Foi-se uma vez um menino Lucas, igualzinho tantos meninos soltos pelo mundo, desses que se vĂŞ por aĂ, sem eira nem beira, e sem bicicleta.
Mas o menino Lucas tinha um sonho antigo, mais antigo que o mundo (todo menino, se for menino de verdade, tem guardado um sonho assim, n達o se espantem)...
Trabalhar no Circo, seguir viagem pelo mundo, como trapezista, mĂĄgico, homem-bala, voando com o estrondo do canhĂŁo.
Como aquele famoso Palhaço Furacão, homem célebre no mundo dos palhaços (era quase uma lenda, havia quem duvidasse que ele existia de verdade, mais parecia um deus, coisa do outro mundo, um espetáculo).
Um dia, o Circo aportou na cidade. Menino Lucas ficou que não dormia mais, perdeu o apetite, fez que fez até conseguir um ingresso para ir ver com os próprios olhos. Não era mais aquele Circo de dantes, lustroso, gigante como a montanha de lamparinas vermelhas e bandeirinhas azuis. Mais cirquinho, minguando minguando (tempos outros, ninguém se interessava mais por coisas assim, esse Circo então... Melhor nem ir, diziam).
Mas o menino n達o sossegava. Foi e foi mesmo. Dissessem que dissessem. Entrou.
Era só ele. Cirquinho quase vazio. No meio do picadeiro, um palhaço solitário tentava de tudo: cuspia fogo, montava em avestruz raivoso, tirava piolho do leão, e nada, nada do respeitável público se animar.
Mas os olhos do menino Lucas faiscavam de alegria. Um carnaval naqueles dois olhinhos. Espreitava espreitava. O palhaço percebeu tudo. Não podia perder. Era sua chance de arranjar um voluntário para a próxima atração.
- Você, menino, quer ser voluntário pro Grande Número? - Eu? Era com ele mesmo. Olhou prum lado e pro outro e era ele mesminho (outro menino no cirquinho não tinha, paciência). - O que está esperando, gurizinho medroso? Foi correndo. Nem esperou. Num segundo, já estava lá, no meio do picadeiro.
O menino Lucas tremia todo. Nem sabia se era de medo ou de alegria. Tremia dos pés à cabeça.
- Senhoras e senhores, vamos tentar algo do outro mundo. A maior atração do Circo. Apertem os cintos. O rapazinho tem coragem? Quer ser nosso voluntário mesmo? O número é muito perigoso. Muitos foram e não voltaram. Pense bem, garoto!
O menino pensou pensou. Dois mais dois sĂŁo quatro, menos trĂŞs, um carrapato...
Ah, mas que dúvida terrível! Aquilo era muito prum menino assim, sem bicicleta. O palhaço já ia perdendo as esperanças: - Nenhum voluntário? Eu me demito, este Circo está definitivamente falido!
Mas o menino Lucas respirou fundo e fez que sim. Palhaço sorriu de alegria: - Um voluntário de carne e osso? Finalmente! Então, vamos lá... Senhoras e senhores, se segurem firmes... Música, Maestro!
Quando acenderam as luzes, o público aplaudiu. O palhaço continuava o show. Mas o menino Lucas não estava mais lá, havia evaporado, feito nuvem. Não voltou. Alguns contam que foi um truque velho, outros que foi feitiçaria. Mas verdade mesmo é que o menino Lucas ninguém mais viu. Ponto.
Anos depois, aparecia um palhaço famosíssimo, algo do outro mundo. O Circo cheiinho de novo, como nos velhos tempos. Um novo palhaço fazia a alegria da meninada. Ninguém sabia seu nome verdadeiro. (Era um segredo. Guardado a sete chaves e que infelizmente não poderemos revelar para vocês. Um segredo de menino Lucas).
Novos tempos. Novos ares. E assim, o bom velho Furacão bem podia suspirar aliviado, pois alguém podia seguir a sua missão.
- Ufa... Até que enfim... Finalmente eu vou poder me aposentar! Lá ia pensando o velho palhaço, enquanto pegava um barquinho e navegava em direção aos mares do Sul...
Porque o espetáculo não podia parar. E não pôde mesmo. Continuou. Pra sempre. Até outro menino, outra história...
FIM