A rua vivenciada Experiências e visões sobre o espaço da rua
“Muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente. A gente muda o mundo na mudança da mente. E quando a mente muda a gente anda pra frente. E quando a gente manda ninguém manda na gente.” “Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura. Na mudança de postura a gente fica mais seguro, na mudança do presente a gente molda o futuro! Até quando você vai ficar levando porrada, até quando vai ficar sem fazer nada? Até quando você vai ficar de saco de pancada? Até quando você vai levando?”
UFRJ - FAU Antropologia e Arquitetura Prof(a) Maria Clara Amado Aluno: Pedro Henrique da Costa Lima Magalhães de Oliveira Turma: 2010-01 Data: 22/07/2010
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Sumário INTRODUÇÃO E MOTIVAÇÕES......................................................................................................................3 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................... 3 MOTIVAÇÕES E IDEAIS. ....................................................................................................................................... 3 METODOLOGIA ..................................................................................................................................................4 OBJETIVO ............................................................................................................................................................ 4 ARQUITETURA DO MÉTODO ................................................................................................................................. 4 PERGUNTAS ESCOLHIDAS: ................................................................................................................................... 4 1ª DIA DE ENTREVISTAS. .................................................................................................................................5 NOME: JOÃO ....................................................................................................................................................... 5 NOME: EDIMAR ................................................................................................................................................... 6 NOME: ÉDER ....................................................................................................................................................... 7 2ª DIA DE ENTREVISTAS. .................................................................................................................................8 NOME: LUIS EDUARDO ....................................................................................................................................... 8 NOME: JOÃO (NOME FICTÍCIO) ............................................................................................................................ 9 NOME:OTÁVIO .................................................................................................................................................. 10 NOME: ANTONIO ............................................................................................................................................... 10 NOME: FERNANDO FERNANDES ........................................................................................................................ 11 A “OBRA” PEQUENINOS DE JESUS” ...........................................................................................................12 ENTREVISTA COM ORGANIZADORES ......................................................................................................12 NOME: MARGOT COSTA LIMA NATAL .............................................................................................................. 12 NOME: WALDA CARAM .................................................................................................................................... 12 NOME: LAURA .................................................................................................................................................. 13 NOME: TEREZA – A RESPONSÁVEL PELO GRUPO ............................................................................................... 13 PALAVRAS CHAVE ..........................................................................................................................................14 CONCLUSÃO ......................................................................................................................................................14
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Introdução e motivações Introdução A rua pra mim sempre foi um espaço a se explorar. Desde minha infância, minha curiosidade e amor por espaços especialmente ricos, eram contrapostos as recomendações de cuidado e atenção inerentes ao estado de insegurança, desequilíbrio social e cultural aos quais as ruas da realidade urbana brasileira se encontram. A descoberta desses novos espaços e o reconhecimento dos quatro cantos das cidades onde morei e suas especificidades traziam-me um sentimento de apropriação do espaço, não no sentido possessivo da palavra, mas numa conotação de familiaridade, de interesse pelo espaço público. Hoje, refletindo sobre os habitantes da rua e a rua que temos hoje observo que se deflagra um embate entre o sociológico e o urbano, numa contradição de símbolos e estereótipos, entre os sem teto marginalizados pela sociedade do capital, os quais verdadeiramente ocupam a rua como seu território porém sendo completamente hostilizados, e os habitantes dos lotes urbanos, das casas e edifícios, defensores do saneamento e segurança urbana, os quais “zelam” distantes, de dentro de suas janelas protegidas por gradis, pelo território livre” que os oprime. Dentro deste contexto, perguntas ressoam insistentemente em minha cabeça: Será que o uso e o entendimento do espaço urbano não estariam do avesso? Dentro de uma sociedade trabalhista, onde se favorece o lucro e o acúmulo de bens, a ocupação nômade do território urbano não poderia ser apenas uma alternativa de vida, se conseguisse promover uma troca com a sociedade atual? Não poderia estar ai uma nova forma de produção de valores?
Motivações e ideais. Hoje e sempre vejo a rua como a grande fábrica de idéias, geradora de reflexões para a juventude, que tendo liberdade para ocupá-la e conviver com suas realidades crescerá muito mais forte e produtiva do que encerradas em realidades segregadoras, produzidas pelo nosso atual mercado imobiliário encarcerador. A inércia do pensamento econômico-social é a principal fonte da banalização das cidades. A rua passa a não ser mais da cidade, e sim de um imaginário elitista onde quem a ocupa não tem direito a ela, e quem teria direito a ela não se dá conta do quê ela representa.
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Metodologia Objetivo Fazer uma comparação entre pontos de vistas diferentes sobre a rua, e sobre o viver a rua.
Arquitetura do método Tais pontos de vista seriam abordados através de entrevistas feitas no espaço onde acontece a distribuição de café da manhã para a “população carente”, feita diariamente pela instituição Pequeninos de Jesus, uma “obra” da igreja católica localizada na Rua Real Grandeza, Botafogo, Rio de Janeiro e com seus organizadores. A abordagem limitava-se a revelar que a pesquisa relaciona a opinião de diferentes pessoas sobre sua visão da rua, para que as respostas não fossem tendenciosas. A ordem e a escolha das perguntas, tem por objetivo relacionar o estado de moradia atual da pessoa, com a Rua, abrindo para uma percepção temporal mais ampla onde ela relataria suas experiências, e o quê foi absorvido dentro delas, alinhavando suas impressões com a última pergunta, onde a pessoa deverá dizer algo, ou desenhar algo que faça referência direta em seu imaginário, podendo-se fechar um quadro de impressões, opiniões, sensações ou expectativas sobre a rua. Nas entrevistas, foi considerado importante colocar algumas características comportamentais observadas nos moradores de rua, antes das entrevistas no espaço do café, junto a características de seus estados físicos, condições de higiene e roupas, para que se pudesse capturar melhor a representatividade de suas pessoas.
Perguntas escolhidas: Nome, idade, em que bairro vive? Onde nasceu? Quanto tempo esta na Rua? O que a Rua significa pra você? O que a rua te traz de bom? E de ruim? Um símbolo que represente a rua pra você? Definições segundo Dicionário digital Houaiss 1.0 - 2009: Rua - substantivo feminino 1 via pública urbana, ger. ladeada de casas, prédios, muros ou jardins 4 Derivação: por extensão de sentido. logradouro público ou outro local, em uma cidade, povoação etc., ao ar livre ou não, desde que diferente do local de trabalho ou da residência Ex.: aos sábados, só volta da rua. pela madrugada Nômade - adjetivo de dois gêneros e substantivo de dois gêneros 1 que ou o que não tem habitação fixa, que vive permanentemente mudando de lugar, ger. em busca de novas pastagens para o gado, quando se esgota aquela em que estava (diz-se de indivíduo, povo, tribo etc.) [Os nômades não se dedicam à agricultura e freq. não respeitam fronteiras nacionais na sua busca por melhores pastagens.] 2 Derivação: por extensão de sentido. que ou aquele que não tem casa ou não se fixa muito tempo num lugar; vagabundo, vagamundo, errante
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1ª dia de entrevistas. Ainda não sabia o horário do café, passei às 8:30 pela frente do local e alguns moradores de rua já estavam na calçada, esperando o chamado para que adentrassem o local. Aproveitei o portão aberto e fui buscar alguém para falar sobre meu trabalho. O lugar de distribuição é uma casa com um pátio na frente, fica nos fundos de um estacionamento na própria Real Grandeza, e o acesso dos moradores se dá através de um corredor entre um muro que ladeia o estacionamento e a parede das casas vizinhas. Já dentro do lugar conheci o Sr. Reginaldo, que me encorajou a falar com os moradores e se pôs disponível para entrevistas. No pátio, haviam alguns moradores de rua espalhados, sentados, encostados na parede Falei com “Seu Reginaldo” no próprio local, queria que me vissem e escutassem sobre o trabalho, assim achei que naturalmente conseguiria notar, dos que ouvissem a conversa, quem estaria mais disposto a participar ou não. Então, não tão a vontade, principalmente por um receio de abordá-los da maneira errada, fiquei olhando em volta, buscando coragem e alguma abertura pra tentar uma aproximação, e enquanto observava as pessoas comendo, percebi que dois também me observavam de longe, um deles sentado e encostado na parede, comentava algo com o amigo, e outro de pé e com uma mochila encostada ao corpo, parecia querer conversar. Quando decidi ir em direção ao segundo o outro me chamou, perguntando se eu não teria uma camiseta pra dar, seu nome é João, me deu a oportunidade que precisava para começar a conversa.
Nome: João Onde nasceu: Rio de Janeiro Idade: 28 anos
Quanto tempo esta na Rua: Qual bairro vive: Botafogo
João me pareceu equilibrado e bem a vontade, o que quebrou grande parte de meus receios. Descobri que era amigo das pessoas que eu conhecia, o “grupo da esquina”, o qual dava uma ajuda de vez em quando. Falei que estava fazendo um trabalho sobre a rua e queria a opinião dele sobre o assunto, ele logo aceitou .
Respostas 1 – Onde você mora? Tem casa? Respondeu rápida de forma curta. “Vivo em Botafogo, na rua.”
2 – O que a Rua significa pra você? Iniciou falando que não sabia, que não significava nada, e depois desenvolveu: “Não queria estar na rua, vim pra rua porque roubei o computador da minha irmã pra comprar drogas, era viciado mas agora larguei, mas nas ruas tem muitas drogas e muitos problemas, não queria estar nessa situação.”
3- O que a rua te traz de bom? E de ruim? “Nada de bom, a gente tem dificuldade pra fazer tudo, na hora de dormir, a ventania leva tudo. A correria do dia a dia, pra tudo tem que ter dinheiro, quero tomar banho e não tem lugar, tenho que pagar um real no posto. O bagulho é doido!” E você fica o dia inteiro aqui em Botafogo? “Fico, mais tarde, umas 16:00 horas fico perto de um restaurante que da comida,ali na esquina. Aqui conheço mais pessoas, tenho mais amigos, aqui é melhor pra conseguir as coisas, tem mais ajuda.
6 Nesse momento Edimar entrou na conversa: “ Quem trata a gente pior aqui são os guardas municipais, eles não tem preparo pra tratar com as pessoas, tratam que nem lixo” Voltando para o João: “Eles são os piores inimigos dos moradores de Rua”
4 - Um símbolo que represente a rua pra você? “Não sei, quando você me pergunta isso eu nem sei o que dizer.”
No contexto Edimar era a segunda pessoa que me olhava a distância, buscava uma aproximação, e ainda no pátio, quando João pediu licença para buscar um “prestobarba” com um rapaz da casa, Edimar se ofereceu para ajudar na pesquisa, mas logo tivemos que sair porque seu Reginaldo precisava fechar o lugar. Continuamos a entrevista na calçada em frente, depois que acabei de questionar João.
Nome: Edimar Onde nasceu: Sambetiba (interior do RJ) Tempo esta na Rua: Idade: 44 anos Qual bairro vive: Botafogo, Flamengo, Centro, eu ando... Respostas 1 – Onde você mora? Tem casa? “Vivo na Rua, Botafogo, Flamengo, Centro, vivo andando por ai... Por que você anda? Por que não permanece em botafogo como João? Prefiro andar sozinho do que mal acompanhado, e também vou atrás de trabalho.
2 – O que a Rua significa pra você? “Significa moradia, minha vida, onde passo meus dias. Estou na rua desde meus 12 anos de idade, vou e volto pra casa. Tinha uma companheira que agora esta no Chile, ela trabalhava em casa de família. Tenho que esperar ela voltar porque acabei de perder todos os meus documentos, e ela tem minha certidão de nascimento.
Vocês moravam juntos? “Não, nessa época eu morava numa igreja, mas o tempo foi passando, falaram mal de mim lá e acabei saindo.
Você estava trabalhando? “Trabalhava na construção civil, olha a minha mão cheia de calos.”
3- O que a rua te traz de bom? E de ruim? No princípio muita coisa de ruim. Na rua aprendi a beber, a usar drogas, mas hoje já larguei.
E de bom? “Pude me conhecer mais e saber o que quero, quando tivesse que fazer escolhas dentro das situações.
4 - Um símbolo ou palavra que represente a rua pra você? “Minha Casa”
7 No contexto Éder era o amigo com quem João comentava algo, no pátio do café. Parece mais tímido que os outros e observador, em todas as entrevistas seguiu escutando, rindo e consentindo com algumas coisas discutidas. Quando terminei de entrevistar Edimar, só havia ele e mais um sentados no banco. Percebi que tinha ficado ali escutando, parecia que queria participar também, mas não se voluntariava como os outros, então resolvi entrevistá-lo.
Nome: Éder Onde nasceu: João Pessoa/PB Tempo esta na Rua: 6 meses na rua Idade: 25 anos Qual bairro vive: Copacabana Respostas 1 – Onde você mora? Tem casa? “Em Copa, na rua”
2 – O que a Rua significa pra você? “Fuga dos problemas que traz mais problemas ainda”
3- O que a rua te traz de bom? E de ruim? “Nada de bom. Fujo dos problemas pessoais e acabo caindo no problema das drogas. De ruim mesmo as drogas, muitas drogas e as falsas amizades. Você tem muitos amigos na rua? Tenho sim, muitos.
4 - Um símbolo ou palavra que represente a rua pra você? Liberdade Total.
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2ª dia de entrevistas. Fiquei acordando diversas vezes, vi que estava chovendo, fiquei na dúvida se iriam ao local buscar o café, continuei buscando a hora certa de chegar aos “Pequeninos de Jesus” e acabei acordando às 8:30, em cima da hora que imaginei. Catei minhas coisas e um guarda-chuva, cheguei na esquina bem na hora da abertura do portão, tinham mais pessoas que no dia anterior. Encontrei João, que chegou logo depois de mim, entramos juntos. Vi que antes de começarem a distribuição de comida eles estavam fazendo uma oração. Desde ai comecei a observá-los mais uma vez, estavam no local mais ou menos 50 pessoas, dos mais diversos tipos, idades e personalidades, preferi esperar alguns acabarem de comer e o pátio esvaziar mais um pouco. Logo um deles chegou até mim.
No contexto Luis Eduardo estava na fila, era alto e usava um óculos de grau da “Oakley”, era bem extrovertido, fazia brincadeiras com todos, cantava, de vez em quando olhava de canto de olho, sabia que eu estava ali pra fazer um trabalho, até que chegou e perguntou sobre o quê era, então começamos.
Nome: Luis Eduardo Onde nasceu: São Paulo Tempo esta na Rua: 1 semana Idade: 27 anos Qual bairro vive: Ipanema Respostas 1 – Em qual bairro você mora? To na pista, na rua, mas fico em Ipanema, coloca ai: Sou playboy de Ipanema…risos
2 – O que a Rua significa pra você? “Pô cara, essa pergunta ta muito vaga, o quê que a rua significa pra mim, Porra nenhuma, coloca ai: Porra nenhuma”
3- O que a rua te traz de bom? E de ruim? “De bom? Conhecimento, pessoas boas, aprendi muita coisa. Vou falar pra você, aprendi a falar inglês, um pouco de espanhol e ontem conheci uma coroa americana muito gostosa, gente boa! Já andei muito por ai, vim de São Paulo, trabalhava no Centro de Ciências da USP, era pra eu estar na USP, só não entrei lá porque marquei bobeira, mas já rodei muito, Bahia, Rio, Sul, Buenos Aires, tudo de graça. “
Pegando carona? É, e já falei pra esse cara aqui, vou conseguir R$40.000,00 em 6 meses.
Você trabalha? Trabalho na praia, vendo umas coisas lá, cato umas coisas pra vender, vivo achando dinheiro no lixo, uma vez achei uma carta, com um cordão e um anel de ouro. Ai vendo e da pra arrumar uma grana. A gente acha muita coisa no lixo.
E de ruim? “Más companhias, aprender a desviar das más companhias. Ai cara, se tem um livro ai?
4 - Um símbolo ou palavra que represente a rua pra você? Um Pássaro.
9 No contexto João era um senhor que se destacava dos outros, na mesma fila que todos, bem vestido, camisa, calça e sapatos sociais, óculos, um pouco maltratado, mas bem arrumado, conversava com outros dois falando bem articuladamente, ouvia-os e fazia-os rir. Me parecia claro que já tinha pertencido a uma classe econômica mais favorecida. Esperei acabar de conversar e fui ao encontro dele. Nome: João (Nome fictício) Onde nasceu: Rio de Janeiro Idade: “56 anos, com corpinho de 55”
Tempo esta na Rua: 5 meses Qual bairro vive: Centro
Respostas A partir daí resolve pular a primeira pergunta já que dentro das abordadas acima a primeira já é respondida. 2 – O que a Rua significa pra você? O quê a rua significa para mim? É difícil dizer, posso dizer que eu sou contra a tese de que a rua vicia, a rua não vicia, o quê vicia são as drogas, 99,9% dos moradores de rua se drogam , são viciados, e por isso não conseguem sair dessa situação. Existe a população flutuante claro, aqueles que vão e voltam, mas quem cai num vício não consegue alcançar uma regularidade a qual é necessária pra manter um emprego, mesmo os empregos que não exigem tanta intelectualidade. Arranjar emprego, ou dinheiro não é difícil, o difícil para quem é viciado é a regularidade, acaba gastando tudo em drogas. Já vi um ou dois que caíram na rua e saíram, conseguiram um emprego. Tem uns que achargam , achargar é o como eles chamam mendigar, contam que querem dinheiro para voltar pra Madureira, tudo mentira, pegam 50 centavos daqui, outro ali, com cinco reais você compra uma boa pedra de craque. Algumas drogas tem um tempo mais demorado para te derrubar, o álcool por exemplo, meu caso. Comecei a beber com 15 anos, cai a primeira vez com 45, tem outras que te derrubam em 4 anos, como a cocaína, outras em 3 meses, eu acho, como o craque. Ainda tem aqueles que mascaram o vício, porque subir o morro se você pode ir a farmácia, conhece o benzodiapezini? Pra que ficar com mal hálito, cheirando a álcool, tem velhinhas que compram isso na farmácia. Li numa reportagem que os jovens estão bebendo cada vez mais cedo, e em maior quantidade, agora eles só vão aproveitando, la pros 40, 50 anos eles vão sentir os efeitos, quando se verem sozinhos, quem eles abraçarão?
É, nessas horas difíceis que a coisa pega não é? A tristeza, a depressão? Não, o orgulho, você sempre acha que não precisa de ninguém, que vive sozinho no mundo, até o momento em que você briga, e não quer ajuda de ninguém. Ai que o álcool vai te fazer companhia.
3- O que a rua te traz de bom? E de ruim? “Ta sendo muito interessante, estou vendo a vida como ela realmente é. Afinal, dizem que o Brasil é uma suíça cercada por “baichelas”, antes eu morava na suíça, agora estou na baichela – e sorriu – já estive em outra situação, era de uma classe alta, mas tive uns problemas e cai aqui. Ta sendo uma experiência cultural bem interessante, conheci pessoas boas, agora estou enfrentando os problemas da vida mais de perto. De ruim, a falta de grana, o desconforto físico, o clima, o vento, ter de arrumar um papelão toda noite pra dormir.
4 - Um símbolo ou palavra que represente a rua pra você? Drogas, como dizem na rua, as “Drogas de são”, vem da palavra “drogation” em inglês.
10 No contexto Depois de conversar com João, percebi que não havia mais ninguém no pátio, todos haviam entrado fazer uma oração com as pessoas da “obra”, fiquei esperando em torno de uns 10 min, até que todos saíram. A comida foi redistribuída e a fila se fez mais uma vez. Um rapaz que me parecia interessado mas ainda tímido chegou sorrindo perto de mim, não falou nada, estava com um amigo, quando o amigo saiu fui até ele. Nome:Otávio Onde nasceu: São Paulo Idade: 42 anos
Tempo esta na Rua: 20, 22 anos(não sabe ao certo Qual bairro vive: Botafogo
Respostas 2 – O que a Rua significa pra você? “Ah, a rua é inútil, não serve pra nada”
3- O que a rua te traz de bom? E de ruim? “Nada de bom. De ruim, muitas coisas de ruim, mas a gente não pode se entregar né?
4 - Um símbolo ou palavra que represente a rua pra você? Dificuldade OBS: Veio de São Paulo com 12 anos, perdeu os pais lá.
No contexto Observei que um senhor magrinho, cabisbaixo, estava terminando de beber água, ele tinha observado todas as entrevistas de longe, e parecia que algo lhe impedia de falar. Quando perguntei se gostaria de participar falou que não sabia de muita coisa e que poderia até atrapalhar se tentasse. Falei que seria impossível atrapalhar, que só faria umas perguntas e ele responderia o que quisesse, e eu só anotaria as respostas. Então ele pensou durante um tempo e aceitou. Começamos:
Nome: Antonio Onde nasceu: Espírito Santo Idade: 66 anos
Tempo esta na Rua: 20 anos Qual bairro vive: Anda por diversos bairros.
Respostas 2 – O que a Rua significa pra você? Tudo, a rua é minha vida, onde eu moro.
3- O que a rua te traz de bom? E de ruim? “Nada de ruim. De bom, ela traz o quê a gente precisa, o café, a comida, se você souber viver dela não tem nada de ruim. Eu vivo dela, não posso falar nada de ruim.”
4 - Um símbolo ou palavra que represente a rua pra você? “Cotidiano”
11 No contexto A última pessoa a ficar no espaço foi Fernando, no início fiquei na dúvida se também era morador de rua, ou não. Estava com um casaco de mangas longas azul, e boné, sempre conversando com as pessoas que organizam o café, ajudando-as. Quando perguntei se poderia pedir a opinião dele, falou que já tinha dado entrevistas antes pra Globo, pra Record, e que ajudaria no que fosse preciso.
Nome: Fernando Fernandes Onde nasceu: Rio de Janeiro Idade: 48 anos
Tempo esta na Rua: 4 anos Qual bairro vive: Anda por diversos bairros.
Respostas 2 – O que a Rua significa pra você? Significa a vida, o cotidiano, a correria do trabalho. Você trabalha? Sou formado em contabilidade, mas não trabalho no ramo a muito tempo. Já trabalhei de jardineiro, pedreiro, segurança de piscina, pintor, as vezes cato umas paradas pra vender, latinha, vou me virando. Cai na rua por causa de uns problemas com dívidas, não pagar uns impostos, problemas com o governo, já morei no Grajaú.
3- O que a rua te traz de bom? E de ruim? “De bom a experiência do cotidiano. As amizades, saber escolher as boas amizades. De ruim, a gente fica muito exposto a vida, você fica mais perto das coisas acontecendo, tanto as boas quanto as ruins. ”
4 - Um símbolo ou palavra que represente a rua pra você? “Minha vida. A vida é uma escola. Hoje em dia a gente tem que saber escolher o caminho certo”
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A “obra” Pequeninos de Jesus” A “obra” Pequeninos de Jesus é organizado por um grupo cristão, católico, de freqüentadores da Igreja de N. Sra. De Copacabana, o qual objetiva dar auxílio aos “irmãos carentes” através de um café da manhã que contém um copo de café com leite, e Nescau, junto de um pão, com direito a repeteco. Esse grupo de pessoas se divide em subgrupos, cada um responsável por uma parte da semana. Essa distribuição é feita numa casa nos fundos do terreno de um estacionamento localizado na real grandeza, quase esquina com a Rua Mena Barreto, todos os dias a partir das 8:30, 9:00 da manhã.
Entrevista com organizadores Nome: Margot Costa Lima Natal Onde nasceu: Florianópolis Idade: 77 anos Qual bairro vive: Tijuca Respostas 2 – O quê a rua significa pra você? Jesus Flagelado pedindo socorro. É o lugar de passagem, o lugar que a gente transita. A passagem da vida. 3- O que a rua te traz de bom? E de ruim? De ruim, assaltantes, acidentes, mas nunca fui assaltada. Uma vez levei um tombo quando fui atropelada por uma bicicleta. A rua é o lugar onde a gente se expõe. De bom, é ela que nos leva até nosso trabalho, onde encontramos amigos, onde vamos a igreja, a “obra”.
4 - Um símbolo ou palavra que represente a rua pra você? Sinal de trânsito – Siga/Pare
Nome: Walda Caram Onde nasceu: Salvador/BA Idade: 71 anos Respostas
Qual bairro vive: Botafogo
2 – O quê a rua significa pra você? Gosto muito de andar na rua, me sinto em paz, me distrai. Gosto de ver a moda, sempre fui “rueira”. 3- O que a rua te traz de bom? E de ruim? Só trouxe coisas boas, na rua encontrei meu marido, tenho mais de 50 anos de casado com eke. Quando estou triste, passo caminhando pela casa e chego em paz em casa.
4 - Um símbolo ou palavra que represente a rua pra você? Transeunte
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Nome: Laura Onde nasceu: Carioca Idade: 69 anos (é a mais nova)
Qual bairro vive: Copacabana, morava na Zona Norte
2 – O quê a rua significa pra você? Movimento, uma pracinha linda, onde os garotos ficam se divertindo, tem bares. Meu bairro é ma benção, fui morar nele pela praia. Gosto muito de ver as belezas que deus colocou no mundo, as pessoas andando, crianças brincando, as “velhinhas jovens”. Antes não gostava dos moradores de rua, só comecei a gostar depois de começar a trabalhar com eles. 3- O que a rua te traz de bom? E de ruim? De bom. Tenho uma doença que me deu a benção de me fazer andar, tenho problemas de circulação. Adoro subir, descer a rua, poder andar, ando quilômetros, a rua onde moro me dá tudo que preciso.
4 - Um símbolo ou palavra que represente a rua pra você? Uma pracinha belíssima, as crianças brincando, os velhinhos andando.
Nome: Tereza – A responsável pelo grupo Onde nasceu: Carioca Idade: 73 anos Qual bairro vive: Copacabana 2 – O quê a rua significa pra você? O caminho da vida. 3- O que a rua te traz de bom? E de ruim? De bom trouxe, alegria. Fico alegre quando vou a rua, um esta cantando, o outro fazendo palhaçada, as pessoas conversando, passeando com cachorros. Fico triste quando vejo os irmãos nas calçadas.
E na sua juventude? Vou ser bem sincera com você, para mim sempre foi um caminho, de idas e vindas do colégio, e etc... 4 - Um símbolo ou palavra que represente a rua pra você? Lazer. A gente vê tanta coisa engraçada na rua.
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Palavras Chave Respostas a última pergunta: Moradores de Rua: “Não sei, quando você me pergunta isso eu nem sei o que dizer.” “Minha Casa” “ Liberdade Total.” “Um Pássaro.” “Drogas, como dizem na rua, as “Drogas de são”, vem da palavra “drogation” em inglês.” “Dificuldade” “Cotidiano” “Minha vida. A vida é uma escola. Hoje em dia a gente tem que saber escolher o caminho certo” Organizadores Pequeninos de Jesus: “Sinal de trânsito – Siga/Pare” “Transeunte” “Uma pracinha belíssima, as crianças brincando, os velhinhos andando.” “Lazer. A gente vê tanta coisa engraçada na rua.”
Conclusão A escolha da primeira e da ultima pergunta, e delas ficarem nesta ordem realmente possibilitou uma exploração mais vasta sobre os entrevistados. Percebi que deveria procurar minhas respostas perguntando aquilo que eles queriam responder, compartilhar, e não perguntá-las diretamente, e isso foi muito válido. Nas entrevistas pude perceber a quantidade de variáveis que estão imersas na conjuntura de morar na rua, que variam de perder os pais com 12 anos, ao vício por drogas banais, legais, oferecidas em todas as esquinas. Pude perceber que a situação de morador de rua tinha várias causas e origens diversas, mas a experiência e a maneira que viam essa situação e principalmente a rua estão intrinsecamente ligadas a personalidade de cada um, assim como a maneira que encaram suas situações, sua “filosofia de vida”. Nesse ponto, a visão da rua torna-se muitas vezes contrastante, uma mistura de sentimentos de apreço por possibilidades principalmente ligadas a liberdade de decisões junto a insegurança do dia a dia, de uma situação não prevista pelo sistema atual,e reprimida por ele, uma situação “irregular” de vida, ou alternativa para os outsiders, porém cheia de experiências. A principal marca deixada pelas diversas respostas dadas pelos moradores de rua principalmente, esta na impressionante e real possibilidade de um caminho alternativo de vida, mesmo dentro de todas as dificuldades, mesmo as vezes não sendo por escolha da pessoa, mesmo com todos os perigos encontrados nesse caminho como as drogas. Em todas as entrevistas sem exceção, a experiência colhida pela vivencia de um cotidiano dentro de um espaço livre, aberto aos percalços da vida é impressionantemente marcante, estava em cada rosto, no modo de falar e na segurança ou insegurança de cada olhar. Conversando com as organizadoras da obra, também pude perceber um certo fascínio pela rua, porém com maior distanciamento de algumas. Em todos os depoimentos a palavra passagem foi citada pelo menos uma vez, e nota-se o interesse por participar ou ao menos observar e divertir-se com a possibilidade de interação social que o espaço proporciona. Em algumas, o medo do perigo que a rua representa aparece bem evidente, em outras o encantamento pelo andar, e por vivenciar o espaço sobrepõe esses sentimentos, tornando-os parte do cotidiano, porém sendo a parte que menos importa. É importante observar a diferença encontrada na maturidade ideológica das Senhoras do pequeninos de Jesus, contraposta a maturidade da experiência vivida pelos moradores de rua. Neles, quase não se percebeu receios ao tratar dos assuntos abordados, enquanto na visão das senhoras, a rua quase sempre
15 aparece com um misticismo, principalmente quando se trata de viver na rua, observou-se cuidado na escolha das palavras. Pode-se dizer então que independente da origem, ou situação econômico-social dos indivíduos, uma visão de experiência relacionada a interação social esta presente no imaginário coletivo sobre a rua. Observou-se que a proximidade e intensidade das relações do cotidiano que são colocadas a prova no espaço público, é evidenciada na personalidade dos moradores de rua, mesmo, que grande parte dessas experiências estejam relacionadas à diversas dificuldades do viver na rua. Se considerarmos a própria definição dada pelo Dicionário da Língua Portuguesa, Houaiss – 2009, podemos perceber que a rua esta caracterizada como um espaço hostil e distante, cercada por muros, jardins e etc, ou em outra definição como sendo um espaço público “diferente do local do trabalho, ou da residência”. A própria definição de nômade muda, partindo hoje em dia para um uso talvez pejorativo da palavra. Por fim, é importante perceber que apesar do quadro de dificuldades encontradas na rua, e a marginalização social que essas pessoas sofrem, o valor da rua traduzido no interesse gerado por ela, por suas experiências e vivências, permeia todas as histórias relatadas no trabalho, pontuando um foco de reflexão dinâmico e contraditório que ressalta o caráter dúbio da maioria das opiniões onde se observava sempre uma rejeição junto a uma curiosidade, ou encantamento pelo assunto, demonstrando mais uma vez que o uso e a ocupação atualmente vigente sobre a rua contemporânea pode estar em “check”, despertando mais ainda minha curiosidade inicial e aquecendo o debate sobre o entendimento atual sobre o espaço urbano público, assim como maneiras alternativas de uso e ocupação do território, elaboração de novos tipos de equipamentos urbanos dentro de um novo contexto de produção de valores.