um atirou: «Espera até eu dizer isso à malta lá do pub.» Talvez fosse do Everton. «Não acho que sejam precisos nove», contrariou o outro, enquanto eu me afastava. Quase gritei: « Okay, então sete.» Em volta, toda a gente ria. Nesse verão percebemos que o Manchester City se estava a transformar no alvo a abater. O perigo já não vinha de Londres ou de Merseyside. Ficava ali tão perto que podíamos cheirá-lo. Um proprietário com os meios suficientes para abrir uma luta a sério entre nós e disputar o controlo da cidade. Continuávamos a nossa tarefa de construir uma força para o futuro e esperávamos que isso viesse a dar resultados. O grande jogador que precisávamos de substituir era Edwin van der Sar. Embora muita gente estivesse convencida de que Manuel Neuer era o alvo (e esteve na nossa agenda), há muito tempo que seguíamos David de Gea, desde miúdo. Sempre pensámos que iria ser um guarda-redes de topo. Também no verão de 2011, Ashley Young ainda tinha mais um ano de contrato com o Aston Villa. Era sólido: inglês, versátil, podia jogar em ambas as alas, na frente de ataque, e tinha uma boa média de golos marcados. Tendo em conta que Ji-Sung Park atingira os 31 e a idade avançada de Giggs, senti que era chegada a altura de avançar para Young. Giggs não voltaria a ser um extremo-esquerdo com a fiabilidade que tivera no passado. Comprámos Young por 16 milhões de libras, o que foi uma verba razoável, talvez uma ou duas libras mais caro do que estávamos à espera,


visto que era o seu último ano de contrato, mas o negócio fechou-se depressa. Ashley arranjou um sarilho num jogo contra o QPR, na época de 2011-12, quando Shaun Derry foi expulso e ele acusado de fazer teatro. Deixei-o de fora do jogo seguinte e avisei-o de que a última coisa de que precisava era de um jogador do Manchester United com a reputação de se atirar facilmente para o chão. Não tinha sido penálti contra o QPR e a expulsão de Shaun Derry não foi justa. Era a segunda semana seguida em que Ashley repetia a graça e pusemos um ponto final no assunto. Nunca tolerei jogadores que gostam de fazer teatro. Ronaldo teve problemas do género no início, mas os outros jogadores caíram em cima dele nos treinos. À velocidade a que se deslocava, bastava um toque para o desequilibrar. Falámos com ele muitas vezes. «Ele fez falta», limitava-se a dizer. «Sim, mas tu exageras», insistíamos. Erradicou esse vício do seu jogo e tornou-se um jogador verdadeiramente maduro. Luka Modrić é um exemplo de jogador do futebol moderno que nunca se atira para o chão, mantém-se de pé. Giggs e Scholes também eram assim. Drogba revelou-se um ator proeminente. O jogo do Barcelona em Stamford Bridge, em 2012, foi o pior dos exemplos. A imprensa nunca o criticou, excetuando nessa eliminatória europeia. Se tivessem sido mais duros com ele cinco anos antes, seria melhor para o futebol. A compra de Phil Jones foi fruto de um plano a longo prazo desde que Sam Allardyce era treinador do Blackburn. Quando o Rovers nos venceu na FA Youth Cup, liguei para o Sam no dia seguinte e disse: «Fala-me desse miúdo Jones.» Sam riu-se: «Não. Ele vai jogar na primeira equipa no sábado.» E assim foi. Por lá se manteve. Sam gostava muito de Jones. O Blackburn não o vendeu no mercado de janeiro de 2011 porque lutava para evitar a despromoção. No final da época, todos estavam atrás dele: Liverpool, Arsenal, Chelsea. Esteve em conversações com os quatro clubes, mas conseguimos garanti-lo. Tinha 19 anos.


Na altura em que contratámos Phil, havia dúvidas sobre qual seria a posição ótima para ele. Acabei por ter a sensação de que jogaria melhor a defesa-central. Dava-nos versatilidade. Podia ocupar quase todos os lugares. Na Community Shield49 de 2011, tirei Ferdinand e Vidić ao intervalo, e meti Jones e Evans para pressionarem mais os adversários. Evans também é bom nisso: subir até ao meio-campo. Vidić e Ferdinand são mais da velha escola. Pensam bem, percebem as variantes do jogo, não são apanhados desprevenidos. Faziam uma grande parceria. No entanto, eu queria poder aplicar alterações no centro da defesa e Jones fazia parte desse meu plano. Na minha opinião, Evans precisava de ser abanado. Não ficou satisfeito com a contratação de Smalling e Jones. Fê-lo questionar qual seria a minha opinião sobre ele, mas provou o seu valor e jogou extremamente bem por nós. É sempre gratificante quando um jogador reage à chegada de outros redobrando os seus esforços. Tom Cleverley, outra jovem esperança, foi vítima de uma entrada assassina num jogo contra o Bolton, no início da época, que o diminuiu em muitos aspetos. Voltou cerca de um mês depois e fizemo-lo jogar de imediato frente ao Everton. Uma recaída deixou-o de fora por mais três meses. A nossa ideia passava por uma intervenção cirúrgica, coisa que ele não queria. Ficaria inativo durante nove meses. Quis continuar a jogar, o que resultou, mas entretanto já tinha outra vez Scholes e Carrick. Nunca consegui utilizar o Tom com regularidade na equipa. É um jogador muito esperto, esse rapaz, muito inteligente. É extremamente móvel e um bom finalizador. Fez parte da seleção olímpica dos Jogos de Londres, o que me deixou satisfeito porque ele precisava de um desafio que elevasse a sua autoestima. Entretanto, Darren Fletcher combatia uma doença do cólon. No verão de 2012, pôs-se a possibilidade de vir a ser operado, mas era necessário esperar que estivesse em condições para ir à faca. Previsivelmente, ficaria de fora até dezembro. Na época anterior, fi-lo treinar-se com as reservas. Ele gostou. Scholesy tinha


regressado à primeira equipa. Darren atuou durante algumas meias partes pelas reservas e deixou boa impressão. De Gea, que tinha 20 anos quando o fomos buscar ao Atlético de Madrid por 24 milhões de euros, começou mal. Era óbvio que lhe faltava a presença física de Van der Sar ou de Schmeichel. Precisava de desenvolver o corpo e idealizámos um programa para lhe dar massa muscular. Foi complicado para ele termos perdido Ferdinand e Vidić no primeiro jogo da campanha de 2011-12: uma vitória por 2-1 no campo do West Bromwich Albion, na qual deixou escapar uma bola chutada sem força por Shane Long. Descreveria a forma como foi continuamente carregado na sua grande área pelos adversários como um «bem-vindo a Inglaterra!» Vidić ficou inativo seis semanas e Rio três. De Gea passou a ter Smalling e Jones na sua frente. Jovens jogadores. Portou-se bem, mas dois ou três degraus abaixo de infalível. Quando defrontámos o Liverpool, em janeiro, para a Taça de Inglaterra, sofreu o seu primeiro golo de canto. Devia ter resolvido melhor a questão: não apenas ele, mas também Smalling e Evans, os centrais nesse jogo. O posicionamento de ambos foi mau, encurralando De Gea na pequena área, mas é sempre o guarda-redes que arca com as culpas nesses momentos complicados. No jogo decisivo da Premier League contra o City, no Estádio El Etihad, no mês de abril seguinte, Jones bloqueou-o e impediu-o de sair à bola no canto que deu o golo de Kompany. Era necessário melhorar nesse aspeto. À medida que a época foi decorrendo, senti que ele se tornava mais eficaz e mais confiante nas suas capacidades. Algumas das suas defesas foram milagrosas. O nosso instinto revelou-se correto. Era um dos melhores jovens guarda-redes do mundo e estávamos orgulhosos de o ter connosco e poder trabalhar no seu crescimento, como sucedeu com outros antes dele. Em Madrid, frente ao Real, na primeira mão dos oitavos-de-final da Liga dos Campeões, em fevereiro de 2013, defendeu brilhantemente remates de Ronaldo, Fábio Coentrão e Sami Khedira.


David não falava inglês e não tinha carta de condução, mais uma prova de quão novo era. Nunca seria fácil para um guarda-redes de 20 anos vir da Europa continental para Inglaterra. Se nos recordarmos das grandes contratações de guarda-redes das últimas duas décadas, diríamos que Buffon foi extraordinário desde o momento em que chegou à Juventus, ainda adolescente, mas muito poucos que fizeram uma ascensão à escala de De Gea tiveram sucesso imediato. Contudo, nós sempre pensámos no futuro. Vai ser um dos grandes e fiquei contente quando foi escolhido para a equipa ideal do campeonato, na minha última época. Jones foi infeliz na época de 2011-12, suportando uma série de lesões persistentes. Young tornou-se protagonista de um ano encorajador, marcando oito golos. Para um extremo, não é nada mau. Pode atingir um bom nível de perceção do jogo e tem muita energia. Com uma passada um tudo nada mais larga, ficaria completo, mas a sua velocidade é reduzida e teima no vício de puxar a bola, para o seu pé direito – o mais forte – e distribuir a partir daí. Também era bom a jogar no centro do terreno, mas aí tínhamos muitas opções. Apesar de tudo, fiquei contente com Ashley. Era um rapaz sossegado e treinava bem. Todos os três – Jones, Young e De Gea – eram boas pessoas. Por momentos surgiu o rumor de que Paul Scholes voltaria à seleção inglesa, mas nunca acreditei seriamente nessa possibilidade. Na fase final da sua carreira, Paul cansava-se muito nos últimos minutos dos jogos porque não nasceu com os genes de Ryan Giggs e, além disso, não tinha interesse em regressar à sua carreira internacional. Scholesy devolveu-nos algum ritmo e qualidade na distribuição de jogo quando voltou a jogar, em janeiro de 2012. Não havia ninguém melhor do que ele, nesse aspeto, na nossa equipa. A Federação Inglesa acabou por aceitar o facto de Scholes não querer ser novamente selecionado. O adjunto de Fabio Capello fez uma tentativa antes do Campeonato do Mundo de 2010, mas já não voltou a haver contactos antes do Europeu de 2012, na Polónia e na Ucrânia. Michael Carrick foi outro caso digno de estudo. Nenhum selecionador inglês pôs a hipótese de o fazer médio-centro titular da Inglaterra. Michael cresceu sentado no banco da seleção e não esteve disposto a ficar nesse


lugar a ver o Campeonato da Europa de 2012. Aproveitou essa altura para ser operado ao tendão de Aquiles. Acho que o defeito de Michael era não ter a bravura de Frank Lampard ou de Steven Gerrard. Para mim, o primeiro era um maravilhoso utilitário para o Chelsea, mas não o via como um jogador da elite internacional, e sou dos poucos a pensarem que Gerrard não é um jogador verdadeiramente de topo. Quando tínhamos Scholes e Keane na nossa equipa, ele raramente nos causava mossa. Na seleção inglesa, Michael Carrick vivia na sombra dessas duas grandes figuras. Jogar com Lampard e Gerrard tornava-se um pesadelo para os selecionadores ingleses porque eles eram incompatíveis num sistema de 44-2. A equipa funcionou melhor com Hargreaves a médio-centro em 2006. Por falar nisso, aquando do Portugal-Inglaterra desse Campeonato do Mundo, que a Inglaterra perdeu, disse ao Steve McClaren que ele e Eriksson deviam ter obrigado os jogadores a festejarem e a mostrarem-se felizes por conseguirem chegar ao desempate por grandes penalidades após se verem reduzidos a 10 pela expulsão de Rooney. Uma sensação de dever cumprido deveria ter-se espalhado pelos marcadores escolhidos por Eriksson. Pequenas coisas como essa fazem a diferença. E teria levantado o moral dos jogadores. Tenho tido uma estranha relação com os responsáveis pela Federação Inglesa. A seguir à demissão de Capello, escreveram-me pedindo que não falasse publicamente sobre o cargo de selecionador. Nessa altura, toda a gente murmurava que Harry Redknapp seria o provável sucessor e eu limitei-me a sublinhar a opinião generalizada de que se tratava do homem certo para o trabalho. Não sei porque se atiraram a mim daquela forma. Evidentemente, já tinham decidido que Harry não seria o próximo selecionador inglês, mesmo que toda a gente assumisse que sim. Ofereceram-me o cargo em duas ocasiões. Adam Crozier, diretor executivo da Federação entre 2000 e 2002, veio ter comigo antes da nomeação de Eriksson, em 2001. A outra vez foi ainda antes, no tempo da


presidência de Martin Edwards e na altura em que Kevin Keegan assumiu o comando, em 1999. Não havia qualquer hipótese de pensar em ser selecionador. Conseguem imaginar-me no cargo? Eu? Um escocês? Sempre disse, na brincadeira, que, se fosse treinador da Inglaterra, faria com que baixasse para o 150.º lugar do ranking da FIFA, com a Escócia a ocupar o 149.º Ser selecionador inglês obriga a um talento especial – o de saber lidar com a imprensa. Steve McClaren cometeu o erro de tentar ser simpático com um ou dois. Se ignoramos 90 por cento deles, comem-nos vivos. Se há alguém que nos retrata de forma simpática, os outros mordem-nos. Não, nunca me senti tentado a deitar-me nessa cama de pregos. 49 Community Shield: anteriormente designada por Charity Shield, é um troféu disputado no início da época pelos vencedores do campeonato e da Taça de Inglaterra, equivalente à nossa Supertaça. Atualmente há um encontro para o efeito, mas durante anos foi o jogo de abertura da época, em Inglaterra. (N. do T.)

22 MANCHESTER CITY – CAMPEÕES De regresso ao conforto de nossa casa, Cathy disse-me: «Foi o pior dia da minha vida. Não aguento mais disto!» A tarde de domingo, 13 de maio de 2012, foi arrasadora. Para quem viu os acontecimentos de forma neutral, vivemos a mais excitante corrida para o título da história da Premier League. Para nós, sobrou a dolorosa sensação de que tínhamos deitado pela janela a nossa liderança, de que havíamos quebrado a regra do Manchester United de nunca ceder uma posição de vantagem. O Manchester City era campeão de Inglaterra.


Eu próprio me sentia encolerizado, mas podia ver o incómodo na cara da minha mulher. «Cathy», comecei, «temos uma vida ótima e um fantástico período de sucesso.» «Bem sei», respondeu ela. «Mas não vou sair à rua. Há demasiados adeptos do City.» Às vezes esquecemo-nos de que os reveses marcam mais a nossa família do que a nós próprios. Os meus três filhos cresceram habituando-se aos ciclos dos triunfos e dos desastres. Os netos eram demasiado novos para o perceber. Naturalmente, que desta vez era pior porque o Manchester City celebrava à nossa custa, e pior ainda, porque tivemos o título nas mãos e deixámo-lo fugir. De todas as contrariedades, perder o campeonato para o City foi a pior que vivi. Desde 1986, enfrentei 14 treinadores do Manchester City, começando por Jimmy Frizzell. Finalmente, um técnico do outro lado da cidade batera-me na corrida para campeão. Um ano mais tarde, Roberto Mancini tornara-se no 14.º treinador do City a ser despedido antes de eu abandonar a carreira. Roberto saiu depois de ter perdido a final da Taça de Inglaterra frente ao Wigan Athletic, em maio de 2013. Nessa altura, já éramos novamente campeões, pela 20.ª vez. Tínhamos voltado a derrotar o City, mas eu não iria competir mais com eles. No início da época de 2011-12, senti que a corrida se disputaria entre nós, o City e o Chelsea. Depois de um bom começo, vi-me obrigado a mudar muito a equipa devido a lesões. A nossa vitória sobre o Arsenal por 8-2 marcou a pior derrota deles desde 1896, quando perderam 0-8 com o Loughborough Town. Podíamos ter ganho por 20. Chegámos a um ponto em que eu supliquei para com os meus botões: «Por favor, chega de golos.» Foi uma humilhação para o Arsène. O ambiente no Arsenal estava longe de ser tranquilo, mas jogámos um futebol fantástico nesse dia. Com as oportunidades perdidas de um lado e do outro, o resultado poderia ter sido 12-4 ou 12-5.


O Arsenal colocou um jovem no meio-campo, mal tinha ouvido falar dele – Francis Coquelin –, que pouco mais vezes jogou a partir daí. Esteve completamente ausente da partida. Quem me desapontou nesse dia foi Arshavin, que poderia ter sido expulso por duas entradas terríveis, de pé em riste. É estranho quando um jogador que é geralmente «caçado» pelos adversários começa a dar pancada a torto e a direito. O seu comportamento chocou-me. Arshavin não contribuiu em nada para esse encontro. Torna-se dececionante, até para o treinador contrário, ver algo assim. Arsène acabou por tirá-lo, fazendo uma substituição temporã. Claro que lhe faltaram alguns jogadores, e a equipa não era a mesma sem Fàbregas e Nasri. Por isso, descartei o Arsenal do combate pelo título. Para mim, Per Mertesacker, o defesa-central, não foi grande contratação. Temos visto muitos jogadores do género na Alemanha, ao longo dos anos. Não fiquei com a ideia de que se tornaria numa fragilidade para eles, mas também não via que trouxesse qualidade especial. Precisavam de jogadores capazes de fazer a diferença, tanto em termos de exibições, como de resultados. Vi esta questão desenrolar-se por mais de uma vez nos negócios levados a cabo pelo Arsenal. Observámos Marouane Chamakh, o ponta-de-lança deles, quando estava no Bordéus. Tínhamos bons prospetores em França, mas nunca me chamaram a atenção para ele. Olivier Giroud foi outra das aquisições. Arsène parecia decidido a ir buscar jogadores franceses daquele nível e eu achava que ele estava a sobrestimar o futebol francês. Depois da vitória de 8-2 sobre o Arsenal, veio a farsa da derrota por 1-6 em casa, com o City. Massacrámo-los durante 40 minutos nesse jogo. Um massacre absoluto! Devíamos ter ganho uma vantagem de três ou quatro golos. O árbitro permitiu que Micah Richards pontapeasse Ashley Young sem piedade, ignorando cinco faltas consecutivas. Ao intervalo, tínhamos o jogo controlado. Depois, vimos um dos nossos jogadores ser expulso logo no recomeço. Se revirem o lance, podem reparar que Mario Balotelli puxa Jonny Evans primeiro, mas depois o nosso central deitou-o ao chão e foi expulso. A perder por 0-2, fiz entrar Phil Jones, que pressionou mais na frente.


Conseguimos reduzir para 1-3 e a multidão enlouqueceu. Pressentiam uma grande recuperação. O golo de Fletcher foi fantástico, por isso continuámos ao ataque, mas permitimos três golos nos últimos sete minutos. Suicídio. Parecia humilhante, mas era mais um caso de autoflagelação. Em nenhum momento do jogo o City pareceu superior a nós. A ganhar por 3-0, entraram numa zona de conforto, é justo dizê-lo, mas não jogaram um estilo de futebol que nos arrasasse. O final do jogo foi uma desgraça. Pura comédia. E percebi aí que Rio Ferdinand já não tinha a sua passada, que havia perdido ritmo. Na sua fase mais veloz, Rio dava ao avançado espaço para puder rematar, mas tirava-lhe o pão da boca em seguida. Agora tentava fazê-lo com David Silva, e não conseguiu batê-lo em velocidade. Esse jogo foi marcante para Rio. De Gea estava banzado. Tinha sofrido seis golos sem ser culpado em nenhum. Também perdemos o Welbeck, que nos estava a ser muito útil. Depois do apito final, acusei os jogadores de se terem envergonhado a si próprios, e a seguir dedicámos a nossa atenção ao sector da defesa. Havia ali uma fuga que precisávamos de reparar, e eliminá-la conduziu-nos a uma estabilidade que nos tornou mais fortes lá atrás. Trabalhámos o recuo dos jogadores para a ocupação devida dos espaços, a concentração, e levámos as tarefas defensivas mais a sério. Com essa derrota por 1-6, ficámos a nove pontos do Manchester City, mas por altura do Ano Novo já tínhamos reduzido a diferença para três. Perder em casa com o Blackburn foi um choque, ainda por cima coincidindo com o meu 70.º aniversário, apesar de não ser uma novidade para mim. No dia dos meus 50 anos, fomos batidos 1-4 pelo Queens Park Rangers. Suspendi Evans, Gibson e Rooney por terem saído até às tantas da noite e comparecido no treino em mau estado. Carrick e Giggs estavam lesionados, o que me obrigou a utilizar Rafael e Ji-Sung Park no meiocampo. O Blackburn jogou bem nesse dia. Ainda chegámos ao 2-2, mas


sofremos um canto, De Gea não resolveu o assunto como devia e Grant Hanley garantiu a vitória para eles. Entretanto, o United batizou uma das bancadas do estádio com o meu nome sem eu saber de nada. Quando subi ao relvado, as duas equipas alinharam-se para assinalar os meus 25 anos como treinador do clube, o que foi de facto bonito. Os jogadores do Sunderland Brown, Bardsley e Richardson, todos antigos homens do United, exibiam sorrisos largos e apreciativos. Senti-me orgulhoso por isso. Disseram-me que fosse até ao centro do terreno, ao encontro de David Gill, que tinha um objeto junto aos pés. Pensei que iria fazer um discurso, mas, quando cheguei perto dele, mandou-me olhar para a bancada sul. Aparentemente, só ele e quem tinha trabalhado na obra sabiam o que ia acontecer. Tudo se desenrolara no mais absoluto segredo. David fez mesmo o seu discurso e voltei-me para ver o que estava escrito. Há momentos comoventes na nossa vida, durante os quais pensamos: «Eu não mereço isto.» Foi um deles. David tinha pensado na melhor forma de marcar aqueles 25 anos. Era disso que se tratava, e ele derrotou-me por completo quando questionou: «Pensámos em erguer-te uma estátua, mas não achas que é melhor esperar que acabes o trabalho?» A suas últimas palavras foram: «Queremos fazer algo, mas não temos a certeza do que vai ser.» Acabaria por ter uma resposta humilhante. Eu fora treinador do United em 1410 jogos. O momento não me fez pensar mais profundamente sobre a reforma, mas, depois desse último jogo da época de 2011-12, disse ao meus rapazes: «Já chega. Mais uma época e acabo.» Porque sofrera muito. Aqueles últimos minutos deram cabo de mim. Ser eliminado da Liga dos Campeões na fase de grupos foi culpa minha. Tomei as coisas como garantidas. Tínhamos ultrapassado outras dessas fases de forma confortável e, embora não o tenha afirmado publicamente, senti que seria fácil. Fiz descansar jogadores: dois ou três quando defrontámos o Benfica fora.


Conquistámos um empate e jogámos bastante bem. Depois, contra o Basileia, chegámos aos 2-0 em velocidade de cruzeiro e consentimos o 3-3. Tinham ganho o seu primeiro jogo, por isso ficaram logo com dois pontos de avanço sobre nós. Ganhámos os dois jogos seguintes, contra o Cluj, mas o Basileia e o Benfica continuavam na corrida. Contra este último, em casa, estivemos bem, mas não fomos além de um empate, o que queria dizer que, se perdêssemos em Basileia, ficaríamos de fora. Na Suíça o terreno estava demasiado mole e ficámos sem o Vidić na primeira parte devido a uma lesão grave. Eles tinham dois bons avançados, Frei e Streller, e ganharam por 2-1. Contra o Basileia, em casa, os nossos jogadores foram muito permissivos na defesa, não recuperando a bola devidamente. Na Taça da Liga fomos eliminados pelo Crystal Palace, que se preparou bem para defrontar os nossos jovens jogadores. A Taça da Liga é sempre encarada por nós como um bónus. Também fomos afastados da Taça de Inglaterra na quarta eliminatória, depois de termos vencido o Manchester City, na anterior. Por estarmos essencialmente focados no campeonato, não fomos longe na Liga Europa, sendo postos de lado pelo Atlético de Bilbao, que ganhou em nossa casa por 3-2. Queria ter conquistado essa competição, fazendo-nos representar condignamente, mas a verdade é que o nosso registo europeu foi pobre: uma vitória em quatro partidas.


É então que o desconforto se instala. Ficámos de fora na fase de grupos da Liga dos Campeões, perdemos em casa com o Manchester City por 1-6, fomos eliminados da Taça da Liga, em casa, pelo Crystal Palace. Ergue-se um desafio na nossa frente, mas éramos bons nisso. Tínhamos a energia e os recursos necessários para nos concentrarmos por inteiro na Liga. E, à parte o tal jogo com o Blackburn Rovers, revelámos estar numa forma tremenda. Entre janeiro e o início de março, batemos Arsenal e o Tottenham fora, derrotámos o Liverpool e empatámos com o Chelsea. Em fevereiro, o caso Suárez-Evra eclodiu de novo quando o uruguaio se recusou a apertar a mão de Patrice num encontro em Old Trafford. Juntei os jogadores na terça-feira antes do jogo e disse-lhes: «Acho que têm de ser grandes.» Não pareciam inclinados a encarar os acontecimentos com bonomia. Insisti na minha ideia: «Têm de ser maiores do que eles.» Aos poucos, foram mudando de ideias e aceitaram a troca de cumprimentos. Ferdinand, o mais experiente entre eles, ainda tinha fresco na memória o incidente entre John Terry e Anton Ferdinand. Na sexta-feira, já estavam de acordo. Da parte de Evra, haveria um aperto de mão. Já revi as imagens várias vezes. Suárez parece estugar o passo quando se cruza com Patrice. Talvez estivesse convencido de que ninguém iria reparar. Quando Suárez passou por ele, Evra mostrou-se contrariado e disse-lhe algo. Decorreu tudo muito rapidamente, mas houve repercussões. Quando Kenny Dalglish surgiu na televisão para as declarações que antecederam o jogo, deu a entender que Suárez tinha concordado em apertar a mão a Evra. Um clube com a grandeza do Liverpool devia ter feito alguma coisa em relação ao assunto, mas Suárez jogou como se nada fosse. Chamei-lhe «uma desgraça para o Liverpool» e concluí dizendo que faziam melhor em «ver-se livres dele». Também dei uma reprimenda a Patrice por ter comemorado a vitória junto de Suárez quando saíam do campo.


Tudo começou em Anfield, com Evra sentado a um canto com um ar agastado. «Que se passa?», perguntei. «Ele chamou-me preto», respondeu Patrice. Disse-lhe que, em primeiro lugar, teria de participar ao árbitro. Fui com ele à cabina dos juízes e acusei: «Escute, Patrice Evra diz que foi vítima de insultos racistas.» Phil Dowd, o quarto árbitro, começou a tomar nota de tudo. O árbitro principal, Andre Marriner, confessou que ficara com a ideia de que algo se passara, mas sem certeza do quê. Patrice disse que aconteceu várias vezes. Então chamaram o Kenny Dalglish. Mais tarde, enquanto tomávamos uma bebida, John Henry também apareceu. Foi-me apresentado, mas não falou grande coisa. O filho de Steve Clarke enchia os copos. Um ou dois da velha escola também se juntaram a nós. Contudo, não se tocou mais no assunto, que, depois, explodiu nos jornais. Em seguida, o Liverpool fez aquelas T-shirts de apoio a Suárez, algo que considerei absolutamente ridículo para um clube com aquele estatuto. Acho que lidámos bem com a questão, até porque sabíamos que a razão estava do nosso lado. A Federação Inglesa pediu-nos por diversas vezes que não falássemos sobre o tema, mas do lado do Liverpool não havia vontade de largá-lo. David Gill nunca teria autorizado um dos nossos técnicos a comportar-se daquela forma. Nem o Bobby Charlton. São homens experientes, conhecedores da vida. Parecia que ninguém no Liverpool era capaz de controlar o Kenny Dalglish. Suárez foi prestar declarações e confessou que apelidara Evra de «negrito». Foi-lhe respondido que sim, poderia tratar os amigos por «negrito», mas não um estrangeiro. Tornou-se um caso de racismo. Deixei Evra fora do jogo contra o Ajax para a Liga Europa, cinco dias depois do episódio de Old Trafford, porque estava a ser um momento complicado para ele e achei que devia dar-lhe descanso. Ele é um rapaz


forte. Procurei-o com regularidade, para me aperceber da sua condição psicológica, e ele respondia: «Estou ótimo! Não tenho nada de que me envergonhar. Fiz o que estava certo. O que ele me disse foi desprezível.» Também me confessou que o fizera de um ponto de vista puramente pessoal, por uma questão de princípio, e que não estava disposto a abrir uma batalha política em nome de todos os jogadores negros. Penso que o Kenny estava a levar as coisas demasiado a peito. O problema, na minha forma de ver, é que já não havia um Peter Robinson em Anfield. Peter Robinson nunca deixaria que o caso Suárez se arrastasse daquela forma. Os jovens dirigentes idolatravam Dalglish e nenhum era capaz de lhe dizer: «Ei, comporte-se! Estamos a passar dos limites e isto é o Liverpool Football Club!» Da mesma forma que ninguém pode pôr em causa a forma digna e humana como Kenny tratou a tragédia de Hillsborough, que lhe valeu um nível de respeito que nenhuma posterior atitude menos pensada irá destruir. Depois de me terem desvendado o segredo da estátua, vivi novo grande momento com o FIFA Presidential Award de 2011.50 Na cerimónia, fiquei sentado ao lado do Pep Guardiola e mesmo à frente de Messi, Xavi e Iniesta. Os três mosqueteiros. Senti-me um privilegiado com tal companhia. Quando me sentei, os três vieram ter comigo para me cumprimentar. Xavi perguntou: «Como vai o Scholes?» No seu discurso de vitória, Messi dedicou a sua Bola de Ouro a Xavi e Iniesta. «Foram eles que me fizeram», afirmou. Messi é um rapaz humilde. Foi uma noite muito agradável. O presidente da FIFA, Sepp Blatter, teve palavras de amabilidade e fui presenteado com mensagens por vídeo de Gordon Brown, Tony Blair, José Mourinho, Eric Cantona, Ronaldo e David Beckham. O prémio pretendia ser um reconhecimento pelos meus 25 anos de trabalho no Manchester United. Confessei sentir-me honrado no «poente da minha vida». Se pudessem ver-me no final dessa época, dar-me-iam razão.


Nunca utilizei jogos mentais com o City porque me convenci de que tínhamos o controlo da situação. No entanto, Patrick Vieira foi de opinião de que o facto de termos ido buscar Scholes de volta da sua reforma, em janeiro de 2012, era um sinal de fraqueza. Durante essa campanha, tivemos momentos brilhantes até à derrota no campo do Wigan, onde não jogámos de facto bem. O jogo que nos matou foi em casa, frente ao Everton, no dia 22 de abril. A sete minutos do fim estávamos a ganhar por 4-2, Patrice Evra atirou ao poste, o Everton contra-atacou e reduziu. Em vez de 5-2, ficámos com 4-3. Quando o resultado se fixou num empate por 4-4, senti que tínhamos perdido a Liga. O City foi vencer confortavelmente os Wolves, reduzindo a nossa vantagem no comando para três pontos, e com o dérbi de Manchester, que se aproximava, a ser disputado no campo deles. Sabia que o jogo do City se aplicava nos limites da dureza, e pensei que iriam tentar congelar os acontecimentos, baixar o ritmo, fazer faltas no nosso meiocampo e dar a bola para o Nasri e o Silva irem à procura do drible. Por essa altura, já o City era mestre nesse tipo de estratégias. No Estádio El Etihad, pretendíamos que os dois extremos apoiassem continuamente Rooney, que jogava sozinho na frente, e colocámos Ji-Sung Park nos terrenos de Yaya Touré, de forma a não lhe permitir muito espaço. Não havia ninguém melhor para o fazer do que Park. Fisicamente não estava ao mesmo nível que Touré, que surgia numa forma espantosa, mas eu precisava de tentar conter as suas cavalgadas devastadoras. Cometi um erro. Nani foi um desastre nessa noite. Ainda apostei no Valencia, que jogou muito melhor, mas o City fez 1-0 e acabou com o jogo. Smalling foi apanhado desprevenido por aquele canto de Silva que permitiu a cabeçada de Vincent Kompany mesmo sobre o intervalo. Foi um golpe doloroso. Durante os primeiros 20 minutos, estivemos bem. Conservámos a bola e dispusemos de uma ou outra oportunidade. Tentámos manter as linhas próximas. Zabaleta continuava a surgir entre elas e a ganhar pontapés de canto. Da parte de Clichy não vinha nada de jeito. Era tudo por conta de Zabaleta. E foi um canto que nos tramou.


Se aguentássemos o 0-0 até ao intervalo, teríamos ganho o jogo. Para a segunda parte, utilizaríamos outro plano que passava pela entrada de Welbeck para o lugar de Park. Mas Nigel de Jong atingiu-o em cheio por trás, e lá perdemos Danny para o resto da época, só regressando para jogar pela seleção inglesa. Essa entrada de De Jong sobre o tornozelo de Welbeck só mereceu um cartão amarelo. Roberto Mancini passou todo o jogo a atormentar o quarto árbitro: tratava-se de Mike Jones, na minha opinião um dos juízes de menor personalidade. Quando De Jong aterrou positivamente sobre a perna de Welbeck, Mancini correu para proteger o seu jogador. Disse-lhe para onde devia ir. Foi essa a nossa pequena quezília. Roberto tentava controlar o quarto árbitro e eu fartei-me. Ele queria que o árbitro, viesse confrontá-lo para poder virar a multidão contra ele. Andre Marriner deixou que Mike Jones tratasse do assunto sozinho. Yaya Touré fez a diferença nessa partida, não há dúvidas sobre isso. Foi o melhor jogador na vitória por 1-0 sobre nós. Brilhante! Não restou qualquer animosidade. Tomei um copo com Roberto no fim. Com exceção do Frank Sinatra, toda a gente estava no gabinete. Era uma enchente. Disse ao Mancini: «Isto é ridículo! Como podemos conversar com toda esta gente a fazer barulho?» A única coisa de surpreendente em Mancini durante o seu tempo como treinador do City foi a sua posição em relação a Carlos Tévez. Teve a possibilidade de impor a sua autoridade ao jogador e, na minha opinião, devia tê-lo posto a andar. Em vez disso, depois do confronto entre ambos num jogo da Liga dos Campeões, na Alemanha, Tévez foi três meses para a Argentina jogar golfe, e regressou dizendo que queria lutar pela conquista do título. Recebê-lo de volta revelou desespero. Ou talvez tenha sido uma intervenção do xeque Mansour a pôr fim ao caso. Lembro-me de Mancini dizer: «Comigo não joga mais!» Imaginem que Edin Džeko ou Balotelli estavam descontentes e desapareciam durante três meses: teriam sido


tratados da mesma forma do que Tévez? Mancini espetou um ferro nas próprias costas. Em termos de prestígio como treinador, prejudicou-se. Informaram-me de que havia jogadores e membros do staff que não gostavam dele, mas ele também não estava ali para isso. Os resultados vieram sustentar os seus métodos. Escolheu bem a equipa, equilibrada e com boa média de idades. Acho que queria evitar ter jogadores acima dos 30 anos e abaixo dos 24. Situavam-se, na sua maioria, entre os 24 e os 28. Muitos deles estavam no máximo das suas capacidades, o que lhe garantia dois ou três anos com a mesma equipa. Taticamente, eram percetíveis as suas raízes italianas. Mal o City se adiantava no marcador, jogava com cinco homens atrás. Tinha essa mentalidade defensiva: nada de desperdícios. Pode custar pontos. A diferença entre golos marcados e sofridos também foi um fator a ter em conta. Nos dois jogos que nos faltavam, frente ao Swansea e ao Sunderland, procurámos reduzir a distância que nos separava deles nesse aspeto. Contra o Swansea, tanto Smalling como Giggs desperdiçaram boas oportunidades. Podíamos ter ido para o intervalo com cinco golos à maior. Na segunda parte, Rooney e Cleverley falharam de baliza aberta. Se tivéssemos ganho por 5-0, poderíamos ter melhorado muito a nossa performance. Contra o Sunderland, o guarda-redes deles revelou-se do outro mundo! Simon Mignolet. As suas defesas foram inacreditáveis. Atirámos ao poste por duas vezes, Rooney rematou à barra; um resultado de 8-0 seria mais do que natural. Que bela forma de conquistar o título teria sido essa: por diferença de golos... Só que o 34.º de Rooney nessa época, na sequência de um cruzamento de Valencia, foi o nosso único no jogo. Os nossos adeptos foram maravilhosos. Eu mantinha os olhos postos no jovem repórter da Sky e ele ia dizendo que o City continuava a perder por 1-2. Quanto faltava? Cinco minutos de descontos, mas eu pressentia. O City marcou por duas vezes em 125 segundos, por Džeko e Agüero. O golo de Džeko foi aos 91 minutos e 15


segundos. Depois, Agüero rompeu pela defesa do QPR, em tabelinhas com Balotelli, e aplicou o pontapé que lhes deu o título pela primeira vez em 44 anos. O relógio marcava 93 minutos e 20 segundos. Fomos campeões durante 30 segundos. Quando o árbitro apitou para o final do nosso jogo, éramos campeões. Para ser justo com os nossos jogadores, eles tinham a consciência de que haviam falhado. Não existiam desculpas. Disse-lhes: «Vão sair por aquela porta de cabeça erguida. Não há motivo para vergonha. Não mostrem fraqueza.» Eles entenderam a mensagem. Todas as suas declarações foram positivas. Fiz o que devia fazer: dar os parabéns ao City. Não tive qualquer problema com isso. Não vale a pena torturar-nos com o que podia ter acontecido no jogo entre o City e o QPR. Na minha carreira no Manchester United, recuperámos muitas vezes e voltaríamos a fazê-lo. O que me preocupava nesse verão era a questão: irá o City melhorar? Estavam confiantes graças à vitória no campeonato; não havia miúdos na equipa e eram um conjunto experiente, com uma média de etária de 20 e tal anos. O dinheiro não era problema, mas o tamanho do plantel e o valor dos salários podia sê-lo sob a perspetiva dos regulamentos do fair play financeiro. Sobre nós, perguntava: vamos conseguir concluir a próxima campanha sem tantas lesões? Faltava-nos um Paul Scholes mais jovem. Precisávamos de um organizador de jogo com esse tipo de influência na equipa. Falou-se em Modrić, mas estávamos relutantes em voltar a fazer negócios com os Spurs depois do caso Berbatov. Rafael estava a transformar-se num elemento realmente bom, mas continuava a errar. Alguns jogadores não conseguem parar de o fazer, estálhes no sangue, mas outros aprendem com esses erros. Rafael foi expulso frente ao Bayern de Munique, mas a partir daí a sua folha disciplinar melhorou muito. É competitivo, rápido e agressivo, e acredita nele próprio.


Tem uma atitude positiva. Uma das pechas que precisávamos de colmatar era a de defesa-esquerdo, posição na qual Patrice Evra fazia uma média de 48 ou 50 jogos por época. Era necessário tapar esse buraco. Numa conferência de imprensa, alertei os nossos adeptos: «É melhor habituarem-se a isto, porque vamos ver mais deste novo Manchester City. Vamos jogar muitas vezes contra eles e continuará a ser assim.» Gostava de ter calhado no grupo deles da Liga dos Campeões porque isso iria fazernos sentir vivos outra vez. Para a época de 2012-13, resolvi não facilitar de forma alguma e levar bem a sério a nossa fase de grupos da prova. Antes da ponta final da Premier League, fui com Mick Phelan à Alemanha ver a final da Taça e observar Shinji Kagawa, Robert Lewandowski e Mats Hummels, e disse-lhe: «Mike, a única maneira de o City tem de nos vencer amanhã é marcando tarde no jogo. Contra o QPR vão passar por dificuldades. Não ficarei surpreendido se o QPR obtiver um resultado positivo, mas, se o City marcar à beira do final, dizemos adeus ao título.» Terminámos o campeonato com 89 pontos: nunca nenhum segundo classificado somou tantos. A sensação generalizada era a de que nos tinha faltado um pouco de estabilidade nas posições defensivas, sobretudo após a lesão de Vidić, mas a partir do momento em que Evans e Ferdinand se entenderam no centro da defesa, subimos na classificação. A nossa diferença de golos foi boa e 89 pontos é um bom pecúlio. Contudo, as eliminações precoces da Taça da Liga, da Taça de Inglaterra e da Liga dos Campeões fizeram com que aceitemos que foi uma má época. Estava triste, mas não desmoralizado. Sentia que tinha um núcleo de jogadores com garantias de evolução. Rafael, Jones, Smalling, De Gea, Cleverley, Welbeck, Hernández. Um grupo que seria forte por muito tempo. O desafio era o de substituir Scholes. Não sei onde encontrar jogadores como ele. Um Anderson em forma poderia ajudar a resolver o problema. Planeávamos contratar Kagawa e o jovem Nick Powell, do Crewe.


Possuíamos cinco centrais de raiz. E Valencia e Nani. Young fornecia-nos boas opções para as alas. Sabíamos donde vinha o perigo: dos vizinhos barulhentos. Concluí que seria bom para nós que fossem longe na Europa, que se distraíssem. Na terça-feira seguinte, fomos a Belfast disputar o jogo de homenagem a Harry Gregg. Não foi fácil animar os jogadores, mas acabou por ser uma deslocação inspiradora, porque Harry tinha sido um dos bons e todo o apoio foi magnífico. Ajudou-nos a digerir o desapontamento. A ponta final dessa fase dolorosa ficou marcada por um susto. Viajei para Berlim, para ver o Dortmund-Bayern na final da Taça da Alemanha, regressei a Manchester, daí para Belfast, para a homenagem a Harry Gregg, de novo até casa e, depois, Glasgow, para discursar num evento organizado pelo Rangers, com um bilhete reservado para Nova Iorque no sábado a seguir. Em Glasgow, ao fazer a barba, cortei-me. Uma gota de sangue e outra a seguir. Não consegui estancar a hemorragia e acabei no hospital, onde me cauterizaram a ferida. O médico foi de opinião de que eu poderia viajar, mas, como não deixei de sangrar nos dias que se seguiram, cancelámos o voo para Nova Iorque. Fui observado na sexta-feira, no sábado e no domingo. Tinha dores, mas tudo acabou por se resolver. No meu tempo de jogador, era atreito a sangrar pelo nariz, sobretudo por causa de cotoveladas, mas desta vez foi especialmente mau. O diagnóstico apontou como causa excesso de horas em aviões, demasiada pressurização. Foi um pequeno aviso. Se exageramos, sujeitamo-nos a sarilhos. 50 Prémio atribuído pelo presidente da FIFA, anualmente, desde 2001. Distingue uma figura ou uma instituição que se tenha destacado ao serviço do futebol. (N. do T.)


23 FAMÍLIA Ela estava sempre à minha espera. Mesmo quando eu entrava às duas ou três da manhã, Cathy surgia para me receber. «Porque não vais para a cama?», dizia-lhe pelo telefone, a caminho de casa. «Não», respondia, «aguento até tu chegares.» E assim foi durante 47 anos. Pude dedicar-me ao futebol sabendo que a minha família estava bem entregue. Cathy é uma pessoa notável. David Gill foi um génio ao convencê-la a descerrar uma estátua minha em Old Trafford. Nunca conseguiria trazê-la para a ribalta dessa forma. A verdade sobre Cathy é que ela nunca mudou. É mãe, avó e dona de casa. É a sua vida. Não alimenta amizades. Não quer dizer que as desencoraje, mas prefere a companhia da família e de alguns, poucos, amigos íntimos. Quase nunca foi ao futebol. Quando casámos, íamos a bailes de fim-de-semana com amigos de Glasgow. Sempre se sentiu confortável na companhia de pessoas de lá. Mas depois da nossa mudança para Manchester não foi, de forma alguma, um ser social. Nunca mostrou vontade de entrar no circuito e fui à maior parte dos eventos e jantares sozinho. Uma casa com portões é útil para quando os políticos conservadores nos batem à porta. Cathy ouvia-os anunciarem-se pelo intercomunicador e replicava: «Desculpe, a senhora Ferguson saiu, sou a empregada.» Era sempre fiel às suas tropas. Quando deixei de jogar, aos 32 anos, e geria pubs em Glasgow e treinava o St. Mirren, o meu dia começava em Love Street, onde ficava até às onze, para seguir depois para os bares até às duas e meia da manhã. Por vezes ia para casa, outras seguia direto a Love Street, para os treinos. Depois, de novo pub e casa.


Nesse tempo, as crianças raramente me punham a vista em cima. Cathy educou-as. Quando atingiram a maioridade, já se sentiam mais próximas de mim, mas mantiveram aquele enorme amor e respeito pela mãe. Ir para Aberdeen foi uma bênção porque deixei de ter os pubs e passou a haver mais vida de família para nós os cinco. Estava sempre presente, exceto nos dias dos jogos. Darren era jogador e Mark ia ao futebol com os amigos. Cathy ficava com Jason, que naquela idade não se interessava muito por isso. Contudo, por volta dos 13 ou 14 anos, começou a jogar e chegou a representar a seleção de estudantes escoceses contra Gales. Não era mau. Iniciou-se tarde e era muito agarrado aos livros. Um rapaz esperto. Quando nos mudámos para Old Trafford, ficou em Aberdeen para terminar os estudos. Depois, juntou-se a nós em Manchester e até jogou pela equipa B algumas vezes. Darren tinha um jeito natural, com um excelente pé esquerdo. Mark foi um bom jogador e fez parte das reservas do Aberdeen. Foi para a escola politécnica de Sheffield e tirou um curso de economia agrária. Tornou-se um sucesso na City. Todos os meus filhos foram longe. São pessoas bem formadas, tal como a Cathy, que é inteligente e determinada. As pessoas costumavam dizer que eu era igual ao meu pai, mas aqueles que me conheceram melhor comparavam-me à minha mãe, uma mulher muito obstinada. O meu pai também o era, mas muito mais sossegado. Ela, como todas as boas mães, chefiava, governava a família. Em nossa casa, também era Cathy quem tomava as decisões, e vivíamos bem com isso. Quando o Darren tinha 14 anos, Brian Clough ligou-me e disse que queria levá-lo para o Nottingham Forest. Brian era muito cheio de contradições. Nunca me atendia o telefone. Era sempre Roy Fenton, o seu adjunto, quem o fazia. Quando estava em Aberdeen fui ver um ForestCeltic para a Taça UEFA, disputado num relvado duro como pedra. Davame razoavelmente bem com Roy Fenton. Quando entrei no camarote da


direção, Roy disse-me: «Alex, conheces o patrão?» Não conhecia, e tinha muita vontade de lhe ser apresentado. Roy fez as apresentações, e Brian perguntou-me: «Que achou do jogo?» Na minha opinião, o Celtic merecera a vitória. Mas depois referi-lhe que estava convencido de que o Forest ganharia em Celtic Park. «Bem, jovem, já ouvi o suficiente», disse Brian. E foi-se embora. Archie Knox desatou às gargalhadas. Entretanto, Darren ficou connosco no United. O problema seria mantê-lo na primeira equipa. Cathy nunca me perdoou tê-lo deixado sair. Foi titular nos 15 jogos iniciais da época em que fomos campeões pela primeira vez, mas, num encontro da seleção escocesa de sub-21, sofreu uma rotura de ligamentos que o obrigou a ficar de fora durante três meses. Assim se manteve até fevereiro, e nessa altura já Bryan Robson voltara em forma. Neil Webb, Mick Phelan e Paul Ince também davam nas vistas. Então, Roy Keane ficou disponível por 3,75 milhões de libras, o que matou Darren como jogador da primeira equipa. Veio ter comigo e disse que assim, para ele, não valia a pena. Era de opinião de que deveria sair. Também foi sensível perante os meus problemas. Assim, vendemo-lo ao Wolverhampton, uma equipa em reconstrução, com muitas expectativas e grande base de apoio em termos de adeptos. Fui ver Darren jogar muitas vezes pelos Wolves. Era de longe o melhor jogador da equipa, mas mudaram demasiado de treinadores após o despedimento de Graham Turner. Graham Taylor, Mark McGhee, Colin Lee. Quando McGhee tomou conta da equipa, Darren foi deixando de aparecer. Em seguida, transferiu-se para o Sparta de Roterdão e voltou a fazer um bom trabalho. Trocaram de técnico durante o seu período de férias e o novo treinador não quis ficar com ele. Regressou à Grã-Bretanha, para o Wrexham, e conservou-se por lá. Quando a sua carreira começou a declinar,


Barry Fry, do Peterborough perguntou-me por ele. Tornou-se lá treinador e levou-os à Championship onde superaram as expectativas. Com o aumento da tensão entre ele e o presidente do clube, demitiu-se e assinou pelo Preston, o que foi um desastre, antes de uma nova tentativa no Peterborough lhe devolver a visibilidade. A filosofia de Darren baseia-se num estilo de jogo em profundidade, com os jogadores a receberem a bola e a endossarem-na de imediato, desmarcando-se em seguida. Ora isso não é fácil de implantar em equipas do fundo da tabela, porque vivem no desespero. Para mim foi pungente ver depararem-se-lhe as mesmas dificuldades que vivi no início da carreira, problemas com orçamentos, presidentes e jogadores. Fui-lhe recordando a nossa velha máxima de família: «A doçura depois da amargura.» O meu conselho para todos os jovens técnicos é o de se prepararem a fundo. Comecem cedo. Não esperem pelos 40 anos para ganhar os galões de treinador. Oponho-me totalmente aos técnicos-relâmpago. É uma vergonha! Em Itália ou na Holanda, são precisos quatro ou cinco anos para conseguirmos o diploma. E o motivo por que nos fazem atravessar esse intenso e prolongado escrutínio é exatamente para nos protegerem das dificuldades da vida de um treinador. Darren teve de pagar 8000 libras para poder tirar o seu curso na Warwick Business School. Ao apressar a progressão de alguns grandes nomes do futebol como treinadores, a Federação Inglesa ridicularizou os sacrifícios de todos aqueles que lutaram para lá chegar da forma correta. Não me culpabilizo demasiado por ter estado ausente, mergulhado em trabalho, durante a infância dos meus filhos. E não o faço porque, apesar disso, sempre fomos muito próximos e os rapazes são muitos unidos. Estão sempre em contacto connosco, mesmo que não esteja com Mark muito frequentemente, pois ele tem um trabalho que lhe exige completa atenção. Vive num mundo de minúsculas frações, no qual por uma questão de segundos se perde ou ganha um negócio, pois é assim que se movimentam


os mercados. Os meus filhos são obra de Cathy, que esteve presente em todos os momentos, tal como o fez comigo, fosse qual fosse a hora em que eu metia a chave à porta.

24 ROONEY Estávamos em agosto de 2004 e tínhamos acabado de defrontar o Everton. Bill Kenwright chorava. Sentara-se no meu gabinete e chorava. David Moyes, David Gill e eu éramos testemunhas. Enquanto observávamos o desgosto do presidente do Everton, ele anunciou que precisava de fazer um telefonema. Através das lágrimas, disse: «Tenho de ligar à minha mãe.» «Estão a roubar-nos o nosso menino, roubam-nos o nosso menino», lamentou-se ao telefone. Depois passou-me o aparelho. «Não se atrevam a levar esse rapaz de graça! Ele vale 50 milhões de libras», avisou uma voz feminina. Que maravilha! «Isto é um truque?», perguntei, rindo. «É um jogo?» Mas era a realidade pura. Bastava falar com o Bill sobre o Everton e saltava-lhe a tampa. É um homem agradável e indesculpavelmente emocional. David Moyes deitou-me um olhar. Por momentos, fiquei convencido de que se tratava de uma armadilha, de uma representação. Afinal, o passado de Bill estava ligado ao teatro. Ocorreu-me, durante todo este espetáculo, que era preciso estudar o perfil clínico de Wayne. Haveria algo de errado em termos físicos que nos tivesse escapado? Seria isto um estratagema para subir o preço? Meu Deus, como era engraçado! Teria o rapaz só uma perna? Estaria eu a ser envolvido num gigantesco embuste?


As negociações para adquirir o mais prometedor dos jovens talentos ingleses foram demoradas, para colocar as coisas nestes termos. Bill sabia bem o valor do miúdo. David Moyes era o adversário mais acirrado – como eu teria sido, se estivesse no seu lugar. David era realista. Sabia que o Everton estava à beira de receber uma bela maquia e que o clube não nadava propriamente em dinheiro. O valor oficial situava-se nos 25 milhões de libras, já com alcavalas. O Everton precisava dessa verba. Quando as lágrimas secaram e a conversa chegou ao fim, Wayne assinou contrato sete horas antes do fecho oficial do mercado, em 31 de agosto de 2004. Na altura em que se juntou a nós, não jogava há 40 dias e só se treinara um par de vezes. Pensámos que o jogo da Liga dos Campeões, em casa, frente ao Fenerbahçe poderia ser uma boa apresentação, 28 dias depois de se ter tornado jogador do Manchester United. E a ideia teve uma repercussão espetacular: um hat-trick de Rooney numa vitória por 6-2. Depois dessa dramática entrada em cena, os seus níveis físicos baixaram e foi preciso trabalhá-lo para os elevar até à mesma linha dos outros jogadores. Compreensivelmente, a exibição frente ao Fenerbahçe não se repetiu durante várias semanas. Nada disto fez abanar o meu entusiasmo por ele. Wayne possuía um talento natural maravilhoso e tinha o direito de fazer a sua transição de rapaz para homem. Era sério, comprometido, com fome de bola. Nesta fase do seu desenvolvimento, Wayne necessitava de treinar a toda a hora e faziao de boa vontade. Nunca foi de tirar folgas. Precisava de trabalhar intensamente para atingir o melhor do seu jogo. Quando ficava de fora por lesão durante algumas semanas, a sua forma ressentia-se drasticamente. Tem um corpo forte e sólido e pés chatos, o que poderia justificar as lesões nos metatarsos que sofreu durante determinado período. Soube de imediato que seria o jogador que a minha intuição garantia. Corajoso, dois pés de boa qualidade – embora usasse o esquerdo menos vezes do que devia. Já fomos buscar jogadores aos 24 anos pensando que


atingiriam o pico aos 26, mas os progressos que Wayne fez connosco desde muito antes dessa idade convenceu-me de que estaria no topo por essa altura da sua vida. Com o tipo de físico que tem, não é fácil imaginá-lo a jogar até meados dos trintas, como aconteceu com Scholes ou com Giggs, mas criei expectativas, quando renovou com o United, em outubro de 2010, de que poderia terminar como centrocampista. Tudo o que observámos de Rooney como rapazinho das escolas do Everton se resume a uma frase – era um homem a jogar com miúdos. Na nossa academia, os relatórios sobre ele cintilavam de elogios, e tentámos adquiri-lo quando tinha 14 anos, na fase em que, na última semana de maio, há uma regra que permite a contratação de um jovem da formação de outro clube. Mas o Wayne quis ficar no Everton. Voltámos à carga quando ele tinha 16 anos, e assinou o seu primeiro contrato profissional, mas recusou outra vez. O Everton estava-lhe no sangue. Geoff Watson e Jim Ryan foram os nossos técnicos que monitorizaram os progressos de Rooney e ficaram absolutamente impressionados com o que o viram fazer nos jogos. Com 16 anos, participou na final da FA Youth Cup contra o Aston Villa. Quando Walter Smith veio trabalhar como meu assistente, disse-me: «Vai buscar esse Rooney!» Foi implacável. Descreveu-me como sendo do melhor que vira alguma vez, o que confirmava tudo o que me tinham dito sobre ele. E eis que Rooney se estreia contra o Arsenal, aos 16 anos, com um golo soberbo. Ainda no Everton, tornou-se o mais novo de sempre a completar um jogo pela seleção inglesa, defrontando a Austrália, e foi chamado por SvenGöran Eriksson para a partida decisiva contra a Turquia, no apuramento para o Campeonato da Europa. Marcou o seu primeiro golo internacional com 17 anos e 317 dias. Por isso, já fazia parte dos melhores quando assinou connosco.


A primeira vez que me encontrei com ele, desmentiu a ideia que tinha criado sobre a sua personalidade. Era um miúdo tímido. Mas acho que havia em redor dele uma aura que justificava o preço que pagámos e o interesse que despertava. Não tardou a deixar a timidez de lado. No campo de treinos, transformava a vida de toda a gente num inferno. De toda a gente! Dos que assumiam o papel de árbitros e dos outros jogadores. Pobres árbitros – Tony Strudwick, ou Mick, ou René –, que desabafavam comigo: «Você é o único capaz de o controlar. Devia dirigir estes jogos.» E eu desabafava por minha vez: «Nem pensar nisso! De maneira nenhuma!» Lembro-me de o Jim apitar a medo para assinalar uma falta num dia em que Roy Keane estava com especial mau feitio, batendo em toda a gente: nos companheiros, nos adversários, em todas as criaturas vivas que lhe passassem por perto. Jim virou-se para mim e disse: «Espero que a equipa do Roy ganhe.» Tentei não me rir: «Isso é ridículo.» «Pois, mas, se não ganhar, vai ser uma confusão no balneário», lamentouse. Houve tempos em que pensámos em chamar árbitros a sério para dirigirem os jogos de treino. Admito que, por vezes, fui muito exuberante com Wayne, e que ele se irritava quando lhe chamava a atenção. Os seus olhos pegavam fogo, como se quisesse esmurrar-me. No dia seguinte, pedia desculpa. Quando a raiva lhe passava, dava-me razão – porque eu tinha-a sempre e fazia questão de o provocar. E ele perguntava: «Para a semana jogo, chefe?» «Não sei», respondia-lhe. Na minha opinião, não era o mais diligente dos aprendizes, mas tinha um instinto natural para o futebol e algo de intuitivo na forma como o jogava.


Um raro talento admirável. E ainda uma coragem e energia que são bênçãos para qualquer atleta. A capacidade para correr durante um dia inteiro não pode ser negligenciável. No campo de treinos, não absorvia as novas ideias ou os novos métodos com rapidez. Estava inclinado a repetirse, a confiar no que já sabia. Sentia-se confortável consigo próprio. Durante a primeira fase, convenci-me de que precisava de ser autoritário com ele. No decorrer dos jogos tinha entradas destemperadas e isso causava-nos distúrbios em campo. Fora dos relvados, no entanto, não me dava preocupações. Como eu próprio fui avançado-centro, tive a tendência de exigir mais dos que ocupavam a minha posição do que dos outros membros da equipa. Nunca eram tão bons como eu fora, claro está! Desculpem, mas nenhum foi como eu nos meus tempos de praticante. Aos treinadores é permitido interiorizarem certos conceitos e tentam impôlos aos pupilos. De mesma forma, os jogadores têm tendência para pensar que são melhores técnicos do que aquele que os comanda – mas apenas até o tentarem. Se via avançados a não fazerem aquilo que eu pensava que tinha feito, passava-me. Eles eram a minha esperança. Olhava-os e pensava: tu és eu. Revemo-nos nas pessoas. Podia rever-me em Roy Keane, em Bryan Robson, ver coisas minhas em Paul Scholes, em Nicky Butt e nos dois Neville, Gary e Phil. As equipas refletem o caráter do seu treinador. Nunca desistir: é uma grande religião, uma grande filosofia. Nunca o fiz: mantive a certeza de que seria capaz de tirar algo de qualquer situação em que caísse. No Manchester United, havia sempre algo de novo. Sempre um drama qualquer. Para mim, não passava de rotina. Quando, no fim do verão de 2010, a vida pessoal de Wayne Rooney foi exposta no News of the World e uma sensação de crise caiu sobre o seu universo não se reuniu nenhum conselho de guerra no meu gabinete, não houve qualquer invasão do meu escritório.


Não lhe telefonei na manhã em que a história rebentou. Sei que ele queria que eu o fizesse, mas era aí que eu mostrava o meu controlo das situações. Ele queria um telefonema, um braço em redor dos ombros. Para mim, essa não era a forma de lidar com o caso. Quando este tipo de matérias foi publicado pela primeira vez, ele contava 17 anos, o que teve custos por causa da sua juventude, mas agora já haviam passado sete anos. Deram cabo da cabeça de Coleen, a sua mulher. Sempre a vi como uma força estabilizadora. É evidente que me senti sob pressão por causa dele durante o Campeonato do Mundo, na África do Sul. Sabia que algo o incomodava. Era visível. Apesar de ter sido considerado o melhor jogador da Liga Inglesa nessa época e de ter ganho o prémio de melhor jogador atribuído pela Football Writers Association, não surgiu bem na África do Sul. «É bom ouvir os nossos próprios adeptos vaiarem-nos», disse para as câmaras de televisão depois do empate a zero da Inglaterra frente à Argélia, na Cidade do Cabo. A Inglaterra foi eliminada nos oitavos-de-final e Rooney não marcou um único golo em quatro jogos. Precisava de atrair a sua atenção. E, no entanto, a melhor forma de o fazer era não lhe dizer nada – não lhe oferecer consolo – e obrigá-lo a refletir. Quando, em setembro, o deixei de fora do jogo com o Everton, para o proteger da ira da multidão, ele ficou aliviado porque sentiu que eu estava a fazer o melhor por ele. A nossa função é causar em cada individualidade um impacto que provoque melhorias nas suas performances. Todos podemos ser moralistas em relação a esta matéria, mas a verdade é que não há quem não cometa indiscrições. Nunca pretendi ser moralista com Rooney. No dia 14 de agosto de 2010, avisou-nos de que não iria renovar a sua ligação com o United. Evidentemente, foi um choque, porque estávamos à espera de nos sentarmos para falar do novo contrato depois do Campeonato do Mundo.


À medida que o drama se desenrolava, David Gill ligou-me a dizer que Paul Stretford, o empresário de Wayne, fora ter com ele para dizer que Rooney queria ir-se embora. A expressão que usou foi a de que achava que o clube não era suficientemente ambicioso. Tínhamos acabado de ser campeões e de ganhar a Taça da Liga e no ano anterior disputámos a final da Liga dos Campeões. David transmitiu-me que Wayne viria ver-me. Nessa reunião, que se realizou em outubro, mostrou-se muito desconfortável. Senti que lhe tinham transmitido o que haveria de dizer. Baseou a sua argumentação repetindo que não éramos suficientemente ambiciosos. Perguntei-lhe: «Nos últimos vinte anos, quantas vez não lutámos para sermos campeões? Em quantas finais europeias estivemos presentes nos últimos três ou quatro anos?» Disse-lhe que falar de falta de ambição não fazia sentido. Wayne respondeu que deveríamos ter ido buscar o Mesut Özil, que trocara o Werder Bremen pelo Real Madrid. Então, fiz-lhe perceber que ele não tinha nada a ver com os jogadores que íamos ou não buscar. O seu trabalho limitava-se a jogar e fazer o melhor possível. O meu era escolher equipas. E até ao momento, fizera-o bem. Tínhamos um jogo europeu no dia seguinte. Duas horas antes de defrontarmos o Bursaspor, no dia 20 de outubro, Wayne emitiu o seguinte comunicado: «Encontrei-me com David Gill na passada semana e não me foram dadas nenhumas das garantias que eu pedira sobre a composição do futuro plantel. Transmiti-lhe que não assinaria um novo contrato. Estava interessado em ouvir a opinião de Sir Alex sobre o assunto, e fiquei surpreendido com ela. É absolutamente verdade que eu e o meu agente tivemos reuniões com o clube para discutir um novo contrato. Durante essas reuniões, em agosto, procurei obter garantias sobre a capacidade de o clube continuar a contratar jogadores de topo mundial.


Sempre mostrei o maior respeito pelo MUFC. Como não poderia ser assim, tendo em conta a sua fantástica história e especialmente os últimos seis anos, durante os quais tive a felicidade de fazer parte dela? Para mim, trata-se de ganhar troféus – o que o clube sempre conseguiu sob a orientação de Sir Alex. Por isso, penso que as questões que coloquei se justificavam. A despeito das recentes dificuldades, sei que tenho para com Sir Alex uma enorme dívida. É um grande treinador e um mentor que me ajudou e apoiou desde o dia em que me foi buscar ao Everton, tinha eu 18 anos. Pelo sucesso do Manchester United, desejo que pudesse continuar para sempre porque é extraordinário e um génio.» Não fiquei certo sobre o que pretendia com esta declaração, mas pensei que estaria a tentar reconstruir algumas pontes entre mim e ele, e entre ele e os adeptos. Esperava que significasse que mudara de ideias e que se sentisse feliz por continuar connosco. A conferência que se seguiu a esse jogo, com toda a imprensa presente, deu-me a oportunidade de dizer o que queria, ou seja, que Wayne não tinha razão. Comentei: «Como já disse, ganhar três campeonatos consecutivos é fantástico e ficámos a um ponto de bater um recorde, ganhando quatro. Não aconteceu, não gostámos, e vamos fazer qualquer coisa para melhorar. Vamos surgir bem – estou convicto disso. Temos, no clube, uma boa estrutura, um staff de qualidade, o treinador certo, o diretor executivo certo, e que é um homem brilhante. Não há nada de errado com o Manchester United, nada de nada, por isso prosseguiremos o nosso caminho.» Para a televisão, acrescentei: «Tive uma reunião com o rapaz e ele reiterou o que o seu agente nos havia dito. Queria sair. E eu avisei-o: “Não te esqueças de uma coisa, respeita o clube! Não quero comportamentos parvos. Respeita o teu clube!”» O que vemos na imprensa é uma desilusão


porque fizemos tudo o que estava ao nosso alcance por Wayne Rooney, desde o primeiro minuto em que pôs o pé no United. Sempre funcionámos como um porto de abrigo para ele. De cada vez que teve um problema, aconselhámo-lo. Mas fazemos isso com todos, não apenas com Wayne Rooney. O Manchester United é assim. Este clube baseia a sua história e as suas tradições na lealdade e confiança entre treinadores e jogadores. Vem dos tempos de Sir Matt Busby. São esses os nossos pilares. Wayne beneficiou disso, tal como Ryan Giggs, Paul Scholes e todos os outros. É para isso que aqui estamos.» Numa teleconferência com os Glazer, as ambições do clube foram discutidas e Wayne passou a ser, calculo eu, um dos jogadores mais bem pagos do país. No dia seguinte, veio retratar-se. «É aos adeptos que tens de pedir desculpa», limitei-me a dizer. Houve diversas reações por parte dos jogadores. Uns afastaram-se; outros nem prestaram atenção ao assunto. Foi um episódio triste para o Wayne porque viu colar-se-lhe uma imagem do ganancioso que deixou de lado as suas reclamações no momento em que lhe aumentaram o ordenado. Foi a ideia que permaneceu na cabeça das pessoas, embora eu me recuse a aceitar que as intenções de Rooney se limitassem a isso. O assunto foi enterrado rapidamente, mas, para os adeptos, ficou sempre um resíduo de desconfiança. Desde que fosse marcando golos, tudo estava bem, mas, em tempos de seca, talvez houvesse sequelas do velho ressentimento. Os jogadores tendem a subestimar a intensidade das emoções dos adeptos. Estes, em casos extremos, ficam com a sensação de que eles é que mandam no clube. Alguns apoiam a equipa há mais de 50 anos. Uma vida inteira. Por isso, quando um jogador é desleal para com o clube, é melhor não nos metermos com eles. Poucos jogadores quiseram sair do Manchester United. Tivemos uma geração que dedicou toda a sua carreira ao clube – Giggs, Scholes e por aí


fora –, pelo que é estranho para um adepto perceber que um jogador proclama a intenção de ir embora ou põe em causa a política de aquisições. No inverno de 2011, tive de tomar medidas disciplinares contra Wayne, Jonny Evans e Darren Gibson por causa da sua saída noturna. Foram até um hotel de Southport para celebrar a nossa vitória por 5-0 sobre o Wigan, no Boxing Day.51 No dia seguinte, apareceram no treino de rastos. Fui ao ginásio, onde se encontravam a fazer exercícios, e transmiti-lhes que seriam multados numa semana de salário e que ficariam de fora das escolhas para o jogo de sábado, frente ao Blackburn. Wayne precisa de ter cuidado. Possuí enormes qualidades, mas elas podem apagar-se perante a sua quebra de forma. Reparem no modo como Ronaldo ou Giggs se preocupam com o físico. Wayne tem de dar ao pedal. Não foi avisado por parte da seleção inglesa dar-lhe uma semana de férias antes do Europeu de 2012, porque o seu corpo ressente-se. Se perdia um par de semanas de treino no United, deixava-o de fora durante cinco jornadas até que recuperasse a forma. A partida contra a Ucrânia ocorreu mais de um mês depois do último jogo em que ele atuou por nós. Não tinha qualquer piedade dele. Massacrava-o por cada baixa de forma. Era simples – não jogava. Foi esta a maneira como lidei com as quebras de rendimento de todos os jogadores, fossem eles quais fossem, e não vi motivos para deixar de o fazer na fase final da minha carreira. Wayne tinha o dom de protagonizar grandes momentos durante os jogos. No meu último ano, quando o deixei fora em algumas partidas e o substitui noutras, senti que lutava pelo reconhecimento das pessoas e que perdera alguma da sua velha confiança. Mas era capaz de coisas extraordinárias. Aquele passe para o Van Persie na vitória sobre o Aston Villa, que nos garantiu o título, foi maravilhoso, e o pontapé de bicicleta contra o Manchester City também. Foram relâmpagos que o mantiveram no topo.


Mas à medida que o tempo ia passando, notei que fazia um esforço maior para aguentar os 90 minutos e mostrava mais cansaço durante os jogos. Nessa partida com o Aston Villa, tirei-o a certa altura porque o Villa era uma equipa jovem e veloz, com ritmo forte, e o jogador deles dominava claramente o Wayne. Veio ter comigo no dia seguinte a termos conquistado a Liga e pediu-me que o deixasse ir embora. Não se sentia feliz com a sua situação na equipa. O seu empresário, Paul Stretford, telefonou ao David Gill com a mesma mensagem. Todos os jogadores são diferentes. Alguns gostam de ficar num clube durante toda uma carreira; outros precisam de novos desafios, como aconteceu com Van Persie, quando saiu do Arsenal para assinar connosco. A vontade de vencer e de se destacar não morrerá em Wayne. Deixei-o a discutir o seu futuro com David Moyes, esperando ver ainda muitos grandes jogos dele em Old Trafford. 51 Boxing Day, traduzido à letra por Dia da Caixa, é o dia seguinte ao Natal, no qual por tradição os empregados recebiam ofertas dos patrões em caixas conhecidas por Christmas Box. No Reino Unido, o Boxing Day tem um programa especial de jogos dos campeonatos de futebol e de râguebi. (N. do T.)

25 A ÚLTIMA CAMPANHA Raramente ficávamos indiferentes a um grande talento individual, mas levámos algum tempo a ter a consciência de quão bom Robin van Persie era. A qualidade das suas desmarcações não se tornava imediatamente percetível, nem para os nossos jogadores mais inteligentes. Até Paul Scholes e Michael Carrick, dois dos melhores que alguma vez tive ao nível do passe, tinham, de início, dificuldade para entender a


velocidade dos seus movimentos. Robin iluminou o caminho da minha última época como treinador do Manchester United, na qual nos tornámos no primeiro clube a vencer 25 dos primeiros 30 jogos. No final, o prémio foi o nosso 20.º título de campeões. Reconquistámos a Liga ao Manchester City a quatro jornadas do fim. Van Persie foi a minha derradeira grande aquisição e os seus golos, muitos deles espetaculares, deram uma «extracantonesca» qualidade a uma equipa já de si muito boa. Se tivesse de lhe apontar um vício no início da época de 2012-13, diria que mastigávamos de mais o jogo no meio-campo: os jogadores faziam circular a bola para sentir que a dominavam. Com Van Persie percebemos que era necessário fazer mais rapidamente aquele passe que rasga a defesa contrária. Enquanto não agarrássemos essas oportunidades, não estaríamos a tirar proveito da maravilhosa mobilidade de Robin e do seu instinto assassino. Contudo aprendemos a lição a tempo de a fazer valer. Se Wayne Rooney recebia a bola no meio-campo adversário, tinha a certeza de que Van Persie já estava em movimento, procurando a linha de passe. Robin foi exatamente aquilo que eu queria dele. A sua pré-época com o Arsenal limitou-se a 21 minutos de jogo, contra o Colónia, na Alemanha, pelo que chegou com falta de ritmo. A forma estava lá, mas precisávamos de o colocar em condições de jogar ao mais alto nível. Fiquei impressionado com ele desde o primeiro dia. Disse-lhe de imediato: «Não te inibas de instruir os outros jogadores. No Arsenal, eras o líder. Se não sentires que estás a ser bem servido, reclama com eles.» Era mais calado do que eu esperara, mas com um pé esquerdo venenoso capaz de gelar os guarda-redes com a sua potência. As pessoas perguntavam-me porque é que, sendo ele um ponta-de-lança, eu o deixava cobrar pontapés de canto. Marcava-os do lado direito, não do esquerdo, caso em que estaria na grande área. A resposta é que a forma como batia os cantos da direita era tremenda. Howard Wilkinson fez-me notar que,


durante essa época, fizera um estudo que indicava que marcávamos poucos golos de bola parada. Na primeira metade de 2011-12, tínhamos obtido apenas 10 na sequência de pontapés de canto. O resto da equipa não encarou Robin como um estranho: um homem do Arsenal invadindo o seu território. O meu grupo era composto por gente recetiva, que só exigia dos novos que se empenhassem na causa do clube e respeitassem as tradições do balneário. Não me esquecerei da chegada de Verón e da forma como todos os jogadores saíram do campo de treinos para o cumprimentar. Sempre foram bons nisso. E talvez as boas-vindas sejam ainda mais calorosas para aqueles que podem decidir um encontro renhido, algo de indispensável num conjunto de topo. Tal como qualquer um do meio, sabia que o contrato de Van Persie estava a chegar ao fim, mas convencera-me de que o Arsenal chegaria a um acordo para impedir que ele saísse. Todavia, no final da época de 2011-12 comecei a sentir que ele não iria permanecer no Norte de Londres. O seu empresário entrou em contacto connosco. Entretanto, já tinham existido conversas com o Manchester City, mas foi-nos transmitido que Van Persie estava muito, mas muito, interessado em falar connosco. Eventualmente, o City percebeu que ele não iria para lá, pelo que as coisas ficavam entre nós e a Juventus; calculei que lhe tivessem feito uma oferta de um grande salário para que se mudasse para Turim. O meu raciocínio foi este: há duas razões para um jogador querer sair de um clube: 1) pela glória e 2) pelo dinheiro. Podia perceber porque gostaria ele de ir para a Juventus – uma bela equipa – por uma verba astronómica. O que lhe podíamos oferecer era uma quantia que demonstrava bem o respeito que tínhamos por ele e a nossa proposta foi recebida com muito entusiasmo. Em seguida, contactámos o Arsenal para discutir o montante da transferência. David Gill telefonou várias vezes a Ivan Gazidis, o diretor executivo do Arsenal, desde o início de abril, mas foi-lhe dito que ainda acreditavam que seriam capazes de o convencer a ficar no clube. Isto durou algum tempo, até que David Gill me sugeriu que contactasse diretamente


Arsène Wenger, o qual tinha uma palavra final sobre a matéria. Nessa altura, já se tornara claro que o rapaz iria sair. Compreensivelmente, a atitude de Arsène foi: porque vamos nós vendê-lo ao United se podemos ganhar 30 milhões de libras vendendo-o ao City ou à Juventus? Respondi-lhe dizendo que ele não queria ir para os nossos rivais de Manchester. Arsène contra-argumentou que as ideias de Robin poderiam mudar se o City avançasse com nova proposta irrecusável. Era bem possível. Foram discussões amigáveis, há que reconhecer. Não houve uma pinga de hostilidade. Éramos dois treinadores experientes debatendo uma realidade. O busílis parecia estar no facto de Wenger esperar ganhar 30 milhões ou mais com a saída do seu melhor jogador. O assunto arrastou-se por várias semanas, e eu liguei ao Arsène mais três ou quatro vezes. Chegámos a um ponto no qual o Arsenal ficou com a certeza de que Robin não iria renovar o contrato e aceitou o facto. As opções eram Juventus ou United. O Arsenal procurava transferi-lo para o estrangeiro, mas o jogador só queria vir para Manchester. Percebi que Van Persie se tinha reunido com Wenger e que lhe transmitira a vontade de se juntar a nós. A oferta feita por David Gill a Gazidis foi de 20 milhões. Avisei o Arsène de que nunca subiríamos para os 25 milhões. Ficou incrédulo. Não queria acreditar que o Manchester United não estivesse disposto a subir a parada por um jogador daqueles. Repeti-lho: não vamos até aos 25 milhões. Arsène perguntou-me qual seria a nossa melhor proposta. Resposta: 22 milhões de libras. Colocaram sobre a mesa um pedido de 22,5 milhões, com um acréscimo de 1,5 milhões, se nós vencêssemos a Liga dos Campeões ou o campeonato na vigência do seu contrato. Negócio fechado.


A minha intuição dizia-me que Arsène ficara aliviado por não vender Van Persie ao Manchester City, que já tinha ido buscar Kolo Touré, Gaël Clichy, Emmanuel Adebayor e Samir Nasri ao Arsenal. Talvez não seja um apreciador da forma como o City é gerido e, embora tenhamos tido muitos combates ao longo dos anos, estou certo de que ele respeita a maneira como se trabalha no United. Disse-mo em mais do que uma ocasião. Lembro-me de Arsène me revelar sobre Van Persie: «Nem imaginas que grande jogador acabaste de comprar.» Pensei em Cantona, em Ronaldo e em Giggs. Mas o Arsène tinha razão. Os movimentos de Robin e a precisão das suas desmarcações são de fazer cair o queixo. E também foi abençoado com um físico formidável. Van Persie tirou uma ligeira, e ainda assim fantástica, vantagem por ter vindo para um clube no qual pensou poder vir a ter mais sucesso. No dia da sua estreia, disse-me que o seu filho mais novo gritara pelo United. Mais tarde, contou-me que na Holanda todos os miúdos sonham em jogar no United. Ele sabia que eu o fora observar quando tinha 16 anos. O Arsenal adiantou-se-nos na altura em que ele começara a brilhar no Feyenoord, mas ele sublinhou de novo o sonho que era para os miúdos holandeses poderem vestir a camisola do Manchester United. Ficou impressionado com a juventude da nossa equipa. Tínhamos Giggs e Scholes, mas também Chicharito, os dois Da Silva, Evans, Jones, Smalling, Welbeck, Carrick, com 31 e que fez a sua melhor época por nós. Alguns jogadores, quando atingem o seu melhor, percebem como são importantes para a equipa e isso fá-los crescer, tal como aconteceu com Carrick. Robin sabia que chegara a um clube estável. O City tinha feito uma época tremenda no ano anterior, mas dificilmente diríamos que era uma organização estabilizada. Havia sempre problemas, com alguém a vir a público soltar postas de pescada ou arranjar chatices com o treinador – Tévez a querer jogar golfe na Argentina. O City havia sido campeão sobretudo graças ao esforço de quatro jogadores de excelência: Yaya Touré,


Sergio Agüero, Vincent Kompany e Joe Hart. E também David Silva no início da época, embora depois tenha descarrilado por altura do Natal. Digo sempre isto sobre goleadores. Cantona, Andy Cole, se não estavam a marcar achavam que nunca mais voltariam aos golos. Durante um breve período de março dessa época, Van Persie não estava a jogar muito bem e isso afetou-o. Mas, a partir do momento em que marcou ao Stoke, no dia 14 de abril, ganhou fogo nas botas outra vez. Ao longo dos anos testemunhei golos inesquecíveis do Manchester United. Cantona ofereceu aos adeptos duas ou três finalizações em arco impressionantes. A bicicleta de Rooney ao City foi assassina e a execução incrível! Não se tratou de um remate à entrada da pequena área. Estava a 13 metros da baliza, e a bola sofreu um desvio no momento em que ia ao encontro dela. O centro de Nani foi desviado por um defesa do City, por isso Wayne teve de se recolocar em posição já no ar. Foi admirável. Para mim, o melhor. Contudo, o golo de Van Persie na vitória por 3-0 sobre o Aston Villa, que nos garantiu o título no dia 22 de abril, também foi especial: um pontapéde-moinho a concluir um passe longo de Rooney. Um jogador normal tentaria esse remate cem vezes nos treinos e acertaria uma. Van Persie era capaz de o fazer com frequência. Ombro para baixo, cabeça para baixo, olhos para baixo, em cheio na bola. A mesma técnica de mestre valeu-lhe um golo idêntico pelo Arsenal contra o Everton. Foi uma aquisição maravilhosa, que terminou a época com 26 golos na Liga: 12 em casa e 14 fora. Obteve 17 com o pé esquerdo e oito com o direito, além de um com a cabeça. Esses números valeram-lhe a Bota de Ouro de melhor marcador do campeonato pela segunda vez consecutiva. Na outra ponta da escala da idade, continuávamos a confiar na juventude. Nick Powell, que chegou em julho de 2012, estava nas nossas cogitações desde novembro de 2011. Surgiu como extremo-esquerdo do Crewe com apenas 17 anos, e um pouco escanzelado. O pessoal da nossa academia já tinha anotado o seu nome e fomos observá-lo com regularidade. Jim Lawlor


foi vê-lo jogar e relatou que o achava interessante, embora não tivesse bem a certeza de qual seria a melhor posição para ele e temesse que fosse demasiado descontraído. Então, mandei Martin espiá-lo duas vezes. Na opinião deste, ele tinha definitivamente algo de especial, mas ainda não estava trabalhado. Depois foi a vez de Mick Phelan ir vê-lo atuar num par de jogos. Finalmente, fui eu. Crewe contra o Aldershot. Ao fim de cinco minutos, disse ao Mick: «É jogador, Mick. É jogador.» Pelo seu toque de bola e pela visão de jogo. A certa altura, correu na direção da defesa contrária olhou por cima do ombro e picou a bola para um remate do avançado-centro. Depois, exibiunos uma cabeçada e, em seguida, uma mudança de ritmo. Ao irmos embora, disse ao Mick: «Vou ligar ao Dario Gradi», diretor do futebol no Crewe. «Vi que estiveste no jogo ontem», começou Dario. «O rapaz Powell», soltei. «Mas vê lá se não te deixas entusiasmar. Qual é o número sobre o qual podemos falar?» Dario respondeu: «Seis milhões.» Comecei a rir às gargalhadas e disse-lhe um sítio para onde ele podia muito bem ir. Mas construímos um potencial negócio, com mais-valias por jogos a titular e chamadas à seleção. Powell só ficou a saber no final dessa época. Vai ser de certeza absoluta internacional pela Inglaterra, no futuro. Pode jogar em qualquer lado da frente de ataque, até no meio. É muito rápido, tem dois bons pés e remata de longe. No inverno de 2012, contraiu uma virose e a sua namorada teve um grave acidente de automóvel. Tem uma personalidade notável – muito distraído –, mas é jogador, acreditem. Shinji Kagawa foi outra das boas aquisições desse verão. Decidimos não avançar para ele depois da sua época de estreia no futebol alemão, porque por vezes um jogador atinge determinado nível e queremos estar certos de que é capaz de o manter. Jogava numa excelente equipa do Dortmund que, na minha opinião, poderia vencer a Liga dos Campeões de 2013. Chegaram


à final mas perderam com o Bayern de Munique. A primeira coisa que notei nele foi o seu raciocínio apurado. Mick e eu voámos para Berlim para a final da Taça da Alemanha de 2012 e dei por mim sentado ao lado do presidente da Câmara de Dortmund e da esposa. Usava calças de fato de treino. Angela Merkel estava perto, e Joachim Löw, o selecionador alemão, também. Quando fui apresentado à senhora Merkel, chanceler alemã, pensei: «Palavra de honra, cheguei longe.» Não havia hipótese de passar despercebido num lugar como aquele –, mas, de qualquer forma, toda a gente sabia da minha ida a Berlim. Nesse verão, os Glazer estavam absolutamente dispostos a comprar Van Persie, Lewandowski e Kagawa. Nalgumas das nossas fases mais brilhantes, pudemos contar com quatro grandes goleadores – garantir que todos eles se sentiam valorizados é que se tornava mais complicado. Exigia muita diplomacia. No entanto, o Dortmund recusou-se a vender Lewandowski, que é fisicamente muito forte e excelente nas desmarcações. Outra aquisição foi Alexander Büttner, do clube holandês Vitesse Arnhem. Tínhamos deixado o Fábio sair para o Queens Park Rangers por empréstimo e possuíamos um par de jovens laterais-esquerdos com potencial, mas precisávamos de experiência na posição e de um suplente para Evra. Büttner foi o escolhido. Queria sempre ter a bola, rematar, carregar sobre os defesas contrários: uma pechincha por 2,5 milhões de euros. Era agressivo, rápido e cruzava bem. Houve fases no início dessa época em que não conseguíamos defender nem um castelo de areia. Dávamos demasiados espaços, até que nos tornámos mais seguros, de janeiro em diante. A posição de guarda-redes causava embaraços. De Gea contraiu uma infeção dentária e foi obrigado a uma intervenção cirúrgica para lhe tirarem dois molares. Falhou um par de jogos, e de Anders Lindegaard não se pode dizer que tenha comprometido no seu lugar. Fez boas exibições contra o Galatasaray e também contra o West Ham. A minha mensagem para De Gea foi a de que precisava de ser justo com Anders, mas, depois da nossa vitória à pele frente ao Reading por 4-3, no dia 1 de dezembro, De Gea regressou e esteve em bom plano


durante o resto da época, sobretudo no empate 1-1 no campo do Real Madrid, em fevereiro, tendo sido brilhante. Continuo a depositar grandes esperanças no Javier Hernández. O problema com Chicharito é a frescura. Durante três anos consecutivos, jogou pela sua seleção no verão, a despeito de haver uma boa cooperação entre nós e o México. Os presidentes da Federação e do Comité Olímpico vieram, com os respetivos treinadores, ter uma reunião comigo. Mostreilhes os relatórios médicos. Sobre a mesa estava a questão de ele ser ou não capaz de disputar dois encontros de qualificação para o Mundial e os Jogos Olímpicos. Chicharito afirmou: «Prefiro falhar os outros dois jogos e ir aos Jogos Olímpicos porque acho que pudemos ganhar o torneio.» Pensei que estava a brincar. Insistiu: «Se não apanharmos o Brasil nos quartos-de-final, acho que vamos ganhar.» Entretanto, tínhamos feito um grande investimento num maravilhoso novo centro médico em Carrington. Hoje em dia, excetuando operações, podemos fazer tudo nele. Temos um podólogo, um dentista, scanners, tudo. A vantagem, além de estarmos em casa, é a de que as lesões não se tornam públicas. Antigamente, um jogador precisava de se deslocar ao hospital e rebentavam boatos por toda a cidade. Isto mostra que não estamos parados. Foi das nossas melhores apostas. Um dos mais graves incidentes dessa época merece ser mencionado: a alegação, mais tarde desmentida, de que o árbitro Mark Clattenburg teria utilizado expressões racistas contra jogadores do Chelsea aquando nossa vitória, por 3-2, em Stamford Bridge, no dia 28 de outubro. Primeiro, uma palavra sobre o jogo: contra o Chelsea de Di Matteo, era preciso trabalhar a forma de lidar com Juan Mata, Oscar e Eden Hazard. Os três andavam a massacrar os adversários e a pintar a manta. Os dois médios mais fixos,


Ramires e Mikel bombeavam jogo. Decidimos preencher mais o lado direito para atacar as áreas que eles deixavam desguarnecidas de cada vez que avançavam, e reduzir o espaço de Mata. Foi um jogo emocionante até às tranquibérnias do final. Quando Torres foi expulso, Steve Holland, um dos adjuntos de Di Matteo, culpou-me pelo facto. Olhei para ele, perplexo. Mike Dean, o quarto árbitro, não podia prestar atenção às queixas de Holland. Torres já devia ter sido expulso na primeira parte por uma carga sobre Cleverley. Quando Hernández marcou o golo da vitória, um pedaço de cadeira voou e atingiu Carrick num pé, juntamente com isqueiros e moedas. Ainda hoje me questiono sobre se as acusações a Clattenburg não foram uma cortina de fumo para encobrir o comportamento dos adeptos. Passados 20 minutos após o fim do jogo, fui com o meu staff para a bebida da tradição, e no gabinete encontravam-se já Bruce Buck, presidente do Chelsea, Ron Gourlay, diretor executivo, Di Matteo e a esposa. A atmosfera era pesada. Algo se passava. Estacámos à porta e pensámos que era melhor deixá-los tomar a iniciativa. A comida estava coberta com uma toalha e o vinho por desarrolhar. «Sirvam-se», disseram-nos. E abandonaram a sala. O meu pessoal tinha visto Mikel, John Terry e Di Matteo entrarem na cabina do árbitro. Fosse quem fosse que dissera a Mikel que Clattenburg tinha dito algo de ofensivo estava a fazer do assunto um escândalo. Também foi um passo largo o dado pelo Chelsea ao alertar de imediato a imprensa quanto ao alegado incidente. Qualquer advogado diria, recostando-se na cadeira: «Vamos esperar até amanhã.» A expulsão de Branislav Ivanović nesse jogo foi perfeitamente justa.


Quanto a Torres, caiu com facilidade, mas Evans tocou-lhe. Ao vermos o lugar em que Clattenburg estava, percebemos porque o mandou para a rua por simulação. Deu um passo, depois deixou-se cair. Um toque num dedo do pé é suficiente para derrubar um jogador que se desloca àquela velocidade, mas Torres foi muito teatral. Não faço ideia porque é que Holland pensou que eu pressionara Clattenburg a expulsá-lo. Uns dias mais tarde, Di Matteo acusou-me de ter muito poder perante os árbitros. Durante toda a vida tive questiúnculas com eles. Enquanto jogador, fui expulso oito vezes. Na Escócia, já treinador, fui para a bancada três ou quatro vezes. Em Inglaterra, fui multado com frequência. Ocorreram sempre disputas, de uma espécie ou de outra, mas vieram como foram. Nunca me desviei do meu caminho para arranjar uma guerra com um árbitro. Não me cabe na cabeça que um árbitro de topo possa ter atitudes racistas perante um jogador. Liguei ao Mark Clattenburg e disse-lhe: «Lamento que sejamos nós o outro clube envolvido nisto.» Esperei tranquilamente que fôssemos chamados por alguma autoridade a responder no inquérito, mas felizmente isso não aconteceu. Só tomei conhecimento do assunto no momento em que aterrámos de regresso a Manchester. A Federação levou um tempo infinito a decidir que Mark era inocente. Poderia tê-lo feito em dois dias. A partir de janeiro de 2013, acertámos bem o passo na Liga, colocando pressão sobre o City. Para mim, sabendo que estava à beira de me ir embora, a sensação de alívio foi adiada até à noite em que batemos o Aston Villa e fomos campeões. Sê-lo-íamos mais tarde ou mais cedo, mas acabar o trabalho em abril, no nosso próprio estádio, foi imensamente reconfortante. Ia sair em grande. Continuei a proferir as minhas palestras e a preparar a equipa devidamente para os jogos que restavam. O profissionalismo no Manchester United manter-se-ia intacto. O único desapontamento foi, como se compreende, a eliminação, nos oitavos-de-final da Liga dos Campeões, frente ao Real Madrid, marcada


pela risível expulsão de Nani por Cüneyt Çakir, o árbitro turco, por causa de uma entrada inócua. Em Espanha, na primeira mão, fomos incríveis, caindo sobre eles como uma tempestade nos primeiros 20 minutos do jogo. Podíamos ter ganho por seis. Não sentia qualquer receio de defrontar outra vez a equipa de José Mourinho em nossa casa. A nossa preparação foi perfeita. Desenhámos uma boa estratégia para o jogo, estávamos plenos de energia e obrigámos o guarda-redes deles a três ou quatro boas defesas. De Gea praticamente não tocou na bola. Nani foi expulso aos 65 minutos por erguer o pé para a bola e tocar ligeiramente em Álvaro Arbeloa, e durante 10 minutos ficámos sem reação. Estávamos em choque. Depois Modrić marcou o golo que anulou o de Sérgio Ramos na própria baliza e, aos 69 minutos, Ronaldo acabou connosco. Mas mesmo assim podíamos ter marcado cinco golos nos últimos 10 minutos. Foi um desastre absoluto. Nessa noite, estava completamente fora de mim e faltei à conferência de imprensa. Se tivéssemos eliminado o Real Madrid, havia todas as condições para pensarmos que poderíamos ganhar a competição. Deixei Wayne de fora desse segundo jogo porque precisávamos de alguém que pressionasse o Alonso e o afastasse da decisão dos lances. O Ji-Sung Park dos primeiros anos teria sido ideal para o papel. O aproveitamento dos passes de Andrea Pirlo, no Milan, era de 75 por cento. Quando os defrontámos, com Ji-Sung Park a vigiá-lo, esse aproveitamento baixou para 25 por cento. Não havia melhor jogador no plantel para cair sobre Alonso do que Danny Welbeck. Sim, sacrificámos as possibilidades de golo que Wayne traz à equipa, mas sabíamos que era preciso dominar Alonso e tirar partido disso. Ronaldo foi maravilhoso nessa eliminatória. Em Madrid, veio ao nosso balneário e confraternizou com os nossos jogadores. Víamos que sentia saudades. Depois do jogo, quando estava a ver a repetição da expulsão, veio ter comigo e ofereceu a sua compreensão. Os jogadores do Real Madrid sabiam que o cartão vermelho fora absurdo. Mesut Özil confessou a um dos nossos jogadores que eles se sentiam como se tivessem sido libertados da


cadeia. Cristiano recusou-se a comemorar o seu golo, e ainda bem, porque tê-lo-ia estrangulado ali mesmo. Não há qualquer problema com ele. É um bom rapaz. A minha conclusão sobre a forma como o Manchester City perdeu o título foi a de que não conseguiam ter um número suficiente de jogadores capazes de perceberem o que significara reconquistá-lo ao fim de 44 anos. Parecia evidente que, para muitos deles, terem vencido o Manchester United numa das corridas era bastante. Sentiram-se realizados. Manter um título é o próximo grande passo e o City nunca teve mentalidade para defender o que ganhara na mais dramática das últimas jornadas da história da Premier League. Quando conquistei o campeonato pela primeira vez, em 1993, não queria que a minha equipa relaxasse. Só pensar nisso me assustava. Queria avançar, reforçar o nosso poder. Disse a esses jogadores: «Há pessoas que mal têm um dia de folga querem correr para Saltcoats, na costa, a vinte quilómetros de Glasgow. Outras, nem isso. Ficam em casa contentes, a observar os passarinhos ou os patos a flutuarem no lago do parque. Algumas querem ir à Lua. Isto é sobre a ambição de cada um.»

NÚMEROS DA CARREIRA Como jogador profissional 1958–60 Queen’s Park Jogos: 31 Golos: 15


1960–64 St Johnstone Jogos: 47 Golos: 21 1964–67 Dunfermline Athletic Jogos: 131 Golos: 88 Jogou pela seleção da Liga Escocesa contra a seleção da Liga Inglesa (D. 0-3) em Hampden Park, no dia 15 de março de 1967. Atuou pela seleção da Escócia numa digressão entre 13 de maio e 15 de junho de 1967: marcou 10 golos em sete jogos, contra Israel, Hong Kong, Austrália (três jogos), seleção de Auckland e Vancouver All Stars. 1967–69 Rangers Jogos: 66 Golos: 35 Jogou pela seleção da Liga Escocesa contra a seleção da Liga Irlandesa (V. 2-0), em Belfast, no dia 6 de setembro de 1967. Marcou um golo. 1969–73 Falkirk Jogos: 122 Golos: 49 1973–74 Ayr United Jogos: 22


Golos: 10 Total Jogos: 415 Golos: 218 (Só contabilizados os golos marcados na Liga Escocesa, na Taça da Escócia, na Taça da Liga Escocesa e nas competições europeias)

Como treinador Junho a outubro de 1974 East Stirlingshire Outubro de 1974 a maio de 1978 St. Mirren Quarto classificado na Division One, em 1975–76; campeão da Division One, em 1976–77; oitavo classificado na Premier Division52, em 1977–78.

1978–86 Aberdeen Época 1978–79 Scottish Premier Division Casa Fora Total

J 18 18 36

V 10 4 13

E 4 10 14

Classificação final: quarto Taça da Escócia: meias-finais Taça da Liga Escocesa: finalista

D 5 4 9

GM 38 21 59

GS 16 20 36

Pts 22 18 40


Taça dos Vencedores de Taças: segunda eliminatória

Época 1979–80 Scottish Premier Division Casa Fora Total

J 18 18 36

V 10 9 19

E 4 6 10

D 4 3 7

GM 30 38 68

GS 18 18 36

Pts 24 24 48

D 3 3 6

GM 39 22 61

GS 16 10 26

Pts 26 23 49

Classificação final: campeão Taça da Escócia: meias-finais Taça da Liga Escocesa: finalista Taça UEFA : primeira eliminatória

Época 1980–81 Scottish Premier Division Casa Fora Total

J 18 18 36

V 11 8 19

E 4 7 11

Classificação final: segundo Taça da Escócia: quarta eliminatória Taça da Liga Escocesa: quarta eliminatória Taça dos Campeões Europeus: segunda eliminatória Drybrough Cup53 vencedor


Época 1981–82 Scottish Premier Division Casa Fora Total

J 18 18 36

V 12 11 23

E 4 3 7

D 2 4 6

GM 36 35 71

GS 15 14 29

Pts 28 25 53

D 4 2 6

GM 46 30 76

GS 12 12 24

Pts 28 27 55

Classificação final: segundo Taça da Escócia: vencedor Taça da Liga Escocesa: meias-finais Taça UEFA: quartos-de-final

Época 1982–83 Scottish Premier Division Casa Fora Total

J 18 18 36

V 14 11 25

E 0 5 5

Classificação final: terceiro Taça da Escócia: vencedor Taça da Liga Escocesa: quartos-de-final Taça dos Vencedores de Taças: vencedor

Época 1983–84 Scottish Premier Division


Casa Fora Total

J 18 18 36

V 14 11 25

E 3 4 7

D 1 3 4

GM 46 32 78

GS 12 9 21

Pts 31 26 57

GM 49 40 89

GS 13 13 26

Pts 30 29 59

GS

Pts

Classificação final: campeão Taça da Escócia: vencedor Taça da Liga Escocesa: meias-finais Taça dos Vencedores de Taças: meias-finais Supertaça Europeia: vencedor

Época 1984–85 Scottish Premier Division Casa Fora Total

J 18 18 36

V 13 14 27

E 4 1 5

D 1 3 4

Classificação final: campeão Taça da Escócia: meias-finais Taça da Liga Escocesa: segunda eliminatória Taça dos Campeões Europeus: primeira eliminatória

Época 1985–86 Scottish Premier Division J

V

E

D

GM


Casa Fora Total

18 18 36

11 5 16

4 8 12

3 5 8

38 24 62

15 16 31

26 18 44

GM 12 13 25

GS 3 11 14

Classificação final: campeão Taça da Escócia: meias-finais Taça da Liga Escocesa: segunda eliminatória Taça dos Campeões Europeus: primeira eliminatória

Época 1986–87 ( de agosto a 1 de novembro de 1986) Scottish Premier Division Casa Fora Total

J 7 8 15

V 4 3 7

E 2 3 5

D 1 2 3

Taça da Liga Escocesa: quarta eliminatória Taça dos Vencedores de Taças: primeira eliminatória Sumário Liga Taça da Escócia Taça da Liga Escocesa Europa Drybrough Cup Totais

J 303 42

V 174 30

E 76 8

D 53 4

GM 589 89

GS 243 30

63

42

9

12

148

45

47 4 459

23 3 272

12 0 105

12 1 82

78 10 914

51 5 374


As campanhas europeias do Aberdeen treinado por Alex Ferguson Época 1978–79 – Taça dos Vencedores de Taças 1.ª eliminatória: Marek Dupnitsa (Bulgária) (F) 2–3, (C) 3–0, Ag: 5–3 2.ª eliminatória: Fortuna Düsseldorf (RFA) (F) 0–3, (C) 2–0, Ag: 2–3

Época 1979–80 Taça UEFA 1.ª eliminatória: Eintracht Frankfurt (RFA) (C) 1–1, (F) 0–1, Ag: 1–2

Época 1980–81 Taça dos Campeões Europeus 1.ª eliminatória: Áustria Memphis (Áustria) (C) 1–0, (F) 0–0, Ag: 1–0 2.ª eliminatória: Liverpool (Inglaterra) (C) 0–1, (F) 0–4, Ag: 0–5

Época 1981–82 Taça UEFA 1.ª eliminatória: Ipswich Town (Inglaterra) (F) 1–1, (C) 3–1, Ag: 4–2 2.ª eliminatória: Arges Pitesti (Roménia) (C) 3–0, (F) 2–2, Ag: 5–2 3.ª eliminatória: SV Hamburgo (RFA) (C) 3–2, (F) 1–3, Ag: 4–5

Época 1982–83 Taça dos Vencedores de Taças Eliminatória preliminar: Sion (Suíça) (C) 7–0, (F) 4–1, Ag: 11–1 1.ª eliminatória: Dínamo Tirana (Albânia) (C) 1–0, (F) 0–0, Ag: 1–0 2.ª eliminatória: Lech Poznan (Polónia) (C) 2–0, (F) 1–0, Ag: 3–0 Quartos-de-final: Bayern de Munique (RFA) (F) 0–0, (C) 3–2, Ag: 3–2 Meias-finais: Waterschei (Bélgica) (C) 5–1, (F) 0–1, Ag: 5–2


Final (Gotemburgo, Suécia): Real Madrid (Espanha) 2–1 (após prolongamento) Época 1983–84 Supertaça SV Hamburgo (RFA) (F) 0–0, (C) 2–0, Ag: 2–0 Taça dos Vencedores de Taças 1.ª eliminatória: Akranes (Islândia) (F) 2–1, (C) 1–1, Ag: 3–2 2.ª eliminatória: SK Beveren (Bélgica) (F) 0–0, (C) 4–1, Ag: 4–1 Quartos-de-final: Újpest Dózsa (Hungria) (F) 0–2, (C) 3–0 (após prolongamento), Ag: 3–2 Meias-finais: FC Porto (Portugal) (F) 0–1, (C) 0–1, Ag: 0–2

Época 1984–85 Taça dos Campeões Europeus 1.ª eliminatória: Dínamo de Berlim (RDA) (C) 2–1, (F) 1–2, Agg: 3–3 (derrota 5–4 no desempate por grandes penalidades)

Época 1985–86 Taça dos Campeões Europeus 1.ª eliminatória: Akranes (Islândia) (F) 3–1, (C) 4–1, Ag: 7–2 2.ª eliminatória: Servette (Suíça) (F) 0–0, (C) 1–0, Ag: 1–0 Quartos-de-final: IFK Gotemburgo (Suécia) (C) 2–2, (F) 0–0, Ag: 2–2 (eliminado pela regra dos golos fora de casa)

Época 1986–87 Taça dos Vencedores de Taças 1.ª eliminatória: Sion (Suíça) (C) 2–1, (F) 0–3, Ag: 2–4

Títulos


Taça dos Vencedores de Taças Vencedor: 1983 Scottish Premier Division Campeão: 1980, 1984, 1985 Taça da Escócia Vencedor: 1982, 1983, 1984, 1986 Taça da Liga Escocesa Vencedor: 1985–86 Supertaça Europeia Vencedor: 1983 Drybrough Cup Vencedor: 1980 52 Na Escócia, a Premier Division corresponde à I Liga Portuguesa e a Division One à Liga de Honra. (N. do T.) 53 Competição realizada na Escócia de 1971 a 1974, e depois ressuscitada em 1979 e 1980. Patrocinada pela Drybrough Breweries, disputava-se entre as quatro equipas com melhor ataque da Premier Division e as quatro equipas com melhor ataque da Division One. (N. do T.)

Seleção da Escócia De outubro de 1985 a junho de 1986 Casa

J 3

V 2

E 1

D 0

GM 5

GS 0


Fora Totais

7 10

1 3

3 4

3 3

3 8

5 5

Resultados Outubro RDA (particular, casa) 0–0 1985 Novembro Austrália ( play-off de qualificação para o Campeonato do 1985 Mundo, casa) 2–0 Dezembro Austrália ( play-off de qualificação para o Campeonato do 1985 Mundo, fora) 0–0 Janeiro 1986 Israel (particular, fora) 1–0 Março 1986 Roménia (particular, casa) 3–0 Abril 1986 Inglaterra (Taça Stanley Rous, fora) 1–2 Abril 1986 Holanda (particular, fora) 0–0 Junho 1986 Dinamarca (Campeonato do Mundo, Cidade do México) 0–1 Junho 1986 RFA (Campeonato do Mundo, Querétaro) 1–2 Junho 1986 Uruguai (Campeonato do Mundo, Cidade do México) 0–0

1986–2013 Manchester United54 Época 1986–87 The Today League Division One Resultados do United até à chegada de Alex Ferguson Casa Fora Total

J 7 6 13

V 3 0 3

E 1 3 4

D 3 3 6

GM 12 4 16

GS 8 8 16

Pts 10 3 13

GS

Pts

Taça da Liga: terceira eliminatória Resultados do United após a chegada de Alex Ferguson J

V

E

D

GM


Casa Fora Total Totais

14 15 29 42

10 1 11 14

2 8 10 14

2 6 8 14

26 10 36 52

10 19 29 45

32 11 43 56

Classificação final: décimo primeiro Taça de Inglaterra: quarta eliminatória 54 Mantivemos as denominações originais que a Liga Inglesa foi tendo ao longo dos anos em que Alex Ferguson trabalhou no United. (N. do T.)

Época 1987–88 Barclays League Division One Casa fora Total

J 20 20 40

V 14 9 23

E 5 7 12

D 1 4 5

GM 41 30 71

GS 17 21 38

Pts 47 34 81

D 4 9 13

GM 27 18 45

GS 13 22 35

Pts 35 16 51

Classificação final: segundo Taça de Inglaterra: quinta eliminatória Taça da Liga: quinta eliminatória

Época 1988–89 Barclays League Division One Casa Fora Total

J 19 19 38

V 10 3 13

E 5 7 12

Classificação final: décimo primeiro


Taça de Inglaterra: sexta eliminatória Taça da Liga: terceira eliminatória

Época 1989–90 Barclays League Division One Casa Fora Total

J 19 19 38

V 8 5 13

E 6 3 9

D 5 11 16

GM 26 20 46

GS 14 33 47

Pts 30 18 48

D 4 6 10

GM 34 24 58

GS 17 28 45

Pts 37 23 59*

Classificação final: décimo terceiro Taça de Inglaterra: vencedor Taça da Liga: terceira eliminatória

Época 1990–91 Barclays League Division One Casa Fora Total

J 19 19 38

V 11 5 16

E 4 8 12

* Um ponto descontado Classificação final: sexto Taça de Inglaterra: quinta eliminatória Taça da Liga: finalista Taça dos Vencedores de Taças: vencedor


FA Charity Shield: vencedor conjunto55 55 Liverpool, 1 – Manchester United, 1. Foi a última época em que as equipas puderam repartir o troféu. No ano seguinte, passou a recorrer-se ao desempate após prolongamento ou mesmo grandes penalidades. (N. do T.)

Época 1991–92 Barclays League Division One Casa Fora Total

J 21 21 42

V 12 9 21

E 7 8 15

D 2 4 6

GM 34 29 63

GS 13 20 33

Pts 43 35 78

GS 14 17 31

Pts 47 37 84

Classificação final: segundo Taça de Inglaterra: quarta eliminatória Taça da Liga: vencedor Taça dos Vencedores de Taças: segunda eliminatória Supertaça Europeia: vencedor

Época 1992–93 FA Premier League Casa Fora Total

J 21 21 42

V 14 10 24

E 5 7 12

Classificação final: campeão Taça de Inglaterra: quinta eliminatória

D 2 4 6

GM 39 28 67


Taça da Liga: terceira eliminatória Taça UEFA Cup: primeira eliminatória Classificação do campeonato J 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42

1. Manchester United 2. Aston Villa 3. Norwich City 4. Blackburn Rovers 5. Queens Park Rangers 6. Liverpool 7. Sheffield Wednesday 8. Tottenham Hotspur 9. Manchester City 10. Arsenal 11. Chelsea 12. Wimbledon 13. Everton 14. Sheffield United 15. Coventry City 16. Ipswich Town 17. Leeds United 18. Southampton 19. Oldham Athletic 20. Crystal Palace 21. Middlesbrough 22. Nottingham Forest

V 14 13 13 13 11 13 9 11 7 8 9 9 7 10 7 8 12 10 10 6 8 6

CASA E D GM GS V 5 2 39 14 10 5 3 36 16 8 6 2 31 19 8 4 4 38 18 7 5 5 41 32 6 4 4 41 18 3 8 4 34 26 6 5 5 40 25 5 8 6 30 25 8 6 7 25 20 7 7 5 29 22 5 4 8 32 23 5 6 8 26 27 8 6 5 33 19 4 4 10 29 28 6 9 4 29 22 4 8 1 40 17 0 6 5 30 21 3 6 5 43 30 3 9 6 27 25 5 5 8 33 27 3 4 11 17 25 4

E 7 6 3 7 7 7 6 6 4 5 7 8 2 4 9 7 7 5 4 7 6 6

FORA D GM GS Pts 4 28 17 84 7 21 24 74 10 30 46 72 7 30 28 71 8 22 23 63 11 21 37 59 9 21 25 59 10 20 41 59 9 26 26 57 9 15 18 56 9 22 32 56 8 24 32 54 11 27 28 53 13 21 34 52 6 23 29 52 10 21 33 52 14 17 45 51 13 24 40 50 14 20 44 49 9 21 36 49 12 21 48 44 11 24 37 40

Época 1993–94 FA Carling Premiership J

V

E

D

GM

GS

Pts


Casa Fora Total

21 21 42

14 13 27

6 5 11

1 3 4

39 41 80

13 25 38

48 44 92

Classificação final: campeão Taça de Inglaterra: vencedor Taça da Liga: finalista Taça dos Campeões Europeus: segunda eliminatória FA Charity Shield: vencedor Classificação do campeonato

1. Manchester United 2. Blackburn Rovers 3. Newcastle United 4. Arsenal 5. Leeds United 6. Wimbledon 7. Sheffield Wednesday 8. Liverpool 9. Queens Park Rangers 10. Aston Villa 11. Coventry City 12. Norwich City 13. West Ham United 14. Chelsea 15. Tottenham Hotspur 16. Manchester City 17. Everton 18. Southampton

J 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42 42

V 14 14 14 10 13 12 10 12 8 8 9 4 6 11 4 6 8 9

CASA E D GM GS 6 1 39 13 5 2 31 11 4 3 51 14 8 3 25 15 6 2 37 18 5 4 35 21 7 4 48 24 4 5 33 23 7 6 32 29 5 8 23 18 7 5 23 17 9 8 26 29 7 8 26 31 5 5 31 20 8 9 29 33 10 5 24 22 4 9 26 30 2 10 30 31

V 13 11 9 8 5 6 6 5 8 7 5 8 7 2 7 3 4 3

E 5 4 4 9 10 6 9 5 5 7 7 8 6 7 4 8 4 5

FORA D GM GS Pts 3 41 25 92 6 32 25 84 8 31 27 77 4 28 13 71 6 28 21 70 9 21 32 65 6 28 30 64 11 26 32 60 8 30 32 60 7 23 32 57 9 20 28 56 5 39 32 53 8 21 27 52 12 18 33 51 10 25 26 45 10 14 27 45 13 16 33 44 13 19 35 43


19. Ipswich Town 20. Sheffield United 21. Oldham Athletic 22. Swindon Town

42 42 42 42

5 8 8 21 6 10 5 24 5 8 8 24 4 7 10 25

32 23 33 45

4 2 4 1

8 8 5 8

9 11 12 12

14 18 18 22

26 37 35 55

43 42 40 30

Época 1994–95 FA Carling Premiership Casa Fora Total

J 21 21 42

V 16 10 26

E 4 6 10

D 1 5 6

GM 42 35 77

GS 4 24 28

Pts 52 36 88

D 0 6 6

GM 36 37 73

GS 9 26 35

Pts 49 33 82

Classificação final: segundo Taça de Inglaterra: finalista Taça da Liga: terceira eliminatória Liga dos Campeões: fase de grupos FA Charity Shield: vencedor

Época 1995-96 FA Carling Premiership Casa Fora Total

J 19 19 38

V 15 10 25

Classificação final: campeão Taça de Inglaterra: vencedor

E 4 3 7


Taça da Liga: segunda eliminatória Taça UEFA: primeira eliminatória Classificação do campeonato

1. Manchester United 2. Newcastle United 3. Liverpool 4. Aston Villa 5. Arsenal 6. Everton 7. Blackburn Rovers 8. Tottenham Hotspur 9. Nottingham Forest 10. West Ham United 11. Chelsea 12. Middlesbrough 13. Leeds United 14. Wimbledon 15. Sheffield Wednesday 16. Coventry City 17. Southampton 18. Manchester City 19. Queens Park Rangers 20. Bolton Wanderers

J 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38

V 15 17 14 11 10 10 14 9 11 9 7 8 8 5 7 6 7 7 6 5

CASA E D GM GS 4 0 36 9 1 1 38 9 4 1 46 13 5 3 32 15 7 2 30 16 5 4 35 19 2 3 44 19 5 5 26 19 6 2 29 17 5 5 25 21 7 5 30 22 3 8 27 27 3 8 21 21 6 8 27 33 5 7 30 31 7 6 21 23 7 5 21 18 7 5 21 19 5 8 25 26 4 10 16 31

V 10 7 6 7 7 7 4 7 4 5 5 3 4 5 3 2 2 2 3 3

E 3 5 7 4 5 5 5 8 7 4 7 7 4 5 5 7 4 4 1 1

FORA D GM GS Pts 6 37 26 82 7 28 28 78 6 24 21 71 8 20 20 63 7 19 16 63 7 29 25 61 10 17 28 61 4 24 19 61 8 21 37 58 10 18 31 51 7 16 22 50 9 8 23 43 11 19 36 43 9 28 37 41 11 18 30 40 10 21 37 38 13 13 34 38 13 12 39 38 15 13 31 33 15 23 40 29


Casa Fora Total

J 19 19 38

V 12 9 21

E 5 7 12

D 2 3 5

GM 38 38 76

GS 17 27 44

Pts 41 34 75

Classificação final: campeão Taça de Inglaterra: quarta eliminatória Taça da Liga: quarta eliminatória Liga dos Campeões: meias-finais FA Charity Shield: vencedor Classificação do campeonato

1. Manchester United 2. Newcastle United 3. Arsenal 4. Liverpool 5. Aston Villa 6. Chelsea 7. Sheffield Wednesday 8. Wimbledon 9. Leicester City 10. Tottenham Hotspur 11. Leeds United 12. Derby County 13. Blackburn Rovers 14. West Ham United 15. Everton 16. Southampton

J 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38

V 12 13 10 10 11 9 8 9 7 8 7 8 8 7 7 6

CASA E D GM GS 5 2 38 17 3 3 54 20 5 4 36 18 6 3 38 19 5 3 27 13 8 2 33 22 10 1 25 16 6 4 28 21 5 7 22 26 4 7 19 17 7 5 15 13 6 5 25 22 4 7 28 23 6 6 27 25 4 8 24 22 7 6 32 24

V 9 6 9 9 6 7 6 6 5 5 4 3 1 3 3 4

E 7 8 6 5 5 3 5 5 6 3 6 7 11 6 8 4

FORA D GM GS Pts 3 38 27 75 5 19 20 68 4 26 14 68 5 24 18 68 8 20 21 61 9 25 33 59 8 25 35 57 8 21 25 56 8 24 28 47 11 25 34 46 9 13 25 46 9 20 36 46 7 14 20 42 10 12 23 42 8 20 35 42 11 18 32 41


17. Coventry City 18. Sunderland 19. Middlesbrough 20. Nottingham Forest

38 38 38 38

4 7 8 3

8 6 5 9

7 6 6 7

19 20 34 15

23 18 25 27

5 3 2 3

6 4 7 7

8 12 10 9

19 15 17 16

31 35 35 32

41 40 39 34

Época 1997–98 FA Carling Premiership Casa Fora Total

J 19 19 38

V 13 10 23

E 4 4 8

D 2 5 7

GM 42 31 73

GS 9 17 26

Pts 43 34 77

D 1 2 3

GM 45 35 80

GS 18 19 37

Pts 46 33 79

Classificação final: segundo Taça de Inglaterra: quinta eliminatória Taça da Liga: terceira eliminatória Liga dos Campeões: quartos-de-final FA Charity Shield: vencedor

Época 1998–99 FA Carling Premiership Casa Fora Total

J 19 19 38

V 14 8 22

Classificação final: campeão

E 4 9 13


Taça de Inglaterra: vencedor Taça da Liga: quinta eliminatória Liga dos Campeões: vencedor Classificação do campeonato

1. Manchester United 2. Arsenal 3. Chelsea 4. Leeds United 5. West Ham United 6. Aston Villa 7. Liverpool 8. Derby County 9. Middlesbrough 10. Leicester City 11. Tottenham Hotspur 12. Sheffield Wednesday 13. Newcastle United 14. Everton 15. Coventry City 16. Wimbledon 17. Southampton 18. Charlton Athletic 19. Blackburn Rovers 20. Nottingham Forest

Época 1999–2000 FA Carling Premiership

J 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38

V 14 14 12 12 11 10 10 8 7 7 7 7 7 6 8 7 9 4 6 3

CASA E D GM GS 4 1 45 18 5 0 34 5 6 1 29 13 5 2 32 9 3 5 32 26 3 6 33 28 5 4 44 24 7 4 22 19 9 3 25 18 6 6 25 25 7 5 28 26 5 7 20 15 6 6 26 25 8 5 22 12 6 5 26 21 7 5 22 21 4 6 29 26 7 8 20 20 5 8 21 24 7 9 18 31

V 8 8 8 6 5 5 5 5 5 5 4 6 4 5 3 3 2 4 1 4

E 9 7 9 8 6 7 4 6 6 7 7 2 7 2 3 5 4 5 9 2

FORA D GM GS Pts 2 35 19 79 4 25 12 78 2 28 17 75 5 30 25 67 8 14 27 57 7 18 18 55 10 24 25 54 8 18 26 52 8 23 36 51 7 15 21 49 8 19 24 47 11 21 27 46 8 22 29 46 12 20 35 43 13 13 30 42 11 18 42 42 13 8 38 41 10 21 36 36 9 17 28 35 13 17 38 30


Casa Fora Total

J 19 19 38

V 15 13 28

E 4 3 7

D 0 3 3

GM 59 38 97

GS 16 29 45

Pts 49 42 91

Classificação final: campeão Taça de Inglaterra: não participou Taça da Liga: terceira eliminatória Liga dos Campeões: quartos-de-final Taça Intercontinental: vencedor Campeonato do Mundo de Clubes: terceiro do seu grupo na primeira fase Classificação do campeonato

1. Manchester United 2. Arsenal 3. Leeds United 4. Liverpool 5. Chelsea 6. Aston Villa 7. Sunderland 8. Leicester City 9. West Ham United 10. Tottenham Hotspur 11. Newcastle United 12. Middlesbrough 13. Everton 14. Coventry City 15. Southampton

J 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38

V 15 14 12 11 12 8 10 10 11 10 10 8 7 12 8

CASA E D GM GS 4 0 59 16 3 2 42 17 2 5 29 18 4 4 28 13 5 2 35 12 8 3 23 12 6 3 28 17 3 6 31 24 5 3 32 23 3 6 40 26 5 4 42 20 5 6 23 26 9 3 36 21 1 6 38 22 4 7 26 22

V 13 8 9 8 6 7 6 6 4 5 4 6 5 0 4

E 3 4 4 6 6 5 4 4 5 5 5 5 5 7 4

FORA D GM GS Pts 3 38 29 91 7 31 26 73 6 29 25 69 5 23 17 67 7 18 22 65 7 23 23 58 9 29 39 58 9 24 31 55 10 20 30 55 9 17 23 53 10 21 34 52 8 23 26 52 9 23 28 50 12 9 32 44 11 19 40 44


16. Derby County 17. Bradford City 18. Wimbledon 19. Sheffield Wednesday 20. Watford

38 38 38 38 38

6 6 6 6 5

3 10 22 25 3 8 5 26 29 3 7 6 30 28 1 3 10 21 23 2 4 10 24 31 1

8 1 5 4 2

8 15 13 13 16

22 12 16 17 11

32 39 46 47 46

38 36 33 31 24

Época 2000–01 FA Carling Premiership Casa Fora Total

J 19 19 38

V 15 9 24

E 2 6 8

D 2 4 6

GM 49 30 79

GS 12 19 31

Pts 47 33 80

Classificação final: campeão Taça de Inglaterra: quarta eliminatória Taça da Liga: quarta eliminatória Liga dos Campeões: quartos-de-final Classificação do campeonato

1. Manchester United 2. Arsenal 3. Liverpool 4. Leeds United 5. Ipswich Town 6. Chelsea 7. Sunderland 8. Aston Villa

J 38 38 38 38 38 38 38 38

V 15 15 13 11 11 13 9 8

CASA E D GM GS 2 2 49 12 3 1 45 13 4 2 40 14 3 5 36 21 5 3 31 15 3 3 44 20 7 3 24 16 8 3 27 20

V 9 5 7 9 9 4 6 5

E 6 7 5 5 1 7 5 7

FORA D GM GS Pts 4 30 19 80 7 18 25 70 7 31 25 69 5 28 22 68 9 26 27 66 8 24 25 61 8 22 25 57 7 19 23 54


9. Charlton Athletic 10. Southampton 11. Newcastle United 12. Tottenham Hotspur 13. Leicester City 14. Middlesbrough 15. West Ham United 16. Everton 17. Derby County 18. Manchester City 19. Coventry City 20. Bradford City

38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38

11 11 10 11 10 4 6 6 8 4 4 4

5 3 31 19 2 6 27 22 4 5 26 17 6 2 31 16 4 5 28 23 7 8 18 23 6 7 24 20 8 5 29 27 7 4 23 24 3 12 20 31 7 8 14 23 7 8 20 29

3 3 4 2 4 5 4 5 2 4 4 1

5 8 5 4 2 8 6 1 5 7 3 4

11 8 10 13 13 6 9 13 12 8 12 14

19 13 18 16 11 26 21 16 14 21 22 10

38 26 33 38 28 21 30 32 35 34 40 41

52 52 51 49 48 42 42 42 42 34 34 26

E 2 3 5

D 6 3 9

GM 40 47 87

GS 17 28 45

Pts 35 42 77

D

GM

GS

Pts

Época 2001–02 Barclaycard Premiership Casa Fora Total

J 19 19 38

V 11 13 24

Classificação final: terceiro Taça de Inglaterra: quarta eliminatória Taça da Liga: terceira eliminatória Liga dos Campeões: meias-finais

Época 2002–03 Barclaycard Premiership J

V

E


Casa Fora Total

19 19 38

16 9 25

2 6 8

1 4 5

42 32 74

12 22 34

50 33 83

Classificação final: campeão Taça de Inglaterra: quinta eliminatória Taça da Liga: finalista Liga dos Campeões: quartos-de-final Classificação do campeonato J 1. Manchester United 38 2. Arsenal 38 3. Newcastle United 38 4. Chelsea 38 5. Liverpool 38 6. Blackburn Rovers 38 7. Everton 38 8. Southampton 38 9. Manchester City 38 10. Tottenham Hotspur 38 11. Middlesbrough 38 12. Charlton Athletic 38 13. Birmingham City 38 14. Fulham 38 15. Leeds United 38 16. Aston Villa 38 17. Bolton Wanderers 38 18. West Ham United 38 19. West Bromwich Albion 38

V 16 15 15 12 9 9 11 9 9 9 10 8 8 11 7 11 7 5 3

CASA E D GM GS 2 1 42 12 2 2 47 20 2 2 36 17 5 2 41 15 8 2 30 16 7 3 24 15 5 3 28 19 8 2 25 16 2 8 28 26 4 6 30 29 7 2 36 21 3 8 26 30 5 6 25 23 3 5 26 18 3 9 25 26 2 6 25 14 8 4 27 24 7 7 21 24 5 11 17 34

V 9 8 6 7 9 7 6 4 6 5 3 6 5 2 7 1 3 5 3

E 6 7 4 5 2 5 3 5 4 4 3 4 4 6 2 7 6 5 3

FORA D GM GS Pts 4 32 22 83 4 38 22 78 9 27 31 69 7 27 23 67 8 31 25 64 7 28 28 60 10 20 30 59 10 18 30 52 9 19 28 51 10 21 33 50 13 12 23 49 9 19 26 49 10 16 26 48 11 15 32 48 10 33 31 47 11 17 33 45 10 14 27 44 9 21 35 42 13 12 31 26


20. Sunderland

38 3

2 14 11 31 1

5 13 10 34 19

Época 2003–04 Barclaycard Premiership Casa Fora Total

J 19 19 38

V 12 11 23

E 4 2 6

D 3 6 9

GM 37 27 64

GS 15 20 35

Pts 40 35 75

D 1 4 5

GM 31 27 58

GS 12 14 26

Pts 42 35 77

Classificação final: terceiro Taça de Inglaterra: vencedor Taça da Liga: quarta eliminatória Liga dos Campeões: oitavos-de-final FA Community Shield: vencedor Época 2004–05 Barclays Premiership Casa Fora Total

J 19 19 38

V 12 10 22

E 6 5 11

Classificação final: terceiro Taça de Inglaterra: finalista Taça da Liga: meias-finais Liga dos Campeões: oitavos-de-final


Época 2005–06 Barclays Premiership Casa Fora Total

J 19 19 38

V 13 12 25

E 5 3 8

D 1 4 5

GM 37 35 72

GS 8 26 34

Pts 44 39 83

D 2 3 5

GM 46 37 83

GS 12 15 27

Pts 47 42 89

Classificação final: segundo Taça de Inglaterra: quinta eliminatória Taça da Liga: vencedor Liga dos Campeões: fase de grupos Época 2006–07 Barclays Premiership Casa Fora Total

J 19 19 38

V 15 13 28

E 2 3 5

Classificação final: campeão Taça de Inglaterra: finalista Taça da Liga: quarta eliminatória Liga dos Campeões: meias-finais Classificação do campeonato CASA

FORA


J 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38

1. Manchester United 2. Chelsea 3. Liverpool 4. Arsenal 5. Tottenham Hotspur 6. Everton 7. Bolton Wanderers 8. Reading 9. Portsmouth 10. Blackburn Rovers 11. Aston Villa 12. Middlesbrough 13. Newcastle United 14. Manchester City 15. West Ham United 16. Fulham 17. Wigan Athletic 18. Sheffield United 19. Charlton Athletic 20. Watford

V 15 12 14 12 12 11 9 11 11 9 7 10 7 5 8 7 5 7 7 3

E 2 7 4 6 3 4 5 2 5 3 8 3 7 6 2 7 4 6 5 9

D 2 0 1 1 4 4 5 6 3 7 4 6 5 8 9 5 10 6 7 7

GM GS 46 12 37 11 39 7 43 16 34 22 33 17 26 20 29 20 28 15 31 25 20 14 31 24 23 20 10 16 24 26 18 18 18 30 24 21 19 20 19 25

V 13 12 6 7 5 4 7 5 3 6 4 2 4 6 4 1 5 3 1 2

E 3 4 4 5 6 9 3 5 7 4 9 7 3 3 3 8 4 2 5 4

D 3 3 9 7 8 6 9 9 9 9 6 10 12 10 12 10 10 14 13 13

GM GS Pts 37 15 89 27 13 83 18 20 68 20 19 68 23 32 60 19 19 58 21 32 56 23 27 55 17 27 54 21 29 52 23 27 50 13 25 46 15 27 43 19 28 42 11 33 41 20 42 39 19 29 38 8 34 38 15 40 34 10 34 28

Época 2007–08 Barclays Premier League Casa Fora Total

J 19 19 38

V 17 10 27

E 1 5 6

Classificação final: campeão Taça de Inglaterra: sexta eliminatória

D 1 4 5

GM 47 33 80

GS 7 15 22

Pts 52 35 87


Taça da Liga: terceira eliminatória Liga dos Campeões: vencedor FA Community Shield: vencedor Classificação do campeonato

1. Manchester United 2. Chelsea 3. Arsenal 4. Liverpool 5. Everton 6. Aston Villa 7. Blackburn Rovers 8. Portsmouth 9. Manchester City 10. West Ham United 11. Tottenham Hotspur 12. Newcastle United 13. Middlesbrough 14. Wigan Athletic 15. Sunderland 16. Bolton Wanderers 17. Fulham 18. Reading 19. Birmingham City 20. Derby County Época 2008–09 Barclays Premier League

J 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38

V 17 12 14 12 11 10 8 7 11 7 8 8 7 8 9 7 5 8 6 1

CASA E D GM GS 1 1 47 7 7 0 36 13 5 0 37 11 6 1 43 13 4 4 34 17 3 6 34 22 7 4 26 19 8 4 24 14 4 4 28 20 7 5 24 24 5 6 46 34 5 6 25 26 5 7 27 23 5 6 21 17 3 7 23 21 5 7 23 18 5 9 22 31 2 9 19 25 8 5 30 23 5 13 12 43

V 10 13 10 9 8 6 7 9 4 6 3 3 3 2 2 2 3 2 2 0

E 5 3 6 7 4 9 6 1 6 3 8 5 7 5 3 5 7 4 3 3

FORA D GM GS Pts 4 33 15 87 3 29 13 85 3 37 20 83 3 24 15 76 7 21 16 65 4 37 29 60 6 24 29 58 9 24 26 57 9 17 33 55 10 18 26 49 8 20 27 46 11 20 39 43 9 16 30 42 12 13 34 40 14 13 38 39 12 13 36 37 9 16 29 36 13 22 41 36 14 16 39 35 16 8 46 11


Casa Fora Total

J 19 19 38

V 16 12 28

E 2 4 6

D 1 3 4

GM 43 25 68

GS 13 11 24

Pts 50 40 90

Classificação final: campeão Taça de Inglaterra: meias-finais Taça da Liga: vencedor Liga dos Campeões: finalista Campeonato do Mundo de Clubes: vencedor FA Community Shield: vencedor Classificação do campeonato

1. Manchester United 2. Liverpool 3. Chelsea 4. Arsenal 5. Everton 6. Aston Villa 7. Fulham 8. Tottenham Hotspur 9. West Ham United 10. Manchester City 11. Wigan Athletic 12. Stoke City 13. Bolton Wanderers 14. Portsmouth

J 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38

V 16 12 11 11 8 7 11 10 9 13 8 10 7 8

CASA E D GM GS 2 1 43 13 7 0 41 13 6 2 33 12 5 3 31 16 6 5 31 20 9 3 27 21 3 5 28 16 5 4 21 10 2 8 23 22 0 6 40 18 5 6 17 18 5 4 22 15 5 7 21 21 3 8 26 29

V 12 13 14 9 9 10 3 4 5 2 4 2 4 2

E 4 4 2 7 6 2 8 4 7 5 4 4 3 8

FORA D GM GS Pts 3 25 11 90 2 36 14 86 3 35 12 83 3 37 21 72 4 24 17 63 7 27 27 62 8 11 18 53 11 24 35 51 7 19 23 51 12 18 32 50 11 17 27 45 13 16 40 45 12 20 32 41 9 12 28 41


15. Blackburn Rovers 16. Sunderland 17. Hull City 18. Newcastle United 19. Middlesbrough 20. West Bromwich Albion

38 38 38 38 38 38

6 6 3 5 5 7

7 6 22 23 4 3 10 21 25 3 5 11 18 36 5 7 7 24 29 2 9 5 17 20 2 3 9 26 33 1

4 6 6 6 2 5

11 10 8 11 15 13

18 13 21 16 11 10

37 29 28 30 37 34

41 36 35 34 32 32

Época 2009–10 Barclays Premier League Casa Fora Total

J 19 19 38

V 16 11 27

E 1 3 4

D 2 5 7

GM 52 34 86

GS 12 16 28

Pts 49 36 85

D 0 4 4

GM 49 29 78

GS 12 25 37

Pts 55 25 80

Classificação final: segundo Taça de Inglaterra: terceira eliminatória Taça da Liga: vencedor Liga dos Campeões: quartos-de-final Época 2010–11 Barclays Premier League Casa Fora Total

J 19 19 38

V 18 5 23

Classificação final: campeão Taça de Inglaterra: meias-finais

E 1 10 11


Taça da Liga: quinta eliminatória Liga dos Campeões: finalista FA Community Shield: vencedor Classificação do campeonato J 1. Manchester United 38 2. Chelsea 38 3. Manchester City 38 4. Arsenal 38 5. Tottenham Hotspur 38 6. Liverpool 38 7. Everton 38 8. Fulham 38 9. Aston Villa 38 10. Sunderland 38 11. West Bromwich Albion 38 12. Newcastle United 38 13. Stoke City 38 14. Bolton Wanderers 38 15. Blackburn Rovers 38 16. Wigan Athletic 38 17. Wolverhampton Wand. 38 18. Birmingham City 38 19. Blackpool 38 20. West Ham United 38 Época 2011–12 Barclays Premier League

V 18 14 13 11 9 12 9 8 8 7 8 6 10 10 7 5 8 6 5 5

CASA E D GM GS 1 0 49 12 3 2 39 13 4 2 34 12 4 4 33 15 9 1 30 19 4 3 37 14 7 3 31 23 7 4 30 23 7 4 26 19 5 7 25 27 6 5 30 30 8 5 41 27 4 5 31 18 5 4 34 24 7 5 22 16 8 6 22 34 4 7 30 30 8 5 19 22 5 9 30 37 5 9 24 31

V 5 7 8 8 7 5 4 3 4 5 4 5 3 2 4 4 3 2 5 2

E 10 5 4 7 5 3 8 9 5 6 5 5 3 5 3 7 3 7 4 7

FORA D GM GS Pts 4 29 25 80 7 30 20 71 7 26 21 71 4 39 28 68 7 25 27 62 11 22 30 58 7 20 22 54 7 19 20 49 10 22 40 48 8 20 29 47 10 26 41 47 9 15 30 46 13 15 30 46 12 18 32 46 12 24 43 43 8 18 27 42 13 16 36 40 10 18 36 39 10 25 41 39 10 19 39 33


Casa Fora Total

J 19 19 38

V 15 13 28

E 2 3 5

D 2 3 5

GM 52 37 89

GS 19 14 33

Pts 47 42 89

D 3 2 5

GM 45 41 86

GS 19 24 43

Pts 48 41 89

Classificação final: segundo Taça de Inglaterra: quarta eliminatória Taça da Liga: quinta eliminatória Liga dos Campeões: fase de grupos Liga Europa: 1/16 avos-de-final FA Community Shield: vencedor Época 2012–13 Barclays Premier League Casa Fora Total

J 19 19 38

V 16 12 28

E 0 5 5

Classificação final: campeão Taça de Inglaterra: sexta eliminatória Taça da Liga: quarta eliminatória Liga dos Campeões: oitavos-de-final Classificação do campeonato CASA

FORA


1. Manchester United 2. Manchester City 3. Chelsea 4. Arsenal 5. Tottenham Hotspur 6. Everton 7. Liverpool 8. West Bromwich Albion 9. Swansea City 10. West Ham United 11. Norwich City 12. Fulham 13. Stoke City 14. Southampton 15. Aston Villa 16. Newcastle United 17. Sunderland 18. Wigan Athletic 19. Reading 20. Queens Park Rangers

J 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38 38

V 16 14 12 11 11 12 9 9 6 9 8 7 7 6 5 9 5 4 4 2

E 0 3 5 5 5 6 6 4 8 6 7 3 7 7 5 1 8 6 8 8

D 3 2 2 3 3 1 4 6 5 4 4 9 5 6 9 9 6 9 7 9

GM GS 45 19 41 15 41 16 47 23 29 18 33 17 33 16 32 25 28 26 34 22 25 20 28 30 21 22 26 24 23 28 24 31 20 19 26 39 23 33 13 28

V 12 9 10 10 10 4 7 5 5 3 2 4 2 3 5 2 4 5 2 2

E 5 6 4 5 4 9 7 3 5 4 7 7 8 7 6 7 4 3 2 5

D 2 4 5 4 5 6 5 11 9 12 10 8 9 9 8 10 11 11 15 12

GM GS Pts 41 24 89 25 19 78 34 23 75 25 14 73 37 28 72 22 23 63 38 27 61 21 32 49 19 25 46 11 31 46 16 38 44 22 30 43 13 23 42 23 36 41 24 41 41 21 37 41 21 35 39 21 34 36 20 40 28 17 32 25

Sumário CASA Liga T. Ingl. Europa T. Liga Supertaça Total . FORA

J 517 53 109 44 1 724

V 370 38 70 36 1 515

E 95 9 27 3 0 134

D 52 6 12 5 0 75

GM 1098 105 238 95 1 1537

GS 354 35 95 40 0 524

Pts 1205

J

V

E

D

GM

GS

Pts


Liga T. Ingl. Europa T. Liga CMC TI Supertaça C. Shield Total . TOTAIS

518 67 114 53 5 1 2 16 776 1500

255 42 49

143 13 33 7

26 3 1 0 4 380 895

848 125 142 83 10 1 1 22 1232

576 58 108 67 7 0 3 22 841

908

0 0 7 204

120 12 32 20 1 0 2 5 192

338

267

2769

1365

2113

1

CMC – Campeonato do Mundo de Clubes TI – Taça Intercontinental Os jogos em campo neutro foram incluídos no item de jogos fora

O Manchester United em competições internacionais durante a vigência de Alex Ferguson Época 1999–2000 Taça Intercontinental (Tóquio, Japão) Palmeiras (Brasil) 1–0 Campeonato do Mundo de Clubes Fase de Grupos: (Rio de Janeiro, Brasil): Club Necaxa (México) 1–1; Vasco da Gama (Brasil) 1–3; South Melbourne (Austrália) 2–0 (terceiro classificado do grupo) Época 2008–09 Campeonato do Mundo de Clubes Meia-final (Iocoama, Japão): Gamba Osaca (Japão) 5–3 Final (Iocoama): Liga de Quito (Equador) 1–0


As campanhas europeias do Manchester United durante a vigência de Alex Ferguson Época 1990–91 Taça dos Vencedores de Taças 1.ª eliminatória: Pécsi Munkás (Hungria) (C) 2–0, (F) 1–0, Ag: 3–0 2.ª eliminatória: Wrexham (País de Gales) (C) 3–0, (F) 2–0, Ag: 5–0 Quartos-de-final: Montpellier (França) (C) 1–1, (F) 2–0, Ag: 3–1 Meias-finais: Legia Varsóvia (Polónia) (F) 3–1, (C) 1–1, Ag: 4–2 Final (Roterdão, Holanda): Barcelona (Espanha) 2–1 Época 1991–92 Supertaça Europeia Estrela Vermelha de Belgrado (Jugoslávia) (C) 1–0 56 Taça dos Vencedores de Taças 1.ª eliminatória: Athinaikos (Grécia) (F) 0–0, (C) 2–0 (após prolongamento), Ag: 2–0 2.ª eliminatória: Atlético Madrid (Espanha) (F) 0–3, (C) 1–1, Ag: 1–4 Época 1992–93 Taça UEFA 1.ª eliminatória: Torpedo de Moscovo (Rússia) (C) 0–0, (F) 0–0, Ag: 0–0 (eliminado por 3-4 nas grandes penalidades) Época 1993–94 Liga dos Campeões 1.ª eliminatória: Kispest Honvéd (Hungria) (F) 3–2, (C) 2–1, Ag: 5–3 2.ª eliminatória: Galatasaray (Turquia) (C) 3–3, (F) 0–0, Ag: 3–3 (eliminado pela regra dos golos fora de casa)


Época 1994–95 Liga dos Campeões Fase de Grupos: IFK Gotemburgo (Suécia) (C) 4–2, Galatasaray (Turquia) (F) 0–0, Barcelona (Espanha) (C) 2–2; Barcelona (F) 0–4, IFK Gotemburgo (F) 1–3, Galatasaray (C) 4–0 (terceiro classificado no grupo) Época 1995–96 Taça UEFA 1.ª eliminatória: isento 2.ª eliminatória: Rotor Volgograd (Rússia) (F) 0–0, (C) 2–2, Ag: 2-2 (eliminado pela regra dos golos fora de casa) Época 1996–97 Liga dos Campeões Fase de Grupos: Juventus (Itália) (F) 0–1, Rapid Viena (Áustria) (C) 2–0, Fenerbahçe (Turquia) (F) 2–0; Fenerbahçe (C) 0–1, Juventus (C) 0–1, Rapid Vienna (F) 2–0 (segundo classificado do grupo) Quartos-de-final: FC Porto (Portugal) (C) 4–0, (F) 0–0, Ag: 4–0 Meias-finais: Borussia de Dortmund (Alemanha) (F) 0–1, (C) 0–1, Ag: 0– 2 Época 1997–98 Liga dos Campeões Fase de grupos: Košice (Eslováquia) (F) 3–0, Juventus (Itália) (C) 3–2, Feyenoord (Holanda) (C) 2–1; Feyenoord (F) 3–1, Košice (C) 3–0, Juventus (F) 0–1 (segundo classificado do grupo) Quartos-de-final: Mónaco (França) (F) 0–0, (C) 1–1 Ag: 1-1 (eliminado pela regra dos golos fora de casa) Época 1998–99 Liga dos Campeões Pré-eliminatória: LSK Lodz (Polónia) (C) 2–0, (F) 0–0, Ag: 2–0


Fase de grupos: Barcelona (Espanha) (C) 3–3, Bayern de Munique (Alemanha) (F) 2–2, Brondby (Dinamarca) (F) 6–2; Brondby (C) 5–0, Barcelona (F) 3–3, Bayern de Munique (C) 1–1 (segundo classificado do grupo) Quartos-de-final: Inter de Milão (Itália) (C) 2–0, (F) 1–1, Ag: 3–1 Meias-finais: Juventus (Itália) (C) 1–1, (F) 3–2, Ag: 4–3 Final (Barcelona, Espanha): Bayern de Munique 2–1 Época 1999–2000 Supertaça (Mónaco, França): Lazio (Itália) 0–1 Liga dos Campeões Primeira fase de grupos: Croácia Zagreb (Croácia) (C) 0–0, Sturm Graz (Áustria) (F) 3–0, Marselha (França) (C) 2–1; Marselha (F) 0–1, Croácia Zagreb (F) 2–1, Sturm Graz (C) 2–1 (primeiro classificado do grupo) Segunda fase de grupos: Fiorentina (Itália) (F) 0–2, Valência (Espanha) (C) 3–0, Bordéus (França) (C) 2–0; Bordéus (F) 2–1, Fiorentina (C) 3–1, Valência (F) 0–0 (primeiro classificado do grupo) Quartos-de-final: Real Madrid (Espanha) (F) 0–0, (C) 2–3, Ag: 2–3 Época 2000–01 Liga dos Campeões Primeira fase de grupos: Anderlecht (Bélgica) (C) 5–1, Dínamo Kiev (Ucrânia) (F) 0–0, PSV Eindhoven (Holanda) (F) 1–3; PSV Eindhoven (C) 3–1, Anderlecht (F) 1–2, Dínamo Kiev (C) 1–0 (segundo classificado do grupo) Segunda fase de grupos: Panathinaikos (Grécia) (C) 3–1, Sturm Graz (Áustria) (F) 2–0, Valência (Espanha) (F) 0–0; Valência (C) 1–1,


Panathinaikos (F) 1–1, Sturm Graz (C) 3–0 (segundo classificado do grupo) Quartos-de-final: Bayern de Munique (Alemanha) (C) 0–1, (F) 1–2, Ag: 1–3 Época 2001–02 Liga dos Campeões Primeira fase de grupos: Lille (França) (C) 1–0, Deportivo da Corunha (Espanha) (F) 1–2, Olympiacos (Grécia) (F) 2–0; Olympiacos (C) 3–0, Lille (F) 1–1, Deportivo da Corunha (C) 2–3 (segundo classificado do grupo) Segunda fase de grupos: Bayern de Munique (Alemanha) (F) 1–1, Boavista (Portugal) (C) 3–0, Nantes (França) (F) 1–1; Nantes (C) 5–1, Bayern de Munique (C) 0–0, Boavista (F) 3–0 (primeiro classificado do grupo) Quartos-de-final: Deportivo da Corunha (F) 2–0, (C) 3–2, Ag: 5–2 Meias-finais: Bayer Leverkusen (Alemanha) (C) 2–2, (F) 1–1, Ag: 3–3 (eliminado pela regra dos golos fora de casa) Época 2002–03 Liga dos Campeões 3.ª pré-eliminatória: Zalaegerszegi TE (Hungria) (F) 0–1, (C) 5–0, Ag: 5– 1 Primeira fase de grupos: Maccabi Haifa (Israel) (C) 5–2, Bayer Leverkusen (Alemanha) (F) 2–1, Olympiacos (Grécia) (C) 4–0; Olympiacos (F) 3–2, Maccabi Haifa (F) 0–3, Bayer Leverkusen (C) 2–0 (primeiro classificado do grupo) Segunda fase de grupos: Basileia (Suíça) (F) 3–1, Deportivo da Corunha (Espanha) (C) 2–


0, Juventus (Itália) (C) 2–1; Juventus (F) 3–0, Basileia (C) 1–1, Deportivo da Corunha (F) 0–2 (primeiro classificado do grupo) Quartos-de-final: Real Madrid (Espanha) (F) 1–3, (C) 4–3, Ag: 5–6 Época 2003–04 Liga dos Campeões Fase de grupos: Panathinaikos (Grécia) (C) 5–0, Estugarda (Alemanha) (F) 1–2, Rangers (Escócia) (F) 1–0; Rangers (C) 3–0, Panathinaikos (F) 1– 0, Estugarda (C) 2–0 (primeiro classificado do grupo) Quartos-de-final: FC Porto (Portugal) (F) 1–2, (C) 1–1, Ag: 2–3 Época 2004-05 Liga dos Campeões 3.ª pré-eliminatória: Dínamo Bucareste (Roménia) (F) 2–1, (C) 3–0, Ag: 5–1 Fase de grupos: Lyon (França) (F) 2–2, Fenerbahçe (Turquia) (C) 6–2, Sparta Praga (República Checa) (F) 0–0; Sparta Praga (C) 4–1, Lyon (C) 2– 1, Fenerbahçe (F) 0–3 (segundo classificado do grupo) Oitavos-de-final: AC Milan (Itália) (C) 0–1, (F) 0–1, Ag: 0–2 Época 2005–06 Liga dos Campeões 3.ª pré-eliminatória: Debrecen (Hungria) (C) 3–0; (F) 3–0, Ag: 6–0 Fase de grupos: Villarreal (Espanha) (F) 0–0, Benfica (Portugal) (C) 2–1, Lille (França) (C) 0–0; Lille (F) 0–1, Villarreal (C) 0–0, Benfica (F) 1–2 (quarto classificado do grupo) Época 2006–07 Liga dos Campeões Fase de grupos: Celtic (C) 3–2, Benfica (Portugal) (F) 1–0, FC Copenhagen (Dinamarca) (C) 3–0; FC Copenhagen (F) 0–1, Celtic (F) 0–1, Benfica (C) 3–1 (primeiro classificado do grupo)


Oitavos-de-final: Lille (França) (F) 1–0, Lille (C) 1–0, Ag: 2–0 Quartos-de-final: Roma (Itália) (F) 1–2, (C) 7–1, Ag: 8–3 Meias-finais: AC Milan (Itália) (C) 3–2, (F) 0–3, Ag: 3–5 Época 2007–08 Liga dos Campeões Fase de grupos: Sporting (Portugal) (F) 1–0, Roma (Itália) (C) 1–0, Dínamo Kiev (Ucrânia) (F) 4–2; Dínamo Kiev (C) 4–0, Sporting (C) 2–1, Roma (F) 1–1 (primeiro classificado do grupo) Oitavos-de-final: Lyon (França) (F) 1–1, (C) 1–0, Ag: 2–1 Quartos-de-final: Roma (Itália) (F) 2–0, (C) 1–0, Ag: 3–0 Meias-finais: Barcelona (Espanha) (F) 0–0, (C) 1–0, Ag: 1–0 Final (Moscovo, Rússia): Chelsea 1–1 (vitória por 6–5 no desempate por grandes penalidades) Época 2008–09 Liga dos Campeões Fase de grupos: Villarreal (Espanha) (C) 0–0, Aalborg (Dinamarca) (F) 3–0, Celtic (Escócia) (C) 3–0; Celtic (F) 1–1, Villarreal (F) 0–0, Aalborg (C) 2–2 (primeiro classificado do grupo) Oitavos-de-final: Inter de Milão (Itália) (F) 0–0, (C) 2–0, Ag: 2–0 Quartos-de-final: FC Porto (Portugal) (C) 2–2, (F) 1–0, Ag: 3–2 Meias-finais: Arsenal (C) 1–0, (F) 3–1, Ag: 4–1 Final (Roma, Itália): Barcelona (Espanha) 0–2 Época 2009–10 Liga dos Campeões


Fase de grupos: Besiktas (Turquia) (F) 1–0, Wolfsburgo (Alemanha) (C) 2–1, CSKA Moscovo (Rússia) (F) 1–0; CSKA Moscovo (C) 3–3, Besiktas (C) 0–1, Wolfsburgo (F) 3–1 (primeiro classificado do grupo) Oitavos-de-final: AC Milan (Itália) (F) 3–2, (C) 4–0, Ag: 7–2 Quartos-de-final: Bayern de Munique (Alemanha) (F) 1–2, (C) 3–2, Ag: 4–4 (eliminado pela regra dos golos fora de casa) Época 2010–11 Liga dos Campeões Fase de grupos: Rangers (Escócia) (C) 0–0, Valência (Espanha) (F) 1–0, Bursaspor (Turquia) (C) 1–0; Bursaspor (F) 3–0, Rangers (F) 1–0, Valência (C) 1–1 (primeiro classificado do grupo) Oitavos-de-final: Marselha (França) (F) 0–0, (C) 2–1, Ag: 2–1 Quartos-de-final: Chelsea (F) 1–0, (C) 2–1, Ag: 3–1 Meias-finais: Schalke 04 (Alemanha) (F) 2–0, (C) 4–1, Ag: 6–1 Final (Wembley, Reino Unido): Barcelona (Espanha) 1–3

Época 2011–12 Liga dos Campeões Fase de grupos: Benfica (Portugal) (F) 1–1, Basileia (Suíça) (C) 3–3, Otelul Galati (Roménia) (F) 2–0; Otelul Galati (C) 2–0, Benfica (C) 2–2, Basileia (F) 1–2 (terceiro classificado do grupo) Liga Europa 1/16-de-final: Ajax (Holanda) (F) 2–0, (C) 1–2, Ag: 3–2 Oitavos-de-final: Atlético de Bilbao (Espanha) (C) 2–3, (F) 1–2, Ag: 3–5 Época 2012–13 Liga dos Campeões


Fase de grupos: Galatasaray (Turquia) (C) 1–0, Cluj (Roménia) (F) 2–1, Braga (Portugal) (C) 3–2; Braga (F) 3–1, Galatasaray (F) 0–1, Cluj (C) 0–1 (primeiro classificado do grupo) Oitavos-de-final: Real Madrid (Espanha) (F) 1–1, (C) 1–2, Ag: 2–3 56 Devido à situação política na então Jugoslávia, a Supertaça desta época não se disputou em duas mãos e sim em apenas um jogo, em Old Trafford.

Títulos Taça dos Campeões Europeus/Liga dos Campeões Vencedor: 1999, 2008 Finalista: 2009, 2011 Taça dos Vencedores de Taças Vencedor: 1991 FA Premier League Campeão: 1993, 1994, 1996, 1997, 1999, 2000, 2001, 2003, 2007, 2008, 2009, 2011, 2013 Segundo classificado: 1995, 1998, 2006, 2010, 2012 Taça de Inglaterra Vencedor: 1990, 1994, 1996, 1999, 2004 Finalista: 1995, 2005, 2007 Taça da Liga Vencedor: 1992, 2006, 2009, 2010 Finalista: 1991, 1994, 2003


Taça Intercontinental Vencedor: 1999 Campeonato do Mundo de Clubes Vencedor: 2008 Supertaça Europeia Vencedor: 1991 FA Charity/Community Shield Vencedor: 1993, 1994, 1996, 1997, 2003, 2007, 2008, 2010, 2011 Vencedor conjunto (com o Liverpool): 1990

Jogadores do Manchester United sob a vigência de Alex Ferguson Fica aqui a lista dos nomes de todos os jogadores que atuaram em qualquer equipa sénior do Manchester United durante o seu tempo como treinador do clube, até ao fim da época de 2012-13 Albiston, Arthur Amos, Ben Anderson Anderson, Viv Appleton, Michael Bailey, Gary Bardsley, Phil


Barnes, Michael Barnes, Peter Barthez, Fabien Beardsmore, Russell Bebé Beckham, David Bellion, David Berbatov, Dimitar Berg, Henning Blackmore, Clayton Blanc, Laurent Blomqvist, Jesper Bosnich, Mark Brady, Robbie Brazil, Derek Brown, Wes Bruce, Steve Butt, Nicky Büttner, Alexander Campbell, Fraizer


Cantona, Eric Carrick, Michael Carroll, Roy Casper, Chris Chadwick, Luke Chester, James Clegg, Michael Cleverley, Tom Cole, Andy Cole, Larnell Cooke, Terry Cruyff, Jordi Culkin, Nick Curtis, John Davenport, Peter Davies, Simon Davis, Jimmy Diouf, Mame Biram Djemba-Djemba, Eric Djordjic, Bojan


Donaghy, Mal Dong, Fangzhuo Dublin, Dion Duxbury, Mike Eagles, Chris Ebanks-Blake, Sylvan Eckersley, Adam Eckersley, Richard Evans, Jonny Evra, Patrice Ferdinand, Rio Ferguson, Darren Fletcher, Darren Forlán, Diego Fortune, Quinton Foster, Ben Fryers, Zeki Garton, Billy Gea, David de Gibson, Colin


Gibson, Darron Gibson, Terry Giggs, Ryan Gill, Tony Gillespie, Keith oram, Andy Gouw, Raimond van der Graham, Deiniol Gray, David Greening, Jonathan Hargreaves, Owen Healy, David Heinze, Gabriel Hernández, Javier Higginbotham, Danny Hogg, Graeme Howard, Tim Hughes, Mark Ince, Paul Irwin, Denis


Johnsen, Ronny Johnson, Eddie Jones, David Jones, Phil Jones, Ritchie Kagawa, Shinji Kanchelskis, Andrei Keane, Michael Keane, Roy Keane, Will King, Joshua Kléberson Kuszczak, Tomasz Laet, Ritchie de Larsson, Henrik Lee, Kieran Leighton, Jim Lindegaard, Anders Lynch, Mark McClair, Brian


McGibbon, Patrick McGrath, Paul Macheda, Federico McKee, Colin Maiorana, Giuliano Manucho Marsh, Phil Martin, Lee A. Martin, Lee R. May, David Miller, Liam Milne, Ralph Moran, Kevin Morrison, Ravel Moses, Remi Mulryne, Philip Nani Nardiello, Daniel Neville, Gary Neville, Phil


Nevland, Erik Nistelrooy, Ruud van Notman, Alex Obertan, Gabriel O’Brien, Liam O’Kane, John Olsen, Jesper O’Shea, John Owen, Michael Pallister, Gary Park, Ji-Sung Parker, Paul Persie, Robin van Phelan, Mick Pilkington, Kevin Piqué, Gérard Poborsky, Karel Pogba, Paul Possebon, Rodrigo Powell, Nick


Prunier, William Pugh, Danny Rachubka, Paul Ricardo Richardson, Kieran Robins, Mark Robson, Bryan Roche, Lee Ronaldo, Cristiano Rooney, Wayne Rossi, Giuseppe Saha, Louis Sar, Edwin van der Schmeichel, Peter Scholes, Paul Sealey, Les Sharpe, Lee Shawcross, Ryan Sheringham, Teddy Silva, Fábio da


Silva, Rafael da Silvestre, Mikaël Simpson, Danny Sivebaek, John Smalling, Chris Smith, Alan Solskjaer, Ole Gunnar Spector, Jonathan Stam, Jaap Stapleton, Frank Stewart, Michael Strachan, Gordon Taibi, Massimo Tévez, Carlos Thornley, Ben Tierney, Paul Timm, Mads Tomlinson, Graeme Tosic, Zoran Tunnicliffe, Ryan


Turner, Chris Twiss, Michael Valencia, Antonio Vermijl, Marnick Verón, Juan Sebastián Vidić, Nemanja Wallace, Danny Wallwork, Ronnie Walsh, Gary Webb, Neil Webber, Danny Welbeck, Danny Wellens, Richie Whiteside, Norman Whitworth, Neil Wilkinson, Ian Wilson, David Wilson, Mark Wood, Nicky Wootton, Scott


Wratten, Paul Yorke, Dwight Young, Ashley

AGRADECIMENTOS Há uma série de pessoas às quais quero agradecer a execução deste livro. Primeiro, presto tributo a Roddy Bloomfield, meu editor, e a Katie Miles, sua assistente. A experiência e o apoio de Roddy foram bênçãos de Deus. Juntamente com a eficiência de Katie – conseguem formar uma equipa formidável. Paul Hayward é um excelente profissional, com o qual é fácil trabalhar. Foi ele quem me pôs no caminho certo e foi ótimo na forma como recolheu as minhas ideias e as transmitiu de uma forma que me deixa feliz. O fotógrafo Sean Pollock recolheu várias imagens durante um período de quatro anos e fez um trabalho extraordinário. A sua tranquilidade e discrição asseguraram-me que obteve aquilo que quis sem se tornar de forma alguma intrusivo. Les Dalgarno, o meu advogado, conduziu a produção do conteúdo; é o melhor e mais fiável dos conselheiros e um grande amigo. Além disso, houve um grande número de pessoas que despenderam largas horas para chegarmos até aqui. Fico-lhes profundamente grato pelo seu esforço e foi um grande prazer ter o seu talento a apoiar-me.

CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS


O autor e o editor querem tornar públicos os seus agradecimentos a quem permitiu a reprodução de fotografias: Action Images, Roy Beardsworth/Offside, Simon Bellis/Reuters/ Action Images, Jason Cairnduff/Livepic/Action Images, Chris Coleman/Manchester United/Getty Images, Dave Hodges/ Sporting Pictures/Action Images, Ian Hodgson/Reuters/Action Images, Eddie Keogh/Reuters/Action Images, Mark Leech/ Offside, Alex Livesey/Getty Images, Clive Mason/Getty Images, Mirrorpix, Gerry Penny/AFP/Getty Images, John Peters/ Manchester United/Getty Images, Matthew Peters/Manchester United/Getty Images, Kai Pfaffenbach/Reuters/Action Images, Popperfoto/Getty Images, Nick Potts/Press Association, John Powell/Liverpool FC/Getty Images, Tom Purslow/Manchester United/Getty Images, Ben Radford/Getty Images, Carl Recine/ Livepic/Action Images, Reuters/Action Images, Rex Features, Martin Rickett/Press Association, Matt Roberts/Offside, Neal Simpson/Empics Sport/Press Association, SMG/Press Association, SNS Group, Simon Stacpoole/Offside, Darren Staples/Reuters/ Action Images, Bob Thomas/Getty Images, Glyn Thomas/Offside, John Walton/Empics Sport/Press Association, Kirsty Wrigglesworth/ Press Association. Todas as restantes fotografias são cortesia de Sean Pollock.


Não tinha ideia de que o Old Trafford mudaria de nome após o meu abandono. Foi uma conspiração, mas das boas, que me deixou muito orgulhoso.


Bobby Robson era muito carismático. Depois da final da Taça UEFA de 1981, entre o meu Aberdeen e o seu Ipswich Town ele mudou a relação com os média.


O meu primeiro triunfo europeu – o Aberdeen ganhou ao Real Madrid na final da Taça dos Vencedores de Taças, em 1983.


Em Gotemburgo, Willie Miller ergueu o nosso troféu europeu. O Aberdeen bateu um dos grandes nomes do futebol.

Fui treinador adjunto de Jock Stein, na Escócia. Ele foi tocado por um génio, e eu a toda a hora fazia-lhe perguntas sobre fosse o que fosse.


Terá sido a vitória na Taça de Inglaterra, em 1990, frente ao Crystal Palace, que salvou o meu emprego? Eu considero que me permitiu sobreviver. À esquerda está Norman Davies, o nosso roupeiro e meu amigo chegado, que infelizmente já não se encontra entre nós.


Martin Edwards, o presidente do United, sempre me deu apoio durante os anos negros anteriores ao meu primeiro troféu.


Ryan Giggs é venerado pelos seus colegas do United. Aqui ele parece flutuar, enquanto passa por Warren Barton, do Wimbledon, nos seus primeiros anos de jogador.


Paul Scholes foi melhor do que Paul Gascoigne. «Muito pequeno», pensei eu quando vi o rapaz pela primeira vez. Estava enganado.

Os anos de 1992: o treinador Eric Harrison com a geração de ouro que veio a tornar-se o coração de uma grande equipa do United. Da esquerda para a direita: Giggs, Butt, Beckham, Gary Neville, Phil Neville, Scholes e Terry Cooke.


A brincadeira existiu sempre entre Steve Bruce (à esquerda) e Gary Pallister. Mas eles foram uma das grandes duplas de defesas-centrais.


Eric Cantona podia moldar os jogos à sua capacidade artística. O seu golo valeunos a vitória na final da Taça de Inglaterra de 1996.

Peter Schmeichel foi um poderoso guarda-redes. Filho louco do gang de Wimbledon, depois de chegar foi difícil quebrá-lo.


Nunca desistir. Perdíamos por 3-0, com os Spurs, em 2001, acabámos por vencer por 5-3. Aqui, Verón acabara de marcar o nosso quarto golo.


A confiança de David Beckham nunca fraquejava. Ele era, em forma, um maravilhoso avançado.

Fomos novamente campeões em maio de 2003. Foi o último jogo de Beckham pela nossa equipa. David merece muito crédito ao reviver a sua carreira.


O brasileiro Ronaldo viu o estádio de Old Trafford de pé a aplaudi-lo após o seu hat-trick, pelo Real Madrid, em 2003. Os adeptos do United sabem reconhecer o talento.

Um teste ao coração numa grande noite europeia. A tensão roía-nos durante o jogo com o Real Madrid, da Liga dos Campeões de 2003.


Rio Ferdinand enfrentou uma batalha judicial por faltar a um teste de controlo antidoping. Este é o momento em que Roy Keane lhe ofereceu o seu apoio, após um jogo em Old Trafford.


A severa sentença. Rio foi afastado durante oito meses. O clube nunca o abandonou.

Roy Keane tomou como suas partes da minha própria personalidade em campo. A idade e as lesões dos seus últimos anos diminuíram algumas das suas qualidades, o que tornou mais difícil o seu trabalho e o nosso relacionamento.


Cristiano Ronaldo trabalhou todos os aspetos do seu jogo, até o aéreo. Veja-se o salto dele na final da Taça de Inglaterra de 2004.


A saudar os nossos fãs. Tínhamos batido o Millwall por 3-0, em 2004, na final da Taça de Inglaterra, e Mikaël Silvestre estava comigo.

Trabalho duro, jogo duro. O balneário depois da nossa vitória frente ao Millwall. Ronaldo era muito jovem.


Rivais até ao final. Arsène Wenger e eu tivemos as nossas rivalidades, mas existia algo mais a unir-nos do que a separar-nos.


Arsène ficou furioso depois de pararmos a invencibilidade do Arsenal ao fim de 49 jogos, em outubro de 2004.

Ruud van Nistelrooy abriu o marcador quando se previa que o Arsenal atingisse os 50 jogos sem ser derrotado. Um dia explosivo.


Rafa Benítez tornou a nossa rivalidade pessoal. Eu podia bem com isso.

Quando José Mourinho chegou ao Chelsea pensei: «Miúdo novo em jogo.


O meu herói Denis Law e o amigo íntimo Bobby Robson, no almoço de celebração do meu 20.º aniversário como treinador do United. Enquanto jogador, eu queria ser como o Denis.


Ronaldo era um aluno exemplar. Carlos Queiroz teve um importante papel no seu crescimento.


Ole Gunnar Solskjaer era um finalizador nato. Sempre me revi nos nossos avançados.


«Tempo de Fergie.» Apontei para o meu relógio a fim de amedrontar o adversário, que sabia que muitas vezes marcávamos no último minuto.

Um remate de Michael Carrick na nossa emocionante vitória em Old Trafford, frente ao Roma, por 7-1, em 2007. Uma exibição quase perfeita.


A dupla maravilha, Ronaldo e Rooney, na vitória de 7-1 ao Roma. Ronaldo marcou duas vezes e Rooney uma.

Moscovo, a terra natal de Roman Abramovich, foi o palco da nossa vitória frente ao Chelsea, na Liga dos Campeões de 2008. Aqui, Ryan Giggs a marcar o seu penálti na lotaria da morte súbita.


O meu historial nos desempates por penáltis não era bom. No início, não acreditava que tínhamos vencido quando Edwin van der Sar, frente a Nicolas Anelka, nos salvou.


No regresso de Moscovo. Todos felizes. Giggs e Ferdinand seguravam os troféus de 2008, o da Premier League e o da Liga dos Campeões, depois da aterragem na pista de Manchester.


O Partido Trabalhista pode sempre contar com o meu apoio, e Tony Blair e Gordon Brown tornaram-se meus amigos.

Os Glazer apoiaram-me desde o primeiro dia. Deixaram-me ficar a trabalhar. Avram (à esquerda), Joel e Bryan juntaram-se a nós em Vale de Lobo, em Portugal.


As corridas de cavalos são um escape à pressão dos treinos. A celebrar com o meu companheiro Ged Mason após uma grande vitória do What A Friend, em Aintree.


Ruby Walsh a dizer-me como montou What A Friend para a vitória. Sempre gostei da companhia de jóqueis.

Na frente. What A Friend lidera a Betfred Bowl Chase.


Vidić e Ferdinand eram sólidos como pedras na organização da equipa. Nemanja acabava de marcar ao Inter de Milão, no jogo da Liga dos Campeões, e Rio apanhava boleia nos festejos.


Defesas-esquerdos são como pássaros raros. Mas nós tínhamos um dos melhores, Patrice Evra, um vencedor nato.


O melhor golo dos meus tempos de United foi este pontapé de bicicleta de Wayne Rooney contra o Manchester City, em fevereiro de 2011.


Nós preparámo-nos meticulosamente para a final da Liga dos Campeões de 2011 com o Barcelona, em Wembley. Os planos nem sempre resultam.

A melhor equipa que defrontei. O grande Barcelona de 2011.


Quem podes ter melhor ao teu lado do que Bobby Charlton? Para mim ele foi um sábio e fiel amigo.

Não se trata de uma velha paragem de autocarros, mas sim do Cliff, o antigo campo de treinos até 1999. Scholes e Giggs faziam uma viagem ao passado comigo.


Lyn Laffin, a minha indispensável relações públicas, a ajudar-me na montanha de trabalhos administrativos diários.


David Gill foi o melhor presidente executivo com quem trabalhei. Orador nato; conhecedor do jogo; sempre leal.

Lia sobre tudo. Phil Townsend, o nosso diretor de comunicação, falava-me dos jornais diários.


O staff cresceu muito durante os meus 26 anos e meio no clube. Valorizei-os a todos. Aqui estou eu com a equipa da lavandaria.


Albert Morgan, o roupeiro, amigo e trocista, no balneário de Old Trafford, agosto de 2011.


Edwin van der Sar foi um dos grandes guarda-redes dos últimos 30 anos. Deveria tê-lo contratado antes.


David de Gea, um jovem atleta, magnífico guarda-redes, que cresceu muito depois de se ter juntado a nós vindo de Espanha.


O túnel do amor. A fazer o meu caminho para o relvado de Old Trafford, agosto de 2011.


Eric Cantona, em tempos rei de Old Trafford, visitou o estádio no regresso de Paul Scholes, no verão de 2011.

Mick Phelan e René Meulensteen foram os meus treinadores adjuntos de confiança até ao fim. Tenho para com todos uma grande dívida.


Os indestrutíveis: Paul Scholes, Ryan Giggs e Gary Neville.

No jantar do meu 25.º aniversário, em novembro de 2011. Alguns dos nossos jogadores estrangeiros podem ter ficado ligeiramente confusos por ter usado o kilt.


Senti que Roberto Mancini estava a incomodar muitas vezes o quarto árbitro neste dérbi de Manchester e fui dizer-lhe. Uma breve discussão, rapidamente esquecida.


Respeito o trabalho do Mancini no City. Passaram alguns treinadores por lá, no meu tempo.

A cerimónia em honra de Hillsborough, em Anfield, em setembro de 2012, foi brilhantemente conduzida pelos dois clubes. O cumprimento de Bobby Charlton a Ian Rush.


Os jornalistas deram-me um bolo com um secador de cabelo como presente de despedida. Fui agressivo em algumas conferências de imprensa, mas também houve muitas com gargalhadas.


O meu sucessor pensava que eu não sabia que seria ele. David Moyes trouxe o Everton para a nossa zona, em fevereiro de 2013.

O ingrediente final. Robin van Persie fez hat-trick frente ao Aston Villa, segurando o nosso título de 2012/2013. Uma grande aquisição.


Continuo sem saber como é que David Gill convenceu a Cathy a descerrar a minha estátua. Ela recusou-se a fazer-lhe uma reverência.

O sucesso deu-me controlo. Em cada troféu ganho, os meus pensamentos voltavam-se para o próximo.


Quando a estátua foi revelada eu zombei: «Eu já ultrapassei a morte.» Que honra.


O troféu da Premier League de 2012/2013 esperava-nos no relvado de Old Trafford. O meu trabalho estava perto de ficar concluído.

Adeptos especiais e um dia especial, em Old Trafford, em maio de 2013. Chegara ao fim a minha carreira de treinador.


Cathy raramente ia aos jogos, mas esteve sempre lá presente para mim. Posámos juntos para a foto com o último troféu da Premier League.


O drama no final. Em West Brom, no meu último jogo, acenando para a minha família antes do início da partida, que terminou com o resultado de 5-5.

A nova geração de Fergusons. Os meus maravilhosos netos fizeram parte da minha festa de despedida.


Ainda continua a ser forte a amizade dos tempos da Harmony Row, estávamos reunidos em Manchester, em março de 2013.

Acompanha-nos? Na nossa reunião anual da Harmony Row. A equipa de futebol continua para sempre.


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