Ficha Técnica Título original: 101 Cromos da Bola Autor: Rui Miguel Tovar ISBN: 9789892317861 LUA DE PAPEL [Uma chancela do grupo Leya] Rua Cidade de Córdova, n.º 2 2610-038 Alfragide – Portugal Tel. (+351) 21 427 22 00 Fax. (+351) 21 427 22 01 © 2011, Rui Miguel Tovar Todos os direitos reservados de acordo com a legislação em vigor luadepapel@leya.pt http://twitter.com/Luadepapel www.leya.pt
INTRODUÇÃO Admito que a minha ideia inicial era falar de cromos. Não daqueles com quem lidamos diariamente, mas daqueles que se colam nas cadernetas. Os que nos obrigam a mentir aos colegas do trabalho: “Não, não, eu não faço colecção. Fiz muitas no meu tempo mas onde é que isso já vai... Não, isto agora é para o meu filho. Ele anda obcecado com isso, não pensa noutra coisa e pede-me para arranjar repetidos. Até tenho aqui a lista e tudo. Só para facilitar. Depois, à noite, dou-lhe. Ena pá, tantos... Ele vai ficar satisfeito”. Sim, esses mesmos. Os cromos que nos obrigam a voltar a ser crianças, quando ostentávamos com prazer o molho interminável de repetidos, enrolados num elástico gasto e mais frágil que a nossa emoção quando encontrávamos um dos que faltavam, naquela troca aguardada desde a véspera. Eu lembro-me de um cromo difícil de apanhar – o Chalana do Estrela da Amadora, na colecção do Campeonato nacional 1991/1992. Porque era o Chalana com aquele bigodão estiloso e porque era o Estrela da Amadora dos supermercados Continente, esse patrocínio catita e cheio de pinta. Na caderneta do Mundial 2010, o meu último cromo (perdão, o do meu primo mais novo, que agora se iniciou nestas lides e está, como devem imaginar, empolgadíssimo com toda esta azáfama) foi o 344, da Selecção holandesa. O nome dele é complicado de dizer e deve ter sido comunicado ao notário quando os pais estavam a tentar sintonizar um canal qualquer na televisão: De Zeeuw. Recupero o pensamento inicial: admito que a minha ideia era falar de cromos, mas eis que encontrei uma lista das 20 leis mais caricatas em todo o mundo e mudei ligeiramente o ângulo do meu texto. Vou falar das leis, sim, mas tendo como pano de fundo as cadernetas de cromos. Não só esta do Mundial 2010, mas todas aquelas que nos acompanharam durante a vida. De dois em dois anos (Mundial 86, Euro 88, Mundial 90, Euro 92 e por aí fora), a febre dos cromos atacava qualquer escola em Portugal. Nem dava
para disfarçar. Nas escadas do metro, nos corredores do autocarro, ao almoço, meio às escondidas na sala de aula. E eu, de dois em dois anos, fico incrédulo – como é possível uma caderneta de cromos poder suscitar tanta camaradagem entre as pessoas... É caricato, indeed. Mas é uma camaradagem verdadeira. Por isso junto as outras leis mais caricatas. Eram 20, mas retirei uma para entrar a dos cromos. Muitas delas são de carácter medieval, dizem respeito a situações de arco e flecha, do tempo do Robin dos Bosques. Nota: embora pareça mentira, estas leis ainda estão em vigor. A saber: 1. No Alabama (EUA), é ilegal um condutor ser vendado enquanto guia qualquer veículo. 2. Em Inglaterra, um homem que queira urinar enquanto conduz só o pode fazer através da janela do seu carro com a mão direita a tocar no veículo. 3. Em El Salvador, os condutores bêbedos podem ser punidos com a morte diante de um pelotão de fuzilamento. 4. Cada embarcação que entrar no porto de Londres deve oferecer um barril de rum ao comandante da torre. 5. Em França, é proibido chamar Napoleão a um porco. 6. Em Boulder, no Colorado (EUA), é ilegal matar um pássaro dentro da cidade e nenhum habitante pode comprar um animal de estimação. 7. No Vermont (EUA), todas as mulheres têm de obter permissão dos respectivos maridos para usar dentaduras postiças. 8. No Kentucky, é ilegal transportar uma arma (mesmo que devidamente autorizada pelo governo) com mais de 1,8 metros de comprimento. 9. É considerado traição estampar um selo da monarquia inglesa virado ao contrário.
10. Em Londres, uma pessoa que sofra de uma qualquer doença contagiosa não pode chamar um táxi. 11. Na Florida (EUA), uma mulher solteira pode ser presa se estiver a fazer parapente ao domingo. 12. No Bahrain, um médico pode examinar os órgãos genitais da mulher mas está proibido de o fazer olhando directamente durante a consulta; só o pode fazer pelo reflexo, através de um espelho. 13. É ilegal morrer em pleno Parlamento inglês. 14. Em Miami (EUA), é ilegal andar de skate na esquadra da polícia. 15. É ilegal uma pessoa transportar um cão dentro de um táxi em Londres. 16. Na Indonésia, a multa para masturbação em locais públicos é a decapitação. 17. Em Inglaterra, uma mulher grávida pode fazer qualquer necessidade onde quiser – até no capacete de um polícia, se pedir autorização ao agente da lei em questão. 18. No Ohio (EUA), é proibido pescar bêbedo. 19. A cabeça de qualquer baleia morta encontrada na costa inglesa é legalmente propriedade do rei; as barbatanas, essas, pertencem à rainha, para o seu espartilho. 20. É proibido deixar a leitura deste livro a meio. Afinal, são 101 cromos feitos por outros dois, o cromista e o cromador, que só começaram a trabalhar depois de esgrimidos todos os argumentos possíveis e imagináveis sobre as suas diferenças clubísticas. Por exemplo, Schmeichel ou Preud’homme? André Cruz ou Ricardo Gomes? Balakov ou Valdo? Jardel ou Nené? Venha o diab… ups, venha o cromo e escolha. P.S.: Para aumentar a confusão, temos um editor neutro, que é como quem diz... do FCP. Hum, e lá vem a lenga-lenga de nomes como Vítor Baía,
Madjer e Hernâni. Então e agora, o que fazemos, quem escolhemos? Porquê estes cromos e não outros? A resposta é simples: estes foram os que mais gozo nos deram.
Emmanuel AMUNIKE 25 de Dezembro de 1970, Eze Obodo (Nigéria) POSIÇÃO: Extremo esquerdo CLUBES: Concord (1989), Julius Berger (90-91), Zamalek (91-94), Sporting (94-96), Barcelona (97-00), Albacete (00-02), Busan Icons (02-03) e Al Wahdat (04) TÍTULOS: 7 (1 Taça de Portugal, 2 Campeonatos Espanhóis, 2 Taças do Rei, 1 Taça das Taças e 1 Supertaça Europeia)
O Sporting é um clube especial. Por ter sido o primeiro a contratar um campeão mundial (o brasileiro Anderson Polga) e outro europeu (o dinamarquês Peter Schmeichel). É também o Sporting quem ganha o primeiro ouro olímpico no futebol. Com quem? Um nigeriano chamado Emmanuel Amunike, em 1996. Eleito o melhor jogador africano em 1994
(quatro pontos de avanço sobre a dupla George Weah e Rashini Yekini), sobretudo por deslumbrar no Mundial dos EUA e por ter decidido com dois golos a final da Taça Africana das Nações, o Sporting corre atrás dele para o contratar. O homem por detrás do negócio é Sousa Cintra, himself, o presidente do Sporting. No dia em que decide viajar de Lisboa para o Cairo, arranja um visto em cima da hora na Embaixada egípcia e é recebido por Abdel-Ghany, ex-capitão do Beira-Mar, na capital dos faraós. É levado para a sede do Zamalek, onde se senta numa mesa-redonda com dirigentes do clube de Amunike. Entre eles, alguns querem vender o passe do esquerdino ao Sporting, outros aos alemães do Duisburgo. A discussão sobe de tom, há quem se levante e quem puxe de facas para contra-argumentar. No meio deste turbilhão de emoções, Sousa Cintra sai dessa reunião com o contrato assinado. Dever cumprido. No hotel, já mais descontraída, a delegação do Sporting deixa Amunike tirar fotografias com a camisola do Sporting. Não se julgue que o assunto está arrumado, porque o Duisburgo planta uma delegação sua no aeroporto do Cairo, na tentativa (desesperada) de levar Amunike para a Alemanha. O caso toma proporções surreais quando o nigeriano é puxado por um braço pelos alemães e por outro pelos portugueses, na zona dos passaportes e vistos. Também aqui ganha o Sporting. À força, está mais que visto. Apresentado com pompa e circunstância em Alvalade, a 11 de Outubro de 1994, num particular surpreendentemente ganho pelo Vitória (Setúbal) por claro 4-2, com golos leoninos de Chiquinho Conde e Oceano, o nigeriano rapidamente ganha adeptos pelo esforço, dedicação e devoção. A glória chega-lhe quase a seguir, em Dezembro, quando decide o dérbi com o Benfica de Preud’homme (1-0). Dois anos depois, o seu passe é vendido ao Barcelona por 2,8 milhões de euros, num dos negócios mais rentáveis da história do Sporting. E este sem puxões nem empurrões no aeroporto.
ÂNGELO Gaspar Martins 19 de Abril de 1930, Porto POSIÇÃO: Defesa CLUBES: Benfica (1952-65) TÍTULOS: 13 (7 Campeonatos Portugueses e 6 Taças de Portugal)
Por muitos anos que passem, aquele 15 de Março de 1959 continua atravessado. Ângelo não cala a revolta. Expulso a cinco minutos do fim, por uma falta sobre Travaços, o defesa do Benfica pede justiça por ter sido considerado o culpado de toda a confusão durante o encontro. Ouçamo-lo: “O Benfica precisava de empatar esse jogo com o Sporting para continuar à frente do FC Porto. Mas não! Perdemos em Alvalade e o
FC Porto ficou com o título por causa da diferença de golos. Voltando a Alvalade, houve duas situações comigo. A primeira ocorreu na segunda parte, quando já perdíamos por 2-1. A bola saiu do campo e um apanhabolas (Manuel Libório), que até era vendedor de gelados, não me queria dar a bola, situação que acontecia em todos os campos, até na Luz. Era normal quando as coisas estavam favoráveis à equipa da casa. Não é como agora que há apanha-bolas em todo o campo e bolas a mais no relvado. Na altura, havia a pista de ciclismo em Alvalade, que era inclinada, pelo que tive de andar um bocado para arrancar a bola das suas mãos. Ele escorregou e caiu, mas o jogo prosseguiu normalmente”, conta Ângelo. “Vinte e cinco minutos depois, houve uma falta sobre o Travaços. Eu estava longe do lance, porque o Otto Glória tinha pedido para me juntar ao Águas na posição de avançado para chegarmos ao empate, e não estava envolvido no lance, mas o árbitro, o Sr. Reinaldo Silva, deu-me ordem de expulsão. Ao longo dos anos, perguntei a muita gente o porquê dessa acção mas ninguém me soube explicar. A caminho do balneário, atrás da baliza, na bancada sul, só via pessoas à minha frente mas nunca pensei em ser agredido. Como venderam bilhetes a mais para esse jogo, o estádio estava de tal maneira lotado que havia adeptos a dois metros das linhas laterais e finais, o que dificultava a acção de qualquer um nos lançamentos e nos cantos, pois eles cuspiam e agarravam todos os jogadores do Benfica. Quando saí do relvado, tive de passar por um mar de gente e já se sabe como são os adeptos de um clube que vêem sempre o adversário como inimigo. Fui barbaramente agredido por centenas de pessoas. O Artur Santos quis ajudar-me mas levou uma ‘cacetada’ de um polícia e ficou logo estendido no chão. Alguns jogadores do Benfica colocaram-no numa maca e levaram-no para o balneário. Eu apanhei mais porque não desmaiei e estava no meio da confusão. Fui mais vítima do que agressor e, qual não foi o meu espanto, quando soube que apanhara um ano de suspensão. Culparam-me de tudo o que aconteceu, quando nem sequer merecia ser expulso porque estava longe do Travaços. A falta foi do Alfredo. Uma vergonha, mas o Benfica também não mexeu os cordelinhos e acomodouse!”
ANTÓNIO Luís Alves Ribeiro de OLIVEIRA 10 de Julho de 1952, Penafiel POSIÇÃO: Avançado CLUBES: FC Porto (1970-79), Betis (79-80), Penafiel (80-81), Sporting (81-85) e Marítimo (85-86) TÍTULOS: 6 (3 Campeonatos Portugueses, 2 Taças de Portugal e 1 Supertaça Portuguesa)
É no Verão de 1979 que a preocupação da Greenpeace assume proporções dramáticas: pela primeira vez na História, a temperatura da terra sobe duas vezes mais rapidamente do que a do oceano. Soa o alarme. Ecológico, bem entendido. Por cá, nos futebóis da Península Ibérica, a Greenpeace é de outro campeonato. O Bétis contrata Oliveira por 36 mil contos, na transferência mais cara do clube até então.
Na altura, Portugal não é um país exportador, como agora. No Verão de 1979, só há quatro emigrantes (João Alves no PSG, Norton de Matos no Standard Liège, Seninho no NY Cosmos e Vítor Baptista no San Jose Earthquakes) e Oliveira quer ser o quinto elemento. Dos EUA ao escritório de Américo de Sá, presidente do FC Porto, chega uma proposta do Tea Men, equipa de Boston, patrocinada pelo chá Lipton, treinada por António Simões e cujo relações públicas é um tal de Eusébio da Silva Ferreira. A Oliveira oferecem-lhe 43 mil contos. O FC Porto, através de Pinto da Costa, então director do Departamento de Futebol, responde com 10 mil contos e até o Sporting se intromete nesta roda-viva, com João Rocha a oferecer 25 mil. A polémica arrasta-se por dias. Com medo de uma debandada geral – até porque Artur Correia, o ruço do Benfica e do Sporting, também estava a caminho do Tea Men –, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) intromete-se e quer impedir os jogadores de saírem, mas isso é um atentado às leis do trabalhador. Manuela Aguiar, secretária de Estado do Trabalho, é quem defende os jogadores no direito à emigração por melhores condições laborais. Assim, Oliveira vai para Sevilha a ganhar um ordenado mensal de 60 contos. Menos de seis meses depois, com apenas dez jogos nas pernas (cinco empates, cinco derrotas e só um golo marcado, de penálti, na estreia frente ao Rayo Vallecano), já Oliveira pede para regressar a casa. “A minha visão do mundo é nitidamente provinciana – foi a conclusão a que cheguei depois de ter vivido seis meses de solidão espiritual.” Para libertar Oliveira rumo às Antas, o presidente do Betis exige uma indemnização de 6000 contos ao FC Porto. Américo de Sá franze o sobrolho e Oliveira está à beira de um ataque de nervos, ao ponto de se ter predisposto a pagar esse valor do seu próprio bolso. O gesto sensibiliza tanto os dirigentes béticos que estes tratam de toda a burocracia, como o envio do certificado internacional de Oliveira para a sede da FPF, que dá luz green. E tudo fica em peace.
ARTUR Manuel Soares CORREIA 18 de Abril de 1950, Lisboa POSIÇÃO: Defesa direito CLUBES: Académica (1968-71), Benfica (71-77), Sporting (77-79), Boston Tea Men (79), Sporting (79-80) e Boston Tea Men (80) TÍTULOS: 8 (6 Campeonatos Portugueses e 2 Taças de Portugal)
A impetuosidade é a sua imagem de marca. Constantemente insatisfeito, através de gestos e atitudes, o ruço tem uma carreira ímpar no futebol português. É o lateral direito da Selecção durante a década de 1970 (Maio de 72 a Novembro de 79), com 35 jogos em três clubes com grande tradição: Académica, Benfica e Sporting.
A sua história não é como outras. Campeão nacional de juniores no Benfica, com Humberto Coelho, Toni, Vítor Martins e Nené, sonha em tirar o curso de Medicina, o que o obriga a uma transferência para a Académica. Lá passa três boas épocas até perceber que é impossível conciliar estudos e futebol. Opta pela bola e volta ao Benfica, em 1971. Seis anos depois, o primeiro grande susto, vítima de uma pleurisia. Afastado dos relvados e com o Benfica em digressão, não lhe renovam o contrato. Sensível a este episódio, João Rocha estende-lhe a mão e Artur passa para o lado do inimigo de Alvalade. “Nunca pensei jogar naquela equipa [Sporting], mas o Benfica mandoume embora. Na prática, foi assim. Durante seis anos [de 1971 a 77] estive sempre a ganhar o mesmo: 34 contos por mês. Em 1974, o presidente Borges Coutinho prometeu-me 500 contos e uma festa de homenagem quando renovasse o contrato, em 1977. Ora em 1977 fomos campeões, com o Mortimore, e o Romão Martins [director desportivo do Benfica] ofereceume uma festa de homenagem de 200 contos e 27 contos de ordenado. Onde é que já se viu passar de 34 para 27 contos? Como é possível baixar de ordenado? Ameacei com a saída e disseram-me que, como eu era benfiquista, nunca sairia. Mas estavam a empurrar-me para fora do meu clube e saí. O João Rocha apanhou-me descontente e fui parar ao outro lado da Segunda Circular.” Na primeira época em Alvalade, Artur ganha a Taça de Portugal, mas encontra um treinador sem condições. “Era um brasileiro que apareceu por aí e saiu logo em Dezembro. Chamava-se Paulo Emílio. Certo dia [20 de Novembro de 1977], fomos jogar ao Norte, estava o Riopele [de Pousada de Saramagos, no concelho de Famalicão] na 1.ª Divisão, e ele, o treinador, quis levar a mulher a conhecer o Minho. Na manhã do jogo, o treinador não apareceu. Almoçámos e nada de treinador. Fomos para o jogo e ele continuava desaparecido em combate. O Sousa Marques, chefe do Departamento de Futebol, lá me disse para orientar a equipa. Ao intervalo estávamos a perder 2-1. Fiz uma substituição [entrada de Baltasar e saída de Cerdeira] e ganhámos 3-2. No final do jogo apareceu o treinador com uma conversa do género: ‘Não há problema, eu sabia que vocês ganhavam.’ Fez
uma brincadeira igual na Madeira [4-0 ao Marítimo, na semana seguinte, a 27 de Novembro]. Acabou por sair no Natal. Em 1980, no início da terceira época pelos leões (24 de Setembro), sofre um acidente cardiovascular que lhe acaba com a carreira desportiva. No jogo de homenagem entre Benfica e Sporting, em 1981, Toni define-o da melhor forma: “No Sporting, era o único jogador à Benfica.”
ARTUR JORGE Braga de Melo Teixeira 13 de Fevereiro de 1946, Porto POSIÇÃO: Avançado CLUBES: FC Porto (1964-65), Académica (65-69), Benfica (69-75) e Belenenses (75-78) TÍTULOS: 6 (4 Campeonatos Portugueses e 2 Taças de Portugal)
Eusébio joga ao mais alto nível de 1961 a 1980 e acaba a carreira com mais golos do que jogos. Pelo meio, foi seis vezes (sim, seis) operado ao joelho esquerdo e uma ao direito! E sem contar as ocasiões em que foi hospitalizado um dia ou outro. Como a 8 de Janeiro de 1966, durante um Benfica-Académica.
O Sporting liderava então o Campeonato nacional sem uma única derrota (11 vitórias e três empates) e acabara de golear por 5-0 o “lanterna vermelha” Lusitano de Évora. À mesma hora, também em Lisboa, mas na Luz, o Benfica vulgariza a Académica por 4-0. Simões marca no primeiro minuto e Eusébio aumenta aos 51’. Do que Eusébio não se lembra é dos outros golos de José Augusto (73’) e Simões (89’). Porque a essa hora, o Pantera Negra já está inconsciente, vítima de traumatismo craniano. Transportado de ambulância à Clínica de São Lucas, só lá é que recupera os sentidos. E lembra-se então do motivo da lesão: um duelo pelo ar com Artur Jorge, então um prometedor avançado de 19 anos, que se transferira do FC Porto para a Académica no Verão anterior. “Sim, lembro-me. Na Luz. Mas não foi nada de grave, sabe. Foi um lance como tantos outros. Saltámos e o Eusébio é que ficou no chão. Mas foi tudo tão normal e calmo que nem houve polémica. Se fosse realmente grave, eu teria ido ao hospital visitá-lo ou a Académica ter-me-ia chamado a atenção para esse facto”, recorda Artur Jorge. “Na Académica, eu ajudava muitas vezes a defesa, nas bolas paradas: cantos e livres. Ia para a minha grande área e marcava o adversário directo. Nos jogos com o Benfica, calhava-me o Torres. Como nesse jogo ele não estava [o quinteto ofensivo foi José Augusto, Eusébio, Nelson, Serafim e Simões], calhou-me o Eusébio. Não sei bem o porquê, mas o choque deu-se efectivamente. Olhe, se calhar foi aí que percebi que o Eusébio era humano.” Um segundo depois e Artur Jorge volta atrás. “Mas toda a gente sabe que ele é do outro mundo, certo? Joguei com ele no Benfica, entre 1969 e 1974, e nem lhe conto. O Eusébio é um fenómeno sem igual. Na altura, o ataque do Benfica era ele, eu, Nené, Vítor Baptista, Simões e Jordão. O Eusébio recuou no terreno, como se fosse número 10, e eu era o avançado centro. Fui o melhor marcador do Benfica e do Campeonato nacional em 1971 e 1972. No ano seguinte, em 1973, foi ele o melhor marcador do Campeonato e da Europa. Sem lesões nem idas ao hospital.” Por falar em hospital e Benfica, nesse 8 de Janeiro de 1966, o guardaredes da CUF, de seu nome Vítor Manuel, sofreu um forte traumatismo craniano após um toque do leixonense Oliveira e ficou em coma por 24
horas, no Hospital de Santo António, no Porto. Quando acordou, a sua preocupação era: “Fiquei aqui um mês? Então não joguei com o Benfica...” Não, não foi um mês. Foi só um dia. E sim, por precaução, falhou o CUFBenfica de oito dias depois. Tal como Eusébio.
Krasimir Genchev BALAKOV 29 de Março de 1966, Veliko Tarnovo (Bulgária) POSIÇÃO: Médio ofensivo CLUBES: Etar (1983-90), Sporting (90-95), Estugarda (95-03) e Plaunen (05) TÍTULOS: 2 (1 Taça de Portugal e 1 Taça da Alemanha)
Bonança, Faxe e Queijo Castelões. Seja qual for o patrocínio do Sporting, a camisola do número 10 está sempre bem entregue entre 1991 a 1995 a um senhor chamado Krasimir Balakov. Dono dos mais variados recursos técnicos, o búlgaro joga enormidades e ainda hoje é admirado e respeitado em Alvalade como um dos melhores estrangeiros de sempre no clube, ao lado de Osvaldo Silva (brasileiro), Seminario (peruano), Yazalde (argentino), Keita (maliano) e Meszaros (húngaro).
Dezembro de 1990. O Sporting de Marinho Peres entra naquela fase caricata do Natal em que todos os sonhos se desmoronam. Às 11 vitórias seguidas (do 3-0 ao V. Guimarães a 19 de Agosto até ao 3-0 sobre o Sp. Braga a 11 de Novembro), segue-se um empate com o Chaves, em Trás-osMontes. Nos oito jogos seguintes, o Sporting só soma sete pontos em 16 possíveis. Em Janeiro, o Campeonato já está perdido, algures entre a Luz e as Antas. Mais uma vez, adeus ao título. Que foge desde 1982. Há nove épocas, portanto. Claro que ainda há a Taça UEFA, mas essa, por agora, não aquece nem arrefece. Os adeptos estão furiosos. É então que Sousa Cintra vai à Bulgária e contrata um médio desconhecido de uma equipa sem pergaminhos europeus. Aos 24 anos, Balakov deixa o Etar Tarnovo e aterra em Lisboa. Estreia-se a 12 de Janeiro de 1991 num Sporting-Penafiel resolvido com golos de Gomes (2-0) e a vida do adepto comum de futebol nunca mais será a mesma. Dir-se-á, e com razão, que búlgaros há muitos. Como Bukovac e Kostov (Sporting), Radi (Chaves) ou Mladenov (Belenenses, V. Setúbal e Estoril). Mas Balakov é diferente de todos eles. Porque é mágico e supertalentoso. Entre aquela primeira tarde em que pica o ponto pela primeira vez, substituindo o brasileiro Careca ao intervalo, e a última em que sai carregado em ombros pelos adeptos na final da Taça de Portugal 95, ganha ao Marítimo por 2-0, Balakov escreve o seu nome na história do Sporting e do próprio futebol português, tantas são as jogadas virtuosas, os toques de génio e os golos. Há quem se lembre do primeiro de sempre, num insosso 6-0 ao Peniche para a Taça de Portugal, a 30 de Janeiro de 1991. Mas os que sobressaem realmente são aqueles que ficam na história. E esses são mais que muitos. Ou será que ninguém se lembra daquele petardo a Silvino no dérbi lisboeta, em Outubro de 1992? Sim senhor, dia 17. Quem não viu, levante o braço! O primeiro golo aparece aos 12 segundos, por Balakov, entre uma nuvem de fumo provocada pelo lançamento de petardos por parte da claque do Benfica. Pela televisão, ninguém vê a bola entrar, só se ouve o rugido do leão, de contentamento. O Sporting não ganhava ao Benfica na 1.ª Divisão desde os 7-1, em 1986. E Balakov marca assim o primeiro golo do canal privado SIC. Demora 12 segundos.
BÉLA GUTTMANN 26 de Janeiro de 1905, Budapeste (Hungria) POSIÇÃO: Treinador CLUBES: Milan (1953-55), Lanerossi (55-56), Honved (56-57), São Paulo (57-58), FC Porto (58-59), Benfica (59-62), Peñarol (62), Áustria (64), Benfica (65-66), Servette (66-67), Panathinaikos (67), Áustria Viena (73) e FC Porto (73) TÍTULOS: 8 (2 Taças dos Campeões, 3 Campeonatos Portugueses, 1 Taça de Portugal e 2 Campeonatos Húngaros)
A Alemanha invade a Hungria durante a Segunda Guerra Mundial e ninguém sabe o que se passa com o húngaro/judeu Béla Guttmann nesse período. Uns dizem que se refugia num hospital em Zurique, outros que se esconde em Paris. Se assim fosse, poderia muito bem ser um personagem
da série cómica inglesa Allô, Allô, que se passa naqueles conturbados tempos, a dizer: “Ouçam com muita atenção, só vou dizer isto uma vez.” Mas não. Béla Guttmann não é Michelle Dubois (que dizia a frase), nem pertence à Resistência francesa. É, isso sim, internacional húngaro nos anos 20 (um golo em quatro internacionalizações) e treinador visionário entre 1932 (Hakoah Viena) e 1974 (FC Porto). E é ele quem lança a famosa frase, transformada em maldição: “Nem daqui a cem anos uma equipa portuguesa será bicampeã europeia e o Benfica sem mim jamais ganhará uma Taça dos Campeões”, disse depois de ajudar o Benfica a conquistar a segunda Taça dos Campeões consecutiva. O FC Porto é a sua porta de entrada em Portugal. Conquistado o Campeonato nacional em 1959, assina pelo Benfica, com exigências impensáveis: 400 contos líquidos por ano, 150 pelo título nacional, 50 pela Taça de Portugal e 200 pela Taça dos Campeões. “Duzentos não!” Um dirigente bem-disposto e nada crente encoraja-o a subir a parada para 300 e é o que se vê. Bicampeão europeu – 1961 (3-2 ao Barcelona) e 1962 (5-3 ao Real Madrid) – e, sozinho, Guttmann recebe mais do que toda a equipa junta. É então recebido por Américo Tomás (presidente da República) e Oliveira Salazar (presidente do Conselho de Ministros) e feito comendador, tal como os jogadores. À saída de São Bento, vira-se para Fezas Vital, o presidente do Benfica, e segreda-lhe que se iria demitir: “Não posso treinar 14 comendattori.” É bluff? Não. É Guttmann. Que sai mesmo. Com a frase mítica: “Nem daqui a cem anos uma equipa portuguesa será bicampeã europeia e o Benfica sem mim jamais ganhará uma Taça dos Campeões” (o FC Porto ganhou duas vezes, em 1987 e 2004, mas bicampeão significa duas vezes seguidas). Sem ele, de facto, o Benfica nunca mais ganha, apesar de ter estado em mais cinco finais. A última (1990), em Viena, bem perto do cemitério judeu onde Guttmann está sepultado. Na véspera da final com o Milan (1-0, por Rijkaard), Eusébio vai ao túmulo rezar pelo técnico e pedir aos deuses que desfaçam a maldição. Em vão.
Manuel Galrinho BENTO 25 de Junho de 1948, Golegã POSIÇÃO: Guarda-redes CLUBES: Goleganense (1966-67), Barreirense (67-72) e Benfica (72-90) TÍTULOS: 16 (8 Campeonatos Portugueses, 6 Taças de Portugal e 2 Supertaças Portuguesas)
A história também se faz de pequenos-grandes jogadores. Manuel Galrinho Bento, 1,73 metros de altura, é um deles. Ágil e corajoso como poucos, tem guardado o seu nome na história. Não só do Benfica mas também de Portugal, como guarda-redes da Selecção nacional durante dez anos, de 1976 a 1986.
A dar nas vistas no Goleganense como júnior, é contactado pelo Sporting. Nos três meses que está no Lar do Jogador, desentende-se com os dirigentes e regressa à Golegã. Daí transfere-se para o Barreirense, onde marca à Académica um golo de baliza a baliza para o Campeonato nacional, em Janeiro de 1970. No final desse ano, é convidado de última hora para substituir o russo Lev Yashin na despedida de Coluna, na Luz. A sua exibição é de tal maneira convincente que os dirigentes do Benfica queremno de imediato. O Barreirense só o liberta em 1972 e Bento só se faz titular em 1976, sucedendo a José Henrique, o famoso Zé Gato. Por dez anos (de novo), Bento defende como ninguém e estabelece o recorde nacional de imbatibilidade de 1065 minutos, entre 29 de Setembro de 1985 e 12 de Janeiro de 1986 – entretanto, Vítor Baía (FC Porto) desfez essa barreira, com 1191 minutos, em 1992. Na Selecção, Bento é um dos heróis do Euro 84. Nas meias-finais (2-3 com a França, após prolongamento), defende tanto, tanto mas tanto que até Platini lhe faz uma vénia, no campo (com um aperto de mão caloroso) e fora dele (“Nunca vi ninguém defender tão bem durante um jogo”). Dois anos depois, no México 86, a desilusão com a fractura da perna esquerda numa brincadeira com o central José António, durante um treino. Aos 38 anos, combate a lesão com a forma aguerrida do costume e só se retira aos 42 anos, com o título de melhor em campo no jogo do adeus, com o Belenenses, em 1990, ano em que perde a sua terceira final europeia, com o Milan (Taça dos Campeões), depois de Anderlecht (Taça UEFA 83) e PSV (Taça dos Campeões 88). É, aliás, nesta decisão que Toni mais se lembra dele. “Ai se houvesse três substituições nesse tempo. Substituía o Silvino pelo Bento. Porque o Bento, certa vez [em 1977/78, na primeira eliminatória da Taça dos Campeões], qualificou o Benfica. Sim, ele é que nos qualificou: 0-0 na Luz e 0-0 em Moscovo. Prolongamento, penáltis e o Bento defende o primeiro [remate de Iurine]. O segundo [de Nikonov] foi para fora. O terceiro [de Belenkov] foi golo, mas aí já nós estávamos bem à vontade. E foi o Bento quem marcou o penálti que nos apurou para a ronda seguinte. Bola para um lado, guardaredes para o outro: 4-1 naquele frio. Ai se houvesse três substituições. O
Silvino entende”, graceja Toni, companheiro de Bento no campo e fora dele.
Duarte António BORGES COUTINHO 18 de Novembro de 1921, Lisboa Presidente CLUBES: Benfica (1969-77) TÍTULOS: 10 (7 Campeonatos Portugueses e 3 Taças de Portugal)
Borges Coutinho ganha dez troféus (sete Campeonatos nacionais e três Taças de Portugal) em nove anos de mandato como presidente do Benfica. Da estreia em Abril de 1969 à despedida em Maio de 1977, é o FC Porto quem lhe faz as honras à casa, na Luz. Ele há coincidências... Antes de entrar para o Benfica, em 1964, para assumir funções na Direcção dos Assuntos Administrativos e Instalações Sociais, tem uma vida
bastante preenchida. A viver em Inglaterra, depois de uma infância no Palacete do Rato (que agora é a sede do PS), é atleta de salto em altura e combate na Segunda Guerra Mundial a pilotar aviões da RAF, com 18 anos. Nessa altura, já usufrui do honroso e mui digno título de marquês da Praia e Monforte. Ao longo dos anos, não perde a valentia. A 12 de Abril 1969, bate Fernando Martins nas eleições do Benfica. Abraça o projecto de corpo e alma e é o presidente que contrata o desconhecido treinador inglês Jimmy Hagan, que faz do Benfica o primeiro campeão português invicto, e com mais de cem golos marcados (101), na época 1972/73. Na sua gestão, também é conhecido como excelente homem de negócios. Por isso, o Benfica ganha dez mil contos com a transferência de Humberto Coelho para o Paris SG mais nove de Jordão para o Saragoça. Num célebre Benfica-Sporting, em 1972, encaixa 2000 contos de receita (um recorde naquele tempo) para uma assistência de 80 mil espectadores! Nesse dérbi, a figura é uma só: Eusébio de seu nome. O Pantera Negra marca quatro golos (4-1), dedicados a Borges Coutinho. Quando os brasileiros do Vasco da Gama aparecem em Lisboa, o Benfica, que renovou o contrato com Eusébio (1300 contos/ano), em Setembro de 1969, diz não aos intentos dos cariocas. Não é o Benfica, é o seu presidente Borges Coutinho. Apesar de o Pantera Negra ter posado para os fotógrafos com a camisola do Vasco vestida. Eusébio, está bom de ver, é inegociável. E por isso continua na Luz, onde se sagra melhor marcador da 1.ª Divisão nacional pela sexta vez na carreira, agora com 20 golos em 22 jogos. Já tínhamos avisado que Borges Coutinho era um excelente homem de negócios, não já?
Serge Henry Helene CADORIN 7 de Setembro de 1961, Stavelot (Bélgica) POSIÇÃO: Avançado CLUBES: RFC Liège (1981-83), Portimonense (83-87), Académica (87-88), Portimonense (88-89) e Tongeren (89-90)
Qual é a melhor classificação de sempre do Portimonense? Quinto lugar em 1984/85. Qual é a primeira equipa algarvia a qualificar-se para uma competição europeia? O Portimonense de 1985/86. Quem é o goleador dessas duas equipas? Cadorin. O belga Serge Cadorin. E levantamo-nos para fazer a merecida vénia. A Cadorin, o avançado dos golos difíceis, o avançado da revolução. Sim, da revolução. Porque é ele quem denuncia a tentativa de corrupção por parte de Luciano D’Onofrio, antes de um
Portimonense-FC Porto, a 24 de Novembro de 1985, para a 11.ª jornada do Campeonato nacional. A ideia do empresário italo-belga em sondar Cadorin é pagar-lhe 500 contos (cerca de 2500 euros) a somar à possibilidade de uma transferência para o FC Porto ou um clube de Itália ou Suíça. Para tal jackpot, Cadorin “só” tem de cometer um penálti nos primeiros cinco minutos. Contra o Portimonense. A favor do FC Porto. O avançado belga – curiosamente levado de Liège (do Standard) para Portimão pelo próprio D’Onofrio, com a ajuda/dica de Norton de Matos, também ele jogador do Standard – recusa participar neste escândalo e denuncia o caso ao presidente portimonense, Manuel João, que apresenta queixa na Polícia Judiciária. Como é a palavra de Cadorin contra a de D’Onofrio, e também por falta de provas conclusivas, o caso fica em águas de bacalhau. Mas o orgulho ferido dos portimonenses resulta numa vitória sobre os portistas, por 1-0. Ai quer saber de quem é o golo? Então, mas isso é elementar, meu caro. Cadorin. Esse mesmo, que aparece ali isolado na pequena área a empurrar a bola para a baliza de Zé Beto, após cruzamento de Luís Reina da esquerda, e a consumar a primeira derrota do FC Porto dessa época. No Verão do ano seguinte, Cadorin sofre um acidente grave, em que 70% do seu corpo fica queimado devido a uma explosão de uma garrafa de álcool, demasiado próxima do fogo, durante a preparação de um churrasco. Esse acidente fragiliza-o bastante e trava a sua carreira em ascensão. Fica um ano sem jogar. Em 1988, o Sporting, treinado por Manuel José, que o orientara em Portimão, ainda lhe oferece um contrato, mas Cadorin recusase a sair do Portimonense. Por amor ao clube e à cidade. “O Sporting quis recuperá-lo do acidente”, conta a filha, Sandy Cadorin, “mas o meu pai quis continuar no Portimonense, simplesmente porque era a sua terra amada”. E levantamo-nos, outra vez, para lhe fazer a devida vénia. Ele merece.
CÂNDIDO Fernandes Plácido DE OLIVEIRA 24 de Setembro de 1896, Fronteira Treinador CLUBES: Portugal (1926-29 e 35-45), Belenenses (37-38), Sporting (45-46 e 47-49), Flamengo (50), Portugal (52), FC Porto (52-53) e Académica (56-58) TÍTULOS: 1 (Campeonato Nacional)
Cândido de Oliveira foi um homem avançado para a época. Nasceu no século XIX, sim, mas foi um homem avançado. Para começar, foi avançado do Benfica entre 1914 e 1920, com um golo na estreia oficial (5-0 ao Internacional). Depois de ganhar quatro títulos regionais de Lisboa pelos benfiquistas, cria o Casa Pia. É por esse clube que se faz representar no primeiro jogo de sempre da Selecção nacional, em Madrid, no ano de 1921. E como capitão! Pendura as chuteiras em 1924 e faz-se treinador. Guia a
Selecção aos quartos-de-final dos Jogos Olímpicos de Amesterdão em 1928 e é o primeiro treinador português a aventurar-se no outro lado do Atlântico, ao serviço do Flamengo, em 1950. Pelo meio é preso no campo de concentração do Tarrafal e também se converte em jornalista. Em 1919 estreia-se no diário desportivo Vitória. Em 29 de Janeiro de 1945, funda A Bola, de capa de um escudo. É por este então bissemanário desportivo que é enviado especial ao Mundial 58, na Suécia, onde morreria, aos 61 anos, em Estocolmo, de uma pneumonia, agravada por insuficiência hepática. Estávamos a 23 de Junho, véspera da meia-final entre Brasil e França (5-2), com três golos de um menino de 18 anos chamado Pelé. A sua história só se completa com os dois títulos de campeão nacional pelo Sporting em 1948 e 1949. O primeiro, então, tem uma história curiosíssima. No dia 25 de Abril de 1948, o líder Benfica recebe o Sporting, nas Amoreiras, com dois pontos de avanço e vantagem no confronto directo (3-1 no Lumiar), a primeira regra de desempate. Cândido de Oliveira, técnico dos leões e benfiquista confesso, é acusado por um dirigente do Sporting de estar a delinear uma táctica suicida para entregar o título ao adversário, mas o factor Peyroteo clarifica toda a situação. Com quatro golos do avançado em 34 minutos, o Sporting goleia 4-1 nas Amoreiras (campo maldito para os verdes e brancos, com apenas três vitórias em 25 partidas) e já se sente campeão. No balneário, entre festejos e abraços, Cândido de Oliveira apresenta a demissão, à frente dos jogadores e do tal dirigente que o julgara antes de tempo. Vale a pronta intervenção do homem que o injuriara e duvidara das suas reais capacidades. Cândido continua assim à frente dos “Cinco Violinos” e arrecada, no ano seguinte, a Taça Século, atribuída pelo jornal a quem vence três Campeonatos consecutivos.
Eric Daniel Pierre CANTONA 24 de Maio de 1966, Marselha (França) POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Auxerre (1983-85), Martigues (85-86), Auxerre (86-88), Marselha (88), Bordéus (89), Montepllier (89-90), Nîmes (91), Leeds United (92) e Manchester United (92-97) TÍTULOS: 14 (5 Campeonatos Ingleses, 4 Supertaças Inglesas, 2 Taças de Inglaterra, 2 Campeonatos Franceses e 1 Taça de França)
Eric Daniel Pierre Cantona. No dia 1 de Dezembro de 1992, por ocasião da festa do 50.º aniversário de Eusébio, o nome do francês passa despercebido à esmagadora maioria dos presentes no Estádio da Luz. Dos 50 mil espectadores, dos 70 jogadores e dos seis árbitros que desfilam naquela
tarde de festa, só Hernâni e Vítor Pereira é que se dão conta de um sujeito alto e mal-encarado. O médio benfiquista porque fica com os pitons do enfant terrible cravados na perna direita; o árbitro lisboeta porque lhe mostra o respectivo amarelo num jogo em que não é suposto recorrer-se a cartões. Mas porquê tanto alarido? É nesse 1 de Dezembro que Cantona se estreia pelo Manchester United, uma semana depois de sair do Leeds United, onde o seu ar de “franciú” não combina com o estilo british de Howard Wilkinson, o treinador – mesmo que estes tivessem sido campeões ingleses nesse Verão de 1992. O dia é indiscutivelmente do rei Eusébio, mas também se pode afirmar que outro rei (ou melhor Le Roi, como lhe chamariam os adeptos em Manchester) dá o ar da sua graça. Porque um jogo sem cartões é monótono, porque 90 minutos sem adrenalina não é nada, porque sim... Fosse pelo que fosse, Cantona estica a corda com duas entradas fora de tempo na segunda parte: aos 49’, sobre Fernando Mendes; aos 55’, sobre Hernâni. É aí que Vítor Pereira pára o jogo. E a brincadeira. Cantona reage bem ao amarelo, vá lá. O golpe de kung-fu fica para mais tarde (1995), até porque festa é festa e não se estraga assim sem mais nem menos. E porque Eusébio é Eusébio. Saudado o rei do futebol português num jogo com antigas glórias, completa-se a festa com o Benfica-Manchester United, que assinala os regressos de João Vieira Pinto e Hernâni, por lesão e doença, respectivamente, e a estreia de um tal Eric Cantona, a fazer dupla de ataque com Giggs. O jogo, esse, é resolvido por Rui Costa, então com 20 anos, aos 81 minutos, a aproveitar uma defesa incompleta de Peter Schmeichel a um remate de fora da área de Kenedy. No caderno de Vítor Pereira fica registado esse golo, bem como o cartão amarelo a Cantona, o tal que iria transformar o mundo do futebol em Inglaterra, ao ponto de estes, arrogantemente nacionalistas, entoarem A Marselhesa, hino da França (país rival da Inglaterra), nos estádios onde ele estivesse a jogar.
CARLOS Alexandre Fortes ALHINHO 10 de Janeiro de 1949, São Vicente (Cabo Verde) POSIÇÃO: Defesa CLUBES: Académica (1968-72), Sporting (72-75), Betis (75), FC Porto (75-76), Benfica (76-77), Molenbeek (77-78), Benfica (78-81), New England Tea Men (79), Portimonense (81-83) e Farense (83-84) TÍTULOS: 5 (2 Campeonatos Portugueses, 2 Taças de Portugal e 1 Supertaça Portuguesa)
Atleta cabo-verdiano do século XX, Carlos Alhinho é daqueles jogadores com história feita no nosso país, como actor principal nos três grandes (Sporting, FC Porto e Benfica), sem esquecer que acumula 15 internacionalizações pela Selecção mais três aventuras no estrangeiro, em
Espanha (Betis), Bélgica (Racing White Molenbeek) e EUA (Boston Tea Men). Um must. O seu irmão (Alexandre) também joga em Portugal, mas é Carlos, dono de um currículo mais invejável, quem se destaca na família. A sua qualidade como defesa central é elevada. “As passagens pelo Sporting, FC Porto e Benfica enriqueceram-me como pessoa e jogador. Fui treinado pelos melhores e a experiência de estar nos melhores clubes portugueses dá projecção a qualquer profissional. Comecei no Sporting, via Académica. Em Alvalade, fui campeão nacional e ganhei duas Taças de Portugal. Ao fim de três anos de contrato, assinei pelo Atlético de Madrid, mas houve problemas, porque assinaram, ao mesmo tempo, com outro central (Luís Pereira), titular da Selecção brasileira. Ora, de acordo com a lei espanhola, só dava para jogar com três estrangeiros e, como já havia Ayala (Argentina) e Leivinha (Brasil), a corda rebentou pelo lado mais fraco. O português saiu, duas semanas depois. Tive de regressar a Portugal, mas o Sporting já estava reforçado no centro da defesa, com Zezinho, Amândio e José Mendes.” E agora? “Veio o convite do FC Porto. Joguei numa equipa fantástica em 1975/76, só que as coisas não resultaram. Alguns jogadores não aguentavam o ritmo de treinos (tridiários na pré-época e bidiários durante a temporada) imposto pelo jugoslavo Stankovic, que era da escola alemã, recém-campeã mundial em 1974, e aí começaram os problemas. Mesmo assim, nunca esquecerei uma vitória na Luz [3-2, a 30 de Maio de 1976], com uma grande exibição do Cubillas, que nos qualificou para a Taça UEFA, na última jornada do Campeonato. No fim dessa época, fui de novo para Espanha, para o Betis, onde só estive meio ano. Tive um azar dos diabos. O general Franco morreu e entrou tudo em polvorosa. Era a altura ideal para regressar a Portugal.” Surge então o Benfica, onde foi ocupar o lugar de Humberto Coelho, vendido ao Paris SG. “Quando cheguei à Luz, o Benfica estava a dez pontos do Sporting e a nove do FC Porto. No final da época, fomos campeões com nove pontos de avanço sobre o Sporting, depois de 25 jogos seguidos sem perder (22 vitórias e três empates). Foi um dos melhores Campeonatos da
história. O grupo era formidável. Mortimore lançou os jovens Chalana, José Luís, Eurico, Alberto, Bastos Lopes e ainda tinha jogadores experientes, como eu, Toni, Nené, Bento, José Henrique.”
CARLOS António do Carmo Costa GOMES 18 de Janeiro de 1932, Barreiro POSIÇÃO: Guarda-redes CLUBES: Barreirense (1949-50), Sporting (50-58), Granada (58-60), Oviedo (60-61), Atlético (61-62) e Ittihad Tânger (62-65) TÍTULOS: 6 (5 Campeonatos Portugueses e 1 Taça de Portugal)
Muito se fala do equipamento preto do russo Lev Yashine. Pois bem, o pioneiro nesse aspecto é o português Carlos Gomes, guarda-redes do lendário Sporting, que ganha quatro Campeonatos nacionais consecutivos entre 1951 e 1954. A sua qualidade é extraordinária, mas o mais desconcertante de Carlos Gomes é a irreverência na saída dos postes para
socar a bola, algo pouco habitual nos guarda-redes daquela época. Por isso, o argentino Alejandro Scopelli leva-o para o Granada, de Espanha. Lá, monta um número de circo bem ao seu estilo. Confrontado com a imprensa pela falta de pagamento de salários, Carlos Gomes sai-se com esta: “No hay diñero, no hay portero [guarda-redes].” À pergunta seguinte do jornalista, do porquê de jogar vestido de preto, mais uma resposta “daquelas”: “Enquanto o futebol português estiver entregue aos doutores, estou de luto.” Voltaria a Portugal em 1961. Para o Sporting, claro. Ou assim deveria ser... Acontece que Carlos Gomes quer ganhar 25 contos, como o mais bem pago do plantel. O Sporting recusa e o guarda-redes ameaça assinar pelo Salgueiros, apenas um ponto de passagem para o Benfica. O Sporting despacha-o então para o Atlético. Nessa altura, Carlos Gomes tem três negócios: explora uma bomba de gasolina, uma leitaria e uma loja de fotografia. Na fotografia, os negócios vão de vento em popa. Tanto assim que não consegue tomar conta do negócio sozinho e coloca um anúncio no jornal para contratar um ajudante. Aparece-lhe uma menina, que o acusa de violação na mata do Jamor, no dia seguinte. Carlos Gomes jura que é uma cilada dos dirigentes do Sporting, em conluio com a PIDE, para lhe destruírem a carreira, a dignidade e a vida. Ainda não passam 24 horas sobre a suposta violação. É dia de AtléticoBenfica e um amigo de Carlos Gomes avisa-o da presença de agentes da autoridade na Tapadinha para o levar para interrogatório no final do jogo. Na autobiografia Jogo da Vida, o guarda-redes escreve: “Para não levantar suspeitas, concentrei-me com a equipa. Tentaria não só fazer um belo jogo, como teria de lesionar-me, porque, enquanto durasse a cura, não haveria suspeitas e ganharia dias preciosos. Não fiz um jogo extraordinário, mas lesionei-me como previsto, logo antes do intervalo...” Chega o intervalo, que demora mais do que o habitual. Na reentrada em campo do Atlético, não se vislumbra Carlos Gomes. Onde é que ele está? A caminho de Badajoz, na bagageira de um boca de sapo (Citröen). De Espanha, apanha o barco para Tânger, onde joga pelo clube da... Polícia! Sempre de preto.
CARLOS MANUEL Correia dos Santos 15 de Janeiro de 1958, Moita POSIÇÃO: Médio CLUBES: CUF (1975-78), Barreirense (78-79), Benfica (79-87), Sion (88), Sporting (88-90), Boavista (90-92) e Estoril (92-94) TÍTULOS: 11 (4 Campeonatos Portugueses, 5 Taças de Portugal e 2 Supertaças Portuguesas)
Suíço-alemão, italiano, francês e romanche são as quatro línguas oficiais da Suíça. É o que se lê na Wikipédia. Mas e o português? Uma pesquisa rápida na internet sobre os dados oficiais dos emigrantes legais aponta para 8108 portugueses no estrangeiro em 1988, a maior parte deles na Suíça. 8108 ou 8109? É melhor confirmar isso, porque o Carlos Manuel passa cinco meses
no Sion. Ok, ele admite que não fala “patavina” de francês, muito menos de italiano. De suíço-alemão, nem se fala – literalmente. E do romanche então... Mas joga lá, entre Janeiro e Maio. E marca dez golos em 13 jogos. Muito bem, estamos na época 1987/88. O Campeonato português de 20 equipas ainda só ia na 12.ª jornada quando Carlos Manuel se despede da Luz (2-2 com Farense). Em Dezembro, o Sion resgata-o ao Benfica para seis meses de boa disposição, futebol e fado na Suíça. “Saí do Benfica em Dezembro porque já não me identificava com algumas pessoas, alguns dirigentes. O Sion foi a primeira equipa que me apareceu à frente com uma proposta concreta e lá fui à aventura”, descreve Carlos Manuel, então com 29 anos e um herói popular pelos golos em Estugarda (1-0 à RFA, na qualificação para o Mundial 86) e em Monterrey (1-0 à Inglaterra, na abertura do Mundial 86), mas mal visto por alguns poderes nacionais. Pelo caso Saltillo, por exemplo. A 21 de Janeiro, com a pausa invernal do Campeonato suíço, o Sion estreia-se num torneio indoor em Lucerna. Há oito equipas e o Sion não é favorito, nem nada que se pareça. “Fomos à final e perdemos. Acabámos em segundo lugar. Fui o melhor marcador e ainda recebi um prémio como melhor jogador. Na altura, o Campeonato suíço era uma espécie de El Dorado, como se fosse agora a Liga dos EUA, cheio de nomes sonantes, como Karl-Heinz Rummenigge [Servette], Tardelli [St. Gallen], Antognoni [Lausane].” Do baú de memórias de Carlos Manuel, saltam as “bandeiras portuguesas espalhadas em qualquer estádio”, “a pizzaria Rhône [com o nome do rio que passa em Sion] só com empregados portugueses”, da “caixa de fósforos” do estádio do Sion, da “graça” do seu nome (Tourbillon), do aumento de dois a três mil adeptos nos jogos em casa... E mais, muito mais. “A coisa que mais me marcou na Suíça foi uma visita inesperada. Devo dizer que passava a vida fora de casa. Só ia lá para dormir, porque encontrava portugueses a cada esquina e aquilo era convites para ir almoçar aqui, lanchar acolá, jantar ali, beber um café com este e o outro. Bem, mas há um dia em que eu estou em casa. Bateram-me à porta e quem era? O Carlos do Carmo! Que eu não conhecia pessoalmente, só de nome. Foi uma
surpresa enorme. E um gesto que me emocionou muito. Hoje somos grandes amigos.”
CARLOS Manuel Brito Leal QUEIROZ 1 de Março de 1953, Nampula (Moçambique) Treinador CLUBES: Sub-18 e Sub-20 de Portugal (1987-91), Portugal (91-93), Sporting (94-96), NY MetroStars (96), Nagoya Grampus Eight (96-97), Emirados Árabes Unidos (99), África do Sul (00-02), Manchester United (adjunto, 02-03), Real Madrid (03-04), Manchester United (adjunto, 04-08), Portugal (08-10) e Irão (desde 2011) TÍTULOS: 6 (2 Mundiais Sub-20, 1 Euro Sub-17, 1 Taça de Portugal, 1 Supertaça Espanhola e 1 Supertaça do Japão)
O Estádio das Antas já não existe. A Áustria também não (futebolisticamente falando). Carlos Queiroz, esse, está firme e hirto à
frente da Selecção portuguesa. Estamos em 2009. Desde a sua estreia em equipas seniores, numa noite fria de 4 de Setembro de 1991, por ocasião do particular Portugal-Áustria, no Porto, muita água já correra debaixo das pontes. E chegara o dia decisivo. Para Portugal, de olho no play-off de qualificação para o Mundial 2010. E para Carlos Queiroz, que somaria o 300.º jogo da carreira como treinador. Mas o número redondo só passará à história ao intervalo do jogo com Malta. A explicação é simples. Da imensa carreira, que engloba quatro continentes (Europa, com Portugal, Sporting e Real Madrid; América, com EUA; África, com África do Sul; Ásia, com Emirados Árabes Unidos), Queiroz tem a curiosa estatística de 299 jogos e meio. E meio? Sim, e meio. Porque Quarlos, como diria Alex Ferguson naquele dialecto que não é escocês e muito menos inglês, faz meio jogo pelo Manchester United em Novembro de 2007, com o Bolton, quando Sir Alex é expulso ao intervalo, precisamente por injuriar Clattenburg naquela mistura de sotaques. O árbitro da partida confirma que não entendeu nada do que Ferguson diz, mas “o seu dedo em riste, o rosto mais vermelho que o de um tomate e a pastilha elástica quase fora da boca” são argumentos suficientes para expulsar o escocês e obrigar Queiroz a comandar a equipa. E é ele quem dá a palestra ao intervalo no Estádio Reebok, sem o efeito desejado. O Bolton mantém a vantagem de 1-0 (golo do francês Anelka, aos 11 minutos) e surpreende o Manchester, que nessa tarde jogaria sem Cristiano Ronaldo, Rooney e Scholes, lesionados e substituídos por Nani, Saha e Carrick. Tirando este pormenor do meio jogo, que vale uma derrota (por inteiro), são 299 jogos como outros quaisquer. Tudo começa no tal 1-1 com a Áustria. Jogaram Vítor Baía (FC Porto); João Pinto, capitão (FC Porto), Samuel (Boavista), Couto (FC Porto) e Leal (Sporting); Rui Barros (Mónaco), Oceano (Real Sociedad), Paulo Sousa (Benfica) e Nelo (Boavista); Rui Águas (Benfica) e Futre (Atlético de Madrid). Entrariam ainda Veloso (Benfica), Domingos (FC Porto), Pacheco (Benfica) e César Brito (Benfica). O golo é de Rui Barros, que ainda atira à trave, e Samuel estreia-se. Mas isso já lá vai. Agora, a história é outra. Mais promissora. Com (outra) Selecção que não existe. Nessa segunda parte, Portugal chega
ao 4-0 com golos de Miguel Veloso e Edinho. Já Carlos Queiroz, chega aos 300.
CÉSAR Gonçalves de BRITO 21 de Outubro de 1964, Covilhã POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Covilhã (1984-85), Benfica (85-87), Portimonense (87-89), Benfica (89-95), Belenenses (95-96), Salamanca (96-98), Mérida (98-99) e Covilhã (99-00) TÍTULOS: 9 (4 Campeonatos Portugueses, 3 Taças de Portugal e 2 Supertaças Portuguesas)
Vale tudo para proporcionar um clima de desconfiança antes do jogo decisivo para o título de campeão nacional em 1990/91. A nomeação do setubalense Carlos Valente, o único árbitro português internacional e com credenciais evidenciadas no último Mundial 90, em Itália, é duramente
contestada pelos técnicos do FC Porto, Artur Jorge e Octávio Machado. “A nomeação de Carlos Valente foi desatenta e desajustada”, numa alusão ao facto de o juiz ser adepto do Benfica. Antes do espectáculo, o Benfica conhece a dura realidade. Primeiro, o relvado ficara encharcado nos extremos, quiçá para “acalmar” Paneira e Pacheco, autores de 16 golos no Campeonato até essa tarde. Os dirigentes benfiquistas protestam, mas Octávio Machado, adjunto de Artur Jorge, defende-se. “Molhámos o campo para a bola rolar em vez de saltar, como acontece na maioria dos campos portugueses. A nossa intenção é a de beneficiar o espectáculo e não criar dificuldades, o que seria um contrasenso.” Depois, é o cheiro a bagaço dentro do balneário do Benfica. A intensidade é tal que não dá sequer para entrar. Ainda hoje, o herói dessa tarde estranha a situação. “A água no campo foi o menos. Aquilo que se passou no balneário é que não foi normal.” Mas quem é o herói? Poucas vezes um jogador precisa de tão pouco tempo para decidir um clássico. César Brito resolve o FC Porto-Benfica em quatro minutos, com um bis nas duas primeiras vezes que tocou na bola. Uma tarde inesquecível. “O Benfica fez um jogo equilibrado, sereno e cumprimos o objectivo que era ganhar, pois o que estava em causa era um Campeonato nacional. Isto apesar de todos os problemas antes do jogo. Foi um dia feliz para mim. São momentos que marcam a carreira de qualquer futebolista. Ainda hoje, as pessoas recordam-se desse dia e ainda falam do jogo quando se cruzam comigo na rua”, testemunha César Brito, que se lembra perfeitamente dos dois golos. “No 1-0, o Vítor Paneira ganhou um lance na linha e cruzou para eu cabecear, apertado pelo Fernando Couto. No 2-0, foi uma combinação entre o Veloso e o Valdo, com este último a meter a bola em profundidade, eu ganhei em corrida aos centrais, que eram o Aloísio e o Paulo Pereira, que depois acabaria por jogar comigo no Benfica, e bati o Vítor Baía. Como o jogo era como uma final antecipada, o Benfica festejou a vitória como se fosse o título propriamente dito. Ainda faltavam quatro jogos, mas três
deles seriam em casa e o Campeonato já não nos podia fugir!” Pois… cheirava a título.
CÉSAR GRÁCIO Secretário-geral da Federação Portuguesa de Futebol (até 1989)
Quarta-feira, 7 de Abril de 1976. Estádio Comunale, em Turim. Entram em campo as Selecções de Itália e Portugal, para um particular fora de época e completamente despropositado, metido entre duas jornadas dos respectivos Campeonatos nacionais, nos dias 4 e 11, ainda para mais com a 1.ª Divisão a parar nesse 11 de Abril para só regressar à actividade a 9 de Maio! Sem referências e falhado o objectivo do Euro 76, a Selecção cai com estrondo por 3-1. Por incrível que pareça, o pior não é a exibição nem o resultado. É, isso sim, a descuidada atitude de César Grácio, recente secretário-geral da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e protagonista
da alegada história da fuga de divisas. O escandaloso imbróglio das liras, que mantém Grácio detido por cerca de uma semana e o condena a oito meses de prisão, com pena suspensa (para além do arresto dos 30 mil dólares pagos pela Federação Italiana), envergonha Portugal pelas proporções que a própria notícia ganhou além-fronteiras. No dia do jogo, César Grácio encontra-se no seu quarto de hotel com Dario Borgogno, presidente da federação italiana, recebe 30 mil dólares em dinheiro, correspondente ao cachet da visita da ilustre Selecção portuguesa a Turim, arruma tudo numa pasta e passa um recibo de 28 200 liras. No aeroporto de Milão, depois do jogo, a surpresa. César Grácio abre a mala e vai preso sob a acusação de exportação ilícita de divisas, crime a que corresponderia pena de um a cinco anos de prisão. Todos os integrantes da comitiva da Selecção embarcam no voo de regresso a Lisboa, à excepção do secretário-geral, retido em Milão. Apesar do movimento de solidariedade, por parte do cônsul de Portugal (que lhe arranja um advogado), do presidente do Conselho Disciplinar da UEFA e do secretário da Liga italiana, o julgamento é uma realidade incontornável. Durante uma semana, César Grácio recebe alimentos, roupa e até uma televisão, mas conta os dias que faltam para trocar a cela pela sala do julgamento, agendado para Busto Arsizio, nos arredores de Milão, às nove da manhã. Chegado o dia D, o juiz (um adepto do Nápoles) analisa o caso e encontra atenuantes no procedimento do réu, César Grácio, que dizia ter assinado o recibo das liras num acto de boa fé, embora o pagamento tenha sido feito em dólares, facto que ilibava o presidente da Federação italiana e a própria instituição de qualquer incriminação. O que está em causa é o comportamento de César Grácio, a quem é concedida a faculdade de aguardar em liberdade provisória o início do cumprimento da pena de prisão, estabelecida em oito meses. O tribunal decide ainda arrestar os 30 mil dólares a favor do Estado italiano. E lá se vai o cachet da Federação portuguesa. César Grácio, esse, lá volta a Portugal. De mãos a abanar. Mas de barriga cheia, porque os dirigentes federativos italianos pagam-lhe um jantar antes do embarque para Lisboa.
Fernando Albino de Sousa CHALANA 10 de Fevereiro de 1959, Barreiro POSIÇÃO: Extremo esquerdo CLUBES: Benfica (1976-84), Bordéus (84-87), Benfica (87-90), Belenenses (90-91) e Estrela da Amadora (91-92) TÍTULOS: 12 (6 Campeonatos Portugueses, 3 Taças de Portugal, 1 Supertaça Portuguesa e 1 Campeonato Francês)
Bordéus, 1984. Por uns momentos, esqueça a colheita de qualquer tipo de vinho desta região e imagine uma conferência de imprensa do clube da cidade com dois bigodes farfalhudos. Um deles é de Claude Bez, presidente. Um homem gordo, que se passeia pelas ruas de Bordéus, com
um chapéu de cowboy, quase sempre ao volante de um Cadillac, e que solta sonoras gargalhadas à medida que cumprimenta toda a gente com uma forte palmada nas costas. O outro é Fernando Chalana, a quem os franceses se rendem nesse Verão de 1984, quando Portugal dá algum espectáculo na fase final do Europeu. Apesar de nunca ter jogado em Bordéus (só em Estrasburgo, Marselha e Nantes), Chalana é conhecido em toda a França. Pelo seu toque de bola, pelas arrancadas ou pelo bigode – e isto num duplo ponto de vista: metafórico (dar um bigode à concorrência, que era o seu prato do dia recorrente) e literal (aqueles pêlos entre o nariz e a boca fizeram as delícias dos jornalistas franceses, que o apelidaram de Chalanix). Ao mesmo tempo que Platini sai de França, na troca St. Étienne-Juventus, Bez muda de posição dentro do Bordéus, de tesoureiro para presidente. E os seus sonhos, outrora megalómanos, tornam-se realidade. A um jovem treinador sem currículo mas com um ar respeitável (Aimé Jacquet, seleccionador da França campeã mundial em 1998) junta-se uma série de vedetas, dos centrais Battiston e Trésor aos avançados Dieter Müller e Lacombe, passando pelo meio-campo, que era “apenas” a zona mais requintada de todas, com o talento do drible curto de Tigana, Giresse, Girard e Chalana. O bigode mais famoso de Bordéus, n’est ce pas? “A minha apresentação à imprensa foi uma confusão com jornalistas e mais jornalistas. Eram franceses e portugueses, todos ali misturados. A sala parecia pequena com tanta gente. Depois, o meu primeiro treino foi a pagar. Eram 10 francos para cada pessoa que me quisesse ver. E aquilo era um centro de treinos que, repare bem, em 1984, já tinha 12 campos relvados! Nos jogos, os adeptos cantavam o meu nome, tal como os dos outros jogadores, mas o meu era novidade para mim, porque em Portugal isso ainda não se fazia. Nem na Luz, onde os adeptos puxavam muito pela equipa.” Outra novidade de Chalana está relacionada com a alcunha. “Lá eu não era o Chalanix, nem o Cyrano de Bergerac [pelo seu nariz], como muita gente daqui escrevia. Era o Vatanen [Ari Vatanen, finlandês, campeão de ralis em 1981, ao volante de um Ford Escort]. Num treino na neve, eu corria mais e driblava melhor do que todos os outros. E o Battiston pôs-me a alcunha.” Curiosamente, o Vatanen não tem bigode. Oh, mon Dieu!
Mário Esteves COLUNA 6 de Agosto de 1935, Lourenço Marques (Moçambique) POSIÇÃO: Médio CLUBES: Benfica (1954-70) e Lyon (70-71) TÍTULOS: 19 (10 Campeonatos Portugueses, 7 Taças de Portugal e 2 Taças dos Campeões)
O mais velho. É assim que Eusébio, o grande Eusébio, trata Coluna nos tempos áureos do Benfica. Quando o país é (re)conhecido no estrangeiro pelas epopeias do Benfica na Europa. Quando a Taça dos Campeões é mesmo só com campeões. Quando os campeões são da fibra de Coluna. E voltamos ao ponto de partida. Coluna ainda é o mais velho para Eusébio. E para todos os outros jogadores que participam naqueles 16 anos gloriosos que evidenciam o Benfica como dez vezes a melhor equipa nacional e duas
vezes a melhor da Europa. Coluna não só está sempre presente nesses títulos (falta referir as sete Taças de Portugal) como ainda é o capitão. Em 1970, José Augusto, já feito treinador do Benfica após a saída do brasileiro Otto Glória, propõe a Coluna a transição dos relvados para o banco, como adjunto. Mas o capitão rejeita abandonar o posto dentro do campo. Quer continuar a jogar. No Benfica, o clube do coração. “O Benfica é o Benfica. Sou do Benfica desde que nasci. Quando jogava em Moçambique, o FC Porto apresentou-me uma proposta [90 contos por três épocas] e o Sporting outra [100 contos por duas épocas]. O Benfica igualou a do Sporting e eu fui para lá. Num abrir e fechar de olhos. Repito, o Benfica é o Benfica. Seja qual for o outro clube, não me divido.” Só que o Benfica está a remodelar o plantel e Coluna é considerado velho. É neste cenário que entra em cena o Lyon. O presidente do clube francês, acompanhado por um empresário, visitam-no em Lisboa e convencem-no a transferir-se para o Olympique. Durante um ano, Coluna é emigrante. Não ganha qualquer título (apesar de estar presente na final da Taça de França, perdida para o Rennes), mas é recompensado noutros aspectos. “Aprendi tantas coisas e recebi tanto carinho. Nem imagina o peso sentimental dos emigrantes”, conta. “Já tinha sentido isso quando o Benfica viajava para fora, mas agora eu estava sozinho e tudo era incrível. Onde quer que eu fosse, os portugueses faziam-me sentir em casa. Em restaurantes, em lojas, em supermercados, nas ruas... Nos estádio, então, entoavam o meu nome. Os emigrantes gritavam ‘Co-lu-na, Co-lu-na!’ Até sentia vergonha porque os outros jogadores da minha equipa [por lá, andava um tal Raymond Domenech, com apenas 18 anos, o polémico seleccionador francês do Mundial de 2006 ao de 2010] não tinham este tipo de apoio. Em França, havia emigrantes em todas as cidades onde joguei. Eles entoavam o meu nome e depois faziam questão de me esperar fora do estádio para falar comigo, apertar-me a mão e pedir-me um autógrafo. Era incrível a adesão popular à minha pessoa.”
Teófilo Juan CUBILLAS Arizaga 8 de Março de 1949, Lima (Peru) POSIÇÃO: Médio ofensivo CLUBES: Alianza Lima (1966-72), Basileia (73), FC Porto (74-76), Alianza Lima (76-78), Florida Stikers (79-83), Alianza Lima (84), South Florida (85), Alianza Lima (87), Fort Lauderdale (88) e Miami Sharks (89) TÍTULOS: 4 (1 Copa América, 3 Campeonatos Peruanos e 1 Taça da Liga Suíça)
Por muitos estrangeiros que passem pelo FC Porto, por muitos golos que marquem (Jardel, 168), por muitos títulos que ganhem (Aloísio, 19), há um que sempre será “a” referência. É o peruano Cubillas. Joga nas Antas entre
Fevereiro de 1974 e Maio de 1977, só marca 65 golos, só faz 108 jogos, só ganha uma Taça de Portugal. Só, mas é a referência. Cubillas, um dos melhores jogadores de sempre, incluído no Top 100 da FIFA do século XX e no Top 125 de Pelé. O Peru é o Peru por Cubillas, o primeiro jogador a marcar cinco ou mais golos em dois Mundiais (1970 e 1978) e o mais jovem melhor marcador de um Campeonato nacional de sempre, em 1966, com 17 anos e sete meses. Teófilo chega às Antas em Janeiro de 1974, via-Basileia (Suíça). “Não aguentava o frio de lá. A equipa não era profissional. Um era médico, o outro professor, um ainda comerciante... e só treinavam à noite. E eu? O que fazia ali o dia todo? Engordei de 66 quilos para 74. Para não falar do que eu vestia cada vez que ia à rua: gorros, casacos, blusões, luvas, óculos. Tudo para evitar a neve. Seis meses depois, apareceu o FC Porto e fui sem pensar duas vezes. A recepção foi linda. Tanta gente... Nem se via a calçada.” A passagem pelo FC Porto é memorável. Pelas exibições, pelos golos e não só. “Nessa altura, em 1975, o Peru estava a jogar bem na Copa América, com reais possibilidades de chegar ao título. Na meia-final, o Peru enfrentou o Brasil. “Ganhámos por sorteio. Vencemos 3-1 em Belo Horizonte e perdemos 2-0 em Lima. Como não havia desempate, foi a decisão por sorteio. Ganhámos nós o direito de ir à final, com a Colômbia. Os jogos eram em Outubro. Perdemos 1-0 em Bogotá e ganhámos 2-0 em Lima. Mais uma vez, como não havia regra de desempate, e com uma vitória para cada lado, era preciso uma finalíssima em campo neutro. Escolheu-se Caracas, na Venezuela.” O problema é que estamos em plena época desportiva em Portugal. Cubillas está no meio de uma embrulhada. “O FC Porto não queria que eu saísse. Então se eu ganhava mais do que o Eusébio! Mas viajei à mesma. Foi uma loucura. Joguei no Bessa, a chover a potes, no domingo, e perdemos [1-0, golo de João Alves, o luvas pretas]. Meti-me num avião e cheguei a Caracas na segunda, véspera da finalíssima, na qual ganhámos 10, golo do Sotil, que jogava no Barcelona com o Cruijff. Quando cheguei ao
Porto, os dirigentes estavam felicíssimos. Cubillas campeão sul-americano, que honra! Safei-me de boa.”
Vítor Manuel Afonso DAMAS Oliveira 8 de Outubro de 1947, Lisboa POSIÇÃO: Guarda-redes CLUBES: Sporting (1966-76), Racing Santander (76-80), Vitória de Guimarães (80-82), Portimonense (82-84) e Sporting (84-89) TÍTULOS: 6 (2 Campeonatos Portugueses, 3 Taças de Portugal e 1 Supertaça Portuguesa)
Quando Eusébio chega a Portugal, em Dezembro de 1960, o Sporting é o maior clube nacional e os 10-9 em relação ao Benfica, em matéria de títulos de campeão, conferem essa superioridade. Quinze anos depois, com a saída de Eusébio, o futebol já não é o mesmo, e o Benfica goleia o rival por um expressivo 21-14. Nesse período, a táctica é bem simples: por cada três
títulos seguidos de campeão dos benfiquistas, o Sporting enche-se de brio e interrompe a saga, que calha sempre em ano de Mundial. É assim em 1966, 1970 e 1974. A leitura também pode ser feita ao contrário: quando o Sporting irrita o vizinho, são três anos de jejum. E é precisamente o que aconteceu em 1970. Na época 1969-70, o Sporting só perde uma vez em 26 jornadas (0-3 em Coimbra) e é campeão com oito pontos de avanço sobre o Benfica, segundo classificado – uma vantagem altamente dilatada e nunca antes vista entre os rivais da Segunda Circular. Na época seguinte (1970/71), o Benfica é campeão e, pelo meio, espezinha o Sporting – invencível há 30 jogos para o Campeonato, desde o tal atropelo em Coimbra –, com um concludente 5-1 na Luz, a 27 de Dezembro de 1970. Eusébio abre a conta aos 24 minutos e Artur Jorge aumenta a vantagem aos 31’, na primeira parte. Após o intervalo, outro festival de golos, com Nené (50’) e Artur Jorge (57’ e 90’) a castigarem o guarda-redes leonino: Vítor Damas, de seu nome. O que é de espantar neste dérbi não é o cabaz de Natal dos benfiquistas, nem o hat-trick de Artur Jorge. Concedemos, é meritório, mas o mais incrível destes 5-1 (estávamos tão empolgados com os golos do Benfica que nos esquecemos de mencionar o ponto de honra dos leões: José Carlos, de penálti, aos 70’) é que Damas é eleito o melhor em campo pela imprensa desportiva, A Bola e Record. Atenção que não é o melhor do Sporting, mas sim o melhor do jogo, de todos os jogadores em campo. E atenção: não são 26, e sim 24, porque o Benfica de Jimmy Hagan não fez qualquer substituição (inglesices...). Posto isto, é caso para perguntar como é possível sofrer cinco golos, nenhum deles de penálti, e ainda assim ser eleito o melhor em campo. Os laterais do Sporting têm a resposta na ponta da língua. O esquerdino Hilário, por exemplo, deu-se conta da evolução de Damas. “Acompanhei os treinos de captações, na Rua do Passadiço, em campos de basquetebol pelados. Os miúdos faziam torneios lá e o Damas foi por aí fora até ser meu colega de equipa. Lembro-me perfeitamente desse jogo na Luz, em que perdemos 5-1 e o Damas foi eleito o melhor em campo. Sem ele na baliza
tínhamos levado muito mais golos. Nesse dia, ele sofreu cinco golos, mas fez milagres para evitar outros tantos.”
Alfredo Stéfano DI STÉFANO Laulhé 4 de Julho de 1926, Buenos Aires (Argentina) Treinador CLUBES: Elche (1967), Boca Juniors (69-70), Valência (70-74), Sporting (74), Rayo Vallecano (75-76), Castellón (76-77), Valência (7980), River Plate (81-82), Real Madrid (82-84), Boca Juniors (85), Valência (86-88) e Real Madrid (90-91) TÍTULOS: 6 (1 Taça das Taças, 1 Campeonato Espanhol de 1.ª Divisão, 1 Campeonato Espanhol de 2.ª Divisão, 1 Supertaça Espanhola e 2 Campeonatos Argentinos)
Campeão em título, vencedor da última Taça de Portugal e semifinalista da Taça das Taças na época 1973/74, o Sporting está sem treinador e Di Stéfano encontra-se no desemprego, depois de levar o insuspeito Valência ao título de campeão espanhol em 1971. Em Benidorme, entre dois arranha-
céus apenas e quilómetros e quilómetros de areia, Yazalde encontra o compatriota Di Stéfano, por acaso. Falam, falam, falam. “Quando o vi pela primeira vez”, conta Di Stéfano, “felicitei-o pela Bota de Ouro [entregue anualmente ao melhor marcador de todos os Campeonatos europeus]. Tinha marcado 46 golos com uma facilidade tremenda e isso era uma barbaridade! Depois, começámos a encontrar-nos mais de uma vez por dia. Às tantas, juntou-se, também por acaso, o presidente do Sporting, um homem simpático, educado e com muita conversa. De um dia para o outro, ele convidou-me para o Sporting e eu aceitei, pois estava sem clube.” Com duas semanas de treino – sempre sem Yazalde, que se lesionara no primeiro dia ao pisar mal a bola –, Di Stéfano está animado e até realça o Benfica e o Vitória (Setúbal) como as equipas “mais perigosas e tecnicistas” do próximo Campeonato nacional. O contrato com João Rocha é verbal e nunca passa para o papel, razão pela qual Di Stéfano é despedido sem receber indemnização no início de Setembro, com uma só vitória (ao Olhanense) em seis jogos de pré-época, espalhados por três torneios, no Algarve, em Sevilha e no Brasil, onde o Sporting perde escandalosamente por 6-0 com o Cruzeiro de Belo Horizonte. É aí que o caldo se entorna, com os rumores de corte de relações entre o plantel e o treinador, prontamente desmentidos por Di Stéfano e pelo próprio Yazalde. “Não entendo esta atitude do Sporting, que não quis assinar contrato com um homem carismático e inesquecível. Todos os jogadores queriam dedicar-lhe uma vitória, mas isso simplesmente não foi possível. Estamos destroçados e falo em nome do plantel.” Acontece que existiam fissuras, a avaliar pelo descontentamento público de Dé e Dinis, dois jogadores que acusam o técnico de métodos pouco democráticos. Afastado do Sporting, o argentino Di Stéfano volta naturalmente a Espanha, não necessariamente a Benidorme, e é substituído por Osvaldo Silva, avançado dos leões na conquista da Taça das Taças em 1964. Até ao final da época, ainda haveria tempo para um terceiro treinador, o chileno Fernando Riera.
Eduardo José Gomes Camassele Mendes (DITO) 18 de Janeiro de 1962, Barcelos POSIÇÃO: Defesa central CLUBES: Braga (1980-86), Benfica (86-88), FC Porto (88-89), Vitória de Setúbal (89-91), Espinho (92-93), Gil Vicente (93-94), Espinho (94-95) e Ovarense (95-96) TÍTULOS: 2 (1 Campeonato e 1 Taça de Portugal)
Tintin, o personagem de BD de Hergé, é belga mas não existe. Poirot, o detective de Agatha Christie, é belga mas não existe. Manneken Pis, o menino a fazer XIXI no centro de Bruxelas, é belga mas só existe em estátua de bronze. De pessoas propriamente ditas, o único belga de carne e osso famoso é Eddy Merckx, o ciclista mais conhecido como Canibal. Calma lá,
o único não. Estamos a esquecer-nos de Rik Coppens, o inventor do penálti a dois toques, aquele lance que toda a gente associa a Johan Cruijff. Pois bem, 25 anos antes do génio holandês, Coppens inaugura esta variante, que dois portugueses já tentaram (em vão) repetir, cada qual com a sua sorte. A história começa a 7 de Junho de 1957, durante um Bélgica-Islândia de qualificação para o Mundial. O jogo é de sentido único (8-3), tal a categoria dos belgas comparada com a falta dela dos nórdicos. Com 6-1 aos 44 minutos, a Bélgica ganha um penálti, apitado pelo luxemburguês Blitgen. Preparado para marcá-lo, Rik Coppens toma balanço, corre e em vez de rematar para a baliza à guarda de Björgvin Hermannsson, passa surpreendentemente para o lado, onde surge André Piters, que recebe a bola e a devolve a Coppens, que marca golo. O estádio rejubila com a ideia inovadora e todos os belgas celebram o feito com uma pratada de moules frites – mexilhões com batatas fritas é um (prato) belga e existe. Como Coppens. E nós, por cá, para quando essa jogada? Dito e João Cardoso têm a palavra porque o futebol é um espectáculo de luz, cor e jogadas nunca vistas. O tempo passa até que chegamos a 21 de Abril de 1984, dia de dérbi entre bracarenses e vimaranenses. Os locais ganham confortavelmente 3-0 quando o árbitro José Guedes, do Porto, assinala penálti. É agora a oportunidade, diz Dito para João Cardoso e vice-versa. Os dois olham para o banco, onde Quinito anui. Na baliza do Vitória está Silvino. Onze metros à sua frente, está João Cardoso. Ouve-se o apito, João Cardoso avança, simula o remate e passa para o lado, onde surge um fulgurante Dito a marcar. É gooooooooolo. Não, não é. O árbitro anula-o. Argumenta que Dito entrara na área antes do passe de João Cardoso. E ainda mostra cartão amarelo a Dito. Um caso comics. Que não se compara a outro relacionado com Dito, quando vai da Luz para as Antas, juntamente com Rui Águas no Verão quente de 1988. Nesse FC Porto, nenhum dos penáltis é a dois toques.
José Manuel Martins DOMINGUEZ 16 de Fevereiro de 1974, Lisboa POSIÇÃO: Extremo esquerdo CLUBES: Sintrense (1992-93), Fafe (93-94), Birmingham (94-95), Sporting (95-97), Tottenham (97-00), Kaiserslautern (00-04), Al Ahly (04-05) e Vasco da Gama (05) TÍTULOS: 1 (Supertaça Portuguesa)
John McEnroe, Valentino Rossi e Dominguez. Eis o trio fantástico dos desportistas que nascem a 16 de Fevereiro. Um é multicampeão do ténis, o outro das motos e o último do futebol. Formado no Benfica, arrepia caminho para Birmingham, onde é o primeiro português a ganhar uma competição em Inglaterra (Taça da Liga 95, não a mais conhecida mas uma
outra organizada apenas para equipas da 2.ª Divisão para baixo), e volta a Portugal, após convite do Sporting. Daqui salta para o Tottenham, onde é o primeiro português a jogar na Premiership, em 1997, antes de Boa Morte, e o mais baixo de todos os jogadores, estrangeiros e ingleses, até hoje. Experimenta ainda o futebol alemão (Kaiserslautern, onde é eleito o jogador do ano pelos adeptos do clube em 2003), o qatari (Al-Doha) e o brasileiro (Vasco da Gama, onde faz dupla de ataque com Romário). Podíamos contar um sem número de histórias nessas aventuras futebolísticas, mas Dominguez também já esteve no outro lado do campo, e não só como espectador. É ele quem o diz, a respeito da rivalidade entre Benfica e Sporting. “Uma vez, fui apanha-bolas na Luz e o Benfica deu 5-0, e todos os golos na primeira parte. Eram os tempos em que ser apanhabolas era uma diversão fora do comum porque íamos ao estádio, estávamos mesmo dentro do campo e ainda jogávamos à bola no intervalo, atrás das balizas. Muitas vezes éramos aplaudidos pelos adeptos. Outra história engraçada é a dos 7-1 em Alvalade [14 de Dezembro de 1986]. Também estive lá. Nasci e cresci no Bairro Alto. E no Largo do Carmo, onde eu morava, a malta era quase toda do Sporting. Da Juve Leo. Então fui com eles à bola. E comecei a encher: 1-0, 2-0. Até que o Wando reduziu e eu quietinho no meu lugar, sem me levantar nem nada. Brincas, está mas é quieto! E lembro-me disto como se fosse hoje: um amigo meu sentou-se ao meu lado e disse-me que o Benfica ia recuperar, ao que eu respondi, e isto é verdade: ‘Garanto-te que o Benfica vai mas é começar a atacar, a atacar, a atacar e vai sofrer mais cinco golos.’ Mas porque é que fui abrir a boca? Não é que foi mesmo 7-1? Nesses tempos, eu ia muito à bola. A maior parte das vezes com o meu pai. Ainda me lembro de ir com ele ver aqueles Benfica-Liverpool no início dos anos 80, para a Taça dos Campeões, com o Rush a marcar-nos golos. E pensar que ainda joguei contra ele.”
EDUARDO Rosa GOUVEIA 28 de Abril de 1914, Lisboa Árbitro da 1.ª Divisão (1950-60) e Internacional (1954-60)
Muito se fala sobre a profissionalização dos árbitros portugueses. Há quem defenda essa ideia, há quem deixe o assunto andar ao sabor do vento como quem não quer a coisa. Desta vez, o homem de preto de quem se fala (e escreve) é Eduardo Gouveia. A 2 de Março de 1960, este antigo jogador do Palmense e árbitro de Lisboa apita o Real Madrid-Nice, para a segunda mão dos quartos-de-final da Taça dos Campeões, acompanhado pelos fiscais de linha Joaquim Campos e Hermínio Soares. Na véspera do jogo no Santiago Bernabéu, o trio de arbitragem português recebe uma visita no hotel em Madrid de um amigo espanhol, também ele
árbitro, de seu nome Vicente José Caballero Camacho. Para Joaquim Campos, o único que ainda está cá para contar a história, “Caballero fazia jus ao nome e era um homem fantástico, que se dava ‘muy bien’ com os portugueses, razão pela qual nos visitava sempre nestas ocasiões. E nós retribuíamos essa amabilidade e amizade. Aliás, eu, o Eduardo e o Hermínio quando ele faleceu fomos em romaria até Madrid para entregar uma placa comemorativa à mulher dele, no seu funeral.” Na tal visita ao hotel da capital espanhola, Caballero oferece um relógio a Eduardo Gouveia e diz-lhe, perante a inicial recusa deste, que é fácil de usar. Convencido, Eduardo lá usa o relógio no Bernabéu mas dá-se mal. Por algum motivo, que ainda hoje Joaquim Campos desconhece, Gouveia estica a primeira parte até aos 53 minutos e 53 segundos. “O Eduardo Gouveia teve um azar tremendo porque naquele período a bola nunca saiu de campo, pelo que nem eu nem o Hermínio pudemos ir ao seu encontro e dizer-lhe que já passava da hora. Nós bem que gritávamos, mas em vão.” Ainda por cima, nesse período de compensações descontroladas, o Real Madrid marca um golo, obra de Di Stéfano, aos 50 minutos. E nem assim Gouveia é avisado. “O público [88 mil espectadores] gritava ‘Reloj, reloj, reloj!’ e ele nada. Se calhar, nem sabia castelhano”, desabafa Joaquim Campos. “No balneário, quando eu e o Hermínio dissemos ao Eduardo, coitado do homem. Pôs-se a chorar ali à nossa frente. Ninguém gosta de fazer um mau trabalho e a verdade é que o assunto rapidamente se espalhou pela Europa fora, embora a UEFA não lhe tenha feito nada, como suspendêlo ou repreendê-lo. O problema é o monte de bocas que ele teve de ouvir até ao final da carreira [em 1964, num Seixal-Varzim], cá em Portugal. Bastava começar o jogo para os adeptos lhe gritarem: ‘Olha o relógio!’”.
Sven-Goran ERIKSSON 5 de Fevereiro de 1948, Sunne (Suécia) Treinador CLUBES: Degerfors (1977-78), IFK Gotemburgo (79-82), Benfica (82-84), Roma (84-87), Fiorentina (87-89), Benfica (89-92), Sampdoria (92-97), Lazio (97-01), Inglaterra (01-06), Manchester City (07-08), México (08-09), Costa do Marfim (10) e Leicester (10-11) TÍTULOS: 19 (3 Campeonatos Portugueses, 1 Taça de Portugal e 1 Supertaça Portuguesa, 1 Campeonato da 3.ª Divisão Sueca, 1 Campeonato da 1.ª Divisão Sueca, 2 Taças da Suécia, 1 Taça UEFA, 1 Campeonato Italiano, 4 Taças de Itália, 1 Taça das Taças, 1 Supertaça Europeia e 2 Supertaças Italianas)
Quando aterra em Portugal, é para treinar o Benfica. Vencedor da Taça UEFA 82 pelo IFK Gotemburgo no mês anterior, Sven-Goran Eriksson só tem 32 anos. O guarda-redes Bento é da sua idade! Nené é só um ano mais novo e Humberto Coelho dois. Na sua (improvisada) primeira conferência de imprensa, no aeroporto da Portela, o treinador sueco diz-se fascinado pela criatividade e pelo golo. “Não admito que joguemos para o zero-zero. O futebol tem de ser algo mais que estar hora e meia a não deixar jogar.” A sua palavra-chave é profissionalismo e João Alves, o famoso luvas pretas, sente isso na pele quando chega atrasado a um treino e é relegado para o banco de suplentes na final da Taça UEFA 83, com os belgas do Anderlecht. Nesse dia, que o coroa como primeiro treinador a chegar a duas finais da Taça UEFA consecutivas, Eriksson lamenta a falta de sorte. Acima de tudo, cavalheirismo. É outra das suas imagens de marca, que lhe permite continuar a ser acarinhado por qualquer adepto português muitos anos depois, como se comprova naquelas eliminatórias só resolvidas nos penáltis durante o Euro 2004 e o Mundial 2006, já com ele à frente da Selecção de Inglaterra. Nos dois períodos em que trabalha em Portugal, encontra dois presidentes (Fernando Martins, primeiro; João Santos, depois) e conquista cinco títulos, incluindo três Campeonatos, o último deles com aquele inesquecível 2-0 nas Antas, com bis de César Brito, em 1990/91. Nas cinco épocas ao serviço do Benfica, intercaladas com uma experiência em Itália, o seu adjunto é sempre o mesmo: Toni. São uma dupla inseparável. “No primeiro treino pelo Benfica”, conta Toni, “ele diz-me isto: ‘Vou separar o plantel em três grupos. Tu ficas a treinar remates à baliza, eu divido os outros dois em minijogos de 4x4 e 6x6.’ E eu a olhar para ele. Mas então, espera lá, ele quer bola no primeiro treino? No meu tempo, os primeiros 15 dias era calçar as sapatilhas e correr na mata. Bola, nem vê-la! Com Eriksson, sempre bola. E repetias os exercícios até à exaustão. Uns trabalhavam a organização defensiva, outros a transição para o ataque. O que o ponta-delança devia fazer quando o lateral direito recuperava a bola para iniciar um ataque? E um médio, corria para onde? O Eriksson tinha tudo isso planeado na cabeça!”
Guilherme Santana Graça ESPÍRITO SANTO 30 de Outubro de 1919, Luanda (Angola) POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Benfica (1936-41 e 43-50) TÍTULOS: 7 (4 Campeonatos Portugueses e 3 Taças de Portugal)
A pérola negra. É assim que lhe chamam no Benfica. Nascido em Lisboa, vai cedo para Angola. Volta à base em 1936, com a missão complicada de substituir o seu ídolo, o infalível Vítor Silva (94 golos em 130 jogos, de 1927 a 1936). Felino e ágil, Espírito Santo encaixa no esquema do Benfica e depressa se percebe a sua vocação para o futebol. Ups, para o desporto. Em 1940, durante um treino do Benfica, a bola vai parar ao sítio onde outros treinam atletismo. Despreocupado, o avançado salta um obstáculo no
meio do caminho e recupera a bola perante a estupefacção geral. Tinha acabado de pular 1,70 metros em altura, algo que ninguém conseguira fazer até essa tarde. Espírito Santo é um atleta de eleição, recordista do salto em altura (1,88, marca batida apenas em 1960, vinte anos depois), campeão nacional de comprimento e triplo salto. Tudo isto aliado a um comportamento exemplar que sempre o distingue. Razões mais do que suficientes para ser condecorado pelo Comité Olímpico Internacional, em 1999, com o prémio fair play. Voltando ao futebol, Espírito Santo será sempre lembrado como o jogador benfiquista que mais golos alcança num jogo oficial: nove dos 13-1 ao Casa Pia, a 5 de Dezembro de 1937. Para não deixar dúvidas, o grande Peyroteo, maior goleador de sempre do futebol português ao serviço do Sporting e seu amigo em Angola, escreve o seguinte no seu livro de memórias: “Espírito Santo joga futebol muito melhor do que eu.” Tão ou mais importante do que tudo isso, Espírito Santo deixa essencialmente a sua marca na Selecção nacional. Não só pelas oito internacionalizações, mas sobretudo por ter sido o primeiro negro a representar Portugal. A 28 de Novembro de 1937, domingo. Espanha e Portugal jogam pela 13.ª vez entre si, agora nos Balaídos, em Vigo. O seleccionador Cândido de Oliveira chama quatro novatos. Entre João Azevedo (Sporting), Mariano Amaro e Artur Quaresma (ambos do Belenenses), está um tal Espírito Santo, já um valor consagrado no Benfica, face aos 34 golos em 31 jogos oficiais. Ao intervalo, está 0-0. É então que Cândido de Oliveira estreia Espírito Santo, no lugar de Quaresma. E não é que o benfiquista faz das suas e provoca o 2-0 de Valadas, após defesa incompleta de Eizaguirre? Nessa estreia de Espírito Santo, Portugal ganha pela primeira vez à Espanha e logo em território “inimigo”. Vigo serve assim de talismã e faz esquecer as anteriores 11 derrotas e um empate no confronto ibérico. Desta vez, o número 13 dá sorte. Mas o jogo tem a sua história. Afinal, a Espanha, em plena Guerra Civil, não contabiliza este encontro como oficial e alega ter apresentado uma equipa B – ainda hoje há uma discórdia com Portugal sobre o assunto e os vizinhos não contam com esse jogo. Seja como for, o
grande vencedor é Espírito Santo, o primeiro negro na Selecção nacional. A Inglaterra, por exemplo, só estreou um jogador negro 41 anos depois.
EURICO Monteiro Gomes 29 de Setembro de 1955, Santa Marta de Penaguião POSIÇÃO: Defesa central CLUBES: Benfica (1975-79), Sporting (79-82), FC Porto (82-87) e Vitória de Setúbal (87-89) TÍTULOS: 11 (6 Campeonatos Portugueses, 2 Taças de Portugal e 3 Supertaças Portuguesas)
É o único jogador campeão português pelos três grandes (até repete o título em todos), mas, por incrível que pareça, tem outros motivos para se orgulhar. Afinal, trata-se de um homem que triunfa por conta própria e escala uma infinidade de degraus até chegar ao topo. Vindo de Trás-osMontes, chega a Lisboa aos 13 anos com ideias fixas: ser jogador de futebol no Benfica. Isso não lhe é possível de imediato porque a oferta do Benfica
(500 escudos) é inferior ao seu ordenado como aprendiz de uma oficina de automóveis na Póvoa de Santo Adrião (2500). Arranjam-se alternativas, como o Várzea e o Odivelas. O Benfica volta à carga no ano seguinte, com quatro contos. Começa nos juvenis, entra para os seniores em 1975 e impõe-se com naturalidade. O espaço é seu e só deixa de o ser em 1979, após ruptura com a direcção. Transita para o Sporting, onde será campeão logo no ano seguinte, e bicampeão em 1982. Depois, completa o ciclo no mágico FC Porto de Artur Jorge, antes de se lesionar gravemente em Agosto de 1985, após partir a perna num lance com Nunes (Benfica), na primeira jornada do Campeonato nacional, no seu 22.º e último clássico da carreira. A história (e a dor) na primeira pessoa. “O FC Porto foi ao Canadá fazer dois jogos de fim de época em 1985. No primeiro jogo, fiz uma fissura no dedo mindinho de um pé. Como percebi que fisicamente não ia dar para fazer o segundo jogo, pedi aos dirigentes do FC Porto para me deixarem ir ao Porto ter umas férias em família, até porque 20 dias depois teria de regressar ao Canadá, onde iria participar na equipa do Resto do Mundo, convocada pelo Eriksson, contra o Canadá. O FC Porto deixou-me e entreguei as minhas calças de fato de treino ao roupeiro. Mais tarde, regressei ao Canadá, como previsto, e fiz o tal jogo do Resto do Mundo. No começo da época seguinte, fomos à Corunha, de autocarro, para o Torneio Teresa Herrera, e entregaram-me o meu fato de treino. Qual não é o meu espanto quando detecto um escorpião enrolado num papel com uma oração de plástico transparente, atados por um fio vermelho. Pensei: ‘‘Caraças, mas o que é isto?’’, mas não disse nada. Nesse Teresa Herrera, perdemos a final com o Atlético de Madrid com um penálti inventado pelo árbitro, num lance em que fui interveniente. Em toda a carreira, se eu fiz dois penáltis, foi muito... Barafustei com o árbitro e fui expulso. Dias depois, na primeira jornada do Campeonato, com o Benfica, vamos para estágio na Batalha e entrego o escorpião ao roupeiro. Perguntolhe o que era aquilo e ele diz que nada sabe. Fui a jogo. Aos 17 minutos, saio lesionado! Tenho duas conclusões: Ou alguém vestiu as minhas calças de fato de treino no Canadá ou alguém meteu aquilo de propósito nas
calças. Na área da parapsicologia, aquilo foi intencional. Mas não era para mim, era para alguém. Fui eu o atingido e fui eu a vítima. Se calhar, era amuleto de defesa de alguém, mas para mim foi um amuleto com alguma maldade.”
EUSÉBIO da Silva Ferreira 25 de Janeiro de 1942, Lourenço Marques (Moçambique) POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Sporting de Lourenço Marques (1958-60), Benfica (60-75), Rhode Islands Oceaners (75), Boston Minutemen (75), Monterrey (76), Toronto Metros-Croatia (76), Beira-Mar (76-77), Las Vegas Quicksilver (77), New Jersey Americans (77) e União de Tomar (77-78) TÍTULOS: 17 (1 Taça dos Campeões, 11 Campeonatos Portugueses, 5 Taças de Portugal e 1 Campeonato Norte-americano)
Eusébio da Silva Ferreira. O tempo não vai conseguir apagar este nome. À conta dele, Portugal é conhecido em todo o mundo. Graças a ele, a história
do futebol nacional muda radicalmente. Quando chega a Portugal, em 1960, o Sporting é rei e senhor, com nove Campeonatos nacionais contra sete do Benfica. No reinado de 15 épocas do Pantera Negra, o Benfica sai fortalecido, com 11 Campeonatos e cinco Taças de Portugal, mais duas Taças dos Campeões, e deixa a concorrência para trás – o Sporting, nesse mesmo período, só ganhou quatro Campeonatos e outras tantas Taças de Portugal. Em 1975, quando Eusébio abandona a equipa da Luz, o Benfica é o clube de Portugal mais admirado em todo o lado, situação que ainda persiste nos tempos que correm. Para evidente dor de cotovelo dos rivais. E, atenção, que o cotovelo foi uma das poucas partes do corpo com que Eusébio não marcou nenhum dos seus 727 golos nos 715 jogos realizados ao longo da sua magnífica carreira. O pé direito é a maneira mais comum que o avançado português encontra para se expressar diante da baliza e é dele (pé direito) que se descreve o seu melhor golo. Eleito pelo próprio. A 9 de Dezembro de 1964, quando o Benfica goleia por 5-0 os suíços do La Chaux-de-Fonds para a segunda mão dos oitavos-de-final da Taça dos Campeões. Aos 52 minutos, já com 2-0 no marcador, um lançamento de Cruz encontra Eusébio. Este domina a bola com um pé e com o outro passa-a por cima (vulgo “cabrito”) do central Koisard, depois sobre o lateral esquerdo Deforel e remata de forma fulminante à entrada da área – tudo isto sem deixar a bola cair no chão. “Foi o meu melhor golo, sem dúvida. Mantenho essa opinião desde que o marquei e não a alterei depois disso”, garante Eusébio, devidamente sustentado pelos seus companheiros de então, como Simões. “Aquilo foi uma obra de arte. Só mesmo quem viu é que pode vibrar com essas memórias. Mas, na altura, os jogos não davam na televisão e o mediatismo era mais pelos jornais.” De volta a Eusébio. “É um golo inesquecível porque o guarda-redes [Eichmann] veio cumprimentar-me logo a seguir e disse-me que nunca teria defendido aquela bola.” Depois, a piada oportuna: “Não me posso envergonhar do adversário. Foi o último jogo deles na Europa.” É verdade, sim senhor. O La Chaux-de-Fonds só fez seis jogos nas provas europeias,
dois deles em Portugal (esse e o 0-5 em Matosinhos com o Leixões em 1961), e está actualmente na 2.ª Divisão suíça. Mas na 1.ª do pé direito de Eusébio.
José Manuel FÉLIX MOURINHO 12 de Fevereiro de 1938, Ferragudo POSIÇÃO: Guarda-redes CLUBES: Vitória de Setúbal (1958-69) e Belenenses (69-74)
Joga pelo Vitória de Setúbal (1956-69). Depois, no Belenenses (69-74), onde é internacional português uma única vez, em Julho de 1972, na Minicopa do Brasil. Como treinador, leva o União de Leiria e o Amora à 1.ª Divisão, além de promover o Rio Ave à final da Taça de Portugal em 1984 (perdida para o FC Porto), dois anos depois de acabar o Campeonato nacional em 5.º lugar pelos vila-condenses, a quatro pontos da Taça UEFA. Estamos a falar de um homem com história no nosso futebol. Mas quem? Aquele do penálti do Eusébio? Aquele que é pai do José Mário.
Porquê relacionar Eusébio com José Mourinho? Por um ser o melhor jogador português de sempre e o outro um dos melhores treinadores do mundo? Nããããã, nada disso. Porque um faz anos a 25 de Janeiro e o outro no dia seguinte. Pelo meio, há Félix Mourinho, pai de José e “padrinho” de Eusébio – além de sofrer o primeiro golo do Pantera Negra em Portugal, também lhe defende um penálti, tudo no mesmo jogo, entre V. Setúbal e Benfica para a Taça de Portugal em 1961. Lá porque já passou mais de meio século não quer dizer que Félix se tinha esquecido de todos os pormenores. E mais alguns. “Antes desse lance, há até uma história curiosa. Entre a chegada de Eusébio a Portugal [Dezembro de 1960] e a sua estreia oficial [Junho de 1961], encontrei o José Augusto por acaso e perguntei-lhe: ‘Então, que tal é o homem? É tudo aquilo que a imprensa escreve?’ A resposta dele foi só esta: ‘Alguém tem de sair para ele entrar’ [acabaria por ser Santana]. Mas então, e o penálti? “Foi uma defesa por instinto. O Eusébio atirou para a minha esquerda e defendi. Foi nos Arcos.” Mas há mais. Félix é especialista em defender grandes penalidades. E de famosos. “No primeiro jogo oficial no Restelo, pelo V. Setúbal, defendi um penálti do Matateu. E também defendi um penálti do Yazalde, no Restelo, num Belenenses-Sporting.” Ou seja, os três avançados mais completos da era de Félix. “Sem dúvida. O Matateu era um fenómeno dentro da área, melhor até do que o Eusébio. Quero dizer, dentro da área, a rodopiar sobre os adversários. Fora dela, o Eusébio foi o rei. O Yazalde era um espectáculo para qualquer um. De um fair play sensacional.” Espantoso, não é? E se ele, Félix, disser que todos esses três penáltis são defendidos sem luvas? Sim senhor. Acredite! “Era moda, sem luvas e cuspo nas mãos. Só comecei a usar luvas a meio da carreira, quando torci o pulso. Calcei as luvas de borracha para remediar.” Ele há cada uma...
FERNANDO Mendes Soares GOMES 22 de Novembro de 1956, Porto POSIÇÃO: Avançado CLUBES: FC Porto (1974-80), Sporting Gijón (80-82), FC Porto (82-89) e Sporting (89-91) TÍTULOS: 13 (1 Taça dos Campeões, 1 Taça Intercontinental, 1 Supertaça Europeia, 5 Campeonatos Nacionais, 3 Taças de Portugal e 2 Supertaças Nacionais)
Em 1980, o FC Porto está a arder. O presidente Américo de Sá questiona as frases inflamadas de Pinto da Costa, director do Departamento de Futebol, e de José Maria Pedroto, treinador, contra tudo e contra todos, sobretudo na direcção dos grandes de Lisboa, que, segundo eles, representam o poder, sob muitos aspectos, não apenas futebolísticos.
A partir do momento em que Américo de Sá demite Pinto da Costa, a confusão instala-se no Porto. Segue-se a saída de Pedroto, o mestre do Bicampeonato nacional em 1978 e 1979. No mês seguinte, três jogadores rescindem contrato: Oliveira refugia-se no Penafiel, Octávio regressa ao V. Setúbal e Gomes aventura-se no estrangeiro. Com a espantosa marca de 149 golos em 195 jogos pelo FC Porto, o avançado ainda participa no Torneio Teresa Herrera pelos azuis e brancos (faz 90 minutos na derrota por 2-1 com o Real Madrid nas meias-finais e é suplente nos 4-1 ao Flamengo para o terceiro e quarto lugares) mas já não se sente portista como antigamente. Por isso, força a saída. E o Sporting Gijón paga 40 mil contos ao FC Porto pelo seu passe. De lá, Gomes comenta o Verão quente nas Antas: “Pinto da Costa e Pedroto não eram os nossos patrões nem nos pagavam os ordenados, mas só eles é que estiveram connosco em todos os momentos, bons e maus.” A imprensa espanhola intitula Gomes de “novo Quini”, avançado espanhol do Sporting Gijón que saíra dias antes para o Barcelona, depois de ter sido o melhor marcador da Liga espanhola por três vezes, em 1974, 1976 e 1980, tal e qual o português, rei do golo no Campeonato nacional em anos seguidos (1977, 1978 e 1979). A missão de Gomes é fazer esquecer o melhor número 9 do futebol espanhol de então. Na estreia, a 14 de Agosto, os jornais desportivos espanhóis dão conta de “uma péssima exibição, sem glória”, com os búlgaros do Levski Sofia (3-0 para o Sporting). Uma semana depois, a 22, Gomes responde à letra com cinco golos na goleada ao Oviedo por 5-1. O pior estava para vir. No dia seguinte, com o Real Madrid (0-2), Gomes cai sozinho aos nove minutos, agarra-se à perna e é substituído. Só regressa aos relvados um mês mais tarde, já para a Liga espanhola, em Salamanca (2-2), como suplente. É depois titular com o Valladolid (4-1) e o Almería (1-1). O primeiro golo oficial chegaria a 2 de Novembro de 1980, com o Athletic Bilbao, de cabeça (1-1). Na jogada seguinte pára tudo. Tendinite para Gomes e paragem forçada. Por 11 meses. Só volta à competição em Outubro de 1981, em Camp Nou, casa de Quini. Essa época (1981/82) até lhe corre favoravelmente, com 11 golos em 23 jogos, mas Gomes quer voltar a casa, onde Pinto da Costa já é presidente do
FCP. Marca mais 198 golos em 260 jogos e torna a sair. Para o Sporting. Não o Gijón, mas sim o de Portugal.
FERNANDO MARTINS 25 de Janeiro de 1917, Paúl Presidente CLUBES: Benfica (1981-87) TÍTULOS: 11 (4 Campeonatos Portugueses, 5 Taças de Portugal e 2 Supertaças Portuguesas)
Nunca uma final da Taça de Portugal protagonizara tanta discórdia e confusão como aquela em 1983, entre FC Porto e Benfica. A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) dera, ainda antes do início da época 1982/83, a certeza de que a final se realizaria nas Antas, independentemente do nome dos clubes, mas o rastilho explode no dia 8 de Maio, quando são conhecidos os dois finalistas: FC Porto (9-1 ao Académico, da 2.ª Divisão) e Benfica (2-0 ao Portimonense).
O Benfica não acha graça nenhuma à coincidência e o presidente Fernando Martins mostra-se intransigente, pelo que autoriza as merecidas férias a todos os jogadores, depois de conquistado o Campeonato nacional. No Porto, a arrogância benfiquista faz mossa e os rumores de manobras de bastidores no sentido de transferir a decisão para Lisboa deixam os portistas à beira de um ataque de nervos. Organiza-se, então, uma assembleia-geral no dia 1 de Junho, em que os sócios aprovam por aclamação que o clube não compareça à final, a não ser nas Antas. “Lisboa não pode colonizar o resto do país. O desejo deles é que o FC Porto desça de divisão”, vocifera Pinto da Costa, recém-eleito presidente do grémio azul e branco. No dia 6, o Conselho de Justiça da FPF dá razão ao FC Porto, mas o Benfica ameaça recorrer aos tribunais civis, pelo que a final é adiada sine die. Fernando Martins é um homem que defende o Benfica como poucos. Com uma visão para o negócio sem paralelo, é ele quem finaliza a construção do Terceiro Anel (graças sobretudo aos 220 mil contos do negócio da venda do passe de Chalana para o Bordéus, em 1984) e se decide pelo pagamento de prémios por vitória mais elevados do que os próprios ordenados, atitude que marca uma gestão muito própria com os resultados que se conhecem (quatro Campeonatos, cinco Taças de Portugal e duas Supertaças portuguesas mais uma final da Taça UEFA perdida para o Anderlecht em sete anos de mandato). Além disso, chama o sueco Sven-Goran Eriksson para substituir o húngaro Lajos Baroti, na impossibilidade de contratar José Maria Pedroto, de malas aviadas para Guimarães. Uma jogada de mestre que lhe garante ainda mais sucesso e notoriedade na guerra com o Norte. Nesse Verão, Fernando Martins acalma os ânimos, com muita ironia pelo meio. “Para evitar que o FC Porto pudesse estar sujeito a terríveis consequências e por uma questão de respeito, decidi que viéssemos às Antas.” O Benfica lá vai e não é que ganha? Um a zero, golo de Carlos Manuel.
Luís Filipe Madeira Caeiro FIGO 4 de Novembro de 1972, Lisboa POSIÇÃO: Extremo direito CLUBES: Sporting (1989-95), Barcelona (95-00), Real Madrid (00-05) e Inter (05-09) TÍTULOS: 24 (1 Euro Sub-16, 1 Mundial Sub-20, 1 Taça de Portugal, 2 Taças de Espanha, 1 Taça das Taças, 4 Campeonatos Espanhóis, 2 Supertaças Europeias, 3 Supertaças Espanholas, 1 Liga dos Campeões, 1 Taça Intercontinental, 1 Taça de Itália, 4 Campeonatos Italianos e 2 Supertaças Italianas)
03h00. Duas horas depois de ser eleito presidente do Barcelona, Joan Gaspart telefona a Figo, mas não o consegue convencer. “A sua voz estava triste. Agora, só lhe resta admitir que quer ganhar mais dinheiro”, revelou.
09h00. Figo não aparece em Camp Nou, onde está prevista a apresentação dos jogadores internacionais presentes no Euro 2000 (Vítor Baía, esse sim, aparece, findo o empréstimo ao FC Porto). Aí, até os mais optimistas percebem que a saída do capitão está mais que consumada. 10h55. O jacto privado onde Figo viaja na companhia de José Veiga, seu empresário, aterra no aeroporto militar de Torrejón, em Ardoz. À sua espera, encontra-se Julio Senn, director-geral do Real Madrid. 12h10. O Real Madrid avisa por fax a Liga espanhola de que vai depositar os 10 milhões de pesetas da cláusula de rescisão. 13h30. Florentino Pérez abandona as instalações da sua empresa para se encontrar com Figo para discutir os últimos pormenores do contrato, válido por seis anos. 14.33. Florentino Pérez sai do notário visivelmente bem-disposto. Cinco minutos depois, é Figo quem sai, de semblante sério e acompanhado por Julio Senn. 14h45. O Real Madrid deposita na conta da Liga espanhola os 10 milhões de pesetas mais IVA. Figo é oficialmente o jogador mais caro do mundo: 12 milhões de contos, ou 59,8 milhões de euros. Dizem que os empresários José Veiga e Paulo Futre encaixam 2,4 milhões de euros e 550 mil euros, respectivamente. Jackpot! 15h25. As dezenas de casas de fãs de Figo reagem. Gonzalo Nevalo, presidente da peña Luís Figo de Cedillo (Cáceres), diz que nem Deus vai proteger o português e proíbe que se pronuncie o nome dele. 18h00. Figo entra pela primeira vez no Santiago Bernabéu como jogador do Real Madrid. É levado para a sala de troféus do estádio, onde o esperam 90 jornalistas de todo o mundo. 18h02. Entre cotoveladas e atropelos de fotógrafos, Florentino Pérez pede tranquilidade para começar a falar. Ao seu lado está Alfredo di Stéfano, a lenda viva do Real Madrid. O discurso é breve. 18h05. Numa imensidão de flashes e braços no ar para perguntas, Figo só diz umas quantas frases de circunstância: “Estou muito contente por estar aqui. Espero ser tão feliz aqui como fui em Barcelona.”
18h15. Figo, Pérez e Di Stéfano encaminham-se então para o relvado do Bernabéu, onde há tempo para mais fotografias. O português continua pouco falador e com um ar sério. Cada passo do português, por mais ligeiro que seja, é copiado pelos 90 jornalistas numa curiosa dança tribal. 18h45. Figo abandona o Bernabéu, de volta para Portugal, onde irá gozar a última semana de férias. O regresso a Madrid está marcado para 31 de Julho, onde já começa a trabalhar sob as ordens de Vicente del Bosque (o último seleccionador campeão mundial) e um tal Eto’o no plantel.
Ernesto FIGUEIREDO 6 de Julho de 1937, Tomar POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Matrena (1955-56), União de Tomar (56-59), Cernache (59-60), Sporting (6068) e Vitória de Setúbal (68-70) TÍTULOS: 4 (1 Taça das Taças, 2 Campeonatos Portugueses e 1 Taça de Portugal)
Ernesto Figueiredo anda todos os dias por Lisboa, de um lado para o outro, ao volante do seu táxi. Com 73 anos de idade, o Altafini de Cernache está aí para as curvas. Quem? O Altafini de Cernache. Para quem não sabe, é a alcunha de Figueiredo, autor de 147 golos em 233 jogos pelo Sporting, entre 1960 e 1968. É um dos heróis da Taça das Taças 64 (seis golos,
incluindo o primeiro da campanha, aos italianos da Atalanta, e dois na final, aos húngaros do MTK Budapeste) e um dos Magriços do Mundial 66 (não faz um minuto sequer para amostra, por teimosia de Manuel da Luz Afonso, seleccionador nacional e ferrenho benfiquista, clube representado na frente de ataque dessa equipa, com o quarteto formado por José Augusto, Eusébio, Torres e Simões). Divide a carreira da 1.ª Divisão entre Alvalade e Bonfim, mas é do Sporting de coração. E porquê Altafini de Cernache? Em Junho de 1963, o Benfica já ganhara o Campeonato nacional e perdera a final da Taça dos Campeões para o Milan, com dois golos de Altafini contra um de Eusébio. Menos de um mês depois dessa derrota em Wembley, decorrem as meias-finais da Taça de Portugal entre Sporting e Benfica. Na primeira mão, 1-0 para os encarnados, em Alvalade, golo de José Águas. Na segunda, os leões respondem com 2-0, bis de Figueiredo. Ups, perdão, a partir daí é Altafini de Cernache, de onde o avançado leonino é natural. Aliás, ele tem uma rua com o seu nome naquela terra – é a Rua Altafini Cernache do Bonjardim. Como se isso fosse pouco, Figueiredo tem ainda uma história na manga sobre o título de melhor marcador do Campeonato nacional em 1965/66. “Acabei a época com 26 jogos e 26 golos, mas tiraram-me um golo, com o Lusitano Évora. Os jornais desportivos escreveram que foi autogolo do guarda-redes Vital, mas como, se eu rematei à baliza?! [o Diário de Notícias, por exemplo, dá o golo a Figueiredo, ao contrário de A Bola, o jornal que entrega a Bola de Prata ao melhor marcador e esse é Eusébio, com 25 golos em 23 jogos]. Às vezes, encontro o Eusébio por aí, falo-lhe disso e ele diz-me sempre: ‘Não te metas nisso.’ Pois claro que não me meto. Os jornais desportivos queriam dar-lhe a terceira Bota de Prata consecutiva.”
Zoran FILIPOVIC 6 de Fevereiro de 1953, Titograd (Jugoslávia) POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Estrela Vermelha (1970-80), FC Brugge (80-81), Benfica (81-84) e Boavista (84-85) TÍTULOS: 7 (2 Campeonatos Portugueses, 1 Taça de Portugal, 3 Campeonatos Jugoslavos e 1 Taça da Jugoslávia)
Se o Benfica chega à final da Taça UEFA 1982/83, a responsabilidade é essencialmente de um avançado alto e possante que se desmarca de forma primorosa e cabeceia como ninguém. Falamos de Zoran Filipovic, o terceiro estrangeiro do Benfica. Mas este com um pormenor: não é brasileiro como os outros dois, Jorge Gomes (ex-Boavista) e César (ex-
América do Rio de Janeiro). É jugoslavo, com formação no Estrela Vermelha, e vem da Bélgica, do FC Brugge, onde acabara de fazer uma época apagada, com oito golos em 21 jogos. Talvez por essa razão ou porque os tempos são outros, Filipovic chega à Luz para treinar à experiência, para mostrar aquilo que vale. “Aconteça o que acontecer, já é um grande prazer vir à experiência para o maior clube do mundo”, afirma o avançado, que traz consigo a mulher, Miss Jugoslávia. O impacto é demolidor. De Filipovic, escrevemos nós. Logo no primeiro teste, um golo. À Selecção da China, que se estreia a jogar no Ocidente. O Benfica, treinado pelo húngaro Lajos Baroti, campeão nacional e vencedor da Taça de Portugal em 1981, ganha 2-1. No final deste particular, o seleccionador chinês desfaz-se em elogios em relação a Filipovic e Nené, autor do outro golo. Da experiência à titularidade é um passo inevitável, tal é a sua qualidade. E é a 23 de Agosto de 1981 que Filipovic começa a marcar oficialmente em Portugal. Nas Antas, ao FC Porto. O Benfica perde 2-1, mas o jugoslavo bate Fonseca aos 87 minutos e convence os mais cépticos logo na época de estreia, com uma dupla de ataque temível ao lado de Nené. Na temporada seguinte, com o sueco Sven-Goran Eriksson no lugar de Baroti, o balcânico dá ainda mais nas vistas. Sobretudo na Taça UEFA. Em 12 jogos, marca oito golos e consagra-se melhor marcador da prova. Como se isso não bastasse, é ele quem leva o Benfica às costas dos quartos-definal para as meias-finais e das meias-finais à final, à conta de três golos à Roma e um à Universiatea Craiova. Em 1983/84, o adeus com uma marca impressionante de sete golos em oito jogos de Campeonato. Aliás, números espantosos são com ele: média de meio golo por jogo (42 em 84), incluindo todas as competições, e também na Europa (10 em 20). Haveria de voltar ao Benfica, agora como adjunto do treinador Artur Jorge, em 1994. Por causa da operação do seu superior hierárquico, Filipovic treina o Benfica em seis ocasiões (com estreia amarga em Leiria: 0-1), antes de entregar o cargo ao já recuperado Artur Jorge. Quando este sai, em Setembro de 1995, Filipovic continua
como adjunto, agora de Mário Wilson, contribuindo para a conquista da Taça de Portugal em 1996 (3-1 ao Sporting).
FRANCISCO DOS SANTOS 22 de Outubro de 1878, Paiões POSIÇÃO: Extremo CLUBES: Lazio (1907-09)
Falar do futebol português sem evocar o nome Francisco dos Santos é a mesma coisa que ir a Roma e não ver o Papa. E é este homem-cacto, assim alcunhado pela imprensa italiana devido às suas medidas (1,60 metros e 55 quilos), o primeiro português no estrangeiro. E é ele também o primeiro estrangeiro na Lazio, à frente do maltês Mizzi, por questão de oito dias. E tudo obra do acaso. Em Roma. Nascido em Paiões, na freguesia de Rio de Mouro, concelho de Sintra, a 22 de Outubro de 1878, Francisco dos Santos é hoje considerado um dos
mestres da estatuária em Portugal, conhecido pelas esculturas do Prometeu, do Jardim Constantino, e O Homem do Leme, no Cais do Sodré. A Enciclopédia Luso-Brasileira traça a sua grande obra e os numerosos prémios, nacionais e internacionais. Mas é a faceta futebolística, aprendida em jovem na Casa Pia, que o torna uma figura surpreendente pelas ruas da Cidade Eterna. Em Roma, óbvio. Por conta da Casa Valmor, Francisco dos Santos recebe uma bolsa de estudo para completar as suas obras artísticas em Roma. Um belo dia aparece no Parque dos Gamos – onde os amadores da Lazio treinam – para levar o seu fox terrier a tomar ar e imediatamente se torna laziale como adepto (até passa a vestir o cão com panos azul-celeste e brancos). E jogador, pois a sua qualidade futebolística era imensa. Daí à titularidade é um passo curto e natural. Se em Portugal ainda não há sequer um esboço da Liga nacional (arrancaria somente em 1934), em Itália o futebol é já um desporto organizado, assente numa federação que cria o Campeonato em 1898. Em 1907, quando Francisco dos Santos entra em acção, a Lazio ganha todos os torneios inter-regionais da época, com três jogos por dia. Nessas tardes intensas de futebol, o jornal Gazzetta dello Sport faz questão de escrever que o português é sempre o “mais irrequieto e mexido, um pequeno grande homem de 55 quilos”. A mesma admiração é escrita por Mario Penacchia, em Storia della Lazio. “Dos Santos é um jovem português que está em Roma para se tornar escultor. O seu físico é antiatlético por excelência, pois é pequeno, assimétrico, dir-se-ia um homem disfarçado de cacto, com aquele tufo de bigodes. Salta mais alto do que todos, é o primeiro a correr, o último a mostrar-se cansado e a render-se, é rápido, resistente, em suma, é um fenómeno através do qual, mais uma vez, a natureza parece querer dizer que nunca nos devemos fiar nas aparências.” Francisco dos Santos despede-se do futebol, por iniciativa própria, a 22 de Maio de 1909, com a Taça Tosti na mão. Morre aos 52 anos, a 27 de Abril de 1930. Não vai a tempo de ver o segundo português no estrangeiro (Bravo, na Real Sociedad em 1948). Mas vê o Papa. Em Roma, claro.
GERMANO Luís de Figueiredo 23 de Dezembro de 1932, Lisboa POSIÇÃO: Defesa central CLUBES: Atlético (1951-60), Benfica (60-66) e Salgueiros (66-67) TÍTULOS: 8 (4 Campeonatos Portugueses, 2 Taças de Portugal e 2 Taças dos Campeões)
Façam-se as contas que se fizerem, Germano só há um, é ele e mais nenhum. Ou já alguma vez se viu um jogador de campo ir à baliza numa final da Taça dos Campeões? Não senhor, só mesmo o Germano. Em 1965, com o Inter, em pleno Giuseppe Meazza. Mas já lá vamos às suas qualidades de guarda-redes. Concentremo-nos na sua carreira a defesa central, onde ainda hoje é considerado o mestre do desarme sem faltas e
com uma elegância tal que os avançados daquela época são unânimes em considerá-lo o melhor. Germano é assim, especial. Faz carreira no Atlético (1951-59) e no Benfica (59-66), sem esquecer a Selecção (53-66), na qual é capitão com a Bulgária no Mundial de Inglaterra. Ali pelo meio podia estar o Sporting, mas não está. Por culpa de uma tuberculose. Em 1956, o Sporting está interessado em Germano e inicia conversações. Ao Atlético, dá 400 contos; ao jogador, 100. Tudo parece bem encaminhado até que o defesa fraqueja no duche depois de um jogo com o Braga. Levamno para casa e ele recupera aos poucos, julgando tratar-se de uma inocente constipação. Continua a jogar como se nada fosse. Anda pela Turquia e pelo Egipto. Quando chega a Madrid para jogar pela Selecção de Lisboa, num jogo patrocinado por Carmen Franco, mulher do ditador, tudo se agrava com o frio e nevoeiro em Barajas, à espera de um voo sucessivamente adiado. É levado de urgência para o Hospital de Santa Maria, onde lhe detectam uma infecção na pleura. Só dois meses depois é que sai dali, mas não para casa, e sim para o Sanatório do Caramulo. Lá, engorda dez quilos antes de voltar ao Atlético, porque o interesse do Sporting esfumara-se. Até porque há rumores de esta paragem ter sido provocada pelo estilo noctívago, algo prontamente desmentido pelo próprio. “Dizem para aí que eu perdia as noites na paródia... É fácil a acusação por eu estar na cama de um hospital, mas quando andava dentro do campo a jogar pelo Atlético e pela Selecção, não me dirigiam esses insultos.” É campeão da 2.ª Divisão em 1959 e assina pelo Benfica, onde se impõe com naturalidade numa equipa de bicampeões europeus, que falham o tri. Primeiro em Wembley (1-2 com o Milan), depois em Milão (0-1 com o Inter). É nesse jogo que Germano vai à baliza. Com a lesão de Costa Pereira, há três opções entre Germano, Cavém e Eusébio, mas é o defesa quem arrisca até porque está ligeiramente coxo na perna direita. Durante 35 minutos, não sofre qualquer golo.
HELENIO HERRERA Gavilán 10 (ou 13?) de Abril de 1910 (ou 1916?), Buenos Aires (Argentina) Treinador CLUBES: Puteaux (1944-45), Stade Français (45-48), Valladolid (48-49), Atlético de Madrid (49-52), Málaga (52), Deportivo (53), Sevilha (5357), Belenenses (57-58), Barcelona (58-60), Inter (60-68), Roma (68-70), Inter (73-74), Rimini (78-79) e Barcelona (79-81) TÍTULOS: 14 (2 Taças dos Campeões, 1 Taça Intercontinental, 1 Taça das Cidades com Feira, 4 Campeonatos Espanhóis, 2 Taças do Rei, 3 Campeonatos Italianos, 1 Taça de Itália)
De Helenio Herrera sabe-se tudo menos o dia em que nasceu (10 ou 13 de Abril), e o ano (1910 ou 1916). O resto é História. Assim mesmo, com H
maiúsculo. São 36 anos de carreira gloriosa, com 17 títulos espalhados por quatro clubes (Atlético de Madrid, Barcelona, Inter e Roma), incluindo duas Taças dos Campeões, duas Taças Intercontinentais e duas Taças das Cidades com Feira. Além de fazer História como o primeiro treinador de sempre à frente de três Selecções (França, Espanha e Itália), recebe o epíteto de mago que o torna mundialmente famoso. Corre o ano de 1957 quando o Belenenses o contrata. Mas como? Bem, é preciso realçar que na altura HH ainda “só” ganhara duas Ligas espanholas pelo Atlético de Madrid, em 1950 e 1951. Em Maio de 1957, Herrera treina o Sevilha e, a uma jornada do fim do Campeonato espanhol, está em segundo lugar, atrás do Real Madrid de Di Stéfano, recém-bicampeão europeu. Insatisfeito com a falta de protagonismo em prol do arqui-rival de Madrid, o Barcelona contacta Helenio Herrera, por sua vez insatisfeito no Sevilha – ele, aliás, tentara sair em 1954 mas fora demovido por Sánchez Pizjuán, presidente do clube, a troco de um contrato melhorado por três épocas. Com a morte de Pizjuán e face ao contacto dos catalães, HH assina pelo Barcelona. Mas fá-lo a uma jornada do fim do Campeonato, o que, naturalmente, provoca polémica. Ramón de Carranza, novo presidente do Sevilha, queixa-se à FIFA por incumprimento contratual e Herrera é suspenso do clube (nem viaja com a equipa para o jogo da última jornada, precisamente com o Barcelona, no Les Corts, o estádio que antecede o Camp Nou) e até de Espanha. A solução é o estrangeiro. O Milan ataca-o, mas Herrera deixa-se seduzir pelo Belenenses dos irmãos Vicente e Matateu. Lisboa, aí vem ele. No Restelo, começa a trabalhar no dia 28 de Outubro e estreia-se a ganhar 1-0 na Luz, ao Benfica, a 3 de Novembro – e logo ao Benfica, que não perde em casa há 40 jogos, desde 31 de Outubro de 1954 (0-1 com o Braga). O seu trabalho no Restelo é breve, com alguns altos (9-3 ao Braga, 7-0 ao intervalo, com seis golos de Matateu) e baixos (cinco jogos sem vitória) e acaba em Abril, com o quarto lugar no Campeonato e a eliminação na Taça de Portugal logo à primeira. Quando sai do nosso país, diz-se espantado com o futebol português. “É incrível que Lisboa tenha mais clubes grandes
na 1.ª Divisão [Benfica, Sporting e Belenenses] do que Madrid [Real e Atlético] ou Paris [Racing] e que, mesmo assim, disponha de um maior número de estádios de óptima qualidade e com um relvado excelente. Só falta criar uma Escola Nacional de Treinadores e que os clubes contratem estrelas internacionais para Portugal ombrear com os outros países.” Um visionário.
HERNÂNI Ferreira da Silva 1 de Setembro de 1931, Águeda POSIÇÃO: Extremo direito CLUBES: FC Porto (1950-52), Estoril (52-53) e FC Porto (53-64) TÍTULOS: 4 (2 Campeonatos Portugueses e 2 Taças de Portugal)
Antes de Massimo Moratti, já o pai dele (Angelo) presidira ao Inter. E é ele quem monta a equipa de sonho que conquista duas Taças dos Campeões consecutivas em 1964 (3-1 ao Real Madrid) e 1965 (1-0 ao Benfica). A façanha dá visibilidade à família Moratti e ao seu clube. É assim que nasce o Grande Inter, que só começa a tomar forma em 1960, quando o treinador Helenio Herrera troca Barcelona por Milão. Consigo, leva o espanhol Luis
Suárez (o número 10 e eleito o melhor jogador da Europa pela France Football nessa época), que se junta ao brasileiro Jair (extremo direito) e aos italianos Facchetti (primeiro defesa esquerdo a marcar golos como um avançado) e Mazzola (como interior direito). É nesta conjuntura que Angelo Moratti e Helenio Herrera definem o plano para a época 1961/62 e se deslocam ao Porto no intuito de observarem o Furacão de Águeda, assim conhecido por ter nascido e crescido nesta cidade. Esse mesmo, o Hernâni, valoroso avançado português, a Estrela Polar do FC Porto e seu capitão, famoso pelos sprints, pela atitude guerreira de nunca dar uma bola por perdida e pelos golos, muitos golos (158 em 281 jogos), três deles decisivos que resultam na conquista de Taças de Portugal em 1956 (2-0 ao Torreense) e 1958 (1-0 ao Benfica). Sem contar com as assistências – pelo menos aquelas três, todas para golos de Noé (3-0), num jogo da Taça, com o Boavista, então na 2.ª Divisão, a 16 de Abril de 1961. É esse jogo a que a dupla Moratti e Herrera assiste, tira notas e fica impressionada. Na semana seguinte, é apresentada uma proposta ao próprio jogador, depois do acordo verbal com o FC Porto. A Hernâni, o Inter oferece 1500 contos, um valor altíssimo para a época (se já o era nos últimos tempos do escudo, em 2002, imagine-se 41 anos antes; só para termo de comparação, nessa semana, Eusébio renovara pelo Benfica por 400 contos). Com 24 internacionalizações e quatro golos pela Selecção nacional, na qual era titular incondicional, Hernâni, de 29 anos, disse simplesmente “não” ao Inter, assim sem pestanejar. Sentia-se bem no FC Porto, embora o seu clube de infância tivesse sido o Benfica e tivesse jogado pelo Sporting, numa digressão pelo Brasil em 1952, quando Hernâni representava o Estoril, porque fora chamado à tropa, para o Regimento da Cavalaria 7, em Lisboa. A verdade é que ele aprende a gostar do FC Porto e das camisolas azuis e brancas. Já das azuis e pretas é que nem por isso.
HILÁRIO Rosário da Conceição 19 de Março de 1939, Lourenço Marques (Moçambique) POSIÇÃO: Defesa CLUBES: Sporting (1958-73) TÍTULOS: 7 (1 Taça das Taças, 3 Campeonatos Nacionais e 3 Taças de Portugal)
Titular indiscutível do Sporting durante 14 épocas seguidas (de 1958 a 1972, com a última a meio gás), Hilário é um dos símbolos do clube e aquele com mais jogos oficiais de leão ao peito (471). Apelidado de gron, negro no seu dialecto, Hilário tem uma carreira ímpar, à qual só lhe falta a presença nas finais da Taça das Taças 64, ganha aos húngaros do MTK Budapeste no jogo de desempate. Como se lesionara uns dias antes, num jogo com o Vitória (Setúbal), o esquerdino tem de ficar em Lisboa, mas não
é esquecido pelos companheiros, que lhe levam o troféu atestado de champanhe logo que aterram em Portugal. Hilário começa a carreira no FC Arsenal local, aos 13 anos. Transita para o Atlético de Lourenço Marques, aos 14, e estreia-se a nível oficial aos 16, após um ano de adaptação às chuteiras – como só sabia jogar de pé descalço, nas ruas, teve de habituar-se aos ténis, no basquetebol! Em Outubro de 1958, o Sporting lança-o com 19 anos. A lateral esquerdo, Hilário dá-se bem e ficam célebres os duelos com o benfiquista José Augusto, outro malabarista da bola. “Através dessa rivalidade, criou-se uma grande amizade, ainda hoje cultivada. Como jogador, foi o adversário com quem tive mais dificuldade. Era bastante difícil passar por ele. Ele era rápido e duro, mas leal. Defensivamente, era bastante bom.” Um defesa esquerdo que merece, bastas vezes, a convocatória para a Selecção da UEFA e da FIFA. Nos 471 jogos pelo Sporting, o lateral só lamenta duas expulsões, uma com o Benfica, outra com o FC Porto. “Foram muitos jogos, muitos dérbis e muitos clássicos. Lembro-me de alguns que me marcaram de uma ou outra forma, como aquele em que fui expulso na Luz [14 de Janeiro de 1962] por me ter desentendido com o José Augusto dentro da área. Ele fezme uma maldade. Ultrapassou-me mas recuperei a posição e, quando viu que não conseguia chegar à bola, puxou-me e arrastou-me para o chão. Como caí em cima dele, o árbitro expulsou-me por agressão. Na altura, o Sporting ganhava 3-1. Saí, foi penálti, o Germano reduziu e, pouco depois, o Benfica conseguiu empatar 3-3.” O Benfica marca-lhe a carreira. Porque nasce em Lourenço Marques, ao lado de Eusébio e é obrigado a conviver com a supremacia dos encarnados em Lisboa. “Nós ganhávamos um título por cada três deles. Parecia combinado e o Eusébio até brincava e dizia que era...”
HUMBERTO Manuel de Jesus COELHO 20 de Abril de 1950, Cedofeita POSIÇÃO: Defesa central CLUBES: Benfica (1968-75), Paris SG (75-77), Las Vegas Quicksilver (1977) e Benfica (77-83) TÍTULOS: 14 (todos pelo Benfica: 8 Campeonatos, 5 Taças de Portugal e 1 Supertaça Portuguesa)
Humberto Coelho começa como avançado. A imitar José Águas, o seu ídolo e capitão do Benfica bicampeão europeu (1961 e 1962). Num treino pelo Ramaldense, há um defesa com falta de comparência e Humberto é chamado para o lugar dele. A partir daqui, nasce (e cresce) a lenda do central mascarado de avançado, autor de 68 golos nos Campeonatos nacionais (Benfica, Paris SG/França e Las Vegas Quicksilver/EUA), que o
habilita como 27.º defesa mais goleador de sempre, num ranking liderado pelo holandês Ronald Koeman (193). Ainda faz um treino no FC Porto, mas é o Benfica que oferece 60 contos ao Ramaldense e fecha negócio. Em Lisboa, o jovem começa por morar na pensão Pérola da Madeira, na esquina da Rua Braancamp com a Castilho. Só no segundo ano é que passa para o Lar do Jogador, criado pelo brasileiro Otto Glória em 1954. Mas já estamos em 1968 e adivinhe? Otto Glória volta a ser o treinador do Benfica. Que vê Humberto e lança-o na equipa principal. A estreia é com o Belém do Pará. Segue-se o Santos de Pelé. “Eu marquei-o e ele não marcou nenhum golo”, rejubila Humberto, que se cruza novamente com o Rei no final dessa digressão, nos Giants Stadium, em Nova Iorque. Nessa ocasião, Humberto troca de camisola com Pelé. “Ainda hoje a tenho. E visto-a de vez em quando. Só para ver se estou em forma.” Confirmadas qualidades, nunca mais perde o lugar de titular no Benfica, ascendendo depressa à Selecção portuguesa (64 internacionalizações, como Eusébio) e, posteriormente, à Selecção da Europa. Sempre como capitão. Em 1975, Humberto aventura-se por França, mas apanha o PSG (fundado em 1970) na fase inicial. Entre lesões, lá faz uma época. Na segunda, o PSG quer emprestá-lo ao Internacional. E acontece isto: “O PSG e o Internacional tinham chegado a acordo, só faltava decidir os termos do meu contrato, mas eu não queria ir para lá. Então, pedi um montante que sabia que eles achavam exagerado e incomportável. O curioso é que tive de ir lá, a Porto Alegre. No aeroporto, estavam milhares de pessoas à minha espera. E mais 40 mil no estádio. Pelo meio, vou a casa do presidente, onde peço valores altíssimos e não chegamos a acordo. Quando estamos a ir de carro para o aeroporto, onde iria apanhar o avião de volta para Paris, via Rio de Janeiro, ouvimos na rádio um debate desportivo sobre mim. Um jornalista, que está na redacção, pergunta ao outro, que está no estádio, se não acha estranho eu ter saído da casa do presidente sem passar pelo estádio do Internacional e estar a caminho do Rio de Janeiro. Este diz que sim, é estranho, e que poderá haver um clube do Rio interessado em mim. E um terceiro diz que o Flamengo está na corrida. Bem, quando cheguei ao Rio
de Janeiro já tinha câmaras ligadas por toda a parte, gravadores, tudo a querer saber se eu ia para o Flamengo. Inventaram para ali uma história.”
Tomislav IVKOVIC 11 de Agosto de 1960, Zagreb (Jugoslávia) POSIÇÃO: Guarda-redes CLUBES: Dínamo Zagreb (1978-82), Dínamo Vinkovci (82-83), Estrela Vermelha (83-85), Tirol (85-88), Wiener Sportclub (88), Genk (89), Sporting (89-93), Estoril (93-94), Vitória de Setúbal (93-94), Belenenses (94-96), Salamanca (96-97) e Estrela da Amadora (97-98) TÍTULOS: 4 (2 Campeonatos Jugoslavos e 2 Taças da Jugoslávia)
Benjamin Franklin é o pai da nação norte-americana. É ainda o inventor do pára-raios. Das lentes bifocais. Do corpo de bombeiros nos EUA. Do
aquecedor a lenha. E da mudança da hora, no Inverno e no Verão. É ele o primeiro a evocar a possibilidade de aproveitar um período maior de sol, para poupar energia, carvão na altura. A ideia só vai para a frente após a Primeira Guerra Mundial, finalizada em 1918 e, até hoje, o mundo adianta o relógio no primeiro fim-de-semana de Março e atrasa-o no último de Outubro. Benjamin Franklin já morreu há mais de 200 anos e não foi a tempo de ver a sua cara estampada na nota de 100 dólares dos EUA, em 1914. E também não sabe que a “sua” nota já foi alvo da aposta mais famosa no futebol a envolver jogadores. Em 1989, Diego Maradona, o maior baixinho de sempre (Pelé, nem vale a pena discutir!), entra no balneário do Sporting para entregar 100 dólares ao guarda-redes jugoslavo Tomislav Ivkovic, após este ter defendido uma grande penalidade no San Paolo, em Nápoles, para a segunda mão da primeira eliminatória da Taça UEFA 1989/90. Porque uma aposta é uma aposta. E o prometido é devido. Suplente em Alvalade na primeira mão, com o número 16, Diego só usa o 10 no jogo decisivo, na sua casa espiritual, como costumava chamar ao Estádio San Paolo. É lá que o Sporting é eliminado nos penáltis pelo Nápoles (0-0 no final dos 120’ e 43). “A ideia de desafiar o Maradona só me surgiu quando ele me apareceu à frente para marcar o quinto e último penálti da série. Se fosse golo, o Nápoles passava a eliminatória. Aproximei-me e disse-lhe que ele não ia marcar. Ficou a olhar para mim, incrédulo, e foi aí que apostei 100 dólares para o desmoralizar ainda mais. Foi o primeiro número que saiu da minha boca. Disse 100, mas podia ter dito cinco ou 200. Ele estava visivelmente cansado, mas aceitou de pronto e continuou a olhar para mim. A verdade é que o desconcentrei. Quando o Maradona partiu para a bola, tive o feeling de que iria atirar para o meu lado esquerdo e defendi.” Nove meses mais tarde, em pleno Mundial 90, Ivkovic volta a defender um penálti de Maradona, agora durante o desempate entre Jugoslávia e Argentina para os quartos-de-final. Desta vez sem aposta. “Como é possível defender dois penáltis dele e ser eliminado nos dois jogos? Se me
contassem, não acreditava!” Tranquilo, Tomo. Se Franklin soubesse, também não teria acreditado.
JAGUARÉ Bezerra de Vasconcelos 14 de Maio de 1905, Rio de Janeiro (Brasil) POSIÇÃO: Guarda-redes CLUBES: Atlético Santista (1926-27), Vasco da Gama (28-31), Barcelona (31-33), Corinthians (34-35), Sporting (35-36), Marselha (36-38), Académico do Porto (38-39), São Cristóvão (40) e Leça (40-42) TÍTULOS: 2 (1 Campeonato de França e 1 Taça de França)
Carvalho (1966), Meszaros (1982), Damas (1986), Ivkovic (1990), De Wilde (1998), Nélson (2002) e Ricardo (2006). Em matéria de guardaredes, o Sporting tem para todos os gostos e feitios. Sete deles são tão experientes que marcam presença em mundiais, mas nenhum é pioneiro
como Jaguaré, o brasileiro que joga no Sporting entre 10 de Novembro de 1935 e 5 de Abril de 1936 e é o primeiro a usar luvas em Portugal, o primeiro a cuspir na bola antes dos penáltis e o primeiro a provocar adversários nos balneários. Naquele período, Jaguaré faz sete jogos pelo Sporting, ganha seis e perde um, com o Benfica (1-2), mas sagra-se campeão de Lisboa, numa altura em que a época futebolística abre com os regionais e fecha com o Campeonato de Portugal (precursor da Taça de Portugal). A sua estada no nosso país serve apenas de ponte de passagem para o Marselha, uma vez que o Sporting aposta no jovem Azevedo (20 anos). Já trintão, Jaguaré não se fixa em solo português. Longe vão os tempos em que ele se impõe na baliza do Vasco da Gama, clube desejado para qualquer pretendente a guarda-redes. Quando alguém se apresenta no São Januário para uns testes, Jaguaré inventa o exercício dos livres directos. Assim que o rival se coloca no meio da baliza, Jaguaré remata com tanta força que o coloca KO. No dia seguinte, o pretendente não aparece e assim Jaguaré mantém-se a titular. É assim que ganha o estadual carioca em 1929, com uma equipa de luxo: Jaguaré; Brilhante e Itália; Tinoco, Fausto e Mola; Pascoal, Santana, Russinho, Mário Matos e Oitenta e Quatro (sim senhor, havia um jogador chamado Oitenta e Quatro, mas que nada teve que ver com o Europeu de França). Esse Vasco, que dá 7-0 ao Flamengo, faz então uma excursão pela Europa e Jaguaré, com o seu estilo inconfundível, é logo contratado pelo Barcelona. De lá, vítima de preconceito (é o primeiro negro a jogar pelos catalães), salta para Lisboa. Os seis meses no Sporting garantem-lhe um título e muitas histórias. Numa delas, com o Benfica, cospe na bola antes de um penálti. O gesto confunde Aníbal José, que atira por cima. O árbitro manda repetir o lance, sabe-se lá porquê. Jaguaré volta a cumprir o seu ritual e Aníbal José atira para defesa do guarda-redes, que agarra na bola – ou a bichinha, como ele a chama – e fá-la rodar com o indicador. No balneário, por causa disso, há problema com os benfiquistas. O futebol, para ele, é um circo. E basta vê-lo entrar em campo para perceber isso. Porque, corre a lenda, Jaguaré dorme sempre até dez minutos antes do início do jogo e só
entra em campo depois de colocar a cabeça debaixo do chuveiro de água fria. Outro momento inesquecível: no seu último jogo pelos leões, com a Académica, no Campo Grande, o guarda-redes sai da área para travar um contra-ataque dos estudantes e inicia um ataque com toda a calma do mundo. Detalhe: Ele começara a carreira de futebolista como avançado. Aí sem luvas.
JOÃO António Ferreira Resende ALVES 5 de Dezembro de 1952, Albergaria-a-Velha POSIÇÃO: Médio ofensivo CLUBES: Varzim (1972-73), Montijo (73-74), Boavista (74-76), Salamanca (76-78), Benfica (78-79), Paris SG (79-80), Benfica (80-83) e Boavista (83-85) TÍTULOS: 7 (2 Campeonatos Portugueses, 4 Taças de Portugal e 1 Supertaça Portuguesa)
É o “luvas pretas”. A sua carreira arranca com duas Taças de Portugal pelo Boavista antes de assinar pelo Salamanca, onde expõe todo o seu enorme talento, ao ponto de ser eleito o melhor jogador estrangeiro e o jogador mais regular da Liga espanhola por dois jornais daquele país (Marca, de Madrid, e El Mundo Deportivo, de Barcelona), à frente de concorrentes de peso,
como Cruijff (Barcelona), Kempes (Valência), Breitner (Real Madrid)... O seu passo seguinte no estrangeiro é que não é tão feliz, no Paris SaintGermain, de França. “Estava eu no Benfica quando aparece o PSG que me contrata por um balúrdio [32 mil contos]”, conta Alves. “Cheguei a Paris com o estatuto de estrela internacional, como o mais bem pago do plantel [50 mil francos por mês, qualquer coisa como 7600 euros]. O presidente deles [Francis Borelli] tinha acabado de me ver em acção na final do Torneio de Paris, em que o Benfica goleou o Estrela Vermelha por 4-0, e queria empurrar o PSG para junto dos grandes do futebol francês e também queria aproximar o clube da comunidade portuguesa em Paris, que vibrava com o PSG.” Na estreia oficial, uma festa imensa no Parque dos Príncipes. “Com o Marselha de Trésor, Six, Linderoth e Temime, o PSG ganhou 2-1 e eu joguei tão bem que o estádio todo, e falo de 40 mil pessoas [para o jornal L’Équipe, foram 43 845], entoou o meu nome. Alves, Alves, Alves, até eu desaparecer no túnel de acesso aos balneários. Que coisa maravilhosa! Nessa semana fui eleito para a equipa da jornada, ao lado de um tal Platini, do Saint Étienne. Os franceses sempre gostaram de médios ofensivos, com gosto pelo passe, pelo risco, pelo golo.” Na jornada seguinte é que são elas. “Em Sochaux, sofri uma falta do Genghini, que me partiu todo em três sítios. Fui levado de helicóptero para Paris e fui operado duas vezes num curto período de tempo. Não houve maldade do Genghini, mas fiquei de fora dos relvados por cinco meses. Quando voltei, em Janeiro de 1980, já não era o mesmo.” Mas guarda rancor do Genghini? “Não. O Genghini ligou-me muitas vezes para o quarto do hospital a saber como estava e acompanhou a minha recuperação. Foi um lance fortuito, pronto. O árbitro é que nem assinalou falta, quanto mais mostrar um cartão, fosse de que cor fosse. O lance foi bastante mediatizado, as televisões davam o lance da falta vezes sem conta e tornouse caso nacional. Por isso, o árbitro foi irradiado. Sabe o que aconteceu? Em Metz, já nos anos 90, quando eu era treinador do Estrela e fomos participar num torneio indoor, daqueles de Inverno, quando acabou o jogo, uma pessoa veio ter comigo a pedir-me desculpa por não ter assinalado falta
nem ter mostrado o cartão. Era ele, o árbitro. Que gesto nobre e corajoso da sua parte.”
JOÃO Baptista MARTINS 3 de Setembro de 1927, Sines POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Sporting (1947-59) TÍTULOS: 8 (7 Campeonatos Portugueses
e 1 Taça de Portugal) O Benfica é bicampeão, o FC Porto idem. Estamos a falar da Taça/Liga dos Campeões, que alimenta paixões em toda a Europa. Quem a cria é um jornalista francês do L’Équipe. Jacques Ferran é enviado especial ao Campeonato sul-americano dos campeões, em Santiago do Chile, no ano de 1948. O Vasco da Gama, campeão carioca, ganha a primeira edição a outros seis clubes e Jacques Ferran elogia a competição de tal maneira que aconselha um modelo igual na Europa. O director do L’Équipe, Gabriel Hanot, apresenta a ideia à UEFA numa carta em
Dezembro de 1954 mas esta recusa, argumentando que está mais preocupada com um Campeonato de Selecções, já existente na América do Sul desde 1916! Gabriel Hanot insiste na ideia e a UEFA dá-lhe então carta branca para planificar o que quisesse. É aí que o L’Équipe toma as rédeas da Taça dos Campeões Europeus, com jogos na quarta-feira à noite. A UEFA só é tida e achada no primeiro congresso, em Viena, a 2 de Março de 1955. A ideia do L’Équipe para a edição inaugural da Taça dos Campeões é reunir os melhores clubes da Europa, que não necessariamente os campeões (Anderlecht, Aarhus, Djurgardens, Milan, Real Madrid, Stade de Reims e Rot-Weiss Essen), mas sim aqueles que arrastavam mais pessoas ao estádio nos respectivos países (Partizan, MTK Budapest, Servette, Hibernian, Gwardia, Rapid Viena, PSV Eindhoven e Saarbrücken). Foquemo-nos agora em Portugal, o 16.º país convidado para a Taça dos Campeões. O Benfica é o campeão nacional em Abril de 1955, num título decidido aos 86 minutos da última jornada por um golo de João Martins, do Sporting. Ao Belenenses (2-2), que só perde esse Campeonato para o Benfica por diferença de golos. O L’Équipe, com a bênção da UEFA, convida então o Sporting, e não o Benfica. Por força do passado, e não apenas do presente. É nestas circunstâncias que Sporting e Partizan entram na história do futebol europeu com o primeiro jogo na Taça dos Campeões. Como ainda não existem as jornadas europeias tal como hoje se apresentam, são os clubes que combinam entre si os dias dos jogos e informam a UEFA. 4 de Setembro de 1955 é a data a que Sporting e Partizan chegam a acordo para o jogo da primeira mão. Que se realiza no Jamor, porque o Estádio José Alvalade está mergulhado em intensas obras. O jogo termina empatado a 33, com o primeiro e histórico golo a pertencer a João Martins, o tal que garantira o título de campeão português ao Benfica em Maio desse ano. Por isso, e pelo golo ao Partizan que lhe garante um lugar eterno na história da UEFA, João Martins é conhecido como o sexto violino.
JOÃO Manuel VIEIRA PINTO 19 de Agosto de 1971, Porto POSIÇÃO: Médio ofensivo CLUBES: Boavista (1988-90), Atlético Madrileño (90-91), Boavista (91-93), Benfica (93-00), Sporting (00-04), Boavista (04-06) e Braga (06-08) TÍTULOS: 7 (2 Campeonatos Portugueses, 4 Taças de Portugal e 1 Supertaça Portuguesa)
Na década de 1980, a festa do 18.º aniversário implica duas mudanças significativas na vida de qualquer um: já se pode votar e tirar a carta de condução. Nesse aspecto, João Vieira Pinto é só mais um. Em tudo o resto, um fenómeno à parte. Em 1990, JVP tem 18 anos mas já é pai (de Tiago, nascido em Fevereiro de 1988 e agora no Rio Ave) e campeão mundial de Sub-20 (com um golo em cinco jogos, em Fevereiro de 1989, na Arábia
Saudita). A esse currículo, acrescenta-se o rótulo do português mais novo de sempre a estrear-se no estrangeiro, recorde que ainda hoje se mantém. Depois de dias e dias de conversações entre Valentim Loureiro e Jesus Gil y Gil, presidentes de Boavista e Atlético de Madrid, respectivamente, JVP lá veste a camisola vermelha e branca do Atlético Madrileño. O interesse dos espanhóis é antigo e acentua-se quando o avançado do Boavista se impõe na equipa de Raul Águas com uma facilidade espantosa, num plantel com alguns nomes incontornáveis dos anos 80, como Isaías, Forbs e Jorge Andrade. Em 13 jogos, seis golos, incluindo dois bis, um deles na Taça UEFA, ao Karl Marx Stadt, então da RDA. No meio desse frenesim, João Pinto vai até Madrid ver o dérbi Real-Atlético (2-0, bis do mexicano Hugo Sánchez) para a Taça do Rei, em Novembro, no Santiago Bernabéu. Já nessa altura, os quatro jornais desportivos espanhóis, dois da capital e outros dois de Barcelona, dão ênfase à presença do puto maravilha português na bancada VIP. A transferência, apadrinhada por Futre, já homem feito e capitão do Atlético de Madrid, faz-se naturalmente e o Atlético paga 500 contos. A ideia é jogar na equipa principal, mas aí JVP está tapado por Baltazar e Donato, além do compatriota Futre. Antes de ser criada a Lei Bosman, em 1995, há limite de dois estrangeiros em campo. No dia de Natal em 1989, Futre guia literalmente João Pinto do Montijo a Madrid. Aí, vive o primeiro mês na casa do compatriota, mas depois passa para Las Rozas, zona próxima do centro de treinos do Atlético. Nesse período, o Atlético Madrileño, a equipa B do Atlético de Madrid que joga na 2.ª Divisão espanhola, chama João Pinto. A 14 de Janeiro de 1990, cerca de 27 mil espectadores (meia casa no Vicente Calderón) aplaudem os estreantes João Pinto e Percudani, um avançado argentino com currículo feito na Áustria e na Copa América 87, ao lado de Maradona, Caniggia e Acosta. Durante o jogo, João Pinto encanta com o seu futebol aromatizado. Aos 44 minutos, é penálti contra o Castilla e JVP deixa a sua marca, enganando Cañizares. É elevado a herói, mas é sol de pouca dura. Insatisfeito por nunca subir à equipa principal, JVP volta a casa. Aí sim, é elevado a herói. No Boavista. No Benfica. No Sporting. Na Selecção.
JOAQUIM Fernandes de CAMPOS 5 de Setembro de 1924, Lisboa Árbitro nacional (1952-74) e internacional (53-74)
Quando reclame, agasalho e boate são palavras modernas, por volta de milnove-e-sessenta-e-nove, a Federação Paulista de Futebol tem uma ideia luminosa para acabar com as suspeitas de corrupção e contrata árbitros estrangeiros, do outro lado do Atlântico. Um dos premiados é o português Joaquim Campos, árbitro reconhecido internacionalmente com nove jogos em fases finais de mundiais, apenas dois deles como árbitro principal (RFAIrlanda do Norte no Suécia 58 e Argentina-Suíça no Inglaterra 66), os restantes sete como bandeirinha. Quando chega a São Paulo, os dirigentes federativos transmitem a Joaquim Campos a principal ideia daquela
convocatória, que passa por educar os jogadores brasileiros em preparação para o Mundial do México, em 1970, o primeiro com cartões amarelos e vermelhos de modo a evitar as cenas lamentáveis da edição anterior, em 1966. No dia 15 de Março de 1969, Joaquim Campos apita o Juventus de São Paulo-Santos (1-2). “Já conhecia o Pelé desde 1958, quando ele apareceu no Mundial da Suécia e também estava por lá. Até já me tinha cruzado com ele em Maio de 1960, quando o Brasil jogou em Alvalade e goleou o Sporting por 4-0, com Pelé, Garrincha, Nilton Santos e Djalma Santos. Mas aí, no campo da Juventus, foi a primeira vez de forma oficial. E ele fazia-se à falta constantemente. Ia sempre contra eles [adversários]”, conta o árbitro, entre gargalhadas sonoras. “E eu nunca assinalava falta. Numa dessas vezes, ele levantou-se muito depressa e chamou-me ladrão.” Quando “ladrão” era um nome feio, está mais que visto. A imprensa paulista, admirada com o desprezo de Joaquim Campos por Pelé, elogia o juiz. “Ele virou costas ao Rei”, intitula a Folha de São Paulo, numa altura em que os árbitros brasileiros costumam ser, como eles dizem, “puxa-saco” das equipas grandes. O reencontro entre os dois ocorre precisamente na final desse Estadual, a 21 de Junho de 1969. O Santos só precisava de um empate para se sagrar campeão e foi o que conseguiu no Morumbi, casa do São Paulo (0-0), perante 31 999 pessoas. “Antes do jogo, o Pelé dirigiu-se a mim, dizendo ‘E aí, portuga?’, e pediu-me desculpa pelos nomes que me tinha chamado no outro jogo. Sinceramente, só me lembrava de ‘ladrão’, mas tudo bem. Aceitei, claro.” E depois? “Nunca mais o vi à minha frente. Só na televisão.” Quando a televisão ainda era uma modernice.
JOAQUIM Ribeiro MEIRIM 5 de Outubro de 1935, Monção Treinador CLUBES: CUF (1967-68), Varzim (69-70), Belenenses (70-71), Boavista (71-72), Leixões (76), Beira-Mar (77), Salgueiros (79-81), Sanjoanense (81-82), Boavista (82-83) e Desportivo de Beja (96-97)
O Sporting de Braga é um clube especial. E não é de agora. Vencedor da Taça de Portugal em 1966, no ano do Mundial dos Magriços, e da Taça Intertoto em 2009, no último ano da competição, os bracarenses juntam estes dois títulos ao da equipa que há mais anos permanece de forma ininterrupta na 1.ª Divisão portuguesa (desde 1975), exceptuando Benfica, FC Porto e Sporting.
Na última vez que desceu de divisão (1969/70), o Sp. Braga começou o Campeonato a perder 4-0 em Alvalade com o Sporting, mas acabou a primeira volta em 11.º, a três pontos (e dois lugares) da descida. Depois é que são elas, com apenas duas vitórias, dois empates e oito derrotas até à 26.ª e última jornada. Com 17 pontos, o Sp. Braga está em 12.º, à frente de Boavista (16) e do já condenado União de Tomar (14). Falta descer só um clube e é 21 de Abril de 1971, dia de Boavista-Sp. Braga, no Bessa. Na semana que antecede o grande jogo, Joaquim Meirim, treinador do Varzim, então no quarto lugar, recebe 70 contos do Sp. Braga para treinar a equipa bracarense durante três dias, o que é aceite pelos poveiros e também pelo técnico, com a contrapartida de os treinos serem na Póvoa de Varzim. Assim acontece. E antes de desenvolvermos o assunto, cabe aqui realçar que Meirim está em alta, não só pelos resultados obtidos mas também pela audácia de ter ganho nas Antas (1-0, golo de Nunes Pinto) num jogo em que só escreve dez jogadores na ficha de jogo. A ideia é surpreender o adversário, e até a própria equipa, já que o homem em falta era o guardaredes Benje, com dores num joelho. Mas Meirim acredita tanto nele que lhe esconde o nome. Naturalmente melindrado com aquele “mind game”, Elek Schwartz, o romeno à frente do FC Porto, pergunta o que era aquilo e recebe a resposta de que seria um júnior chamado Neto – o apelido de Benje – a jogar. Feito este parêntesis, voltamos ao assunto propriamente dito. Quando chega a véspera do jogo, o Sp. Braga tenta contratar Meirim só para ir ao Bessa, mas aí a direcção do Varzim recusa, alegando compromissos contratuais (o Varzim ia à Luz e, em caso de empate, garantia a Taça UEFA). Sem Meirim no banco do Sp. Braga, o Boavista ganha 2-0 e mantém-se na 1.ª Divisão, relegando os bracarenses para a zona norte da 2.ª. O Varzim, esse, perde 1-0 com o Benfica, golo de Artur Jorge, e desce para o sexto lugar, ainda assim à frente de históricos como Belenenses (7.º) e FC Porto (9.º). Instado a comentar essa semana louca, Meirim responde ao seu estilo, de forma desconstrutivista: “Treinei a equipa do Braga em conjunto com a minha para tentar disfarçar algumas insuficiências, para
tirar o morto do caixão. Não foi possível.” Pois não, e o Sp. Braga desceu. Mas agora já subiu. Na consideração de todos os portugueses.
JOHN Benjamin TOSHACK 22 de Março de 1949, Cardiff (País de Gales) Treinador CLUBES: Swansea (1978-84), Sporting (84-85), Real Sociedad (85-89), Real Madrid (89-90), Real Sociedad (91-94), País de Gales (94), Deportivo (95-97), Besiktas (97-99), Real Madrid (99), St. Étienne (00-01), Real Sociedad (01-02), Catania (02-03), Múrcia (04), País de Gales (04-10) e Macedónia (11) TÍTULOS: 4 (1 Campeonato Espanhol, 1 Taça do Rei, 1 Supertaça Espanhola e 1 Taça da Turquia)
“Os meus jogadores correram como frangos sem cabeça, é difícil fazer pior”, “Suei no banco mais do que alguns dentro do campo”, “Sou um
cabrão simpático”, “Na segunda-feira, penso sempre em mudar dez jogadores. Na terça, sete ou oito. Na quinta, quatro. Na sexta, dois e no sábado penso que devem jogar os mesmos sacanas”, “Todos os treinadores são despedidos, mas é melhor ser despedido pelo Real Madrid do que por qualquer outro clube”, “Chernobil? Julgava que era um lateral esquerdo do Dínamo Kiev”, “Se queres cozinhar tortilha com presunto mas não tens presunto, contentas-te com uma simples tortilha”, “Vocês criticam-me porque não lavo a roupa suja dentro do balneário, mas há três meses que a lavo e nunca mais seca”. Tudo isto é John Toshack, o famoso JB, porque acrescenta Benjamin ao seu nome. Avançado do Liverpool nos anos 60, JB marca golos a torto e a direito (mais de 200). No final da década de 1970, veste a pele de jogadortreinador e sobe o Swansea, equipa do seu coração, da 4.ª à 1.ª Divisão inglesa em anos consecutivos, ao mesmo tempo que levanta três Taças do País de Gales, o que motiva a presença na Taça das Taças e elimina o Sp. Braga 1982/83 (3-0 e 0-1). É nesse registo de vitórias que João Rocha, então presidente do Sporting e com negócios em Inglaterra, ouve falar de Toshack e decide abordá-lo para treinar em Lisboa. O convite é aceite em três tempos e começa assim a primeira aventura de Toshack no estrangeiro (seguem-se muitas outras: Real Sociedad, Real Madrid, Deportivo, Besiktas, St. Étienne, Catania, Múrcia, Selecção galesa e Macedónia). Em Lisboa, o galês vive no Hotel Altis, na Avenida Columbano Bordalo Pinheiro. A sua primeira decisão é polémica: quer emprestar Futre à Académica. O esquerdino não aceita o veredicto e sai para o FC Porto. Sem o pé esquerdo de Futre, o Sporting começa o Campeonato e até se dá bem, com cinco vitórias seguidas e 16-4 em golos. Uma derrota em Penafiel (02), a 7 de Outubro, e a eliminação da Taça UEFA aos pés do Dínamo Minsk nos penáltis, exactamente um mês depois, não abalam a fé sportinguista. Os problemas só surgem depois, já em 1985, quando João Rocha e John Toshack negociaram a rescisão amigável do contrato. A culpa é, em parte, do Rio Ave de Mário Reis, que elimina o Sporting nos quartos-de-final da Taça de Portugal em Alvalade (1-0) e ainda empata (1-1) para o Campeonato, a quatro jornadas do fim, atirando os leões irremediavelmente para o segundo lugar, atrás do FC Porto. Neste contexto, Toshack está à
beira de um ataque de nervos e tudo se resolve na semana seguinte, a 19 de Maio, num Sporting-Boavista. O Sporting ganha (2-1, golos de Sousa e Carlos Xavier), mas Toshack sai. Ainda hoje ninguém entende a razão da saída. Nem a tentativa de empréstimo de Futre à Académica.
RUI Manuel Trindade JORDÃO 9 de Agosto de 1952, Benguela (Angola) POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Benfica (1971-76), Saragoça (76-77), Sporting (77-87) e Vitória de Setúbal (87-89) TÍTULOS: 8 (4 Campeonatos Portugueses, 3 Taças de Portugal e 1 Supertaça Portuguesa)
Ágil e felino, Rui Jordão é mais uma pérola achada em África. Quando joga no Sporting de Benguela, os leões de Portugal querem contratá-lo, mas não se chegam à frente, razão pela qual o Benfica, astuto, aproveita para o ter na sua equipa, a troco de 30 contos. Jordão entra directamente para os juniores. Uma época depois (1971/72), sobe aos seniores pela mão de Jimmy Hagan. Estreia-se nas competições
europeias (4-0 ao Wacker) e só depois na 1.ª Divisão (2-1 ao Beira-Mar). Com Eusébio na recta final da sua carreira, os adeptos apostam em Jordão como sucessor do Rei. Não chega lá, claro, mas apresenta argumentos. Como o título de melhor marcador do Campeonato 1975/76, com 30 golos em 28 jogos. Daí à cobiça dos estrangeiros é um passo. Betis e Bayern de Munique interessam-se por ele, mas o Benfica fecha sempre as portas... até surgir o convite do Saragoça, no Verão de 1976. Os problemas físicos denunciados pelo médico (e ignorados pelo presidente) criam, desde logo, um grande mal-estar, razão pela qual permanece apenas uma época em Espanha. Quando sugere ao Benfica o regresso à casa de partida, o clube nega-lhe a pretensão. O Sporting, empreendedor, oferece-lhe então um contrato à sua medida e não se dá mal. Em Alvalade, é um ídolo e por lá fica até Maio de 1986. Nessa época 1985/86, incompatibiliza-se com o treinador Manuel José, não joga as duas últimas jornadas do Campeonato (Benfica e Salgueiros), substituído pelo inglês Ralph Meade, e falha o Mundial do México. Ele e Manuel Fernandes, o melhor marcador do Campeonato nacional dessa época. Mas se Manuel Fernandes continua no Sporting, como capitão, já Jordão pendura as chuteiras, aos 34 anos. Parece uma decisão definitiva. Parece... Um ano depois, no Verão de 1987, Manuel Fernandes sai de Alvalade, rumo ao V. Setúbal, treinado pelo inglês Malcolm Allison, o tal que levara o Sporting à dobradinha (Campeonato nacional e Taça de Portugal) em 1982. Os dois juntam-se ao guarda-redes húngaro Meszaros e já são três exsportinguistas a conviver no mesmo balneário. Chamam por Jordão. Ele, de início, recusa mas depois lá aceita como quem não quer a coisa. “Durante cinco meses treinou connosco, para recuperar a forma física. Acabou por assinar”, conta um orgulhoso Roger Spry, numa alusão ao dia 12 de Novembro de 1987, quando Jordão fecha contrato com os sadinos. “Ele estava tão bem preparado que ainda fez duas épocas. Aliás, duas grandes épocas”, garante o preparador físico inglês, que estava a começar a dar nas vistas no Bonfim pelos seus treinos excêntricos com música. E ele não está a dar música. Com 35 anos, Jordão estreia-se no Bonfim, com um golo (1-3 com o Chaves). Aos 36 anos, em 1988/89, despede-se à grande, com o V.
Setúbal a acabar o Campeonato em quinto lugar, a três pontos da Taça UEFA (ou do Sporting, como se queira). Só à sua conta, Jordão marca 11 golos em 36 jogos e, então sim, pendura as chuteiras. Definitivamente.
JORGE COROADO 23 de Março de 1956, Oeiras Árbitro de 1.ª Divisão (1986-2001) e Internacional (1990-2001)
Preud’homme erra (e só um artista como Balakov é que o apanha desprevenido). Marco Aurélio e João Vieira Pinto lesionam-se no mesmo lance e saem aos 21 minutos, com o Benfica a esgotar as duas substituições porque Artur Jorge já tirara Abel Xavier para entrar Edilson, e numa altura em que já há 2-0 para o Sporting na Luz, com golos búlgaros – além do chapéu de Bala, um tiraço de Iordanov de fora da área. Que noite! E esta não é a parte mais badalada. Nem pelo golo de Dimas. Nem pelo resultado final (2-1 para o Sporting). O que perdura na história desse dérbi é a expulsão de Caniggia, por ordem do árbitro Jorge Coroado, que motiva
trocas e baldrocas e até um jogo de repetição (2-0 para o Benfica, bis de Edilson, no Restelo, a 14 de Junho), promovido pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e posteriormente anulado pela FIFA. Pronto, pronto, já passou. Mas Jorge Coroado ainda não sabe se há-de rir ou chorar. “Porque tudo isto é kafkiano”, desabafa. “A ideia é dar um amarelo, mas o Caniggia insulta-me. Chama-me ‘filho da p***’ e mandame para a ‘p*** que te pariu’. Dei-lhe o amarelo. Depois ouvi isso e dei-lhe vermelho directo. O que as pessoas pensaram foi que eu me tinha enganado. Que eu julgava que ele já tinha amarelo e que portanto foi segundo amarelo. Nada disso. Foi amarelo, o primeiro dele naquele jogo, e depois o vermelho directo, porque não aceito insultos de ninguém. Em português ou em castelhano.” A FPF reage e instaura um processo ao árbitro, aos jogadores, ao jogo. A expulsão de Caniggia não se fica por aí. O avançado argentino diz nada ter dito e as imagens televisivas confirmam isso mesmo, embora Caniggia apareça tapado pela cabeça de Isaías por uns segundos. O processo avança. “A FPF anulou esse jogo e promoveu um outro, de repetição, no Restelo, que a FIFA desvalorizou. Nas contas finais desse Campeonato 1994/95, o jogo que conta é o meu.” Que isso fique claro. Assunto arrumado. Ou talvez não. Afinal, Jorge Coroado ainda recebe ameaças na rua, por adeptos incógnitos. “Fui ameaçado de morte com uma pistola e depois com uma faca, à porta do meu emprego [era bancário na Rua José Malhoa], de manhãzinha, antes da 8h30. Foram pequenos-almoços diferentes. Eram adeptos de cabeça perdida que queriam fazer justiça com as próprias mãos. O da pistola só me queria assustar, o da faca tentou atingir-me mas falhou o alvo e estragou-me o casaco. A sorte dele é que conseguiu fugir. O azar é que lhe fiquei com a faca.”
JORGE HUMBERTO Raggi 17 de Fevereiro de 1938, Mindelo (Cabo Verde) POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Académica (1957-61), Inter Milão (61-62), Vicenza (62-64) e Académica (64-66)
O Internazionale faz jus ao nome. É um clube italiano que mais se parece com uma torre de Babel, tantas são as línguas ali faladas como reflexo das nacionalidades dos que já por ali passaram. Só portugueses, sete. Jorge Humberto é o primeiro de todos, em 1961. A história da transferência do avançado da Académica para Milão é um hino ao improviso. Melhor marcador dos estudantes no Campeonato 1960/61, com dez golos, Jorge Humberto é um jovem de 23 anos que se
prepara para os exames do 5.º ano de Medicina quando recebe uma chamada telefónica na república (residência dos estudantes), no número 23 da Rua do Norte. Ao telefone, um tal Helenio Herrera a falar no interesse do Inter. Jorge Humberto não acredita e despacha-o: “Não me aborreça. Tenho mais que fazer. Os exames estão à porta.” Uns minutos depois, Helenio Herrera insiste com outro telefonema. A este, Jorge Humberto solicita o envio de um telegrama a comprovar a veracidade do convite. E a verdade é que um carteiro lhe entrega o telegrama passada meia hora. É assunto sério, está visto. Jorge Humberto vive numa roda-viva de emoções. Na república todos tomam conhecimento do interesse genuíno do Inter. E quando se escreve todos, inclui-se também Zeca Afonso. Esse mesmo, o cantor, que de vez em quando lá aparece na Rua do Norte para confraternizar. No final há unanimidade. O convite é irrecusável. É o próprio Jorge Humberto quem o assegura. “Com o dinheiro que ganhei em Itália comprei um prédio de três andares em Lisboa, no Alto de São João, e ofereci 1500 contos à Académica.” A aventura no Inter só dura uma época, ou melhor, oito jogos. E seis golos, cinco deles entre Outubro e Novembro (todos para as competições europeias). O outro em Abril (ao Novara, para a Taça de Itália). Isto por ser o terceiro estrangeiro da equipa, atrás (na preferência do técnico HH) do espanhol Luis Suárez e do inglês Hitchens. Mesmo assim, a experiência é compensadora. “Em Milão morava na Via Canonico, 59. E jogar no Estádio San Siro era extraordinário. Sentia-se o peso da responsabilidade perante um público amigo, mas exigente.” Curiosamente, é no San Siro que Jorge Humberto aponta um hat-trick, ao Colónia (5-2), no desempate dos 16 avos-de-final da Taça das Cidades com Feira. Mas o seu melhor golo é ao Hearts (1-0), na primeira mão dos oitavos-de-final. “Em Edimburgo. Numa jogada de contra-ataque, consegui controlar a bola do meio-campo à baliza contrária, driblei o guarda-redes e fiz o golo sem oposição.” Em 1962/63, o Inter de Moratti empresta-o ao Vicenza, onde permanece até 1964, com um total de cinco golos em 25 jogos no Campeonato. Depois, o regresso a Coimbra, onde, a par do futebol (Académica), termina o curso de Medicina.
JORGE Fernando Pinheiro de JESUS 24 de Julho de 1954, Lisboa POSIÇÃO: Médio ofensivo CLUBES: Peniche (1973-74), Olhanense (74-75), Sporting (75-76), Belenenses (76-77), Riopele (77-78), Juventude Évora (78-79), União de Leiria (79-80), Vitória de Setúbal (80-83), Farense (83-84), Est. Amadora (84-87), Benfica Castelo Branco (87-88) e Almancilense (88-89)
Dezembro. Ora aí está a data mais propícia para falar de Jesus. Por isso, nada melhor que evocar o 28 de Dezembro... Sim, sim, 28 de Dezembro, ou julgam que estávamos a escrever sobre outra data qualquer?
Em 1975, nesse tal dia 28, realiza-se o dérbi Benfica-Sporting, na Luz, para a 14.ª jornada do Campeonato nacional. O resultado é o menos aliciante de todos (0-0) e este jogo até tem tudo para se perder no tempo, como muitos outros que não passam à história por este ou aquele motivo. Podia... mas não deixamos que isso aconteça. O excesso de curiosidades impede-o. Sobretudo se tivermos em conta que não havia um nulo entre Benfica e Sporting há 17 jogos, desde 1969, e que o leão Da Costa falha uma grande penalidade, aos 30 minutos. Mas isto são peanuts. Na altura em que Da Costa marca o penálti, já Sporting e Benfica haviam feito uma substituição cada, com as saídas de Malta da Silva – naquela tarde a lateral direito, empurrando Artur Correia para a esquerda – e Manuel Fernandes. E um tal Jesus entra para o lugar do Manel, aos 28’ (bem dissemos que este número é importante). Exactamente, é mesmo assim como está a ler: o actual treinador do Benfica entra em acção num dérbi, e com a camisola do Sporting. Como não há bela sem senão, Jorge Jesus sai antes do fim. E é aí que reside a curiosidade-mor daquela tarde: no seu único dérbi, JJ entra (para substituir o lesionado Manuel Fernandes) e sai (substituído por Baltasar). Ao todo, são 52 minutos em campo, que ainda lhe garantem elogios dos jornais desportivos de então. De 0 a 5, o Record dá-lhe nota 3: “Foi de uma utilidade total. Não quebrou o ritmo da equipa e saiu esgotado pelo esforço positivo dispendido.” Também A Bola, através de um comentário algo equívoco, elogia Jesus, com nota 5, no máximo de 10. “Quando entrou, o Sporting continuou a jogar como se nada tivesse acontecido.” Nessa tarde, sem qualquer cartão exibido pelo árbitro César Correia, de Faro, o Sporting apaga a Luz e disso se aproveita o Boavistão de José Maria Pedroto para se assumir como líder da Liga na passagem de ano para 1976, com um 9-0 à CUF. No final do Campeonato, as contas são outras, com o Benfica de Mário Wilson a sagrar-se campeão nacional e o Sporting de Juca a igualar a pior campanha de sempre no Campeonato, com o quinto lugar que o atira para fora das competições europeias. E Jesus, um médio mais em jeito do que em força, não se impõe naquele tridente do meio-campo (Fraguito, Nélson e Valter), o que motiva a transferência para o Belenenses.
Dos 12 jogos efectuados de leão ao peito, só um é a titular (2-0 ao BeiraMar). De resto, 11 presenças e um golo, em Coimbra. Precisamente a cidade que vê Virgolino Jesus, pai de Jorge, lesionar-se na perna direita em Abril de 1945 e nunca mais representar o Sporting. O mesmo Virgolino que marca na estreia pelo Sporting dos Cinco Violinos (4-3 ao Atlético, na Tapadinha) e joga dois dérbis com o Benfica numa época em que não havia cá substituições.
JORGE Alberto MENDONÇA Paulino 19 de Setembro de 1939, Luanda (Angola) POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Braga (1956-58), Deportivo (58), Atlético de Madrid (58-67), Barcelona (67-70) e Maiorca (70-71) TÍTULOS: 6 (1 Taça das Taças, 1 Campeonato Espanhol e 4 Taças do Rei)
O Atlético de Madrid é um clube especial. É um grande em Espanha, mas não consegue sair da sombra do arqui-rival Real. O seu nome assusta por essa Europa fora, mas não ganha nada desde 1996. E vende tantos jornais em Barcelona que até o El Mundo Deportivo, feito e impresso na Catalunha, lhe dedica 20 páginas diárias.
Nos tempos de hoje, o Atlético é um clube bipolar, um carrossel de emoções, cheio de altos e baixos, com rumo incerto. Enfim, o que dizer de um clube cuja história se divide em pré-Armstrong e pós-Armstrong? Pouco, ou nada. Antes da chegada do homem à Lua, o Atlético ainda impunha respeito. Agora, os tempos são outros, menos brilhantes e mais sombrios. Porque antes de a bandeira norte-americana ser espetada na cratera lunar, o Atlético ganha taças nacionais, europeias e até, imagine-se!, ao Real Madrid, no Santiago Bernabéu. E é disso que se trata. A 5 de Março de 1965, o avançado português Jorge Mendonça, que jogara no Braga na década de 1950 antes de se transferir para Espanha, dá um presente aos adeptos do Atlético, com um golaço aos 76 minutos. E está imposta a primeira derrota em casa do Real Madrid em 131 jogos! “Não fiz nada de jeito nesse jogo, mas aquele remate de primeira saiu-me particularmente bem. Os adeptos do Atlético ficaram loucos, como deve imaginar, não é?”, conta Jorge Mendonça, hoje assessor de desporto na Embaixada de Angola em Madrid. “Ainda há pessoas que se cruzam comigo na rua e me falam desse jogo de 1965. E explicam-me sempre que o Real não perdia desde 1957, etc., etc. e etc. Eu já sei toda a história de trás para a frente, mas é sempre um orgulho ouvi-la uma vez mais.” Sim, é verdade, o Real Madrid não perde no Bernabéu desde 1957. E sim, é verdade que sucumbe oito anos depois, vergado ao peso de um solitário golo do português Jorge Mendonça, a passe de Luis, que, mais tarde, passa a ser conhecido como Luis Aragonés – esse mesmo, o treinador que leva a Espanha ao título europeu em 2008. E, já agora, sim é verdade que a vitória do Atlético no dérbi é efusivamente celebrada em Barcelona, com os jornais a compararem Mendoza (escrevia-se assim porque, entretanto, Mendonça nacionaliza-se espanhol) a Eusébio. Como Eusébio havia sido o líder de uma memorável goleada do Benfica ao Real Madrid (5-1 na Luz, para a Taça dos Campeões), uma semana e meia antes de Mendonça desferir o golpe fatal aos pentacampeões espanhóis, a imprensa catalã aplaude as pérolas negras, que derrubam o império branco.
JORGE Gomes VIEIRA 23 de Fevereiro de 1898, Lisboa POSIÇÃO: Defesa CLUBES: Sporting (1914-32) TÍTULOS: 1 (Campeonato de Portugal)
As conversas de café servem para espalhar cultura futebolística, mas há quem se espalhe ao comprido a desviar-se do essencial para barafustar sobre estatísticas desinteressantes de árbitros com vistas curtas, golos mal anulados, foras de jogo inexistentes, faltas por apitar e cartões vermelhos por mostrar. Em 1921, isso não é bem assim. Já há cafés, sim. E futebol. Mas zero de contestação. E estatística sobre árbitros.
Nascido em Lisboa no século XIX (23 de Fevereiro de 1898), Jorge Vieira é daqueles apaixonados por futebol. Para se entender isto, é preciso assinalar a sua presença no primeiro Sporting-Benfica. Dito isto até pode parecer banal, mas acontece que a estreia do dérbi é em Dezembro de 1907. Jorge Vieira só tem nove anos e mora no Dafundo. O jogo é em Carcavelos. O que faz Jorge Vieira? Vai a pé de casa ao campo. E vê o jogo, por amor ao Sporting, o clube da sua vida. É admitido sócio em 1910 e faz-se jogador em terceiras categorias no ano seguinte. Aos 16 anos, em 1914, estreia-se na primeira equipa, em substituição do habitual titular, um engenheiro inglês mobilizado para a Primeira Guerra Mundial. Nunca mais sai do 11 até à despedida, em 1932, já como capitão de equipa. A braçadeira também lhe é atribuída na Selecção nacional, incluindo durante a epopeia dos Jogos Olímpicos de Amesterdão em 1928, em que Portugal passa a primeira fase e é eliminado pelo Chile nos quartosde-final. Em Portugal, Jorge Vieira tem um papel fundamental como cobaia da lei do fora de jogo, alterada em 1925, estabelecendo-se que seria considerado off-side o jogador que permanecesse no meio-campo adversário além da linha da bola e não tivesse, no momento em que a bola lhe era passada, entre ele e a linha de baliza, pelo menos dois adversários e não três como anteriormente. Ora bem, como Jorge Vieira é um poço de energia, é ele quem se torna o primeiro defesa-volante português. Sempre que pressente que a bola vai ser colocada nos pés do opositor que lhe está mais próximo, avança com rapidez no terreno, juntando-se aos seus médios e deixando-o fora de jogo. No plano internacional, Jorge Vieira é o homem do momento em 1921. Há precisamente 90 anos, o então capitão do Sporting viaja de comboio até Bilbau para apitar o particular entre Espanha e Bélgica (2-0). A imprensa espanhola dá conta de um árbitro português, de seu nome José Gómez Bieya, mas engana-se redondamente. É Jorge Vieira. Que se transforma nesse instante no primeiro árbitro internacional português. E cuja actuação é enaltecida por todos, até pelo Rei de Espanha que o agracia com a Cruz de
Prata da Ordem de Mérito daquele país. E, pronto, transforma-se em conversa de café.
JOSÉ Pinto Carvalho Santos ÁGUAS 9 de Setembro de 1930, Luanda (Angola) POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Lusitano do Lobito (1948-50), Benfica (50-63) e Áustria Viena (63-64) TÍTULOS: 14 (5 Campeonatos Portugueses, 7 Taças de Portugal e 2 Taças dos Campeões)
Quantos jogadores venceram a Taça dos Campeões? Eh pá, isso agora... Quantos jogadores venceram a Taça dos Campeões e se sagraram melhores marcadores nessa época de glória? Eh lá, deixa-me cá ver. Nove: Di Stéfano, Puskas, José Águas, Altafini, Müller, Van Basten, Kaká e Cristiano Ronaldo. Quantos jogadores venceram a Taça dos Campeões, se sagraram
melhores marcadores e ainda levantaram a taça na qualidade de capitães? Esta é fácil. Só um: José Águas, em 1961. Nasce em Luanda e cresce no Lobito, onde o pai, Raul, trabalha. Aos 15 anos, José entra como dactilógrafo na Robert Hudson, empresa concessionária da Ford, e lança-se com facilidade na equipa de futebol da firma. Com instintos goleadores.Em 1950, José Águas, com 19 anos, e já um benfiquista ferrenho, por influência do pai, vive um dia de glória com a vitória do Benfica na Taça Latina. No dia seguinte, um jornal local publica o poster dessa equipa e José Águas cola-o na parede do quarto. No mês seguinte, o referido poster já está amarelo de apanhar tanto sol. Nessa altura, o Benfica chega a Angola para uma digressão de início de época. Dos 15 jogos previstos, o oitavo é o mais importante. Não pelo resultado (derrota por 3-1), mas pelos dois golos de José Águas, avançado centro da Selecção de Lobito, que salta mais alto e remata mais certeiro do que qualquer defesa do Benfica. Ted Smith, treinador inglês dos encarnados, pede-lhe então que passe pelo seu hotel para falarem. É aí que o FC Porto convida José Águas por telefone para umas férias na Invicta e uns treinos na Constituição (o estádio dos portistas), ao que este responde, timidamente: “Amanhã respondo!” O amanhã nunca mais chega. Para o FC Porto, pelo menos. Para o Benfica, o amanhã significa a descoberta de mais um fenómeno da África colonial. Ponta-de-lança elegante e clássico, faz do jogo de cabeça a sua grande arma. E larga tudo para vestir a camisola do Benfica no resto da digressão. Nos três jogos seguintes, seis golos, incluindo um hat-trick na estreia, com a Selecção Huíla-Lubango. A 9 de Setembro de 1950, o Benfica aterra em Lisboa, com um reforço na bagagem. E o resto é história. Que vale a pena contar. José Águas demora duas horas a adaptar-se ao nosso futebol. No primeiro jogo, com o Atlético, na Tapadinha (2-2), para a segunda jornada do Campeonato nacional, Águas, nada habituado a um campo relvado e a jogar com pitons, quase não toca na bola e é posto em causa pela imprensa desportiva. Antes que isso se transforme em críticas, Águas desfaz equívocos e marca quatro golos, na jornada seguinte, num estonteante 8-2 ao Braga. Nas 13 épocas seguintes,
José Águas vive momentos inesquecíveis, como a conquista das duas Taças dos Campeões, em 1961 e 1962 (na primeira edição é mesmo o melhor marcador da prova, com 11 golos em nove jogos), ambas como capitão.
JOSÉ AUGUSTO Pinto de Almeida 13 de Abril de 1937, Barreiro POSIÇÃO: Extremo direito CLUBES: Barreirense (1955-59) e Benfica (59-70) TÍTULOS: 13 (8 Campeonatos Portugueses, 3 Taças de Portugal e 2 Taças dos Campeões)
Garrincha é um nome de um pássaro típico em Petrópolis, a cidade imperial onde o rei português D. Pedro se refugia depois da invasão francesa. E é também o nome do maior driblador de todos os tempos. Garrincha, Mané Garrincha, o Anjo das Pernas Tortas, a Alegria do Povo. Ele é tudo isso num só. Quando morre, em Janeiro de 1983, o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade dedica-lhe um emotivo texto que acaba com um desejo. “Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho.”
E o Garrincha novo, que alimenta o sonho dos amantes de futebol, está em Portugal. Chama-se José Augusto. A comparação não é nossa, dos portugueses, mas sim de Gabriel Hanot, um jornalista francês do L’Équipe que merece todo o respeito por ter sido um dos impulsionadores da ideia e criação de uma prova chamada Taça dos Campeões. Essa mesma que seria ganha pelo Benfica em 1961. Para se coroar de glória, a equipa de Béla Guttmann elimina Hearts, Ujpest, Aarhus, Rapid Viena e Barcelona. Nos quartos-de-final, com o Aarhus, a viagem à Dinamarca é ainda mais emocionante do que a do conto de Sophia Mello Breyner Andresen, publicado em 1964. Ou seja, três anos depois da epopeia de José Augusto. A 30 de Março de 1961, o extremo direito baralha a defesa da casa, com dois golos e ainda uma assistência para o 2-0 do capitão José Águas. Ao intervalo, 3-0. Na segunda parte, José Augusto continua no mesmo ritmo empolgante. A meio do jogo, o Benfica fica privado de Cavém, numa altura em que ainda não há substituições. Mesmo com dez jogadores, os benfiquistas mantêm a vantagem de três golos. Jensen reduz aos 76 minutos, mas Santana fixa o resultado aos 81’. Quando o árbitro francês Marcel Bois apita para o final do jogo (e da eliminatória), os adeptos dinamarqueses invadem o campo e levam José Augusto em ombros. O português agradece o carinho, mas ainda não sabe da melhor. No dia seguinte, o aeroporto da Portela está cheio como um ovo. Devido à neve na Dinamarca, o avião descola com atraso e só aterra em Lisboa às 5h08. A multidão continua à espera dos seus heróis, qualificados para as meias-finais da Taça dos Campeões. José Augusto, naturalmente, é um dos mais agarrados, beijados e tocados pela populaça. O português agradece o carinho, mas ainda não sabe da melhor. Mais uma vez. Quando acorda no dia seguinte, já não é só o José Augusto. É o Garrincha português, alcunha dada pelo jornal L’Équipe, numa crónica assinada pelo director Gabriel Hanot. É eleito o melhor extremo direito da Europa. O Garrincha português, quem mais?
JOSÉ Mário dos Santos MOURINHO Félix 26 de Janeiro de 1963, Setúbal POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Rio Ave (1981-82), Belenenses (82-83), Sesimbra (83-85) e Comércio e Indústria (85-87)
José Mário, José Mário, José Mário. Três golos deste rapaz de 19 anos na maior goleada de sempre do Belenenses em jogos da Taça de Portugal: 17-0 ao Vila Franca do Campo, de São Miguel, Açores, para os 64 avos-de-final. Ajuda acrescentar outro nome a este José Mário para a notícia ter esta relevância de duas página inteiras: é Mourinho, o actual treinador do Real Madrid.
Num fim-de-semana com chuvas torrenciais em todo o país, que obrigam à interrupção de nove dos 64 jogos agendados, o Belenenses-Vila Franca é, isso sim, uma chuva de golos. São 17, mas podiam ter sido pelo menos 19, atendendo ao facto de o árbitro Amândio da Silva, de Setúbal, ter anulado dois golos a Bule. No Restelo, três mil pessoas saem de casa a um sábado à tarde para assistir a uma goleada esperada mas pouco usual, entre uma equipa da 2.ª Divisão e outra dos distritais, que se qualificara para a segunda eliminatória através de um triunfo apertado (2-1) sobre o Despertar, de Beja. Então vamos lá. É intervalo no Restelo. O marcador assinala 8-0, com golos de Djão (11’ e 18’), Simões (15’), Avelar (22’ e 26’), Jorge Silva (35’), Sambinha (38’) e Bule (39’). Para a segunda parte, o treinador substitui o moçambicano Djão por José Mário. O Mourinho, lançado pelo pai Félix. Aos 48, José Mário, o tal, faz o 9-0. Bule (55’), Jorge Silva (63’) e Carlos Alberto (78’) ampliam para 12-0. Mourinho festeja o 13-0, aos 80’. Segue-se um bis de Jorge Silva (82’ e 86’) e, depois, o hat trick de Mourinho, aos 88’, que corre para os braços do pai, que lhe dá uma rara oportunidade. É Avelar quem fecha a contagem, nos descontos. Na eliminatória seguinte, o Belenenses é derrotado no Bessa por 3-0. Relegado para a 2.ª Divisão pela primeira vez na sua história, o Belenenses aposta no experiente técnico Mourinho Félix para retomar o lugar entre os grandes, mas as coisas correm mal e o pai de José Mourinho acaba chicoteado – já com Fernando Mendes, os azuis acabam por ficar em 4.º lugar da zona sul da 2.ª Divisão –, não sem antes entrarem na história belenense com o tal resultado hiperdilatado. Já o filho José Mário, formado no Belenenses, com passagem por todos os escalões jovens até atingir a maioridade, não dá seguimento à carreira de futebolista, preferindo os estudos da táctica que lhe garantem o reconhecimento além-fronteiras como treinador. Após Rio Ave (1981/82) e Belenenses (1982/83), Mourinho representa o secundário Sesimbra (1983/85) e acabou na 3.ª Divisão, com o Comércio e Indústria (1985/87), em Setúbal. Não faz qualquer jogo na 1.ª Divisão,
embora seja suplente não utilizado numa ocasião, pelo Rio Ave, treinado pelo pai.
Harry KEITH BURKINSHAW 23 de Junho de 1935, Higham (Inglaterra) Treinador CLUBES: Newcastle (1968-75), Tottenham (75-84), Bahrain (84-86), Sporting (86-88), Gillingham (88-89) e West Bromwich (93-94) TÍTULOS: 4 (1 Supertaça Portuguesa, 1 Taça UEFA e 2 Taças de Inglaterra)
O futebol inglês domina o panorama europeu. Das oito finais da Taça dos Campeões entre 1977 e 1984, só uma é que sai daquela ilha, para a Alemanha (Hamburgo). De resto, Liverpool (4), Nottingham Forest (2), Aston Villa (1) espalham a supremacia britânica. Em Portugal, a final da Taça de Inglaterra é o espectáculo televisivo do ano, numa altura em que é
rara a transmissão em directo dos jogos do Campeonato nacional. O kick and rush, a imprevisibilidade do resultado, a atitude dos jogadores e a autoridade do árbitro impõem (ainda hoje) respeito e admiração. No Verão de 1987, o Sporting apresenta um treinador inglês. Sem títulos de campeão desde 1982 (cinco anos é uma eternidade naquela altura), os leões sonham destronar Benfica e FC Porto com Keith Burkinshaw, um homem com provas dadas em Inglaterra, ao serviço do Tottenham. É verdade que a primeira época no clube londrino não lhe corre de feição e desce à 2.ª Divisão, mas sobe no ano seguinte. Com os argentinos Ricardo Villa e Osvaldo Ardiles, a equipa transfigura-se e ganha duas Taças de Inglaterra consecutivas, em 1981 e 1982, e ainda a Taça UEFA em 1984. É este o cartão de visita de Burkinshaw. O Sporting está animado,mas começa a época aos trambolhões: três vitórias e cinco empates em oito jornadas. À nona, perde em casa com o Varzim. À 10.ª, nova derrota (0-2 nas Antas). À 12.ª mais uma, em Setúbal. A paciência começa a esgotar-se, mas chega a Supertaça nacional em que o Sporting participa na qualidade de finalista vencido da Taça de Portugal. Na Luz, um expressivo 3-0 no regresso de Bento à baliza do Benfica. Duas semanas depois, 1-0 em Alvalade. O Sporting levanta o troféu sem sofrer qualquer golo. A euforia é enorme, mas é sol de pouca dura. O final da primeira volta é desastroso: quatro jogos, três derrotas, a última das quais em Penafiel por um concludente 4-0. À derrota, que coincide com a maior vitória dos penafidelenses na 1.ª Divisão, recorde que ainda hoje se mantém, junta-se um pormenor caricato. “Houve um problema de interpretação”, conta Duílio, central brasileiro do Sporting. “Estávamos a estagiar no Porto e íamos jogar a Penafiel. Disseram ao Burkinshaw que se saísse às 14h, chegaria a tempo e horas para o jogo das 16h. Acontece que naquela altura ainda não havia auto-estradas e demorámos 1h45 para chegar ao estádio. Ou seja, chegámos a Penafiel 15 minutos antes do jogo. Havia muitos camiões na estrada, que era estreita e sem muita visibilidade. Perdemos 4-0 e baixámos ao nono lugar. O Burkinshaw saiu e foi substituído por António Morais. Que fez o resto da época, terminada com uma goleada por 7-0 ao Penafiel.”
António José de LEMOS 2 de Fevereiro de 1950, Luanda (Angola) POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Boavista (1969-70), FC Porto (70-73 e 74-75), Marítimo (75-78), Académico de Viseu (78-79) e Vila Real (79-80)
“A quem marcar mais de três golos, oferecemos 40 contos!” A frase ecoa por todo o Estádio das Antas antes de um FC Porto-Benfica, a 31 de Janeiro de 1971, e provoca risos demorados entre os adeptos. “Três golos?! Ora, porque não oferecem 50 contos?”, gracejam alguns mais espontâneos, conscientes de que tal acto é missão impossível. Seria mesmo? Uma hora e meia depois, Lemos prova precisamente o contrário e até marca mais um como bónus. É a grande tarde deste avançado portista que,
sozinho, destroça o Benfica por 4-0. Lemos só joga quatro anos no FC Porto e nunca chega à Selecção nacional, mas o seu nome perdurará para sempre no futebol português como o primeiro e, até agora, único jogador a marcar quatro golos num clássico entre FC Porto e Benfica. E o mais novo de sempre (com apenas 20 anos) a fazer um póquer em clássicos. “Jamais esquecerei aqueles golos. De vez em quando ainda gosto de pensar naquilo que fiz, pois foi um momento histórico na minha carreira.” Numa tarde em que o presidente do FC Porto, Afonso Pinto Magalhães, é homenageado, o estádio está cheio e ao intervalo só há 1-0. Passe do capitão Pavão e empurrão de Lemos para a baliza deserta. Na segunda parte, sim, há espectáculo. “Quando ninguém acreditava que chegasse à bola, quase na linha de fundo, atirei à baliza, o que surpreendeu o José Henrique, o popular ‘Zé Gato’. No terceiro, o Bené fez um lançamento lateral, apanhei a bola em posição regular e fiz um chapéu ao guardaredes.” Para fechar a conta, Lemos antecipa-se ao central Humberto Coelho e toca a bola “à saída de José Henrique”. O herói da tarde recebe prémios em dinheiro e electrodomésticos. Latas de tinta, uma máquina de lavar roupa, uma televisão, um gira-discos e os tais 40 contos que motivaram gargalhadas antes do jogo. O curioso é que Lemos esteve para ser emprestado ao Barreirense no início da época e só não o é por um voto de diferença, num plenário com 24 pessoas, conta Pinto da Costa na autobiografia Largos Dias Têm Cem Anos. Dois anos mais tarde, em 1973, Lemos deixa o futebol temporariamente. Como não obtivera o estatuto de Atleta de Alta Competição imprescindível para o subtrair à Guerra do Ultramar, o avançado é mobilizado para Cabo Verde pelo exército português. Mas o inesperado acontece: o avião que transportava Lemos e a sua Companhia de Operações Especiais faz um desvio na rota e aterra em Bissau, na Guiné. Lemos só voltaria a Portugal em 1974, a tempo de mais uma época no FCP, antes de jogar no Marítimo (1975/78), no Académico Viseu (1978/79) e no Vila Real (1979/80), onde pendura as botas na 3.ª Divisão. Sem nenhum título, é certo, mas com o recorde dos quatro golos ao Benfica. Depois dele, só Manuel Fernandes (Sporting) e Klinsmann (Bayern).
LÚCIO Soares 31 de Maio de 1934, Belo Horizonte POSIÇÃO: Defesa CLUBES: Portuguesa dos Desportos, América e Sporting (1959-64) TÍTULOS: 3 (1 Campeonato Nacional, 1 Taça de Portugal e 1 Taça das Taças)
Portugal descobre o Brasil em Abril de 1500, mas o Brasil só chega a Portugal quase 500 anos depois. Através da Selecção (1956, com vitória da canarinha por 1-0) e através dos naturalizados Celso (1976), Deco (2003), Pepe (2007) e Liedson (2009). Mas o primeiro em matéria de dupla nacionalidade é Lúcio, nascido em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais.
A 16 de Abril de 1960, o então central do Sporting é convocado para a Selecção nacional. Assim se abre o precedente de que também fez parte David Julius, um sulafricano de Joanesburgo posteriormente conhecido como David Júlio. Os dois jogam no Sporting e são chamados pela dupla José Maria Antunes (seleccionador) e Béla Guttmann (treinador de campo), numa altura em que o cargo do primeiro é mais pomposo do que o segundo, embora o treino e a táctica seja deste. É o que acontece no histórico jogo na então RFA, em que a Selecção joga com 11 portugueses. Ups, nove portugueses, um brasileiro e um sul-africano. Filho de pais portugueses, Lúcio é brasileiro de nascimento e vem para Portugal muito cedo. Com dupla nacionalidade, o que lhe permite jogar pela Selecção nacional, embora naquele tempo ainda não houvesse problema em jogar por duas ou mais Selecções (Di Stéfano, por exemplo, é internacional pela Argentina, Colômbia e Espanha). Foi com imensa alegria que recebeu a convocatória: “Nem me pergunte se isso me dá prazer. Estou feliz e honrado, mas sei que não sou o único. Lá longe, numa casinha em Niterói [arredores do Rio de Janeiro] onde deixei parte do meu coração, um homem e uma mulher devem ter chorado de alegria e de orgulho quando souberam que o filho tinha sido chamado para defender as cores de Portugal. Nasci no Brasil, sim, mas sou português de direito e de sangue. Sabe, é que eu não sou estrangeiro, não”, exprime-se Lúcio num português abrasileirado perfeito. Naquela altura, Lúcio é uma figura no Sporting. Porque é baixo e mesmo assim ganha bolas de cabeça a José Águas, o temível capitão/goleador do Benfica. E porque marca golos como um avançado. Na sua época de estreia, que coincide com a primeira internacionalização na Selecção nacional, Lúcio marca, nada mais, nada menos que dez golos (sete no Campeonato e três na Taça de Portugal), sete deles de grande penalidade. Aliás, este lance é a sua especialidade, de tão infalível que é (ao que parece, é uma espécie de fura-redes: bola para o meio e fé em Deus). Ao todo, entre 1959 e 1964, Lúcio soma a impressionante marca de 35 golos em 105 partidas pelo clube
de Alvalade. Na Selecção, o luso-brasileiro faz quatro jogos, o últimos deles curiosamente no Brasil (vitória canarinha por 2-1), em Maio de 1962.
Mustapha Rabah MADJER 15 de Dezembro de 1958, Hussein Dey (Argélia) POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Hussein Dey (1975-83), Racing Paris (83-84), Tours (85), FC Porto (85-87), Valência (87), FC Porto (88-91) e Qatar (91-92) TÍTULOS: 11 (1 Taça Africana das Nações, 1 Campeonato Argelino, 3 Campeonatos Portugueses, 1 Taça dos Campeões, 1 Supertaça Europeia, 1 Taça Intercontinental, 2 Taças de Portugal, 2 Supertaças Portuguesas)
Carlos Lopes em Los Angeles 84. Rosa Mota em Seul 88. Fernanda Ribeiro em Atlanta 96. Já todos ficámos acordados de madrugada para ouvir o hino português durante os Jogos Olímpicos, a competição mais global de todas. E também já deixámos de dormir para festejar o título mundial do FC Porto.
Tóquio, 1987. O golo da consagração, um chapéu de aba larga (30 metros), é do argelino Madjer, que já havia construído a jogada do 1-0 de Gomes sobre os uruguaios do Peñarol. E que, já agora, havia assistido Juary para o decisivo 2-1 com o Bayern Munique na final da Taça dos Campeões desse ano e que, dois minutos antes, marcara de calcanhar o golo do empate. Terá sido o lance mais bonito dessa final? Da história do FC Porto? Da Taça dos Campeões? Para o argelino, não, não e não. Madjer faz 148 jogos pelo FC Porto e é um dos jogadores mais importantes da história azul e branca. Pelo tal chapéu em Tóquio e também pelo calcanhar de Viena, que o próprio desvaloriza em detrimento de um outro menos famoso mas mais bonito: “Amigo”, desabafa num português meio afrancesado, “o melhor golo de calcanhar não foi esse, embora seja o mais falado em todo o mundo, porque foi numa final e com o poderoso Bayern. Hoje, se falarem de um golo à Madjer, todos sabem como é. Da mesma forma que ninguém esquece o slalom do Maradona com a Inglaterra nos quartos-de-final do Mundial 86 ou o penálti à Panenka na final do Europeu 76. Mas...” Atenção a este mas. Merece respeito, admiração e até um visionamento no Youtube. Estamos a 26 de Agosto de 1987. Primeira jornada do Campeonato nacional 1987/88. Pelo FC Porto, estreiam-se Tomislav Ivic e Rui Barros. No Belenenses, é Marinho Peres a novidade. “Mas”, dizia Madjer, “a seguir à Taça dos Campeões, logo no primeiro jogo, já na época seguinte, ganhámos 7-1 ao Belenenses e marquei três golos, o último deles de calcanhar, mais bonito do que o de Viena. Sabes porquê?” À pergunta, segue-se a resposta pronta. “Do cruzamento da direita do Jaime Magalhães, recebi a bola com o pé esquerdo, virei-me de costas para a baliza e dei com o calcanhar direito no coração da área. Foi um momento sublime, único. E nas Antas, a minha casa, o que confere mais importância ao feito.” Quem remata (e fala) assim, não é gago.
MALCOLM Alexander ALLISON 5 de Setembro de 1927, Dartford (Inglaterra) Treinador CLUBES: Bath City (1963-64), Toronto City (64), Plymouth Argyle (64-65), Manchester City (72-73), Crystal Palace (73-76), Galatasaray (76-77), Plymouth Argyle (78-79), Manchester City (79-80), Crystal Palace (80-81), Yeovil (81), Sporting (81-82), Middlesbrough (82-84), Kuwait (8586), Vitória de Setúbal (86-8), Farense (88) e Bristol Rovers (92-93) TÍTULOS: 9 (1 Taça das Taças, 1 Campeonato Português, 1 Taça de Portugal, 1 Campeonato Inglês da 1.ª Divisão, 1 Campeonato Inglês da 2.ª Divisão, 1 Taça de Inglaterra, 1 Taça da Liga Inglesa, 2 Supertaças Inglesas)
Com o Campeonato nacional e a Taça de Portugal 1980/81 entregues ao Benfica, o Sporting começa a preparar a época seguinte mais cedo do que o previsto. Bem ao seu estilo, o presidente João Rocha concentra as atenções da imprensa nesse Verão com duas promessas. Um avançado e um treinador. Ambos de renome. Sem demoras, contrata o avançado Oliveira para o juntar à dupla goleadora Manuel Fernandes-Jordão. Depois, aparece em Alvalade com um treinador inglês chamado Malcolm Allison. Verde é a cor da esperança. E também a do Sporting. O início é pouco auspicioso (2-2 com o Belenenses em Alvalade), mas o leão depressa se torna o rei da selva. Com Allison a liderar a festa. Antes de os jogadores entrarem no estádio para o aquecimento, já o técnico desfilava charme no relvado, sempre com o braço no ar a segurar o inconfundível chapéu, para delírio dos adeptos. Às vezes, até há música de fundo, com o hit “Comanchero”. Numa série memorável de jogos, o Sporting não só vence o Campeonato nacional como ainda levanta a Taça de Portugal com um implacável 4-0 ao Sp. Braga de Quinito no Jamor. Dois dias depois, o Sporting viaja até Paris para participar num torneio particular. É o primeiro teste ao novo campeão português. O adversário é o PSV Eindhoven, da Holanda. Na véspera, à noite, Allison concentra os jogadores no átrio do hotel e começa a falar das suas aventuras em Inglaterra, onde é conhecido como Big Mal. A conversa, animada como sempre, dura até às duas da manhã. A essa hora, Manuel Fernandes sugere a retirada para os quartos. É aí que Allison interfere, para satisfação do capitão-goleador. “Ele virou-se para mim: ‘Fomos campeões, vencemos a Taça e vamos dormir? Nada disso. Vamos todos sair para Paris.’ E lá fomos, todos nós, aos bares e aos cabarés de Paris, àqueles mais conhecidos e tudo, como o Lido. Foi uma noite/manhã inesquecível. Aliás, essa sintonia de grupo já vinha de Agosto do ano anterior [1981], quando o Allison chegou a Lisboa. Dizia-nos para almoçarmos, jantarmos, cearmos ou sairmos à noite, mas sempre na véspera da folga. Como esse dia calhava à terça-feira, o plantel do Sporting, formado por 20 a 25 jogadores, começou a sair à noite às segundas. Às vezes encontrávamo-nos ao almoço, ficávamos no restaurante até ao jantar e depois ainda íamos dançar até não aguentar mais.
A essas noitadas, o Malcolm nunca foi. Só mesmo à de Paris e por isso é que foi tão inesquecível. Porque fechou uma época de ouro no Sporting.”
MANUEL José Tavares FERNANDES 5 de Junho de 1951, Sarilhos Pequenos POSIÇÃO: Avançado CLUBES: CUF (1969-75), Sporting (75-87) e Vitória de Setúbal (87-88) TÍTULOS: 6 (2 Campeonatos Portugueses, 2 Taças de Portugal e 2 Supertaças Portuguesas)
Penafiel (5 golos), Aves (1), Chaves (2), Braga (1), Académica (0), Belenenses (1), Portimonense (0), Boavista (0), Marítimo (2), V. Guimarães (0), V. Setúbal (1), Sp. Covilhã (1), Benfica (0), Salgueiros (1), Penafiel (0), Aves (1), Chaves (0), Braga (3), Académica (1), Belenenses (0), Portimonense (2), Boavista (1), FC Porto (0), Marítimo (0), V. Guimarães
(0), V. Setúbal (2), Covilhã (3), Benfica (1) e Salgueiros (1). Mas que grande salgalhada... o que vem a ser isto? São os números de Manuel Fernandes, o homem dos três ofícios no Sporting: avançado, capitão e goleador. A isto junte-se um título, o de melhor marcador do Campeonato nacional 1985/86, com mais golos (30) do que jogos (29). Mesmo assim, José Torres não o chama para o Mundial do México. Estamos a 19 de Abril de 1986. Portugal está na fase final de um Mundial, vinte anos depois, e cai o pano sobre a 1.ª Divisão. O Porto, cidade, está em festa. O FCP ganha 4-2 ao Sp. Covilhã e sagra-se campeão nacional (no ano seguinte, seria campeão europeu), enquanto o Boavista vence o Benfica por 1-0 e vai à Taça UEFA. Em Lisboa, o Sporting de Manuel José derrota o Salgueiros de Humberto Coelho por 2-1, com mais um golo de Manuel Fernandes, o 30.º em 29 jogos. O capitão dos leões é o melhor marcador do Campeonato (interrompe uma série de três Botas de Prata seguidas de Gomes), mas recebe a ingrata notícia da exclusão do Mundial. É a escolha do seleccionador José Torres. De pontas-de-lança, a Selecção leva a dupla Gomes (20 golos pelo FC Porto em 1985/86) e Rui Águas (10 pelo Benfica). A favor do avançado-capitão-goleador do Sporting, os golos (30). Contra ele, a idade (34 anos) e a sua afirmação. “Na primeira jornada”, justifica Manuel, “o Sporting ganhou 6-0 ao Penafiel e eu marquei cinco golos. Fui convidado pela RTP para participar no Domingo Desportivo. Uma das últimas perguntas do comentador foi o que eu achava da Selecção. Disse então que já estava a caminho dos 35 anos e que seria talvez a hora de dar oportunidade aos mais jovens. Mas disse sem segundas intenções. Daí em diante aproveitaram-se disso para justificar a minha ausência.” E à medida que ia marcando golos? “Nunca mais fui convocado pelo José Torres. E o adjunto dele era o Marinho, meu grande amigo, que jogou comigo no Sporting. Houve uma reunião com os três, em que todos nos sentámos e chegámos a um entendimento, mas as convocatórias iam saindo e eu nunca fazia parte delas. Portanto, quando chegou aquele dia em que me afirmei como melhor marcador do Campeonato, já sabia do meu destino.
Apesar de o Manuel José [treinador do Sporting] ter dito publicamente que eu devia ir ao Mundial e de eu mesmo também ter dito que estava sempre disponível para ajudar o país, como, aliás, se provou depois do Mundial, em que joguei por Portugal [5 jogos e um golo no 1-1 em Berna, com a Suíça].” E no México? É tudo uma grande salgalhada. Que não se explica por números.
MANUEL JOSÉ de Jesus Silva 9 de Abril de 1946, Vila Real de Santo António Treinador CLUBES: Espinho (1978-82), Vitória de Guimarães (82-83), Portimonense (83-85), Sporting (85-86), Braga (87-89), Sporting (90), Espinho (90-91), Boavista (91-96), Marítimo (96), Benfica (97), União de Leiria (99-00), Al-Ahly (01-02), Belenenses (02-03), Al-Ahly (03-09), Angola (09-10), Al Ittihad (10) e Al Ahly (11) TÍTULOS: 23 (1 Campeonato da 2.ª Divisão, 1 Taça de Portugal, 1 Supertaça Portuguesa, 4 Ligas dos Campeões Africanos, 4 Supertaças Africanas, 6 Campeonatos Egípcios, 2 Taças do Egipto, 4 Supertaças Egípcias)
Manuel José é o treinador português mais titulado da história. No seu palmarés, 23 troféus. A saber: seis Campeonatos do Egipto, duas Taças
egípcias, quatro Supertaças do Egipto, quatro Ligas dos Campeões africanas, quatro Supertaças africanas, uma Supertaça portuguesa, uma Taça de Portugal e um Campeonato da 2.ª Divisão portuguesa, zona Norte. Mas a carreira de um homem não se faz unicamente a partir de uma certa idade. Por exemplo, nos Sub-30, Manuel José é um jogador de futebol de 1.ª Divisão. Com 16 anos, chega ao Benfica. “Estávamos em 1962, o treinador era o Fernando Cabrita e eu jogava a extremo esquerdo. Nos juniores, marquei um golo ao Sporting com um chapéu ao Damas quase do meio-campo. Na época 1968/69, sagrei-me campeão nacional. Bastou um só jogo, com a Académica. Ganhámos 3-2 na Luz. Substitui o Simões aos 71 minutos, com o resultado 2-1 para eles. O campo estava enlameado e eu nem cheirei a bola. Joguei mesmo mal. Devo ter sido assobiado pelo público, mas disso nem me lembro. Quem nos safou nessa tarde foi um jovem chamado Praia, um extremo direito que saltava, pulava e fazia sei lá mais o quê. Foi ele quem marcou os dois golos da reviravolta. Isso foi em Dezembro, a 1 de Dezembro, para ser mais preciso. Em Abril, acabou o Campeonato e o Benfica fez a festa. A Direcção telefonou-me então para o quartel de Queluz, onde fazia a tropa, a convidar-me para ir receber a medalha de campeão, mas eu não fui. Ia lá fazer o quê? Então joguei 19 minutos, e mal, e ia receber a medalha? Não, nem pensar.” Bem, rectificamos então: Manuel José tem 24 títulos. Ou não? Como jogador, Manuel José só pára em 1978, no Espinho. Antes, União de Tomar, Farense e Beira-Mar. É aqui, em Aveiro, que Manuel José joga finalmente com Eusébio. “Já me tinha cruzado com ele no Benfica, mas falhámos por uns minutos. No tal único jogo que fiz, entrei aos 71 minutos e ele tinha saído pouco antes. Eu estava lá quando ele marcou o 320.º e último golo da carreira. Já tinham passado oito anos e havia notórias diferenças físicas, mas ainda era o Eusébio. Empatámos 1-1 com o Sporting e ele marcou a 30 ou 35 metros da baliza. Puxou do pé esquerdo e cá vai disto. Mas o melhor golo que lhe vi marcar nem foi esse. Foi um na digressão do Beira-Mar pela Venezuela. Um golo fora de campo. Estava eu, o Abel e o Eusébio a dar um passeio e entrámos numa rua meio manhosa.
Parámos numa loja de relógios, porque o Eusébio adorava vê-los. Estávamos fora da loja quando o dono se pôs à porta, a olhar fixamente para o Eusébio. Perguntou-lhe se era ele. À resposta positiva, ele sacou de uma máquina fotográfica e chamou a mulher para lhe tirar uma fotografia. Depois ofereceu-lhe o relógio, que tinha máquina calculadora e tudo. O Eusébio reconhecido na Venezuela, numa rua daquelas? Quem poderia imaginar? Mesmo eu que já o conhecia, fiquei espantado.” Pronto, está bem: por jogar com Eusébio, é justo que Manuel José tenha 25 títulos na carreira.
MÁRIO JOÃO 6 de Junho de 1935, Barreiro POSIÇÃO: Defesa direito CLUBES: CUF (1952-57), Benfica (1957-62) e CUF (62-68) TÍTULOS: 8 (3 Campeonatos Portugueses, 3 Taças de Portugal e 2 Taças dos Campeões)
Mário João nasce no Barreiro e cresce ao lado do campo da CUF, onde cria imediatamente uma intimidade com a bola. Em 1950, aos 15 anos, inscrevese na CUF e é vice-campeão nacional de juniores na primeira época. Até 1955, altura em que assina pelo Benfica, Mário João é um dos avançados dos cufistas. Na Luz, o treinador húngaro Béla Guttmann aproveita a lesão do lateral esquerdo Ângelo para o testar naquela posição. Missão cumprida.
Quando Ângelo recupera, Mário João vai para a lateral direita e por lá continua para ganhar duas Taças dos Campeões consecutivas. Na final de 1961, Ramallets é o guarda-redes do Barcelona e não faz nenhuma defesa durante os 90 minutos. Mário João é defesa direito e faz uma defesa, aos dois minutos. “Cabeceamento do Evaristo e eu afastei a bola na linha de golo. As pessoas também dizem que salvei outro golo [42 minutos], a um cabeceamento do Kocsis, mas aí foi o Neto que a tirou com a barriga”, conta. E sobre o jogo? “Eles eram a melhor equipa do mundo e nós vínhamos da província. Ninguém nos conhecia. Nessa final, o Benfica aceitou que trocássemos de camisolas, coisa rara naqueles dias. Se trocássemos, descontavam do nosso ordenado. Era assim... No final desse jogo, troquei com o Czibor. Ainda a tenho para aqui.” O curioso de Mário João é que joga sete anos no Benfica com uma licença sem vencimento da CUF. O alarme soa em 1962, imediatamente após o Benfica ganhar a segunda Taça dos Campeões consecutiva (5-3 ao Real Madrid). “Pedi uma licença sem vencimento à CUF em 1957. O Benfica interessou-se por mim e aceitei ir morar para Lisboa, para o Lar do Jogador do Benfica. Na época 1960/61, quando ganhámos a primeira Taça dos Campeões, recebíamos três contos por mês, que não dava para nada. Na segunda época, o ordenado subiu para quatro contos, mas continuava a ser pouco. Em 1962, a CUF escreveu-me uma carta a dizer que ia acabar a licença sem vencimento. Aí, escolhi sair do Benfica e optei por regressar ao Barreiro para trabalhar na CUF e jogar por eles. Ou ficava no Benfica e perdia o emprego, ou voltava à base. O salário não era muito diferente, mas sempre recebia dos dois lados: como empregado e como jogador. Graças a isso, agora tenho estabilidade. Sou reformado da CUF. Se ficasse no Benfica, seria ultrapassado por alguém mais novo, porque estavam sempre a chegar jogadores novos ao Lar do Jogador, e depois andava por aí aos caídos.”
MÁRIO da Silva LUÍS 25 de Maio de 1941, Santarém Árbitro nacional (1975-86) e internacional (1982-86)
Na véspera da final do Mundial 78 (Argentina-Holanda), o Jamor vive uma tarde agitada, por ocasião da primeira finalíssima da Taça de Portugal, entre Sporting e FC Porto, com os dragões a queixarem-se da arbitragem de Mário Luís, de partida para a China com os leões no dia seguinte! Vamos lá contextualizar: menos de um mês depois de ter quebrado o jejum de 19 anos sem ganhar o título nacional, o FC Porto apresenta-se no Jamor para discutir a final da Taça de Portugal frente ao Sporting, com o natural objectivo de conquistar a segunda “dobradinha” da sua história, depois de 1956.
No dia 17 de Junho, o resultado não passa teimosamente do 1-1, com um penálti de Meneses (golo do empate do Sporting) a ser bastante contestado pelos dragões, depois de o árbitro Francisco Lobo ter voltado atrás na sua decisão, com base no critério do fiscal de linha Arlindo Rodrigues, que chama a atenção para uma eventual falta do guarda-redes Fonseca sobre o avançado Keita, o príncipe do Mali, no limite da área. Tudo adiado por uma semana. O caldo entorna-se definitivamente quando se sabe o nome do árbitro para a finalíssima, a primeira de sempre na história da prova: Mário Luís, de Santarém, que já estava de malas aviadas rumo à China, para acompanhar o… Sporting numa digressão de final de época. O cenário, convenhamos, não é o mais propício, como o capitão portista Octávio Machado indica, com umas gargalhadas (bem) sonoras pelo meio. “É daquelas coisas que não deviam acontecer. Se calhar, é por isso que ainda se fala muito no sorteio dos árbitros. É normal que existam desconfianças e uma dose elevadíssima de suspeição. Enfim, as discussões de hoje são as mesmas de há 25, 30, 35 anos! A sociedade portuguesa já mudou muito, mas não se fez a renovação com atitude. Mas também é preciso ver esse jogo num enquadramento especial. Portugal era um país que vivia momentos complicados, pós-revolucionários, com tensão elevada, luta de classes. Isso no campo notava-se e, depois, as nomeações dos árbitros. Mário Luís ia com o Sporting para a China! Porque é que o escolheram? Havia outros, com certeza!” Na base de toda a discussão, o primeiro golo do Sporting (1-0), com Vítor Gomes a tirar partido de um fora de jogo posicional de Ademar com a defesa azul e branca estática. O bibota d’ouro Fernando Gomes não esquece esse dia amargo. “Ah! Esse jogo em que o árbitro Mário Luís foi infeliz nalgumas decisões, sempre a favor deles, e recebeu pouco depois a alcunha de chinês porque seguiu viagem com o Sporting numa digressão à China, um dia depois.”
MÁRIO WILSON 17 de Outubro de 1929, Lourenço Marques (Moçambique) POSIÇÃO: Avançado e defesa central CLUBES: Desportivo Lourenço Marques (1948-49), Sporting (49-51) e Académica (51-63) TÍTULOS: 1 (Campeonato Português)
Dono de frases que entram para a história, como “quem treina o Benfica, arrisca-se a ser campeão” ou “se não confiasse no Benfica, ia vender preservativos para o Rossio”, Mário Wilson é um personagem mediático, cuja carreira de treinador é feita de sucessos atrás de sucessos no Benfica. Para tal, bastam-lhe três épocas em outros tantos períodos. Na primeira experiência, é campeão nacional em 1975/76, com dois pontos de avanço sobre o Boavistão de José Maria Pedroto, e é o primeiro treinador português
a consegui-lo na Luz, antes de Toni e Jorge Jesus. Em 1979/80, vence a Taça de Portugal (1-0 ao FC Porto de Pedroto) e repete a façanha 16 anos depois, na tal final do very light ganha 3-1 ao Sporting, no Jamor. Igualmente interessante é o seu percurso como jogador de futebol. Sim, porque Mário Wilson já dera brado nos relvados nacionais antes de se sentar no banco. O Sporting contrata-o em 1949 e eis que um moço altíssimo com queda para marcar golos de pontapé de bicicleta desembarca em Lisboa, oriundo de Lourenço Marques, no Mouzinho de Albuquerque. Chega para jogar a avançado no Sporting, onde é apresentado como sucessor do grande Peyroteo, o maior fura-redes que o país vira. Na primeira época no Lumiar, Wilson marca 23 golos em 21 jogos. Na segunda, que antecede a ida para Coimbra, a fim de tirar um curso e jogar na Académica, a média baixa ligeiramente: 14 em 19. O que é normal se atendermos ao facto de começar já aqui a jogar como defesa central, posição que ocuparia até ao final da carreira em 1963. “Naquele tempo, também havia polivalência. Nós queríamos era jogar. Como nos meus tempos de menino em Moçambique. Na rua ou nos recreios, nós queríamos era jogar futebol. Descalço ou calçado. À frente ou à baliza. Tanto nos dava. Éramos todos polivalentes, como o Fábio Coentrão. Nessa situação específica, comecei a jogar como defesa central na Taça Latina 51. Antes do jogo de terceiro e quarto lugares, com o Atlético de Madrid, o Passos lesiona-se. Não tinham outro defesa central e perguntam-me se era menino para fazer o lugar do Passos. Claro que sim, disse eu. Até porque já jogara a central na despedida do Peyroteo e sentiame bem nessa posição, a abrir o livro. Portanto, quando chego à Académica, já vou com a cabeça feita para jogar a central.”
Sebastião Lucas de Fonseca (MATATEU) 26 de Julho de 1927, Maputo (Moçambique) POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Belenenses (1951-64), Atlético (64-67), Gouveia (67-68), Amora (68-70), Portuguese First (70-71), Chaves (71-72) e Sagres Victoria (72-74) TÍTULOS: 1 (Taça de Portugal)
Quando se fala das sete maravilhas do mundo, há sempre quem defenda as duas classificações. Sim, porque há as sete maravilhas do Mundo Antigo (Pirâmides de Gizé, Jardins da Babilónia, Estátua de Zeus, Templo de Artemisa, Mausoléu de Haliparnasso, Colosso de Rodes e Farol de Alexandria) e as do Mundo Moderno (Muralha da China, Petra, Cristo Redentor, Machu Pichu, Chichen Itzá, Coliseu de Roma e Taj Mahal). Por
muito que discutam isto e aquilo, a oitava maravilha, essa, é intocável. É de origem moçambicana e chama-se Matateu. Não fomos nós, portugueses, que inventámos nem que dissemos: foram os ingleses. E não se pode apontar este ou aquele, porque o artigo em causa não vinha assinado. Sabe-se que se escreveu uma crónica “Matateu, a oitava maravilha” no Daily Sketch, um tablóide nascido em Manchester nos anos 20 do século passado e entretanto sugado pelo Daily Mail nos loucos anos 70, por ocasião de um Portugal-Inglaterra (3-1), nas Antas, em Maio de 1955. “Um negro sempre sorridente, de Moçambique, é, esta noite, o rei do futebol português. Lá, foi-lhe dado o nome de Lucas, mas há muito tempo que já ninguém se preocupa com isso. Passaram-lhe a chamar Matateu – um cognome que significa oitava maravilha do mundo – desde que começou a driblar como um mago e a chutar como um canhão. Fomos derrubados por essa oitava maravilha que rebaixou e humilhou uma Inglaterra destroçada e inebriada. E não há justificação porque, com excepção do maravilhoso Matateu, o grupo português é uma equipa de passeantes, com apenas uma vitória nos últimos 19 jogos.” Nos anos 50, com a Selecção nacional completamente remetida à 2.ª Divisão (ou mesmo à 3.ª) do futebol europeu, Matateu consegue a extraordinária marca de 13 golos em apenas 27 internacionalizações. Diz quem o viu que é uma força da natureza, grande, musculoso, encorpado, que se impõe facilmente pelo físico e que se destaca pelo remate, pelas passadas com a bola controlada, pelo remate forte ou em jeito, e que por isso é marcado homem a homem nos jogos com os grandes Sporting, Benfica e FC Porto, numa altura em que semelhantes expedientes ainda não tinham entrado nos hábitos. Essas marcações, umas impiedosas, outras só duras, não o vergam. Só pára de jogar aos 55 anos. Ele, Sebastião Lucas da Fonseca. Ou então Matateu. Ou, muito simplesmente, a oitava maravilha.
Tamagnini Gomes Baptista NENÉ 20 de Novembro de 1949, Leça da Palmeira POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Benfica (1968-86) TÍTULOS: 18 (10 Campeonatos Portugueses, 6 Taças de Portugal e 2 Supertaças Portuguesas)
Aos seis anos, sai de Leça da Palmeira para viver na Beira, em Moçambique. Na África colonial, desperta a cobiça dos clubes grandes de Portugal, depois de ser eleito o júnior do ano em 1966, ao serviço do Ferroviário da Manga. O pai, orgulhoso, envia fotos dos jornais a dar conta do prémio a toda a família, nomeadamente a um irmão, cujo filho é um notável do Benfica, de seu nome Cavém (bicampeão europeu pelo Benfica, em 1961 e 1962). E é mesmo o primo quem o aconselha ao clube. Nené
chegou assim a Lisboa aos 17 anos. É campeão nacional de juniores na primeira época (1967/68), com um golo na final, à Académica (2-0). Está dado o mote. A partir daí, é sempre a subir. Jimmy Hagan transforma-o em extremo direito e Mário Wilson faz dele avançado, papel que desempenha na perfeição, com direito à entrada directa na Selecção da Europa, em Outubro de 1973, ao lado de Eusébio, Cruijff, Facchetti... Só pára em 1986. Apesar dos 17 anos no Benfica, este avançado inteligente e frio mantém uma relação muito particular com os adeptos. Acusado de nunca sujar os calções, paradigma de quem não se esforça o suficiente, Nené responde aos pseudoentendidos com golos, muitos golos (359), ao ponto de ainda hoje ser o terceiro melhor marcador da história do Benfica, atrás de Eusébio (473) e José Águas (379). Sempre com os calções limpos. “É verdade que havia uma minoria de adeptos que me assobiava porque eu não sujava os calções, porque eu evitava o choque, porque eu não fazia carrinhos despropositados, porque eu não me esforçava naquelas bolas longas e irremediavelmente perdidas. Com a quantidade de golos que marquei [aproveitamos para recordar: 359], chego à conclusão que, se calhar, era mais esperto do que os outros. Alguém marca golos deitado? No chão? Não, é de pé. E eu lá estava sempre em pé, a empurrar a bola para a baliza. De calções limpos, pois claro. Mas nem sempre. Às vezes, eles sujavam-se na primeira parte e trocava-os ao intervalo, no balneário. Mesmo assim, dava pouco trabalho à lavandaria do Benfica. Mas alguns adeptos insurgiam-se contra mim. É a maldição da camisola 7.” Para Nené, só dois jogadores destoaram dos demais em matéria de assobios. É a chamada maldição da camisola 7. “Tirando Rogério [o Pipi dos anos 50, melhor marcador de sempre em finais de Taça de Portugal, com 15 golos] e o José Augusto [campeão europeu em 1961 e 1962 e Magriço em 1966], o sete é maldito, é para ser assobiado.”
Luís Maria Cabral NORTON DE MATOS 14 de Dezembro de 1953, Lisboa POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Académica (1973-74), Estoril (74-76), Atlético (76-77), Belenenses (77-78), Standard Liège (78-81), Portimonense (81-84), Belenenses (84-86) e Estrela da Amadora (86-87)
Dois treinadores (Robert Waseige e Mirko Jozic) e 36 jogadores (Acosta, Afonso Martins, Assis, Balajic, Bino, Carlos Miguel, César Ramirez, De Wilde, Delfim, Dominguez, Duscher, Gil Baiano, Gimenez, Hadji, Heinze, Kmet, Krpan, Lang, Leandro Machado, Luis Miguel, Marcos, Mauro Soares, Misse Misse, Nélson, Nené, Ouattara, Paulo Alves, Pedro Barbosa, Pedro Martins, Quim Berto, Quiroga, Saber, Skuhravy, Tiago, Vidigal e
Vinicius). É a conta de Norton de Matos como consultor para o futebol do Sporting, no final do século passado. Há de tudo, entre alguns negócios óptimos, uns rentáveis e outros ruinosos. Mas isso não é para aqui chamado. Porque Norton de Matos é, acima disso, um jogador de créditos firmados no futebol português, com cinco internacionalizações AA, todas pelo Portimonense de Artur Jorge, e uma aventura na Bélgica, ao serviço do Standard Liège, onde se estreia com um golo (2-1 ao FC Brugge, a 2 de Setembro de 1978) e despede-se com outro (2-0 ao Lierse, a 14 de Abril de 1981). Caso único nos emigrantes portugueses. Nesses três anos lá fora, o avançado dá de caras com uma Europa... avançada. “Em Portugal só havia dois canais que acabavam a programação à meia-noite com o hino nacional e eu tinha uma televisão a preto e branco. Chego a Liège e deparo-me no quarto de hotel com uma televisão a cores, com 16 canais. Eu passava horas à frente daquela caixa mágica. E quem me visitava também! Aquilo era um mundo novo. E o vídeo? Comprei uma BetaCam, um aparelho de vídeo que gravava. E eu gravava tudo. Imagine: futebol, música e outros programas. Gastei muito dinheiro na compra de cassetes. Mais surpresas: havia McDonald’s e Coca-Cola.” Profissionalmente falando, “mal assinei pelo Standard, recebi da Adidas três pares de chuteiras com pitons de alumínio, outras três com pitons de borracha, fatos de treino, sapatilhas, tudo e mais alguma coisa. O meu carro ficou cheio com aquela tralha toda. E eu só jogava com um par, o outro estava religiosamente guardado lá em casa. Em Portugal, era preciso juntar, juntar e juntar o dinheiro para comprarmos um par de Adidas. E isso também vale para um par de calças da Levi’s, um casaco desta marca, uma blusa da outra. A diferença entre Portugal e a Bélgica era enorme. Repare: nós, jogadores do Standard, éramos requisitados uma vez por mês a ir a um centro comercial, tipo Colombo, e passar lá duas horas a dar autógrafos. Eu, por exemplo, tinha casas de fãs espalhadas por toda a Bélgica. Em Bruxelas, Antuérpia, Charleroi… Clubes de fãs. Com o consentimento do clube, eles iam buscar-me a Liège e levam-me a um jantar promovido por eles. Lá, jantava ao lado deles. E discursava em francês. Depois, dava-se início à soirée com música, danças e conversa.” Todo um mundo novo.
OCTÁVIO Joaquim Coelho MACHADO 6 de Maio de 1949, Palmela POSIÇÃO: Médio CLUBES: Vitória de Setúbal (1968-75), FC Porto (75-78 e 79-80) e Vitória de Setúbal (80-83) TÍTULOS: 2 (1 Campeonato Português e 1 Taça de Portugal)
É comum os brasileiros exagerarem na estatística. Por exemplo, Romário nunca marcou mais de mil golos oficiais. Entre esses números, estão golos nas camadas jovens e em particulares! Outro exemplo: o folclórico Túlio Maravilha já passou os 900 golos, mas engloba tudo, como Romário. Enfim, a isto chama-se puxa-saco. Com a Selecção A é a mesma coisa: já fizeram 1024 jogos oficiais, mas muitos deles são com os Sub-23, os Olímpicos, os Bês. O curioso é que nem assim a estatística “puxa-saco” dos
brasileiros contabiliza este jogo com Portugal, a 9 de Março de 1975 (domingo), em Goiânia, na inauguração do Estádio Serra Dourada. Porque o Brasil se faz representar por uma Selecção local, a de Goiás. Portugal, esse, está na máxima força e por isso inclui este particular nas suas contas. Embora a Federação portuguesa já soubesse de antemão que não era o Brasil que ia aparecer. Resumindo: apesar das muitas críticas que se fazem ouvir, o certo é que a Federação portuguesa leva a sua avante e aceita este encontro frente à Selecção de Goiás, em pleno coração do Brasil. Estranhamente, a desconhecida equipa surge na qualidade de representante do seu país. Para tornar tudo ainda mais incrível, o jogo é dirigido por um árbitro brasileiro (Armando Marques), que, apesar das suas credenciais, não está nada bem, tal como a Selecção portuguesa que acusa bastante a alta temperatura que se faz sentir (37 graus). O terreno de jogo é outro aspecto que pesa no rendimento do conjunto liderado por Pedroto. Perante tantas adversidades, Portugal acabaria por consentir o golo decisivo já muito perto do final, após uma exibição confrangedora. O desfecho nada abonatório faz recair de novo todo o pessimismo sobre a Selecção, que já não ganha há oito jogos. E a Federação, com toda esta triste figura, arrecada 30 mil dólares para os seus cofres. Terá valido a pena? Para Octávio Machado, é um nim. “Isto de representar a Selecção é sempre um enorme prazer, mesmo nestas condições... como direi... adversas. Afinal, julgávamos que íamos jogar com o Brasil e, de repente, aparece-nos a Selecção de Goiás à frente. É para rir”, diz o autor do primeiro golo desse jogo, que dá direito a placa, nome dado no Brasil aos golos fabulosos. Tudo começa em 1961, com Pelé num Fluminense-Santos no Maracanã. A partir daí, institui-se também que os primeiros golos em todos os estádios do país são de placa. E o de Octávio não foge à regra. Quem for a Goiás e ao Serra Dourada, verá a inscrição com o nome do herói português.
OTTO Martins GLÓRIA 9 de Janeiro de 1917, Rio de Janeiro (Brasil) Treinador CLUBES: Botafogo (1948), Botafogo (51), Benfica (54-59), Belenenses (59-61), Sporting (61), Marselha (62), Vasco da Gama (63), FC Porto (64-65), Sporting (65-66), Portugal (66), Atlético de Madrid (66-67), Benfica (67-70), Portuguesa (73-75), Santos (77), Monterrey (78-79), Vasco da Gama (79), Nigéria (78-81) e Portugal (82-83) TÍTULOS: 9 (4 Campeonatos Portugueses, 4 Taças de Portugal e 1 Taça Africana das Nações)
Neto de portugueses (avô paterno dos Açores, avô materno de Vila Nova de Gaia), Otto Glória nasce no Brasil em 1917, mas é em Portugal que faz história. Não uma, não duas, mas 13 vezes. Comanda Benfica, Sporting, Belenenses, FC Porto (o primeiro a treinar os quatro grandes, antes do
chileno Fernando Riera) e a Selecção portuguesa rumo ao terceiro lugar no Mundial 66, tendo-lhe pertencido também o comando da selecção no início da qualificação para o Euro 84. É ainda o técnico com mais títulos de campeão nacional (seis, quatro pelo Benfica e dois pelo Sporting), e só este facto serve para fazer parte da galeria dos melhores de sempre. Mas há mais... Otto Glória chega a Lisboa em Julho de 1954 para limpar a face ao futebol amador português. O Benfica contrata-o para profissionalizar o clube e Otto Glória revela-se à altura do desafio. Cria o Lar do Jogador, implementa concentrações e estágios com regras rígidas (os jogadores são proibidos de jogar cartas ou dados e de falar calão), proíbe o próprio presidente do clube (Joaquim Bogalho) de ir ao balneário ou falar com os futebolistas, introduz a táctica 4-4-2, que já se pratica no Brasil, e destrói a hegemonia do Sporting, sete vezes campeão nacional nos últimos oito (aqui não é Otto) anos. À fama de disciplinador e duro, junta-se uma outra personalidade paternalista e humana. Aliás, essa faceta está bem patente aquando da segunda passagem pelo Benfica, em 1967/68. Chega a cinco jornadas do fim, é campeão nacional e não quer ficar com o prémio de 50 contos. Propõe à direcção que o desse, na sua totalidade, aos jogadores. “Eles é que merecem”, justifica. Sem dinheiro, mas ainda com mais respeito e admiração de todos. Nessa altura, já Otto Glória é um mestre das frases feitas. A 28 de Setembro de 1961, primeira jornada do Campeonato nacional. O Sporting recebe o Lusitano de Évora em Alvalade e não sai do 0-0. O público assobia e Otto Glória entra para a história, mais uma vez: “Não posso fazer omeletas sem ovos”, numa alusão às ausências do compatriota Geo e do argentino Diego (que seria o melhor marcador da equipa, com 16 golos em 22 jogos). Na jornada seguinte, ainda sem Diego mas já com Geo, o Sporting ganha 2-0 nas Antas e Otto Glória demite-se, indignado com as opiniões extremistas do jornal do Sporting, que o dão como ultrapassado. Dos 200 contos a que tem direito, Otto contenta-se com 50 e a carta de rescisão. Voa
para Marselha, onde nunca perde um único jogo e sobe à 1.ª Divisão. Como é que se diz omeletas em francês?
Francisco FORTES Calvo 4 de Janeiro de 1955, Barcelona (Espanha) POSIÇÃO: Médio CLUBES: Barcelona (1974-76), Málaga (76-77), Barcelona (77-79), Espanyol (79-82), Valladolid (82-84) e Farense (84-89)
Baía, Couto, Deco, Figo, Jorge Mendonça, Pauleta, Pepe e Secretário são os portugueses que já foram campeões nacionais em Espanha. A resposta dos espanhóis em Portugal é modesta. Só dois, e pouco expressivos (Robaina e Toñito em 2000, pelo Sporting). Mas a contribuição espanhola enche todas as medidas se falarmos de um catalão especial, não só pelo trabalho desenvolvido como jogador do Farense, entre 1984 e 1989 (11 golos em 87 jogos na 1.ª Divisão), mas também como treinador do mesmo clube, onde
se mantém por 11 épocas, dez delas seguidas (de Março de 1989 a Fevereiro de 1999), e consegue chegar à final da Taça de Portugal 1989/90, além da qualificação inédita para a Taça UEFA 1995/96. Falamos do espanhol mais português de sempre, Paco Fortes, ou El Feo – o feio, como era alcunhado pelas camadas jovens do Barcelona, onde se formou como homem e jogador nos anos 70, chegando inclusive a jogar com Johan Cruijff. A vida dá muitas voltas e Fortes é obrigado a voltar à Catalunha para trabalhar no porto de Barcelona, como controlador, uma solução de recurso da Associação dos Veteranos do Barça, que gere directamente os recursos económicos de ex-jogadores com menos de 65 anos. É de lá que Paco Fortes lembra um episódio caricato com Oceano, durante um duelo de Sportings: o de Lisboa, dito de Portugal, e o de Faro. “Aos 29 anos, no Verão de 1984, cheguei a Portugal, via Valladolid. E foi duro. Logo no segundo jogo [2-0 para o Sporting em Alvalade, golos de Lito e Manuel Fernandes], havia um médio negro grande, daqueles que nunca mais acabavam, e que me marcava de forma implacável. Ele só me dava porrada, mas muita mesmo! Era o Oceano. Às tantas, irritei-me e comecei a assobiar e a dizer alto, na direcção dele: ‘Perrito, vem para cá, vem para cá.’ E ele nada. Pois claro. Só depois é que percebi que perrito não significa nada em Portugal. Diz-se cão. Mas fiquei com esse jogo atravessado. Na segunda volta [1-1 em Faro], apanhei-o a jeito e posso assegurar que tivemos as nossas divergências. De verdade... Ainda bem que ele foi para a Espanha, jogar na Real Sociedad. Já não o podia ver à frente”, graceja Paco.
José Maria PEDROTO 21 de Outubro de 1928, Lamego POSIÇÃO: Médio CLUBES: Leixões (1947-48), Lusitano de Vila Real Santo António (48-50), Belenenses (50-52) e FC Porto (52-60) TÍTULOS: 4 (2 Campeonatos Portugueses e 2 Taças de Portugal)
José Maria Pedroto é um nome incontornável no futebol português, quer como jogador quer, sobretudo, pela exemplar carreira de treinador. Ainda hoje é o terceiro com mais jogos na 1.ª Divisão nacional (573, atrás dos 626 de Fernando Vaz e dos 617 de Manuel de Oliveira) e é ele o mentor do primeiro Boavistão da história, do arrebatador Vitória de Setúbal europeu e
do FC Porto bicampeão nacional naqueles loucos anos 70. Antes disso, Pedroto é também um jogador de classe internacional, ao ponto de contabilizar 17 internacionalizações pela Selecção A (uma pelo Belenenses e as outras 16 pelo FC Porto). A 9 de Agosto, o FC Porto anuncia a transferência-recorde de um jovem irreverente, com escola feita no Norte do país. Aos 18, entra nos juniores do Leixões, como médio. Basta um toque na bola para se perceber o seu talento, mas Pedroto gostava de dar mais, muito mais. Tanto que, certa vez, frente ao Académico do Porto, pede a bola ao seu guarda-redes e vai por ali fora a driblar toda a gente até chegar à linha da outra baliza. Aí, marca de calcanhar, depois de puxar os calções para cima e de se pentear. É levado em ombros pelos colegas, mas o treinador (Armando Martins) dá-lhe uma descompostura tão grande pelo individualismo revelado que Pedroto nunca mais repete a cena. O serviço militar em Tavira obriga-o a continuar a carreira no Algarve. Escolhe o Lusitano de Vila Real de Santo António, que, por capricho do destino, está na 1.ª Divisão. É aliás aí que dá pela primeira vez nas vistas, com um golo de fora da área ao Sporting (2-0 para o Lusitano) que o inimitável guarda-redes leonino Azevedo considera um dos melhores da sua carreira. Na época seguinte, o Lusitano desce de divisão e Pedroto, já sem serviço militar por cumprir e sem ordenado (só recebe por jogo: 100 escudos por vitória), opta por viver em Lisboa, ao serviço do Belenenses, que lhe oferece 25 mil escudos por mês. Um director do FC Porto ainda lhe dá um cheque de 80 contos para a mão, mas Pedroto não quer voltar atrás na palavra. Nas Salésias, Pedroto está bem instalado, a ganhar bem, com um emprego estável na Hidro-Eléctrica do Zêzere, e a jogar enormidades. Com naturalidade, é chamado à Selecção (0-3 com a França em Paris, a 20 de Abril de 1952), juntamente com outro belenense, o defesa Serafim, capitão de Portugal. O seu físico acompanhado de uma técnica apurada é garantia de sucesso. Por isso, o FC Porto volta à carga e Pedroto contraataca a esta investida com números astronómicos: ou 150 contos por ano ou nada. E o FC Porto respondeu na mesma moeda: 335 contos para o Belenenses e 165 para Pedroto, num total de 500. Com tanto escudo,
Pedroto acaba de se tornar, na altura, o jogador mais rico de Portugal, na (também) transferência mais cara de sempre no país.
Emílio Manuel Delgado PEIXE 16 de Janeiro de 1973, Nazaré POSIÇÃO: Médio CLUBES: Sporting (1990-97), Sevilha (97), FC Porto (98-01), Alverca (01-02), Benfica (02-03) e União de Leiria (03-04) TÍTULOS: 6 (2 Campeonatos Portugueses, 3 Taças de Portugal e 1 Supertaça Portuguesa)
Peixe é um caso especial. É o sexto e último português a vestir a camisola dos três grandes, mas é o único que não joga qualquer clássico por um deles, no caso o Benfica, em 2002/03, quando treinado por Jesualdo Ferreira e, posteriormente, José Antonio Camacho. Mas nem isso retira qualquer mérito à carreira de Peixe, eleito pela FIFA o melhor jogador do
Mundial Sub-20 em 1991, ganho por Portugal em Lisboa, curiosamente no Estádio da Luz. A juntar aos três grandes, Peixe joga ainda no Sevilha, Alverca, U. Leiria e Selecção. De todos os jogos que faz, é curiosamente mais lembrado por um que falha, como o homem que poderia ter feito a diferença nos 6-3 entre Sporting e Benfica, em Maio de 1994. “As pessoas fazem essa comparação desde há muito tempo e colocam algumas interrogações sobre isso. A minha posição coincidia com a do João [Vieira Pinto]. Talvez ele tivesse mais algumas dificuldades ou talvez eu tivesse mais dificuldades. Mas a história desse jogo começa antes, num jogo nas Antas, uma semana e meia antes do dérbi. O Sporting defrontou o FC Porto e perdeu 2-0 num jogo marcado pelas três expulsões de Carlos Valente. Primeiro foi o Juskowiak, ainda na primeira parte [35’, vermelho directo], depois o Vujacic [60’, duplo amarelo] e, finalmente, eu [62’, também vermelho directo]. A minha expulsão foi a única que considero justa, pois atropelei – sem querer, pois queria jogar a bola – um jogador do FC Porto no meio-campo, mas foi um jogo esquisito com uma arbitragem a condizer. Como vi o vermelho directo, fiquei suspenso por dois jogos. Falhei Beira-Mar (4-0 para o Sporting, em Aveiro) e Benfica. Portanto, tive de ver esse encontro atrás da baliza onde o João Vieira Pinto marcou os três golos ao Lemajic. Até ao intervalo, senti que podíamos dar a volta, mas foi a noite do João e do Benfica. Nada a dizer porque o Benfica ganhou bem.” Embora seja grande amigo de João Vieira Pinto – conquistaram juntos o tal Mundial Sub-20 –, Peixe nem o felicita após a magnífica exibição. “Não estava com cabeça para o ver, nem para ouvir falar do João. Mas depois é claro que lhe dei os parabéns.” No encontro seguinte (1-0 para o Sporting, a 1 de Dezembro de 1994), Peixe já lá estava e isso nota-se. “Na primeira bola dividida entre mim e o João, embrulhámo-nos e ele deu-me um pontapé na boca. Fiquei sem dois dentes e ainda estou à espera que ele mos pague”, graceja.
Fernando PERES da Silva 18 de Janeiro de 1943, Lisboa POSIÇÃO: Extremo esquerdo CLUBES: Belenenses (1960-65), Sporting (65-68), Académica (68-69), Sporting (69-72), Vasco da Gama (74), FC Porto (74-75), Sport Recife (75) e Treze (76) TÍTULOS: 4 (2 Campeonatos Portugueses, 1 Campeonato Brasileiro e 1 Taça de Portugal)
A vida de Fernando Peres dá um livro, mas vamos tentar condensá-la nestas duas páginas. Formado no Belenenses, é um esquerdino genial, dotado de uma visão de jogo extraordinária. O seu estilo não engana e é jogador para mais altos voos ainda. No Verão de 1965, troca o Restelo por Alvalade, onde se impõe com tanta naturalidade que começa a ser chamado para a
Selecção nacional e até é um dos Magriços do brasileiro Otto Glória, o treinador de campo no Mundial de Inglaterra em 1966. Como não joga um único minuto, Peres torna-se um acérrimo crítico de Manuel da Luz Afonso, o seleccionador dessa campanha, acusado de teimosia por fazer alinhar os mesmos seis do meio-campo para a frente (Coluna e Jaime Graça; José Augusto, Eusébio, Torres e Simões). O cenário mudaria completamente de figura em 1972, quando Portugal entra em acção na Minicopa, competição organizada pelo Brasil para comemorar os 150 anos da Independência do país. Aí, Peres assume-se como uma das figuras da competição, quase sempre ao lado de dez benfiquistas. É ele usualmente o intruso no 11 de José Augusto. Portugal chegaria à final e só perderia com o Brasil, com um golo de Jairzinho no último minuto. O futebol de Peres não passa despercebido por terras de Vera Cruz e é ver o Vasco da Gama negociar o seu passe com o Sporting. Em 1974, Peres atravessa novamente o Atlântico, agora sozinho, para jogar pelos cruz-maltinos. E não é que se sagra campeão no ano de estreia, em 1974? Com dez jogos e um golo. E uma vida do melhor. “Foram os melhores anos da minha vida. Fui para o Rio ganhar 150 contos por mês para substituir o Tostão! Logo na estreia, com o Tiradentes do Piauí, marquei um golo. Tecnicamente, os brasileiros são excelentes, mas eu, como também tinha boa técnica, adaptei-me. Ainda por cima, era mais rápido do que eles. Chamavam-me o ‘tamanco de ouro’. Tornei-me titular e campeão numa final com o Cruzeiro. E não foi fácil. Tínhamos o Roberto Dinamite, mas havia Zico (Flamengo), Rivellino (Corinthians), Jairzinho (Botafogo), Gerson (Fluminense) e o melhor do mundo no Santos (Pelé). O meu dia típico no Vasco começava muito cedo. Treinávamos logo de manhãzinha e ficava despachado às 10 horas. Depois fazia praia, em Copacabana, que ficava mesmo em frente à minha casa, na Avenida Atlântica. À tarde e à noite tinha uma vida social intensa. É a cidade mais maravilhosa do mundo.”
Fernando Baptista Seixas PEYROTEO 10 de Março de 1918, Humpata (Angola) POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Sporting (1937-49) TÍTULOS: 10 (5 Campeonatos Portugueses e 5 Taças de Portugal)
Genial? Letal? Grandioso? Peyroteo abandona o futebol em 1949, mas continuam a faltar adjectivos para qualificar exactamente um avançado que se torna um fenómeno mundial na arte de marcar golos. É, aliás, a primeira “máquina” de fazer golos em Portugal. Os seus números assustam qualquer um: de Eusébio a Pelé. Para começar, é o melhor marcador de sempre dos clássicos, com 71 golos em 69 encontros e o único com uma média superior a um remate certeiro
por jogo! Totaliza 17 bis, dois hat-tricks (um ao Benfica e outro ao FC Porto) e um póquer (o tal com o Benfica, nas Amoreiras, em Abril de 1948), sem esquecer que só está “em branco” por 23 ocasiões, o que é um registo absolutamente espantoso. Merece pois um lugar na história do Sporting e do futebol português, até porque a sua apetência pela baliza lhe dá mais quatro recordes: jogador do mundo com melhor média de golos por partida na 1.ª Divisão (330 em 197, o que dá 1,68), artilheiro-mor do Sporting (529), do Campeonato nacional (330), à frente de Eusébio (320) e Gomes (318), e único a marcar nove golos numa partida do Campeonato nacional (14-0 ao Leça, a 22 de Fevereiro de 1942). Peyroteo desembarca em Lisboa a 26 de Junho de 1937, via Angola. É avançado, goleador e até seleccionador nacional, estreando Eusébio em 1961. Os dérbis com o Benfica tornam-no uma espécie de herói. Não só pelos golos. Na estreia, por exemplo, marca o decisivo 1-0. “Estava tão perturbado que foi necessário ‘mister’ Szabo ligar-me os pés – trabalho que fiz sempre antes dos treinos”, conta o jogador no livro das suas memórias (lançado a 4 de Maio de 1957). Mas há mais, como a história do seu único descontrolo emocional. Em Novembro de 1943, o goleador envia uma carta à Direcção do Sporting e dá conta do comportamento inaceitável do defesa Gaspar Pinto, do Benfica. As queixas giram em volta das constantes provocações que ferem a dignidade de qualquer um. De relações cortadas, os dois internacionais portugueses encontram-se na festa de despedida de Valadas, que divide a carreira pelo Sporting e Benfica, com mais sucesso neste último. A 1 de Dezembro de 1944, Valadas reúne os dois amigos no meiocampo para fazerem as pazes, com um aperto de mão sincero. A atitude merece amplo destaque na imprensa desportiva e pensa-se então que o assunto está arrumado. Pura ilusão! As injúrias de Gaspar Pinto continuam e Peyroteo acaba por perder a paciência e aplica-lhe um valente murro, a 24 de Junho de 1945, num jogo para a Taça de Portugal, que o Sporting ganha por 3-2, no Campo Grande. É expulso pela primeira e única vez em 12 anos de carreira, mas é alvo de inúmeras manifestações de solidariedade, vindas
de todo o país, num total de 153 cartas, 38 telegramas e 225 cartões. Genial? Letal? Grandioso? Ainda não se sabe.
Artur de Sousa (PINGA) 30 de Setembro de 1909, Funchal POSIÇÃO: Avançado CLUBES: FC Porto (1931-46) TÍTULOS: 5 (3 Campeonatos Nacionais e 2 Campeonatos de Portugal)
Qual é o madeirense mais famoso de sempre? Cristiano Ronaldo, sem dúvida. Mas antes, muito antes, há um madeirense que conquista todo um país. O seu nome é Artur Sousa, mais conhecido por Pinga. Aliás, a cidade do Porto nunca mais é a mesma depois da sua chegada. Envolta em polémica, claro. Em Dezembro de 1930, após indicação do técnico húngaro Joseph Szabo, o FC Porto recebe uma prenda. É a chegada de Pinga, ex-Marítimo. Os
madeirenses acusam a Associação de Futebol do Porto de falsificação de documentos para concretizar a transferência. Alheio a estas confusões, Pinga estreia-se no dia de Natal, com o Salgueiros e começa aí uma longa relação de 26 anos (16 como futebolista e dez como dirigente) com os azuis e brancos. As alegrias são mais do que muitas: 13 vezes campeão regional do Porto, vence ainda uma Primeira Liga e um Campeonato nacional. Com um fino toque de bola e admirável pontaria, este avançado madeirense chega, vê e vence com uma facilidade enorme, só ao alcance dos predestinados. Cândido de Oliveira considera-o mesmo, em meados dos anos 40, o maior génio futebolístico que o país conhecera. A relação de Pinga com a baliza é total, pelo que não é difícil cativar a multidão, desejosa de golos, fintas, brincadeiras... Pinga sabe fazer isso e muito mais. Sobretudo a jogar ao lado de Valdemar Mota e Acácio Mesquita. A 4 de Janeiro de 1934, num particular ganho ao First Viena (30), este trio fica para a história como os “Diabos do meio-dia”, referência à estranha hora a que a partida se realiza, devido à necessidade imperiosa de os austríacos regressarem a casa. Um diabo, sim senhor! Que o diga o Sporting, que sofre com Pinga no mês de Março: hat-trick em 1935 (4-2) e bis em 1936 (no escandaloso 10-1). Mais tarde (1948/49), como treinador do Tirsense, da 3.ª Divisão, elimina os “Cinco Violinos” da Taça de Portugal, na primeira ronda. Do Benfica, Pinga também guarda boas recordações (leia-se, 13 golos). Até da goleada (7-0) aplicada pelos encarnados aos portistas a 5 de Junho de 1938! Carlos Costa, presidente do FC Porto, acusa três jogadores de falta de empenho e Pinga é, incrivelmente, um deles, deixando a entender a ameaça de o suspender de toda a actividade. Mas o apoio popular recebido por Pinga é tal que o próprio dirigente máximo tem de voltar atrás, cobrindo-se de ridículo. Pinga, esse, mantém-se na sua casa da Boa Hora, para evitar banhos de multidão, e demonstra todo o seu carisma, se é que alguma vez isso era necessário. Em Maio de 1942, dá mais um exemplo de força de vontade, quando joga numa posição mais recuada no Campo Grande, por falta de defesas.
Michel Georges Jean Ghislain PREUD’HOMME 24 de Janeiro de 1959, Ougree (Bélgica) POSIÇÃO: Guarda-redes CLUBES: Standard Liège (1977-86), Malines (86-94) e Benfica (94-99) TÍTULOS: 10 (1 Taça de Portugal, 3 Campeonatos Belgas, 2 Taças da Bélgica, 2 Supertaças Belgas, 1 Taça das Taças e 1 Supertaça Europeia)
Verão de 1988. Enquanto o Sporting procura treinador (Manuel José é vetado por dirigentes e um abaixo-assinado com seis mil assinaturas, Raul Águas equacionado e, por fim, Pedro Rocha apresentado) e contrata o excêntrico guarda-redes uruguaio Rodolfo Rodríguez, estala o verniz no designado Pacto dos Cavalheiros, com o FC Porto a sacar o central Dito e o
avançado Rui Águas ao Benfica. É tempo de bate-boca presidencial, entre Pinto da Costa e João Santos. Quando já só restam estilhaços desse diálogo de cavalheiros, o FC Porto começa a pré-época sem o guarda-redes polaco Mlynarczyk, que está incomunicável. Passa um dia, dois… uma semana, duas. A situação é insustentável. Quinito, o treinador, olha para o lado e só tem Zé Beto como alternativa a Mlynarczyk, além de um miúdo verdinho dos juniores chamado Vítor Baía. É aí que se dá o encontro entre dirigentes do FC Porto e a equipa do Malines, no aeroporto de Milão. A 20 de Julho de 1988, Pinto da Costa e C.ª falam com Michel Preud’homme e convidam-no para assinar pelo FC Porto. Ali mesmo, no Aeroporto Malpensa, nas barbas do Malines. O belga agradece a atenção mas recusa. Afinal, é o titular da baliza do vencedor da Taça das Taças desse ano (1-0 ao Ajax) e do futuro campeão da Supertaça europeia. O FC Porto ouve o não e arrepia caminho, resignado. Dias mais tarde, lá aparece Mlynarczyk, que (coisas do destino) se lesiona na clavícula durante um treino em Setembro e volta a deixar o FC Porto à guarda de Zé Beto. Mas só até Fevereiro. Porque aí Artur Jorge aposta em Vítor Baía. E o resto é o que a gente sabe. Sobre Baía, o homem dos 29 títulos. E sobre Preud’homme, o homem que pede à FIFA para usar óculos escuros durante os jogos do Mundial 90, em Itália, devido ao sol. O homem que deixa todo um país de boca aberta. Não pela nega ao FC Porto em 1988, mas sim pela regularidade exibicional no Benfica, entre 1994 e 1999. O primeiro guarda-redes estrangeiro no Benfica e a única excelente contratação do clube da luz no reinado de Artur Jorge. No Verão de 1994, o internacional belga chega a Lisboa com o título de melhor guarda-redes do Mundial dos EUA, atribuído pela FIFA (Prémio Yashine). Tem 35 anos e nem esse factor causa desconfiança. É, de facto, um guardião completo. Elástico, seguro, reflexos apuradíssimos e profissional. Antes de qualquer jogo, visita o estádio para ver as condições do relvado e as balizas. Cinco épocas na Luz valem-lhe uma Taça de Portugal (3-1 ao Sporting, na célebre final do very light).
Richard Daddy Owubokiri (RICKY) 16 de Julho de 1961, Port Harcourt (Nigéria) POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Sharks (1978-80), ABC Lagos (81-82), América Rio de Janeiro (83), Vitória Bahia (84-86), Laval (86-87), Metz (87), Benfica (88-89), Estrela da Amadora (89-91), Boavista (91-93), Vitória Bahia (94), Belenenses (94-95), Al Arabi (95-96) e Al Hilal (96-97) TÍTULOS: 7 (1 Campeonato Português, 2 Campeonatos Nigerianos, 1 Campeonato Qatari, 1 Taça de Portugal, 1 Supertaça Portuguesa e 1 Taça de França)
Ricky é daqueles nomes irrepetíveis no futebol português. Melhor marcador do Campeonato 1991/92, ao serviço do Boavista, é ele quem marca ainda o
golo da vitória desse Boavistão de Manuel José ao FC Porto na final da Taça de Portugal. Internacional nigeriano com recursos técnicos e físicos ilimitados, é daqueles avançados dos golos impossíveis, assim-assim e banais. Com ele, a bola acaba invariavelmente dentro da baliza. Quando chega a Portugal, assina pelo Benfica. Sim senhor. E consegue uma proeza na Luz, como autor de seis golos num jogo da Taça de Portugal, ao Riachense (14-1). No dia 11 de Janeiro de 1989. Nessa quarta-feira à tarde, com o Estádio da Luz espantosamente composto com 5 mil pessoas, metade delas da vila ribatejana de Riachos, que viaja em peso para apoiar a equipa da 1.ª Divisão dos regionais de Santarém, o técnico Toni escolhe Ricky para o 11. É a primeira e única vez. E marca seis. Sim: seeeeeis. De facto, 1988/89 é uma época sui generis para o futebol português: dias antes, o sueco Eskilsson marcara cinco golos nos 11-0 do Sporting-Alhandra, também para a Taça, que acabou por ser levantada pelo Belenenses, na última vez que o futuro-ex-quarto grande abre a sala de troféus. Ricky dos seis golos ao Riachense é, pois, mais um caso daquela incrível temporada. “Além de conseguir a espantosa marca de seis golos, dois na primeira parte e quatro na segunda, lembro-me de uma tarde de Inverno com sol, da minha camisola vermelha com o número 9 nas costas, patrocinada pela Fnac, e dos adeptos numa gritaria danada, muito por culpa dos milhares dos torcedores do Riachense. Sabe que o golo deles foi no último minuto e os adeptos festejaram como se fosse a decisão do Mundial? Aí, percebi a grandeza do Benfica. E também a do Bento, um senhor guarda-redes [e, curiosamente, júnior no Riachense]. Era ele que estava na baliza e foi a ele que eles [Tochinha, um jovem metalúrgico, futebolista nas horas vagas] marcaram. Também me recordo daquele esquerdino que veio do Portimonense, o Pacheco! Ele foi espectacular, baralhou toda a gente e ofereceu-me sei lá quantos golos. Cá fora, demorei mais de 30 minutos para sair do Estádio. Eram tantos pedidos de autógrafos! Só no dia seguinte é que percebi que o Benfica tinha batido o seu recorde na Taça [datado de Abril de 1949, com 13-1 ao Académico de Viseu]. E eu fiz parte dessa
história.” Os outros golos dessa tarde são de Direito (autogolo), Ademir (2), Pacheco (2), Lima, Garrido e Miranda.
RODOLFO dos Reis Ferreira 29 de Janeiro de 1954, Cedofeita POSIÇÃO: Médio CLUBES: FC Porto (1971-84) TÍTULOS: 4 (2 Campeonatos Portugueses e 2 Taças de Portugal)
No Restelo, um grupo de adeptos do Belenenses entra em fúria, depois do 0-0 com o Estoril. À falta de vitórias há cinco jogos, uns quantos sócios inconformados tentam agredir o treinador António Medeiros no parque de estacionamento. Indignada, a direcção do Belenenses demite-se enquanto os jogadores da craveira de Delgado, Alexandre Alhinho, Norton de Matos e Artur Jorge ameaçam com greve. “Se não demovermos a direcção, no jogo com o Feirense [o jogo seguinte do Belenenses em casa] terão de jogar com
os jumentos que arranjaram esta situação”, provoca Medeiros. Não é preciso recorrer aos jumentos, porque a direcção volta atrás e, afinal, não se dissolve. Mas o Belenenses passa uma semana desagradável, agravada pela tareia de 6-0 nas Antas, na jornada que se segue. Nessa goleada, o FC Porto joga sem o seu capitão Rodolfo pela primeira vez na época. E porquê? Porque enquanto os adeptos do Belenenses insultam António Medeiros no Restelo, o líder FC Porto ganha em Alvalade ao quinto classificado Sporting, por 3-2. Antes dos cinco golos, o árbitro setubalense Raul Nazaré expulsa dois jogadores aos 11 minutos. Precisamente o capitão portista Rodolfo, e o lateral direito sportinguista Artur Correia. Tudo começa com uma troca de empurrões entre Artur e Gomes. O árbitro tentou serenar os ânimos, mas... “Eu é que fui lá”, conta Rodolfo. “Como capitão, tentei acalmar os dois, mas o Sr. Nazaré estava cheio de medo e expulsou-nos ridícula e lamentavelmente.” A versão de Artur Correia é ligeiramente diferente. “Aquele Rodolfo... Só não lhe dei um murro naquele instante porque... sei lá porquê. Não calhou. Mas, acto contínuo, ele esticou-me a mão e saímos do relvado abraçados um ao outro e até fomos aplaudidos pelos adeptos.” Como castigo, Rodolfo e Artur são suspensos por dois jogos e só voltariam aos relvados na 24.ª jornada. Na época seguinte, dá-se o reencontro dos dois em Alvalade, e Rodolfo é novamente expulso. Agora a 11 minutos do fim, e com duplo amarelo. O jogo, esse, termina empatado a zero, com um penálti defendido por Torres a remate de Manuel Fernandes, lance que merece os mais variados comentários (irónicos, claro) de Pinto da Costa sobre o critério da nomeação dos árbitros. Nesse caso, é outro setubalense a apitar: Marques Pires.
ROGÉRIO Lantres de Carvalho (PIPI) 7 de Dezembro de 1922, Lisboa POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Chelas (1939-42), Benfica (42-47), Botafogo (47), Benfica (48-54) e Oriental (54-58) TÍTULOS: 10 (3 Campeonatos Nacionais, 6 Taças de Portugal e 1 Taça Latina)
Chamam-lhe Pipi pelo jeito elegante de vestir e andar sempre aprumado. Um dia, um alfaiate famoso convida-o para posar para umas fotografias e aparece na revista Flama, como estrela de Hollywood. Francisco Albino, inesquecível capitão, aproveita a deixa e dá-lhe a alcunha, que acompanha ainda Rogério, o goleador de serviço do Benfica nas seis finais da Taça de
Portugal (15 golos ainda é um recorde) e campeão da Taça Latina, em 1950. Pelo meio, uma aventura no Botafogo. “Para o Brasil, fui de avião. Quatro etapas em 21 horas: Lisboa, Dacar, Recife e Ilha do Governador. Para cá, a minha mulher pediu-me para ir de barco. Porque estava grávida do nosso filho e porque apanhara um susto numa das viagens de avião. Foram sete dias de viagem, com mar plano, céu azul e uma piscina no meio. E eu a apostar com os ingleses. Aquilo era actividade para aqui, para ali. Pingue-pongue e golfe de convés. Ainda ganhei dinheiro. Pelo meio, joguei futebol, claro.” Primeiro, a negociação. “Eles davam-me 5 mil cruzeiros de ordenado (6 mil escudos) mais 3500 por vitória (4200 escudos) em cada jogo. Eu disselhes que não queria assim, porque sabia lá se ia jogar, com a qualidade de jogadores do Botafogo. Eu queria 15 mil cruzeiros (18 mil escudos) mais um apartamento, a renda paga por eles e não queria os prémios de jogo. Eles aceitaram logo, só que não me arranjaram um apartamento, porque estava difícil em Copacabana. Levaram-nos, a mim e à minha mulher, a dar uma volta para escolhermos um hotel para viver temporariamente. Fomos parar ao Luxor, um hotel de luxo ao pé do Pão de Açúcar, mas eu não quis aí. Pelo luxo e pela zona. Pedi uma coisa mais modesta e no centro, em Copacabana. Continuámos a andar por ali fora até que vejo o Hostal Leme e fiquei ali, num quarto com varanda para a praia.” Depois, os treinos. “Eram como cá em Portugal, corrida e pontapés à baliza. Nessa última parte, era costume os guarda-redes atirarem-nos a bola. Lá, no Brasil, eles paravam a bola e só depois é que rematavam. Eu, como fazia cá em Portugal, rematava logo, de primeira. Das dez tentativas, acertei oito na baliza. No dia seguinte, os jornais já noticiavam que o craque português tinha marcado oito golos ao goleiro Ari.” Finalmente, os jogos. Pelo alvinegro, Rogério é vice-campeão carioca. Apenas participa em cinco jogos, todos com saldo positivo de vitória. Na estreia, com o Olaria, é dele o passe para o golo solitário de Heleno, “que fazia lembrar um José Águas ou um Jardel pelo sensacional jogo de cabeça”, lembra Pipi, o primeiro português a atravessar o Atlântico para jogar futebol.
ROMEU Fernando Fernandes da Silva 4 de Março de 1954, Vila Praia de Âncora POSIÇÃO: Médio CLUBES: Vitória de Guimarães (1972-75), Benfica (75-77), Vitória de Guimarães (77-79), FC Porto (79-83), Sporting (83-86), Salgueiros (86-87) e Amora (87-88) TÍTULOS: 3 (2 Campeonatos Nacionais e 1 Supertaça Portuguesa)
A carreira de Romeu dá um livro. Ou melhor, três. Um para cada grande da sua carreira: Benfica, FC Porto e Sporting. Se estendermos o leque, entra o Vitória (Guimarães), o seu quarto grande e o clube que lhe permite ir à Selecção nacional em Abril de 1974, lançado por José Maria Pedroto. No ano seguinte, o Benfica interessa-se por ele e a transferência realiza-se sem
entraves. Na Luz, a segunda e última época não lhe corre de feição porque o técnico inglês John Mortimore coloca-o a lateral esquerdo num determinado jogo no Restelo (vitória dos encarnados por 3-2) e nunca mais conta com ele na sua posição natural de médio centro. Como Romeu não fala inglês nem Mortimore sabe português, o impasse arrasta-se até ao final da época, quando o Benfica o devolve à casa de partida. Guimarães, pois está claro. Daí, Romeu só demora dois anos para saltar rumo ao FC Porto de Pedroto. O reencontro com o Zé do Boné é só o ponto de partida para um episódio que ainda hoje não lhe sai da cabeça, num misto de admiração e reverência. “Quando estava no FC Porto, houve aquele empate com o Sporting em 1980 [11 de Maio], nas Antas. Eles estavam a ganhar 1-0, quando o FC Porto foi beneficiado de uma grande penalidade. No banco de suplentes, o adjunto António Morais pediu-me para aproximar e ouvir Pedroto. Cheguei lá e ele alertou-me: ‘O Oliveira costuma marcar para o lado esquerdo e o melhor lado do Vaz, o guarda-redes do Sporting, é o direito. Vê lá se estás atento à recarga.’ Recebida a mensagem, corri do meio-campo até ao limite da grande área do Sporting e, quando Oliveira rematou para a esquerda, já eu ia em corrida, pelo que ganhei avanço aos demais opositores. O Vaz defendeu mesmo o penálti e tive êxito na recarga. Estava feito o 1-1, resultado com que acabou o jogo. O FC Porto estava na corrida pelo Tricampeonato, mas o campeão dessa época foi o Sporting. Mas essa cena com o Pedroto é espantosa e demonstra toda a cultura futebolística de um dos melhores treinadores portugueses de sempre. Se estivesse vivo e em condições de treinar, continuaria a ser um dos melhores, porque tinha um conhecimento do futebol em constante actualização.”
RUI Gil Soares dos BARROS 24 de Novembro de 1965, Paredes POSIÇÃO: Médio ofensivo CLUBES: Covilhã (1985-86), Varzim (86-87), FC Porto (87-88), Juventus (88-90), Mónaco (90-93), Marselha (93-94) e FC Porto (94-00) TÍTULOS: 19 (1 Taça Intercontinental, 1 Supertaça Europeia, 1 Taça UEFA, 6 Campeonatos Nacionais, 3 Taças de Portugal, 5 Supertaças Nacionais, 1 Taça de Itália e 1 Taça de França)
É júnior do FC Porto e os calções dos iniciados ficam-lhe grandes. Já como sénior, é motivo de chacota por parte dos dirigentes do Sp. Covilhã, a julgar pelos sorrisos amarelos e piadas sem graça: “Olha, o FC Porto enganou-se e mandou-nos um juvenil.” No ano seguinte, só se mantém no Varzim e não
faz parte do plantel portista que se sagraria campeão europeu porque é operado a uma úlcera nervosa. Também dele um jornalista holandês diz que “era impossível de travar, como Maradona [sim, o Diego], mas duas vezes mais rápido.” Iniciado, juvenil, sénior... O multifacetado de quem se fala é Rui Barros. Com 1,56 metros de altura, o piccolo Rui Barros é grande, um gigante. Quando chega às Antas, no Verão de 1987, para preencher a vaga de Futre, ganha qualquer coisa como 400 contos por mês. Um ano basta-lhe para ser eleito o melhor jogador português do ano, graças sobretudo a um jogo, em Amesterdão, o Ajax-FC Porto (0-1) da Supertaça europeia, em que parte a loiça toda, correndo por ele e por todos os outros, incluindo os do Ajax, espantando os jornalistas, ao ponto de o compararem a Maradona, e marcando o golo solitário. Mas é pela Selecção olímpica que Rui Barros atrai a atenção de Dino Zoff, então seleccionador italiano da categoria e futuro treinador da Juventus. O jogo em Lisboa, de qualificação para os Jogos de Seul 88, acaba 0-0 e Barros é eleito unanimemente o melhor em campo. No dia 22 de Julho de 1988, o português é apresentado em Turim, na Via Filadelfia, bloqueada por 5 mil adeptos da Juve, que o baptizam de Formiga Atómica. A transferência vale 630 mil contos para o FC Porto (o mesmo valor de Futre para o Atlético de Madrid, no ano anterior) e Rui Barros passa a ganhar 5 mil contos/mês, mais prémios de jogo e contratos de publicidade. Com esse dinheiro, aluga um apartamento de quatro assoalhadas em Turim por 250 contos/mês de renda para viver com os pais e com Luísa, namorada de infância. Também compra um Lancia Turbo de 16 válvulas e um Fiat Tipo, mais 1500 metros quadrados de terra, em Lordelo, sua terra natal. Na estreia, em Vicenza, para a Taça de Itália, a Juventus ganha 5-1, com três golos de Altobelli, todos a passe de Rui Barros. À medida que o tempo passa, a admiração pela Formiga Atómica cresce. Rui, esse, continua humilde e trabalhador. Em duas épocas, joga 95 vezes e marca 19 golos, incluindo cinco bis, um deles ao super-Milan de Sacchi (3-0 em Turim), que reabre o Campeonato, a favor do Nápoles de Maradona. O problema é a
visibilidade. Ou melhor, a falta dela. “Nem o vejo da bancada VIP. Nunca mais teremos jogadores tão pequenos no plantel”, desabafa Avvocato, que era nem mais nem menos do que Giovanni Agnelli, presidente da Juventus e filho do fundador da Fiat, um carro piccolo. E Rui abandona Itália.
Abdel Sattar SABRY Abdelmajid Mahmoud 19 de Junho de 1974, Cairo (Egipto) POSIÇÃO: Médio ofensivo CLUBES: Al-Mokawloon (1994-97), Tirol (97-99), PAOK (99), Benfica (00-01), Marítimo (02-03), Estrela da Amadora (03-04), ENPPI (04) e Geish (05-10)
Abdel Sattar Sabry já arrumou as botas. Literalmente. Aos 38 anos, o extremo egípcio é agora treinador adjunto do Geish, a equipa militar do Cairo onde passou as últimas cinco épocas até se reformar em Julho último. Quando ouve falar português, começa a rir-se descontroladamente, de nervoso miudinho. E de contentamento. Pelo meio, diz umas coisas. A maior parte delas imperceptíveis, e em inglês. Quando quer responder em
português, prende a respiração e começa a debitar palavras soltas, até que encontra uma frase sem precisar de ajuda. É assim Sabry, um dos primeiros jogadores a irritar Mourinho. Durante um Paços de Ferreira-Benfica, a 22 de Outubro de 2000. “A meio do jogo, Mourinho disse-me para calçar as botas porque ia entrar. Como estava muito frio, demorei algum tempo. Atei uma bota, esfreguei as mãos de frio e, quando ia calçar a outra bota, ele disse-me para ficar quieto. Já não valia a pena. Não percebi nada.” Ai não? Bem, então Mourinho explica tudo para não deixar dúvidas. “Sabry não pode ser o número 10 do Benfica. Em Paços de Ferreira demorou oito minutos a ajustar as caneleiras antes de entrar em campo. Frente ao Belenenses, tive de desviar o Miguel para o centro do terreno, pois o Sabry tinha perdido cinco bolas seguidas. Além do mais, o número de foras de jogo que lhe são assinalados é absurdo.” Sobre o futuro de Sabry no Benfica, Mourinho não quer alimentar polémicas: “Com o Farense [12 de Novembro de 2000], nem para o banco vai, mas não digo que comigo nunca mais jogue.” E por isso mesmo é que Mourinho fez o teste duas semanas depois, em Campo Maior, no dia 26 de Novembro, para a Taça de Portugal. Aí, Sabry ajusta as caneleiras rapidamente, aperta as botas sem esfregar as mãos (e o ar fresco do Alentejo?) e ainda marca o golo decisivo. Agora sim, está tudo bem. Puro engano. Uma semana depois, outra tempestade. “Num treino”, conta Sabry, “ele [Mourinho] dizia-me para passar a bola e eu fazia isso, mas ele passava-se e começava aos berros comigo. O Mozer [adjunto], mais simpático, pedia-me para ter calma. Eu não entendia o Mourinho. Os outros passavam a bola, eu fazia o mesmo e ouvia berros. Uma vez, mandou-me embora a meio do treino. Mourinho não tratava todos os jogadores da mesma maneira...” Sobretudo aqueles que demoram mais tempo do que o habitual a calçar as chuteiras.
José Carvalho SÉRIO 5 de Março de 1922, Lisboa POSIÇÃO: Guarda-redes CLUBES: Paço de Arcos (1942-44) e Belenenses (44-54) TÍTULOS: 1 (Campeonato Português)
Mil novecentos e quarenta e sete. A 14 de Dezembro, um acontecimento pára Madrid, Espanha e até Portugal. É a inauguração do estádio do Real Madrid, então designado Chamartín e eleito a maior maravilha do mundo (desportivo), antes da abertura do Maracanã, no Rio de Janeiro, em 1950. Para o efeito, o Madrid convida o Belenenses para a estreia. Com capacidade de 75 145 lugares, 27 645 sentados (7125 cobertos) e 47 500 de pé (apenas 2 mil cobertos) mais 197 lugares de honra, o Estádio Chamartín,
nome do bairro onde está erigido este monumento, abre ao público com pompa e circunstância, como a própria situação exige. O elevado preço dos bilhetes (15 pesetas, quando o habitual é dez num jogo da Liga espanhola) e a falta de entradas gratuitas para os sócios foi assunto que deu pano para mangas durante a semana, através de um curioso pingue-pongue entre jornais da época e a direcção do Real Madrid, mas a verdade é que o estádio enche. Para ver o Real Madrid. E também o Belenenses, que, afinal, se sagrara campeão português no ano anterior. É por isso que Santiago Bernabéu, lendário presidente do Real Madrid, convida os azuis do Restelo, que fazem uma viagem de Lisboa para Madrid no TGV da época: o Lusitânia Express, com partida do Rossio, na antevéspera do jogo. Sob a arbitragem do mui conceituado espanhol Pedro Escartín, que já apitara um clássico entre Benfica e FC Porto, o Madrid dá conta do recado, por 3-1, com golos de Barinaga (1-0 aos 15’), Duarte (1-1 aos 24’), Alonso (2-1 aos 59’) e novamente Alonso (3-1 aos 88’). O guarda-redes belenense Sério não esquece esse jogo. “Na nossa carreira”, desabafa o guarda-redes azul, “há momentos e momentos. Ganhei alguns títulos e perdi outros tantos. Mas esse jogo, que não contava para nada porque era um particular, está bem presente na minha memória. Tenho mais de 90 anos e a minha cabeça já não é o que era, mas, alto lá, que há dias inesquecíveis. Como esse. Se me perguntar quem marcou o primeiro golo já não sei [Barinaga], mas sei que foi um cabeceamento na pequena área, após um cruzamento da esquerda [Vidal]. Quando entrei na baliza para tirar de lá a bola, o barulho daquele público todo, dizem que 45 mil, era uma coisa impossível de ouvir. Eles manifestavam-se de uma forma como nunca tinha visto. Nunca tinha sentido aquilo, nem sequer entrado num estádio assim, lindíssimo e com tanta gente à pinha. Simplesmente não estava acostumado àquelas coisas. Nem eu nem os outros.”
António SIMÕES Costa 14 de Dezembro de 1943, Corroios POSIÇÃO: Extremo esquerdo CLUBES: Benfica (1961-75), Boston Minuteman (75), Estoril (75-76), Boston Minuteman (76), San José Earthquakes (76-77), União de Tomar (77-78) e Dallas Tornado (78) TÍTULOS: 16 (10 Campeonatos Portugueses, 5 Taças de Portugal e 1 Taça dos Campeões)
Rato Mickey. A alcunha de Simões assenta-lhe como uma luva, mas só aparece no fim da carreira, nos EUA, espécie de pré-reforma dourada dos melhores futebolistas do mundo, como Pelé, Cruijff, Eusébio e Beckenbauer. Antes dos “States”, o virtuoso extremo esquerdo dá voltas e
mais voltas à cabeça dos adversários, ao serviço do Benfica. O seu génio é reconhecido em todo o mundo, até na Argentina, onde o fortíssimo Boca Juniors lhe oferece um contrato milionário. O Benfica não o deixa sair. Pouco tempo depois, durante um treino, Simão exige a Romão Martins que lhe diga quando é que o clube paga os salários em atraso. O director responde com acidez, lamentando que os jogadores se preocupem tanto em receber tão depressa. No meio, aparece o treinador chileno Fernando Riera, a serenar os ânimos. O assunto não ficaria por aqui. Simões dá uma entrevista ao Século Ilustrado em que dá conta dos salários em dívida, o Benfica multa-o com um mês de suspensão. Em Janeiro de 1968, o Sporting aproveita este impasse para aliciar Simões e este pede ao Benfica a rescisão do contrato, alegando salários em atraso. A resposta dos dirigentes benfiquistas é um cheque de 62 500 escudos. Simões não se deixa enfeitiçar pelo gesto. Recusa. Mas continua a treinar-se na Luz e entrega a defesa do seu caso a um advogado chamado Jorge Sampaio. O impasse entre jogador e clube mantém-se até ao dia da assembleia-geral. O presidente Adolfo Vieira de Brito, o das duas Taças dos Campeões 1961 e 1962, afirma peremptoriamente que Simões lhe dissera que tudo ficaria resolvido a troco de 1500 contos. O extremo envia um telegrama aos sócios a desmentir. O presidente reafirma. E Jorge Sampaio reafirma a versão de Simões. Que confusão. Dois dias mais tarde, o assunto está arrumado porque Simões renova contrato com o Benfica, sobre a marquesa do posto clínico, com fotografia a documentar e tudo. No papel, diz-se o seguinte a favor do jogador: 350 contos por época, pagamento pelo clube do imposto profissional, estimado em cerca de 100 contos, mais um bónus de 150 contos, de que o futebolista necessitava para completar a aquisição de um prédio em Lisboa – e ainda salários e prémios calculados em cerca de 90 contos anuais. Com esta significativa melhoria de salário, Simões passa a ser o terceiro jogador mais bem pago do plantel, só atrás de Eusébio (550) e Jaime Graça (400). Mas capitão só há um, é Simões e mais nenhum. Líder de balneário e porta-voz
das reivindicações dos jogadores perante a direcção, o extremo leva a braçadeira até à saída (pacífica) da Luz, a 11 de Maio de 1975.
José de SOUSA CINTRA 26 de Outubro de 1944, Raposeira Presidente CLUBES: Sporting (1989-95)
Jorge Gonçalves é eleito presidente do Sporting em 1988 e apresenta “unhas” como reforços. Vêm Silas, Rodríguez, Eskilsson, Miguel, Carlos Manuel e até Rijkaard, que não chega a jogar oficialmente e é negociado para o Milan, com escala em Saragoça. Tudo dá para o torto na era do Bigodes e o Sporting vai novamente a eleições no ano seguinte. Sousa Cintra, o dono do império das águas Vidago e ex-ascensorista e vendedor de caracóis, candidata-se ao cargo e é o vencedor de uma quente noite eleitoral em Julho.
Com Cintra, é verdade que o Sporting continua sem ganhar nada, pelo menos durante seis anos até àquela Taça de Portugal em 1995 (2-0 ao Marítimo, com bis de Iordanov), mas os estádios enchem constantemente para ver a equipa, que oscila entre o mediano e o óptimo, com treinadores de renome (Marinho Peres, Bobby Robson e Carlos Queiroz) que apanham jogadores da formação (Figo e Paulo Torres) e reforços de craveira internacional (Balakov, Luisinho, Douglas, Valckx, Juskowiak, Cherbakov), sem esquecer a dupla benfiquista do Verão quente (Pacheco e Paulo Sousa). Nos três mandatos à frente do Sporting, as histórias de Sousa Cintra são mais que muitas. Afinal, estamos a falar do homem que diz, em tom de desabafo, que o engenheiro é do Benfica para justificar toda aquela trama à volta da pala no Estádio José Alvalade que enche diariamente as páginas dos jornais desportivos e generalistas. Além do futebol e das modalidades ditas amadoras, o Sporting tem mais uma fonte de receitas: os concertos em Alvalade. Que animam Lisboa e atraem mais turistas a Portugal. Com Sousa Cintra, é um ver-se-te-avias com incontáveis espectáculos de luz e cor com bandas internacionais. Michael Jackson, Bruce Springsteen, Metallica, U2, Genesis, Faith No More, Elton John, Tina Turner, Simple Minds, Prince, The Cult, Depeche Mode, Sting, Billy Idol, Bon Jovi, REM, Guns N’Roses e mais, mais e mais. Em Maio de 1992, é a vez dos Dire Straits. Na véspera do concerto, alguém pergunta a Sousa Cintra o que acha de Mark Knopfler (guitarrista/vocalista do grupo) e sai-lhe esta resposta desconcertante: “É um bom jogador, mas o plantel está fechado.”
Glenn Peter STRÖMBERG 5 de Janeiro de 1960, Gotemburgo (Suécia) POSIÇÃO: Médio CLUBES: IFK Gotemburgo (1976-83), Benfica (83-84) e Atalanta (84-92) TÍTULOS: 6 (2 Campeonatos Portugueses, 1 Taça de Portugal, 1 Taça UEFA, 1 Campeonato Sueco e 1 Taça da Suécia)
Se Obélix os conhecesse diria: “Estes suecos são loucos.” Tomas Brolin, figura do Euro 92, é dono de um bar-restaurante em Estocolmo chamado Undici (11, em italiano, número da sua camisola no Parma e na Selecção sueca), já oito vezes fechado por vender álcool a menores de idade. Jonas Thern, capitão da Suécia de 1990 a 1997, é gerente de um hotel em
Värnamo, cidade onde aprende tudo sobre futebol antes de fazer um mestrado no Benfica. Glenn Strömberg é uma mistura de Brolin e Thern: tem um negócio próprio e um passado relacionado com o Benfica. No tempo em que Glenn esteve em Lisboa, de Fevereiro de 1983 a Maio de 1984, suficiente para ganhar dois títulos de campeão nacional e uma Taça de Portugal, ainda não tinha sido inventado o trema por cima do “o” de Strömberg. Outros tempos. Recuemos então. Strömberg chega à Luz pela mão de Eriksson. É o primeiro nórdico no Benfica. Ninguém vai à bola com um alto e louro porque todos o vêem como tosco. Mas Strömberg dá a volta à cabeça dos adeptos benfiquistas e portugueses. Com talento, força e golos. No Verão de 1984, o presidente Fernando Martins desinveste no futebol com as saídas de Eriksson para o Roma, Chalana para o Bordéus e Strömberg para o Atalanta. É aí, em Bérgamo, que Strömberg ganha o trema no “o”, joga ao lado de um futuro benfiquista (Caniggia) e descobre o que fazer na reforma. “Nos primeiros tempos em Itália, estava em choque com a cultura deles. Antes dos treinos e dos jogos, eles [jogadores] comiam spaghetti e mais spaghetti. Aquilo eram pratadas de massa. Eu limitava-me a pedir risotto”, lembra Strömberg, que aos poucos se foi apaixonando pela comida italiana, ao ponto de ter aberto um negócio com a sua mulher Simona, e as três filhas, Erika, Ylenia e Giulia, em Bérgamo, onde ainda vive. A marca chama-se Glenn Strömberg Collection (GSC) e consiste em comida italiana, “a melhor do mundo”, para o médio sueco. Ele tem de tudo: pasta, azeitonas, azeite, pesto, vinagre balsâmico, molhos, pizzas congeladas, risottos congelados, carne seca, tomate seco, salame, presunto, queijo parmesão, gorgonzola, vinho, grappa (bagaço italiano) e sobremesas como tiramisu. E sabe do que fala. Já agora, e futebol? “Belos tempos no Benfica, com o dinamarquês Manniche, o Eriksson, que apostou em mim quando eu nem estava muito disposto a sair da Suécia, e aquela casa na magnífica vila de Cascais.” Não há desgostos, portanto? “Só aquele golo do Carlos Manuel à RFA. Tirou a Suécia do Mundial 86 e ainda hoje me pára a digestão quando penso nisso.”
Nesse Mundial, Portugal calhou no grupo F com Inglaterra, Polónia e Marrocos. Eram favas contadas... E isso não consta no menu de Strömberg.
António José de Oliveira Meireles (TIBI) 9 de Abril de 1951, Matosinhos POSIÇÃO: Guarda-redes CLUBES: Leixões (1969-72), FC Porto (72-77), Varzim (77-78), Famalicão (78-79), FC Porto (79-82), Leixões (82-83), Águeda (83-84), Mangualde (84-85) e Espinho (85-86) TÍTULOS: 1 (Taça de Portugal)
Há expressões que nos ficam no ouvido, como “este gajo é um cromo”. E os cromos são como os chapéus de Vasco Santana, no filme Canção de Lisboa: há muitos. A começar pelos da Panini, que ocupam o tempo de todos nós há anos e anos, com bolsos cheios de repetidos e estes presos por um elástico já gasto e sem a força de outrora, carteirinhas mal rasgadas no
meio da rua e dinheiro bem investido em todas as papelarias das redondezas. Voltando às expressões, há uma que já atravessa gerações e gerações: “Vai buscar, Tibi”. Mas porquê? E como? Tem a palavra Gomes Amaro, comentador de rádio. “Fui para o Brasil aos três anos e formei-me em Electrónica de Comunicações. Comecei a fazer rádio. Dava apoio logístico a uma rádio de São Paulo, onde vivia, que retransmitia os jogos do Campeonato português, até que um produtor me aliciou com uma proposta de transmitir os jogos em directo, desde Portugal, para a imensa colónia de portugueses em São Paulo. Como dizia a Toyota, vim para ficar.” Do Brasil, Gomes Amaro trouxe alguns jingles. “Que ainda hoje estão na cabeça de muita gente” e o “vai buscar” é um deles, como o “não adianta chorar” quando era um golo, a bola de couro quando se referia ao esférico, o guarda-balas que era o guarda-redes ou o barbante que era a rede. “Como fazia todos os jogos do FC Porto, em casa e fora, no Campeonato, na Taça e até nas competições europeias, o Tibi estava sempre na ponta da língua. Ora pelas defesas espectaculares que fazia, e recordo-me de uma exibição fabulosa que fez em Nápoles [2.ª eliminatória da Taça UEFA 1974/75], ou pelos golos que sofria, eu juntava sempre Tibi ao jingle do ‘vai buscar’. Assim ficava ‘vai buscar, Tibi’, embora dissesse ‘vai buscar’ a todos os guarda-redes que sofriam golos, mas o pobre do Tibi é que ficou marcado com essa história.” Do lado de Tibi, no hard feelings. Com argumentos inatacáveis. “Primeiro, esse ‘vai buscar, Tibi’ que ficou colado a mim é injusto, porque essa expressão nasceu na época 1972/73, quando fui o guarda-redes menos batido de Portugal, com 17 golos. Depois, porque sou muito amigo dele [Gomes Amaro]. Às vezes, vou ao programa dele no Porto Canal”, desabafa aquele que foi guarda-redes do FC Porto por seis épocas (1972 a 77 e 1980/81), com 117 golos sofridos em 129 jogos. Na equipa azul e branca, a ganhar 20 contos por mês, Tibi ganha uma Taça de Portugal e é internacional português em duas ocasiões, com estreia em 1974. Três-zero da Suíça. Três vezes “vai buscar, Tibi”. Na despedida, nada de jingles: 2-0 à Espanha, nas Antas.
António José Conceição Oliveira (TONI) 14 de Outubro de 1946, Mogofores POSIÇÃO: Médio CLUBES: Anadia (1962-65), Académica (65-68), Benfica (68-77), Las Vegas Quicksilver (77) e Benfica (77-81) TÍTULOS: 12 (8 campeonatos portugueses, 3 Taças de Portugal e 1 Supertaça portuguesa)
A história do Campeonato nacional tem mais heróis do que vilões. Cada clube, seja XXL ou S, tem os seus recordistas. No Benfica, é Eusébio o rei, com 11 títulos de campeão nacional. No Porto, Vítor Baía domina com dez, um a mais do que João Pinto. No Sporting, Azevedo e Canário dividem o topo da hierarquia, com sete. Mas não há ninguém como Toni, o homem
dos 14 títulos, oito como jogador (1969, 1971, 1972, 1973, 1975, 1976, 1977 e 1981), dois como treinador (1989 e 1994) e quatro como adjunto (1983, 1984, 1987 e 1991). Sempre pelo Benfica. A este currículo, Toni ainda soma oito Taças de Portugal, três como jogador, uma como treinador e quatro como adjunto, e uma Supertaça nacional, como jogador. Na Selecção portuguesa, 33 internacionalizações AA e um segundo lugar na Minicopa do Brasil 72, o grande feito de Portugal entre os Magriços 66 e o Euro 2000. Pelo meio, uma “perninha” nos Estados Unidos da América, em 1977, no Las Vegas Quicksilver, ao lado dos amigos Eusébio, Humberto Coelho e Diamantino. É a sua única experiência no estrangeiro. Como jogador, claro. Como treinador, Toni treina Zidane no Bordéus em 1994/95 e Suker no Sevilha em 1995/96, além da Selecção dos Emirados Árabes Unidos, dos chineses do Sheyang Jinde, dos egípcios Al Ahly, dos sauditas Al Ittifaq e Al Ittihad e dos emirados do Al-Sharjah. É um globetrotter. E, ao mesmo tempo, o craque saloio, essa alcunha que se lhe cola desde os primeiros tempos na Académica. A história contada pelo próprio. “Naquele tempo não havia equipas técnicas. Só treinadores. Eu ficava sempre a ajudar o capitão a treinar os guardaredes e dava-lhes a folha seca. Aqueles remates cortados com efeito de banana. Eles não gostavam nada disso. Ficavam lixados e diziam-me: ‘Olha-me este, armado em craque saloio, ó caraças.’ Naquele instante, o craque saloio era pela positiva, pela valorização da pessoa. Vinha de uma aldeia, sim [Mogofores], mas tinha subido na vida. Era esse o ponto de vista a reter. Mais tarde, o Mário Wilson começou a chamar-me o cavalão.” Pois bem, seja como craque saloio ou cavalão, a verdade é que Toni entra na história do futebol português. Como homem exemplar de generosidade e fair play que dificilmente encontra paralelo na muito diversificada tribo do futebol. Há até uma história a comprovar essa teoria. A 21 de Janeiro de 1979, durante um Benfica-FC Porto na Luz, para o Campeonato, Toni escorrega e derruba o brasileiro Marco Aurélio, que fractura a tíbia e o perónio. “Chorei imenso e pedi para ser substituído. Um dia negro. Mas o Sr. Pedroto, treinador do FC Porto, serenou-me os ânimos, levantou-me o moral, assim como outras pessoas ligadas ao Benfica e ao FC Porto. Até
cheguei a ir ao Porto para visitar o Marco Aurélio ao hospital. Mas hoje, se calhar, isso era impensável, porque há uma crispação muito forte.”
José António Barreto TRAVAÇOS 22 de Fevereiro de 1922, Lisboa POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Sporting (1946-58) TÍTULOS: 10 (8 Campeonatos Nacionais e 2 Taças de Portugal)
Nasce em 1922 na Quinta do Lumiar (onde estava erguida a bancada nova do antigo Estádio José Alvalade), como José Travaços. E morre em 2002 como Zé da Europa, por ter sido o primeiro português a jogar na Selecção da Europa. O que acontece em 13 de Agosto de 1955. O dia em que Portugal entra para a história do futebol internacional, antes dos Magriços, liderados por Eusébio, o fazerem no Mundial de 1966.
Disso mesmo dá conta um determinado jornalista inglês, que escreve: “Portugal não figura entre os seis primeiros países da Europa do futebol, mas possui um interior direito, Travaços, que vale 4 mil contos. Travaços, com um penteado impecável, é tão brilhante com os pés como o seu inalterável penteado de brilhantina.” E continua: “É injusto que não seja mencionado quando se fala dos grandes futebolistas mundiais, quando alguns dos que o são, em Portugal e no mundo, talvez não o mereçam tanto como ele.” Estamos em pleno Verão de 1955. De férias na Costa de Caparica, Travaços recebe um telegrama surpreendente e até aí inédito no futebol nacional a convocá-lo para a Selecção da Europa que, em Belfast, iria defrontar a Grã-Bretanha na festa do 75.º aniversário da Federação Irlandesa de Futebol. Com um pouco de jogging na praia e muita ansiedade pelo meio, Travaços prepara-se afincadamente para o tal jogo. Afinal, ele acabara a época 1954/55 há quase dois meses – a 12 de Junho, com a final da Taça de Portugal perdida para o Benfica (1-2) –, mas sem o fulgor de outros tempos, a avaliar pelo reduzido número de golos (seis) em 30 jogos. Aos 33 anos, Travaços, sempre penteado com brilhantina, já não é o mesmo de antigamente, mas o número 10 do Sporting é dele, e só dele. E assim continua na Irlanda do Norte. Para a história, aqui fica o 11 continental: Buffon (Itália); Gustavsson (Suécia) e Van Brandt (Bélgica); Ocwrik (Áustria), Jonquet (França) e Boskov (Jugoslávia); Sörensen (Dinamarca), Travaços (Portugal), Puskas (Hungria), Kopa (França) e Vincent (França). A jogar em casa, a Grã-Bretanha marca primeiro, mas a Selecção continental reage com brilhantismo (não confundir com brilhantina). O húngaro Puskas faz hat-trick, o último deles de penálti, e Travaços tem uma assistência para golo. Quando aterra em Lisboa, com uma multidão à sua espera no Aeroporto da Portela, Travaços é um homem novo, com uma alcunha nova. Passa a ser o Zé da Europa e assim o é até acabar a carreira, em 1959, com 122 golos em 312 jogos no Sporting, acumulando oito Campeonatos nacionais, três Taças de Portugal e um Regional de Lisboa, mais 35 internacionalizações
pela Selecção. O número 10 desse jogo em Belfast ainda hoje é uma das atracções do museu do Sporting.
António Augusto da Silva VELOSO 31 de Janeiro de 1957, São João da Madeira POSIÇÃO: Defesa CLUBES: Sanjoanense (1974-78), Beira-Mar (78-80) e Benfica (80-95) TÍTULOS: 15 (7 Campeonatos Portugueses, 6 Taças de Portugal e 2 Supertaças Portuguesas)
Indiscutivelmente o último grande lateral direito do Benfica. Dono daquela faixa durante 15 épocas consecutivas, sete delas como capitão, nunca encontra um adversário que o ultrapasse por mais veloz que seja. Pode ser o nigeriano Amunike (Sporting), o rato atómico Rui Barros (FC Porto) ou o colombiano Asprilla (Parma). Todos, sem excepção, são enganados pela matreirice do número 2 benfiquista, um fenómeno sem igual – ou talvez
não, e é também aí que reside a curiosidade do futebol português desse tempo porque há um outro lateral direito com essas características a jogar no FC Porto, de seu nome João Pinto. Nascido e criado em São João da Madeira, Veloso larga o emprego numa fábrica de calçado, onde trabalha desde os 11 anos, e dedica-se de corpo e alma ao futebol, aos 16. Dos juniores do Sanjoanense passa para o BeiraMar, onde se mantém por quatro anos. Em 1980, com 23 anos, assina pelo Benfica, depois de ter sido contactado por Sporting e FC Porto. Na Selecção, é um dos convocados para o Euro 84 e até joga no primeiro jogo com a RFA. Já para o Mundial 86, é preterido por ter acusado positivo numa análise antidoping. Apesar de provar a sua inocência, é substituído à última hora por Bandeirinha. Daí para a frente, faz-se a história de um jogador útil e sempre reconhecido pelos adeptos. E nem aquele penálti falhado na final da Taça dos Campeões 88, com os holandeses do PSV Eindhoven, esfria essa relação. Sempre com um estilo calmo, Veloso abandona a carreira aos 38 anos, em 1995, arrastando consigo uma credibilidade ímpar e o recorde de jogos nas competições europeias (77), entretanto batido por Figo. A sua melhor história não se passa dentro de campo, mas sim no túnel de acesso aos balneários. Estamos em Outubro de 1990, no Estádio das Antas, e a Selecção nacional consegue a proeza de ganhar aos holandeses (mais uma vez...) de Rijkaard, Gullit e Van Basten, no apuramento para o Euro 92. Um a zero, golo de Rui Águas, a passe de Vítor Paneira. “Nesse dia”, lembra Veloso, “o Artur Jorge [seleccionador] desvia-me da direita para o centro da defesa com o intuito de encarregar-me de marcar o Van Basten. A verdade é que o jogo correu-me francamente bem e ele nem tocou na ‘chicha’. Há ali uma jogada em que ele caiu com o Venâncio [o outro central] e eu pisei-o sem querer. Pedi-lhe desculpa e cada um foi à sua vida. No final, já nos corredores para as cabinas, estava eu a festejar a vitória com o Oceano quando me tocaram nas costas, virei-me e levei um soco do Van Basten. Saltei logo para cima dele de pitons, o Oceano também se atirou a ele, cascámos-lhe forte e feio”.
VICENTE Lucas 24 de Setembro de 1935, Maputo (Moçambique) POSIÇÃO: Defesa CLUBES: 1.º Maio (1953-54), Belenenses (54-66) TÍTULOS: 1 (Taça de Portugal)
Ao longo da história da Selecção portuguesa, iniciada em 1921, a cidade de Lourenço Marques, hoje Maputo, dá 16 internacionais e quatro deles são irmãos: os Xavier (Carlos e Pedro) e os Lucas (Matateu e Vicente). Este último, a par do irmão, é um nome incontornável no panorama nacional e até mundial. Se não acredita, pergunte ao Pelé, uma autoridade neste assunto. É o Rei quem, volta e meia, fala de Vicente como “o melhor jogador que me marcou, porque nunca me tocou, quanto mais magoar”. E atenção que das 20 internacionalizações de Vicente, seis delas são com o
Brasil. Sempre com Pelé. Mas só a 21 de Abril de 1963 é que os dois travam um famoso duelo que catapulta o português para a fama. Falhado o objectivo da qualificação para o Euro 64, a Federação portuguesa organiza um particular com o Brasil, no Jamor. Numa tarde de sol esplendoroso, os recém-campeões mundiais (Gilmar, Djalma Santos, Mauro, Zito, Amarildo, Zagalo e Pelé) não só perdem como ainda se rendem à classe e alma lusitanas. Sobretudo a de José Augusto, autor do golo da vitória (1-0), e, claro, a de Vicente, que anula o Rei de forma simples mas eficaz, sem recorrer à falta nem a qualquer artimanha do género. Aliás, é um costume do defesa central do Belenenses jogar sempre limpo, razão pela qual até ganha um prémio fair play durante a carreira. Mais uma vez, Pelé entra em cena para elogiar o estilo de Vicente. “Vocês nem imaginam a quantidade de faltas que sofria sem o árbitro ver, sem que a bola estivesse sequer ao pé de mim. Era atacado de todas as maneiras e feitios. A esses defesas, eu chamava-lhes ‘faca na liga’, porque queriam-me parar a todo o custo e pareciam que jogavam com uma faca escondida nas meias. Ora, o Vicente nunca me fez mal algum. Lembro-me até de uma frase célebre dele antes desse jogo: ‘Joga o teu futebol que eu jogo o meu.’” Nesse particular do Jamor, em que Portugal ganha pela primeira vez ao Brasil, um enviado especial do jornal inglês Daily Mail escreveu que “Vicente eclipsou Pelé”, antes de fazer futurologia: “Portugal já tem equipa para o Mundial 66.” E não é que acertou? Melhor ainda: Em 1966, Portugal chegou ao terceiro lugar nesse Mundial de Inglaterra, depois de eliminar o Brasil na fase de grupos, no sexto e último jogo de Vicente com Pelé. Só que, dessa vez, não é ele quem o marca, e sim o sportinguista Morais, o do cantinho da final da Taça das Taças 64. Vicente joga sempre até aos quartos-de-final com a Coreia do Norte (5-3). Nesse jogo, fractura uma das mãos, o que o impossibilita de jogar as meiasfinais com a Inglaterra, na única derrota da Selecção nos seis jogos do Mundial. Na época seguinte (1966/67), Vicente, já com 31 anos, tem um acidente de viação, perto do Estádio do Restelo, perde a vista do lado direito e nunca mais joga futebol. Nem nunca mais desarma Pelé. Basta aquela vez para ficar na história.
VIRGÍLIO Marques Mendes 17 de Novembro de 1927, Entroncamento POSIÇÃO: Defesa CLUBES: FC Porto (1947-63) TÍTULOS: 4 (2 Campeonatos Nacionais e 2 Taças de Portugal)
Se alguém quiser desenhar o 11 ideal do FC Porto, vai demorar uns bons minutos a decidir-se na posição de lateral direito, entre Virgílio e João Pinto. Quer um quer outro, só jogam de azul e branco. Tanto um como outro fazem uma carreira exemplar na Selecção nacional. Ambos têm 16 épocas cada no FCP, onde se formam como jogadores e homens, com a braçadeira de capitão, e continuam ainda hoje a ser um espelho de fidelidade, em relação ao clube e até à própria cidade.
Benfiquista desde pequeno, Virgílio é recusado pelo clube lisboeta enquanto jogador do Ferroviário do Entroncamento e é no FC Porto que se instala de forma definitiva, em 1947. Primeiro como interior esquerdo, alcunhado de “novo Pinga”, na era do treinador Joseph Szabo, depois como defesa direito. É o argentino Alejandro Scopelli quem o faz recuar no campo. Nessa altura, já Virgílio é um jogador com pergaminhos no futebol internacional. Na estreia pela Selecção, em 1949, Portugal não aguenta o ritmo diabólico imposto pela Itália, sobretudo pelos três Ms (Menti, Maroso e Mazzola), sempre freneticamente apoiados pelos 60 mil espectadores. Na heróica resistência, destaca-se o portista Virgílio, que anula sem faltas o extremo esquerdo Carapelese e é alcunhado de Leão de Génova, cidade onde se realiza o particular de má memória para as nossas cores, como a pesada derrota (1-4) o confirma. Os ecos da fantástica exibição depressa chegam a Espanha e, alguns dias depois, o antigo defesa direito do FC Porto é assediado pelos dois grandes Barcelona e Real Madrid. Por amor à camisola, à cidade e ao país, Virgílio recusa o convite de ambos, dizendo-se muito bem no FCP, onde ainda não havia ganho nada. Isso só sucede em 1956, com Campeonato (a tal epopeia dos 24 jogos sem derrotas) e Taça (2-0 ao Torreense), mais 1958 (Taça, 1-0 ao Benfica) e 1959 (outro Campeonato, este sob o comando do feiticeiro húngaro Béla Guttmann). É no meio desta fartura de títulos que aparece outra equipa espanhola disposta a tudo para ter o defesa direito. É o Celta de Vigo, que lhe oferece 500 mil pesetas pela assinatura do contrato e um ordenado mensal de 15 mil pesetas – nas Antas, o salário de Virgílio é de 800 escudos! Mesmo assim, a resposta é um não. Para Virgílio, “trocar de camisola apenas por dinheiro, se não era violentar o coração e o clube, era, pelo menos, aceitar viver como um mercenário.” Ah, leão!
VÍTOR Manuel Martins BAÍA 15 de Outubro 1969, Afurada POSIÇÃO: Guarda-redes CLUBES: FC Porto (1988-96), Barcelona (96-98) e FC Porto (98-07) TÍTULOS: 29 (1 Liga dos Campeões, 1 Taça das Taças, 1 Taça UEFA, 1 Taça Intercontinental, 10 Campeonatos Portugueses, 5 Taças de Portugal, 7 Supertaças Nacionais, 1 Campeonato Espanhol, 1 Taça do Rei, 1 Supertaça Espanhola)
O polaco Mlynarczyk é o titular, Zé Beto o suplente. Mas Quinito – quiçá um dos treinadores portugueses mais especiais, tal é o seu reportório de frases históricas – não se deixa levar pela idade nem pela experiência e aposta no júnior Vítor Baía para fechar a baliza. À sua frente, o quarteto defensivo com João Pinto, Dito, N’Kongolo e Branco, um meio-campo com
Jaime Pacheco, André, Sousa e Bandeirinha, e uma dupla de ataque temível com Madjer e Rui Águas. É este o 11 do primeiro dia de Baía. No apito, Veiga Trigo. Acaba 1-1, com golos de Sousa (55’) e Germano (81’). Na jornada seguinte, com o Académico, em Viseu, já é Zé Beto a aposta de Quinito. De Baía, só haveríamos de voltar a ouvir falar em Fevereiro de 1989, já com Artur Jorge no banco e precisamente uma volta depois. Académico de Viseu, 5-0 nas Antas. Dos 14 jogos até ao fim do Campeonato, não sofre golos em 11. Se em 1989/90 Vítor Baía ganha o primeiro título da carreira – ou, se preferir, o primeiro dos dez campeonatos nacionais –, a sua época de afirmação é a seguinte, em 1990/91, quando junta a conquista da Taça de Portugal à estreia na Selecção nacional, promovida por Artur Jorge (sempre ele!), frente aos EUA. Nesse particular de 19 de Dezembro de 1990, na Maia, Baía, de apenas 21 anos, substitui o benfiquista Silvino ao intervalo e também assiste ao baptismo internacional dos Coutos (Fernando e Jorge). A partir daqui, e até 2002, assiste-se a um reinado absoluto de Baía na baliza, que marca presença em dois Europeus (1996 e 2000) e um Mundial (2002). Se este último não lhe corre de feição, sobretudo por ser o subcapitão de uma equipa totalmente esfrangalhada, sem honra nem glória, os dois primeiros dão-lhe uma enorme projecção internacional. Em 1996, nem o chapéu de Poborsky arrefece o interesse do Barcelona, que paga nove milhões de contos ao FC Porto pelo seu portero. A transacção é idealizada pelo treinador inglês Bobby Robson, que já o treinara nas Antas e impõe o nome de Baía no seu primeiro dia em Camp Nou, e conduzida por José Mourinho. É o adjunto quem interrompe as férias do jogador e da sua mulher Alexandra (à espera do segundo filho) no Hotel Montechoro Beach para lhe dar conta do real interesse dos catalães. A 4 de Julho, uma quinta-feira, Baía apanha um avião da TAP, juntamente com o pai, e aterra no Aeroporto El Prat. É, mais uma vez, Mourinho quem aparece nas notícias e dá o facto como consumado. “Agora que temos Baía, o Köpke [alemão do Estugarda] já não nos interessa, como é lógico. Entre a primeira escolha e a segunda, ficamos com a primeira!” Nessa noite, Baía assina por oito épocas, a troco de 250 mil contos/ano, mas só jogaria uma a
full-time. Com Robson, claro. E acrescenta mais três troféus ao seu enorme palmarés (Supertaça espanhola, Taça das Taças e Taça do Rei).
VÍTOR Manuel Ferreira BAPTISTA 18 de Outubro de 1948, Setúbal POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Vitória de Setúbal (1967-71), Benfica (71-78), Vitória de Setúbal (78-79), Boavista (79-80), San Jose Earthquakes (80), Amora (80-81), Montijo (81-82), U. Tomar (82-83), Monte Caparica (83-84) e Estrelas Faralhão (84-85) TÍTULOS: 6 (5 Campeonatos Portugueses e 1 Taça de Portugal)
O Rebelde ou Fúria de Viver são filmes que já passaram nas salas portuguesas. Vítor Baptista não entra em nenhum deles, mas seria um óptimo actor para o papel principal. Refilão (dizia constantemente ser o mais mal pago do plantel) e irreverente, contorna esses defeitos com a
classe dos predestinados e, com isso, ganha a simpatia do público e dos próprios companheiros. A 19 de Julho de 1971, o Benfica apresenta-o à comunicação social no Estádio da Luz, depois de o contratar ao V. Setúbal na transferência mais cara de sempre no futebol português: três mil contos (além de José Torres, Matine e Praia) a somar aos 750 contos de luvas por três anos e um salário mensal de oito contos. Num curioso exercício de auto-avaliação, Vítor Baptista diz-se o Maior. Assim, sem mais nem menos! Era de Setúbal, onde começa a trabalhar aos 13 anos numa mercearia e não só. “Eu fazia recados às prostitutas e apanhava moedas que os ‘camones’ atiravam para a água.” Aos 15, entra num torneio de futebol de sala e é o segundo melhor marcador, atrás de Quinito (mais tarde, treinador). Vai para o Vitória, onde faz história como vencedor da Taça de Portugal, com apenas 18 anos. Aos 22, marca 22 golos na 1.ª Divisão e os grandes de Lisboa caem-lhe em cima. Compromete-se verbalmente com o Sporting, mas só assina com o Benfica. E nem quis saber da concorrência de Nené, Eusébio, Artur Jorge e Jordão. Na estreia pelo Benfica, marca um golo... ao V. Setúbal. Seguem-se mais 61, num total de 150 jogos, até 1978. Mas o seu traço de exotismo não passava despercebido. Era um inadaptado. Um dia, conta Shéu, prende um cão ao poste de uma baliza, antes de um treino. Outro dia, conta toda a gente, marca um golo monumental ao Sporting – o seu último pelo Benfica. A bola chega-lhe pelo ar, ele pára-a no peito à entrada da área e dispara uma bomba indefensável ao ângulo. À obrigatória festa, segue-se um episódio caricato. Dá-se conta do desaparecimento do seu brinco da orelha esquerda, que havia custado “para cima de dez contos”, segundo ele, e impede o reinício do jogo para procurar, centímetro por centímetro, o objecto no relvado perante a risada geral. E só mais esta: Certa vez, antes de um jogo europeu em Moscovo, aparece vestido de calças de ganga no aeroporto da Portela, enquanto os restantes colegas do Benfica levam fatos e calças de fazenda. Pedem-lhe para mudar e ele recusa. Lá entra no avião, mas depois não quer jogar. Queixa-se de dores no peito ao sprintar. “Disse ao sr. Mortimore [treinador] que só jogaria se, no caso de agravar a lesão, o Benfica me pagasse o
ordenado total durante o período de inactividade”, justifica ele, o Maior. O Benfica recusa e Vítor nem para o banco vai. E só se livra de uma suspensão ad aeternum por intervenção do plantel, capitaneado por Toni, seu grande amigo. Estes lances marcam o seu estilo de ser diferente. Um James Dean à portuguesa.
Héctor Casimiro YAZALDE 29 de Maio de 1946, Avellaneda (Argentina) POSIÇÃO: Avançado CLUBES: Huracán (1965), Independiente (66-71), Sporting (71-75), Marselha (75-77) e Newell’s Old Boys (77-80) TÍTULOS: 4 (1 Campeonato Argentino, 1 Campeonato Português, 1 Taça de Portugal e 1 Taça de França)
Nascido num bairro pobre de Buenos Aires com mais sete irmãos, Chirola só quer ser médico e jogar futebol no Boca Juniors. Nunca cumpre esses sonhos mas, em alternativa, faz sonhar todos aqueles que o vêem jogar, que o elogiam constantemente pela capacidade de encaixe e extremo fair play
na hora das duras faltas dos adversários. Um, dois, três, quatro, cinco, seis. O Benfica estica-se no número de jogadores argentinos, mas todos juntos não conseguem marcar tantos golos (nem metade) como Chirola. Mas quem é este Chirola? Um, dois, três, quatro, cinco, seis... E golo! Hector Yazalde, ou Chirola, só demora seis minutos a encontrar o caminho da baliza para se estrear a marcar pelo Sporting, nos 4-1 ao Boavista, para o Campeonato nacional. É “defeito” de argentino, senão veja-se os casos de Caniggia (Benfica 1994/95) e Fandiño (FC Porto 1948/49), só para citar os grandes, que também marcam na estreia pelos respectivos clubes. Nesses quatro anos de leão ao peito, Yazalde pulveriza recordes, alguns inéditos (é o primeiro sportinguista a ganhar a Bota de Ouro, como melhor marcador da Europa em 1974, e primeiro jogador estrangeiro de uma equipa portuguesa a participar num Mundial, nesse mesmo ano), outros imbatíveis (46 golos num só Campeonato). À medida que os dias passam, o argentino vai ganhando o gosto pelo nosso país, pelo futebol português... e também pelo bacalhau. No primeiro almoço ao serviço do Sporting, antes de um jogo do Campeonato, rejeita o prato e é o treinador Fernando Vaz quem lhe sugere uma omeleta flambée como alternativa. Daí para a frente, Yazalde aceita o bacalhau desde que acompanhado com vinho tinto Porta dos Cavaleiros, um pormenor contado na primeira pessoa por Tomé, um dos seus companheiros de equipa. “Mas a melhor história é aquela do assalto ao seu carro, perto do Estádio José Alvalade. Partiram-lhe os vidros do BMW e roubaram-lhe o rádio. Uma semana depois, aparece no treino do Sporting um homem a vender um rádio, o rádio do Yazalde! Ele olhou para aquilo e disse-lhe: ‘Mas isso é meu.’ Julga que a situação lhe causou algum tipo de transtorno? Nada disso. Ele comprou o rádio com mil escudos. O Yazalde ficou então com dois rádios, porque entretanto já comprara outro, e o ladrão ainda ganhou mil escudos, que era dinheiro para a época.”
Dorival Knippel (YUSTRICH) 28 de Setembro de 1917, Corumbá (Brasil) Treinador CLUBES: Atlético Mineiro (1952-53), FC Porto (55-56 e 57-58), Vasco da Gama (59-60), Brasil (68), Flamengo (70-71), Cruzeiro (72), Corinthians (73-74), Cruzeiro (82) TÍTULOS: 2 (1 Campeonato Português e 1 Taça de Portugal)
Vem aí o Yustrich para o FC Porto, mas isso não aquece nem arrefece os rivais Benfica e Sporting. Estamos no Verão de 1955 e o sol está quente. Lá para os lados das Antas, até escalda. A cúpula portista ferve com o quarto lugar na 1.ª Divisão portuguesa, com 30 pontos, atrás de Benfica (39),
Belenenses (39) e Sporting (37). O presidente Cesário Bonito aterra em Belo Horizonte e contrata o treinador Dorival Yustrich. O brasileiro só assina contrato em condições especiais: 150 contos de luvas, 15 contos de ordenado mensal e a garantia de mais 100 contos se se sagrasse campeão nacional. Como se isso fosse pouco, Yustrich chega a Portugal com um reforço da sua autoria: o avançado Jaburu, que marcaria 29 golos em 28 jogos. É muito, mas a figura é Yustrich, que não gosta de jogadores com o cabelo comprido nem de fumadores. Para começar, afasta Carvalho e Porcel, dois jogadores emblemáticos do FC Porto. Homem complicado, Yustrich rapidamente gera antipatias dentro e fora do balneário. No final de Fevereiro de 1956, o FC Porto trava o Benfica, na Luz (1-1). Os jogadores recebem pelo empate 1500 escudos de prémio. Por proposta de Yustrich, aceite pelo presidente Cesário Bonito. No dia 24 de Março, o técnico brasileiro renova o contrato por mais um ano. Se o primeiro contrato é milionário, o que dizer deste? Quarenta contos por mês! Na altura, o prémio da lotaria da Páscoa era de 50. É aqui que tudo começa. Novo contrato assinado e o FC Porto rumo à história. Em Maio de 1956, com Yustrich ao leme, os portistas festejam a primeira dobradinha da sua história. Ao todo, na época 1955/56, são 31 jogos, com 23 vitórias, sete empates e uma única derrota (com o Sporting). Segue-se uma digressão na Venezuela, a troco de mil contos. Entre o empate com o Roma (1-1) e a derrota com o Vasco da Gama (0-3), estala a confusão na estrutura portista. Yustrich ameaça bater no presidente Cesário Bonito e no tesoureiro Zagalo de Lima. Em Caracas, Zagalo adia o pagamento dos tais 250 contos (150 de luvas e 100 pelo Campeonato nacional) por seis ou 12 meses. Yustrich agarra-o pelo colarinho e chamalhe cavalo. “Se fosses mais homem, atirava-te pela janela abaixo”, grita Homão, fora de si. O incidente é visto por todos. Às tentativas de agressão, Yustrich é ainda acusado de ficar com os 17 contos de bilheteira de um jogo de solteiros e casados entre jogadores do FC Porto, antes da digressão para a Venezuela. Já em Portugal, e com os jogadores de férias, Yustrich é
despedido. No aeroporto, desabafa: “O FC Porto triunfou e eu fui a semente.”
AGRADECIMENTOS Zé Antunes Rex Mondego Sky Spy Uchi Gouveia Zuca Berger