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Apêndice A Produção Bibliográfica Pedro Nunes Filho |Universidade Federal da Paraíba
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Capítulos de Livros Artigos Pedro Nunes Filho |Universidade Federal da Paraíba
PRINCIPAIS CAPÍTULOS DE LIVROS E ARTIGOS PRODUÇÃO ACADÊMICA NUNES, Pedro. Terceiro ciclo de cinema na Paraíba: tradição e rupturas. In: AMORIM, Lara; FALCONE, Fernando. (Org.). Cinema e memória: o super-8 na Paraíba nos anos 1970 e 1980. João Pessoa: Editora da UFPB, 2013. p. 56-84.| ISBN 978-85-237-0769-9 (Versão impressa e Eletrônica) NUNES, Pedro. JOMARD MUNIZ DE BRITTO: Um livre pensador a serviço do cinema e da cultura. In: AMORIM, Lara; FALCONE, Fernando. (Org.). Cinema e memória: o super-8 na Paraíba nos anos 1970 e 1980. João Pessoa: Editora da UFPB, 2013. p. 134149. | ISBN 978-85-237-0769-9 (Versão eletrônica) NUNES, Pedro. Verbete. In: MELO, José Marques de et. al. História do Pensamento Comunicacional Alagoano. Maceió: EDUFAL, 2013. p. 234-236. NUNES, Pedro. As complexidades da sexualidade em diferentes contextos das mídias audiovisuais. In: NUNES, Pedro. (Org.). Audiovisualidades, Desejo & Sexualidades. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2012. p. 13-26.| ISBN 978-85-7745-836-6 NUNES, Pedro; PINHEIRO, Elton Bruno. Dimensões da Poética Fílmica em C.R.A.Z.Y.: Família, Juventude e Conflitos da sexualidade. In: NUNES, Pedro. (Org.). Audiovisualidades, Desejo & Sexualidades. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2012. p. 145- 186. | ISBN 978-85-7745-836-6 NUNES, Pedro; BARBOSA, Afonso. Jogos de sedução: estética fílmica, juventude e os labirintos da sexualidade. In: Nunes, Pedro; Rabay, Gloria. (Org.). Matizes da Sexualidade no Cinema. João Pessoa: EDUPB, 2012, v. 01, p. 54-77. NUNES FILHO, Pedro. Estéticas fluidas e reconfigurações interativas em ambientes jornalísticos digitais. In: FERNANDES, José David Campos; NETO, Antônio Fausto. (Org.). Interfaces jornalísticas: ambientes, tecnologias e linguagens. João Pessoa: Editora da UFPB, 2011. p. 35-55. | ISBN 978-85-7745-836-3 NUNES, Pedro. Filmes sobre sexualidade. In: Revista CineNordeste. Ano 1. n.2. João Pessoa: Academia Paraibana de Cinema, 2010. p. 40-45. NUNES, Pedro; ALVES, Kellyanne Carvalho; FEITOSA, Deisy Fernanda. Conceitos de interatividades e aplicabilidades na TV digital. In: NUNES, Pedro. (Org.). Mídias digitais & interatividade. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2009. p. 133-156. | ISBN 978-85-7745-334-4 NUNES, Pedro; ALVES, Kellyanne Carvalho; FEITOSA, Deisy Fernanda. Conceitos de interatividades e aplicabilidades na TV digital. In: NUNES, Pedro. (Org.). Biblioteca on line de Ciências da Comunicação. Portugal: LabCom, 2009. p.1-19. | ISSN 1646-3137 PINHEIRO, Elton Bruno Barbosa; NUNES FILHO, Pedro. Rádio Digital: desafios presentes e futuros. In: NUNES FILHO, Pedro. (Org.). Mídias digitais & interatividade. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2009. p. 185-201. | ISBN 978-85-7745334-4 NUNES, Pedro. Hipermídia: diversidades signícas e configurações no ciberespaço. In: NUNES, Pedro. (Org.). Mídias digitais & interatividade. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2009. p. 219-232. | ISBN 978-85-7745-334-4 NUNES, Pedro; ALVES, Kellyanne Carvalho; FEITOSA, Deisy Fernanda. Conceitos de interatividade e suas funcionalidades na TV digital. IN: Revista Temática. Ano IV. n.6. João Pessoa: PPGCOM, 2008. P.1-10|ISSN1807-8931 ||| Principais Capítulos de Livros e Artigos ||| Universidade Federal de Alagoas| | Universidade Federal da Paraíba
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NUNES, Pedro; LEAL, Wills. Gadanho e outros documentários ou por um cinema alternativo. In: Cinema na Paraíba | Cinema da Paraíba. João Pessoa: Energisa, 2006. p. 234-236. NUNES, Pedro. Processos de significação: hipermídia, ciberespaço e publicações digitais. In: Forum Media - Revista do curso de comunicação social ISPV, Lisboa, Portugal, v. 6, p. 57-65, 2005. Disponível em: <http://www.ipv.pt/forumedia/6/8.pdf> Acesso em 22.12.2014. NUNES, Pedro. Hipermedia: diversidades sígnicas y reconfiguraciones en el ciberespacio. Revista Eletrônica Cybermídia (UFAL), v. 1, p. capa.htm-artigo4.htm, 2004. | ISSN 1806 - 7026 NUNES, Pedro. Cinema e tecnologias contemporâneas. Sapereaudare, Brasil, 2003. NUNES, Pedro. Del fotoquimico al digital. Revista Film Magazine Internacional, Siges -Espanha, n.19, p. 18-21, 2003. NUNES, Pedro. Cinema Transcendental: Deslocamentos Poéticos-Eletrônicos. Projeto Multireferencial, Maceió, 1999 NUNES, Pedro. Desordem Essencial. A Tribuna, Maceió, p. 02-02, 1997. NUNES, Pedro. Festim Poético de Luzes em Movimento. A Tribuna, Maceió, 1997. NUNES, Pedro. A Fúria Poética dos Signos em A Última Tempestade. Projeto Multireferencial, Maceió, 1997. NUNES, Pedro. Cinema, Poética e Tecnologia. Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Comunicação. ANO 1 Nº 2. Maceió: NEPEC- UFAL, 1992. p. 3-12. NUNES, Pedro; CARLY, A.; DOMINGOS, F. F.; JUNQUEIRA, L.; ALMEIDA, M.; LANZETTA, L.; RONDELLI, M. E.; CASTRO, M. C.; WEBER, Maria Helena. Pesquisa Participante: uma introdução à questão metodológica. Revista de Cultura UFES, Vitória - ES, v. 1, n.1, p. 61-76, 1984. NUNES, Pedro. Os Meios de Produção Simbólica e a lógica de Acumulação de Capital. Cadernos de Comunicação e Realidade Brasileira. v.2. n.1. João Pessoa: Oficina de Comunicação, 1982. p. 28-43. NUNES, Pedro. Quadrinhos na Paraíba. Cadernos de Comunicação e Realidade Brasileira. n.0. João Pessoa: Oficina de Comunicação, 1980. p. 19-21.
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Terceiro ciclo de cinema na Paraíba: tradição e rupturas POR Pedro Nunes
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“Fizemos cinema como resposta à realidade que a gente dispunha... Aprendemos a fazer cinema enquanto linguagem quando muitos cineastas paraibanos continuam a pensar que cinema é encenação de fazer filme. Fomos ladrões de cinema... Enfrentamos a ira dos cineastas locais. Fizemos um cinema muito leve. O cinema é uma escrita muito simples. Somos uma geração diferente. Cumulativamente somos um avanço a relação à geração passada. Não podemos encarar o mundo e a nossa produção sob a ótica do que eles teorizaram. Temos que teorizar a nossa geração... Optamos por uma maneira libertária de pensar cinema... Os filmes que queremos fazer são diferentes.” Everaldo Vasconcelos
Pedro Nunes é cineasta e prof. Dr. do Programa de Pós-graduação em Comunicação (PPGC/UFPB) e do Departamento de Comunicação do CCTA/UFPB.
Tá na Rua Henrique Magalhães, 1981.
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No final dos anos 1970, ainda em plena vigência do regime militar brasileiro sob o comando do General Ernesto Geisel, a Paraíba vivenciou o surgimento de um terceiro ciclo de produção cinematográfica com características narrativas e modos de circulação distintos dos movimentos de cinema predecessores. Trata-se da retomada quantitativa e qualitativa em termos da produção de filmes que integram um surto audiovisual caracterizado como “Cinema independente” (NUNES,1988). Esse
Vladimir surto de filmes revela marcas de ruptura simbólica quanto aos modos de produção, Carvalho natureza da bitola, temática voltada para critica social e sexualidade e exibições dos em cena de Cinema Paraibano – Vinte Anos
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filmes através de circuitos paralelos ou itinerantes. A consolidação do então “novo” movimento de cinema na Paraíba brota no esteio referencial de uma forte tradição de cinema dos movimentos passados ancorados desde as experiências pioneiras de cinema na Paraíba, articulações cineclubistas, crítica cinematográfica e o ciclo de cinema documentário envolvendo a realização de filmes basilares para a cinematografia nacional, a exemplo de Aruanda (1960), de Linduarte Noronha, e O País de São Saruê (1971), de Vladimir Carvalho, dentre outras iniciativas no campo do audiovisual. Ou seja, o terceiro ciclo de cinema na Paraíba é motivado e precedido historicamente por um conjunto de ações, fatos, acontecimentos e iniciativas que auxiliam direta e indiretamente nesse processo de retomada da produção cinematográfica na Paraíba com marcas expressas de artesanalidade
da produção, originalidade, inventividade no campo das construções narrativas e transgressões temáticas. Também é importante destacarmos que outros fatores interferiram de forma direta no processo de retomada da produção audiovisual em forma de movimento. Neste sentido, a Universidade Federal da Paraíba tem um papel de destaque com a criação do Curso de Comunicação Social (1977) e a implantação do Núcleo de Documentação Cinematográfica, que encampou um convênio de cooperação com o Cinema Direto. Outro aspecto importante é que em Campina Grande a então Universidade Regional do Nordeste com seu Curso de Comunicação Social (1974) também se destacou com várias iniciativas no campo do cinema centralizadas, principalmente por Machado Bittencourt, através da produtora Cinética Filmes. A UFPB, amparada a essa forte tradição de cinema de base documental, incorporou ao seu quadro institucional integrantes da segunda geração de cinema, como o diretor Linduarde Noronha, o fotógrafo Manuel Clemente, o crítico Paulo Melo, Jomard Muniz de Britto, Lindinalva Rubim, Pedro Santos, o montador Manfredo Caldas, Jurandir Moura e José Umbelino. Esses profissionais com atuações diversificadas no campo do cinema e do audiovisual, presentes no Curso de Comunicação Social, Coordenação de Extensão e Núcleo de Documentação Cinematográfica da Universidade Federal da Paraíba contribuíram, de forma decisiva, para a formação de uma terceira geração de cineastas na Paraíba que compreende o período de 1979 a 1983. Podemos dizer que o terceiro ciclo de cinema na Paraíba apresentou uma feição extremamente heterogênea, integrando realizadores com destacada vivência profissional que interagiram com cineastas principiantes. O traço distintivo do terceiro ciclo de cinema na Paraíba é então essa pluralidade de vozes que se agrupam em torno da reflexão sobre a natureza do cinema paraibano, processo de produção e circulação de filmes, tendo com predominância a utilização da bitola Super-8. Nessa fase de retomada da produção audiovisual na Paraíba, o Brasil, através do poder político militar, ainda amargurava com as ações da censura imposta aos meios de comunicação, livros, filmes, peças teatrais, perseguições aos artistas e militantes, realização de torturas, repressão aos movimentos sociais e perseguição aos grupos sociais e indivíduos contrários ao regime militar e intensa repressão ao movimento estudantil. Concomitante aos atos de repressão e cerceamento da liberdade de expressão vigentes ao longo da década de 1970, Geisel sob crescente pressão política e protestos de segmentos da sociedade civil implementou o que denominou como um “processo de abertura política”, tendo como lema a “abertura lenta, gradual e segura”. É então neste contexto sociopolítico que brota o terceiro ciclo de cinema paraibano com dinâmicas próprias de funcionamento, traços de ruptura temática no processo de codificação, bitola, temática voltada para crítica social e veiculação da mensagem através de circuitos não convencionais. São produções acabadas intencionalmente para ocupar “outro” circuito paralelo, adquirindo em seu conjunto uma dinâmica própria de funcionamento. 59
Essas produções audiovisuais de caráter nitidamente regional situam-se num contexto do surgimento de outras narrativas experimentais com linguagens provocativas: edições marginais, grafites, atividades teatrais, quadrinhos, pintura, imprensa alternativa... que quase sempre questionavam a moral estabelecida. No âmbito internacional, eclodiram de maneira pluralista os movimentos denominados alternativos: ecológico, pacifista e antinuclear. É o aflorar explícito dos movimentos sociais e, consequentemente, o seu enfrentamento com o Estado. O ciclo em questão apresenta marcas artesanais bem expressas, cujos filmes nascem basicamente no seio da Universidade, que contribuiu com empréstimos de equipamentos e liberação de filmes virgens, muito embora uma parcela mínima dos realizadores efetivasse trabalhos às suas expensas com total liberdade de criação na elaboração de propostas audiovisuais.
Cenários dos novos ciclos de cinema Super-8 Torquato Neto, com seu espírito inventivo e dilacerador, conclamava o público leitor de sua coluna Geléia Geral para debater/realizar produções em Super-8. Símbolo de uma geração que começa a desconfiar das posturas estéticas linearmente engajadas, o poeta da alegoria “suicida” vislumbrava na minibitola Super-8 a possibilidade de exercitação criativa dizendo: “Qualquer filme é a projeção de um sonho reprimido. E eu quero que esse sonho seja liberado, seja livre sem nenhum limite. O cinema é feito por cineastas, filmakers e eu quero que ele seja feito por todo mundo. Super-8... oito crianças... Isso será cinema” (NETO, 1982, p. 26). O fervor cultural dos anos 1960 (atuações do Centro Popular de Cultura – CPC/ UNE, Movimento de Cultura Popular – MCP trabalhando as ideias de Paulo Freire, movimentos sindicais e estudantis) era interrompido, eclodia numa outra esfera e com uma performance anárquica, o tropicalismo; que nas entrelinhas de sua irreverência, combatia a militância ortodoxa populista, lançando preocupações com a transformação individual. São os fenômenos culturais acompanhando o processo de mutação da vida social. Com o recrudescimento político (Lei de Imprensa e Lei de Segurança Nacional) servindo de suporte auxiliar para o “milagre econômico brasileiro” e a construção de um “Brasil Grande”, o Estado arquiteta seu ideário político de mutilação artística e passa a subvencionar a produção cultural de seu interesse. Os produtores de cultura enfrentam uma situação paradoxal no sentido de aderir ou desvencilhar-se das exigências da “cultura oficial” com o selo forte e imperativo da censura. A dinâmica da cultura brasileira é então afetada a partir de 1968, com um novo golpe de Estado. Nos anos 1960, conforme argumenta Heloisa Buarque de Holanda: O cinema fora talvez a manifestação mais crítica e questionadora do papel do artista dentro das relações de produção. Na década de setenta é o cinema que adere mais sintomaticamente às novas exigências da política cultural do Estado. Alguns dos princípios representantes do cinema novo lançam-se à produção cinematográfica em 60
grande escala e, além da qualificação técnica justificam-se pela divulgação de conteúdos supostamente populares (HOLANDA, 1981, p. 92).
O Brasil regido pela doutrina de segurança nacional respira um clima tenso com a instauração dos Atos Institucionais, o cerco incisivo do Estado às manifestações políticas contrárias ao regime militar, atuações da censura sob a chancela oficial interferindo diretamente nas produções culturais. O impacto dessa nova ordem política gera situações de verdadeiro terror, mas ao mesmo tempo produz formas de resistência cujo delineamento se opera em contraponto à cultura oficial e ao próprio estado repressor da época. Jornais como Pasquim, Opinião, Flor do Mal transgridem os sacramentos da grande imprensa evidenciando a não neutralidade dos fatos, a parcialidade, a questão da subjetividade e, sobretudo, com uma linguagem voltada para o questionamento de situações da realidade brasileira. Heloisa Buarque de Holanda observa o seguinte: É exatamente num momento em que as alternativas fornecidas pela política cultural oficial são inúmeras que os setores jovens começarão a enfatizar a atuação em circuitos alternativos ou marginais. No teatro aparecem os grupos ‘não empresariais’,... na música popular os grupos mambembes de rock, chorinho etc; no cinema surgem as pequenas produções, preferencialmente em super-8 e, em literatura a produção de livrinhos mimeografados... É importante notar que esses grupos passam a atuar diretamente no modo de produção, ou melhor, na subversão das relações estabelecidas para a produção cultural (HOLANDA, 1981, p. 96).
É nesse movimentado cenário político-cultural de agudez política e crise econômica que surge a minibitola Super-8, favorecendo a eclosão de surtos regionais com a produção de filmes que provocam uma espécie de reorientação quanto ao fazer cinematográfico em diferentes regiões brasileiras. Assim o Super-8 passa a cumprir um papel relevante na dinâmica cultural dos anos 1970 até meados de 1980, visto que as obras audiovisuais são frutos de pequenas equipes de trabalho e se firmam enquanto produções de baixo orçamento. O Super-8 simplifica o processo de filmagem em relação às demais bitolas profissionais de cinema. Thomas Farkas assegura que: “A grande novidade consiste numa nova ideia de filmagem, colocando o cinema como atividade criativa nas mãos de qualquer pessoa... A filmagem passa a ser um simples ato de visão e observação sem passar por problemas técnicos” (FARKAS, 1972, p. 56-57). Sabemos que o surgimento e aperfeiçoamento do sistema Super-8 enquanto bem de consumo foi resultado de estratégias econômicas com vistas a um maior faturamento e não simplesmente contribuir para o desenvolvimento de um novo meio de expressão artística. O Super-8 se caracterizou enquanto um instrumento que possibilitou que jovens realizadores pudessem fazer cinema de maneira mais desamarrada e com possibilidades de exercitação criativa. 61
Enquanto um produto em oferta no mercado resultante do processo de miniaturização tecnológica, o Super-8 tornou-se acessível e menos dispendioso em relação à bitola semiprofissional 16 mm e à profissional 35 mm. Esse novo invento possibilitou uma reviravolta no modo de se produzir filmes apresentando-se enquanto um possível instrumento de ação social. Como toda tendência nova, o Super-8 provocou reações polarizadas entre os jovens cineastas iniciantes adeptos da bitola e os cineastas com filmes em bitolas profissionais. Vários movimentos foram deflagrados tendo por base o Super-8. É interessante observar que esses movimentos de produção audiovisual extrapolam o eixo Rio de Janeiro-São Paulo com o surgimento de produções descentralizadas em vários estados brasileiros, além da formação de associações, cooperativas e cineclubes que se empenharam de forma organizada no sentido de lutar pelo reconhecimento do cinema Super-8. As mostras de cinema e festivais nas várias regiões brasileiras adaptam-se às exigências próprias da nova bitola. O preconceito alimentado por alguns críticos de cinema mais conservadores e cineastas profissionais formulados sem qualquer ponderação quanto às reais potencialidades do Super-8 foram frequentemente rebatidos como se pode perceber no artigo na revista Close Up: Para desfastio de uns e desagrado de outros, lucro de alguns e até realização artística dos demais, prossegue o movimento de super-8 mm, em experiências arrojadas, pirotécnicas, algumas originais arregimentando novos adeptos com suas mostras, ocupando espaços em jornais e formação espontânea de uma crítica especializada. O super-8 começa a ser reconhecido como cinema... ninguém pode recusar-se a ver na bitola um novo meio de expressão (CLOSE UP, 1977, p. 15).
Na Paraíba, em 1973 é que surgem as primeiras realizações em Super-8 por autores que de alguma forma já tinham passado pelo 16 mm ou mesmo pela crítica de cinema. Dentre os trabalhos da primeira fase Super-8 na Paraíba, destacam-se: A Última Chance (1973), de Paulo Mello, O Estranho Caso de Leila (1973), de Antonio Barreto Neto, Yoham e Lampiaço, de José Bezerra, A Greve e Absurdamente (1975/1976), de W.J. Solha, sendo o último em parceria com José Bezerra, e ainda A Guerra Secreta, de Antonio Barreto Neto e Sílvio Osias. São trabalhos pouco veiculados e encontram-se em precárias condições de conservação, consequentemente, totalmente desconhecidos pelos realizadores contemporâneos. Ainda, além de O Coqueiro (1977), de Alex Santos, os filmes mais conhecidos dessa fase inicial de utilização do Super-8 na Paraíba são a trilogia de Archidy Picado: Desencontro, O Garoto e Elegia para um Homem só, que foram exibidos na Jornada Paraibana de Super-8 (1980). Mas foi em Campina Grande onde se concentrou um permanente esforço para uma produção regular de cinema em 16 mm. A criação do curso de Comunicação Social em 1974 pela Universidade Regional do Nordeste possibilitou o aglutinamen62
to de cineclubistas e profissionais da área, o que resultou em iniciativas concretas no campo da produção cinematográfica. O conjunto dessas produções campinenses tem como líder o cineasta Machado Bitencourt, que chega a implantar uma empresa de produção, revelação e montagem - a Cinética Filmes Ltda. Machado é considerado um dos únicos profissionais sediados na Paraíba que conseguiu manter uma produção regular, pela preocupação que teve de instaurar uma infraestrutura pessoal, em que pode mediar o lado comercial de seu trabalho e, por outro lado, a feitura de projetos culturais não comerciais. De 1975 a 1978 são concretizados cinco filmes 16 mm por Machado Bitencourt com temática diversificada, seguindo quase sempre um estilo linear: O Último Coronel (1975), Campina Grande, da Prensa do Algodão, da Prensa de Gutemberg (1975), Crônica de
Campina Grande (1976), o longa-metragem Maria Coragem (1977) e finalmente o curta Fiação primitiva do Nordeste (1978). Já em João Pessoa com o apoio da UFPB, Fernando Pereira elabora A Compadecida (1977) em 35 mm sem qualquer avanço do documentário no plano da linguagem cinematográfica. No entanto, é só no ano de 1979 que de fato teremos a rearticulação do movimento de cinema seguido por um período de mais quatro anos com um fluxo contínuo de produções em Super-8 vinculadas aos movimentos de contestação. O filme Gadanho (1979) sobre os catadores de lixo do Baixo Roger, dirigido por Pedro Nunes e João de Lima, é considerado o precursor desse novo surto de cinema com marcas poéticas diferenciais e transgressão quanto a sua abordagem temática.
Gadanho João de Lima e Pedro Nunes, 1979.
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Coincidentemente nesse mesmo ano ocorre a VIII Jornada Brasileira de Curta Metragem, transferida de Salvador para João Pessoa. É também nesse mesmo ano de 1979 que a Kodak declara oficialmente a falência do Super-8 projetando uma sobrevida da bitola por em média cinco anos. Esse era o prenúncio para nova era do vídeo com um sistema de codificação distinto do cinema, assentado em base eletrônica. Nessa fase de retomada da produção de cinema na Paraíba com a bitola Super-8, as experiências em 16 mm declinaram de forma sintomática, restringindo-se ao grupo de Campina Grande e aos cineastas paraibanos residentes fora do estado. Essa força do Super-8 em forma de movimento também presente em outros estados brasileiros pode ser identificada com a realização do longa-metragem em Super-8 Deu Prá Ti Anos 70, de Giba Assis Brasil e Nelson Nadotti, que recebeu o prêmio de melhor filme no Festival de Gramado em 1981. A obra provocou um impacto junto ao público e crítica especializada pela criatividade dada no tratamento da linguagem e do tema, acerca de um grupo de adolescentes que desperta para curtir a vida num período de repressão militar. Deu Prá Ti Anos 70 concorreu com vários outros filmes em 35 mm. Na Paraíba, com a irrupção do terceiro ciclo de cinema quebra-se a visão de cinema grandiloquente com a aparição de táticas novas de intervenção cultural. A noção de cinema é radicalizada a partir do fazer cinematográfico associado ao processo simplificado de recursos técnicos. É a partir da “abertura” política que o movimento de cinema cresce com uma preocupação mais comprometida com os movimentos sociais que despontam da sua situação de clandestinidade. Nesse período um total de 55 filmes são produzidos por autores, com apoio da UFPB, Cinética Filmes e outros apoiadores. Esses filmes abarcam temas ligados ao cotidiano dos setores oprimidos e promovem o questionamento do próprio momento político de crise econômica que atravessava o país. Há visivelmente um aumento quantitativo e qualitativo da produção cinematográfica com temáticas regionais que reinterpretam e reencenam as dinâmicas de realidades locais conflitantes.
Retrato verbal dinâmico do terceiro ciclo de cinema na Paraíba O terceiro surto de cinema na Paraíba trouxe, de forma desordenada, o desejo de mudanças, a renovação no quadro cinematográfico, a necessidade de afirmação da produção e a preocupação latente em criar narrativas audiovisuais enfocando os diversos aspectos da vida social. Percebe-se por parte dos jovens envolvidos no terceiro ciclo de cinema um aprendizado gradativo quanto ao manejo da linguagem e à crescente inquietação com a ruptura temática e narrativa nos filmes. Há também, conforme o andamento dessas realizações, uma repulsa às produções polidamente engajadas. A tematização dos filmes volta-se inicialmente para abordagem dos 64
conflitos e contradições sociais aproximando nessa primeira fase do terceiro ciclo a uma tradição mais documental de cinema. Na sequência temos a existência de um conjunto de filmes com temáticas relacionadas à sexualidade que tendem à experimentação da ficção. A quase totalidade desta produção cinematográfica do terceiro ciclo foi concluída por jovens cineastas estreantes que optaram por efetuar leituras bem singulares da realidade paraibana. Isso demonstrou efetivamente a renovação no quadro cinematográfico com a entrada em cena de novos protagonistas no processo de produção cinematográfica. Conforme afirmamos, os grupos em atuação do terceiro ciclo do cinema não vivenciaram uma luta política formal de esquerda. São filhos bastardos do regime militar. Mas isto não quer dizer que não houve uma preocupação dos realizadores quanto ao resgate de problemas sociais e problemas quanto à censura de filmes e censura imposta às Mostras de Cinema. Há sem dúvida, nos documentários/registros da fase inicial desse ciclo, um traço forte de crítica ao regime militar. Identificamos um engajamento mais libertário. Os movimentos sociais, greves, passeatas, acampamentos de posseiros ou mesmo as disparidades urbanas, são elementos temáticos frequentemente abordados no conjunto dessa produção cinematográfica. A intenção expressa é registrar a dinâmica de aspectos da realidade paraibana, vinculando estas representações de práticas culturais à própria dinâmica da sociedade. Num segundo momento a orientação temática dos filmes volta-se para o tratamento da questão da sexualidade, homossexualidade, amor, solidão e o questionamento visceral das formas de poder que castram a liberdade do indivíduo na sociedade contemporânea. Essa característica de abordagem temática enfatiza as marcas de transgressão presentes nesse novo ciclo de cinema. Além do caráter artesanal desta produção, constatou-se uma permanente preocupação entre os próprios cineastas com o intento de ativar a produção local. Se houve por um lado a necessidade patente de afirmação da produção, por outro, o surto em si é uma resposta a uma crise de produções locais. Mesmo com a iniciativa dos integrantes do novo surto em imprimir impulso voltado para “o fazer” cinematográfico em si, o grosso dessa produção traz marcas profundas de precariedades financeiras. Apesar do relativo barateamento do material fílmico em Super-8, e da impossibilidade de se experimentar em 16 mm, há uma grande dificuldade de produção. Essa dificuldade gerava quase sempre impasses na finalização dos filmes da forma como foram originalmente concebidos, tendo como resultante verdadeiras improvisações. Reclamava-se constantemente o apoio da Universidade e dos órgãos estatais para que não houvesse um cessar no ritmo continuado da produção de filmes. As condições de produção dos filmes estão dispostas da seguinte forma: filmes de produção do autor; filmes produzidos com apoio Institucional da Universidade (UFPB) – Núcleo de Documentação Cinematográfica – NUDOC/UFPB, Programa Bolsa Arte MEC/UFPB, Núcleo de Pesquisa Popular – Nuppo/UFPB, Cursos de Comunicação Social e Educação Artística/UFPB e Campus II/UFPB/CG e URNe – Universidade Regional do Nordeste, CG (Curso de Comunicação Social URNe/ 65
CG), filmes com produção da Cinética Filmes CG e em menor grau filmes produzidos com apoio da Igreja através do SEDOP (Serviço de Documentação Popular).
Quadro Demonstrativo da Produção Cinematográfica PRODUÇÃO
UFPB AUTOR
ANO
NUDOC
AUTOR/BOLSA ARTE
CAMPUS II
CINÉTICA
OUTROS
1979
1
—
1
1
2
1
1980
1
—
3
—
2
—
1981
3
8
—
—
2
1
1982
3
8
—
1
—
1
1983
4
8
—
—
2
2
TOTAL
12
24
4
2
8
5
O quadro acima mostra as condições de produção encontradas ou criadas pelos realizadores de cinema integrantes do terceiro ciclo de cinema na Paraíba. Desse total, 12 filmes foram finalizados com recursos financeiros próprios ou com incentivo material de filmes e equipamentos, sem que houvesse uma interferência no processo de criação. Jomard Muniz de Britto descreve as suas condições de produção destacando a facilidade de se fazer Super-8 em termos econômicos:
1 Entrevista com Jomard Muniz de Britto concedida ao autor. Recife, 06/10/85.
66
É claro que muita gente tinha vontade de fazer 16 mm, 35 mm ou 3ª dimensão, mas não se tinha condições econômicas. Eu pude fazer vários filmes com recursos próprios com meu salário de professor, sem ajuda de Instituição. Consegui tirar do meu salário para produzir filmes, quer dizer, entrava na produção atores que nunca ganharam dinheiro comigo (BRITTO, 1985)1.
Poucos realizadores autofinanciam sua produção: Jomard Muniz de Britto com Esperando João (1981), Cidade dos Homens (1982) e Paraíba Masculina Feminina Neutra (1982), Lauro Nascimento com Acalanto Bestiale (1981), Miserere Nobis (1982) e Terceira Estação de uma via Dolorosa (1983), Alberto Júnior com Contrastes da Vida (1980), Pedro Nunes com Closes (1982) e Henrique Magalhães com Era Vermelho o seu Batom, todos em Super-8; nesses filmes há claramente a preocupação de cada autor em trabalhar o cinema enquanto instrumento criativo. No caso de Jomard Muniz e Lauro Nascimento percebe-se uma preocupação no tratamento da imagem e uma maior fluência narrativa em termos de arranjos formais com a finalidade de se obter maior atenção do espectador.
Observando o quadro constatamos que o maior quantitativo desses filmes foi produzido com o apoio da Universidade Federal da Paraíba interessada em ampliar sua participação na comunidade, sobretudo no âmbito da extensão cultural, principalmente através do Programa Bolsa Arte, Campus II e do Núcleo de Documentação Cinematográfica – NUDOC com 24 filmes finalizados. Antes da implantação do NUDOC na UFPB em 1980, as primeiras realizações deste terceiro ciclo de cinema foram montadas de forma rudimentar, sem auxílio de editor/ moviola. Esses filmes são basicamente documentários: Gadanho (1979), de João de Lima e Pedro Nunes, Imagens de Declínio ou Beba Cola e Babe Cola (1980), de Torquato Lima e Bertrand Lira, Contrapontos (1980), de Pedro Nunes e Contrastes da Vida (1980), de Alberto Júnior. As propostas, através de seus realizadores, receberam o incentivo do programa Bolsa Arte da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários da UFPB. Com o convênio assinado entre a Associação Varan-Paris e a UFPB, este panorama de dificuldades alteraria de forma significativa favorecendo o incremento da produção cinematográfica local. A implantação da infraestrutura completa em Super-8 (câmeras, tripés, iluminação, gravador, gerador, editores, telas e projetores) atenuou parte das dificuldades habitualmente encontradas pelos realizadores. A Universidade através do NUDOC limitou-se a financiar apenas os exercícios/ filmes dos integrantes matriculados no curso de Cinema Direto e apoiar projetos que dependiam do uso de equipamentos de gravação ou montagem. Em termos de produção do NUDOC, a maioria dessas realizações apresenta deficiências técnicas de filmagem, montagem e som. Em seu conjunto são exercícios fílmicos inacabados, embora haja experiências que conseguem transpor o mero registro de imagens e falas. O rigor dessa produção se concentra muito mais na escolha temática sempre angulando um personagem real.
O Núcleo de Documentação Cinematográfica e o Cinema Direto Tanto a criação de um núcleo de produção na Universidade (NUDOC), como a instalação do Atelier de Cinema no NUDOC, que direcionaria toda sua produção para o Super-8, ambas as iniciativas nascem nesse contexto de rearticulação de movimento de cinema na Paraíba ocorrido a partir da VIII Jornada de Cinema. Essas duas propostas receberam o aval dos integrantes da “geração sessenta” que projetavam criar as bases para uma estrutura profissional de cinema. Vale destacar que a presença da geração do terceiro ciclo do cinema nos debates e rumos do cinema paraibano só viria acontecer no início dos anos 1980. O Núcleo de Documentação Cinematográfica desde a sua criação na gestão do Reitor da UFPB Lynaldo Cavalcanti, direcionou a formação de recursos humanos a partir do curso de Cinema Direto com filmes produzidos em Super-8. Se por um lado a iniciativa abria as portas para iniciantes incursionarem no aprendizado de técnicas 67
introdutórias ao cinema, por outro entrava em choque com as diretrizes traçadas por Manfredo Caldas, Vladimir Carvalho, Jurandy Moura, Linduarte Noronha, Ipojuca Pontes, entre outros. Segundo parecer de Manfredo Caldas:
Miserere Nobis Lauro Nascimento, 1982.
Uma coisa que eu também achei que foi uma distorção nesse movimento foi a entrada do Atelier de Cinema Direto. Fui contra porque ele atravessou por oportunismo de pessoas daqui, que deram mais ênfase a esse convênio em nível de experimentação do Super-8, que tudo bem poder fazer isso, mas teria que ser uma coisa paralela. Isso foi muito mal conduzido, não podia em detrimento de uma estrutura profissional que estava se criando, você dar ênfase a uma coisa experimental de mistificação da linguagem que é toda a teoria do Cinema Direto. Reservo-me no direito de achar que foi uma grande bobagem (CALDAS, 1987).
O projeto inicial de cooperação entre o Centro de Formação e Pesquisa em Cinema Direto - Associação Varan-Paris e a Universidade Federal da Paraíba, além da implantação de um sistema completo para produção em Super-8, previa a doação pelo governo francês de um moviola em 16 mm, um gravador profissional e um laboratório de ampliação de Super-8 para o 16 mm, cláusula essa não cumprida. A 68
contrapartida dessa infraestrutura profissional foi uma condição apresentada para a efetivação do projeto, feita diretamente ao cineasta francês durante a VIII Jornada, por vários cineastas paraibanos: Nós fizemos pessoalmente uma série de exigências ao Jean Rouch quando ele veio com uma proposta que tinha sido recusada em diversos estados do país. Mas era desprestígio pra ele voltar sem ter feito um convênio com qualquer Universidade brasileira. Então a que estava pintando ser mais fácil era a daqui. [...] Teria que vir um equipamento em 16 mm, não seria só Super-8, pra somar com o que a gente tinha conseguido, e isso ele concordou e não cumpriu (CALDAS, 1987).
Dos vários estágios realizados na França por alunos e professores indicados pelo NUDOC, apenas foi ministrado um curso em 16 mm para três alunos. O NUDOC passa a atuar então com uma infraestrutura de espaço físico e material de consumo da UFPB e com material doado para implantação do Atelier de Cinema na Paraíba. Funciona como ponto central de discussão e encontro dessa nova geração que despontou a partir da realização dos estágios nesse Núcleo. No período funcionou concedendo empréstimo de equipamentos e de filmes para a comunidade, capacitando pessoal técnico além de produzir filmes na linha do Cinema Direto, registrando as atividades de pesquisa e extensão mais importantes da Universidade. Além de Pedro Santos como coordenador, atuou também ao seu lado o cineasta Manfredo Caldas, que no período de sua permanência em João Pessoa passou a incentivar os novos realizadores no sentido de lutar não só por uma atuação profissional no campo de cinema, mas despertando a necessidade de organização política em torno da ABD/PB (Associação Brasileira de Documentaristas) criada em 1982 durante a realização do Festival de Arte na cidade de Areia-PB.
Documentação de aspectos da realidade Como já afirmamos com o início da abertura política no país, novos ventos indicam um reaquecimento da produção cinematográfica na Paraíba. O ressurgimento desta produção toma corpo de forma espontânea a partir de 1979 ainda sob a influência da tradição documental predominante nos anos 1960 e 1970. Assim as primeiras realizações do novo ciclo são expressamente de linhagem documental trazendo à tona temáticas sociais que evidenciam as complexidades da realidade. Os problemas urbanos, o desemprego, os movimentos sociais e o homem frente aos diversos níveis de exploração são pontos preferidos para enfoque por vários cineastas. O momento político torna-se favorável para elaboração de produtos culturais abordando a problemática social, sobretudo pela mobilização efervescente dos setores populares da sociedade. A retomada ou mesmo o ressurgimento da produção de cinema na Paraíba com características de combate surge num contexto de crescen69
Ciclo do tes mobilizações, retorno do movimento estudantil, articulação dos movimentos de Caranguejo liberação e custo de vida. Vânia Perazzo, 1982.
2 MAGALHÃES, Henrique. Entrevista a Bertrand Lira – Cadernos do CCHLA , n. 8, p. 8.
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Neste primeiro momento da retomada da produção fílmica temos um bloco de filmes que captam os conflitos presentes na grande cidade. São filmes realizados totalmente em espaço aberto tendo o próprio ambiente natural como cenário. Em cada um dos filmes, o realizador assume o papel de repórter que não aparece, investigando os fatos eleitos para enfoque. Imagens do Declínio ou Beba Coca e Babe Cola (1981), de Bertrand Lira e Torquato Joel, é uma mistura de documentário e ficção que mostra a dura realidade das favelas e a presença das multinacionais no Brasil. É uma versão realista adicionada de alguns elementos de deboche... Já Gadanho (1979), de João de Lima e Pedro Nunes, é o primeiro filme deste novo ciclo, baixo orçamento e com ampla repercussão no estado. Segundo Henrique Magalhães: Um dado importante foi a realização de Gadanho, pois a partir dele se rompeu com estagnação do cinema na Paraíba. A gente só tinha conhecimento do que foi produzido durante o movimento do cinema novo. Havia uma produção em Super-8, mas não era sistemática e alcançava um número muito limitado de pessoas. A partir de Gadanho houve uma retomada do cinema na Paraíba porque se alcançou um público maior e muita gente se interessou em fazer Super-8 (MAGALHÃES, 1986, p. 8).2
O filme tem como cenário o lixão de João Pessoa localizando no Baixo Roger e presença dos catadores, seres humanos que disputam com os urubus a primazia do
lixo. O documentário consegue despertar um amplo interesse nas escolas públicas da rede estadual e nas escolas privadas pela força das imagens com pessoas que se perdem na fumaça do lixo. Procurando ainda desnudar a dinâmica da engrenagem urbana, Contra-pontos (1981) e Registro, de Pedro Nunes, enfatizam as disparidades do espaço urbano em João Pessoa e a primeira greve estudantil a partir de 1968 ocorrida na Paraíba, respectivamente. Mas é o Núcleo de Documentação Cinematográfica – NUDOC que desponta com um maior número de realizações acabadas após a finalização de três estágios do curso de Cinema Direto. As obras produzidas pelo NUDOC privilegiam também o universo cotidiano com a captação do som direto. Os filmes são verdadeiros registros brutos da realidade. O Mestre de Obras (1981), de Newton Araújo Jr., retrata a vida e as dificuldades de um trabalhador da construção civil com sua residência ainda inacabada. Um dado expressivo no trabalho é uma música composta por Chico César especialmente para o filme. Enfocando o homem e sua situação de miséria e criatividade, Vânia Perazzo filma É Romão pra qui é Romão pra colá em 1981. Romão é um músico artesão que confecciona seu próprio instrumento de trabalho (berimbau) exibindo suas criações musicais em feiras livres do interior paraibano. A reflexão em torno das condições de vida do ser humano é um traço muito marcante nos demais filmes produzidos pelo NUDOC. As Cegas (1982), de Maria Antonia, Bernadete (1983), de Maria Graça Lira e O Menor (1983), de João Galvíncio Jr., são filmes de crítica social explícita. Em todos os trabalhos as precariedades técnicas são bem visíveis. O primeiro destaca a convivência de três deficientes visuais pedintes na cidade de Campina Grande. Já Bernadete discorre acerca da vida de uma lavadeira, seus problemas e o sonho de um dia poder trabalhar em São Paulo. Em O Menor, o autor confronta depoimentos de representantes de órgãos oficiais com a fala de menores. Na linhagem de sempre orientar suas produções para registro da realidade regional, o NUDOC enfatiza o tema movimentos sociais urbanos nos seguintes filmes: A Greve (1982) direção coletiva, sobre o movimento paredista de professores, alunos e funcionários da UFPB, Quando um Bairro não se Cala (1983), de Marcus Vilar, sobre o trabalho do movimento de bairro desenvolvido pelo grupo Fala Jaguaribe que tem como meta trabalhar a educação através da arte junto à população. Ainda no âmbito do NUDOC, Elisa Cabral elaborou vários filmes num projeto que autodenominou “Cinema e Sociologia”. Ciclo do Caranguejo (1982) retrata a infraestrutura econômica da pesca do caranguejo, Visões do Mangue (1982) a tentativa é abordar a visão de mundo e os mitos dos pescadores e Sobre a evolução das Sociedades (1983). Mas dessa produção do NUDOC vale destacar do conjunto, duas películas realizadas em 1981 no primeiro estágio de Cinema Direto: Perequeté (1981), de Bertrand 71
Lira, e Sagrada Família (1981), de Everaldo Vasconcelos. Em Perequeté, o autor documenta a vida, as fantasias e as dificuldades do artista paraibano Francisco Marto. Enquanto discorre acerca de seu esforço no campo do teatro, cinema e dança e do preconceito enfrentado pelos artistas, é mostrado cenas de diversos momentos de seu trabalho. Em a Sagrada Família a câmera apresenta-se constantemente inquieta e
Tá na Rua aos poucos viola o espaço sagrado da família revelando seus conflitos neuróticos e o Henrique Magalhães, 1981.
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choque de gerações. Os dois filmes apresentam preocupações de linguagem quanto à fotografia, procedimentos de montagem, além de transgredirem a própria linha do Cinema Direto, notadamente em Sagrada Família. Dos filmes produzidos pelo NUDOC nos três estágios do Curso de Cinema Direto, pode-se considerar como propostas mais amadurecidas com traços diferenciais em relação aos demais trabalhos ou exercícios fílmicos. Outros filmes também conseguem transgredir a linha mestra do Cinema Direto pela abordagem temática se encaixando também dentro deste espírito de ruptura dos trabalhos anteriores. São eles: Música sem Preconceito (1983), de Alberto Júnior, que numa fusão de documentário e ficção com depoimentos de músicos e ensaios de grupos mostra a importância do rock para a juventude e a sua penetração na sociedade, Pedro Osmar em Carne e Osso (1982), de Otávio Cássio, enfoca a experiência de pesquisa musical criativa desenvolvida pelo músico Pedro Osmar juntamente com o grupo
que faz parte do “Jaguaribe Carne”. Caminhando também na contramão e fugindo do enfoque sociológico, Henrique Magalhães realiza Canto do povo de um Lugar (1981). O filme é um cartão postal de João Pessoa com a música de Caetano Veloso e Tá na Rua (1981) um documentário que registra a passagem do grupo teatral Tá na rua em João Pessoa, liderado por Amin Hadad. A interação atores e espectadores é pontilhada tornando clara a quebra com o teatro tradicional. Finalmente, Sonho Destrela (1983) foge à concepção de abordagem sócioantropológica adotada pelo Cinema Direto. Segundo Bertrand Lira (1986, p. 11): “Sonho Destrela é a vida de um artista de interior sem perspectiva de profissionalização e nem acesso aos produtores de discos. A frustração de não ser famosa a deixa profundamente descrente. É o filme final do autor de peças teatrais Eliézer Rolim”. Com esses trabalhos os respectivos autores mostraram que seria possível utilizar os recursos do Cinema Direito e driblar as suas convenções muito mais direcionadas para a captação crua e com pouca interferência de aspectos da realidade social. Há também um grupo de filmes feitos dentro e fora do NUDOC que se afastam da temática urbana e seguem para um levantamento de questões pertinentes à zona rural. Nos estágios do NUDOC, dois filmes seguem esta orientação: Emergência/Seca (1982), de Torquato Joel, relata a vida de um grupo de camponeses que vivem nas proximidades do açude de Orós-CE em pleno período de seca e Manipueira (1982), de Maria Aparecida, que mostra o processo artesanal de colheita da mandioca e a feitura da farinha de mandioca. O que eu conto do sertão é Isso (1979), 16 mm de José Umbelino e Romero Azevedo, realizado na cidade de Campina Grande, também se desloca da zona urbana para o campo e revela a miséria do sertão nordestino. Anos mais tarde, José Umbelino filmaria o documentário longa-metragem em 16 mm Lutas de Vida e Morte (1982) com a colaboração da Arquidiocese da Paraíba, onde discute questões referentes às Ligas Camponesas na Paraíba. Além desses trabalhos que dão preferência em sua abordagem à questão rural, duas outras películas produzidas fora do NUDOC, A luta do Povo de Capim de Cheiro (1982), direção coletiva com a participação de Pedro Nunes, Sedi Marques e do grupo de “Atuação no meio Rural do Centro de Educação – PRONASEC-UFPB” e Camucim Cinco Anos de Luta (1983), de José Barbosa, versam sobre os conflitos de terra na região de Capim de Cheiro e Camucin-PB. Neste novo ciclo verifica-se que as produções em 16 mm são numericamente bem reduzidas. Dois trabalhos nesta bitola vêm lançar elementos de discussão em torno do fazer cinematográfico na Paraíba, da necessidade de uma infraestrutura básica para incremento da produção local e lançam também um painel da própria História de luta do cinema feito na Paraíba: Cinema Paraibano – Vinte Anos (1983), de Manfredo Caldas e fotografia de Valter Carvalho, e Cinema Inacabado (1981), de Machado Bittencourt e Alex Santos. Cinema Paraibano – Vinte Anos resgata em suas imagens e depoimentos a discussão do ciclo paraibano de filmes dos anos 1960 iniciado por Aruanda. Segundo Alex Viany: 73
3 Depoimento de Alex Vianny a Manfredo Caldas no Rio de Janeiro. O filme recebeu o prêmio Glauber Rocha e prêmio de melhor documentário na XII Jornada Brasileira de Curta Metragem (1983 em Salvador-BA).
4 Texto distribuído pela Cinética Filmes de Campina Grande – s/d.
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Esse documentário “Cinema Paraibano – Vinte Anos”, eu não sei se há ou se já foi feito um filme semelhante porque é um documentário sobre um ciclo, como parte dele. Na verdade, é uma coisa que procura falar de um ciclo, não somente com depoimento, mas com reflexão de linguagem, de propostas e está tudo muito inteiro. [...] Esse filme é vivo, é reprodutivo, está em reprodução. [...] Não é uma coisa de jeito nenhum reflexiva sobre um passado acabado, é sobre uma coisa viva e que vai ajudar não só na discussão, mas no trabalho mesmo (VIANNY, 1983).3
O outro filme que se enquadra nesta mesma abordagem é Cinema Inacabado, que procura questionar o porquê de tantos projetos fílmicos inconclusos na Paraíba. Na medida em que os depoimentos ocorrem são exibidos trechos dos filmes inacabados como: Libertação, de Carlos Aranha, Uma Aventura Capitalista, de Antonio Barreto Neto, Arribação, de Alex Santos, O Adro, de Pedro Santos e fotos de Contraponto sem Música, de Paulo Mello e Virginius da Gama e Mello e fotografia de Machado Bittencourt. Ainda no filme, temos a presença marcante do cineasta e fotógrafo João Córdula que depõe sobre a trajetória do Cinema Educativo na Paraíba, além de depoimentos do crítico Wills Leal e cineasta Linduarte Noronha que falam do ciclo espiritual do cinema, ou seja, dos filmes e roteiros que jamais foram concretizados. Para Machado Bittencourt, um dos diretores do filme, a obra: Mostra o esforço dos inacabados enquanto explica porque esses filmes não foram concluídos na Paraíba. Além dessa abordagem, o filme abre espaço para depoimentos de Pedro Santos e Wills, esse último depondo sobre outro ciclo de cinema na Paraíba – o ciclo do cinema espiritual (CINÉTICA FILMES, s/d.).4
Machado Bittencourt junto a sua atividade comercial, a produtora Cinética Filmes em Campina Grande, elabora outros trabalhos de cunho cultural em 16 mm. Por sinal, é o único cineasta até então que consegue desenvolver uma produção regular nessa bitola. Em Teares de São Bento (1979), o autor destaca o fabrico de redes na pequena cidade de São Bento na Paraíba, sendo esta a principal atividade econômica local. Em 1980 finaliza dois curtas com alunos do curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste – URNe: Com a palavra, a Mulher, o documentário retrata o papel da mulher, da liberdade, do casamento, da existência do romantismo; e Festas Juninas, que é o trabalho que mostra os costumes nordestinos nas festas de S. João e S. Pedro em Campina Grande. A Seca no Cariri (1983) e Miguel Guilherme (1983) são trabalhos seguintes do autor. O primeiro mostra o flagelo da seca no Nordeste, particularmente na região do Cariri, este está enquadrado no bloco de filmes que fogem da temática urbana; o segundo relata a vida do artista plástico Guilherme dos Santos, reconhecido por suas esculturas e pinturas nos tetos das igrejas. Os filmes produzidos por Machado Bittencourt são pouco conhecidos pelo público. O projeto de divulgação maior foi dedicado a Cinema Inacabado e O Caso Carlota (1981), longa-metragem em ficção a partir de dados reais versando a questão da sexualidade.
Experimentação da Ficção: A explosão temática da sexualidade Após a etapa de filmes que se orientam para o estilo documental, pode-se destacar no elenco das realizações desse novo ciclo um bloco significativo de filmes que tratam a questão da sexualidade com inclinações para a ficção. A explicação para esta escolha está no fato de que sexualidade sempre foi um tema tabu, estando bem presente nas relações de dominação da sociedade patriarcal. A própria esquerda de um modo geral sempre considerou a sexualidade como um assunto de pauta não prioritário em suas discussões nos anos 1970. Os grupos homossexuais e, sobretudo os grupos feministas da época, procuram avançar na compreensão do tema, valorizando o prazer, lutando contra a discriminação, combatendo a visão de sexualidade unicamente para fins de reprodução. Em João Pessoa, a conjuntura política do país contribuiu de certa forma para o afloramento de produções que investigaram a sexualidade. Para Henrique Magalhães: A importância dessa fase é a contemporaneidade com o que o cinema respondeu à efervescência das mudanças políticas, sociais e existenciais do início dos anos 80. O cinema na mão de cineastas envolvidos diretamente com esta nova realidade, tornou-se um objeto de reflexão, militância e provocação, conseguindo com eficiência suas respostas, através do grande fluxo do público às exibições e gerando discussões em torno das ideias transmitidas (MAGALHÃES, 1987, p. 2).
Neste período, final dos anos 1960 e início dos anos 1980, surgem os grupos: Maria Mulher, cuja linha de atuação se orientou no sentido e refletir a opressão da mulher e grupo homossexual; Nós Também, que desde a sua criação em 1980 se emprenhou em direcionar sua força contra qualquer tipo de discriminação expressando-se principalmente pela livre opção da sexualidade através da arte. Isto é o que também confirma Bertrand Lira: É também nesse contexto de abertura que surgem grupos de militância sexual, racial e partidária, entre outros, que antes, devido a conjuntura política, permaneciam sem se manifestarem. Em João Pessoa, é criado o ‘Nós Também’ um grupo de militantes homossexuais, que tinha como proposta original, a de militar através da arte (envelopes que continham fotos, poesia, arte-xerox etc.), pichando muros, fixando outdoors e até com a produção e realização de um filme: ‘Baltazar da Lomba’ ... Fruto de longas discussões entre os componentes do grupo, responsável pela sua produção, direção e realização, resultando num filme bem acabado (LIRA, 1986, p. 8-9).
Do conjunto de 13 filmes que manejam acerca da questão da sexualidade, o enfoque escolhido em 10 deles é a abordagem da homossexualidade5. São filmes que apresentam informações reveladoras sobre o assunto, fazendo uma leitura crítica dos
5 Filmes sobre sexualidade: Esperando João, de Jomard Muniz de Britto, Acalanto Bestiale, Miserere Nobis e Terceira Estação de uma Via Dolorosa, de Lauro Nascimento, Closes, de Pedro Nunes, Cidade dos Homens e Paraíba Masculina Feminina Neutra, de J. M. de Britto, Baltazar da Lomba, do Grupo Nós Também, Era Vermelho seu Batom, de Henrique Magalhães, O caso Carlota, de Machado Bittencourt, Na Cama, de Romero Azevedo, Flagrante Delito, de Rômulo Azevedo, Perequeté, de Bertrand Lira.
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6 Henrique Magalhães em entrevista concedida ao autor observa que alguns filmes de produção do autor receberam apoio do NUDOC quanto à utilização de equipamentos: “Inclusive Baltazar da Lomba que foi proibido pela Polícia Federal, mas passou no NUPPO (Núcleo de Pesquisa Popular) sob a responsabilidade da UFPB”. Situando apenas um exemplo também como contrapartida, os filmes de Jomard Muniz de Britto não receberam o aval da UFPB, o realizador foi diretamente pressionado pelos agentes da Censura Federal tendo que submetê-los ao crivo dos censores locais para exibição pública. De igual modo, Pedro Nunes com o filme Closes foi obrigado a submeter o referido filme à censura com a presença de agentes policiais federais com armas em punho.
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padrões morais e sociedade e suas crescentes formas de punição e controle. Quando confrontados aos filmes de cunho documental da primeira fase desse mesmo ciclo, esses filmes são considerados ousados e até pioneiros pela coragem dos realizadores de trazer à tona o debate sobre a prática sexual entre indivíduos do mesmo sexo, sem as caricaturas ou deboches presentes em grande parte da produção cultural voltada para o mesmo tema. Além da inserção de elementos de experimentação; maior cuidado com a fotografia e montagem, a característica marcante nestas realizações é examinar os condicionamentos autoritários e as regras de comportamento ditadas pela escola, família, igreja, trabalho... refutando os valores retrógados que imperam na sociedade com relação à homossexualidade. Neste sentido esses filmes são extremamente ousados e transgressores principalmente pela forma como apresentam ou debatem os espectros da sexualidade humana. Um dado novo observado nessa retomada da produção cinematográfica na Paraíba é, também, a experimentação da ficção. São filmes produzidos em sua maioria com recursos financeiros do próprio autor obtendo maior repercussão em relação aos trabalhos anteriores direcionados de forma mais acadêmica para o registro social da realidade paraibana. Mesmo tendo em conta que parte dos realizadores tenha sofrido restrições de órgãos oficiais inviabilizando apoios de produção, negando espaços públicos para exibição de filmes ou isentando-se quanto ao apoio aos realizadores quanto às perseguições da Polícia Federal, esses filmes obtêm uma grande aceitação do público6. A partir deles, o Cinema Independente na Paraíba amadurece enquanto proposta, passa a discutir a possibilidade de implantação de uma infraestrutura profissional. Em decorrência desse amadurecimento há, como já dissemos, uma atenção explícita dos realizadores quanto à escolha temática, além da inserção de elementos novos de linguagem, sem cair no didatismo linear dos filmes da primeira fase. O enfoque temático da sexualidade inicia-se com dois filmes de ficção bem distintos: Esperando João (1981), de Jomard Muniz de Britto e O Caso Carlota (1981), de Machado Bittencourt. Os dois, em nada se afinam; o primeiro, em Super-8 ironiza agilmente valores conservadores incrustados na província antecipando o filme de Tizuka Yamasaki – Paraíba Mulher Macho (1983) com grande sucesso no circuito comercial. No filme, Jomard Muniz de Britto utiliza três atores e três atrizes que vivem o papel de Anayde Beiriz, amante de João Dantas e responsável pelo assassinato de João Pessoa, governador da Paraíba na época. Anayde, no filme aparece na eterna espera de João Dantas e se transforma a cada vez que um mágico retira de sua cartola revelações sobre a cidade. Para Lauro Nascimento: O mágico que habita a cidade é um VAMPIRO TRITURADOR que analisa e manipula dados escondidos entre-grades, entre-muralhas, entre-abertas verdades nas janelas mentirosas. [...] Trata-se muito mais de um acender de luzes da cidade em pleno dia para que se leia uma estória dentro da história que sequer igual e repetitiva (NASCIMENTO, 1981, p. 2).
O segundo filme, O Caso Carlota, possui uma narrativa extremamente convencional. Baseado em episódio ocorrido na cidade de Areia-PB em meados do século XIX. Carlota torna-se amante de Quincas Leal, político oposicionista do partido liberal, chocando a sociedade local por sua desenvoltura amorosa. Ofendida publicamente por um integrante do partido conservador, Carlota planeja seu assassinato como vingança. Levada para prisão em Fernando de Noronha após cometer o assassinato, consegue indulto pelo envolvimento amoroso com o diretor do presídio. Recheado de cenas eróticas, o filme não consegue avançar para o aprofundamento do tema que se propõe investigar em forma de ficção. Ainda em 1981, Perequeté, de Bertrand Lira, retrata o preconceito que sofre o artista na província paraibana. Embora sendo um documentário, incluso na primeira fase, o autor mescla sua obra com elementos de ficção demonstrando a discriminação de segmentos da sociedade em relação aos indivíduos que exercem livremente a sua preferência sexual. Já Henrique Magalhães, depois de concluir em parceria com Torquato Joel o filme Les Etoiles (1983) durante um estágio em Paris no Atelier de Cinema Direto da Universidade de Nanterre, elabora Era Vermelho seu Batom (1983). Em 15 minutos, o filme mostra o relacionamento de dois homens num acampamento de carnaval. No vale tudo da movimentação carnavalesca, um deles flagra o outro fantasiado de mulher. A relação se deteriora face a discriminação do parceiro. Segundo o próprio realizador, o filme Era Vermelho seu Batom traduz as inquietações de uma geração também preocupada com os conflitos existenciais como o amor e a solidão e com os grupos ligados a movimentos de libertação de minorias, no caso, homossexual” (MAGALHÃES, 1983)7. O grupo de militância homossexual Nós Também realiza o curta de 18 minutos Baltazar da Lomba (1982) sobre a inquisição de um homossexual na Paraíba no período do império. No entendimento de Gabriel Bechara: Baltazar da Lomba foi o primeiro produto de um grupo que abria mão de uma militância política no sentido tradicional e achava por bem que a linguagem artística era a mais adequada para tratar da questão homoerótica. [...] A preocupação nesse filme é resgatar a história da perseguição, da intolerância em relação à homossexualidade na primeira década da existência da inquisição na Paraíba em 1595. A rebeldia a nível pessoal de Baltazar é uma rebeldia em relação a todo um modus vivendis que as elites portuguesas tentam implantar na Colônia. Eu diria mesmo que Baltazar é o início da irreverência brasileira de tantos outros perseguidos pelos autos inquisitoriais (BECHARA, 1987).8
Retratando ainda a mesma temática da homossexualidade, Closes (1982), de Pedro Nunes, consegue obter um grande impacto junto ao público, imprimindo uma dimensão mais séria para o Super-8. O filme se impõe frente à crítica local, que sempre agiu com reservas e ironias em relação ao Super-8, tornando a discussão da homossexualidade ainda mais ampla. Misto de documentário e ficção, Closes reúne
7 MAGALHÃES, Henrique. Cinema e Província, João Pessoa, A União, 25/05/1983.
8 Entrevista com Gabriel Bechara concedida ao autor. João Pessoa, 14/01/1987.
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Era Vermelho em sua parte documental depoimentos diversificados sobre preferências pelo mesmo o seu Batom sexo. Os depoimentos chocam-se, complementam-se e se contradizem. Na parte de Henrique Magalhães, 1983.
ficção, exibe a relação sexual entre dois rapazes onde um deles é obrigado a abandonar a cidade devido às pressões de família, da imprensa e da sociedade. Segundo Jomard Muniz, O grande rebuliço na província de João Pessoa foi realizado pelo filme Closes. Era a temática nova, a problemática nova em termos de sexualidade, pela beleza formal do filme tinha um encantamento visual muito grande. Isso foi um grande motivo para acender a chama dessa sexualidade recalcada noutros filmes (BRITTO, 1985).
Percebe-se nesta fase a existência de um grupo compacto de realizadores intencionados em fazer filmes inovadores, não só em sua temática, mas também em exercitar o aprendizado da linguagem cinematográfica. Esta exercitação e ousadia temática estão bem mais presentes nesta fase de resgate da ficção. A maioria desses filmes com gestos explícitos de transgressão temática associada à ficção é de obras de produção de autor. Apenas Perequeté dribla a orientação do estágio de Cinema Direto realizado no NUDOC/UFPB em 1981, abordando o tema da sexualidade, lançando elementos de ficção em sua obra. Seguindo esta linha de se confeccionar trabalhos artísticos inventivos, dois auto78
res sobressaem-se do conjunto por atuarem exclusivamente no campo da ficção: Lauro Nascimento e Jomard Muniz de Britto. Lauro Nascimento trabalha a sexualidade sob o prisma da religiosidade. O sagrado e o perverso fundem-se através da ótica barroca sensitiva do irrequieto artista plástico. Em Acalanto Bestiale (1981) e Miserere Nobis (1982) o autor faz uma fusão mística do imaculado e do profano, da pureza e da transgressão envoltos numa ambiência religiosa. De um lado a imaginação de um garoto que materializa Jesus e o ama docemente. De outro, um Jesus contemporâneo adota a filosofia “qualquer maneira de amar vale a pena”. Completando a trilogia ficcional, Segunda Estação de uma Via Dolorosa (1983) é a investida seguinte de Lauro Nascimento com a finalidade de mostrar o lado cru da prostituição masculina entre um intelectual e um michê adolescente que mantém relação sexual unicamente por dinheiro. O lado plástico, a cor, a luz, os cenários e o depuramento da imagem são aspectos importantes enfatizados na trilogia de Lauro Nascimento. Já Jomard Muniz ocupa um lugar de destaque na história do cinema paraibano e do cinema pernambucano. Agitador cultural dos anos 1960 e grande guru e realizador da geração do terceiro ciclo de cinema dos anos 1980, imprimiu em toda sua obra de literatura e cinema uma visão crítica e anárquica da cultura brasileira. É autor de mais de 40 curtas em Super-8. Em sua trilogia paraibana de filmes sobre sexualidade Esperando João (1981), Cidade dos Homens (1982) e Paraíba Masculina Feminina Neutra (1982), Jomard Muniz questiona os preconceitos enraizados no cotidiano da província. Cidade dos Homens mostra a forte presença masculina na cidade, nos bares, nas ruas, no trabalho, nas praças... na construção do controvertido Espaço Cultural da cidade de João Pessoa. Mas o filme mais importante do conjunto de realizações de Jomard Muniz de Britto é Paraíba Masculina Feminina Neutra, o terceiro de sua trilogia e o único que consegue realmente radicalizar a linguagem cinematográfica. Esta afirmação é também endossada por Bertrand Lira: “Paraíba Masculina Feminina Neutra é sem dúvidas o mais criativo desse cineasta que vive em constante atividade experimental no cinema. É com ‘Paraíba M.F.N.’ que Jomard demonstra maior intimidade com a linguagem cinematográfica” (LIRA, 1986, p. 8). Nesta obra, o autor investe contra a moral cotidiana, recortando ironicamente a realidade e sempre colocando em xeque o discurso militante. O filme é construído a partir de um discurso fragmentário composto por elementos díspares e imaginários, tais como: um chicoteador que se rende aos pés de Maria Bonita, um professor conservador e uma professora marxicóloga, gerando impacto no espectador pela agressividade das imagens e do discurso verbal. O filme, em três tempos (presente, passado e futuro) agrupa 12 personagens em constante metamorfose que percorrem favelas, becos e vielas de João Pessoa. É o único que consegue realmente lançar elementos novos em termos de provocações da linguagem cinematográfica e da sexualidade. Três outros filmes de restrita divulgação podem ser citados no campo da ficção: Na Cama (1981), de Romero Azevedo, Faon (1983), de Gabriel Bechara e Flagrante 79
Delito, de Rômulo Azevedo. A importância desse ciclo marcado pela ampla receptividade do público se caracteriza pela busca de uma estética própria. Embora não tenha existido uma subversão no tocante ao avanço depurativo da linguagem, houve as iniciativas que se encaminharam neste sentido, e o que é muito importante, exercitou-se a ficção discorrendo sobre a homossexualidade. A ruptura fundamental presente nessa produção é o enfoque temático em torno da sexualidade e a passagem, sob forma de ensaios, para a elaboração da ficção. Isto representa um dado novo muito forte, pois a Paraíba sempre carregou desde décadas anteriores o traço notadamente documental em sua filmografia. É o que confirma Henrique Magalhães.
Baltazar da Lomba Direção coletiva, 1982.
A mudança proporcionada pelo uso do Super-8 como veículo dos novos experimentadores em cinema, deu-se pela preferência de se traduzir suas mensagens através da ficção, rompendo a tradição documental da Paraíba. [...] A opção pela ficção seria um sintoma desse novo tempo, na medida em que ela abre mais espaço para viagens e universos particulares e interiores do cineasta (MAGALHÃES, 1987, p. 2).
A escolha pela ficção é aqui entendida não unicamente enquanto produtos culturais com um roteiro criando imaginariamente novas situações, mas sim algo que se nutre e extrapola as próprias contradições da realidade cotidiana. Os documentários Perequeté, de Bertrand Lira, e Sagrada Família, de Everaldo Vasconcelos, foram elaborados no sentido de documentar o dia a dia de um ator e de 80
uma família respectivamente, findam por registrar e ficcionar criativamente recortes de realidades humanas específicas. Isto comprova a dificuldade de se conceituar o que é um filme documentário e o que é um filme de ficção. Há um embaralhamento de gêneros embutido em ambos os filmes. Essa mistura que funciona como recurso criativo. No caso específico de Sagrada Família, o filme não aborda aparentemente a questão da sexualidade visto que aparece oculta, de forma reprimida; o seu realizador explora as tensões psicológicas de sua família, conseguindo a partir da seleção de ângulos, tomadas e estruturação das imagens, uma situação limítrofe de ficção e documentário. Enquadram-se também nesta perspectiva de misturas entre gêneros os filmes de Jomard Muniz, cujas obras adquirem vida própria ao tomar como pano de fundo alguns pontos e locais estratégicos da cidade João Pessoa. Ficção e realidade também se entremesclam com a presença de atores que se inserem performaticamente na realidade e se confundem com os transeuntes. Ao reunir situações díspares como: cultura marginal e cultura oficial, travesti e policial machão, sempre reportadas ou extraídas de situações regionais, locais ou nacionais, Jomard Muniz dispara através de suas narrativas uma avalanche de informações que atuam como nocaute aos valores cristalizados da província. Percebe-se então na leitura de sua obra que documento e ficção se interpõem. Enfim é interessante observar que alguns desses filmes que versam sobre a sexualidade conseguem mobilizar o público, chamar a atenção da imprensa e formadores de opinião por trazer temas polêmicos para o debate. A mobilização em torno desses filmes extrapola o estado da Paraíba a exemplo de Closes, que percorreu vários estados brasileiros e circulou pela América Latina. Nesse período foram construídas alternativas de exibição em forma de animação cultural. Essa iniciativa de circulação dos filmes se distinguia pela busca de canais paralelos junto às escolas, sindicatos, associações de bairro, periferias da zona urbana, zona rural e interior do Estado. É um cinema itinerante onde cada realizador ou integrante da comunidade encontrava fórmulas improvisadas para divulgação e exibição dos filmes, ao ar livre ou mesmo em recintos fechados. Alguns desses filmes também integraram as quatro Mostras de Cinema independente realizadas no contexto do terceiro ciclo de cinema e que possibilitaram o contato com realizadores e filmes de outros estados brasileiros.
Considerações Finais O terceiro ciclo cinematográfico na Paraíba representou a oportunidade de articulação espontânea de grupos de jovens principalmente junto à Universidade Federal da Paraíba, que mobilizaram para produzir cinema enxergando o seu potencial como expressão libertadora. A marca deste novo surto ficou caracterizada pela utilização da minibitola Super-8, adotada por uma geração emergente que utilizou o cinema como ferramenta de traba81
lho ideal para expressão dos conflitos políticos-existenciais em um contexto histórico de renovação da cinematografia paraibana. O resgate do Super-8 enquanto bitola apropriada para experimentação da linguagem e reflexão da realidade regional consistiu numa forma alternativa de gerar conhecimentos, atingindo proporções amplas. A flexibilidade da minibitola ampliou o quantitativo de produções audiovisuais possibilitando a entrada e a capacitação de um maior número de pessoas no processo de criação de filmes. Apesar da relevância do terceiro ciclo de cinema, o uso regular da bitola provocou reações preconceituosas por parte de jornalistas e cineastas da segunda geração do cinema, que reclamava a montagem de uma infraestrutura profissional de cinema. Essa polêmica resultou em dois manifestos polêmicos de Pedro Nunes e Everaldo Vasconcelos, além dos frequentes posicionamentos publicados na imprensa por integrantes do terceiro ciclo de cinema. Diante dessas questões Jomard Muniz argumenta o seguinte: É ridículo essa coisa que tem na Paraíba de muita gente não considerar o Super-8 como cinema, isso é um preconceito absurdo. Os grandes cineastas do mundo usam Super-8, é a possibilidade de se fazer cinema experimental, tanto curta-metragem, como a bitola Super-8 ou vídeo, você tem um campo mais livre para experimentação (BRITTO, 1985).
Henrique Magalhães também reage às críticas formuladas contra o movimento: Alguns críticos e intelectuais insistem na concepção de que o Super-8 não é cinema, fechando os olhos para o que está surgindo de novo no cenário cinematográfico paraibano. Comparativamente, seria o caso de se dizer que o vídeo cassete não é televisão. Mas como, se em ambos os casos os recursos de linguagem são os mesmos? Apela-se então em invocar o argumento de que o Super-8 é um instrumento amador e que os que o manuseiam agem amadoristicamente diante das possibilidades do cinema de captação de imagens paradas e transmissão de ideias em movimentos. Ora, conheço muitos filmes dessa nova safra made in Pb que valem muito mais do que centenas de filmes profissionais em 35 mm que inundam nossas salas de projeção e a cabeça de muitos. Este raciocínio de que estas produções superoitistas não têm valor recai no preconceito que têm as gerações mais velhas e alguns jovens retardatários de que a produção antiga é sempre de melhor valor e que qualquer nova produção é desacreditada talvez pelo simples argumento de que é novo. E desacreditar também que através do Super-8 alguns possam desenvolver linguagem (ou várias) tão original que se torne revolucionária. É pôr água fria na fervura. Se os meninos estão se achando cineastas porque estão fazendo Super-8 é porque eles são cineastas (me incluo nos meninos). O cinema que os meninos estão fazendo é duma realidade interior tão grande que pode até ser chamado de mal acabado, mas nunca pode deixar de ser chamado cinema. 82
Querer que se faça cinema que se fez 23 anos atrás, é como querer que nossos músicos de hoje cantem como Vandré na época de “Caminhando”, e aí corre-se o grande risco de não ser contemporâneo e cair numa real banalidade, como o foi Simone cantando “Pra não dizer que não falei das flores”. (MAGALHÃES, 1983).
A Paraíba tem demonstrado ao longo da história uma vitalidade significativa voltada para o campo do cinema e do audiovisual. A ausência de uma sólida infraestrutura sedimentada por recursos técnicos e financeiros é uma constante que perpassa os distintos ciclos da produção audiovisual no âmbito da Paraíba. A cada novo surto, os protagonistas do processo iniciam pela estaca zero. Tanto as produções do ciclo pioneiro liderado por Walfredo Rodrigues como as do ciclo Aruanda apresentam precariedades de recursos técnicos e financeiros, equipe de trabalho sempre reduzida. O amadorismo e improvisação estiveram presentes nos três ciclos de cinema embora com traços bem distintos. As falhas detectadas nessa produção do início dos anos 1980, como registro linear dos fatos, filmes inconclusos, impossibilidade de exercitação em 16 mm, são condicionantes da ausência de uma infraestrutura básica no Estado e da falta de preparo profissional no campo audiovisual. Se por um lado houve um retrocesso em relação ao formato da bitola e a não criação de uma infraestrutura profissional, por outro lado cabe afirmar que não existiu um recuo em termos de construções narrativas e busca de uma estética própria como marca distinta de uma geração. A violentação desse surto se faz presente quanto à escolha temática que serviu como fator de provocação e debate, ensaio da ficção e, consequentemente, o rompimento com a tradição do filme documental na Paraíba, as condições precárias de produção e a inserção desses produtos culturais de cunho expressamente artesanal junto aos movimentos populares e diversos setores da comunidade. Com uma bitola marginalizada, os realizadores lançam mão da potencialidade audiovisual do cinema e passam a utilizá-lo enquanto instrumento de ação social criando situações de participação efetiva do público. Há nesse conjunto de filmes um valor histórico de construção de memórias mesmo em se tratando dos trabalhos que tiveram a preocupação de registro. Esses filmes são memórias compartilhadas e representam em sua extensão um grande documento visual polipartido de época. Revelam nuances subjetivas de um contexto de época em que atravessa o político, o econômico, o existencial e os gestos criativos de realizadores que trafegam de maneira conflitante entre tradição e os procedimentos de ruptura.
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REFERÊNCIAS BECHARA, Gabriel. Entrevista concedida ao autor. João Pessoa, 14 jan. 1987. BRITTO, Jomard Muniz de. Entrevista concedida ao autor. Recife, 06 out. 1985. CALDAS, Manfredo. Entrevista concedida ao autor. João Pessoa, mai. 1987. FARKAS, Thomaz. Cinema Documentário: um método de trabalho. Tese de Doutorado, São Paulo: ECA/USP, 1972. HOLLANDA, Heloísa B. Impressões de Viagem – CPC Vanguarda e Desbunde: 1960/70. São Paulo: Brasiliense, 1981. LIRA, Bertrand. A Produção Cinematográfica Superoitista em João Pessoa e a Influência do Contexto Social / Econômico / Político e Cultural em sua Temática. Caderno de Textos, nº. 8, João Pessoa: CCHLA/UFPB, 1986, p. 5-12. MAGALHÃES, Henrique. Cinema e Província. A União, João Pessoa, 25 mai. 1983. MAGALHÃES, Henrique. Entrevista concedida à Bertrand Lira. Cadernos do CCHLA, n. 8, 1986, p. 8. MAGALHÃES, Henrique. Entrevista concedida ao autor. João Pessoa, 1987. NASCIMENTO, Lauro. João-Mar de Água e Fogo. II Mostra de Cinema Independente. João Pessoa, 1981, mimeo. NETO, Torquato; SALOMÃO, Waly (Org.). Os Últimos dias de Paupéria. São Paulo: Max Limonad, 1982. NUNES, Pedro. Violentação do Ritual Cinematográfico: Aspectos do cinema independente na Paraíba – 1979-1983. Dissertação de Mestrado, S. Bernardo do Campo: UMSP, 1988.
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ÍNDICE ÍNDI PÁGINA 6
PÁGINA 102
APRESENTAçÃO
A contribuição francesa do Cinema Direto
PÁGINA 10 Cinema e as condições de produção da imagem em Super-8 na Paraíba: aproximações possíveis entre acervo imagético e memória Lara Amorim
PÁGINA 34 A experimentação cinematográfica superoitista no Brasil: espontaneidade e ironia como resistência à modernização conservadora em tempos de ditadura Rubens Machado Jr.
PÁGINA 56 Terceiro ciclo de cinema na Paraíba: tradição e rupturas Pedro Nunes
João de Lima Gomes
PÁGINA 116 Cinema engajado: a temática social como marco da produção paraibana dos anos 1960, 70 e 80 Fernando Trevas Falcone
PÁGINA 134 Jomard Muniz de Britto – um livre pensador a serviço do cinema e da cultura Entrevista com Jomard Muniz
PÁGINA 150 Preservando o “cinema puro” Entrevista com Roberto Buzzini
PÁGINA 156 FILMOGRAFIA
PÁGINA 86 Tecnologia e estética: o Super-8 funda a estilística do direto no cinema paraibano nos anos 1980 Bertrand Lira 5
Jomard Muniz de Britto um livre pensador a serviço do cinema e da cultura POR pedro nunes Foto por Fred Jordão
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“Sobrevivemos pelo desencantamento do mundo e reencantamento das linguagens.” JMB
Jomard Muniz de Britto pode ser descrito como um livre pensador que incorpora a dimensão de um poeta irreverente. Habitualmente esse filósofopoeta caminha na contramão dos acontecimentos. Esse guru acadêmico que vislumbra possibilidades estranhas e radicais no campo da arte, consegue reinventar o seu próprio cotidiano através da inscrição de marcas libertárias e de resistência cultural muito bem expressas em seus manifestos, filmes, declamações, performances e discursos que começam pelo avesso, livros, experimentos e manifestos. Esse seu perfil singular é impregnado por essas diferenças que se proliferam na contracorrente. A sua singularidade criativa e intelectual resulta de um eu plural com múltiplas faces.
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1 Texto apresentado no Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, realizado no período de 23 a 25 de maio de 2007, na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, Salvador/BahiaBrasil.
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Paulo Cunha, em A pesquisa cultural nas margens: universidade, vanguarda, periferia1, faz a seguinte observação sobre a produção conceitual de Jomard Muniz de Britto: Parece claro que o traço unificador mais genérico da produção de Jomard Muniz de Britto é a ruptura com as esferas tradicionais da cultura e a instituição do sentido do novo como produtor do novo sentido. Há um permanente elogio da experimentação, das vanguardas - embora esse elogio seja problematizado pelas próprias contradições que ele expõe. Trata-se, muitas vezes, de uma espécie de antissaudosismo militante em que o novo se localiza como desafio.
Jomard Muniz de Britto é um militante despojado que maneja com ideias inovadoras no campo da produção de conhecimentos e de sua produção cultural. Age e pensa em ritmo de ruptura, confrontos e diálogos. Pode-se dizer que a sua condição de ser revela uma pessoa avessa às convenções, aos rituais e aos protocolos. Integra esses protocolos, mas prefere as dobras, as margens, os paradoxos, a periferia e os percursos errantes. A sua produção intelectual reflete essas contradições e conflitos de um Brasil utópico em busca de novas identidades: “O Brasil não é meu país, é o meu ABISMO”, afirma. Essas posturas pensamentais e performances Jomardianas geram atritos, colisões e promovem a curiosidade. Desaguam e se espraiam em toda sua produção conceitual e fazem do humano pensador Jomard Muniz de Britto uma pessoa amada e odiada por proclamar o respeito às diferenças, por adotar posturas contra as farsas políticas, os valores morais, a hipocrisia social e as imposturas acadêmicas. Jomard Muniz de Britto é por natureza própria um protagonista da cena cultural, polêmico, que se estrutura sob o paradigma da ousadia. Encampa outros adjetivos qualificativos. Essa irreverência enquanto postura existencial de vida contra o que sempre denominou de BURROcracia não impediu que ocupasse cargos públicos de destaque, a exemplo de diretor da Fundação de Cultura da Cidade do Recife ou, ainda, a sua atuação como diretor do Departamento de Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco. Seus textos, produções culturais e legados poéticos ressignificam a vida ao valorizar o contraditório, as posturas libertárias e os novos arranjos estéticos que violentam as construções narrativas mais tradicionais. Em um AUTORRETRATO verbal, Jomard Muniz de Britto relata o seguinte: “Eu sou sobrevivente da Bossa Nova, pra mim, a modernidade surgiu na Bossa Nova e corresponde ao Cinema Novo...”. Em 1964, ano de instauração do Golpe Militar Brasileiro, Jomard Muniz de Britto lança Contradições do Homem Brasileiro, sendo logo em seguida o livro proibido, tempos depois, o autor preso. Na condição de professor da Universidade Federal da Paraíba respondeu a um inquérito policial em decorrência de uma palestra que teve como tema o AMOR. Autor de uma vasta obra literária destacando-se: Do Modernismo à Bossa Nova
(1966), Inventário de um Feudalismo Cultural (1979), Terceira Aquarela do Brasil (1982), Bordel Brasilírico Bordel (1992), Arrecife de Desejo (1994) e Atentados poéticos (2002), entre outros. Glauber Rocha, ao prefaciar Do Modernismo à Bossa Nova (1966), reeditado pela Civilização Brasileira em 2009, nos traça um perfil afetuoso que revela o amplo espectro criativo de Jomard Muniz de Britto. Glauber Rocha assinala o seguinte: O que me fez amigo de JMB foi nossa comum paixão pelo cinema, isso já faz dez anos (em 1956, portanto), na decente Recife. Depois, nosso desencontro de temperamentos criou compensações: JMB veio escrever crítica de poesia numa revista literária que eu dirigia em Salvador, depois veio mesmo para a Bahia, onde agiu com brilhantismo e polêmica nas rodas jovens das artes e letras locais. E assim foi, se revelando palmo a palmo: o crítico de cinema era professor de filosofia, o teórico de poesia era entendido de teatro, o esteta rigoroso era jornalista, o jornalista era professor e o professor sambista, outra vez no teatro! Fascinante timidez evoluindo por meandros táticos, aqui e ali exercendo sua função precisa, consequente. Outra coisa que me fascina em JMB é a sua desaristocratização [...]. Sua erudição é diluída no seu grande interesse pela vida, sobretudo pela vida que o cerca, a que vive nos inesperados caminhos de hoje.
No campo da produção audiovisual, a obra de Jomard Muniz de Britto é igualmente perturbadora e mordaz. Em pleno auge de repressão do regime militar, começa a produzir a partir do ano de 1974, filmes na bitola Super-8. A sua produção audiovisual em Pernambuco é constituída por 28 filmes irreverentes ou por assim dizer, desestabilizadores. Destacamos alguns desses títulos: Ensaio de androginia (1974), Esses moços, Pobres moços (1975), Alto nível baixo (1977), O palhaço degolado (1977), Inventário de um feudalismo cultural nordestino (1978), Jogos frugais frutais (1979) e Jogos Labiais Libidinais (1979). Em 1980, a ação que tramitava na Justiça garantiu a Jomard Muniz de Britto o direito de reintegração à UFPB. A partir daí passa a compor o quadro de docentes do então Departamento de Artes e Comunicação, ministrando aulas no Curso de Comunicação Social. O Brasil desde 1978, em plena vigência do regime militar, se articulava a partir de grupos organizados em favor da Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. A presente entrevista com Jomard Muniz de Britto, realizada no dia 06 de junho de 1985, retrata esse período de vivência intensa do autor em termos da efervescência cultural que forneceu suporte para a construção do terceiro ciclo de cinema na Paraíba. Jomard Muniz de Britto foi uma das figuras de destaque desse movimento por conta de sua sólida formação intelectual, produção de filmes Super-8, participações em seminários, debates e posicionamentos na imprensa. Ele integrou a segunda geração de cinema paraibano, sobretudo com sua produção literária, fazendo uma ponte entre João Pessoa e Recife e atuou de forma ativa junto aos protagonistas do surto de produção audiovisual ocorrido na Paraíba de 1979 a 1983. Como contrar137
resposta ao Cinema Direto, Jomard Muniz de Britto ajudou a criar o Núcleo de Cinema Indireto, estimulou a escritura de manifestos e produziu três filmes na bitola Super-8 que são considerados basilares no contexto de uma produção audiovisual na Paraíba, visto que apresentam marcas de experimentação e transgressão temática envolvendo a sexualidade: Esperando João (1981), Cidade dos Homens (1982) e Paraíba, Masculina, Feminina Neutra (1983). No ano de 2007, a Universidade Federal da Paraíba outorgou o título de Professor Emérito a Jomard Muniz de Britto como forma de reconhecer a sua relevante produção acadêmica prestada à ciência, à cultura e à instituição. Na presente entrevista Jomard Muniz de Britto levanta questões conceituais sobre o cinema, destaca as iniciativas regionais de produção audiovisual, põe em relevo o papel da Universidade Federal da Paraíba, evidencia o contexto de época que circunscreve o Terceiro Ciclo de Produção Audiovisual na Paraíba, levanta os conflitos em torno do Cinema Direto e do Cinema Indireto, fala dos filmes onde a sexualidade é posta em debate, critica as ações da censura no contexto da ditadura militar e sinaliza apontando os principais desafios quanto à ausência de uma infraestrutura necessária para a produção audiovisual na Paraíba. A entrevista inédita integra o corpo da dissertação de mestrado, intitulada Violentação do ritual cinematográfico: Aspectos do cinema independente na Paraíba - 1979 -1983, defendida no ano de 1988 na Universidade Metodista de São Paulo. O que você considera como Cinema Independente e Cinema Alternativo? Você faz alguma distinção entre esses dois conceitos? Associo muito esse problema de Cinema Independente ou Cinema Alternativo ao problema da cultura de um modo geral. Fala-se muito de Poesia Marginal, a Geração de Mimeógrafo, que foi em 70, chamada geração 70, quer dizer, um bocado de poetas, escritores num sentido mais amplo, mas preponderantemente poetas, que com dificuldades de acesso às grandes editoras, começaram a furar o circuito de divulgação dos seus trabalhos, através de uma produção independente. Eles próprios, através de recursos artesanais - mimeógrafo - iam divulgando seus trabalhos. Havia uma produção. Tem a tese interessante chamada Retrato 138
de Época, que afirma de início: era uma produção que estava ligada a grupos, como Nuvem Cigana, Frenesi, quer dizer, poetas, cada um com sua característica própria, mas que se agrupavam. A produção independente surgiu por uma necessidade de expressão do pessoal, e de furar o bloqueio das editoras. Todo o circuito, tanto a produção como a difusão em si, iam aos bares vender seus livros, para as portas de teatro, aos lugares onde tinha um público, que eles achavam que tinha identificação com essa proposta de trabalho. O cinema que foi feito na década de 70, no nosso caso, sobretudo nos meados de 70, que se pode chamar de Produção Independente ou Alternativa (esses rótulos são muito questionáveis) que se coloca dentro dessa produção mais ampla da cultura brasileira alternativa, marginal ou marginalizada dos
grandes circuitos, das grandes editoras, das grandes produtoras, uma forma de furar esse bloqueio. Poesia Marginal é uma poesia que se fez à margem, ela foi editada à margem das grandes editoras, marginal neste sentido, ou alternativa, com circuito de distribuição ou de consumo, todo o elo da comunicação desde a produção até o consumo, se é que se deve ter um público diferente, uma alternativa diferente para aquela “produção industrial”, eu diria que uma coisa mais de um certo resíduo de coisa artesanal. Na época da censura muito forte, essa “geração mimeógrafo” na literatura... significava, também, um confronto, uma “guerrilha cultural” diante das tremendas frações da censura. Quer dizer que você situa o Cinema Independente dentro desse contexto mais amplo, com outros movimentos, da poesia, teatro. Então, qual a relação de seu trabalho com esses conceitos que você teorizou de uma forma mais ampla, como é que você associa seu trabalho com... As peculiaridades de meu trabalho ou particularidades eu já procuro um pouco justificar, no caso de carecer justificativa, pelo fato de eu ser professor de Comunicação, eu acho que há um certo estímulo para os próprios alunos com os quais eu trabalho, de que o professor não apenas teorize ou discuta problemas de comunicação, mas que ele também se exercite através dos meios de comunicação. Eu gostaria muito de fazer programas de televisão, mas não tenho acesso à televisão; eu participei um pouco de entrevistas de televisão, até como entrevistador convidado da Globo durante algum tempo em
que entrevistei muita gente. Para mim surge como necessidade desse comprometimento didático, de que o professor deve também mexer com os meios de comunicação, e o professor, à medida que faz coisas fracas, também, coisas criticáveis, e isso tudo mostra que ele está se desmistificando também e que os alunos achem que se o professor faz um filme ele também pode fazer. Acho que é dentro desse espírito muito pedagógico. Agora, a coisa ao mesmo tempo extrapola a didática, a pedagogia. Eu sempre fui muito voltado para o problema dos audiovisuais, eu me lembro, teve uma época em que eu dava todos os meus cursos baseados em episcópio e pegava músicas, colagens... e eu me lembro de uma aluna que participava de um curso meu na Secretaria de Educação e Cultura de Pernambuco e disse: “Isso parece Godard, essas montagens que você faz”. Eu cheguei ao cinema através de um trabalho audiovisual, música e colagens, uma montagem que eu fazia com episcópio, eu treinava muito em casa para que houvesse a coincidência do ritmo e da música com aquelas imagens que eu mesmo projetava. Eu achei esse encaminhamento de chegar ao cinema da década de 70, já que estava desligado desde fins de 50... época dos debates dos filmes, cineclubismo, etc. É uma motivação didática ligada a essa paixão que eu tenho pelo audiovisual. De 1978 a 1983 nós temos 55 filmes realizados na Paraíba, em sua maioria na bitola Super-8 e alguns no formato 16 mm. A que você atribui esse surto de realizações? São tantos fatores. Primeiro a necessi139
dade de retomar uma própria produção que acabaria sendo pioneira na época do Cinema Novo. Isso sempre ficou, apesar de muitos cineastas paraibanos terem ido radicar-se no centro-sul do país, mas ficou dentro da ambiência cultural o desejo de retomar essa linha criativa, dessa produção criativa do cinema. Esse seria um dos elementos, outro, as Jornadas de
Cinema Direto, o convênio com a França gerou uma certa polêmica altamente produtiva. Ao pessoal que era ligado ao Cinema Direto eu colocava numa linha paródica o Cinema Indireto, que é um cinema oblíquo. Questionar um pouco o perigo de um certo dogmatismo do Cinema Direto. Mas, a Paraíba teve um mérito, um mérito, inclusive, que acho
II Mostra Cinema em Salvador tinham um efei- importante, de ter recriado o Cinema de Cinema to de demonstração... assim você via as Direto, de ter deturpado o purismo do Independente produções que estavam se realizando nos Cinema Direto, a proposta do Cinema em 1982
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outros estados. Isso era uma fonte de estímulo para quem queria. Aqui em Recife, a influência do crítico Fernando Spencer, também cineasta, divulgava muito, como também Celso Marconi divulgava a Jornada de Cinema de Salvador. As pessoas queriam participar, iam, e para participar tinham que fazer filmes. Eu coloco muito isso e também na Paraíba o problema da universidade que houve com o
Direto. Recriação incluindo tudo, aspectos de deturpação, de formação da proposta inicial do Cinema Direto, de uma certa pureza do Cinema Direto. Então, a Paraíba é um negócio... as impurezas paraibanas, as impurezas do “masculino neutro”, como tem as impurezas do branco do poeta Carlos Drummond de Andrade, as impurezas do audiovisual que são as manchas paraibanas, as tintas
paraibanas dentro de uma certa “ortodoxia diretivista” por parte dos franceses. E depois, a facilidade de se fazer Super-8, em termos econômicos, é claro que muita gente tinha vontade de fazer 16 mm, 35 mm, terceira dimensão, mas não se tinha grana, não se tinha condições econômicas. Na década de 70 era uma coisa viável, eu pude fazer vários filmes com recursos próprios, com o meu salário de professor, sem ajuda de nenhuma instituição; conseguia tirar do meu salário para produzir esses filmes, quer dizer, entrava na produção atores que nunca ganharam dinheiro comigo, mas alguns técnicos de montagens e cinegrafistas tinham um cachê simbólico que eles pediam, a parte de montagem... não era só o filme virgem não, mas alguns técnicos recebiam, e isso, com meu salário de professor, e hoje em dia a coisa seria muito mais difícil. Estou colocando a Paraíba, mas o intercâmbio entre Recife e João Pessoa é muito grande, sobretudo, por eu transitar semanalmente entre as duas cidades... eu tenho que colocar a coisa do ponto de vista da Paraíba e de Pernambuco também, inclusive retomando aquele casamento tão ideal e tão perfeito que foi o do fotógrafo Rucker Vieira com o Linduarte Noronha, nas origens do Cinema Novo paraibano. Observamos nos filmes paraibanos pioneiros e na segunda geração de cinema uma tradição de cinema com uma perspectiva documental. Neste novo ciclo de cinema produzido na Paraíba você consegue ver um corte nítido entre o documentário e a ficção, ou não? Mais do que um corte, é uma ruptura
mesmo, e isso para os defensores de um cinema, de uma linha da pureza documental. Essas pessoas, evidentemente, se sentiam muito incomodadas, eu diria talvez, agredidas. Havia uma tradição sólida, muito forte, uma tradição cristalizada de um cinema feito por cineasta antropólogo ou etnólogo, da linha muito mais Aruanda, da matriz Aruanda do Linduarte... Pois quando surgiu essa coisa ficcional, a abertura para uma fantasia criadora, mistura de documento com ficção, gerando ficções mais audaciosas. Isso naturalmente bulia muito com as tradições do documentário, não só paraibano, mas nordestino, brasileiro. As produções independentes em Super-8 tendem para experimentação com inovações da narrativa. É isso que observamos no conjunto de produções emergentes em vários estados brasileiros. No entanto, percebo no conjunto das realizações paraibanas a utilização de códigos convencionais que tomam como modelo o cinema de concepção dominante. Identifico uma ausência de criatividade, falta ousadia para a grande maioria dos jovens da terceira geração. Eu consigo enxergar essa ousadia nos filmes de ficção ou propostas híbridas docuficcionais. A linhagem documental, documentarista, tem as amarras históricas muito nítidas. O documentário faz uma opção, ou certo comprometimento, uma certa amarração histórico-social, ou históricosociológica, ao passo que a ficção joga com as asas da liberdade. Embora, toda a ficção reflita um momento histórico. O 141
projeto ficcional é justamente o projeto de jogar com o imaginário. Logo, a palavra que você usou antes, um comportamento mais audacioso, um desafio maior para a parte inventiva, estaria na ficção, embora sem tirar o mérito da criatividade que existe nos documentários. Mas, eu acho que há um apelo mais veemente de identidade criativa na ficção. O problema mais sério é a partir de quando, por exemplo, Jean-Claude escreveu muito bem, por uma crítica ficcional, que esses territórios de documentário e da ficção já começam a estar muito minados, uma vivência, uma reflexão, não só a vivência, mas uma reflexão metalinguística, coloca muito, sobretudo a contribuição de semiologia e da semiótica. As análises, assim, freudianas, lacanianas, já mostravam que esses territórios são territórios minados, e que não existem fronteiras rígidas, separando a ficção do documentário. E esse documentário, de qualquer forma, documenta o real, e também o que existe de ficcional na própria intenção ou na própria linhagem do documentarista. Eu acho que é a colocação mais forte a ser feita, justamente isso é uma coisa da década de 70 pra cá, é mostrar que não existe esse purismo documentarista, e que o documentário... ele aparentemente é um documentário, é um reflexo... reflexão sobre a realidade, mas tem muita coisa do delírio do autor, do apriori ideológico do autor... ele vai ser a realidade através de uma angulação sociológica (psicologia social) antropológica e isso condiciona a visão dele da própria realidade. As fronteiras se tornaram muito fluidas, o campo de ambiguidade tende a crescer cada vez mais nessas relações de documentário com a ficção. 142
Embora eu conheça muito bem o seu trabalho, eu queria que você falasse sobre os seus filmes e temáticas perturbadoras. Considerando num todo, num conjunto, ou num bloco, diria que é a problemática da crítica da cultura. É uma coisa meio pernóstica, mas é uma coisa que a gente tenta exercitar na universidade, que é a coisa da crítica cultural, muito ligada à cultura brasileira, especialmente. Eu procurei mobilizar o audiovisual, especialmente o Super-8, dentro dessa perspectiva de crítica cultural, que em alguns filmes a coisa é bem evidenciada, ela tem um destaque muito... talvez mais do que óbvio, como Palhaço Degolado e Inventário do Feudalismo Cultural, esses dois filmes eu acho que definem bem. Outras Cenas da Vida Brasileira, também. A minha produção paraibana é uma produção muito limitada, são três filmes de mais ou menos 30 minutos, Esperando João, A Cidade dos Homens e Paraíba Masculina... O primeiro é uma tentativa de me antecipar ao filme da Tizuka Yamasaki sobre Anayde Beiriz, mais uma vez mostra a facilidade do Super-8. Na verdade eu assisti a uma palestra de José Joffily no Departamento de Artes e Comunicação; durante a palestra uma professora e ex-aluna nossa, Maria das Graças, fez uma pergunta ao Joffily sobre o problema das ligações daquele assassinato de João Pessoa àquela trama entre João Dantas, João Pessoa e Anayde, se havia um comprometimento ideológico, ou era mais um caso sentimental, um caso de amor, de uma paixão desvairada. Aquela pergunta, e até a própria notícia de que a Tizuka estava interessada em fazer um filme sobre a
Anayde Beiriz, me levou a ler o livro de Joffily, e de fazer um autodesafio a mim mesmo. Vamos fazer um filme antes do filme da Tizuka. É... essa coisa que eu diria assim: o espírito parodístico, a coisa da sátira, da paródia, que a gente gosta de usar muito como instrumental da crítica da cultura. E o que a gente pensou foi o seguinte: dar uma versão pirandeliana da Anayde. Seriam seis pessoas ou sete incluindo a narradora, seriam sete imaginários da Anayde Beiriz, como eu via, e como os autores tinham uma importância muito grande, cada um concebeu a sua Anayde, como o ator Francisco Marto, que pesquisou muito. O Esperando João é essa colocação. São três atores e três atrizes, cada um encarnando, corporificando a Anayde Beiriz. É muito como se fosse a ótica da cidade de João Pessoa, através da mulher, da condição feminina. Por isso eu fiquei interessado em fazer dentro deste espírito parodístico inspirado em Fellini de A Cidade das Mulheres, fazer A Cidade dos Homens, que foi o segundo filme, mostrando a presença predominantemente masculina na vida da cidade, desde o amanhecer, os pescadores indo trabalhar, os operários que estavam construindo, o tão controvertido Espaço Cultural, a manhã na vida da cidade, os pontos que têm um aglomerado masculino maior, bares, Ponto de Cem Réis. E o terceiro é a pretensão de fazer uma síntese do primeiro com o segundo, uma síntese que avançasse um pouco mais. E a partir da música Paraíba Masculina... misturando essa música com uma leitura que faço barthesiana de um livro chamado... Masculino Feminino Neutro. Eu fiz Paraíba Masculina... E que eu acho que depois o que eu escrevi... (você
pega aquela página que saiu na edição de IV centenário da Paraíba, em A União) procurei teorizar mais a minha interpretação da cultura paraibana, dos modos vivenciais paraibanos. Eu queria que você fizesse uma leitura geral desse bloco de filmes. Que elementos você considerou importante nesse conjunto de realizações? O grande corte, ou a grande ruptura em relação à tradição anterior do filme paraibano mais contaminado pelo ideal de uma certa pureza documental, foi justamente essa coisa da fantasia e sobretudo a fantasia erótica, esses filmes no conjunto dinamizavam esse dado da fantasia erótica, o fantasma da fantasia e do imaginário erótico, muito recalcado na província, assim, as pessoas numa leitura mais superficial, mais rápida diriam: é o toque do homossexualismo, inclusive gostei de ter criado a expressão “Cineguei”, mas no sentido do Nego da Paraíba, do verbo neguei, passado do... Cineguei, quer dizer, várias leituras dessa expressão. Mas não fica só nesse toque homossexual, homoerótico, é o problema do erotismo num sentido mais amplo, dentro daquela visão mesmo, muito questionada pelos pósfreudianos, que colocam essa dimensão da sexualidade como sendo perversa e polimórfica. Gostaria de citar, já que falei em Freud, uma entrevista recente de Wally Salomão que está dentro deste pensamento, dentro da tropicália, até essa produção independente, o Wally Salomão disse: “eu quero ser, eu me assumo”. E cita a expressão de Freud: “O perverso e Polimórfico”. A perversão 143
é o dado polimórfico da sexualidade. Essa é, pra mim, a contribuição mais abrangente da fantasia erótica. Havia também o sociólogo muito contestador, ele quer ser, sobretudo, antissociólogo, contra os modelos uspianos, ele tem uma formação uspiana, mas tenta passar um pouco de cuspe nessa formação dele, que é o Gilberto Vasconcelos. Ele viu o filme
misturando no caldeirão dos mitos de Braúlio Tavares, pra ver isso, essa coisa, esse dado novo, que está muito ligado a toda essa produção cultural independente, esse aflorar, deflorar, transpirar a sexualidade no sentido mais aberto, mais ambíguo, do que eu chamaria da perversão, no sentido positivo e da transgressão e da polimorfia.
Pedro Nunes do nosso caro amigo Manfredo Caldas, Por que a preocupação por parte dos refala ao público no lançamento de Closes, 1982.
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Cinema Paraibano - Vinte Anos, que é uma antropologia muito bem realizada, que tem um dado muito importante, inovador, joga homenagem a Dziga Vertov... o Gilberto Vasconcelos assistindo ao filme e depois a um debate que eu fiz na sala de aula, fez o seguinte comentário: “mas o cinema paraibano não tem um beijo!”. Quer dizer que a sexualidade anda muito reprimida, opinião do Vasconcelos, um sociólogo antissociologal, um ensaísta da cultura. Eu jogo isso, os dados do Freud, do Wally Salomão, do Vasconcelos,
alizadores em abordar a questão da sexualidade? Existe um dado importante, pois são esses filmes, que já conseguem atingir um grande público, seu filme Esperando João... e um exemplo disso visto que foi apresentado em quatro sessões. É uma coisa interessante, muito importante, porque até então, havia uma letargia, e mesmo os outros filmes num estilo mais documental, no sentido de registrar a realidade, conseguiam certo público, mas isso em nível de trabalhos mais ligados à comunidade, aos mo-
vimentos de bairro... Mas os filmes que abordam a sexualidade extrapolam isso aí, criou-se em nível de público também. Esses filmes que estão mais ligados às comunidades são um cinema que pretende ser militante, mas é um cinema de assistencialismo social, é o problema do cinema como serviço social. Agora, o que acho dentro dessa temática nova dos curtas paraibanos, não tenha a menor dúvida, que não é apenas por motivação psicológica-sociais, mas em termos de um marco objetivo, é o filme Closes, que por coincidência foi realizado pela pessoa que está me entrevistando agora. O grande rebuliço na província de João Pessoa foi realizado pelo filme Closes. Era a temática nova, a problemática nova, em termo de sexualidade, pela beleza formal do filme. O filme tinha um charme, um encantamento visual muito grande. Isso foi um grande motivo para acender a chama dessa sexualidade recalcada nos filmes. Coloco isso objetivamente, foi Closes. Todos os meus filmes são devedores do filme Closes. Acho que os filmes de Henrique Magalhães, do Lauro Nascimento, estão dentro dessa linhagem, a partir do que Pedro Nunes fez. Não era somente o filme exibido, era todo um movimento antes de divulgação, de mobilização da comunidade, o interesse, os debates em rádio, na universidade, no DAC, esse circuito de divulgação, essa animação cultural, que o filme Closes promoveu, propiciou, e que nós pegamos, somos os afluentes dentro desse movimento da animação cultural closística.
Quanto à veiculação de filmes, qual o papel da animação cultural, enquanto fator decisivo para o debate dessas realizações? O fato de estarmos ligados à universidade, as pessoas todas que participaram desse movimento de curta-metragem, são pessoas ligadas, direta ou indiretamente, na condição de aluno-professor, de professor-aluno, ao Departamento de Artes e Comunicação da UFPB. Nós vivemos o DAC na época das produções, um clima de animação cultural muito grande. Essa animação cultural pré-existia aos filmes. O próprio DAC era sinônimo de alguma coisa bendita (por que não maldita?) dentro da universidade, um corpo estranho dentro da universidade. Toda essa dinâmica, essa mobilização, filhos bastardos do DAC. Então vejo essa animação cultural como um projeto muito intencional e não apenas como uma missão pedagógica, mas como um trabalho maior uma dinâmica dentro da comunidade. O importante é fazer a justiça histórica. O trabalho nosso é de resgatar, não o passado glorioso ou esses momentos culturais, mas resgatar a nossa contemporaneidade, a memória do presente, a memória viva do presente. O teu trabalho é importante enquanto isso. Não esperava fazer uma revisão histórica desses filmes daqui a dez ou vinte anos não. É na linha da tese, da dissertação de Carlos Messeder, Retratos de Época, que reflete o presente, é a contemporaneidade em Closes, o Closes da contemporaneidade.
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Nós tivemos alguns cineclubes, não de forma tão organizada como nos anos 1960, mas tivemos alguns cineclubes como: Cartaz de Cinema, Filipéia, SESC, DCG. Esses cineclubes e as Mostras de Cinema tiveram um papel importante nesse terceiro movimento de cinema.
abre para propostas novas. É a universidade como um polo mais catalisador de tudo isso, porque essas pessoas estão ligadas diretas ou indiretamente a uma convivência na universidade. A crítica cultural passa pela própria universidade, ela é, sobretudo, uma autocrítica cultural.
Não tenho a menor dúvida. Mas depois de ficar tanto tempo sem uma prática de debate, as pessoas, os jovens, a geração famosa do AI-5... esse pessoal ainda está carecendo muito de prática de debate, do que se fazia na década de 1960, os chamados cine-fóruns, havia uma regularidade, um hábito de se debater. Hoje em dia, na sala de aula para fazer um debate, o pessoal está desacostumado. Esse movimento de cineclubismo que surgiu, mesmo espaçadamente, de uma maneira mais informal do que aquele cineclubismo institucionalizado das décadas de 1950 e 60, foi um fator muito bom para as pessoas começarem a falar, a perder o medo, perderem o acanhamento. Hoje em dia tem alunos que dizem: “Que bom, professor, que a gente teve a oportunidade de falar, quando eu comecei a falar estava todo empulhado”. Inibido não, empulhado mesmo. E com a prática, os debates que aconteceram, a imprensa... O papel da imprensa, especialmente na Paraíba, foi muito forte, a imprensa dava uma força muito grande, havia um espaço muito aberto para o que a gente chama de animação cultural. Pessoas como Carlos Aranha, Walter Galvão, participaram muito dessa polêmica cultural, desse debate cultural. Animação Cultural é tudo isso; é você ter espaço no rádio, na imprensa, na imprensa governamental do jornal A União, que
A Censura Federal atuou com bastante veemência em algumas ocasiões com agentes federais armados com metralhadoras em punho, a exemplo da dispersão da II Mostra de Cinema Independente que coordenei em João Pessoa no ano de 1981, ou mesmo atuação da censura por ocasião do lançamento do filme Closes, ou mesmo do seu próprio filme Paraíba, Masculina Feminina Neutra. Eram ações intimidatórias com demonstração de força. Como você analisa essas intervenções da censura? Realmente. A censura estava sendo competente, estava realizando seu papel. Se existia uma censura ela tinha que se exercitar como censura. Você tinha que mostrar o filme antes. A censura era arbitrária e tinha que ser arbitrária, porque a época era disso, de arbítrio. Essa pressão da censura, mais do que a pressão, a repressão da censura, era o papel que ela estava representando, era uma performance censória típica do regime militar. Ela tinha que ser competente, mostrar que era competente, que era exigente e criava casos. O papel da censura era reprimir. Diferente de como se coloca agora, desse movimento de anistia e tudo mais. Um personagem... eu acho que o Dr. Pedro, que comandava essas ações, merecia até um filme, um vídeo sobre ele. E não somente essa censura institu-
cionalizada, a censura formal, mas também alguns jornalistas, não vamos dizer que vivíamos num mar de rosas não, alguns jornalistas conservadores, retrógrados, xenófobos, fizeram movimentos mais impetuosos, mais virulentos, mais sanguinolentos do que a própria censura, o Wellington Aguiar não me deixa mentir, que fez um trabalho de uma crueldade censória absurda e absoluta... notável! O Cinema Direto enquanto uma das atividades do Núcleo de Documentação Cinematográfica da UFPB... Como você analisa o Cinema Direto tendo se distanciado, já um pouco mais... Por mais que os franceses e alguns paraibanos afrancesados desejassem manter uma fidelidade rigorosa ao projeto do Cinema Novo Jean Roucheano, a província paraibana era tão “torta”, troncha e distorcida que ela distorceu esse projeto logo no começo. Quando as pessoas defendiam, elas já defendiam sabendo que era uma constatação, uma impossibilidade de se fazer Cinema Direto na Paraíba. Era um projeto impossível, ele tinha que ser renegado, é esse comportamento antropofágico. Era uma compensação da falha do projeto, porque era um projeto manco, e à medida que, manco como o Jango era manco, ele pendia para um lado, e à medida que ele tinha que ser realizado na Paraíba, ele já começava a ser abortado, a ser visto... A proposta do Cinema Direto é uma proposta que vai sendo antropofagizada, quer dizer, os paraibanos comendo os franceses, devorando os franceses. O Cinema Direto começou a ser minado: contaminado pelo vírus paraibano, pelas negações, pelas
negatividades paraibanas. Dá para escrever uma tese: “Como o Cinema Direto se torna Indireto na Paraíba”. Como o Cinema Direto entrou nesse sistema antropofágico de deglutição, de devoração de seus próprios deuses e mitos. Como ele foi repensado, questionado na Paraíba, como ele possibilitou um movimento paralelo a ele, de pessoas que estavam ligadas a ele, mas que faziam a sua antítese. Foi bom. Foi um movimento vivo, as picaretagens são muito comuns no campo da cultura, os jogos de interesses, as facilidades, as barganhas. Se não existisse essas picaretagens não existiria cultura, a cultura ficaria numa redoma, sacrificada, faz parte da vida cultural esses jogos de interesses, essas ligações perigosas entre o artista e o poder... O artista querendo fazer uma coisa independente, mas ele está atrelado ao esquema, à universidade, ao poder. E o negócio para a província é um negócio fascinante. A Europa, o mito da Europa. Esse convênio do NUDOC com o Cinema Direto francês possibilitou esse frenesi cultural de pessoas que ficavam: Vamos ver como é a Europa, Paris cidade luz, vamos ter transas europeias, vamos conhecer os homens e as mulheres francesas. Quer dizer que você postula que houve uma deformação da proposta, da matriz do que seja Cinema Direto e ao mesmo tempo isso despertou um desejo, uma fascinação da questão de ir a Paris? É difícil pra eu comentar mais porque não fui a Paris, o problema mais sério é esse, mas é bom ouvir as pessoas que foram, até mesmo mais de uma vez. As pessoas que participaram do projeto 147
mais diretamente é que têm um melhor depoimento a dar. Eu, numa visão vulgarmente chamada de despeitada ou uma visão dos marginalizados, dos não beneficiados, diria que esse pessoal que teve oportunidade de ir à França, uma
mas o nível era bem elementar, parece que o curso não funcionava bem, havia muita pobreza técnica, e não uma pobreza intencional, uma pobreza por falta de habilidade, por carência, eu sentia muito isso; o som direto não funcionava; em
Sessão de oportunidade muito boa, inegavelmen- princípio qualquer coisa com som direestreia de te de intercâmbio cultural, de conhecer, to era Cinema Direto, usou som direto Closes de atualização, esse pessoal na volta não é Cinema Direto, não é. Os professores em 1982
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colocava muito, a não ser para grupos pequenos de amigos, o que eles tinham aproveitado lá, acho que deveria participar do convênio, de qualquer convênio, as pessoas na volta dar uma geral do que viu, isso é importante, as pessoas só falavam quando eram solicitadas, já devia fazer parte do esquema de trabalho. Agora, sobre a produção do Cinema Direto, era uma coisa tão variada, é difícil a gente colocar, inclusive, o problema mais sério era a deficiência técnica dos filmes, não que eu esteja defendendo um tecnicismo,
que iam ou vinham não satisfaziam não, o problema de língua, de linguística, um negócio muito fraquinho em termos de criatividade no plano da técnica, de um modo geral. E esse sistema, esse exercício de colocar logo as pessoas com a câmera é bom, isso quando você tem filme, é o de aprender fazendo, mas eles desmistificavam o problema técnico, é aquela coisa muito francesa, de uma certa linha francesa, de um certo enciclopedismo de uma camada de cineasta faz tudo, e eu acho que era muito papo furado, e o que
sempre caracterizou o cinema é ser uma arte coletiva, toda angústia de criação é uma angústia compartilhada, uma angústia coletiva, esmo o cinema que não seja industrial, o cinema Udigrudi, o cinema é sempre uma proposta de criação coletiva, então por que esse negócio de uma só pessoa fazer tudo? Isso é uma das bobagens do Cinema Direto, o camarada ser o autor da ideia, o diretor, o fotógrafo, o cinegrafista, o montador, o editor do filme, eu acho isso uma bobagem, porque pode ser o mito do Chaplin, o gênio da criação, mas isso pode funcionar ou não, pode ser o Cinema Direto, Indireto, Oblíquo, mas o cinema é basicamente uma arte coletiva. E essa coisa da pessoa fazer tudo como aprendizado é interessante, faz parte de certa inclinação, pessoas que gostam de fazer montagens outras não, pessoas que gostam de trabalhar na trilha musical, embora que no Cinema Direto não tenha esse negócio de trilha musical. Em síntese, existia uma certa bitola, não no sentido da bitola Super-8, mas a bitola ação, ou um certo padrão, o que era Cinema Direto, por mais que houvesse essa deturpação, no bom sentido que estou falando, essa antropofagização do Cinema Direto Francês, mas as pessoas tinham na cabeça um fantasma, o Cinema Direto é isso, um certo modelo prejudica, castra a criatividade. Um pessoal jovem querendo ousar mais, mas no modelo do Cinema Direto havia aquela pressão em cima do que era direto, o que não era direto, e tem alguns que fizeram o Anticinema Direto, o não Cinema Direto. Mesmo assim, foi tanta coisa feita que eu não sei se conheço todos os filmes.
Considerando que essas realizações em sua maioria foram feitas em Super-8, que perspectiva se apresenta ante o surgimento de uma nova tecnologia que é o vídeo? O que muita gente está fazendo é transcrever esses filmes em vídeo, em que se começa a surgir um circuito de vídeo, e eu confesso, não tenho me motivado, não só pela falta de grana, mas por preferir fazer filmes novos, do que copiar. O vídeo agora está desempenhando o papel do Super-8, o fator econômico mais uma vez, a facilidade de se fazer Super-8 é relativa porque o equipamento do vídeo é muito caro, e você tem que depender de um amigo, de um grupo, mas no vídeo a fita é muitíssimo mais barata, a dinâmica é outra. Tudo pra mim é cinema, como dizia Glauber Rocha: tudo é produto audiovisual, cinema, TV, vídeo, Super-8, é ridículo essa coisa que teve de muita gente não considerar o Super-8 como cinema, isso é um preconceito absurdo. Os grandes cineastas do mundo usam Super-8. É a possibilidade de se fazer cinema mais experimental, tanto curta-metragem como bitola Super-8 ou vídeo, você tem um campo mais livre para experimentação.
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AS COMPLEXIDADES DA SEXUALIDADE EM DIFERENTES CONTEXTOS DAS MÍDIAS AUDIOVISUAIS 1 Pedro NUNES Universidade Federal da Paraíba
É
com grata satisfação acadêmica que cumprimento todos os presentes juntamente com as diferentes representações de universidades brasileiras que apresentarão trabalhos inéditos neste Fórum Acadêmico do Audiovisual – Matizes da Sexualidade. A presente iniciativa é promovida pelo Núcleo de Estudos em Mídias, Processos Digitais e Sexualidades - Digital Mídia, Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Ação Sobre a Mulher e Relações de Sexo e Gênero – NIPAM e Grupo de Estudos, Pesquisa e Produção em Audiovisual - GEPPAU, ambos vinculados a Universidade Federal da Paraíba. O Fórum Acadêmico do Audiovisual reúne diferentes olhares interpretativos que serão apresentados inicialmente em forma de comunicação e transformados em artigos para publicação de livro coletivo. Os trabalhos aceitos possuem como ponto matriz de irradiação, conhecimentos produzidos a partir do eixo de concentração denominado Mídias Audiovisuais e Sexualidades. Todas essas comunicações materializadas em forma de artigos passaram, de certa forma, pelo crivo dos oito coordenadores e coordenadoras dos Grupos Temáticos de Trabalhos e pelo olhar da representação do Comitê Científico encarregado pela implementação da dimensão acadêmica transdisciplinar do Fórum em questão. Assim sendo, gostaria de igualmente cumprimentar os coordenadores e coordenadoras dos Grupos Temáticos de Trabalhos Artigo apresentado em forma de intervenção acadêmica por ocasião da abertura do Fórum Acadêmico do Audiovisual na Universidade Federal da Paraíba. Para compor a abertura do livro eletrônico AUDIOVISUALIDADES, Desejo & Sexualidades a presente intervenção foi ampliada e recebeu ajustes quanto as datas dos filmes mencionados inicialmente. Devo agradecer quanto ao olhar atento dos colegas Madileide Duarte da Universidade Federal de Alagoas e Everaldo Vasconcelos da Universidade Federal da Paraíba.
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que abraçaram essa nossa desafiadora causa acadêmica que será, mais adiante, um ponto de destaque desta minha intervenção. Esta nossa mesa de hoje, dia 24.10.2011, intitulada AUDIOVISUALIDADES, DESEJO E SEXUALIDADES: olhares transversais, será composta por coordenadores e coordenadoras de GTs provenientes de outras instituições de ensino superior. Assim, destaco que a composição desta mesa é formada pela Profª Dra. Marília Campos, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Profª. Dra. Margarete Nepomuceno do Centro Universitário de João Pessoa, pelo Prof. Ms. Claudio Manoel Duarte de Souza – Dj Angelis Sanctus da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, pelo Prof. Ms. Matheus Andrade da Universidade Federal de Campina Grande e Prof. Ms. Clayton Santos da Universidade Federal de Alagoas. O convite formulado a cada um desses educadores foi pautado exclusivamente pelo mérito acadêmico em termos da produção científica em conexão com os temas que serão trabalhados neste encontro, trabalhos de extensão, atuação diferencial enquanto educadores e educadoras e, principalmente, tendo em conta a atuação em linhas de pesquisas que dialogam com o campo das mídias audiovisuais e sexualidades. Trata-se de educadores e educadoras que trabalham em campos de conhecimento diferenciados. Todos em seus campos diferenciados lidam diretamente, como já dissemos, com os sistemas audiovisuais e as variantes da sexualidade. A singularidade de cada educador se traduz na pluralidade de vozes do grupo. Assim sendo, cumprimento e agradeço, de forma sincera, a todos esses colegas pesquisadores, por estarem aqui na UFPB, por abdicarem de seus compromissos, por aceitarem participar e contribuir neste debate aprofundado que envolve questões inerentes ao estudo da sexualidade no âmbito das diferentes mídias audiovisuais. Como parte integrante da UFPB e, em nome da comissão organizadora do Fórum, quero dizer que sejam bem-vindas e bemvindos! Segundo o nosso mestre Paulo Freire a edificação do conhecimento se materializa capilarmente através das ações dialógicas de caráter eminentemente participativo. O educador evidencia ainda que “Se aprende com as diferenças e não com as igualdades”. Em conexão livre com o pensador, quero destacar que
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as diferentes vozes interpretativas que norteiam o presente Fórum Acadêmico do Audiovisual são aqui entendidas enquanto caminhos polifônicos singulares que compõem a pluralidade das ideias em constante movimento do conhecimento. Uma rede semiótica de conhecimentos será entretecida neste segundo momento de atividades notadamente pelo tom mais reflexivo proveniente dos vários afluentes aqui representados em corpo e alma pelos pesquisadores, docentes, pós-graduandos, discentes da iniciação científica entre outros participantes de vários pontos do Brasil. A esse movimento de semiose das ideias, que vem funcionando enquanto tônica constante do Fórum Nacional do Audiovisual associamos as contribuições dos coordenadores e coordenadoras dos Grupos de Trabalhos Temáticos de professores aqui da Universidade Federal da Paraíba. Denominamos esses educadores como o “ouro da casa” (para além de prata da casa) quais sejam: Profª Dra. Virginia de Oliveira, Prof. Dr. Wilfredo Maldonado, Profª. Ms. Norma Meirelles Mafaldo, Profa. Dra. Silvana Nascimento e Prof. Ms. José Baptista de Mello Neto. Da mesma forma, cumprimento e agradeço a participação desses colegas educadores e educadoras da UFPB que também participarão de nossa segunda mesa de trabalho e atuarão na coordenação de Grupos Temáticos específicos. Nessa abertura do Fórum Acadêmico do Audiovisual e saudação reflexiva, cumprimento e me dirijo especialmente ao nosso Diretor do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFPB, Prof. Dr. Ariosvaldo da Silva Diniz. Uma iniciativa de envergadura acadêmica como esta que possui capilaridade e ramificações junto a outras universidades e movimentos organizados, requer apoio e, principalmente, o respaldo institucional materializado das mais variadas formas. Obtivemos esse apoio firme por parte da Direção do CCHLA-UFPB quanto às demandas do Fórum Acadêmico do Audiovisual. Não tivemos objeções e contamos com apoio de toda equipe do CCHLA. Esse abraço acadêmico comprometido, professor Ariosvaldo Diniz, foi fundamental para essa jornada científica e cultural com a duração de 17 longos e prazerosos dias. No entanto, vale registrar que por parte da Administração Central da UFPB, não encontramos essa mesma receptividade
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acolhedora do CCHLA. Pelo contrário, quero registrar em público, que enfrentamos várias barreiras quanto ao atendimento de nossos pleitos com recursos do CCHLA ou provenientes de projeto com recursos próprios de projeto aprovado pelo Ministério da Educação. Isso me faz referenciar Boaventura Santos, no texto A universidade no século XXI onde avalia que as universidades enquanto bens públicos carecem de uma nova institucionalidade. Francamente, direi de forma genérica, alguns gestores públicos se escudam no aparato da burocracia e solenemente sequer esboçam qualquer sensibilidade para iniciativas que dependem do aval da administração. Nestes casos kafiquianos de não ficção, a burocracia universitária estanca ou impõe barreiras que desestruturam iniciativas acadêmicas a exemplo desse Fórum Nacional do Audiovisual, materializado com a III Mostra de Filmes – Matizes da Sexualidade, Mostra Curta Brasil Audiovisual com a seleção de produções audiovisuais através de edital público, realização de minicursos, produção de vinhetas, apresentação de comunicações, debates e reunião em livro eletrônico dos principais artigos produzidos por representantes de vinte oito instituições públicas e privadas brasileiras. Ou seja, sediamos um evento acadêmico altamente complexo, com a participação de várias universidades brasileiras, e ainda tivemos enfrentamento com setor específico da UFPB no sentido de se viabilizar o mínimo que nos é de direito. Não há, na presente enunciação das dificuldades encontradas para erguer este Fórum tijolo por tijolo, qualquer dosagem de ressentimento. Há sim um entendimento por nossa parte de que a nossa dinâmica universitária precisa urgentemente mudar. Falta visão acadêmica. Considero que esse meu posicionamento se traduz em uma postura políticoacadêmica. Nossos gestores precisam ser mais cerebrais e atuarem sem favorecimentos sempre em consonância com as demandas que brotam constantemente no seio da comunidade universitária. Repito de forma enfática, enquanto um educador que vivencia cotidianamente os dilemas da vida universitária, a nossa universidade necessita ser mais ágil e muito mais criativa. Generalizando, as nossas universidades públicas necessitam de muito mais fluidez para com as ações acadêmicas que envolvem o ensino, a pesquisa e a
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extensão. Faz-se necessário destravar a máquina burocrática das universidades habitualmente encalacradas por gestões míopes. O processo educativo pluriversitário requer gestões administrativas transparentes, éticas e simplesmente compromissadas e em sintonia com as dinâmicas acadêmicas. Parafraseando Paulo Freire, não se pode falar em educação sem compromissos. Falo de compromissos em mão dupla, visto que somos partes orgânicas de instituições educacionais que precisam acordar para o século XXI já profundamente marcado pela lógica do pensamento complexo. Ou seja, a realidade acadêmica é multidimensional e deve ser administrada de forma hologramática sem os habituais vícios reducionistas. No entanto, essas barreiras não impedem que as iniciativas acadêmicas aconteçam com muito mais força. Em muitos casos é melhor nem depender, mas isso se caracteriza por uma contradição: querer não depender da máquina administrativa. Mas esse nosso tom crítico também se reverbera pela celebração do conhecimento materializado com o Fórum Nacional do Audiovisual. Celebramos, de forma metafórica, o banquete do audiovisual. Celebramos também a vinda e a contribuição de cada um de vocês professores, pesquisadores, alunos, servidores e demais participantes. Celebraremos ao longo desses dias posicionamentos transdisciplinares que abarcam temas ainda pouco investigados pela universidade. Celebramos aqui o apoio recebido em forma de sustentação acadêmica por parte dos vários Núcleos, Grupos de Pesquisa, Coordenações de Curso e Departamentos da própria Universidade Federal da Paraíba que formaram uma corrente para fortalecer e “segurar a onda” do Fórum Nacional do Audiovisual. Também construímos uma espécie de anteparo externo em forma de fortalecimento político, acadêmico e cultural com o apoio de representantes da sociedade civil, grupos organizados, cineclubes, coletivos de comunicação, produtoras, ONGs e Grupos de Pesquisas de várias universidades brasileiras. Com esse abraço externo ao Fórum Nacional do Audiovisual construímos uma rede importante de parcerias tecidas enquanto base de sustentação da presente atividade acadêmica. Essa carga simbólica dos apoios externos encorajou toda a equipe a caminhar no sentido de cumprir as metas estabelecidas para efetivação do Fórum Nacional do Audiovisual.
Assim, ao me reportar aos compromissos acadêmicos na esfera da UFPB e aos apoios externos quero agradecer, finalmente, aos monitores e monitoras que atuaram neste Fórum de forma voluntárias. Sem o comprometimento desses discentes esse atual Fórum, com certeza, seria outro. A ação desse grupo discente possibilitou a construção de uma identidade diferenciada ao presente Fórum e também se caracterizou enquanto um laboratório aplicado para quem quis vivenciar experiências com planejamento em comunicação, criação audiovisual, documentação, comunicação audiovisual, intercâmbio de informações entre outros pontos.
motivação e a natureza do Fórum Nacional do Audiovisual
Feita as observações e as saudações quero salientar que o Fórum Nacional do Audiovisual – Matizes da Sexualidade, em sua terceira edição totalmente ajustada, também se ampara na forte tradição criativa da produção audiovisual ao longo de várias décadas na Paraíba. Para ilustrar essa força criativa crescente da Paraíba, basta referenciar com o documentário Aruanda (1960) de Linduarte Noronha que é considerado um dos filmes precursores do movimento Cinema Novo brasileiro. Há evidentemente, outros filmes e iniciativas importantes que formam um contexto e que não são aqui destacados. Na década de 1970 podemos fazer um recorte elíptico com três exemplos: Primeiro - a realização do polêmico filme de ficção Salário da Morte (1971) pelo próprio Linduarte Noronha; Segundo - a finalização do documentário O País de São Saruê (1971) de Vladimir de Carvalho e interdição do referido filme por oito anos consecutivos por parte da censura do regime militar; Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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Sobre o terceiro ciclo de Cinema na Paraíba conferir a dissertação de mestrado intitulada Violentação do Ritual Cinematográfico: Aspectos do cinema independente na Paraíba – 1979 |1983, defendida na Universidade Metodista de São Paulo, no ano de 1988. 2
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Terceiro - criação do Curso de Comunicação Social na UFPB, no ano de 1977, tendo como professores Linduarte Noronha (já premiado internacionalmente por Aruanda), Clemente Pereira (fotógrafo de O País de São Saruê), Jomard Muniz de Brito (agitador cultural, superoitista e reintegrado à UFPB pela anistia política), Paulo Melo (crítico de cinema e Assistente de Direção de Menino de Engenho - 1965), Pedro Santos (autor de músicas e trilhas para filmes produzidos na Paraíba) e Lindinalva Rubim (pesquisa voltada para o ciclo de cinema baiano). Em plena vigência do regime militar esses mestres se deparam no processo de formação acadêmica com uma nova geração também disposta em fazer mudanças. A década de 1980, aqui na Paraíba, é então naturalmente marcada por um terceiro surto de filmes que quebram com a lógica da produção documental predominante para um gênero mais híbrido, da não ficção que dialoga com a ficção ou mesmo a ficção no caminho mais experimental. Outra grande mudança presente nesse conjunto de filmes foi a abordagem temática tratando abertamente as variantes da sexualidade. São esses filmes da primeira metade dos anos 1980, em sua maioria na bitola super-8, que realmente fizeram o rebuliço na Paraíba. Lotavam espaços públicos de exibição e mobilizavam novos públicos, sobretudo pela irreverência temática da sexualidade. Neste ponto, Jomard Muniz de Brito foi realmente uma espécie de guru catalisador. Paraíba masculina, feminina neutra (1982), Cidade dos homens (1981) e Esperando João ambos de Jomard Muniz são propostas audiovisuais que escancaram a polêmica sobre a província, os preconceitos, a lesbianidade, a homossexualidade e outros temas intrigantes.2 É um cinema que encampa uma pedagogia da provocação não só pela abordagem temática da sexualidade, mas pela adoção intencional de uma montagem mais cerebral (contra a ordem) e consequentemente mais perturbadora. Outras pérolas da transgressão que marcaram o período: Imagens do declínio - Beba coca babe cola (1981) Bertrand Lira e Torquato Joel, Perequeté
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(1982) de Bertrand Lira, A sagrada família (1981) Everaldo Vasconcelos, Acalanto bestiale (1982), Segunda estação de uma via dolorosa e Miserere nobis de Lauro Nascimento, Era vermelho seu batom (1983) de Henrique Magalhães, Baltazar da Lomba (1983) do Grupo Nós Também. Há outros filmes que integram o referido ciclo de produção audiovisual na Paraíba. Closes (1982), de minha autoria, é também considerado um filme representativo desse período, por mobilizar público e envolver a imprensa para um debate aberto sobre a homossexualidade. A narrativa de Closes foi deliberadamente contruída com depoimentos articulados de forma a gerar atritos (entrechoques) intercalados com cenas de ficção. Na estreia do filme, fomos surpreendidos com agentes da Polícia Federal armados com metralhadoras que exigiram a exibição prévia para autorização ou censura do referido filme. É com a memória que reconstruímos a história. Na exibição portas fechadas para o censor Pedrão (não se falava em sobrenomes) e os em média sete agentes federais com metralhadoras em punho, autorizaram apenas minha permanência e a do atual professor Everaldo Vasconcelos do Departamento de Artes Cênicas da UFPB. Humilhados, encaramos de cabeça erguida, a estupidez e o abuso repetido de intimidação ainda em plena vigência da ditadura. Deduzo que o nosso fio de coragem e esperança estava do lado de fora visto que uma multidão impaciente aguardava o início da sessão de lançamento do filme com informações desencontradas. Em caso de censura se criaria um impasse talvez distinto da dispersão ocorrida com bombas de gás lacrimogêneo por ocasião da abertura da II Mostra de Cinema Independente, no ano anterior – em 1981, no prédio da antiga Reitoria próximo ao Parque Sólon de Lucena, Centro de João Pessoa – Paraíba. Naquele ano de 1981, a demonstração de força por parte dos agentes da Polícia Federal funcionou como publicidade para a Mostra de Cinema Independente mesmo com afronta aos presentes e estragos provocados pelos agentes federais no interior de um espaço público. Com o final da exibição privê – submissão obrigatória do filme Closes à censura, os agentes começaram sair do recinto do Teatro Lima Penante e Pedrão diz – Tá liberado.
Naquele momento, eu o Everaldo Vasconcelos estávamos preocupados muito mais com o atraso da sessão visto que o público se inquietava do lado de fora do teatro Lima Penante. Depois de encarar friamente o estardalhaço em forma de intimidação por parte dos agentes federais, pensei o seguinte: Será que na condição de censor atuante do regime militar na Paraíba o representante da censura federal da Paraíba tenha sido contemplado com os depoimentos preconceituosos presentes no filme contra lésbicas travestis e homossexuais? No entanto o problema que se coloca é que na cena final de filme Closes, o ator Ricardo Correia, em nu frontal, corre em direção à câmera com recurso câmera lenta tendo como áudio a música de Milton Nascimento Paula e Bebeto, interpretada por Gal Costa cujas estrofes em diálogo com a imagem dizia o seguinte: Eles se amam de qualquer maneira a vera Eles se amam é pra vida inteira a vera Qualquer maneira de amor vale a pena Qualquer maneira de amor vale amar
Letra e música se estendiam pelos letreiros finais de Closes. Para época significava um afronta aos ouvidos mais conservadores. No entanto, Sandra Craveiro afirmava: Closes – “sério, poético e libertário”. Talvez não fosse nada disso mesmo que tivesse auxiliado diretamente a decisão de liberação do filme Closes. O fato é que o Brasil, nos anos 1980, estava mudando. O general Figueiredo (1979 1985), acuado pelas pressões civis, flexibilizava a abertura política. Estávamos, juntamente com milhares de outras vozes, cada um ao seu modo resistindo, encarando os aparatos repressores da ditadura com propostas culturais, mobilizações, produções em diferentes formatos. Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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Pena que pena que coisa bonita diga Qual a palavra que nunca foi dita diga Qualquer maneira que eu cante esse canto Qualquer maneira de amor me vale cantar Qualquer maneira de amor vale aquela Qualquer maneira de amor valerá
Assim, este Fórum é um resultado não linear dessas sementes audiovisuais importantes plantadas e germinadas aqui na Paraíba. Ampara-se nessa nossa tradição da produção audiovisual materializada ao longo de diferentes décadas. Toma corpo ou mesmo bebe, de forma antropof´ágica, nesse conjunto de produções audiovisuais dos anos 1980 com marcas poéticas deliberadamente transgressoras que circundam em torno da sexualidade humana, das relações homoafetivas e contra os preconceitos vigentes na época. Esse passado é argumento para sustentação deste Fórum Nacional do Audiovisual. No entanto além de se amparar em nosso passado audiovisual e nesse conjunto de produções audiovisuais dos anos 1980 que abordaram a sexualidade de maneira destemida, este Fórum Nacional do Audiovisual – Matizes da Sexualidade se justifica por questões atuais atemorizadoras. Trata-se do avanço da violência na Paraíba contra mulheres e homossexuais. A Paraíba ocupa, lamentavelmente, o segundo lugar no ranking de crimes de natureza homofóbica. Esses crimes, em sua maioria, permanecem impunes. Essa violência também é crescente contra a mulher. Temos o registro de violência crescente contra a mulher em termos de homicídios, estupros, assassinatos e tentativas de assassinatos. Isso nos Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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A sexualidade foi a tônica constante das produções audiovisuais dessa época aqui na Paraíba. Em particular o filme Closes foi exibido em vários estados brasileiros, e em plena ditadura Argentina – no período da Guerra das Malvinas -, a cineasta Maria Luisa Bemberg e um grupo feminista organizaram uma concorrida sessão fechada com a minha presença em Buenos Aires e o cineasta Mário Piazza, na cidade de Rosario organizou exibições abertas com tradução simultânea. O debate da sexualidade através do suporte em super oito transcendia as fronteiras da Paraíba e resistia as diferentes formas de censura reinantes em vários países da América latina. Em São Paulo, por ocasião das exibições de Closes promovidas pelo Grupo Somos, João Silvério Trevisan, Edward Mc Rae, Glauco Matoso, Eduardo Toledo, Jean Claude Bernadet entre outros intelectuais presentes destacaram a força temática e irreverência do filme Closes associando o trabalho a outras poucas iniciativas também produzidas em outros estados brasileiros.
envergonha e revela a necessidade da existência de políticas públicas mais efetivas por parte do estado.
Ainda nessa primeira linhagem de argumentação audiovisual teremos a oportunidade de conhecer curtas, médias e longas raros, provenientes de distintos contextos socioculturais, ou ter contatos com narrativas audiovisuais do extremo oriente, do mundo árabe, da Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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O Fórum Nacional do Audiovisual – Matizes da Sexualidade está plenamente preocupado com essa discussão das diferentes formas de violência sexual, assédios, assassinatos entre outros temas. Subsídios de vários campos do conhecimento e de várias universidades serão lançados por ocasião desta iniciativa acadêmica que envolve o audiovisual e as complexidades da sexualidade. Esses dados também justificam a nossa intenção deliberada de se promover iniciativas acadêmicas que auxiliem na mudança desse quadro vergonhoso que é a violência crescente na Paraíba. Assim, podemos dizer que o Fórum Nacional do Audiovisual – Matizes da Sexualidade tem como eixo norteador de discussão acadêmica as complexidades que envolvem as várias dimensões da sexualidade. Esse olhar dinâmico envolvendo mídias audiovisuais e sexualidade, como já dissemos, é transversal e se ampara em perspectivas de estudos e pesquisas transdisciplinares. Para a construção dessa perspectiva hologramática em torno das pluralidades da sexualidade, priorizamos dois tipos de argumentações. A primeira modalidade envolve argumentações poéticas de base audiovisual materializadas de forma polifônica em filmes, vídeos, séries para TV, micro séries para hipermídia, produções para mídias móveis, vinhetas para rede, webdocs, produções a partir de circuitos de vigilância, recombinações finalizadas em rede entre outras experiências audiovisuais. Parte dessa argumentação audiovisual que incorpora elementos da construção poética está presente na III Mostra de Filmes Temáticos - Matizes da Sexualidade. São argumentações múltiplas que expressam o estilo, as marcas criativas e a irreverência de homens, mulheres e transgêneros que apresentam os conflitos e contradições em torno da sexualidade, ou ainda discutem as diferentes formas de preconceitos ou mostram a violência pela condição de gênero ou pela preferência sexual em filmes e vídeos.
América Latina, do Brasil e da Paraíba. As produções audiovisuais locais e regionais estão em pleno diálogo com as realizações nacionais e internacionais. O critério de escolha dessas produções audiovisuais presentes na III Mostra Matizes da Sexualidade3 teve em conta, a estruturação poética em alguns casos, a localidade da produção, o tema e subtemas focados em cada obra, o processo de construção da narrativa e a forma de lidar e abordar a sexualidade sem a evidenciação preconceitos. Ou seja, as construções audiovisuais selecionadas ou produzidas especialmente para o Fórum do Audiovisual lidam com temas complexos que abarcam a sexualidade sem reforçar estigmas ou mesmo sem direcionar o público para práticas de afetos específicas. O propósito acadêmico é nitidamente ampliar a discussão em torno da sexualidade com as suas formas de violência; refletir acerca dos assassinatos e violências contra homossexuais, mulheres, negros, crianças e debater sobre os abusos, assédios, intolerâncias, ausências do estado, descumprimento de leis, papel da justiça, aparatos repressivos, direitos dos cidadãos, liberdades de escolha, papel da escola entre outros temas que estarão em movimento. Trata-se de se repensar as sexualidades no contexto das diferenças, das singularidades, das pluralidades de identidades, na perspectiva de ampliação dos direitos civis, das garantias individuais e princípios que regem a coletividade. Assim, as nuances e conflitos da sexualidade expressas nas diferentes argumentações audiovisuais trazem como novidade o espectro da pluralidade de vozes e ideias. Visa ampliar o debate por vias não convencionais valendo-se de dispositivos midiáticos diferenciados.
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III Mostra de Filmes Temáticos – Matizes da Sexualidade encampou a Mostra Curta Brasil Audiovisual. A comissão de seleção de vídeos para Mostra Curta Brasil Audiovisual foi composta pelos seguintes membros: Everaldo Vasconcelos, Marcelo Quixaba Gonçalves, Luciano Anselmo Gonçalves Pereira Pinto e Arthur Lins.
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A segunda modalidade de argumentação é tipicamente acadêmica. Conjuga formação acadêmica, extensão e pesquisa. Tratase do presente Fórum Acadêmico do Audiovisual que reúne trabalhos acadêmicos selecionados e agrupados a partir dos seguintes grupos temáticos de trabalho:
a) Juventude, Sexualidades, Desejo e Socialidades; b) Culturas Audiovisuais, Diversidade Sexual e Relações de Gênero;
Religiosidades; e) Cultura Audiovisual Queer – Multiplicidades, trânsitos transversalidades; f) Audiovisualidades: Sexualidades, Tecnologias Digitais Cibercultura; g) Sexualidade e Direitos Humanos.
e e e
Os trabalhos acadêmicos que serão aqui apresentados em forma de comunicação aberta ao público e em forma de trabalho escrito para publicação de livro eletrônico, refletem a dinâmica das universidades brasileiras envolvidas. Neste segundo momento de argumentação temos a produção de conhecimentos e resultados de projetos de pesquisa amparados em um grande tema: Audiovisualidades, desejo e sexualidades. Essas contribuições diversificadas denotam a importância das universidades no processo de pesquisa e produção de conhecimentos. Diria que essas reflexões acadêmicas alimentam a própria universidade, balizam as discussões em diferentes segmentos da sociedade, e amplificam e oxigenam a compreensão da sexualidade no contexto das mídias audiovisuais. Forçamos a barra, no bom sentido acadêmico, introduzindo Grupos Temáticos de Trabalhos com temáticas pouco estudadas ou pesquisadas. A conjunção desses diferentes olhares investigativos é o que compõe este nosso Fórum Acadêmico do Audiovisual. O mosaico de trabalhos acadêmicos aceitos e distribuídos entre os GTs é extremamente revelador. Os trabalhos geram uma salutar turbulência frente aos compassos das universidades que necessitam ser acelerados, turbinados e reconfigurados. Esses trabalhos introduzem reflexões e argumentos realmente novos do ponto de vista da produção de conhecimentos. Assim, o Fórum Acadêmico do Audiovisual é uma celebração acadêmica da densidade, da seriedade de análises cujos temas ainda Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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c) Poéticas Audiovisuais e Abordagens da Sexualidade; d) Mídias Audiovisuais, Política, Relações Etnorraciais
Pedro Nunes Coordenador Fórum Nacional do Audiovisual Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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são relegados ou colocados em escanteio na própria esfera acadêmica. São olhares analíticos que desvelam as latitudes e conflitos das representações da sexualidade em diferentes sistemas audiovisuais. As duas modalidades de argumentos, audiovisuais e acadêmicos, estão organicamente entremescladas. Por um lado, a III Mostra de Filmes Temáticos – Matizes da Sexualidade, enquanto modalidade de extensão acadêmica volta-se para os extramuros da universidade. É a materialização do diálogo da universidade com segmentos da sociedade e envolvendo grupos organizados, entidades audiovisuais, grupos de pesquisas e associações comunitárias. Mobiliza e faz o chamamento do público em geral. Por outro lado, o Fórum Acadêmico do Audiovisual com a sua diversidade de olhares interpretativos; direciona de forma plural, para o lado mais acadêmico, sistemático e metodológico. Como resultado desse banquete de conhecimentos, teremos trabalhos de pesquisa que funcionarão como futuros aportes teórico-aplicados para novas pesquisas. Essa perspectiva acadêmica modulada por diferentes vozes realmente faz a diferença. Assim, devo explicitar que o corpo do Fórum Nacional do Audiovisual é constituído pelas seguintes partes orgânicas: III Mostra de Filmes Temáticos Matizes da Sexualidade (argumentação poética audiovisual), Fórum Acadêmico do Audiovisual (argumentação acadêmica) e uma Zona Livre (fluxos livres). Para finalizar, em nome das entidades promotoras e apoiadores do Fórum Nacional do Audiovisual reitero parte verbal de um grafite na cidade de João Pessoa – Matizes da Sexualidade: “Viva as Diferenças”! Esse respeito às diferenças não parece ser difícil. É por isso que estamos aqui, para começar a mudar essa realidade. Alguns passos já foram dados. Novos passos serão firmemente ensaiados neste Fórum Nacional do Audiovisual.
Fórum Acadêmico do Audiovisual
Culturas Audiovisuais, Diversidade Sexual e Relações de Gênero 29 | RICKY MARTIN E O DISCURSO DA IGUALDADE NO CLIPE The best thing about me is you Norma MEIRELES 49 | A NAMORADA TEM NAMORADA: De olho no videoclipe da canção de Carlinhos Brown Ayêska PAULAFREITAS 59 | O CINEMA E A TERCEIRA IDADE: Uma análise do sexo e do afeto em Chuvas de verão e Elsa e Fred Armando Sérgio dos PRAZERES 77 | MACUNAÍMA: Interfaces do feminino através de metáforas audiovisuais Amanda Ramalho de Freitas BRITO 87 | SUELY PROFANANDO O CÉU: Sexualidade, alteridade e pertencimento como dilema do indivíduo perante o coletivo Rayssa Mykelly de Medeiros OLIVEIRA 99 | TRANSFORMAÇÕES CONTEMPORÂNEAS: A sexualidade nos filmes Drácula de Bram Stoker
Entrevista com vampiro
e
Jandiara Soares FERREIRA
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SUMÁRIO
13 | AS COMPLEXIDADES DA SEXUALIDADE EM DIFERENTES CONTEXTOS DAS MÍDIAS AUDIOVISUAIS Pedro NUNES
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DIMENSÕES DA POÉTICA FÍLMICA EM C.R.A.Z.Y.: Família, juventude e sexualidade 1
Elton Bruno Barbosa PINHEIRO 2 Pedro NUNES Universidade Federal da Paraíba
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Pai [Gervais] – O que foi que você fez com esse menino? O ZAC mudou. Está diferente. Ele se veste de menina. Isso não é normal. Mãe [Laurianne] – Você que não é normal. Ele é criança, tenha dó! - O que foi que eu fiz? Pai – Os outros não eram assim! Mãe – Cada um é diferente. Ninguém é igual. – O ZAC é mais gentil, mais sensível. Pai – Ele não é gentil, é um maricas. ZAC [sete anos] Sussurrando – Deus, não me deixe ser um maricas... e faça o meu pai voltar a ser o que era. Irmão [mais velho] – Cale a boca! C.R.A.Z.Y. – Loucos de amor
sequência inicial do filme C.R.A.Z.Y. – loucos de amor (2005) mostra a imagem intrauterina de Zachary que em voz over3 já enuncia o seu posicionamento diante da vida: “desde quando eu Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas pela Universidade Federal da Paraíba. Pesquisador do Grupo de Estudos Divulgação Científica – GEDIC/CNPq. Integrante do Digital Mídia – Núcleo de Estudos em Mídias, Processos Digitais e Sexualidades – UFPB. Email: eltonufpb@hotmail.com 2 Pós – Doutor em Comunicação Digital pela Universidade Autônoma de Barcelona. Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Autor dos livros As Relações Estéticas no Cinema Eletrônico e Cinema & Poética. Dirigiu vários filmes e vídeos explorando o conceito de mídias expandidas. Idealizador do Projeto Xiquexique, Organização não Governamental que desenvolve ações cidadãs relacionadas à cultura e ao meio ambiente, no Sítio das Pedras, zona rural do município de Catolé do Rocha Paraíba, Brasil. Email: tecnovisualidades@yahoo.com.br 3 Luiz Antonio Mousinho em A sombra que me move: Ensaios sobre ficção e produção de sentido (cinema, literatura, TV), assinala que: “Grosso modo, chamamos de voz over ao som não diegético, ou seja, à fala do personagem que não corresponde à fala ou ao diálogo de uma ação que se desenrola naquele momento (diegético vem de diegese, história, o que é contado) (MOUSINHO, 2012, p. 82).
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nem me lembro, eu sempre odiei o Natal.” A onipresença do natal enquanto fato referencial na vida de ZAC em família começa a ser questionada no princípio da realidade fílmica. Esse diálogo do protagonista Zachary com o espectador é materializado na narrativa fílmica ainda antes do seu nascimento, na sua condição fetal, fundindo três temporalidades: a temporalidade da vida interior, antes do nascimento propriamente dito quando ainda não há a consciência de seu próprio eu e a temporalidade da vida exterior. Essas duas temporalidades se entrecruzam, de forma poética, em outra temporalidade fílmica que põe em movimento os diferentes significantes e arranjos sonoro-visuais de C.R.A.Z.Y. O ponto de partida da estrutura fílmica é então o natal de 1960: dia do nascimento de ZAC, personagem central de uma narrativa poética entretecida por conflitos, ambiguidades, intertextualidades, jogos de linguagens, sonoridades musicais, alusões referenciais, retratos de época e realismo fantástico 4. Trata-se de uma organização significante que tem em conta os receptores, como produtores de sentidos e significações, que movimentam o próprio filme tendo por base a estrutura narrativa do mesmo. A estruturação poética do filme coloca em evidencia a sua arquitetura sonora que por sua vez está em pleno diálogo com os significantes imagéticos estruturados composicionalmente a partir de diferentes classes de signos. As verdades, mentiras e contraposições que formam a tessitura organizacional do filme pouco a pouco enovelam o espectador que se identifica, se distancia ou é fisgado pelas diferentes estratégias poéticas que dão alicerce a uma narrativa O recurso do realismo fantástico é frequentemente utilizado em C.R.A.Z.Y. – Loucos de amor com a finalidade de materializar ao espectador acontecimentos irreais 4
se como característica do realismo fantástico o conteúdo de elementos mágicos ou fantásticos ocorrentes muitas vezes sem explicação, bem como a presença do sensorial para a apreensão da realidade. O tempo pode passar por um processo de dissociação racional, enfrentando uma temporalidade cíclica ou mesclada. O cotidiano transforma-se, a partir da inclusão de experiências sobrenaturais ou fantasiosas pelas personagens no trânsito da história.” (LUERSEN, 2010, p.12)
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relacionados sob a ótica do cotidiano de Zachacy Beaulieu em que o protagonista do filme funde situações reais com fantasia. Segundo Eduardo Harry Luersen, “Verifica-
turbulenta marcada por idas e vindas, lembranças, flash backs, imaginações, realismo fantástico e jogos de linguagem associados aos efeitos visuais e o recurso de edição cerebral que mobiliza a nossa imaginação. C.R.A.Z.Y., em sua extensão criativa coloca em evidência a dimensão humana de uma família com seus conflitos, contradições, manifestações do amor, preconceitos, religiosidades, drogas, intolerância e a não aceitação das diferenças no campo da sexualidade. No desenvolvimento da narrativa fílmica é possível acompanhar três fases da vida de ZAC: sua infância (interpretada por Émile Vallée), e, posteriormente a sua adolescência (meados dos anos 1970) e um momento da juventude com maior maturidade, logo após os vinte anos de idade (ambas as fases interpretadas por Marc-André Grondin).
Figura 01 |Três diferentes propostas criativas de cartazes para divulgação do filme C.R.A.Z.Y: loucos de amor dirigido por Jean-Marc Valée
Não só os meus aniversários eram ignorados como também eu era obrigado a assistir a Missa do Galo. ZAC – Narrador C.R.A.Z.Y – Loucos de amor
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Prólogo fílmico: fragmentos da infância de ZAC
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O prólogo fílmico de C.R.A.Z.Y. – loucos de amor é constituído por um conjunto de sequências com situações fragmentadas da infância de ZAC. Este enunciado de apresentação fílmica consiste em um momento de aproximação poética com o receptor através de uma construção narrativa que evidencia a força inventiva dos diferentes signos materializados através da ação composicional de linguagens que mobilizam expressivamente a imagem e o som através de recursos sintáticos de combinação (NUNES: 1993). Esse prólogo poético, cujo bloco é constituído por vários subblocos significantes, é composto pelos primeiros 25 minutos do filme que subsidiarão o espectador para a trama do filme, momento subsequente ao prólogo. Materializa aspectos sonoro-visuais importantes relativos a um período da Infância de ZAC (Émile Vallée) sob a ótica da narrativa reflexiva do próprio ZAC em sua condição de adulto que pratica a autoreflexividade. Nessas cenas de abertura do filme, o espectador está diante do cenário típico de uma tradicional família de classe média canadense em que a mãe, Laurianne (Danielle Proulx), é surpreendida pelo sinal de que ZAC está prestes a nascer com o rompimento da bolsa fetal. A representação desse momento dramatúrgico se efetua com a sobreposição de expressões e de outros elementos audiovisuais materializados através dos recursos próprios da linguagem cinematográfica que nos adiantam o caráter “alucinado” do casal Beaulieu, ambos atônitos diante da chegada do quarto filho. A imagem de Gervais (Michel Côté) ao perceber que o filho está apresentado sinais para vir ao mundo aparece refletida no enfeite natalino e nos transporta num compasso acelerado ao hospital, onde as imagens de Laurianne no leito, os médicos assistindo o pequeno ZAC e a preocupação de Gervais, são cadenciadas pelo tic-tac do relógio e nos levam até o primeiro contato da família com o recém-nascido, nomeado pela mãe como o “bebê - Jesus”. A primeira queda de ZAC em sentido figurado, momento da narrativa de forte alinho estético, é apresentada quando de fato o bebê ZAC cai dos braços do pai, ocasionada pelo impulso de curiosidade do terceiro irmão, Antoine que está com o braço engessado. Essa cena resulta em aparente desespero do pai
sobreposto pela imagem do próprio ZAC-bebê que já reaparece na Missa do Galo, no Natal de 1966, dia do seu aniversário. Nessa sequência do nascimento e queda o diretor Jean-Marc Vallée5 utiliza um recurso narrativo de linguagem cinematográfica denominado elipse temporal de condensação do tempo. Esse salto elíptico temporal da fase oral do bebê para a fase fálica na perspectiva freudiana6 se efetua na cena da missa onde já identificamos ZAC com seis anos exercitando a sua imaginação criativa impulsionada pelos seus supostos “poderes sobrenaturais”, os quais nem ele próprio tinha tanta convicção de possuir, mas a sua mãe acredita nisso fervorosamente. ZAC com o dom inventivo de sua imaginação interrompe a tediosa missa fundindo realidade e ficção no tempo diegético do filme. Esse é o primeiro momento de organização significante do filme em que há uma recorrência da cena ao gênero denominado realismo fantástico utilizado com frequência na esfera da literatura. Outro elemento recorrente na narrativa é a “coceira” na marca de nascença da nuca de ZAC. Trata-se de um gesto capaz de levá-lo a realizar “loucuras” ou atos “mágicos”, como curar ferimentos, conter hemorragias e até mesmo imaginar a interrupção da celebração religiosa de natal para ir ao encontro dos seus
Jean-Marc Vallée tem se destacado no cenário da produção audiovisual pelo rigor poético do conjunto de sua obra denominada cinema reflexivo. No entanto a sua produção também envolve séries para televisão e curtas. Duas produções mais recentes confirmam a sua ousadia e sensibilidade enquanto marca poética do seu gesto criativo: Café de Flore (2011) e A jovem rainha Vitória (2009). Outros filmes de sua carreira são também destaque: Liste noire (1995), Los locos (1997) e Loser love (1999). O filme C.R.A.Z.Y. – Loucos de amor (2005) chama atenção pela construção poética de sua narrativa e pelo quantitativo de premiações outorgadas ao filme por diferentes países em várias categorias. Também merece destaque a atuação cênica de seu filho Émile Vallée interpretando Zachary, na sua infância. 5
A referência as fases da sexualidade humana aqui relacionadas com o pensamento de Freud tem em conta momentos da narrativa em que o diretor faz alusões a Freud através das falas de ZAC e do seu breve contato com um psicólogo para discutir a cena de masturbação no carro presenciada pelo pai. Conferir: FREUD, Sigmund. Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
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Figura 02 | A mãe superprotetora, Laurianne Beaulieu (Danielle Proulx) e o filho Zachary Beaulieu (Émile Vallée) vítima de pressões familiares na infância
Ainda nesse primeiro momento do prólogo fílmico o espectador é subsidiado com referências familiares imagéticas e Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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presentes de aniversário, os quais para ele eram sempre iguais, distantes dos desejos de sua identidade conflituosa, castrada. Para melhor entendimento, caracterizamos essa parte da infância em dois momentos que evidenciam situações fragmentadas que marcam a relação de ZAC enquanto parte integrante da família Beaulieu. O primeiro momento como parte da narrativa diz respeito ao nascimento desejado de ZAC até a sua aceitação plena tanto pelo pai (Michel Côté), que vislumbra dotes musicais no filho e, igualmente, pela mãe (Danielle Proulx) religiosa que desde o princípio já se coloca num plano mais compreensivo de superproteção e sempre acreditando que o filho possui poderes especiais para realizar cura. Esses dois pontos de vista paradoxais (paterno e materno), mas ainda não totalmente conflitantes, juntamente com o contexto familiar de educação e convivência com os outros irmãos incidirão no processo de formação de identidade do filho ZAC. O encantamento da criança com os progenitores se reflete na sua relação diferencial com os irmãos e abertura sensitiva para um mundo externo que começa a ser delineado por ZAC em sua infância plena. Trata-se de uma fase onde a criança é muito mais lúdica, voltada para a construção de mundos imaginários, desenvolvimento de fantasias e onde o tempo ainda não possui significação.
sonoras que expressam os vínculos afetivos de ordem materna e paterna, a educação e o respeito pela criança e o próprio acolhimento em família. É neste contexto de acolhimento afetivo na esfera familiar que ZAC expressa por falas e gestos a sua admiração pela mãe e o orgulho afetuoso que sente pelo pai. Essa incidência da projeção paterna em ZAC é reforçada pelo seu vestuário e forma de se portar que imita o pai, nas saídas para comer batatas fritas em que ZAC é o foco único de atenção e na própria preferência do pai pelo, até então, caçula do grupo de irmãos. Para os amigos, o pai é descrito e representado como um ídolo, uma espécie de herói, ou seja, “o melhor pai do mundo”. A frase pronunciada por ZAC reflete uma fase típica da infância onde a figura paterna é também comparada com os pais dos colegas vizinhos: chatos, comuns e sem graça. - Ele tem todos os discos da
Ou seja, neste primeiro momento da infância mais epifânica o filme apresenta os encaixes familiares ajustados, mais que perfeitos na perspectiva do pensamento mágico de ZAC. Essa fase da infância é tecida pela socialização, ideias com outros colegas da mesma idade e pelas descobertas inusitadas que se transformam em fatos marcantes na vida da criança. Em geral, é um período configurado pela criança no sentido de viver intensamente o tempo presente. Trata-se de um tempo mágico sem passado, ainda sem a clara noção de futuro e sem a consolidação de significações. Nesta fase da segunda infância de ZAC entre seis e sete anos, a inteligência infantil possui características do pensamento intuitivo, pré-conceitual com dimensões animistas, ou seja, quando coisas ou objetos inanimados são incorporados por vida própria. É um tempo marcado pelo aprendizado rápido e amplamente flexível que favorece a livre imaginação e, por vezes, a confusão entre fantasia e realidade. No decorrer das cenas de enunciação do prólogo fílmico a figura do pai já apresenta indícios de cuidado exacerbado intermediado pelo afeto e princípio de rispidez para com ZAC e demais filhos. Um desses momentos de conflitos controlados entre pai e mãe é o desejo de ZAC no sentido de ganhar um carrinho de Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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Patsy Cline, Buddy Rich e Aznavour. E usou uma metralhadora no exército. Diz Zac aos colegas, orgulhoso do seu pai.
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bonecas. Tal fato, apresentado ao espectador de forma sutil e extremamente breve, foi capaz de despertar a indignação do pai e evidenciar a compreensão e superproteção da mãe. A preocupação paterna e atenuação materna neste momento da narrativa ainda se transbordam em amor para com ZAC e à própria família. A partir desse episódio percebemos que os presentes de ZAC por parte do pai são substituídos por brinquedos musicais associados a uma identidade de gênero de evidenciação do masculino sem afetos ou trejeitos. A mãe, contraponto poético do pai de ZAC, funciona no contexto da narrativa fílmica como a figura católica devota, sempre superprotetora do filho e disposta a compreendê-lo em qualquer circunstância. Desempenha um papel importante nas situações de conflitos, particularmente em momentos onde ZAC expressa a sua sensibilidade ou exibe a sua delicadeza e é confrontado severamente pelo pai que dissocia essas particularidades como partes inerentes ao gênero masculino, associando a uma caracterização inerente ao gênero feminino. É nessa fase da infância de ZAC que a mãe Laurianne se mostra mais protetora de ZAC, sempre justificando os atos grosseiros do marido, quando, por exemplo, afirma que o brinquedo dado no último natal por Gervais visava o bem e, consequentemente, o estreitamento da relação com a figura paterna. Os fatos apresentados ao espectador se sucedem na narrativa fílmica com a concisão das sequencias, diálogos curtos, apresentação de referências contextuais reveladas através de indícios sonoros visuais, o vestuário das personagens, os elementos musicais de diferentes épocas que pontuam o filme, as referenciações aos nomes concretos de artistas, cartazes, discos, utensílios domésticos entre outros elementos da direção de arte que recriam a atmosfera dos anos 1960. Ainda nesta parte final da infância epifânica, a surpresa prometida por Laurianne a Zac, enquanto o coloca para dormir, por exemplo, é antecipada pelo gesto que ela faz na barriga: trata-se da chegada de Yvan, o irmão mais novo de Zac, e esse fato será a oportunidade de alguns de seus desejos, até então conflituosos, se
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concretizarem. Ao indagar sua mãe sobre o que é um “maricas”, ZAC recebe como resposta: - Não é nada! É tolice! Dorme!. O segundo momento da infância de ZAC na narrativa fílmica é literalmente tracejado pela existência de diferentes conflitos. Conflitos que estão diretamente relacionados à construção da identidade da criança ZAC e o seu relacionamento direto com a família. Nesta segunda parte do prólogo a figura paterna reverte o seu perfil de personalidade para uma postura mais agressiva em relação ao que considera como mudança de comportamento em ZAC. Com esses traços nitidamente machistas apresentados pela sequencialidade da ordem fílmica, o pai estará plenamente disposto a não aceitar qualquer ordem de diferença que afete a identidade masculina de ZAC. Essa nova fase, marcada por conflitos mais intensos na infância de ZAC, pode ser identificada com o nascimento do quinto filho Yvan do casal Beaulieu. Com Yvan (Félix-Antoine Despatie), ZAC terá a oportunidade de empurrar o carrinho do irmão bebê às escondidas do pai e com o consentimento da mãe. A concretização de um desejo que fora anteriormente castrado pelo pai é efetivado com a outorga da mãe. Essa reversão simbólica em relação ao atendimento do desejo da criança implicará a partir deste momento da narrativa, em uma maior aproximação de ZAC com a figura materna e, consequentemente, estabelecerá uma relação de distanciamento em forma de confronto com a figura paterna. A partir do momento em que ZAC é flagrado com uma espécie de roupão e colares de sua mãe cuidando do irmão Yvan, a guerra está declarada principalmente entre pai e filho. Essa guerra simbólica é também declarada por ZAC ao pai, ainda que de forma não muito consciente, sobretudo quando deliberadamente quebra o disco vinil de Patsy Cline. A cena de inquirição com os quatro filhos no sofá expressa claramente a situação de violência e humilhação verbal mesmo sem violência física. Acuado, diante dos irmãos e dos pais, ZAC assume ter quebrado o disco (uma das referências musicais do pai) afirmando perante a pressão de autoridade: - foi sem querer. Esse gesto simbólico para chamar a atenção do pai ou para estabelecer
um ponto de ruptura e revelar a situação incomoda por parte do filho, marcará de forma recorrente a infância e adolescência de ZAC.
Em outra cena, auxiliado pela mãe, na tentativa de corrigir o erro, ZAC entrega em forma de presente um novo disco de Patsy Cline ao pai que imediatamente retruca: - disco de coleção importada. Não vale nada. Já na adolescência ZAC sadicamente imagina presentear o pai com um disco quebrado ou mesmo como reconciliação com a referência paterna, presenteia um novo disco, agora original, acidentalmente quebrado no epílogo do filme pelo irmão caçula. Esses encaixes e desencaixes presentes na estrutura fílmica que ocorrem no período que vai da infância à adolescência, são resultantes de uma interferência criativa presente na esfera do roteiro de C.R.A.Z.Y – Loucos de amor. Neste sentido o filme de Vallé estrutura-se transversalmente com a exposição de fragmentos fílmicos do drama real de uma família multifacetada que enfrenta os vários dilemas da sexualidade de ZAC e que ignora o envolvimento com drogas por parte de Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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Figura 03 | O pai autoritário, Gervais Beaulieu (Michel Côté) mostra o disco Crazy de Patsy Cline, quebrado propositalmente pelo filho ZAC
A delimitação entre o mundo adulto e o infantil é tênue e as crianças, muitas vezes, na ânsia de corresponder aos desejos, ainda que inconscientes, dos pais, procuram compensar suas frustrações, corresponder às suas expectativas, apaziguar sua angústia, negando sua própria infância. (ZORNIG, 2008, 73)
Assim, a infância de ZAC é permeada por pressões familiares de ordem psicológica que bloqueiam a sua própria autoaceitação Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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Raymond, cada vez mais crescente. Trata-se de uma família que necessita reencontrar em si mesma a superação das suas próprias contradições e do reconhecimento da diferença. Há um esforço de ajuste de conduta por parte de ZAC, no entanto, as diferenças explodem na tela e tomam rumos inusitados que escapam do controle familiar. ZAC, a exemplo dos outros irmãos, é um ser diferente que possui singularidades. É igualmente diferente em relação aos seus outros irmãos que também possuem singularidades diferenciadas. Juntos, em família, ou com seus percursos de identidades processualmente construídas, os irmãos expressam no decorrer da narrativa fílmica as suas diferenças, evidenciam a dificuldade de convivência, expressam os seus preconceitos em relação à ZAC como, também, denotam sutilmente as formas de afetos que permeiam o núcleo familiar. No entanto essa rivalidade entre irmãos não é tolerada pelos pais. A mediação dos conflitos é exercida de formas distintas: pela figura paterna que evidencia relações de autoridade e poder e pela figura materna delineada por um perfil religioso que educa com mais tolerância, exercita mais livremente o diálogo além de estar sempre propensa ao acolhimento das diferenças no seio da família. A sociabilidade da família e as relações de conflitos e afetos são guiadas pelo mundo adulto paterno que reclama obediência provocando sofrimento interior principalmente por parte de ZAC quando diz em pensamentos: - Faça meu pai voltar ao que era antes. Diante dessa situação observamos que:
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enquanto criança. Seguirá num esforço traduzido na luta contra si mesmo no sentido de agradar os pais contrariando os seus desejos e vontades de uma infância mais liberta. A instauração dos conflitos em forma de preconceito ganhará força por parte dos irmãos, principalmente pelo principal desafeto de ZAC, Raymond (Pierre-Luc Brillant) que no desenrolar da trama fílmica saberemos acerca de seu envolvimento com drogas pesadas e a violência. Mesmo sob mira cerrada dos pais quanto a boa convivência e respeito entre família, Raymond é o irmão que mais sufoca e angustia ZAC. Em menor grau, o esportista Antoine (Alex Gravel) sempre aplica uns empurrões em ZAC que por sua vez nunca revida os atos de truculência do referido irmão. A transição da infância de ZAC para adolescência não será fácil. A ida para o acampamento de férias contra a sua vontade marca essa mudança sufocante no momento em que se debate na água pondo em evidência o crucifixo da mãe que cai de seu pescoço. Ainda se debatendo em desespero na água, observamos uma sutil mudança de temporalidade: a fusão de ZAC criança associada à figura de ZAC adolescente. Essa passagem sutil efetuada através de uma nova elipse temporal tem como primeira cena da trama fílmica a imagem de ZAC seminu, crucifixo no pescoço, ao som Shine on you crazy diamond de Pink Floyd, utilizando uma bomba para sua crise de asma; efetuando exercícios e tendo ao fundo o irmão mais novo que observa os seus movimentos ora fumando, ora desafiando seu pai através de olhares ou com o aumento do volume do som. Essa passagem da infância para adolescência será marcada por novos conflitos de identidade, preconceitos, e sentimentos de culpa e desejos não admitidos por parte do protagonista do filme. Sua adolescência será angustiante, assim como foi a noite de férias no acampamento seguida da cena em que se debatia imerso na água com indícios de asfixia. Trata-se de uma infância cheia de medos e incertezas: um pesadelo, do qual ele temia não acordar para o futuro em uma nova condição de adolescente.
Trama fílmica: conflitos dramáticos na adolescência
A adolescência de ZAC (Marc-André Grondin) no espaço da trama será marcada por uma teia de conflitos e contradições que emanam da própria família enquanto instituição social que educa, mas que também reprime as vontades individuais que colidem com os princípios morais que são tomados como padrões que devem ser aplicados e aceitos por todos. Por motivações diferentes, os irmãos ZAC e Raymond serão peças chaves de um quebra-cabeça familiar onde não haverá encaixes. Apenas, como parte do conflito, existirá pequenos momentos de entendimentos e afetos entre irmãos que logo se diluirão em novos conflitos nas cenas seguintes. A adolescência, fase do pensamento multidimensional e das transformações corporais, está situada entre a infância e a fase que denominamos como adulta. Trata-se de um período transitório ou de passagem vivenciado por jovens que habitualmente enfrentam variadas ordens de conflitos e crises existenciais. Nesse período da adolescência os jovens lutam com a adoção de estratégias simbólicas diferenciadas, pelas demarcações de identidade e posicionamentos frente à sexualidade enquanto condição inerente à vida humana. Pode ser entendida enquanto uma fase da vida muito mais egocêntrica onde há a forte evidenciação do eu associado aos deslizamentos e derrapagens de personalidade. Essas individualidades singulares de cada adolescente formam um coletivo diversificado e amplamente fragmentado. Adquirem força e visibilidade social pelo seu aglutinamento por tendências, estilos de vida, referências musicais, vestuário, marcas no corpo, cumplicidades por faixa etária ou mesmo por expressarem total quebra em relação aos valores sociais, políticos e econômicos. Os jovens podem de outra forma, seguir tendências agrupadas pelo avesso de tudo vinculadas paradoxalmente a uma contraordem com relação à família e outras instituições com enraizamento social a exemplo da escola e da igreja. É a fase dos Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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Pela segunda vez na vida, fui declarado clinicamente morto. ZAC – Narrador - C.R.A.Z.Y – Loucos de Amor
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segredos que quando postos a tona podem gerar contrariedades e instabilidades no campo emocional. Nesta nova fase de desenvolvimento humano vemos um ZAC liberto das suas referências infantis com o afloramento da potência de sua sexualidade. Trata-se de um período pleno de descobertas associadas à intensidade do desejo acompanhado pelo prazer das descobertas e pelo desejo do que é proibido. Essa primeira fase da adolescência é, de certa forma, também permeada por momentos de fortes indecisões, flexibilidade de pensamento, crises de identidade, e conforme já observamos pela capacidade diferenciada do jovem se rebelar contra a própria família, a ordem instituída e os valores sociais. É um momento onde os adolescentes buscam afirmar a sua própria conduta de vida, a sua identidade de gênero e o questionamento frequente dos valores morais preestabelecidos pela sociedade em constante movimento de transformação. Essa afirmação de conduta e perfil de identidade transitória pode ser confirmada, conforme já observamos, pela via da transgressão ou com enfrentamentos na esfera da família. A família, instituição social extremamente forte, compreendida enquanto núcleo, um estruturante primário, por sua vez, contra-ataca com mecanismos disciplinares de regulação, educação, punição ou controle. ZAC, adolescente em permanente crise, é um espelho de uma família também em conflito. Enquanto ser social pensante, ZAC reúne vários fragmentos do que é ser jovem em um contexto de época que ultrapassa meados dos anos 1970. Os conflitos da infância na narrativa fílmica agora serão muito mais complexos nesta fase transitória de passagem que é a adolescência. Os desejos sublimados ou libertos estarão visíveis através dos poros, na flor da pele. Aos quinze, ZAC permanecerá relativamente contido sob os cuidados e imposições dos pais, muito embora no desenrolar da trama se torne mais independente e rebelde, porém com as dúvidas de sempre quanto a sua libido sexual que se estenderão por algum tempo. Os seus desejos nesta fase da adolescência quanto à expressão de sua sexualidade serão castrados, não tolerados pela
Figura 04 | Zachary Beaulieu (Marc-André Grondin) na fase inicial de sua adolescência: conflitos na esfera da família, negação de sua sexualidade e turbulências quanto à sua religiosidade
O afeto desmedido pela figura dubiamente em forma de amor e repulsa.
paterna será expresso Esse apego e busca de
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família que considera o comportamento de ZAC como “anormal”. Segundo o pai, - Gente anormal tem que ser tratado. Também identificamos em ZAC a evidenciação do seu ego narcísico através de exercícios que valorizam seu corpo, preferências musicais, vícios (cigarro e cannabis). Essa postura mais despojada iniciada pelo visual, corte do cabelo e livre escolha de seus ídolos se entrechoca com demais integrantes da família e resulta nos embates travados com o pai na condição de autoridade repressora. A adolescência de ZAC será então pontuada por instabilidades e desejos sublimados. Essa sublimação dos desejos latentes resultará em uma luta árdua contra o seu próprio eu. O firme propósito de ZAC é não desapontar a família negando a sua sexualidade.
a juventude é uma categoria socialmente construída. Ganha contornos próprios em Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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afeto pela figura paterna implica no reconhecimento inconsciente de ZAC em projetar o pai enquanto ancoradouro de referência. Esse desejo de correspondência ou compreensão entre ambos não será possível tão cedo. Somente as turbulências mais graves que acontecerão no decorrer da narrativa fílmica é que resultarão em mudanças de atitude por parte do pai no que se refere a compreensão do outro. Neste caso, as marcas das dinâmicas do tempo e do sofrimento já estarão visíveis, sobretudo no rosto do pai. O pai, nesta fase da adolescência de ZAC e dos irmãos expressa o seu amor pelos filhos de forma rígida e extremamente conservadora anulando particularmente qualquer indicio comportamental de ZAC que seja expressão sincera de sua diferença. Gervais encontrará sempre um modo de refutar a maneira de ZAC encarar o mundo de forma mais liberta e sem as amarras da família. Percebemos claramente no filme que o adolescente ZAC é um ser humano diferente por natureza própria. Faz questão de ser diferente mesmo caminhando contra a vontade de seus desejos e preferências. A problemática colocada pelo filme se traduz no sentido de como devemos lidar com as diferenças para além da esfera familiar. Essas diferenças múltiplas evidenciadas em ZAC pelo seu vestuário, adesão a estilos, transformações do seu próprio corpo e preferências sexuais são marcas identitárias de si. São ainda expressões significantes com uma carga simbólica distintiva que revelam claramente a sua condição de jovem inquieto disposto a operar com mudanças em sua vida. Neste sentido “o conceito de juventude nos faz pensar no sujeito como um ser constituído e atravessado por fluxos, devires, multiplicidades e diferenças” (COIMBRA, BOCCO e NASCIMENTO, 2005, p.11). ZAC carrega na essência de sua vida uma carga de multiplicidades, singularidades, caminhos, escolhas e indecisões associadas à dinâmica de sua juventude. Mesmo compreendendo que em termos conceituais adolescência e juventude se sobrepõem particularmente na terceira fase da adolescência, destacamos que:
ZAC enquanto parte de um contexto sócio cultural específico é, como dissemos, um jovem singular. Seu retrato identitário pode ser caracterizado como flutuante visto que agrega uma carga de sofrimento e de luta por aceitação da sua própria maneira de ser no seio de sua família. Parece contraditório, mas o desafio de ZAC é, sobretudo, enfrentar particularmente as pressões de ordem interna que brotam com uma grande carga de preconceito e estupidez no seio da própria família. A carga de maior preconceito vivido por ZAC germina, de forma diferenciada, sobretudo através do pai Gervais e por parte dos irmãos Raymond e Antoine. O primogênito intelectual, Christian (Maxime Tremblay) apelidado por Antoine com “bichinha quatro olhos” e o caçula Yvan (Félix-Antoine Despatie) com quem ZAC compartilha chicletes e o quarto, são contrapontos dos dois outros irmãos, ou seja: não desestabilizam a vida de ZAC em pleno processo de construção. Desse confronto interno na esfera da família explode a rebeldia ou a adoção de caminhos extremados como a tentativa de suicídio expresso na cena em que ZAC vai ao encontro da prima Brigitte (Mariloup Wolfe) com a intenção de avistar com seu namorado Paul (Francis Ducharme). Paul, que esbanjou sensualidade e desinibição na dança do Mambo Jambo em festa de aniversário com a família é o primeiro objeto de desejo masculino sublimado por parte de ZAC. Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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contexto históricos, sociais distintos, e é marcada pela diversidade nas condições sociais (...), culturais (...), de gênero e até mesmo geográficas, dentre outros aspectos. Além de ser marcada pela diversidade a juventude é uma categoria dinâmica, transformando-se de acordo com as mutações sociais que vem ocorrendo ao longo da história. Na realidade, não há tanto uma juventude e sim jovens, enquanto sujeito que a experimentam e sentem segundo determinado contexto sociocultural onde se insere (DAYRELL e REIS, 2007, p.4).
Flashes reiterativos da cena real povoam a imaginação de ZAC com imagens em câmera lenta de Paul e da prima Brigitte ou mesmo a cena em que Paul e ZAC dividem uma “bomba” onde com as proximidades das bocas a fumaça do baseado é expelida para ser tragada através da boca do outro. No entanto, para desencanto de ZAC a prima Brigitte está com outro namorado.
No retorno desse encontro, ZAC em sua moto repete a palavra, MUDANÇAS, MUDANÇAS... e avança deliberadamente o sinal vermelho. O próprio ZAC, narrador em off, anuncia que pela segunda vez esteve clinicamente morto. Segundo relato da mãe, até o pai chorou com a possibilidade de perder o filho. No entanto, o episódio do acidente não altera o modo de ser do pai em relação às posturas diferenciais do jovem ZAC. Para ZAC, ser diferente também implicava em buscar outras referências que expressassem a sua maneira de ser por meio da identificação ou por formas de contraposição. Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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Figura 05 | A prima Brigitte (Mariloup Wolfe) e o namorado Paul (Francis Ducharme) dançam com sensualidade por ocasião da festa de aniversário de ZAC
Apesar de sua família ser católica com a mãe superdevota que acredita fielmente nos poderes de cura do filho, ZAC se autoproclama ateu. Essa negação da religiosidade e o próprio descrédito quanto ao seu dom de curar, sem a necessidade de provocar a família, sinaliza como indícios da insatisfação de ZAC. Essa insatisfação em forma de contraposição comedida pode ser identificada no diálogo em que a mãe diz para ZAC: - Reze pelo seu primo Daniel que sofreu queimaduras . Ao que de pronto ZAC responde categoricamente: - Bem feito! Na cena da missa do Galo, agora nesta fase de sua adolescência, desfrutamos da sua descrença por meio de um conjunto de imagens que atestam mais uma vez a evidenciação do gênero realismo fantástico quando ZAC, hipoteticamente através de sua imaginação, quebra com o ritual litúrgico da missa e começa a levitar ao som de Sympathy for the Devil de Rolling Stones, cuja letra destoa literalmente do ambiente religioso em que levita:
Mick Jagger intérprete da música representava uma das várias facetas do superego de ZAC. Líder da banda Rolling Stones, Mick Jagger influenciava segmentos expressivos dos jovens da época pelo seu estilo exótico, roupas apertadas, supercoloridas, movimentos sensuais, postura andrógina com músicas e letras que tratavam abertamente sobre o amor livre, a libertação sexual, experimentação das drogas e a psicodelia. Essas atitudes integradas ao campo da cultura interferiram diretamente nos padrões comportamentais dos jovens que pouco a pouco introjetavam, de forma recriada, essa nova dimensão de ambiguidade e androginia utilizada com maior radicalidade por David Bowie. Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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Simplesmente me chame de Lúcifer Porque preciso de alguma amarra Então, se encontrar-me Tenha alguma cortesia, Tenha simpatia e tenha bom gosto Use toda a sua educação bem-aprendida Ou eu vou jogar sua alma no lixo
A adoção dessa nova postura comportamental implicava em conceber a vida por um prisma mais despojado e dentro de uma perspectiva de vida mais alargada, libertária e transfronteiriça. Mick Jagger representava um pouco dessa misoginia que estabelecia uma espécie de reconfiguração de paradigmas em termos de cultura e de comportamento. Em outra cena do filme já considerada cult pelo jogo de referências e intertextualidade, ZAC com raio pintado no rosto, imita| dubla David Bowie tendo como fundo musical Space Oddity ( 1969 | 1972). A voz de ZAC superposta à voz Bowie evidenciam Major Tom, personagem alegórico fictício como parte de um contexto de época real em que o astronauta Neil Armstrong pela primeira vez, pisava em solo lunar. A música, invenção ficcional que recria uma realidade expressa o seguinte: Controle de Solo para Major Tom Controle de Solo para Major Tom Pegue suas pílulas de proteínas e coloque seu capacete Controle de Solo para Major Tom (10,9,8,7) Começando contagem regressiva e motores ligados (6,5,4,3) Checar ignição e que o amor de Deus esteja com você (2,1)
Aqui é Major Tom para Controle de Solo Estou dando um passo pra fora da porta E estou flutuando no jeito mais peculiar E as estrelas parecem muito diferentes hoje Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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Esse é o Controle de Solo para Major Tom Você realmente teve sucesso E os jornais querem saber de quem são as camisetas que você usa Agora é a hora de sair da cápsula se você tiver coragem
Estou sentado numa lata Bem acima do mundo A Terra é azul e não há nada que eu possa fazer Porém eu ultrapassei cem mil milhas Estou me sentindo bem calmo E eu acho que minha nave espacial sabe onde ir Diga pra minha mulher que eu a amo muito, ela sabe Controle de Solo para Major Tom Seu circuito pifou Há algo errado Pode me ouvir Major Tom? Pode me ouvir Major Tom? Você pode...
ZAC encarna teatralmente por meio da música, vestuário e pintura no rosto a rebeldia andrógina de David Bowie com seu personagem espacial Major Tom. Originalmente lançada no ano de 1969 para coincidir a chegada do homem a lua, a música em si apresenta dimensões conotativas que apontam para as disputas e falhas da corrida espacial entre a antiga União Soviética e Estados Unidos como, também, alude a uma vertente psicodélica onde Major Tom, espécie hippie junkie, que efetua uma viagem sem volta com o uso de psicotrópicos. Major Tom de Space Oddity seria a representação do próprio Bowie ou uma das várias personagens assumidas pelo artista como o alienígena Ziggy Stardust, mistura de deus e demônio, o misógino Aladdin Sane, o enigmático Thin White e o artista Kraut com seu estilo de vida em reclusão. Essas personagens flutuantes representam Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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Aqui estou flutuando em volta da minha lata Bem acima da lua A Terra é azul e não há nada que eu possa fazer...
as múltiplas facetas de David Bowie enquanto o representante máximo da irreverência pensada do Glam Rock. Para época, essa atitude criativa de assumir várias identidades e exagerar no visual significava concentrar os ideais de contestação dos jovens cada vez mais ávidos em adotar um estilo vida e indumentária que provocavam uma espécie de diluição entre os gêneros. Jovens com suas demandas reprimidas em termos de desejo, a exemplo de ZAC e outros com a mente mais aberta, findavam por venerar essa postura de irreverência criativa de Bowie com seu culto refinado pela androginia e experimentações muito mais cerebrais no campo da música e outras artes. Ou seja, David Bowie através de seu look diferenciado, vestuário, acessórios e modelo de comportamento fora do eixo, incorporava ao seu estilo de vida elementos simbólicos atribuídos ao gênero feminino: roupas supercoloridas, cabelos vermelhos com fios arrepiados, maquiagem, cílios postiços, batons, salto plataforma ou botas de vinil, brincos em formato de argola, lenços estampados, óculos extravagantes, unhas postiças entre outros itens.
Essa excentricidade andrógina em forma de glamour que mistura características femininas ao masculino ou vice e versa evidenciava a dificuldade em se identificar a qual gênero estava vinculado uma determinada pessoa tendo em conta apenas aspectos de sua visualidade. Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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Figura 06 | Zac, no centro, após dublar com voz superposta a música Space Oddity de David Bowie, seu ícone musical de irreverência. A esquerda, capa do disco The man who sold the world (1970) e a direita Aladin Shine (1973) integram uma linhagem do Glam Rock
filme 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968 ) de Stanley Kubrick . Na cena de C.R.A.Z.Y.: Loucos de amor onde Space Oddity é utilizada como tema musical, ZAC é atraído visceralmente pela excentricidade camaleônica de Bowie. A sequência começa com a colocação do vinil no toca disco, e com imagens de ZAC fumando intercaladas com flashes de sua imaginação com fragmentos de imagens da prima com o namorado, ou mesmo uma cena complementar onde ZAC ainda fumando está situado entre a prima e o namorado, objeto de desejo não revelado. Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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O jovem ao adotar uma postura de vida andrógina materializava através de seu corpo e de sua indumentária esses elementos ambíguos (unissex) que podem ser usados por diferentes sexos e gêneros. Esse estilo de vida refletia a liberdade dos sexos sem necessariamente estar associado a preferências sexuais. David Bowie, pelo que se sabe, nunca manifestou interesse sexual pelo gênero masculino, no entanto para reafirmar seu estilo andrógino enquanto estratégia inventiva de marketing musical declarou-se bissexual. A capa do álbum The man who sold the world, lançado em 1970, causou frisson seduzindo jovens e fãs de diversas partes do mundo pelo fato de mostrar David Bowie vestido de mulher. Em contraposição, provocou a ira de segmentos mais conservadores da mídia e da sociedade. A atitude do artista representava uma ruptura de paradigmas ou quebra de tabus por mesclar, de forma indiferenciada, tipos de gêneros considerados distintos, associados a uma forma comportamento denominada andrógina. Embora o estilo andrógino tenha sido pinçado de outras épocas, ganha força expressiva com Bowie. O estilo atravessou décadas, ganhou outros adeptos de renome e deixou de ser ruptura comportamental, podendo ser visto de forma mais dissipada na atualidade cotidiana, sobretudo junto a segmentos diferenciados dos jovens e, particularmente, ainda está muito bem presente na esfera da moda, cultura eletrônica e mundo fashion. Space Oddity permaneceu no imaginário das pessoas associada a missão Apollo 11, sendo o referido álbum reeditado no ano de 1972. Música e letra aludem, em forma de recriação, ao
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Através de efeito técnico e elipse temporal a imagem da fumaça segue para o espaço e associa-se a sequência seguinte em que ZAC em seu quarto dubla compenetradamente Space Oddity para o delírio de jovens que ainda estão no extracampo cinematográfico. O raio pintado no rosto de ZAC é uma referência direta ao disco Aladdin Sane (1973), segundo o próprio Bowie esse raio, além de ser uma homenagem, representava situações de dualidade da mente esquizofrênica vivenciada por seu irmão que sofria de esquizofrenia. A sequência gravada através de espelho em forma de circulo é também um diálogo de intertextualidade, na perspectiva da direção de arte, visto que recria a ambiência do filme promocional, Love You Till Tuesday, David Bowie-Space Oddity, dirigido em 1969 por Ken Pitt. Vemos ainda na referida cena, através do espelho redondo, ZAC de costas tendo ao fundo, em destaque, a capa do disco de Dark Side of The Moon (1973) de Pink Floyd desenhada na parede do quarto de ZAC, referência do rock progressivo. De súbito, ZAC é interrompido com um empurrão do irmão esportista que retira o disco e diz o seguinte de forma ríspida: - Dá prá parar de imitar esse veado? O que é que vão pensar da gente . É interessante observar que esse irmão que recrimina a imitação de Bowie por parte de ZAC, reproduz literalmente o discurso preconceituoso do pai cujas reprimendas verbais quanto ao comportamento do filho também apontam para um mundo exterior a família: - O que é que os vizinhos vão pensar. Contraditoriamente o pai Gervais, nas festas de família e em ocasiões especiais, imita repetidamente o modo de cantar de Charles Aznavour. A imitação por parte do pai é socialmente aceita pela família embora seja considerada por todos como cafona, descontextualizada e demodê. Neste caso não só as referências musicais se entrechocam, mas também fica patente a distância entre gerações (pai e filho) e a própria diferença intrageração quanto às visões de mundo (entre irmãos). A música apesar de atravessar gerações é também uma espécie de marcador de época entre gerações. Algumas referências musicais do pai são ressignificadas pela família, trazidas para outra atualidade povoada por novas referencias musicais. ZAC por sua vez
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movimenta as referências musicais de sua contemporaneidade. O protagonista está em plena sintonia com as inquietações de uma juventude dos anos 1970, muito mais antenada com a diversidade comportamental cujo lema mais difundido era “Sexo, drogas e rock’n’roll" ou “PAZ, não a guerra”. Merece atenção a forma interessante de como C.R.A.Z.Y. – loucos de amor, por meio de seu diretor, trabalha a arquitetura sonora do filme envolvendo três diferentes décadas. Além de artistas como Patsy Cline, Charles Aznavour, Elvis Presley como principais representantes dos anos 1960, a trilha sonora mescla gêneros, estilos e sonoridades de diferentes épocas como: Les Petits Chanteurs du Mont-Royal, David Bowie, Stories, Pink Floyd, Rolling Stones, The Cure, Jefferson Airplane, Roy Buchanan, Dámaso Pérez Prado - The Mambo King, Roy Buchanan, Timmy Thomas, Robert Charlebois, Les Petits Chanteurs du Mont-Royal, Chorovaya Akademia, Giorgio Moroder e Jean-Christian Arod. Várias sequências intrigantes do filme, embates entre pai, conflitos entre irmãos, diálogos e reconciliações são pontuados por essa diversidade musical resgatada pelo filme. Cenas, por exemplo, que envolvem ZAC e o pai ou ZAC sozinho tem como tema musical Crazy interpretada por Patsy Cline ou as imitações do pai sempre cantando repetidamente Emmenez moi de Aznavour para família. É interessante destacar que como recurso estético da narrativa o título da obra: C.R.A.Z.Y, é composto pela conjunção das iniciais dos irmãos personagens (Christian, Raymond, Antoine, Zachary e Yves), filhos do casal Bealieu. O título do filme é também referência a música interpretada por Patsy Cline, Crazy, que de forma recorrente permeia estrutura narrativa do filme é também a música preferida Gervais. Marca a sua geração e a sua relação de loucura pela família. Outras músicas pontuam os delírios ou conflitos de ZAC e também marcam a atuação das demais personagens do filme. Dizemos que C.R.A.Z.Y possui uma intensidade sonora extremamente poética que sai costurando as diferentes situações do filme. Vale destacar que os aniversários de ZAC foram sempre marcados pela evidenciação da projeção paterna através de presentes musicais como bateria, acordeom, guitarra, violino e banjo.
Pai - O que você fez é anormal! (...) Mãe – Dá uma chance prá ele! Pai – Para de defender o garoto, eu sei o que eu vi. (...) Mãe – Isso acontece, são coisas da vida, não é culpa de ninguém. ... O Padre Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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No decorrer da narrativa o espectador será municiado com imagens e informações de que ZAC já em outra fase de sua juventude utiliza as referências musicais do pai no seu trabalho como DJ efetuando um diálogo retro: os anos 1980 colocam em evidência referências musicais dos anos 1960. Essa carga poética sonora enquanto parte indissociável que permeia toda estrutura fílmica acompanha o desenrolar conflituoso da adolescência de ZAC. No seu retorno a Madame Chose (vendedora de potes), agora sem a companhia da mãe, ZAC expressa o desejo de “ser normal como todo mundo”. A religiosidade permanece perseguindo ZAC que, no entanto, procura se distanciar desse hipotético dom para cura endossado por parte da família. Revoltado, ZAC, todavia, buscará se afastar de suas dúvidas sem se aproximar dessa religiosidade. Cercado por Toto, um garoto da escola, briga com a sua força e alma contra o desejo literalmente anunciado por Toto em relação à ZAC. A briga é uma espécie de demonstração de força e exibição de sua masculinidade. A luta sangrenta e desigual objetiva mascarar ou encobrir a preferência sexual de ZAC por garotos. No fundo esse ato de violência vai de encontro aos seus próprios impulsos e desejos. Só reforça a existência de uma sexualidade atormentada, ainda sem discernimento e sem autocontrole. Essa violência praticada por ZAC orgulhará o seu pai. Dias depois esse orgulho paterno se transforma decepção ao presenciar cena em que ZAC aparece se masturbando no carro com o mesmo garoto que foi vitima de violência. A situação em flagrante de ZAC com Toto gera a ira do pai que em contrapartida promete violência física e decide levá-lo ao psicólogo. Nos excertos das falas travadas entre os pais, Gervais e Laurianne, o afloramento do preconceito paterno na esfera privada da família causa cada vez mais instabilidade nesta fase de adolescência de ZAC :
Carbonneau disse que não se deve procurar culpados! Pai - O Padre Carbonneau?
Mãe – Eu precisava de ajuda. Você não tem diálogo. (...) Pai – Eu sei muito bem que ninguém nasce assim. Isso é uma doença... Não existe meio termo: ou se é macho ou se é fêmea. ...Pago um psicólogo se for preciso. - Ele é homem. Não botei veado no mundo. Vou mandar tirar isso da cabeça dele. ZAC – Eu não vou ao psicólogo. Eu não tenho problemas. Mãe – Hum... Ele puxou o pai!
No deslocamento para o psicólogo com o pai, a reação de ZAC consiste em arrancar a fita cassete do toca fitas do automóvel que tocava solenemente CRAZY: Crazy, I'm crazy for feeling so lonely (Louco, Eu estou louco por me sentir tão solitátio), I'm crazy, crazy for feeling so blue (Eu estou louco por me sentir tão triste). A música, espécie de carro chefe do filme e que pontua determinadas ações dramáticas envolvendo ZAC, é uma marca simbólica geracional do pai. O gesto abrupto de ZAC mexe com o ponto fraco do pai que contra ataca de forma atônica apenas com silêncio. O gesto de ZAC é calculado e também funciona como resposta às agressões verbais do pai conservador preocupado com os novos contornos da sexualidade do filho. O contato com o psicólogo também revela as inseguranças, preconceitos, desinformação e medos por parte de ZAC quanto a sua condição sexual. Diante do psicólogo, ZAC admite ter se masturbado no carro, sem olhar para o colega. Ao ser indagado se ficou excitado, responde:
Eu não me maquio nem ando requebrando. Psicólogo – Uma bela imagem dos homossexuais. Nem todos são assim!
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ZAC – Eu pareço com bicha?
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Pelo discurso de ZAC ao pai, deduzimos que o psicólogo confirmou que o seu cliente não apresenta problema algum. O mesmo culpa o pai por rejeitar o filho considerando o acontecimento como um “ato falho” ou mesmo um “lapso freudiano”. ZAC prossegue com sua vida de adolescente conturbado. Os seus conflitos pessoais, familiares, religiosos e os confrontos com o irmão Raymond, espécie de bad boy junkie, são cada vez mais intensos. Raymond constrói uma linha de tensão, usando trejeitos, jogando beijinhos, humilhando verbalmente o irmão (- Cala a boca bichona) e ainda agredindo fisicamente com um soco no olho pelo fato de ZAC espionar as suas transas e brigas com as diversas namoradas. ZAC na sua condição de humilhação por atos de violência revida espalhando informações entre os jovens acerca das estripulias sexuais do irmão garanhão. Os comentários de ZAC e a denúncia do diretor da escola levam a mãe a descobrir o envolvimento mais profundo de Raymond com drogas. Esse agravante em estágio já avançado de dependência foi totalmente subestimado ou ignorado pelo pai que parecia orgulhar-se da condição de machão heterossexual do filho. O alvo predileto sempre foi ZAC e não o outro filho que mergulhava num caminho sem volta. Outras situações conflitantes seguem marcando a adolescência do “afilhado da Virgem Maria”, segundo a designação carinhosa da mãe. ZAC, para agradar a família, segue negando-se a si próprio. Aprimora uma convivência sexual com a amiga de infância Michelle (Natasha Thompson) que por sua vez tem um bom trânsito e a aceitação por parte da família. Essa decisão de ZAC, de convivência heterossexual, amparada pela pressão familiar de certa forma atenuará momentaneamente os conflitos. Os desejos de ZAC permanecerão sublimados, guiados por um autocontrole de negação da sua sexualidade com o propósito agradar a família. Essas demandas reprimidas do desejo irão pipocar, para surpresa do espectador, com a materialização de novos momentos de conflitos dramáticos que integrarão trama do filme.
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1980 – O tempo não para. ZAC aos vinte...
Died).
O choro e trilha fundem-se, em forma de aliteração sonora, aos gemidos de prazer e gozo de ZAC. Michelle de joelhos, a sua companheira nesta nova fase da vida, ainda em extracampo, pratica Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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Um momento da narrativa fílmica que marca claramente a passagem de ZAC para uma fase da adolescência mais madura pode ser identificado na confluência temporal de duas situações cênicas que integram a estrutura dramática de C.R.A.ZY. A primeira situação cênica que prepara essa passagem para outro momento da vida é quando ZAC entra na loja de discos, folheia a secção country com vinis de Patsy Clyne e vê ou imagina Paul, seu objeto de desejo sublimado, olhando outros discos. ZAC foge da loja, e essa fuga representa o seu conflito com a sua própria sexualidade. Caminha em desespero pelas ruas da cidade com a neve que cai sobre o seu corpo. Ao aproximar-se de uma cabine telefônica, uma criança chora nos braços da mãe. ZAC passa a mão na nunca como quem duvida de seus próprios poderes e, para seu desespero, a criança para de chorar. Neste caso, entra em cena o seu conflito em relação a sua religiosidade que se associa aos dois outros conflitos na esfera da sexualidade e da família tendo como representante a figura paterna que desrespeita as diferenças. A segunda situação cênica está extremamente interligada com a continuidade da mesma sequência. ZAC ao constatar o seu possível dom de cura caminha atormentado e, em choro, vai até a sua casa. Essa cena é pontuada pela força dramática de Nine Sili Nebesniye da Chorovaya Akademia, canto coral sacro com a predominância de vozes masculinas, que se funde ao choro desesperado de ZAC. As referências finais dessa fase da adolescência de ZAC são mostradas ao espectador: o irmão mais novo que dorme e um cartaz de David Bowie na porta do quarto de ZAC. Esse cartaz é visualizado quando ZAC se abaixa em choro e sobe, com a mesma música de fundo, vemos outra referência afixada na porta do quarto: a capa da revista Time de 22 de dezembro de 1980 em que anuncia a morte de John Lennon (When the Music
sexo oral em ZAC. Ao levantar-se, após o gozo pleno de ZAC, exclama: - Feliz aniversário! No rosto do protagonista vemos o seu cabelo diferenciado, olhos pintados, sobrancelhas delineadas e roupas de couro. A aparência e comportamentos de ZAC mudaram. Após o ato de felação percebemos em ZAC uma ironia mais requintada. A convivência heterossexual com Michelle resulta em uma aparente segurança por parte do protagonista. A ação do tempo fez com que ZAC também mudasse aspectos de seu comportamento e de seu vestuário. Agora, neste novo momento, dispõe da capacidade de reagir com muito mais força quanto aos xingamentos e dúvidas ainda existentes quanto a sua sexualidade. Mesmo com essas mudanças à vista, ainda enxergamos em ZAC o seu esforço e desejo em se reconciliar com a vida mesmo que essa atitude ainda resulte em novos embates na esfera da família. Maria da Conceição Costa no artigo coletivo Sexualidade na adolescência complementa que nesta fase da vida: A maturação física está completa; o comportamento sexual costuma ser mais expressivo e menos exploratório, e as relações, mais íntimas e compartilhadas. Predomina a escolha de par duradouro com relação de afeto. Maior consciência dos riscos e necessidade de proteção. (COSTA et alii: 2001:p. 219)
Uma das situações mais conflitantes para o adolescente, de ambos os gêneros, é reconhecer em si traços de homossexualidade latente ou expressa. Ele sabe que seu papel de gênero o obriga a determinadas posturas individuais e coletivas, teme as pressões familiares e grupais, angustia-se ao prever as reações dos outros, além do que, estando numa idade de grande interesse por tudo, frequentemente Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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Observa ainda:
acompanha pela mídia ou na escola, comunidade e grupo de apoio, o rechaço e as humilhações impostas aos jovens homossexuais, que podem chegar da rejeição à morte. (COSTA et alii, 2001, p. 220)
A trajetória de vida não linear de ZAC evidencia todas essas situações conflitantes advindas de humilhações no seio da família, pressões externas, tentativa de suicídio e negação de sua homossexualidade ou mesmo bissexualidade.
O aniversário de vinte anos de ZAC começa com uma declaração de amor do Pai Gervais para esposa, cada filho e, particularmente, para o aniversariante. O pai dubla Hier encore com a voz superposta a voz de Charles Aznavour, tocando afetivamente em cada filho e olhando para ZAC diz – essa eu escrevi prá você:
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Figura 06 | Dueto, pai e filho, cantam Hier encore de Charles Aznavour como parte da comemoração dos vinte anos de ZAC em família
Ontem então Eu tinha vinte anos Eu acariciava o tempo E brincava de vida E como quem brinca de amor Eu vivia a noite Sem contar meus dias Que corriam pelo tempo Eu fiz tantos projetos Que se dissiparam no ar Eu fundei tantas esperanças Que se desvaneceram Que agora eu fico perdido Sem saber aonde ir Os olhos vasculhando o céu Mas o coração preso à terra
Ontem então Eu tinha vinte anos Mas perdi meu tempo Fazendo loucuras Que no fundo não me deixam Nada de realmente preciso Exceto algumas rugas na testa Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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Ontem então Eu tinha vinte anos Eu desperdiçava o tempo Crente de que o retinha E para retê-lo Ou mesmo antecipá-lo Eu não fiz outra coisa a não ser correr E agora estou ofegante Ignorando o passado Conjecturando sobre o futuro Eu me antecipava Tudo conversa fiada E dava a minha opinião Sobre o que eu não achava bom E criticava o mundo com desenvoltura
E o medo do tédio Porque meus amores morreram Antes de existir Meus amigos partiram E não voltarão Por minha culpa eu fiz O vazio ao meu redor Eu estraguei minha vida E meus jovens anos Do melhor e do pior Desprezando o melhor Eu petrifiquei meu sorrisos E congelei meus choros Onde eles estão Por onde andam meus vinte anos? Onde eles estão Por onde andam meus vinte anos ? Meus vinte anos!
A cena musical é finalizada com um dueto fraterno entre pai e filho e com os aplausos efusivos da família. No entanto esse clima de afeto em forma de comemoração será imediatamente quebrado. Aproveitando o aniversário de ZAC, o irmão mais velho anuncia o seu casamento sendo festejado por todos, exceto por Raymond. Entusiasmada com a notícia, a companheira de Raymond solta a seguinte frase: - Que tal um casamento duplo. Já pensou que lindo! Raymond – Quer calar essa boca e para de bancar a idiota.
cheirando de novo. Raymond – Endoidou de tanto chupar rola! Pai – Olha como fala.! ZAC – Deu bastante o rabo lá na cadeia. Raymond – No meu lugar você até que ia gostar. Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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(Silêncio entre todos) ZAC – Mande ele a merda. Raymond – Cale a boca bichinha! Michelle – Cale a boca você! ZAC – Mal saiu da clínica e já está
Mãe – Já chega. É natal, pelo amor de Deus! Pai – Meu Deus, o que eu fiz para merecer isso.
Nesta cena ZAC reage de forma irônica e joga vinho no rosto de Raymond. Enfurecido Raymond parte para o contra ataque direto de forma agressiva. Vira a mesa e é contido pelos irmãos, Antoine (que anunciou o casamento) Christian (esportista). A patética cena de violência causada por Raymond é um prenúncio de seu desequilíbrio quanto ao uso desenfreado das drogas. ZAC observa tudo com a devida distância. Esse fora o seu primeiro confronto em forma de revide sádico em resposta as constantes provocações de Raymond quanto a sua sexualidade. ZAC também acabara de tocar em um tema tabu mascarado pela família: o uso de drogas por Raymond. Em outra cena, após o reencontro de ZAC com Raymond na casa dos pais, Raymond oferece carona para ZAC. No percurso de carro o diálogo é o seguinte:
Na cena seguinte Raymond recebe das mãos do pai um envelope com dinheiro enviado por ZAC. Por ocasião da festa de casamento, quando a família se prepara para tirar fotos, a generosidade do irmão é reconhecida quando Raymond abraça e beija a cabeça de ZAC. O casamento do irmão mais velho será o ápice da trama fílmica com direito a tudo que pode acontecer em um casamento Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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Raymond – Escute. Eu sei que não fui legal com você, mas eu preciso de grana. Eu não sei quando vou te pagar, mas eu te pago. ZAC – Veio pedir prá mim. Raymond – O pai vive falando que o predileto dele ganha bem. ZAC – Se ele tem um predileto não sou eu. Raymond – Qual é, eu estou na merda. ZAC – Eu tenho um milhão, mas não te dou um tostão. Raymond (em forma de desdém) – Vai, quer que eu te faça um boquete.
Pai - Não se aproxime! Michelle – O que foi? Quer parar. Pai – ZAC, podemos conversar. No casamento de seu irmão? ZAC – Raymond arruma briga e eu pago o pato. Pai (indignado) – Foi você que provocou. Ele só te defendeu. Chamaram você de bicha. Te viram no carro com o namorado da sua prima. ZAC – Eles viram o quê? O que eles estão pensando? Estávamos no carro, fumando um baseado, só dividimos um trago. Pai – Desde que você nasceu não parou de mentir. ZAC – Não houve nada! Pai (bate no rosto de ZAC) - Seja homem uma vez na vida. Diga a verdade. ZAC – O que você quer ouvir? Que eu sou gay? Que eu sou bicha? Que chupo paus? Tá, eu fiz isso, mas não foi com ele. E você sabe com quem foi. E depois eu nunca mais fiz. Mas eu adoraria que acontecesse de novo. Eu adoraria. Michelle – (se retira do local) Pai – Vá embora. Vá embora.
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como briga de Raymond para defender ZAC e confronto de forma aberta de ZAC com o pai. Enquanto ZAC, Michelle, Paul e Brigitte dançam 10:15 Saturday Night (The Cure) descontraidamente no salão, Raymond e o pai ouvem a conversa de dois convidados que fazem alusão a ZAC e o namorado da prima Paul que, supostamente, estavam se beijando no carro. Enquanto o pai se afasta olhando fixamente em direção à ZAC, Raymond quebra o ritmo da festa do seu irmão Christian com socos no convidado. A tensão se instala entre família. A briga é uma espécie de quebra do ritual. Sem saber dos motivos ZAC se aproxima para ajudar o pai que retira Raymond da briga.
A partir desse confronto entre pai e filho, através do áspero diálogo e sob forte pressão paterna, ZAC reconhece diante da autoridade familiar a sua preferência sexual pelo gênero masculino. Essa declaração de identidade por parte de ZAC, espécie de grito de liberdade quanto aos seus desejos sublimados, é imediatamente rechaçada por meio de uma ordem imperativa do pai: – Vá embora. Ao cumprir a ordem do pai, ZAC simbolicamente rompe silenciosamente com a família e realmente vai embora, para Terra Santa, estabelecendo um corte abrupto sem avisar a ninguém.
Desfecho da narrativa e o processo de construção poética do filme “Não te deitarás com um homem como se fosse mulher. É uma abominação” Levítico, Capítulo 18, versículo 22 “Não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus.” I Coríntios, Capítulo 6, versículo 9
"Porém, desde o princípio da criação, Deus os fez macho e fêmea. Por isso deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á a sua mulher. E serão os dois uma só carne; e assim já não serão dois, mas uma só carne". Marcos, capítulo 10, versículos 6-8 “Ora, acabando Davi de falar com Saul, a alma de Jônatas ligou-se com a alma de Davi; e Jônatas o amou como à sua própria alma”. I
Samuel, Capítulo 18, versículo 1
“Angustiado estou por ti, meu irmão Jônatas; quão amabilíssimo me eras! Mais maravilhoso
Jerusalém, no contexto fílmico, funciona como uma metáfora que culmina com o processo de construção da liberdade de ZAC. A cidade Jerusalém é um espaço simbólico místico e religioso, não ameaçador. Representa o sonho e a referência religiosa de sua mãe Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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me era o teu amor do que o amor das mulheres." II Samuel, Capítulo 1, versículo 26
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Laurianne, católica fervorosa e exemplo de dedicação e acolhimento dos filhos. Apesar de autodenominar-se de ateu, ZAC vai ao encontro dessa identidade materna para consolidar o seu processo de libertação quanto a sua sexualidade e o desvinculamento das suas marcas cristãs. Ultrapassados os conflitos e embates com o irmão Raymond e com o pai Gervais, ZAC, agora em Jerusalém - cidade santa dos judeus, muçulmanos e cristãos – buscará expurgar os seus vários conflitos existenciais. Trata-se de um reencontro consigo próprio no sentido de reorganizar a sua própria história de vida. A presença de ZAC em Jerusalém reflete um período de isolamento que paradoxalmente o reaproxima inconscientemente de seu anseio (viver em paz com o pai). Também, esse distanciamento de ZAC da sua família se traduz na possibilidade de reestruturação de seu modo de vida em termos de plena expressão de sua sexualidade. A dimensão religiosa e o papel da família apenas circunscrevem de forma poética esse novo momento para o desfecho da narrativa fílmica. Em Jerusalém, ZAC não deverá abdicar-se de si próprio para ser aceito pela família. Aliás, a sua viagem para Jerusalém é resultado desse confronto na esfera da família e da religião que cai sobre si como um fardo. É ainda em Jerusalém que ZAC, vivenciará jogos de sedução em uma disco music tendo como fundo musical From here to eternity de Giorgio Moroder, manterá um contato sexual pleno com outro homem, caminhará no deserto até a exaustão e encontrará ocasionalmente o disco de Patsy Cline quebrado propositalmente em sua infância. Jerusalém no contexto da narrativa fílmica abraça a sexualidade do protagonista ZAC. Pouco a pouco as partes da enunciação fílmica se encaixam para o espectador. Só ainda essas partes não se encaixam neste princípio do epílogo quanto ao diálogo familiar do pai para com o filho. No retorno da “terra santa” ZAC encontra Raymond internado por problemas de overdose com heroína. Apesar da aflição do casal Beaulieu, o regresso de ZAC é comemorado visto que ambos vislumbram em ZAC o poder de curar Raymond. A tensão dramática que envolve a família face ao estado de saúde grave de Raymond
motiva uma nova conversa por parte de Gervais com o filho ZAC que sempre deságua no mesmo ponto: não aceitação das diferenças. Isso é o que percebemos na conversa do pai em forma de monólogo reiterativo. Pai – Eu sei que não sou o pai perfeito! Sei
que tenho uma grande parcela de responsabilidade nisso tudo. Pai – (para ZAC) Se você acha que tem que ser assim, que não pode mudar. É uma coisa que eu não posso aceitar. Eu não consigo.
para o diálogo ou convivência com a diferença. A sua visão de mundo gira em torno de si, dos seus valores e de sua perspectiva unilateral de vida. Gervais é o sinônimo da incomunicação, ou seja, representa a falta de diálogo, de entendimento e de interlocução com toda família. É um pai em estado permanente de crise. Quando a mãe de ZAC recebe a notícia de morte de Raymond, o pai está de costas para o problema que está sendo anunciado. Enquanto ouve CRAZY com fone de ouvido a mãe chora copiosamente com morte do filho. No entanto será a morte de Raymond que resultará em uma mudança de atitude e de sociabilidade do pai Gervais para com a família e com o próprio ZAC. Habitualmente a morte provoca uma dor profunda em quem fica com vida. Gera sentimentos inusitados e implica até na capacidade de reflexão ativa. Enquanto uma fábula moderna o filme apresenta uma triste lição de que às vezes é preciso ocorrer a morte para que haja a aceitação das diferenças. Torna-se difícil compreender que cada ser humano na sua essência é um mosaico singular constituído por partes fragmentadas. Será então a notícia da morte de Raymond que possibilitará a abertura de caminhos para uma nova fase na vida da família Bealieu resultando em uma maior aproximação do patriarca Gervais com o filho ZAC. A morte implicará em uma mudança de atitude do pai e desencadeará novas formas de sociabilidade com a Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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O Pai, mesmo diante da dor, do sofrimento e de sua mea culpa, revela-se ainda duro, inflexível sem possibilidade de abertura
imagens aceleradas ou em slow-motion, caracterizações primorosas do contexto de época através da direção de arte ao encargo de Patrice Bricault-Vermette, fotografia extremamente cuidadosa sob a responsabilidade de Pierre Mignot e a edição polifônica de Paul Jutras. A conjunção desses distintos elementos semióticos formais é que constituem a tessitura poética de C.R.A.Z.Y. – Loucos de Amor. Neste sentido, forma e conteúdo estão entremesclados em uma narrativa tecida por níveis de conflitos sobre o amor e a loucura do espírito humano com todas as suas contradições. O filme nos mobiliza no sentido de refletirmos acerca das intolerâncias assentadas no seio das famílias que não aceitam as diferenças relacionadas com as várias dimensões e expressões da sexualidade. Intolerâncias e situações de violência que podem brotar através de pré-julgamentos, normatizações de ordem religiosa, mecanismos de coerção estatal, escola e principalmente por partes dos diferentes segmentos da sociedade. O filme enquanto instância produtora de sentidos possui uma dimensão reflexiva que nos remete a contextos de época específicos marcados pela evidenciação da luta crescente pelos direitos civis dos estudantes, negros, mulheres e homossexuais. A década dos anos 1960, nascimento e infância de ZAC, é marcada pelo avanço da ciência e tecnologia, aparecimento da pílula anticoncepcional, música de protesto, guerra do Vietnã, movimento feminista, movimento estudantil, liberação sexual, uso de drogas, Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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família. O amor entre pai e filho se reestabelece num abraço pródigo, generoso, ao som de Crazy que é retirado da vitrola e o disco acidentalmente quebrado pelo filho mais novo Yvan. C.R.A.Z.Y. – Loucos de Amor, enquanto instância narrativa, prima por uma construção poética que coloca em relevo a interpretação meticulosa dos atores com a valorização dos gestos, expressões faciais e olhares significantes articulados com a carga dramática de cada cena que dialoga com a cena seguinte. Outros mecanismos poéticos e dispositivos de linguagem são habilmente mobilizados pelo diretor para composição de uma narrativa inventiva que seduz criticamente o espectador. Destacamos os ângulos diferenciados, efeitos especiais utilizados, animações,
contracultura
entre outros. Esses diferentes movimentos com característica diferentes implicavam diretamente em mudanças de comportamento. Os anos 1970, adolescência de ZAC, são marcados pela luta de jovens contra ditaduras militares no Brasil, América Latina e países da Europa, pelo crescimento dos movimentos
Muito especialmente a partir dos anos 1960, jovens, estudantes, negros, mulheres, as chamadas “minorias” sexuais e étnicas passaram a falar mais alto, denunciando sua inconformidade e seu desencanto, questionando teorias e conceitos, derrubando fórmulas, criando novas linguagens e construindo novas práticas sociais. Uma série de lutas ou uma luta plural, protagonizada por grupos sociais tradicionalmente subordinados, passava a privilegiar a cultura como palco do embate. Seu propósito consistia, pelo menos inicialmente, em tornar visíveis outros modos de viver, os seus próprios modos: suas estéticas, suas éticas, suas histórias, suas experiências e suas questões. Desencadeavase uma luta que, mesmo com distintas caras e expressões, poderia ser sintetizada como a luta pelo direito de falar por si e de falar de si. Esses diferentes grupos, historicamente colocados em segundo plano pelos grupos dominantes, estavam e estão empenhados, fundamentalmente, em se autorrepresentar. (LOURO, 2008, p. 20) Fórum Nacional do Audiovisual Matizes da Sexualidade
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ambientalistas, mobilizações antiguerra e ampliação dos movimentos comportamentais. C.R.A.Z.Y. – Loucos de Amor está circunscrito a um contexto de época em que vivenciamos transformações paradigmáticas na esfera social no tocante as relações de comportamento e modos de viver em família e em sociedade. Guacira Louro no texto Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas, ao se reportar sobre as políticas de identidade faz seguinte análise quanto ao período:
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Com seus graus de complexidades, o filme deve ser também compreendido enquanto instância poética que possibilita reflexões sobre o amor, a família, as sexualidades, os preconceitos, as religiosidades e as intolerâncias que ganham corpo no seio da coletividade. Pode ser traduzido também como um retrato sonoro visual dinâmico de uma família em permanente conflito, no contexto social que envolve as lutas e transformações socioculturais das décadas de 1960 a 1980. A sua estruturação significante nos possibilita efetuar livres associações com as diferentes temáticas que embalaram jovens, adultos e pessoas idosas que vivenciaram a temporalidade evocada em C.R.A.Z.Y. – Loucos de amor. ZAC encampa a busca do ideal de liberdade dos jovens inquietos que lutaram contra os preconceitos existentes na esfera da família e na própria sociedade. O filme transcende os contextos geracionais específicos visto que o preconceito ainda é visível na contemporaneidade em diferentes contextos sociais tanto no âmbito da esfera pública e como na esfera privada das famílias. Por sua dimensão poética, C.R.A.Z.Y. – loucos de amor é uma janela criativa que do tempo presente lança um olhar que ressignifica o passado e projeta questões sobre um futuro onde as expressões das diferenças em termos da sexualidade possam ser respeitadas. O filme também nos mobiliza no sentido de que no tempo presente possamos conviver com as diferenças e respeitar as pluralidades da diversidade humana. No filme da vida real propriamente dito, em pleno século XXI, a sexualidade é ainda um tema considerado tabu pela família e, sobretudo, pelas diferentes formas de religiosidades, gerando preconceitos dissimulados dos segmentos mais conservadores da sociedade. Essas manifestações do preconceito historicamente tem resultado em práticas de violências e em constantes assassinatos de homens, mulheres e transgêneros que expressam um desejo que se entrechoca com o padrão da heteronormatividade. C.R.A.Z.Y. – loucos de amor é um canto sonoro visual em defesa do amor, da liberdade, de respeito à diversidade humana e contra todos os atos de violência.
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Culturas Audiovisuais, Diversidade Sexual e Relações de Gênero 29 | RICKY MARTIN E O DISCURSO DA IGUALDADE NO CLIPE The best thing about me is you Norma MEIRELES 49 | A NAMORADA TEM NAMORADA: De olho no videoclipe da canção de Carlinhos Brown Ayêska PAULAFREITAS 59 | O CINEMA E A TERCEIRA IDADE: Uma análise do sexo e do afeto em Chuvas de verão e Elsa e Fred Armando Sérgio dos PRAZERES 77 | MACUNAÍMA: Interfaces do feminino através de metáforas audiovisuais Amanda Ramalho de Freitas BRITO 87 | SUELY PROFANANDO O CÉU: Sexualidade, alteridade e pertencimento como dilema do indivíduo perante o coletivo Rayssa Mykelly de Medeiros OLIVEIRA 99 | TRANSFORMAÇÕES CONTEMPORÂNEAS: A sexualidade nos filmes Drácula de Bram Stoker
Entrevista com vampiro
e
Jandiara Soares FERREIRA
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SUMÁRIO
13 | AS COMPLEXIDADES DA SEXUALIDADE EM DIFERENTES CONTEXTOS DAS MÍDIAS AUDIOVISUAIS Pedro NUNES
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Título no Brasil: As regras da atração Título Original: The rules of attraction Direção: Roger Avary | Fotografia: Robert Brinkmann Roteiro: Roger Avary | Baseado no livro de Bret Easton Ellis Edição: Sharon Rutter | Direção de arte: Christopher Tandon Trilha Sonora: Tom Hajdu, Milla Jovovich, Andy Milburn Figurino: Louise Frogley | Elenco: James Van Der Beek, Shannyn Sossamon, Ian Somerhalder, Kate Bosworth, Jessica Biel, Kip Pardue, Thomas Ian Nicholas, Clifton Collins Jr., Joel Michaely, Faye Dunaway, Swoozie Kurtz, Clare Kramer País de Origem: Estados Unidos | Ano: 2002 | Duração: 110 min Palavras-chaves: Diversidade sexual | Ciranda amorosa| Hedonismo
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Como o tempo muda as coisas. Lauren Hynde | As regras da atração | Roger Avary
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ogo de princípio, caracterizaremos o filme As regras da atração enquanto um constructo plurisignificante cuja organização criativa se
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Mestrando em Letras pela Universidade Federal da Paraíba e graduado em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela mesma instituição. Integrou o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), nas vigências 2008/2009 e 2009/2010. Participa do grupo de pesquisa "Ficção audiovisual, comunicação e produção de sentido", orientado pelo professor Dr. Luiz Antonio Mousinho Magalhães, que tem por objetivo a análise, interpretação e discussão de textos audiovisuais em correlação com seu contexto social e de produção. afonso780@yahoo.com.br 2
Atua como professor na área de audiovisual da Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP) e pós-doutorado em Comunicação Digital pela Universidade Autônoma de Barcelona. Diretor de filmes, vídeos e projetos multimídia. Dirigiu o longa Escola sem PREconceitos, produzido pelo Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Ação sobre a Mulher e Relações de Sexo e Gênero (UFPB). Livros publicados: As relações estéticas no cinema eletrônico, Cinema & poética, Violentação do ritual cinematográfico, Audiovisualidades, desejo & sexualidades (org.), Mídias digitais & interatividade (org.) entre outros. tecnovisualidades@yahoo.com.br
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Afonso BARBOSA1 Pedro NUNES2 Universidade Federal da Paraíba
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Jogos de sedução: estética fílmica, juventude e os labirintos da sexualidade
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apresenta como espelho verbal de referência do romance homônimo de Bret Easton Ellis3. As instâncias narrativas, romance e filme, com suas especificidades significantes de códigos e linguagens, também se entremesclam estabelecem diálogos e entrechoques, ganham autonomia, evidenciam estilos e revelam marcas criativas singulares que refletem as respectivas autoralidades ordenadas em espaços e tempos distintos. As regras da atração (2002), filme dirigido por Roger 4 Avary , é resultado desse movimento intersemiótico complexo que tem por base classes de signos puramente verbais transformados, através do gesto criativo, em outra classe de signos de natureza sonorovisual. Trata-se da passagem criativa por meio da interpretação de um tipo de código de cunho estritamente verbal para outra modalidade de código que encampa novas classes e subclasses de signos audiovisuais que formam o tecido semiótico denominado cinema.
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Autor norte americano integrante da denominada Generation X que escreve e contextualiza suas obras romances tendo como pano de fundo os anos 1980. É considerado um escritor cool pelo tom irônico, sarcástico e niilista sempre presente em seus romances com proeminência das questões que envolvem a sexualidade e os conflitos, buscas e desencontros de seus personagens em crise. Abaixo de zero (1985) é considerada uma obra de referência elevando o jovem autor a categoria cult. Dentre as suas produções podemos destacar: As regras da atração(1987), Psicopata
americano (1991), Glamorama (1998), Os informantes – geração perdida, (1994), Lunar Park (2005) entre outras.
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Diretor e escritor canadense que se notabilizou no cinema com o longametragem Pulp fiction – tempo de violência (1994), filme premiado com o Oscar de melhor roteiro original produzido em co-parceria com Quentin Tarantino. Avary co-roteirizou outros trabalhos, a exemplo dos filmes Terror em Silent Hill (2006) e Beowulf (2007). Também dirigiu Parceiros do crime (1993) e prepara um novo projeto de transcriação cinematográfica baseada no polêmico videojogo Castelo de Wolfenstein com personagens nazistas.
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A esse movimento intersemiótico5 de recriação do verbal para o sonorovisual, da literatura para o cinema, comumente chamado de adaptação cinematográfica, o poeta Haroldo de Campos caracterizou como transcriação ou canto paralelo. O ensaísta se referia principalmente às traduções criativas no âmbito de um mesmo código e de uma língua para outra língua (interlingual) envolvendo contextos 6 socioculturais com singularidades e diferenças. Essa perspectiva transcriadora independe da natureza do código e envolve o signo estético em sua dimensão de isomorfia. A dimensão isomórfica em processos criativos se afasta do compromisso com a literalidade ao adquirir graus de autonomia criativa sem perder de vista a referência. A transcriação, nessa perspectiva crítica de libertar-se da referência, tendo em conta as diferenças entre códigos, é também um exercício de transpoetização onde criador coloca em evidência as qualidades do signo. Assim, com base nessa relação intersemiótica que se estabelece entre o romance e o filme ou no processo de 5
...] concebemos a tradução intersemiótica como prática crítico-criativa, como metacriação, como ação sobre estruturas e eventos, como diálogos de signos, com outro nas diferenças, como síntese e re-escritura da história. Quer dizer: como pensamento em signos, como , ç 2003, p. 209).
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Haroldo de Campos em Da tradução como criação e como crítica afirma o seguinte: Então, para nós, tradução de textos criativos será sempre recriação, ou criação paralela, autônoma, porém recíproca. Quanto mais inçado de dificuldades esse texto, mais recriável, mais sedutor enquanto possibilidade aberta de recriação. Numa tradução dessa natureza, não se traduz apenas o significado, traduz-se o próprio signo, ou seja, sua fisicalidade, sua materialidade mesma (propriedades sonoras, de imagética visual, enfiam tudo aquilo que forma, segundo Charles Morris, a iconicidade do signo estético, entendido por signo icônico aquele "que é de certa maneira similar àquilo que ele denota"). (CAMPOS, 1992: 35).
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semiose efetuado a partir do trânsito da obra literária ao cinema, o filme As regras da atração pode ser entendido enquanto fruto de um movimento pleno do processo de transcriação que abarca desde os insights iniciais propulsores da obra cinematográfica, o roteiro adaptado e recriado, a produção, o trabalho de pesquisas, a filmagem até o momento final de organização, estruturação e pós-produção da obra cinematográfica. A transcriação neste caso também se insere no contexto estético da construção criativa em termos de arranjo composicional do filme visando a produção de sentidos. Destacamos que esse direcionamento composicional de arranjo formal dos múltiplos significantes presentes no filme valoriza as relações qualitativas de similaridade. Essas ações deliberadas de combinação dos signos com a finalidade de se instaurar a dimensão estética na obra cinematográfica implicam em romper com as relações de contiguidade. Neste caso, o engendramento do estético no filme ... nada mais é do que a articulação das relações de similaridade e, por extensão, o rompimento com as relações de contiguidade que tendem para a confirmação. A construção do estético nessa perspectiva resulta da exploração das possibilidades em busca de sua opacidade estéreo-significante. (NUNES: 1996, p. 63)
O filme As regras da atração é por assim dizer, uma obra intencionalmente impregnada dessa dimensão estética. O seu percurso criativo é resultante da materialização dos diferentes arranjos formais de linguagem, desenho de som, edição e estruturação fílmica que evidenciam os labirintos da sexualidade. Esses procedimentos formais de estruturação da
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narrativa rizomática estão diretamente relacionados com as possibilidades criativas decorrentes do manejo da imagem e do som. Como resultado do projeto estético de Avary, temos uma narrativa espectral e multifragmentada povoada de iconicidades, jogos de metalinguagem, ambiguidades e autoreflexividade. Ou seja ç atitude planejada de manejar criticamente o significante, em cujo resultado expressa uma visão de mundo peculiar a cada . , . O estilo enquanto marca criativa de cada filme revela, conforme já observamos as dimensões subjetivas do regente criador, orquestrador de diferentes ordens de signos. O projeto estético de As regras da atração está então alicerçado nessa perspectiva de lapidação dos seus elementos significantes e no processo de depuração da linguagem com ênfase criteriosa no manejo de suas unidades sígnicas (planos, enquadramentos, movimentos de câmera, transições, acelerações, passagens, espaço cênico, iluminação, articulações sonoras, dramaturgia, locações entre outros). Esses procedimentos cinematográficos relacionados com a linguagem e o processo de codificação dos filmes são utilizados e materializados na narrativa de forma consciente, diferencial e inventiva. Há por parte do diretor uma consciência criativa no trato dos procedimentos semióticos da linguagem e gestos poéticos de transgressão materializados na estrutura aberta da narrativa. O filme é também um metafilme visto que há recorrências e citações a outros filmes e a gravação de um vídeo dentro do filme. Neste sentido o filme As regras da atração pode ser considerado enquanto um dispositivo estético de representação social que recria de forma sagaz e irônica o cotidiano de jovens universitários desencontrados que buscam de forma desenfreada o amor, o sexo, o prazer, as drogas e o rock and roll. Há no filme referências imagéticas e sonoras que remetem aos anos 1980, mas que, no entanto, são arremessadas
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poeticamente para os tempos atuais. O tempo histórico do filme é recriado e transtextualizado para uma realidade temporal da contemporaneidade. As próprias marcas indiciais sonoras de As regras da atração apontam para o contexto de época de uma geração perdida7 também relatada, são também ressignificadas ou mesmo atualizadas através das estratégias estéticas de organização da narrativa. Assim, no centro hedonista da realidade fílmica onde a mesma história é relatada através de vários pontos de vista, tudo é plenamente possível, exceto o amor propriamente dito . já que para Pierre Reverdy8: . As personagens do filme estão neste encalce obceado em busca do amor perfeito. Essa procura é evidenciada através dos labirintos da narrativa e os desencaixes em relação à sexualidade de cada uma das personagens. Do prólogo ao epílogo do filme tanto o amor como as provas de amor encontram-se fora do alcance de todos. Apenas os excessos possíveis em termos de drogas e sexo é que dão a tônica desenfreada da vida fílmica de cada personagem no contexto da trama audiovisual.
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O termo geração perdida neste caso se refere à década dos anos 1980 cujas características foram relatadas por Bret Easton Ellis no romance Informers. Bret Easton Ellis, Quetin Tarantino e o diretor de As regras da atração, Roger Avary, integram a geração locadora, período da popularização das fitas em VHS, fitas cassete, walkman, do aparelho de som microsystem, máquinas de datilografia eletrônica e lançamento inicial dos computadores Macintosh. No Brasil esse período foi marcado pelo desemprego, estagnação econômica, HIPERinflação e manifestações pelas Diretas Já exigindo eleições para presidente da república. 8 Citação do poeta francês Pierre Reverdy realizada pela personagem Isabelle (Eva Green) no filme Os sonhadores (2003) dirigido por Bernardo Bertolucci.
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Diante da narrativa de As regras da atração, é possível compreender o desenvolvimento da diegese,9 tendo como ponto de partida o triângulo amoroso estabelecido entre as personagens Paul Denton (Ian Somerhalder), Sean Bateman (James Van Der Beek) e Lauren (Shanny Sossamon), estudantes da fictícia instituição de ensino superior, Camden College. Mataforicamente trata-se de um triângulo escaleno, com as suas três partes diferentes e ângulos desiguais. Esse triângulo amoroso desencontrado estabelece intersecções com outras personagens do filme que também integram a ciranda dos jogos de sedução. As personagens da narrativa, mesmo que perdulários, estão sempre no processo de busca do par perfeito e, para tanto, constroem as suas regras próprias de atração. O amor idílico funciona estrategicamente enquanto peça de encaixe ou meta afetiva a ser atingida mesmo que o estilo de vida dessas personagens seja desregrado, movido a festas com álcool, drogas e sexo fortuito. 9
João Batista Brito em Imagens amadas conceitua diegese como sendo , .
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João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história. Quadrilha | Drumond de Andrade
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Personagens e as estratégias de sedução: triângulo(s) de amores desencontrados
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Paul Denton é um elemento chave desse triângulo. Sua personagem desenhada tanto no filme e como no romance faz um estilo new look que está sempre pronto para alçar a sua presa favorita. É rico, inteligente, belo, sedutor, esnobe, assumidamente bissexual e sempre disposto a evidenciar a sua diferença. Por vezes encampa declaradamente caricaturas debochadas do universo homoafetivo. As referências fílmicas apontam que é um ex-namorado de Lauren Hynde. Nas festas está sempre em busca de uma presa nem sempre fácil como imagina. No decorrer da realidade fílmica percebemos que Paul Denton acende o seu desejo por Sean Bateman, heterossexual convicto, mas pode fazer algumas concessões mediante drogas. Sean Bateman torna-se o objeto de desejo inacessível de Paul Denton. Sean Bateman é uma espécie de galã sombrio do Camden College que se autoexplica vagamente da seguinte pecido enquanto deixo de lado o . Em As regras da atração, Sean Bateman ganha destaque enquanto um dentre os principais protagonistas da narrativa. Na ficção literária é o irmão mais novo de Patrick Bateman, personagem que protagoniza o romance Psicopata Americano (1991) de Bret Easton Ellis, também recriado para o cinema por Mary Harron. O filme e o romance delineiam um Sean Bateman notívago que segue sempre em busca de novas sensações sexuais. Quase sempre toma decisões erradas que evidenciam paulatinamente a sua natureza autodestrutiva. Representa o estereótipo imperfeito do cafajeste, espécie de um garanhão cínico, perspicaz em estado de pleno cio. Mira o seu objeto de desejo instantâneo e parte para o ataque sem qualquer escrúpulo. O ato sexual não implica necessariamente em prazer, pode resultar apenas na consumação de mais um gozo mecanizado. Já manteve relações sexuais com boa parte das garotas universitárias que frequentam as mesmas festas da
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faculdade, no entanto continua sendo cortejado por Paul Denton que arquiteta estratégias sedutoras para conquistá-lo. No campus universitário, Sean Bateman atua como traficante de drogas e se esquiva de saldar as dívidas com seu fornecedor. Recebe bilhetinhos anônimos em sua caixa postal que atiçam o seu desejo de encontrar um amor perfeito. Imagina erroneamente que sua admiradora secreta seja Lauren Hynde, também transformada em objeto de desejo inacessível. Lauren Hynde constrói um comportamento identitário diferenciado em relação aos demais jovens do seu círculo de convivência quanto à preservação de sua virgindade. Habitualmente folheia livros com imagens de doenças venéreas como forma de construir uma falsa repulsa ao ato sexual. Resguarda a sua virgindade para Victor Johnson (Kip Pardue), seu objeto de desejo inacessível que viaja pela Europa principalmente em busca de diversão e sexo. Ao desmaiar em uma bebedeira na Festa do Fim do Mundo, perde a sua virgindade com um rapaz desconhecido da cidade que está acompanhado pelo estudante de cinema que grava todo ato sexual com a sua minicâmera de vídeo. A narrativa do filme é materializada ao espectador a partir do ponto de vista de Paul Denton, Sean Bateman e Lauren Hynde. A partir desse triângulo amoroso desencontrado, que funciona como o núcleo de maior relevo da trama fílmica, podemos identificar a existência de outros relacionamentos entrecruzados que partem, especialmente, desse tronco central. É o caso de Lara Holleran (Jessica Biel) companheira de quarto de Lauren Hynde. Lara Holleran é antítese de Lauren. Faz o uso de drogas sem qualquer escala de comedimento. Particularmente, tem dificuldade de se fixar em algumas de suas curtições casuais. Adota um comportamento de vida totalmente libertário em relação a sua sexualidade. Em meio às festas e bebedeiras já transou com um time de beisebol
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inteiro, com Sean Bateman e foi flagrada pela amiga de quarto transando com seu namorado, Victor Johnson. Victor Johnson, estudante do curso de teatro, é a paixão predileta e inacessível de Lauren Hynde que o gay . Europa com a finalidade de explorar suas fantasias sexuais é apresentado ao espectador através de imagens e palavras com edição ultra-acelerada numa sequência com a duração de em média quatro minutos. Essa sequência dá ênfase ao seu roteiro turístico e as suas aventuras sexuais exclusivamente com mulheres. Após o retorno de sua viagem, o seu desejo está direcionado para Lara Holleran. Roger Avary em depoimento para o making of de As regras da atração delineia esses personagens desencontrados da seguinte forma: Paul se apaixona por Sean. Sean se apaixona por Lauren. Lauren se apaixona por Victor que está fora do país. Victor se apaixona por Lara. Lara está apaixonada por Sean. E todos giram e ninguém jamais se relaciona. (AVARY: 2002).
Há nesta ciranda dos quereres e desejos vividos no espaço universitário, nas festas e nas repúblicas estudantis; as situações plenas de desencaixes por parte das personagens do universo fílmico. Todos integrantes da trama permanecem na busca e materializam o desencaixe em termos de afeto. Outras personagens também tonificam os conflitos da narrativa fílmica a exemplo da garota que cuida dos lanches na cantina da universidade, autora das cartas de amor, Mr. Lance Lawson (Eric Stoltz) - o professor casado que pratica assédio sexual com alunas, Rupert Guest (Clifton Collins Jr.) –
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apresentada em ordem inversa, ou seja, o começo do filme materializado ao espectador é na verdade o fim do filme. No tempo fílmico da narrativa, as personagens armam as suas estratégias de sedução e desejo. Revelam a hipocrisia do ser e as contradições do espírito humano. O sexo se transforma em compulsão cotidiana. A obra é uma expressão viva dos desencontros, da busca e da solidão de cada personagem do filme onde os excessos são possíveis. Não há julgamentos de cunho moral para essa catarse niilista. Essas situações de inestabilidade, de valorização do efêmero, do fragmentário, do fugidio, da descontinuidade, da predominância de situações caóticas, da fugacidade, do transitório, fazem do filme As regras da atração um espelho recriado do real. Tratase de um retrato dinâmico da volatilidade das relações humanas em um mundo da complexidade que reconfigura os seus próprios paradigmas por meio das constantes ações dos sujeitos sociais.
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campus, os garotos chapados. A narrativa, muitas vezes apresentada em ordem inversa, expõe a complexidade dos relacionamentos amorosos dessa galeria diversificada de personagens no ambiente do campus universitário onde as festas funcionam como pontos de encontro ou mesmo espaços de sociabilidade. O filme pode ser muito bem caracterizado enquanto uma sátira social cujo foco ilumina uma juventude que tem dificuldade de lidar com a sua liberdade. Trata-se de uma juventude marcada por uma profusão de conflitos, farsas, ç , , , po
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gangster violento que comanda o tráfico nos arredores do
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Desdobramentos estéticos da narrativa cineastas herdam, observam, impregnam, citam, parodiam, plagiam, desviam, integram as obras que precedem as suas. Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété| Ensaio sobre a análise fílmica.
Estrutura-se pela acumulação desorganizada de materiais de proveniência diversa, segundo um procedimento análogo ao que, em pintura, é conhecida pelo nome de colagem. A unidade, aqui, não é dado pela presença de um fio narrativo reconhecível, porém pela ótica que preside à seleção e representação dos fragmentos da realidade. (SETARO:
2007 online)
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Como já observamos, um dos pontos que caracterizam a especificidade inventiva de As regras da atração se efetiva com o desenvolvimento de seu processo de construção narrativa que incorpora, por decisão de Avary, o viés fragmentário. Esse mosaico fílmico é entretecido por diferentes camadas de significantes produtoras de sentido e significação apresenta como estratégia criativa alçar o espectador no sentido de acionar os circuitos cerebrais em termos de interpretação. A fragmentação como parte orgânica da narrativa pode ser entendida graças a adoção de procedimentos combinatórios de edição, efeitos e pósprodução. André Setaro fornece a seguinte conceituação narrativa fragmentária:
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...os
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Assim, a estruturação narrativa de As regras da atração é composta por essa dimensão fragmentária que se associa a outras duas dimensões de narrativa: circular e polifônica. Essa mescla entre tipos distintos de narrativa está associada à perspectiva fragmentária proeminente no seu eixo de estruturação; as situações de circularidade em termos de recorrência das situações, a interligação estrutural entre personagens desencontrados e a dimensão polifônica do filme do ponto de vista do arranjo das várias vozes, da cadência e ritmos das cenas e sequências, jogo de antíteses sonorovisuais. A narrativa polifônica possui uma linha melódica para relatar os fatos e acontecimentos que envolvem a realidade fílmica. Neste caso o diretor funciona enquanto um regente que instaura as tensões plásticas da imagem e do som ou mesmo atua como um arranjador responsável pela construção rítmica do filme. Destacamos que esse caminho da narrativa polifônica como parte de uma narrativa híbrida, está associada à perspectiva da montagem\edição cuja ação combinatória privilegia o arranjo composicional dos significantes onde o filme por meio de sua narrativa se transforma em uma sinfonia (NUNES: 1996). Outros procedimentos estéticos podem ser verificados no universo fílmico de As regras da atração a exemplo da quebra de temporalidades, inversão temporal da ordem narrativa, acelerações, construção de elipses e focalização. A focalização resulta na forma de como a narrativa é ordenada e apresentada ao espectador. De acordo com o Dicionário de teoria da narrativa, a focalização pode ser definida como: a representação da informação diegética que se encontra ao alcance de um determinado campo de consciência [...];
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consequentemente, a focalização, além de condicionar a quantidade de informação veiculada (eventos, personagens, espaços etc.), atinge a sua qualidade, por traduzir uma certa posição afetiva, ideológica, moral e ética em relação a essa informação. Daí que a focalização deva ser considerada um procedimento crucial das estratégias de representação que regem a configuração discursiva da história (REIS E LOPES: 1988, p. 246 e 247).
No início do filme As regras da atração, podemos identificar uma composição de sequências que trabalha claramente a partir do viés da focalização para apresentar as personagens principais da trama. Esse princípio do filme em forma de prólogo se encaixa com a parte final do filme. A narrativa se desdobra em três perspectivas, a partir de três pontos de vista diferentes das personagens Lauren Hynde, Paul Denton e Sean Bateman. Eles desfrutam da mesma festa e compartilham os seus respectivos pontos de vista e experiências sexuais com o espectador informando sobre si próprios e sobre outros personagens da trama. Por meio de fluxos de consciência, é possível iniciar o entendimento da constituição daquelas personagens. Outro dado estético que compõe a linguagem utilizada por Roger Avary é o flashforward. Esse elemento é também chamado pela Teoria da narrativa como prolepse e pode ser í orma sobre o futuro do enredo do filme, num momento em que ainda não temos condição semiótica de conhecer o seu desenvolvimento , . . acionado quando, no final do filme, podemos entender que a festa, onde são apresentados os três pontos de vista das
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personagens principais e que dá início ao longa-metragem, é, na verdade, a última de uma série de eventos dessa natureza. Assim, podemos entender como Lauren, Paul e Sean constroem durante o desdobrar da trama a perspectiva que apresentam no início de As regras da atração. Além da focalização e do flashforward, é necessário assinalar outros dois fatores, prospecção e retroação, para o entendimento da paralipse, próximo elemento estético a ser analisado dentro da obra de Avary. Para João Batista de Brito, a prospecção , excelência hipotético, precário e provisório, podendo ou não vir (BRITO: 1995, p. 186). Já a retroação trabalharia para ratificar as expectativas de quem assiste ao filme, funcionando como ç (BRITO: 1995, p. 186). Apresentadas as atribuições desses dois fatores, que têm suas funções atuando de maneira mais próxima ao interlocutor/espectador, partiremos para a análise da paralipse enquanto elemento estético e como ela atua no desdobramento da narrativa de As regras da atração. Podemos compreendêmenos informação do que a normalmente permitida pela ç í , . , empregada na construção e quebras de expectativas dentro da trama. Nesse sentido, é possível identificar o desenvolvimento desse mecanismo a partir das cenas em que Sean recebe as cartas de amor. A princípio, as mensagens são deixadas anonimamente para ele, e diante da estruturação da narrativa, passamos a realizar inferências, de modo prospectivo, sobre a autoria das declarações.
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A partir das informações concedidas pela narrativa, podemos atribuir a autoria das cartas a Lauren. Isso se dá pelo modo romântico como ela e Sean se encontram e mantêm contato. Diante das restrições da focalização interna, ou seja, em que estamos sendo conduzidos a partir da perspectiva de Sean, passamos a acreditar, assim como ele, que Lauren seja a admiradora secreta. No entanto, com o desenrolar da diegese, é desvendado que a personagem que escrevia as cartas apaixonadas era a garota que servia comida aos estudantes, na universidade. Para revelar a autora das cartas, em As regras da atração é utilizado mais um elemento estético, no caso, o flashback, também denominado pela Teoria da narrativa como analepse. Esse recu movimento temporal retrospectivo destinado a relatar eventos anteriores ao presente da ação e mesmo, em alguns casos, í , . . seguência em que é desvendada a identidade da admiradora de Sean, somos conduzidos a realizar um salto temporal, que nos leva a momentos anteriores da diegese em que Sean era sempre observado por ela, uma garota quase imperceptível para ele. A partir da união de todos esses procedimentos estéticos, trilhamos um caminho elaborando prospectivamente uma ideia sobre a identidade da autora das cartas, ao mesmo tempo em que se desvenda por meio de outra passagem subjacente a verdadeira admiradora secreta de Sean. Nesse sentido, mediante a retroação, reelaboramos o entendimento da obra e homologamos, de maneira diferente, a partir desse desenlace, o desenvolvimento da narrativa. Assim esses dispositivos são acionados conscientemente de forma a desencadear o movimento estético da obra fílmica que mobiliza constantemente recursos técnicos de linguagem com a edição de longas sequências em
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ordem invertida (narrativa contada de trás para frente), sequência de ações simultâneas relativa ao primeiro encontro entre Sean Bateman e Lauren Hynde com o recurso de split screens – tela dividida, acelerações de temporalidade, congelamento do tempo, movimentos de câmera, fusão de imagens entre outros. Todos esses dispositivos de linguagem materializados na narrativa fazem de As regras da atração um filme arrojado do ponto de vista de sua construção estética, que desestabiliza o senso comum quanto a sua estruturação significante e nocauteia os espectadores desavisados quanto às formas e conteúdos que valorizam a dimensão crítica e mais hedonista da vida.
Representações no contexto da esfera fílmica: sexo, drogas & hipocrisia social Eu só poderia crer num Deus que soubesse dançar. Nietsche
No filme, o sexo e as drogas são os elementos de atração mais desejados pelos jovens, sobretudo nos ambientes de celebração coletiva. As festas enquanto espaços de socialização acolhem múltiplas identidades e classes sociais distintas. É no ambiente festeiro onde habitualmente as regras de convivência social são muito mais flexibilizadas e algumas fronteiras são abolidas. Nesses encontros humanos há espaços para transgressões de comportamento e as pessoas desejam e anseiam liberdade. Além de se caracterizarem como um espaço de interação social, de autonomia, de comunicação e de permutas afetivas, as festas funcionam como demarcadoras de identidades e estilos. Enquanto lócus de diversões e
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desregramentos as festas também encampam o sexo, a violência, o consumo de diferentes tipos de drogas. No contexto narrativo de As regras da atração, as drogas funcionam enquanto mecanismo que libera as cargas de repressão introjetadas no sujeito social atuando como força catalisadora intermediadora das relações sexuais entre as personagens. Esse processo pode ser exemplificado em uma das cenas iniciais do filme, no momento que Lauren Hynde sugere a existência de maconha em seu quarto para atrair um jovem estudante de cinema. O mesmo ocorre quando Paul Denton convida Sean Bateman para ir ao seu quarto com uma intenção e um procedimento semelhantes. As drogas, no contexto narrativo da obra, são vistas pelos personagens como algo que pode potencializar a libido e/ou como um mecanismo que pode estabelecer elos para o primeiro passo em direção ao ato sexual. Diegeticamente, as substâncias alucinógenas que figuram em grande parte das cenas são o êxtase, a maconha e a cocaína, sendo sob o efeito delas, de forma recorrente, que as personagens se predispõem ao sexo. Além destas, outras drogas ainda se destacam por serem consumidas constantemente, como o álcool e os remédios controlados, sendo também utilizadas dentro da trama de um modo diferente, com outros objetivos não festeiros. Nessa perspectiva, podemos assinalar a maneira como são concebidas personagens como Eve Denton (Faye Dunaway) mãe de Paul Denton e Mimi Jared (Swoozie Kurtz) mãe de seu amigo Richard Jared (Russell Sams), frente às drogas e à dissimulação. A concepção das figuras sociais maternas é tradicionalmente construída, salvo em raras exceções, de maneira ilibada em narrativas que abordam essa temática colegial. Contudo, em As regras da atração as figuras
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No contexto narrativo do filme, essa argumentação se efetiva principalmente por parte da mãe de Richard, Mimi Jared, no sentido de manter-se frente à sociedade um véu das aparências. Além do consumo de álcool e de remédios controlados, a personagem, uma dama da alta sociedade, insiste em ignorar a sexualidade iminente e o comportamento do filho tanto em relação ao que ele pensa sobre a universidade em que estuda como quanto à sua conduta irreverente em público. As fúteis preocupações da mãe de Richard Jared não incluem a vida do jovem rapaz que evidencia sinais de rebeldia bem próximos aos distúrbios de conduta. É bem sintomático observar que no âmbito da narrativa fílmica os pais estão totalmente ausentes da vida dos filhos que estudam fora do ambiente da família. Além das mães, o professor Lance Lawson é outro personagem que também representa uma sátira à moralidade. O professor é caracterizado como sendo um usuário de maconha, que está constantemente presente nas festas universitárias e que realiza escambo entre boas notas e sexo oral com suas alunas.
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nota-se uma tendência recorrente, por parte da comédia irônica, de ridicularizar e xingar uma audiência que se presume esteja ansiando por sentimento, por solenidade e pela vitória da fidelidade e dos padrões morais vigentes (FRYE: 1973, p. 54).
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maternas de classe alta são arquitetadas para representar simbolicamente a hipocrisia da sociedade em crise. Northrop Frye, em Anatomia da crítica, realiza uma série de inferências quanto as obras ficcionais que de certa forma se aproximam do filme As regras da atração, quando nos afirma o seguinte:
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O filme aproxima-se ainda de questões relacionadas a padrões sociais, costurando uma série de representações sobre a virgindade, por exemplo. Este é o caso de Lauren Hynde, que folheia insistentemente livros que possuem imagens de pessoas com doenças venéreas, na tentativa de barrar os impulsos sexuais e manter-se virgem. Outras questões relativas à sexualidade figuram na trama por meio de interações estabelecidas com outros textos e enunciados, como o filme pornô a que Sean assiste depois de passar a noite no quarto de Paul. Este personagem também pode ser mencionado nessa sequência como outro exemplo de intertextualidade por estar usando uma camisa que contém a frase masturbating is not a crime ç não é crime). , ç [...] permite-nos ver todo texto artístico como estando em diálogo não apenas com outros textos artísticos, mas também ú 000, p. 34). Podemos compreender maneiras como o discurso fílmico é conformado pelo público, ç , p. 34). Considerações em andamento Em contraponto a uma série de filmes codificados seguindo o modelo clássico dominante de estruturação narrativa que trabalham na produção de sentido direcionado para o universo da juventude em ambientes educacionais, o filme As regras da atração fisga características essenciais desse modo de organização estruturante, e deliberadamente rompe com características dessas obras ao redirecionar a representação desse mesmo universo depurando criativamente as diversas instâncias que compõem a narrativa.
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Neste sentido, destacamos que os elementos que integram a instância narrativa identificados no processo de organização do filme são os seguintes: apresentação dos planos, conformação das sequências, objetos de cena, tratamento das cores, iluminação, fotografia, personagens, diagrama sonoro, passagens, cadência das cenas, relações de contrastes, diálogos, relações intertextuais, processo de edição, efeitos visuais, pós-produção entre outros. Esse contraponto se viabiliza através da dimensão estética que valoriza a dimensão formal de organização significante do filme. Essa operação semiótica de manejo criativo e consciente dos signos objetiva construir a dimensão polissêmica e conotativa da mensagem produtora de sentidos. Em As regras da atração esse mecanismo de arranjo das instâncias da narrativa é materializado por meio de um viés desestruturante, que utiliza subversões temporais e conceituais para gerar novas significações em termos da estética e linguagem do próprio filme. A arquitetura narrativa de As regras da atração se distancia então dos modelos convencionais que operam no eixo de construção do sintagma e aproxima de um modo organizativo mais experimental cujas ações paradigmáticas no campo da inventividade minam o eixo sintagmático. Dizemos então que dimensão estética do filme As regras da atração consiste neste procedimento formal de (des) sintagmatização da narrativa. Em outras palavras o diretor através de seu estilo criativo e da utilização procedimentos combinatórios projeta o eixo do paradigma sobre o sintagma audiovisual. Observamos ainda que no decorrer do filme empreendido por Roger Avary a representação narrativa em torno dos relacionamentos integrantes da trama reforça o pressuposto de complexidade das relações amorosas e da própria sexualidade. As diversas formas e modos com que as
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personagens buscam materializar as pulsões do desejo e as buscas por um par amoroso ideal revelam traços identitários, por vezes flutuantes, de cada personagem com sua singularidade de ser e de existir. Essas singularidades identitárias também revelam que as diversidades da sexualidade estão marcadas por diferentes conflitos e preconceitos na esfera do indivíduo, do coletivo, da família, do estado, e das instituições em geral. Neste sentido o filme é um canto libertário que questiona os valores morais, a hipocrisia, a violência social e as instituições que legitimam as repressões e condenam o prazer. Por fim, As regras da atração é um filme que possibilita o estabelecimento de outros processos interpretativos e diálogos mais abrangentes sobre as complexas gradações da sexualidade. Em sua abordagem temática e de organização do significante, o filme avança enquanto um complexo criativo ao se despir dos preconceitos e questionar dogmas sociais cristalizados de forma pulverizada na sociedade contemporânea. Reinventa-se através do seu realizador, enquanto um processo de construção de narrativa cinematográfica criativa. Assim, o filme é capaz de provocar o espectador para o exercício intenso de semiose, movimento interpretativo da narrativa que resulta em produção de novos signos, com a possibilidade de atualização e ressignificação da referida obra audiovisual em destaque. No mais, como diria Sean Bateman, em estado de graça: - rock and roll. Referências BRITO, J. B. d. Imagens Amadas: ensaios de Crítica e teoria do cinema. São Paulo: Ateliê Editorial, 1995. CAMPOS, Haroldo de. Da tradução como criação e como crítica. In: Metalinguagem e outras metas. São Paulo: Perspectiva, 1992, p. 31-48.
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FRYE, N. Anatomia da crítica. São Paulo: Cultrix, 1973. NUNES, Pedro. As relações estéticas no cinema eletrônico. João Pessoa: UFPB; Natal: UFRN; Maceió: UFAL, 1996. REIS, C.; LOPES, A. C. Dicionário de Teoria da Narrativa. São Paulo, Ática, 1988. (Série Fundamentos). PLAZA, J. Tradução intersemiótica. São Paulo: Perspectiva, 2003. SETARO, André. Da narrativa cinematográfica. Disponível em: <http://setarosblog.blogspot.com.br/2007/01/da-narrativacinematogrfica.html>. Acesso em 28.10.2011. STAM, R. Bakhtin – da teoria literária à cultura de massa. São Paulo: Ática, 2000. VANOYE, F.; GOLIOT-LÉTÉ, A. Ensaio sobre a análise fílmica. Campinas: Papirus, 1994.
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| SUMÁRIO | SUMÁRIO | SUMÁRIO | | Apresentação | 0 9 | Entretons da sexualidade na esfera do cinema Pedro NUNES
| Triangulação Amorosa | Desencontros | Diversidade Sexual | | Incesto | Identidades de Gênero | Heteronormatividade |
54 | Jogos de sedução: estética fílmica, juventude e os labirintos da sexualidade Afonso BARBOSA | Pedro NUNES 78 | Histórias de amor duram apenas 90 minutos Denis Porto RENÓ 86 | Mobilidade e fluxo das identidades de gênero e sexuais em Todas as cores do amor Sandra Raquew dos Santos AZEVÊDO 91 | Com o que sonham Os Sonhadores? Cenários corpóreos, imaginário(s) e imagens transgressoras em contexto de integração Marília Lopes de CAMPOS 107 | Itinerários do desejo numa estrada Latinoamericana Thiago SOARES
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13 | Quando a noite cai: o velado e o visível Virgínia de OLIVEIRA SILVA 24 | Encenação de performances legitimadoras do feminino Mayra Medeiros de AZEVEDO | Thiago SOARES 30 | Segredos íntimos: matizes da sexualidade judaica Janaine AIRES | Virgínia de OLIVEIRA SILVA 43 | Henry & June: transmutação do eu autoral, fetichismo e questões de gênero Carlos DOWLING
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| Afeto entre Mulheres | Religiosidades | Esteriótipos de Gênero |
ESTÉTICAS FLUIDAS E RECONFIGURACÕES INTERATIVAS EM AMBIENTES JORNALÍSTICOS DIGITAIS Pedro Nunes
O passado recombinado Asserção inicial: Hakim Bey é um pensador ainda pouco disseminado na esfera acadêmica. O seu trânsito expandido está situado entre segmentos de jovens inquietos e usuários conectados visceralmente aos processos comunicativos dinâmicos materializados cotidianamente no universo das redes digitais. Hakim Bey não é um nome, é um codinome, é um fake, um nick, é uma espécie de heterônimo mutante. Construiu, processualmente e de forma deliberada, uma identidade flutuante, de natureza liquida, que se capilarizou em forma de viral, sobretudo no ambiente dos sistemas hipermídia. Hakim Bey é uma espécie de personagem real, multifacetário e anarco-libertário encarnado por Peter Lamborn Wilson. No cerne de suas idéias polêmicas o ideólogo advoga a necessidade do sujeito social reinventar-se, rebelar-se contra as normatizações dominantes e convoca para o terrorismo poético, a prática da arte-sabotagem. Incita e mobiliza os seus seguidores para a materialização de experiências comunitárias descentralizadas tendo por base a cooperação e o fortalecimento dos movimentos anti-poder. Com base em DELEUZE e GUATARI propõe a multiplicação das “máquinas de guerra” admitindo ser a web um importante campo de suporte para res-
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significação do cotidiano. Entende que “ a provocação estética é uma ação política” e decreta “ o caos nunca morreu “. O ideário filosófico do pensador também incorpora o principio da desorganização, do caos, da ordem e desordem; princípios estes tão estreitamente relacionados a determinados processos criativos. A reconfiguração do cotidiano deve estar fundada em práticas colaborativas radicais e, de preferência, com viés poético. Para tanto, embasa o seu lastro argumentativo em autores como GUÉNON, FOUCAULT, DERRIDA, CLASTRES, REXROTH, SAHLIN entre tantos outros. Eduardo Viveiros de Castro em entrevista no livro cultura digital.br afirma o seguinte: Hakim Bey, que utiliza esses autores todos em sua obra, faz isso de forma torcida, inserindo-os em uma articulação pop, articulando suas ideias com processos e eventos radicalmente extra-acadêmicos com o que está passando de fato no presente. Além de estar trazendo para a discussão contemporânea autores tão interessantes como Fourier, ou como os socialistas utópicos, que foram excomungados pelos, de saudosa memória, socialistas científicos. (CASTRO, 2009:80)
Apesar do amparo teórico fundado em autores díspares de base complexa, Hakim Bey põe em xeque a noção de autoria (defende o copyleft), adota a estratégia midiática de invisibilidade ou, melhor dizendo, torna difuso a noção de autor pela preferência ao anonimato ao delinear novas identidades. Admite, dessa forma, a livre apropriação de seu pensamento devendo ser recombinado e veiculado livremente por todos os meios possíveis sem o uso do copyright. Com essa postura libertária e de cunho ontológico reverbera o princípio da liberdade nômade e do fluxo livre de conhecimentos. Para Hakim Bey construir a diferença em torno do nosso modus operandi significa fundamentalmente, violentar sintagmas dominantes, ressignificar determinados códigos com 36
as suas rígidas regras de combinação e, particularmente, implica em modificar as nossas estruturas interiores. Materializar essas dimensões associadas à práxis cotidiana representa ainda a possibilidade de interferência poética em torno de nosso microcosmo de vida. (BEY, 2003) Essas pistas apresentadas de diferentes formas por Hakim Bey rebatem como um curto circuito entre segmentos específicos das redes sociais, grupos que contestam o controle das mídias, coletivos libertários, usuários específicos da rede que defendem o código aberto, grupos de contestação entre outros. Em síntese, assinala que os sujeitos sociais devem contra atacar não diretamente contra o Estado mas pelo esvaziamento do poder através da guerrilha simbólica, das táticas midiáticas e dos choques estéticos. Uma de suas obras que merece destaque é T.A.Z (Temporary Autonomous Zone) – Zona Autônoma Temporária editada originalmente no ano de 1991, prevê que os indivíduos, grupos ou bandos aglutinados em forma de levantes não hierarquizados são capazes de provocar reviravoltas no cotidiano com gestos criativos inusitados. Neste caso, situações relacionadas ao cotidiano e aos processos de significação em geral sofrem a interferência desses coletivos com a premissa estética de produção de diferentes classes de signos desreferencializados e ambiquizados que mobilizam ou sincronizam os sentidos. Por uma característica de sua própria natureza, a TAZ faz uso de qualquer meio disponível para concretizar-se – pode ganhar vida tanto numa caverna quanto numa cidade espacial – mas, acima de tudo, ela vai viver, agora ou o quanto antes, sob qualquer forma, seja ela suspeita ou desorganizada. [...] se a TAZ é um acampamento nômade, então a web ajuda a criar épicos, canções, genealogias e lendas da
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tribo. Ela fornece as trilhas de assalto e as rotas secretas que compõe o fluxo da economia tribal. Ela até mesmo contém alguns dos caminhos que as tribos seguirão só no futuro, alguns dos sonhos que eles viverão como sinais e presságios. .(BEY, 2004:13,14).
Num movimento de interpretação circular mais atualizado a Zona Autônoma Temporária expressa concretamente a possibilidade de que os sujeitos insurgentes podem ressignificar o cotidiano. Em outras palavras, materializa a possibilidade de apropriação, de forma transgressora, dos diferentes sistemas de informação associados ao manejo experimental de determinadas linguagens para produção de conteúdos libertários. Neste caso, a premissa de o regime produção sígnica e ação poética é o de colaboração. Essas teses, antíteses e sínteses disjuntivas ganharam força na rede. Foram recriadas, reelaboradas, recontextualizadas ou remixadas. É como se alguém dissesse, − Solta o freio de mão que há em si! E completado por Hahim Bey : “...Fantasie-se. Deixe um nome falso. Seja lendário. O melhor Terrorismo Poético é contra a lei, mas não seja pego”. É tanto que passa a ser referência para o ativismo dos hackers (nerds com amplo conhecimento técnico de software e hardware) que defendem o software livre, okupas, e segmentos da cultura rave que defendem a Rave como levante, zona autônoma temporária de sociabilidade humana, linha de fuga, subversão, anarquismo caótico, nomadismo, tribo, coletividade, festejo, celebração, paganismo, xamanismo, desterritorialidade, ritual. A era pós-moderna de Gaia e o surgimento do neo tribalismo. (BORGES on line)
Visivelmente a Zona Autônoma Temporária contempla uma dimensão utópica não frankfurtiana, ou seja, não traz em si um espectro 38
negativista mas, sim, encampa uma utopia poética libertária possível de ser concretizada e que libera o imaginário hedônico. Ao contrário do que se imagina a concepção móvel de TAZ acontece fora do universo das redes digitais, no entanto, o próprio Hakim Bey procurou estabelecer conexões com o ciberespaço ainda na fase inicial, onde vislumbra uma contra-net horizontal, tecida por interstícios e com tendências notadamente fluidas. Já falamos da net, que pode ser definida como a totalidade de todas as transferências de informações e de dados. Algumas dessas transferências são privilégio e exclusividade de várias elites, o que lhes confere um aspecto hierárquico. ...de dentro da net começou a emergir um tipo de contranet, que nós chamaremos de web ( como se a internet fosse uma rede de pesca e a web as teias de aranha tecidas entre os interstícios e rupturas da net). Em termos gerais, empregaremos a palavra web para designar a estrutura aberta, alternada e horizontal de troca de informações, ou seja, a rede não-hierárquica, e reservaremos o termo contra-net para indicar o uso clandestino, ilegal e rebelde da web, incluindo a pirataria de dados e outras formas de parasitar a própria net. A net, a web e a contra-net são partes do mesmo complexo, e se mesclam em inúmeros pontos. (BEY, 2004:12)
Com toda estratégia mítica traçada em torno da construção de uma identidade fluida, explosiva e flutuante, o pensamento libertário Hakim Bey ganhou força e autonomia exatamente no campo das redes digitais. E então a carta de alforria de manejo livre das idéias concedida pelo próprio Hakim Bey ganhou contornos inesperados. Os seus manifestos e panfletos foram traduzidos em diferentes línguas e encampados por editoras. Seus escritos adaptados para diferentes mídias e formas de expressões artísticas. No Brasil, por exemplo, a Cia de dançateatro experimental, Perversos Polimorfos monta o espetáculo Bansksy 39
Bang tendo como espelho referencial o texto Terrorismo Poético de Hakim Bey. Um dos personagens do HQ Os Invisíveis - Tom O’Bedlam – de Grant Morrison visual projeta uma semelhança visual com Hakim Bey enquanto hackers e crackers quebram sigilos de informações invocando o legado poético. Há em Hakim Bey dimensões não previamente pensadas de transmidiação, ou seja, o texto começa em cópias avulsas, que segue por email, que é adaptado o teatro, publicado por editoras, que se re-expande na rede sem um aparente controle. Vislumbramos nesse recorte movimentos de misturas, apropriações, embaralhamentos, fluidez e intersemioses de signos e idéias. Hakim Bey representa apenas um exemplo de que não há como segurar a força conflitiva, dinâmica e caótica das diferentes vozes do ciberespaço. O tempo das redes congrega o instantâneo, as atualizações, a dimensão dos fluxos, o armazenamento em nuvens, a ubiquidade, as transmissões em streaming, o upload, as multiplafaformas, os aplicativos, os bancos de dados ( texto, imagem e som), os ambientes colaborativos e contempla a auto-organização programada. Por outro lado, os usuários, como parte orgânica dessa intricada rede com percursos pré-formatados, em geral, caracterizam-se por suas vozes dissonantes, inquietas e que possuem níveis de autonomia quanto a manifestação de opinião e produção de mensagens. São ainda, no contexto da contemporaneidade, interatores que exercem, de forma autônoma e em níveis diferenciados, o papel de críticos das idéias que circulam na rede. Por vezes, de forma organizada, atuam como críticos da mídia ou comumente como metacríticos das iniciativas que brotam espontaneamente na rede. Reverberam fatos e acontecimentos e recriam com liberdade a própria realidade. Ou seja, tudo pode. Nada escapa. 40
Esse amplo universo das redes digitais é plenamente carregado de conflitos, discursos contraditórios e controvérsias. Os usuários | produtores, agenciadores de signos, estão sempre em alerta, testando interfaces, recusando quem não é da tribo, excluindo tudo que foge ao seu interesse, adicionando desconhecidos aos seus perfis ou despejando conteúdos no oceano digital. Caminham quase sempre no encalce das novas possibilidades comunicativas. Correm em busca da novidade, do novo enquanto objeto do desejo. Realidade e virtualidade se entremesclam ou simplesmente formam uma nova dimensão híbrida na perspectiva do usuário onde o virtual é também real e o real traz em si a dimensão virtual. Os usuários da rede são também notícia, dão furo de notícias, produzem involuntariamente notícias e exercitam a descentralização ao construirem os seus próprios blogs, com cargas de informação interpretativa ou mesmo opinativa. Esses agentes do ciberespaço desbancam ainda, corporações, ameaçam o stabilisment, apontam furos, se organizam em fóruns, se articulam em redes sociais, programam boicotes, preservam-se ou escondem-se em nicks, edificam seus avatares, constrõem as suas zonas autônomas de resistência, valorizam as zonas de imersão ou, enfim, proclamam a guerra de idéias. Esse universo que batizamos de ciberespaço é plenamente fluido. Não há contraargumentos, mesmo do próprio Hakim Bey, com relação às possíveis deturpações de suas idéias, que resistam a força volátil e associações fluidas hipermidiáticas no campo das redes digitais. Hakim Bey talvez nem esperava, - Caiu na rede, não é peixe!. Tudo pode ser livremente recombinado pelos usuários da rede.
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Enter | o futuro anunciado já é o presente Como então situar as práticas do jornalismo diante de determinadas questões aqui mencionadas como o copyleft, a emergência de uma produção descentralizada, as experiências com manejo de linguagem, a expansão das redes sociais, fóruns de discussão, processos imersivos, ciberataques e a própria emanação de novas formas de mediação cultural ? Inicialmente devemos entender o universo das redes digitais enquanto uma infra-estrutura complexa entretecida por agenciamentos semióticos de diferentes ordens midiáticas. Trata-se de um locus comunicacional, com feições híbridas e aparência caótica. A dimensão fluida e inacabada desse espaço expandido envolve distintas formas de sociabilidades face coexistência de graus de centralidade, níveis de participação, autonomia e interlocução, vivenciados pelos usuários ruidosos e também produtores de signos. Neste caminho, A internet caracteriza-se como um ambiente midiático, assentando-se na concepção de um espaço que congrega diversas manifestações midiáticas, incorporando as tradicionais e produzindo outras maneiras comunicativas. O espaço... abriga, também outras possibilidades comunicativas ao permitir a descentralização dos aparelhos de produção cultural, promovendo a ação de vários outros participantes, ainda que os tradicionais oligopólios já estejam instalados no novo domínio. As grandes redes de televisão, os impérios jornalísticos, as emissoras de rádio, as agências de notícias e novos veículos, a exemplo dos search engines, concorrem à condição de portais para os usuários em trânsito no ciberespaço. (BRETAS, 2006:130)
Essa nova ambiência digital desestabiliza as habituais práticas de comunicação e de jornalismo que estão fora da rede ou que ingressam na 42
rede com resistência quanto a re-elaboração das rotinas e modos de produção e circulação de mensagens. Embora este tema seja tratado mais adiante compreendemos que a atividade jornalística é reconfigurada face às dinâmicas cada vez mais fluídas, participativas e colaborativas no âmbito redes digitais. A efetivação de práticas colaborativas digitais está vinculada a um conjunto de múltiplos fatores relacionados aos avanços e deslocamentos sóciotécnicos processados no contexto da atual sociedade contemporânea e, notadamente, transformações cientificas no campo da linguagem de programação e a construção de interfaces focadas em usuários irrequietos. Cada vez mais aplicativos e ferramentas de colaboração outorgam possibilidades de participação e produção de conteúdo são desenvolvidas e associadas aos mecanismos dinâmicos das interfaces que movimentam sistemas específicos de informação. As interfaces interligam dispositivos hardwares, sistemas operacionais e usuários. A intercomunicação entre sistemas incompatíveis entre si só são possíveis mediante o que designamos de interfaces. Daí entendermos, nessa perspectiva de transformação do conhecimento, acerca do papel das interfaces no sentido de traduzir as complexidades digitais. Essa perspectiva de evidenciação da interface não se restringe apenas na interface gráfica direcionada para o usuário. O complexo das interfaces impulsiona essa dimensão colaborativa presente na rede em termos de interações sociais, trocas simbólicas e produção diversificada de conteúdos. Neste caminho associativo acerca do papel das interfaces, outro ponto a ser destacado é a forma como o código de programação é materializado ou previamente estruturado aos usuários interatores. Ao ser concebido no sentido de incorporar cargas de previsibilidades das ações a serem praticadas pelo usuário, o código de programação projeta em si a usabilidade e a fluidez inerente ao uso da ferramenta, aplicativo ou 43
sistema. Assim, a linguagem programada ou o código de programação envolve uma sintaxe própria com articulações sintáticas, semânticas e a incidência de graus de abstração. Conforme já dissemos, o código de programação é praticamente quem determina os níveis de interatividade ou mesmo configura as possibilidades de participação. Ambientes de interação, participação, produção de conteúdos ou interações em tempo real resultam dessa nova lógica paradigmática que se associa a outras dinâmicas não propriamente técnicas, muito mais socioculturais, políticas e econômicas e que se constituem em outras lógicas igualmente complexas, por vezes até paradoxais. Dizemos que complexidade do universo digital entremescla as dimensões da esfera sociocultural e as próprias transmutações das tecnologias que encampam, de forma diversa, as diferentes interfaces e linguagens de programação. Segmento expressivo de usuários, produtores de conteúdos, não especialistas, incorporam ou estão atentando para a necessidade conhecimento dos códigos de fonte e até defendem a transparência do código aberto como forma até descomplexificar a usabilidade de determinados aplicativos ou ferramentas. “... agente precisa cada vez mais dominar, que é conhecer quais são as ferramentas tecnológicas necessárias para você fazer com que isso funcione. E, para mim, essa ferramenta é o raciocínio lógico, a capacidade de previsão e, sobretudo, uma capacidade, digamos, matemática, de construir as possibilidades para que isso possa acontecer”. (STOLARSKI, 2009:219). Destacamos que essa tendência ou curiosidade de poder manejar o código fonte se apresenta, de forma mais acentuada, entre os jovens usuários que nasceram já com a existência das ferramentas digitais. É esse um dos segmentos que explora com maior rapidez a dimensão fluida da rede. É também o segmento que se movimenta com muito mais força na rede, com dribles e com graus de liberdade. É, particularmente, quem 44
produz ou recombina, com maior intensidade, textos, imagens e sons. Efetiva remix ou mesmo incorpora a prática do sampler muitas vezes sem conhecer o conceito. Na verdade esse segmento introjeta naturalmente a cultura do fluxo e vivencia de forma mais intensa as mediações em rede. No entanto essa faceta de identidade das tribos com a cultura dos fluxos por segmento ou a existência de um perfil irrequieto para se vasculhar códigos de linguagem programada não são condições sine qua non para a efetivação de práticas colaborativas de produção e circulação de conteúdos. O trânsito na rede é múltiplo e congrega práticas comunicacionais cada vez mais híbridas e heterogêneas. O retrato dinâmico atual é que o domínio da ferramenta tecnológica e a própria subversão de uma ordem previamente formatada não implicam em um nível de conhecimento específico acerca das regras de combinação preestabelecidas e que passam despercebidas por parte do usuário comum pela própria funcionalidade e deslocamentos das interfaces. É ponto comum que esse princípio colaborativo e participativo do universo digital remonta os primórdios da própria rede. De sua feição inicial até o seu atual estágio das transformações sóciotécnicas, constatamos visivelmente a complexificação e redesenhos de diferentes espaços digitais que colocam em evidência o usuário enquanto pólo produtor de conteúdos. Verifica-se assim a multiplicação de experiências virtuais com variantes múltiplas. Nos sites ou ambientes criados especificamente para as redes, as variações são múltiplas: sites interativos, sites colaborativos, sites que integram os sistemas multi-agentes para execução de tarefas, sites que levam o usuário a incorporar avatares dos quais se emprestam identidades para transitar pelas redes. (SANTAELLA, 2004:179)
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Esses ambientes tecnológicos movimentados por uma heterogeneidade de usuários tornam-se cada vez mais híbridos, facilitam o processo de cruzamento de linguagem, associam-se às dinâmicas dos games e caracterizam-se, cada vez, mais como ambientes de misturas de linguagens, zonas de imersão, lócus de experimentação e de produção de informações.(NUNES,2009) Neste caminho da emergência de pluralidades de ambiências da rede, destacamos a Iniciativa como o Creative Commons cujo ideário criativo revê deliberadamente a problemática do direito autoral. Essa iniciativa ganha força no ciberespaço não só pelo traço de sua fluidez, mas sim por balançar as sólidas estruturas das corporações que se edificaram com base no copyright ©. O Creative Commons instaura uma ordem reversa com a possibilidade de utilização, copiagem ou modificação de conteúdos ou de softwares, através dos vários tipos de licenças. A sua estruturação tem por base a legislação jurídica países específicos e a legislação internacional de direitos autorais com vistas a disseminação livre de conteúdos e até a sua própria modificação com propósito da livre circulação ou recombinação de (textos, fotos, vídeos, filmes, mapas, músicas e outros). Esse tipo de iniciativa com marcas globais vem na esteira de outras formas abertas de compartilhamento em forma de copyleft ou licenças virais a exemplo do software livre, cultura livre, Linux... Essa noção de potencializar a liberdade dos usuários no que se refere a criação e produção de conteúdos na rede é também reforçada pelo aumento dos blogs e a sua utilização enquanto ferramentas adequadas para a circulação de idéias. Os blogs com código de fonte aberta (open-source) ainda em processo de franca expansão e adesão por parte de usuários, representam explicitamente uma grande reviravolta quanto ao modo de produção e disseminação de conteúdos online. Experiências que guardam similaridades envolvendo mídias não digitais também foram materializadas no 46
cinema nas bitolas super-8 ou 16mm, em vídeo, jornal ou em outros mídias. Essas iniciativas de produção de conteúdo tinham habitualmente um caráter independente, alternativo ou de contra-informação. Em muitos casos, essas formas de produção a margem apresentavam limitações econômicas, atingiam um público limitado, sofriam cerceamentos do estado ou podiam se caracterizar como formas de comunicação contra hegemônica. No caso dos blogs a dinâmica é outra. Muito mais fluida, descentralizada e com possibilidades de atualizações permanentes dos conteúdos que exploram a multimidialidade, a potencialidade das interfaces e os mecanismos da interatividade. As constantes atualizações de sua estrutura são as suas marcas diferenciais materializando a estética contínua do inacabamento. Todos os blogs e corporações da informação coabitam em um mesmo ecossistema digital, ambos com suas realidades econômicas distintas e conflitantes. Entendidos enquanto dispositivos de comunicação, os blogs evidenciam as práticas de experiências colaborativas com a produção de conteúdos personalizados que expressam identidades dos blogueiros. Revelam estratégias editoriais diferenciadas. Geralmente esses blogs são pilotados por usuários não especialistas da comunicação e também se distinguem pela liberdade criativa. Podem ser caracterizados enquanto uma forma de publicação pessoal. Evidenciam a preocupação com a sua funcionalidade, tipos de usuários, design, acessibilidade e a arquitetura da informação. Essas práticas refletem a potência represada pelos meios massivos de comunicação que sempre controlaram o pólo da emissão. Editoras, empresas de televisão, jornais e revistas, indústrias da música e do filme controlam a emissão na já tão estudada cultura da comunicação de massa.” (LEMOS, 2009:39)
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De certa maneira essas novas experiências de produção de conteúdos que liberam o pólo emissor afetam e redirecionam o Jornalismo praticado na rede ou fora da rede. Somam-se a essas diferentes experiências colaborativas a ferramenta do twitter, caracterizado como um microblog que se associa aos dispositivos móveis para enviar e receber informações ou mesmo a incorporação do aplicativo mashub que opera com cruzamento de informações provenientes de mais de uma fonte. Essas práticas colaborativas recombinantes dos blogs, microblogs e podcasts expressam a dimensão fluida e cooperativa em termos de produção de conteúdos personalizados. Podemos dizer que os blogs e os podcasts tornaram-se novas ferramentas de emissão textual, imagética e sonora pelas quais cada usuário faz o seu próprio veículo. Os blogs são hoje um fenômeno mundial de emissão livre de informação sobre diversos formatos (pessoais, jornalísticos, empresariais, acadêmicos, comunitários ...). Os podcasts, por sua vez, são formas livres de emissão sonora pelas quais cada usuário pode criar o seu próprio programa e disseminá-lo pela rede. As formas da arte eletrônica colaborativa mostram diversas ações coletivas, participativas e recombinatórias, nas quais pessoas e grupos cooperam entre si, pela via telemática. [..] Jornais fazem uso de blogs ( uma reconfiguração em relação aos blogs e aos jornais) e de podcasts. Podcasts emulam programas de rádio e rádios editam suas emissões em podcasts. A televisão faz referência a internet, a internet remete à televisão. (LEMOS, 2009: 40,41)
Vivenciamos uma lógica das redes marcada por interações plurais e com dimensões colaborativas que se contaminam ou se entremesclam na arena da própria rede ou saltam, de forma interligada, para o extra campo digital das mídias tradicionais com incidência direta no jornal impresso, rádio, televisão revista entre outros. Esses sistemas de 48
comunicação igualmente apontam de volta para o universo das redes construindo uma espécie de interligação expandida entre mídias e hipermídias. Esse movimento sígnico ou diálogo intersemiótico entre diferentes mídias hibridiza a natureza dos processos comunicacionais decorrentes de diferentes formas de interlocuções resultantes de uma “sintaxe integrada” (SANTAELLA,2004) dos sistemas digitais provocando uma espécie de elastecimento do que está fora da rede. As formas de jornalismo que estão fora da rede praticadas principalmente na esfera do rádio, da televisão e mídias impressas, se contaminam, de forma salutar, ao incorporar características ou elementos sígnicos provenientes da dinâmica digital. No jornal impresso, por exemplo, há uma tendência marcante no sentido de que as matérias sejam mais analíticas porém, com recortes explicativos em boxes, utilização de infográficos, variações de corpo das letras e da tipografia, espacialização do texto e da imagem, resumo dos acontecimentos antes restrito apenas as chamadas de primeira página, remissões para outras matérias do mesmo dia ou de outras edições, desdobramentos de uma determinada matéria em que o próprio jornal direciona o leitor para acessar a versão virtual. Há situações específicas em que o jornal impresso sugere linkagem do leitor para os blogs dos articulistas ou encaminham para o Portal do próprio jornal no sentido de acompanhar os desdobramentos de determinada matéria. Neste caso, o jornal com a sua feição própria e especificidades quanto ao seu modo de produção da notícia, incorpora elementos expressivos da dinâmica digital. Essa espécie de contaminação em forma de diálogo rejuvenesce e atualiza os veículos tradicionais em forma de vampiragem semiótica. Revela a necessidade de se estabelecer pontes e conexões entre campos midiáticos distintos. O jornalismo praticado nesses diferentes sistemas de produção de significação é um jornalismo expandido que absorve elementos da lógica 49
digital. No entanto, ambas lógicas são continuamente ressignificadas e guardam em si especificidades inerentes a cada sistema de produção sígnica. No tocante à crescente ampliação dos processos de produção de conteúdos na esfera das redes digitais, nota-se um sentido político em termos de ativismo associado a um crescente desejo de mobilização com a emergência de experiências cada vez mais colaborativas. Essas mobilizações e articulações transcendem, na maioria das vezes, o espaço virtual das redes e se materializam no campo da vida real. De certa forma essas iniciativas decorrem das novas formas de sensorialidades associadas práticas descentralizadas que se multiplicam com relativa facilidade pela rede. Ainda no que refere a participação e produção de conteúdos, o leque de plataformas de compartilhamento, ambientes de colaboração e redes sociais é cada vez mais amplo e com propósitos diversos. Essa proliferação dinâmica de conteúdos é bem visível nos chamados “softwares sociais” a exemplo do Facebook, Orkut, flickr, Google + que funcionam a partir de cadastros de perfis e possibilitam a intercâmbio de texto, imagem, som, interações em tempo real com webcam entre outros. Iniciativas no Youtube possibilitam constantes postagens de audiovisuais e que poderão, em alguns casos, estarem associados a milhões acessos, comentários, réplicas, paródias, links em blogs, comentários em redes, autoreferenciações, cadastramento em sistemas de buscas, divulgação do audiovisual por email etc. Ou seja, o vídeo ou produto disponibilizado pode ganhar um movimento de circularidade, pode ser uma fonte de informação, pode ser recombinado ou reapropriado por outros usuários e saltar do campo digital e ganhar vida em outras diferentes mídias. Postagens de vídeos com temáticas locais podem facilmente se transformar em virais com milhares de acessos e pautar mídias tradicionais. O assunto enfocado é redimensionado em outras mídias 50
com matéria escritas para jornais diários ou revistas semanais, reportagens de televisão, entrevistas em programa de rádio retornando ao campo digital de forma redimensionada em termos de opinião e interpretação dos usuários envolvidos com os fatos ou acontecimentos. Essa espécie de “democratização dos procedimentos” relacionados com os processos de disseminação e produção de conteúdos também expressam a complexidade da rede visto que resultam em conflitos e tensões constantes. A diversidade das expressões potencializadas pelo uso de plataformas que possibilitam o compartilhamento também resultam em um contraponto inerente ao processo que são as possibilidades permanentes da existência de conflitos. Ou seja, essa dimensão de produção de coteúdos através de mecanismos colaborativos traz em si a instância do conflito. Neste sentido, o jornalismo praticado na rede pode ganhar relevância através da competência discursiva do jornalista ou mesmo pela forma de como o tema será tratado, pela dimensão ética intrínseca a qualquer notícia, pelo tom de análise, checagem das informações e das fontes. No ano de 2007 o Portal UOL publicou informação postada por usuário em que uma pessoa se jogava de um hangar em chamas. A falsa notícia publicada através de uma fotomontagem foi denunciada por outro usuário que apontou o processo grosseiro de manipulação da imagem associada a um incêndio real em curso. O referido portal assumiu publicamente a falha jornalística e provocou um açodado debate sobre a responsabilidade do jornalismo, a checagem das fontes e o imediatismo da informação. O universo fluido e recombinante das redes já aqui caracterizado enquanto uma zona de conflitos e contradições, possibilita ações dessa natureza. Essa faceta da rede em flexibilizar o processo de produção de conteúdos materializando variantes concretas de participações implica, no caso do jornalismo digital, necessariamente na existência de olhares jornalísticos mais criteriosos. Tendo como premissa 51
que os usuários da rede são também produtores de conteúdos e de notícias, a questão que se coloca é a forma de como se validar os conteúdos colaborativos disponibilizados pelos usuários e deliberadamente apropriados por iniciativas jornalísticas. No caso da existência de um jornalismo dinâmico sintonizado com essa característica de fluidez dos sistemas digitais, a saída é tão somente na adoção de mudanças na sua rotina de produção jornalística tendo em conta essa dinâmica colaborativa e conflitiva da rede enquanto um campo de expressão das diversidades. Neste caso, o jornalista tem um papel de destaque enquanto mediador crítico dessas práticas colaborativas que povoam a rede. Várias outras experiências corroboram para esse processo de intensificação da produção de conteúdos na rede tendo por base, muitas vezes, a partilha de repertórios em níveis de conexões horizontalizadas em formatos distintos. Além dos processos já citados, chamamos a atenção para os fóruns de discussão, sempre articulados em forma de teia, e que possuem desenhos de relações que expressam a identidade heterogênea de cada agrupamento. Destaque para Iniciativas como a do Overmundo constituído por uma rede de colaboradores com posts que são avaliados pelo grau de relevância. LinkedIn muito mais focado em contatos profissionais. Last.fm espécie de rádio online com uma potente base de dados de músicas em que o usuário delineia o seu próprio perfil musical. Myspace, rede social interativa, fotos, mensageiros instantâneos, vídeos de grupos musicais. Ou ainda, a existência da possibilidade de se usufruir, disponibilizar ou desenvolver experiências criativas em plataformas tão diversas como: Google Books, Digg, YouTag, Yahoo Music, wikibooks, Estúdio Livre, Telog, Gozub, Jaiku, Plurk, Identi.ca e Qzone. Cada uma dessas iniciativas está estruturada de forma diferencial para envolver os usuários que transitam pela rede com o propósito de construírem suas próprias narrativas. 52
Essa multiplicidade de ambientes associados às multiplataformas resulta em um processo constante de produção de conteúdos que também fortalecem práticas horizontais de comunicação em rede. “As mesmas novas tecnologias que permitiram novo fôlego aos conglomerados do centro da mediação, põem em cena novos emissores e ampliam as redes de comunicação horizontal, sem fins comerciais.” (BUCCI, 2008:106). Evidenciamos diferentes graus de fluidez no ecossistema das redes digitais. Essa fluidez estrutural com base no código aberto tem possibilitado a produção de conteúdos com marcas expressamente colaborativas. Percebemos ainda a existência de experiências inovadoras recombinantes que mobilizam uma diversidade de códigos e subcódigos e com modos de construção mais flexíveis. Identificamos a existência de estética fluida, inacabada pelas constantes mudanças de conteúdos, flexibilizações em termos de design, mudanças na estrutura de navegação, reordenamentos, atualizações, seleções e buscas personalizadas. Essa nova ambiência de produção da informação em regime de colaboração implica em uma espécie de redimensionamento do jornalismo digital. Trata-se de caminhar no sentido de absorver, de forma crítica e seletiva, essa característica de fluidez e interatividade possibilitada pelo universo digital. As práticas do jornalismo digital devem estar sintonizadas com essas dimensões criativas que povoam as redes. Como então pensar essa dinâmica de transformação do jornalismo tendo como ancoradouro a cultura das redes interconectadas? Torna-se imprescindível pensar o ciberespaço enquanto um lócus multifacetado de informações para os jornalistas (MACHADO, 2011). Os usuários da rede ainda se destacam e ocupam a posição dianteira no aspecto da produção de conteúdos. Como então utilizar ou recombinar esses conteúdos produzidos 53
na rede na perspectiva do jornalismo digital?. Como valorizar os usuários, sujeitos produtores de conteúdos? Como explorar a dinâmica e o potencial das redes sociais, blogs, poadcasts, microblogs, games,mídias móveis, bancos de dados e sistemas de busca em prol da produção e disseminação de conteúdos jornalísticos? Como materializar no campo do jornalismo uma perspectiva estética re-situada na complexidade e fluídez dos sistemas digitais? Essas questões colocam em evidência a relevância social do jornalismo digital que no contexto das redes interconectadas necessita, metaforicamente, de braços colaborativos. Com essas questões interrogantes teremos um jornalismo cada vez mais dinâmico, criativo, imersivo e diferencial. São questões que merecem exame e apontam para estudos em diferentes campos do conhecimento. Experiências de jornalismo colaborativo, comerciais e não comerciais, vem sendo desenvolvidas no Brasil e em diferentes países em que se processa a checagem e a credibilidade das informações, autenticidade dos conteúdos, negociação entre o jornalista e o colaborador-usuário. No ano de 2000, o jornal sul coreano OhmyNews se ancorou no slogan: Cada cidadão é um repórter. Essa experiência crescente mobilizou a contratação de um exército de jornalistas que atuam em aproximadamente cem países. A partir do cadastro, o colaborador submete a matéria com imagens para aprovação preliminar, edição e publicação em até 48horas. A adoção dessa prática colaborativa se caracteriza como uma total quebra de paradigma tendo por base as rotinas tradicionais do jornalismo. A proposta leva em consideração as dinâmicas fluidas e colaborativas presentes na rede. Ao longo da década, a experiência foi recriada e multiplicada por iniciativas que enxergam essa dimensão complexa do jornalismo no contexto de intensificação dos processos de produção colaborativa no universo das redes digitais. 54
REFERÊNCIAS BEY, Hakim. TAZ: Zona Autônoma Temporária. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2004. BEY, Hakim. Caos: terrorismo poético e outros crimes exemplares.. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2003. BRETAS, Beatriz Org. Narrativas telemáticas. Belo Horizonte: Autêntica 2006. BORGES, Carolina. RAVE: Ritual Tribal contemporâneo. Disponível em < http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=445 > . Acesso em 20.08.2001. BUCCI, Eugenio. Direito de livre expressão e direito social à informação na era digital. In: Revista Líbero, nº 22, v.5 . São Paulo: 2008. CASTRO, Eduardo Viveiros. Entrevista. In SAVAZONI, Rodrigo; COHN, Sergio. Cultura digital.br. Rio de Janeiro : Beco do Açougue, 2009. LEMOS, André. A cibercultura como território recombinante. In TRIVINHO, Eugênio; CAZELOTO, Edilson (Org.), A cibercultura e seu espelho. São Paulo: ABCiber, 2009. p. 38-46. MACHADO, Elias. O ciberespaço como fonte para os jornalistas. Disponível em: < http://pt.scribd.com/doc/9640721/o-ciberespaco-como-fonte-para-os-jornalistas-EliasMachado > Acesso em 12.08.2011. NUNES, Pedro (Org). Mídias digitais & Interatrividade. João Pessoa: Edufpb, 2009. SANTAELLA, Lúcia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2004.
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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................................... 5
Parte 1 - Ambientes TRANSFORMAÇÕES DO JORNALISMO NA “SOCIEDADE EM VIAS DE MIDIATIZAÇÃO........................................................................................................................................... 17 Antônio Fausto Neto
ESTÉTICAS FLUÍDAS E RECONFIGURAÇÕES INTERATIVAS EM AMBIENTES JORNALÍSITICOS DIGITAIS .................................................................................................................... 35 Pedro Nunes Filho
O JORNALISTA PENSA A PROFISSÃO: TRABALHO E RELAÇÕES DE PODER .................. 57 Dinarte Varela
MÍDIAS SEDUTORAS: JORNALISMO ESPECIALIZADO DE TURISMO, INSTRUMENTO DE INFORMAÇÃO OU DE MARKETING?...................................................... 69 André Luiz Piva de Carvalho
JORNALISMO E REVISTA: BREVES PERCURSOS METODOLÓGICOS .................................. 87 Suely Maux
JORNALISMO POLICIAL: REFLEXÕES ÉTICO-EPISTEMOLÓGICAS ...................................... 93 Josinaldo José Fernandes Malaquias
Parte ii – Tecnologias/Processos AGENDAMENTO E CONTRA-AGENDAMENTO NO JORNALISMO: A REDE SOCIAL TWITTER E O CIBERATIVISMO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ..................................101 Joana Belarmino de sousa
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InterfacesJornalisticas ambientes, tecnologias e linguagens
1
Conceitos de interatividade e aplicabilidades na TV digital1 Deisy Fernanda FEITOSA Kellyanne Carvalho ALVES Pedro NUNES FILHO Universidade Federal da Paraíba
A
interatividade é considerada por muitos o portal democrático da tecnologia em TV Digital. Porém, os conceitos formulados para a comercialização de “produtos interativos” no mercado têm se mostrado genéricos e vêem
comprometendo o sentido e designação do termo. O presente estudo aborda diferentes caminhos teóricos sobre o tema interatividade, nas diversas áreas do conhecimento e traça um paralelo distintivo entre interatividade e interação. Também analisa correlação de sentido existente na aplicação dos termos e apresenta indicações de possibilidades e níveis para o emprego da interatividade. A tecnologia de televisão digital materializa uma gama de possibilidades que de certa forma ressignificam o mercado televisual no mundo, através de códigos
binários, que unem a informação num pacote de áudio, vídeo e dados permitindo dois canais de comunicação, onde emissor, receptor e usuários se misturam. Tem-se aqui a birecionalidade. A alta definição de imagem, qualidade de som e ampliação do número de canais são adventos técnicas desta nova modalidade de expressão de base tecnológica. Entretanto, a interatividade deve ser pensada como uma ferramenta
Mídias Digitais & Interatividade
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com traços diferenciais, conforme observa Vani Kenski (2007) em “Educação e Tecnologias: o novo ritmo da informação”: Essa interatividade oferece inúmeras funcionalidades. O usuário pode interagir livremente com os dados recebidos pela televisão e que ficam armazenados no seu receptor; pode ainda receber os dados pelo sistema de rede à parte, como linha telefônica, por exemplo. (KENSKI, 2007:38)
Com a interatividade torna-se possível caminhar em direção ao universo da desconstrução imagética e linguística, das trocas de saberes, da participação ativa e mútua entre emissor–receptor, que se efetiva em condições colaborativas de produção de conteúdo por parte do usuário. Essa característica talvez seja o grande desafio a ser potencializado pela TV Digital que diz respeito à dimensão possível de não somente intervir nos conteúdos, mas, igualmente, a perspectiva colaborativa dos usuários produzirem conteúdos quebrando dessa forma com a verticalidade ainda predominante nos sistemas tradicionais de televisão analógica. Ainda neste contexto, é interessante pensarmos a TV Digital tendo em conta a dinâmica do conhecimento, os processos de transformações da própria tecnologia que são diretamente afetadas pelo trabalho resultante da pesquisa e das experiências diversificadas que ainda estão em andamento. Com sua face nova, desafiadora e ainda em fase experimental, a TV Digital passa a integrar o universo da cultura midiática que se edifica por um corpo social heterogêneo de mentes que geram novas identidades e a construir processualmente novas demandas e necessidades inusitadas. Entretanto, a partir dessas possibilidades é importante perceber se o que está sendo apresentado como interativo nessa nova mídia realmente oferece possibilidades democráticas na comunicação e se cumpre um papel significativo de quanto à participação dos sujeitos envolvidos no processo. Faz-se necessário avaliar se o canal de bidirecionalidade oferece níveis de participação ao público dimensionando, a velocidade de resposta e, consequentemente se é capaz de modificar algo da realidade prevista além de compartilhar informações e idéias com os outros (mídia134
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espectadores) que estão em casa ou em movimento. Estes são alguns pressupostos pelos quais buscaremos melhor compreender o conceito de interatividade.
Interação e Interatividade Quando se pensa atualmente no termo interatividade logo se imagina que é uma situação em que as pessoas podem de alguma forma participar ou tenham a sensação de estar participando de algo. Marco Silva (1995) em “O que é interatividade” exemplifica o uso indevido do termo ao destacar algumas experiências relacionadas ao “cinema interativo”, no qual o público tem a sensação de vivenciar o que está vendo na tela, através de movimentos que a poltrona faz mediante a materialização de signos imagéticos e sonoros ao espectador. Como primeiro ponto de observação torna-se necessário efetuar a delimitação conceitual com vistas a demarcação das diferenças entre os termos interatividade e interação. Esta conceituação, por sua vez, pode esclarecer o equívoco no emprego dos respectivos termos aplicados de forma indevida nas diferentes mídias de base analógica ou mesmo digital. A confusão de significado que se revela em imprecisão conceitual tem levado pesquisadores a demonstrarem inquietudes quanto à vulgarização do termo interatividade. Silva (1995) denomina tal consequência como “indústria da interatividade”, quando afirma: Hoje muita coisa é definida como interativa. Tenho visto o adjetivo ser usado nos contextos mais diversos. A consequência disto é que o termo interatividade tornou-se tão elástico a ponto de perder (se é que chegou a ter!) a precisão de sentido. O termo virou marketing de si mesmo. Vende mídias, vende notícias, vende tecnologias, vende shows e muito mais. (SILVA, 1995:01)
A “indústria” percebeu no termo interatividade uma opção de benefícios mercadológicos e novos modelos de negócios confirmando que a elasticidade visa o consumo direto ou indireto de determinados produtos e inserções que podem estar apresentadas sob a forma merchandinsing. Mídias Digitais & Interatividade
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No artigo “Janelas do Ciberespaço”, Luciana Mielniczuh expõe a posição de Nicoletta Vittadini que defende a identificação de múltiplas relações com outras formas de comunicação para se entender e traçar o sentido de interatividade. Essa relação poderia ser estudada através da interação “...identificado com qualquer campo do saber, abrangendo as ciências exatas e humanas, refere-se a um tipo de ação que envolve vários sujeitos.” (Vittadini, 1995 apud Mielniczuh, 2001:173). A interatividade acontece através de um meio que permite a interação entre as pessoas. Mielniczuh reforça essa definição ao citar: “A interatividade seria um tipo de comunicación posible gracias a las potencialidades específicas de unas particulares configuraciones tecnológicas (Vittadini, 1995:154), cujo objetivo é imitar, ou simular, a interação entre as pessoas”. (Vittadini 1995 apud Mielniczuh, 2001:174) Em “Televisão Digital Interativa” (2007) Brennand & Lemos destacam a definição de interatividade a partir do conceito de Habermas (1987): Habermas entende o processo de interatividade como uma orientação racional da ação por meio do critério da coordenação comunicativa da ação. Não se pode considerar a presença ou não de interatividade pela análise de uma determinada atividade racional de um sujeito isolado... A interatividade é uma prática da argumentação que permite continuar a ação comunicativa quanto há desacordos. A argumentação é um tipo de discurso, pelo qual os participantes tematizam exigências de validade contestadas e tentam resgatá-las ou criticálas. (BRENNAND & LEMOS, 2007:78)
Habermas (1987, apud Brennand & Lemos, 2007) considera a interatividade não como um processo estático, mas uma situação em que os sujeitos envolvidos exercitam uma ação comunicacional transformadora. O efeito gerado é estimulado a partir de uma ação que impulsiona uma reação permanente. Caso contrário, inexiste a interatividade, conforme explicam Brennand & Lemos:
A possibilidade de navegar em hipertextos, avançar e retroceder uma fita de vídeo, fazer o zapping no controle remoto de TV, 136
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mesmo em cento e cinquenta possibilidades de canais, ainda não satisfaz a necessidade intrínseca que os sujeitos cognitivos possuem de transgredir e redirecionar os fluxos comunicacionais. (BRENNAND & LEMOS, 2007:78) Entende-se que esta ação modifica tanto as pessoas quanto o ambiente. É uma prática em que o sujeito aprende a partir de suas interferências num espaço que possibilita a variação e construção de informações. Interação, por sua vez, pode ser compreendida como a ação que exerce efeito recíproco entre mais de um sujeito ou objeto envolvidos. De acordo com levantamento etimológico, a origem da palavra é antiga e possui sentidos distintos quando aplicada nas ciências. A física trabalha categorizando tipos de interação para explicar seus fenômenos, dentre eles, a interação gravitacional. Uma força que opera entre massa e energia de corpos permitindo o fenômeno da atração mútua. Enquanto a sociologia encontra na interação a oportunidade de estudar as relações que o homem mantém com ele mesmo e o meio em que vive, denominando-a como as relações que existem entre homem/homem, homem/meio/ação. Já determinadas correntes de estudiosos no campo da teoria da comunicação investigam o sentido do termo interação a partir do processo comunicacional, onde respostas são dadas aos estímulos, ou seja, a reação do receptor frente ao emissor e a mensagem/conteúdo e vice-versa. O significado do termo adquire contornos diferenciados de acordo com o campo de estudo. A Informática prefere usar um novo termo para expressar a relação do computador/ homem, tendo em vista, a variedade de sentidos empregados no termo interação. Vale lembrar o contexto vivenciado na década de 60 em que ficou expressa a luta contra a passividade imposta ao receptor pelos meios de comunicação. Naquele período a Informática caminhava no sentido de possibilitar a construção de uma relação mais íntima entre o usuário e a máquina (SILVA, 1995). Silva (1995) encontra em Gilles Multigner a variação do termo interação para interatividade ao destacar que o conceito de ‘interação’ vem da Física, sendo depois Mídias Digitais & Interatividade
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incorporado pela Sociologia, pela Psicologia Social, pela Comunicação e, somente na Informática modifica-se para ‘interatividade’ (MULTIGNER, 1994). Pierre Lévy em “As tecnologias da inteligência” ressalta a descrição equivocada do computador feita pelos “informatas” até a década de 70, como: “uma máquina binária, rígida, restritiva, centralizadora, que não poderia ser de outra forma” (LÉVY, 2001:57). Com a análise comparativa, Marco Silva observa que: “seria, provavelmente, nessa época de transição da máquina rígida para a máquina conversacional, que os informatas, insatisfeitos com o conceito genérico de “interação”, buscam no termo interatividade a nova dimensão conversacional da informática”. (SILVA, 1995:02) Suely Fragoso (2001) acrescenta que o termo em si foi criado a partir de um neologismo da palavra “interactivity”, durante a década de 60. Na Informática, os pesquisadores procuram buscar uma nova significação para a comunicação mediada entre homem e máquina com a finalidade de aprimorar os níveis de participação e estabelecer maior rapidez quanto aos fluxos de informação tanto no pólo da produção e emissão como no pólo da recepção. Segundo Arlindo Machado (1997), Bertold Brecht já antevia o sentido de interatividade em 1932, quando apontou a inserção democrática dos meios de comunicação plural ao imaginar um modelo radiofônico com participação crítica e direta do público. O autor também menciona Enzensberger, que em 1970 pensou a interatividade como mecanismo de troca permanente de papéis entre emissores e receptores e supôs que um dia, o modo de funcionamento dos meios de comunicação poderia deixar de ser um processo unidirecional de atuação dos produtores sobre os consumidores para se converte num sistema de trocas, de intercâmbio de conversação, de feedback constante entre os implicados no processo de comunicação. (MACHADO: 144-145)
Machado cita ainda Raymond Williams (1979), que na mesma época afirma existir muitas tecnologias comercializadas como o selo de interativas, sendo na verdade possibilidades reativas. “Interatividade implicava para ele a possibilidade de resposta autônoma, criativa e não prevista de audiência, ou mesmo, no limite, a 138
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substituição total dos pólos emissor e receptor pela idéia mais estimulante dos agentes intercomunicadores...” (MACHADO, 1997:145) Com isso o autor confirma que as discussões sobre interatividade não começam a partir dos informatas, como defendem alguns pesquisadores, “pelo contrário, ela já acumulou, fora do universo dos computadores, uma fortuna crítica preciosa” (MACHADO, 1997:145). Machado reitera que a Informática oferece apenas um “aporte técnico” para disponibilizar caminhos através dos seus dispositivos combinatórios não lineares que possibilitam a liberdade de navegação no sistema, sem que seja obrigatório seguir um caminho unidimensional. Machado em o Hipermídia: o labirinto como metáfora argumenta que os dispositivos associados a leis de permutação definidas por um algoritmo combinatório fazem com que haja uma inversão de papéis e volte a ter enfoque o papel do leitor como co-criador da obra. “Pode-se inclusive dizer que, com a obra combinatória, a distribuição dos papéis da cena da escritura se redefine: os pólos autor/leitor, produtor/ receptor cambiam de forma muito mais operativa” (MACHADO, 1997:146). O sentido de interatividade empregado pela Informática é reforçado por André Lemos (1997), que entende como sendo uma espécie de deslocamento das possibilidades iniciadas através das mídias tradicionais de natureza analógica. Lemos (1997) reafirma que a interatividade se restringe a uma interação técnica entre o homem e a máquina. Do mesmo pensamente compactuam Montez & Becker (2005) que definem a máquina como sendo responsável pela fronteira que separa a interação e a interatividade. “A interação pode ocorrer diretamente entre dois ou mais entes atuantes, ao contrário da interatividade, que é necessariamente intermediada por um meio eletrônico (usualmente um computador)” (MONTEZ & BECKER, 2005:49). Porém Silva (1995) no artigo “O que é interatividade” se posiciona contrário a estas afirmações ao ressaltar: A interatividade está na disposição ou predisposição para mais interação, para uma hiper-interação, para bidirecionalidade (fusão emissão-recepção), para participação e intervenção. Digo isso porque um indivíduo pode se predispor a uma relação hipertextual com outro indivíduo. (SILVA, 1995:03) Mídias Digitais & Interatividade
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O autor analisa a interatividade não somente como a relação entre os homens, nem entre homem/máquina, mas como um processo complexo de trocas simbólicas em que os atuantes estão dispostos a participar e intervir em contextos midiáticos de uma forma mais profunda. Após esse percurso comparativo, é importante a caracterizar o termo interatividade no contexto dos sistemas hipermídia e da TV Digital.
Características da Interatividade Autores como Andrew Lippman (1998), André Lemos (1997) e Jonathan Steuer (1992) defendem que a interatividade necessita de um aparato tecnológico mediando o compartilhamento da produção sígnica entre as pessoas. Lippman, através do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), direciona suas pesquisas para discussão entre homem/máquina, focando mais sua atenção na máquina. Na definição de Lippman (1998, apud Primo & Cassol, 1999), interatividade é “atividade mútua e simultânea da parte dos dois participantes normalmente trabalhando em direção de um mesmo objetivo”. (Primo & Cassol, 1999:05) Posteriormente, o MIT percebe a importância de trabalhar mais a questão das relações sociais com ambientes interpessoais, deixando agora o computador no segundo plano. Porém, Steuer mantém a denominação de interatividade como uma relação entre a pessoa e o meio físico, sendo determinada pelo estímulo. A afirmação é reforçada por Primo & Cassol (1999), em “Explorando o conceito de interatividade”, quando ressaltam que a interatividade “é a extensão em que os usuários podem participar modificando a forma e o conteúdo do ambiente mediado em tempo real.” (Primo & Cassol, 1999:04) André Lemos classifica dois tipos de interatividade: a “analógico-eletromecânica” e a “interação social”. (LEMOS,1997 apud Primo & Cassol, 1999). A primeira é a interação entre usuário e máquina e a interação social é o contato entre sujeitos sociais, pessoa/pessoa. Andrew Lippman, conforme estudos de
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Primo & Cassol, considera cinco elementos fundamentais para que o sistema seja satisfatoriamente interativo (Primo & Cassol, 1999:05-06): - Interruptabilidade: um ícone que possibilita autonomia ao usuário para suspender a comunicação. Neste caso, a pessoa tem liberdade de cortar ou retornar o processo de acordo com sua vontade, embora a interrupção não deva acontecer de forma arbitrária, sem que tenha um motivo específico. - Granularidade: é uma resposta que o sistema deve emitir para o usuário após ter suspendido o fluxo de informações. Isso serve para que o usuário não pense que o sistema falhou ou fechou, como uma conversa entre indivíduos. É um sinal que remete a uma espécie de stand by. - Degradação graciosa: quando o sistema não tem resposta para uma indagação, a operação não pode acabar, mas sim oferecer outras fontes de navegabilidade para o processo continuar. Ou seja, o usuário deve ter opções de ajuda para encontrar a resposta desejada. - Previsão Limitada: o sistema deve se programar para diferentes tipos de indagações, procurando contextualizá-las. Geralmente, não é possível prever tudo, mas para isso, o sistema deve ter um banco de dados com possibilidades de permutação infinita que admita ao usuário conseguir a informação desejada. - Não-default: pode ser considerado como o princípio maior de liberdade na interatividade, ou seja, nele não há barreiras que impeçam a movimentação e escolhas do usuário dentro do sistema. Aqui, o participante pode interromper e redirecionar o processo quando quiser, navegando aleatoriamente pelo espaço virtual. Jonathan Steuer (1992 apud Primo & Cassol, 1999:04) sugere três fatores que são fundamentais para que a interatividade aconteça de forma eficaz: -Velocidade - é o tempo em que o sistema leva para dar a resposta do comando sugerido pelo usuário. O nível de interatividade a que o usuário tem acesso vai depender da velocidade oferecida pelo sistema e é um fator determinante para que a comunicação ocorra em tempo real. -Amplitude - é um fator que diz respeito às possibilidades que o sistema oferece para que o usuário interfira no ambiente. Ele determina o grau de intimidade e abertura Mídias Digitais & Interatividade
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que o usuário tem com o aplicativo. São as inúmeras opções apresentadas para que o próprio usuário navegue e manipule o ambiente interativo. -Mapeamento - é o elemento que vai determinar a facilitação do acesso fácil ao usuário quanto aos comandos dos aplicativos. O mapeamento possibilita a relação homem/ambiente. Devem-se criar ícones, cujas opções levem a um fácil entendimento e uma familiaridade do usuário com a função. Luciana Mielniczuh (2000) expõe modelos de análise da interatividade formulados por Pierry Lèvy (1999) e Vittadini (1995). A autora destaca que na organização do modelo feito por Lèvy são necessários cinco eixos para examinar a interatividade: a possibilidade de apropriação e de personalização da mensagem; reciprocidade na comunicação; virtualidade; implicação da imagem dos participantes nas mensagens e telepresença. Segundo Mielniczuh “pensando em várias mídias ou dispositivos de comunicação, Lèvy vai pensar a interatividade como uma situação bastante complexa...” (MIELNICZUH, 2000:179) Mielniczuh (2000) percebe que o resultado da análise depende do eixo escolhido como parâmetro. O modelo de interatividade que uma mídia obtém está relacionado ao eixo eleito para análise. A mídia pode receber diferentes graus de interatividade. Já no modelo proposto por Vittadini existem duas formas de interatividade, uma é “o processo que tanto pode viabilizar a interação (como seria o caso da comunicação entre duas pessoas através de um computador) como também pode simular esta situação (seria o caso da utilização de sistemas como CD-ROM, bancos de dados, programados para simular o diálogo entre duas pessoas)”. (MIELNICZUH, 2000:180). No último caso, nota-se que a interface ao desempenhar uma relevante função determina as ações interativas. Vittadini (1995, apud Mielniczuh, 2000) considera como critérios para esboçar os níveis de interatividade o tempo de resposta, a qualidade dos resultados e a complexidade do diálogo. A classificação dos níveis feitos por Vittadini se dá da seguinte maneira: -Quanto ao tempo - quanto menor a demora maior será o grau de interatividade. O ideal seria atingir a simultaneidade dos diálogos interpessoais; 142
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-Quanto à complexidade do diálogo - a classificação do nível de interatividade se dá a partir da comparação com um processo de conversação interpessoal e a capacidade que o sistema possui de simular o comportamento de um interlocutor real. Que pode se dividir em baixa complexidade, sistemas baseados na seleção de respostas através do menu, e alta complexidade, sistema mais complexo porque considera as informações fornecidas pelos usuários em momentos anteriores e pode resultar em novas situações. A complexidade intermediária está relacionada a sistemas interativos que possibilitam a comunicação entre pessoas por meio da permuta de mensagens. (MIELNICZUH, 2000:180-181)
Níveis de Interatividade Em 1964, Marshall McLuhan ao se referir aos meios quentes e meios frios no livro “Os Meios de Comunicação como Extensão do Homem”, já antevê a classificação geral do termo interatividade aplicado aos meios de comunicação. Segundo McLuhan (1964), meios quentes são aqueles que permitem pouco ou nada de participação e intervenção. Enquanto meios frios, ao contrário dos quentes, admitem uma participação dos usuários, estimulando o desejo de interagir. “O telefone é um meio frio, ou de baixa definição, porque ao ouvido é fornecida uma magra quantidade de informação... Enquanto, os meios quentes não deixam muita coisa a ser preenchida ou completada pela audiência. (MCLUHAN, 1964:38) Os meios frios despertam a curiosidade das pessoas de modo que elas se sintam à vontade e motivadas a usufruir do espaço que lhes é aberto. É o que ocorre com a TV Digital Interativa, pois para que ela seja interativa também é necessário a participação e o interesse dos telespectadores na produção de conteúdos. Além do desenvolvimento de tecnologias e softwares na TV Digital, é necessário que o público seja instigado a utilizar e interagir ativamente com a mídia. Rhodes & Azbell (apud Primo & Cassol, 1999:08), classificam interatividade em três níveis, quanto ao controle:
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- Reativo – as opções e feedback são dirigidos pelo programa, havendo pouco controle do aluno (usuário) sobre a estrutura do conteúdo; - Coativo - apresenta possibilidades do aluno (usuário) controlar a seqüência, o ritmo e o estilo; - Proativo - o aluno (usuário) pode controlar tanto a estrutura quanto o conteúdo. Primo & Cassol qualificam interatividade mediada a partir de dois modelos: interação reativa e interação mútua. Os pesquisadores estudam os modelos através de sete dimensões (PRIMO & CASSOL, 1999:14): - Sistema - conjunto de objetos ou entidades que se inter-relacionam entre si formando um todo; - Processo - acontecimentos que apresentam mudanças no tempo; - Operação - a relação entre a ação e a transformação; - Fluxo - curso ou sequência da relação; - Throughput - passam entre a decodificação e a codificação; - Relação - o encontro, a conexão, as trocas entre elementos ou subsistemas; - Interface - superfície de contato, agenciamentos de articulação, interpretação e tradução. Usando estas dimensões Primo & Cassol conceituam interação reativa e mútua (PRIMO & CASSOL, 1999:14-15): - Interação Reativa - o sistema é fechado e o processo se dá unicamente por estímulo-resposta. Já quanto à operação, os sistemas se fecham na ação e reação e mantêm uma relação com usuário rígida, causal, baseada no objetivismo. Ela tem o fluxo de informações linear pré-determinado e o throughput como mero reflexo ou automatismo, em que a máquina oferece uma falsa aparência interpretativa. Enquanto a interface se resume ao possível, que espera o clique do usuário para realizar-se. - Interação Mútua - o sistema é aberto e seus elementos são interdependentes. O processo se dá por meio da negociação e a operação acontece de forma interdependente, por cooperação. A respeito do throughput, cada mensagem recebida, de outro interagente ou do ambiente, é decodificada e interpretada, podendo então gerar uma 144
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nova codificação. Ela se caracteriza pelo fluxo dinâmico em desenvolvimento e a relação negociada, ou seja, constantemente construída pelo interagente, baseada no relativismo. Tem sua interface trabalhando na virtualidade.
Interatividade na TV A televisão desde o seu nascimento é considerada como um meio fechado, unidirecional e quase sempre vinculada aos conglomerados econômicos. No contexto atual das mídias contemporâneas a televisão ainda é vista como um pólo emissor e o telespectador como receptor que recebe a mensagem na condição de consumidor de mercadoria abstrata. Com o aprimoramento das tecnologias digitais, redes de comunicação, e o desenvolvimento da infra-estrutura de transmissão por satélite, a televisão torna-se expandida frente à própria televisão de natureza eletrônica analógica. As possibilidades de interatividade antes limitadas pela própria natureza do meio e do próprio estágio do conhecimento. Assim a televisão vivenciou mudanças contínuas desde a sua fase inicial, onde oferece apenas uma ou duas opções de canais, até se transformar num suporte com um desenho mais aberto de informação, entretenimento e canal de publicidade e propaganda. Com essas transformações da televisão e as experiências praticadas na rede o estágio de interatividade mais avançado seria aquele em que o telespectador pudesse produzir e veicular conteúdos seus próprios conteúdos e dispor de um canal próprio. Essa experiência já é possível no âmbito da rede mesmo com as limitações de diferentes ordens que se apresentam ao usuário. No caso da televisão aberta ou fechada, de natureza eletrônica ou digital, implica em um grau maior de complexidade quanto à efetivação da interatividade nesta perspectiva de construir mecanismos mais democráticos inerentes ao processo de produção de conteúdos, propriedade do canal, transmissão dos sinais e retorno participativo dos usuários integrantes do sistema televisual. É neste contexto de interatividade mais ativa que se vislumbra a interferência dos usuários no transcurso Mídias Digitais & Interatividade
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dos acontecimentos que a televisão digital atingiria o nível 7, defendido por Montez & Becker (2005), e explicado nos parágrafos seguintes deste artigo em descreve os estágios da interatividade desde o nível zero ao nível pleno de interatividade em que se configura a fusão dos pólos emissor/receptor/usuário. No estudo sobre as transformações da televisão, André Lemos (1997 apud Montez & Becker, 2005), define os diferentes estágios de interatividade que o veículo vem proporcionando ao longo dos tempos: Nível 0 - a TV em preto e branco, com apenas um ou dois canais. A interatividade aqui, se limita à ação de ligar ou desligar o aparelho, regular volume, brilho ou contraste. Com apenas dois canais, só resta apenas acrescentar a possibilidade de mudar para outra emissora. Nível 1 - aparece a TV em cores e outras opções de emissoras. O controle remoto vai permitir que o telespectador possa zappear, isto é, navegar por emissões e pelas mais diversas cadeias de TV. Neste nível se institui certa autonomia da “telespectação”. O zapping é assim um antecessor da navegação contemporânea na Web. Nível 2 - é o estágio em que alguns equipamentos juntam-se à televisão, como: o vídeo, as câmaras portáteis ou as consoles de jogos eletrônicos. Isso permite que o telespectador se aproprie do objeto TV, tendo a oportunidade de ver vídeos ou jogar, e das emissões, gravando e assistindo o programa na hora que quiser. Aplica-se aqui uma temporalidade própria e independente do fluxo das mesmas. Nível 3 - neste nível aparecem sinais de uma interatividade com definições digitais. O público pode interferir no conteúdo emitido a partir de telefone, fax ou e-mail. Nível 4 - é a chamada “televisão interativa”. Possibilita a participação do telespectador no conteúdo por meio da rede telemática, em tempo real. O que permite a escolha de ângulos e câmeras, e etc. Lemos (1997) acredita haver uma evolução da tecnologia analógica até chegar à digital, onde no nível 4 o telespectador deixa de ser apenas um receptor de conteúdo. No entanto, Montez & Becker (2005) são contrários a esta afirmação, porque segundo seus estudos isto não chega a ser ainda uma apropriação da tecnologia interativa. 146
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“No nível 4 o telespectador ainda não tem controle total sobre a programação. Ele apenas reage a impulsos e caminhos predefinidos pelo transmissor. Isso ainda não é TV interativa, pois contradiz a característica do não-default, definida por Lippman, 1998.” (Montez & Becker, 2005:53)
TV Digital Interativa A TV Digital Interativa (TVDI) é o resultado da conjunção de tecnologias televisuais, analógica e digital, com a computação, interligada à internet. A bidirecionalidade surge como principal característica da mídia. A partir dela “o operador conversa com a máquina dando e recebendo informações na forma falada, escrita, gráfica e visual no monitor de visualização.” (PLAZA, 1993:72-75) A bidirecionalidade vem a ser uma variável para que a tecnologia cumpra o seu objetivo. É com ela que vai haver uma inversão de papéis na comunicação midiática, como explica Silva (1995): Só existe comunicação a partir do momento em que não há mais nem emissor nem receptor e, a partir do momento que todo emissor é potencialmente um receptor e todo receptor é potencialmente um emissor. Portanto, comunicação é bidirecionalidade entre os pólos emissor e receptor, ou seja, comunicação é troca entre codificador e decodificador sendo que cada um codifica e decodifica ao mesmo tempo. (SILVA, 1995: 07-08)
O processo de definição de emissor e receptor ainda deve levar um tempo, por não se ter uma descrição fixa da mídia, pois ela está em fase de ampliação e evolução. A tendência é que os níveis de interatividade sejam disponibilizados à medida que a dinâmica TV Digital seja amadurecida logo após essa primeira fase de transmissão digital . No entanto, alguns autores já estão formulando conceitos de TV Interativa. A pesquisadora Adriana Santos após citar Sabattinni (2000), conceitua:
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A TV interativa propriamente dita é uma tecnologia que integra o acesso à Internet e a recepção de canais de vídeo, uma interface combinada de Internet/ TV/telefone ou net e TV a cabo, no mesmo aparelho, o que permite inclusive, no segundo caso, dispensar a linha telefônica. (SANTOS, 2003:04)
Segundo a autora a TV Interativa origina-se da junção de tecnologias do aparelho convencional de TV a redes de comunicação para permitir uma ampliação da utilização no processo comunicacional. Santos (2003) admite que a internet e/ou telefonia servem como meio para se efetivar a interatividade. SOUSA et al (2006), em Treinamento em TV Digital Interativa compactua com a conceituação de Santos, mas acrescenta para a definição o parâmetro da facilidade do acesso a tecnologia digital. SOUSA et al aponta a TV Digital como uma ferramenta que permitirá um maior contato a serviços e produtos como a internet. No estudo a pesquisadora considera que a TVDI é “a fusão da TV tradicional com tecnologias de computação, buscando permitir aos usuários da TV o acesso, a custo reduzido, a um grande número de serviços com os quais possam interagir”. (SOUSA et al, 2006:15) Enquanto Montez & Becker (2005) analisam a TV Interativa como uma nova mídia: “Não é uma simples junção ou convergência da internet com a TV, nem a evolução de nenhuma das duas, é uma nova mídia que engloba ferramentas de várias outras, entre elas a TV como conhecemos hoje e a navegabilidade da internet”. Montez & Becker (2005) adicionam aos níveis de interatividade definidos por André Lemos (1997) mais três estágios que podem vir a representar a nova mídia. À medida que o nível vai aumentando, a interatividade acontece gradativamente até seu ponto mais alto, considerado como pró-ativo. Nível 5 - o telespectador pode ter uma presença mais efetiva no conteúdo, saindo da restrição de apenas escolher as opções definidas pelo transmissor. Passa a existir a opção de participar da programação enviando vídeo de baixa qualidade, que pode ser originado por intermédio de uma webcam ou filmadora analógica. Para isso, torna-se necessário um canal de retorno ligando o telespectador à emissora, chamado de canal de interatividade.
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Nível 6 - a largura de banda desse canal aumenta, oferecendo a possibilidade de envio de vídeos de alta qualidade, semelhante ao transmitido pela emissora. Dessa forma, a interatividade chega a um nível muito superior à reatividade, como caracterizado no nível quatro de Lemos (1997). Nível 7 - aqui, a interatividade plena é atingida. O telespectador passa a se confundir com o transmissor, podendo gerar conteúdo. Este nível é semelhante ao que acontece atualmente na internet, onde o usuário pode publicar um site, criar ambientes imersivos, experienciar propostas de rádioweb em escolas e comunidades, redirecionar o papel das redes de relacionamento e comunidades virtuais, necessitando apenar possuir o conhecimento das ferramentas adequadas. O telespectador/usuário pode produzir programas e enviá-los à emissora, rompendo o monopólio da produção e veiculação das tradicionais redes de televisão que conhecemos hoje. A TV interativa também recebe denominações de acordo com os tipos de serviços que a interatividade dispõe. A seguir são descritas 10 classificações elencadas por Sousa et al (2006), a partir de estudos de Ken Freed (2000): Enhanced TV - consiste na disponibilização de informações adicionais à programação da televisão. Os dados são enviados juntamente com o sinal de vídeo, podendo ou não ser acessados. Sinopses de filmes, estatísticas de jogos, propagandas interativas simples e até mesmo as versões de teletexto para TV Digital são consideradas aplicações de Enhanced TV. Individualized TV - muitas vezes classificadas como Enhanced TV, estas aplicações oferecem uma experiência personalizada a quem assiste TV. O termo engloba aplicações que permitem ao usuário a escolha de ângulos de câmera e a possibilidade de visualizar replays de cenas em jogos esportivos e corridas automobilísticas, como também em shows de televisão. Admite também a função ReplayTV, que permite gravação de conteúdo da programação. Personal TV - é usado para aplicações de PVR (Personal Vídeo Recorder), que é o gravador digital de vídeo. A função consente receber dados da programação, atuando em conjunto com Guias Eletrônicos de Programação, de forma a permitir
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a gravação de programas por nome, horário, atores e outras possibilidades que não existem atualmente. Internet TV - por aplicações de Internet TV, entende-se aplicações de e-mail, chat, navegação Web, enfim, serviços de Internet aplicados para a televisão. Estes tipos de serviços precisam ser adaptados para o ambiente de TV. On-demand TV - designa aplicações de disponibilização de programação sob demanda, como filmes, programas, shows e noticiários. Este tipo de aplicação exige um grande investimento em infra-estrutura de rede e de servidores de vídeo, além do pagamento dos direitos autorais do conteúdo personalizado. Play TV - são aplicativos de vídeo-game na TV. Jogos multiusuários e monousuários fazem sucesso em computadores e consoles e se espera que essa mesma performance se repita na TV Interativa. Banking & Retail TV - são aplicações de banco e comércio eletrônico aplicadas para a televisão. As aplicações de comércio eletrônico pela TV, também chamadas de t-commerce, possibilitam desde uma simples requisição de catálogo até a compra efetiva do produto. Com o Banking & Retail TV, uma simples propaganda veiculada num programa de TV pode gerar várias compras. Educational TV - são aplicações voltadas para a educação, seja ela para ensino fundamental, médio ou superior. Este serviço comporta aplicações de ensino à distância e de suporte ao ensino. Community TV - aqui estão os serviços de interesse comunitário, como votações e veiculação de informações. Outro termo também utilizado para o tipo de serviço é ICHE TV, ou seja, serviços para comunidades específicas. Global TV - designa o acesso, sob demanda, à programação internacional com tradução automática de idiomas. A TV Digital Interativa surge como uma nova oportunidade para os telespectadores que sempre sonharam em exercer um papel mais ativo frente à televisão. O desenvolvimento tecnológico do complexo televisual e computacional proporciona uma gama de possibilidades de produtos midiáticos com graus interativos diferenciados. Pode até ser simples projetar algumas opções interativas da TVDI para 150
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o público. O que se torna difícil é imaginar o impacto da comunicação televisual nesse novo cenário midiático com as possibilidades de transformações “qualitativas” quanto aos atuais papeis exercidos pelas emissoras tradicionais que ainda carregam velhos vícios estruturais e o “público-usuário-receptor” que almeja e reclama participação mais intensa, sobretudo quanto ao aspecto de produção de conteúdo já materializado no âmbito do ciberespaço.
Considerações inais O termo interatividade apesar de ser objeto de diversos campos de estudos, ainda não possui nenhum conceito unânime de sua significação. Pode-se perceber que há uma preocupação e interesse por parte dos pesquisadores em conceituar o termo interatividade. E entre eles existe uma discordância dos critérios que determinam a caracterização do termo interatividade. Faz-se necessário a existência de construções teórico-aplicadas em torno da interatividade de forma que se privilegie a sua dimensão denotativa. A partir desse desdobramento sistemático transdisciplinar acerca da interatividade efetuado pelas universidades e centros de pesquisa o outro passo é intensificar propostas para televisão digital de cunho realmente interativo compatível as especificidades de linguagem da mídia utilizada. Dimensionar as suas aplicabilidades e ter em conta as necessidades que cada mídia exige de acordo com suas especificidades tecnológicas e a produção de conteúdos antenados ao seu código narrativo implica numa espécie de rompimento de paradigma e um grande desafio que se apresenta a sociedade sempre ávida por informações. No caso da TV Digital com seu diferencial e limitações ainda existentes, tornase imprescindível compreender que os parâmetros técnicos devem estar associados a uma dimensão estética. A busca pela materialização da interatividade deve ser compreendida como a construção de novas relações dinâmicas entre o usuário/meio/ emissor e própria natureza dos conteúdos em cena. Essa nova relação vem sendo construída no contexto atual face o aspecto da convergência tecnológica que amplifica o papel das mídias pré-existentes e incorpora Mídias Digitais & Interatividade
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e aprimora possibilidades no novo meio antes existentes em outros sistemas de representação. Um exemplo dos desdobramentos e convergências tecnológicas é a TV Digital, em que se permite a associação diferentes sistemas devendo ser explorada a dimensão estética associada a produção de conteúdos específicos. A intenção do Governo e pesquisadores é a de que no Brasil a TV Digital, juntamente com a interatividade, possa promover ao telespectador entretenimento aliado à prática da educação e cidadania. Todos os sujeitos envolvidos e responsáveis pela implementação desta tecnologia, principalmente nas áreas da Engenharia da Computação, Comunicação e fabricantes devem estar cientes e conscientes desses novos desafios da televisão digital, sobretudo quanto à construção de produtos culturais interativos. Dessa forma, podem-se incrementar produtos culturais cada vez mais interativos em conformidade com a dinâmica das possibilidades técnicas que vão sendo formatadas através das pesquisas em andamento. Como já reiteramos ao longo do presente artigo, a televisão digital ainda apresenta limitações quanto ao alcance mais avançado da interatividade. Trata-se de um novo processo de trocas simbólicas permanente que vai sendo construído e ganhando novos contornos quanto a sua aplicabilidade. Ressalte-se, conforme observa Olga Tavares, a necessidade de ... investimentos para a produção de conteúdo digital para a televisão, que concilie competência técnico-estética com informação e entretenimento criativos e originais sob a égide da interatividade, ocorrerá, de fato, a inclusão digital que se anuncia há quase uma década e que ainda não se efetivou porque grande parte da população brasileira não tem computador. (TAVARES, 2008:130).
Notas 1
Este artigo é um resultado do relatório de conclusão do Curso de Comunicação Social – Radialismo - da UFPB “TV Digital e processos de interatividade – Desenvolvimento
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de protótipo interativo para telejornal educativo do Canal Futura”, de autoria de Deisy Fernanda Feitosa e Kellyanne Carvalho Alves, com a orientação do professor do Departamento de Comunicação Social da UFPB, PhD. Pedro Nunes Filhos e co-orientação do professor do Departamento de Computação da UFPB, Dr. Guido Lemos de Souza Filho.
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Apresentação ........................................................................................9 TV digital, democracia e interatividade.....................................13 Sivaldo Pereira da SILVA
As TVs universitárias como espaços de experimentação da interatividade na tv digital .............................................................31 José Dias PASCHOAL NETO
Uma proposta de telejornal educativo interativo .................53
Sumário
Kellyanne Carvalho ALVES Deisy Fernanda FEITOSA Sílvia Helena Rocha RESENDE Fernanda Paulinelli Rodrigues SILVA Giuliano Maia L. de CASTRO Derzu OMAIA Erick Augusto Gomes de MELO Guido Lemos de SOUZA FILHO
Design de interfaces para TV digital interativa destinada a crianças em idade pré-escolar ......................................................77 Ana Vitória JOLY Renata Yumi SHIMABUKURO
Boa noite, e boa sorte: TV digital e o fazer notícia no telejornalismo .....................................................................................97 Clayton SANTOS
Os bastidores de uma nova era: a interatividade na televisão digital brasileira............................................................ 115 Nara Idelfonso SOUTO José David Campos FERNANDES
Conceitos de interatividade e aplicabilidades na TV digital............................................................................................ 133 Deisy Fernanda FEITOSA Kellyanne Carvalho ALVES Pedro NUNES FILHO
Televisão digital: quando chega a interatividade? ............. 157 Almir ALMAS
Tecnologia e mídia radiofônica: mudança de paradigma à vista ..................................................................................................... 173 Olga TAVARES
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Rádio Digital: desafios presentes e futuros Elton Bruno Barbosa PINHEIRO Pedro NUNES FILHO Universidade Federal da Paraíba
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riado ainda no século XIX e com transmissão inaugural no Brasil em 1922, o rádio se consolidou paulatinamente como presença marcante no cotidiano de um segmento expressivo da população brasileira aprimorando
sua estrutura de narrativa que envolve o código sonoro (áudio, verbal falado, sons, ruídos...) mobilizando a produção de sentidos através da audição em sincronia com a imaginação de seus usuários ouvintes. “Tradicionalmente conhecido como um meio imediato e irrepetível” (CORDEIRO, 2004: on-line), o rádio materializou ao longo de suas transformações tecnológicas, a portatibilidade e a mobilidade, visto que integra quase todos os automóveis sob forma de acessório sonoro, se estendeu aos aparelhos celulares, está presente em seu formato tradicional nas periferias dos grandes e pequenos centros urbanos e zonas rurais face ao seu custo relativamente acessível às camadas populacionais com renda baixa. Fundado no sistema sígnico que envolve a oralidade, o som, o silêncio, o ritmo, a cadência entre outros subcódigos, o rádio veicula informações simultâneas aos acontecimentos, conseguindo a proeza de ser parcialmente interativo antes mesmo do aprimoramento do conceito que enuncia níveis de participação do rádiounvinte. Mídias Digitais & Interatividade
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Dessa maneira, o rádio em sua diversidade de programações, fornece aos seus receptores informações, entretenimento, prestação de serviços e propaganda ao longo de vinte e quatro horas, muitas vezes, sem a utilização de aparelhagens complexas. Destaca-se por seu amplo alcance público de natureza heterogênea ou segmentada e, consequentemente, por seu papel social no processo de formação cultural e persuasão do cidadão. Esses aspectos múltiplos apontam de certa forma, para a reconfiguração do suporte radiofônico ainda em processo de transição do analógico para o espaço da informação interativa associada ao processo de convergência das diferentes mídias. Com a efetivação do sistema digital cujas etapas de captação e produção (já materializadas em estúdio), transmissão e recepção do sinal o rádio será ainda mais eficaz quanto as suas características seletiva, móvel, interativa, real time, imaginativa, credibilidade, eliminação de interferências, associadas às novas características como a transmissão simultânea de dados para os aparelhos receptores dos ouvintes ou em outros suportes de mídia, como telefones celulares e internet. Trata-se de mudanças consideráveis que afetam a práxis radiofônica, bem como os mecanismos de transmissão, diversificação quanto à oferta de conteúdo, ampliação do quantitativo de emissoras, alterações quanto à recepção e a relação veículo-audiência. Para Bianco (2004:on-line) “a transformação do sinal analógico em bits provoca talvez a mudança mais radical experimentada pelo rádio desde a invenção do transistor e da frequência modulada”. De fato, a eliminação de ruídos na transmissão de sinais de frequências FM e AM são avanços significativos para a radiodifusão brasileira, valorizando esse meio concebido por muitos, há tempos, como o “primo pobre” dos meios de comunicação. Imagine acordar pela manhã ao som de um rádio com qualidade de CD programado para sintonizar sua emissora favorita. Logo em seguida, você aciona um botão do aparelho e recebe pela tela de cristal líquido - um display acoplado - um boletim meteorológico de sua cidade. Ao sair para o trabalho, liga o rádio do carro, coloca no painel da tela o seu destino e o sistema lhe indica, no mapa da cidade, o trajeto livre de congestionamentos. Se desejar, o mesmo aparelho disponibiliza vários tipos de informação: o nome do cantor de uma música, notícias selecionadas, a programação diária da emissora, a 186
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cotação da bolsa de valores e de outros índices econômicos. Tudo muito fácil de acessar e com a vantagem adicional de poder ler essas informações ao som do comunicador mais animado e divertido que você conhece. Delírio de futurista otimista? De forma alguma. A digitalização do sinal de transmissão de rádio oferece estas e muitas outras vantagens para o ouvinte. (BIANCO, 2004: on- line).
Ainda segundo Bianco (2004:on-line), o sistema de rádio digital será capaz de inserir esse meio em um novo “método de convergência entre as telecomunicações, os meios de comunicação de massa e a informática”, ocasionando assim uma maior interação do rádio com outros sistemas midiáticos. Contudo, vale ressaltar que os ouvintes que desejarem captar a programação de transmissão digital terão que adquirir um aparelho de rádio com tecnologia adequada. A estimativa é de que a migração dos ouvintes se complete entre sete e dez anos após o início oficial das transmissões digitais.
Os testes – sintonizando mudanças Aperfeiçoar a recepção do sinal de rádio, ter acesso a outros serviços e a interatividade por meio de aparelhos modernos: esse é o principal objetivo quanto a adoção do sistema de rádio digital que no Brasil ainda está em fase de testes. O principal empecilho, até agora, tem sido a escolha do sistema que será adotado no país: o americano IBOC - In Band On Channel, ou o europeu DRM – Digital Radio Mondiale. O ministro das comunicações, Hélio Costa relatou numa entrevista como estão estes testes e o que evoluiu para que a nova tecnologia seja colocada em prática nas ondas do rádio. Até mais ou menos seis meses tinha apenas um sistema que atendia simultaneamente ao rádio FM e ao rádio AM, que era o sistema americano IBOC, que transmite dentro da mesma faixa de frequência. E por que isso é importante? Porque lamentavelmente o dial do rádio está tão congestionado que não tem espaço para mais rigorosamente nada. Se você precisar colocar uma
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emissora nova em São Paulo não tem como. Com a chegada da rádio digital, você consegue ampliar esses espaços. Então nós estávamos caminhando com os testes todos em cima da proposta do sistema americano, mas de repente as informações que eu tenho recebido, e são informações técnicas, que vêm da própria ABERT, que está realizando testes nesse sentindo, temos tido algumas dificuldades com o sistema de ondas médias digital. Por outro lado, já existe hoje uma discussão muito ampla em torno do sistema DRM, europeu, que até janeiro (2008) não transmitia em ondas médias, e agora já está lançando o sistema de ondas médias, então isso nos obriga a fazer testes também com o sistema europeu, porque quando você tomar a decisão do rádio digital, você está disparando um processo industrial que não pode voltar atrás. (COSTA, 2008: on-line).1
Outros sistemas de rádio digital terrestre foram indicados no início das pesquisas em conformidade com União Internacional de Telecomunicações - UIT: o Eureka 147 – Digital Audio Broadcasting (DAB), “baseado em tecnologia não proprietária e reconhecido pela UIT, originalmente concebido para o espaço entre os 30MHz e os 3GHz” (NEVES:on-line), e o ISDB-TSB – Integrated Services Digital Broadcasting - Terrestrial Sound Broadcasting, “convergência tecnológica de rádio com TV digital que eventualmente poderia confrontar com a divergência regulatória em alguns países” (NEVES:on-line), sendo estes descartados pelas características apontadas na tabela a seguir:
Tabela 1: Fonte ANATEL. Ara Apkar MINASSIAN. Audiência Pública. Senado Federal - 15/08/2007 188
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Como aponta a tabela, além da necessidade de convergência de interesses entre estado, operadores e indústrias e, ainda os altos custos de tais sistemas, um outro ponto que impede a entrada dos padrões DAB e ISDB-TSB na radiodifusão nacional é que estes, segundo Neves: não permitem uma evolução gradual do atual sistema analógico para o novo digital. Contrariamente, tanto o DRM como o IBOC permitem uma adaptação gradual, permitindo aos ouvintes, pouco a pouco, uma mudança de receptores. (NEVES, 2006:on-line).
De acordo com o Superintendente de Serviços de Comunicação de Massa da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), Ara Apkar Minassian, os testes que acontecem com os sistemas IBOC e DRM levam em conta: O desempenho do sistema, a robustez quanto a perturbações causadas por ruídos radioelétricos e as interferências de outras transmissões analógicas e digitais. Também são avaliadas a extensão da área de cobertura, a qualidade áudio-digital, a compatibilidade do sinal digital com o sistema analógico, e a interferência provocada pelo sinal digital nas transmissões analógicas existentes. (MINASSIAN, 2007:on-line)2
Desta feita, o que essa etapa exige agora, na verdade, é a necessidade de serem efetuados testes em que diversas emissoras façam a transmissão digital simultaneamente para saber se há riscos de interferências. O Secretário de Telecomunicações Roberto Martins, argumenta que o novo sistema deve abranger o máximo de emissoras possíveis e afirma o seguinte: Nós não trabalhamos com a hipótese de um processo de digitalização, de uma escolha de um padrão, onde fiquem fora deste padrão as emissoras FM que variam desde as rádios comunitárias, lá na frequência de 87.4, até as rádios comercias ou educativas. (MARTINS, 2007:on-line).3
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Em média, vinte testes4 já foram autorizados pela Anatel, contudo, poucos relatórios finais foram entregues com dados acerca dessas experiências piloto com o sistema IBOC – HD Radio e o DRM – Digital Radio Mondiale. A adoção do padrão do rádio digital no Brasil pelo Ministério das Comunicações ainda está condicionado ao exame dessas experiências em andamento, desenvolvimento de pesquisas na área, transferência de tecnologia, levando em consideração os problemas enfrentados por outros países, a compatibilidade dos sinais digitais com os sinais analógicos existentes e as áreas de cobertura. Desse conjunto de preocupações também não se descarta a possibilidade da construção de um padrão híbrido que tenha em conta as complexidades inerentes à realidade brasileira povoada de conflitos e contradições sócio-econômicas.
Padrões Digitais – cenários possíveis Os dois padrões digitais em fase de estudos e testes, o IBOC (In Band On Channel) e o DRM (Digital Radio Mondiale), “disputam” a implantação no Brasil gerando polêmicas entre segmentos de especialistas e pesquisadores acerca do modelo ideal para o país. Desse confronto técnico, político e econômico surge, conforme destacamos, a possibilidade de adoção de um sistema misto, que fundiria as duas tecnologias. Sem a pretensão de esgotar o assunto, cabe uma explanação sobre cada um desses padrões. O IBOC (In Band On Channel), que quer dizer “na mesma faixa e no mesmo canal”, pertence ao consórcio “iBiquity Digital 5”. É a tecnologia utilizada no sistema norte-americano de radiodifusão, também conhecido como HD Radio (High Definition Radio). Seu objetivo, basicamente, é o mesmo dos outros padrões: A idéia é levar ao ouvinte um som de melhor qualidade (como no CD), além de possibilitar a inclusão de outras informações por meio de um fluxo de dados ou mesmo um segundo canal de áudio independente. Entretanto, ao contrário dos demais sistemas, o IBOC foi concebido para possibilitar a transmissão simultânea dos sinais digitais dentro da mesma banda alocada para o sinal 190
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analógico da emissora. No modo híbrido, ambos os sinais – o analógico e o digital – convivem dentro do mesmo canal. (TOME, 2004:on-line) 6
Segundo o almanaque da comunicação as vantagens oferecidas por essa tecnologia, com duas versões, uma para a faixa AM (IBOC AM) e outra para a faixa FM (IBOC FM) seriam: a) possibilidade de transmissão simultânea dos sistemas digital e analógico dentro da mesma banda; b) permissão para o usuário fazer uso dos dois sistemas e depois desativar o analógico; c) possibilidade da emissora manter o seu espectro atual e ter gastos menores na aquisição de equipamento para a transmissão digital; d) aumento na largura do canal ocupado por uma estação, ou seja, criação de canais adjacentes; d) além disso, os receptores continuariam os mesmos. Segundo Patrícia Bezerra um aspecto de destaque na forma de transmissão híbrida possibilitada pelo padrão IBOC seria: A possibilidade das emissoras poderem migrar para a tecnologia digital quando lhes for mais conveniente, ou seja, quando estiverem totalmente preparadas e com a vantagem de não interromper ou prejudicar a transmissão analógica. Numa próxima etapa de implantação, o sinal analógico seria desativado, e a transmissão digital ocuparia todo o canal. (BEZERRA, 2007:on-line).
Mas esse mesmo padrão possui também as suas desvantagens: a) por ser justamente um sistema híbrido, tem deficiências tecnológicas que podem ser corrigidas, mas, em longo prazo; b) é contraproducente do ponto de vista de infraestrutura. Ao alargar o espectro para uso de dois sistemas simultâneos se reduz a possibilidade de espectro para novas emissoras; c) não se tem uma previsão do que acontecerá na transição entre o híbrido e o totalmente digital. Alguns críticos acham que o IBOC nunca será totalmente digital e, portanto deve ficar mais tarde defasado; d) prevê uma taxa anual de aproximadamente dez mil dólares paga ao operador do sistema, o que comprometeria a digitalização das rádios comunitárias; e) há um delay entre o sinal digital e analógico, de dois a quatro segundos, perceptível pelo usuário,
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ou seja, o rádio fica mudo alguns segundos; f) é uma tecnologia fechada licenciada por apenas uma empresa. Ainda segundo Patrícia Bezerra, outra característica oferecida pelo sistema de rádio digital seria afetada pelo sistema IBOC: Uma das grandes vantagens do sistema digital é justamente a incorporação de novos atores na radiodifusão, mas que será prejudicada pelo sistema IBOC. As emissoras que continuarem a emitir no padrão analógico (as comunitárias, as públicas e as comerciais pequenas) terão dificuldades em ser captadas. (BEZERRA, 2007:on-line).
Já o DRM (Digital Radio Mondiale), constitui-se de um sistema aberto, organizado pela união de 90 membros dentre os quais estão operadoras estatais européias para as transmissões em AM, fabricantes, associações e universidades. O objetivo do sistema europeu, que surgiu em 19967 era fazer algo pela radiodifusão nacional e internacional em AM, abaixo de 30 MHz, para que esta não se extinguisse. É válido lembrar que até janeiro de 2008 o DRM não transmitia em ondas médias no Brasil, mas já lançou este sistema, o que tornou necessário a realização de testes também com esta tecnologia, no país. As vantagens desse sistema, apontadas até agora são: a) semelhantemente ao IBOC há a permissão para se operar os dois sistemas simultaneamente dentro da mesma banda; b) as rádios AM passam a ter qualidade de FM; c) possibilita conteúdos integrados num mesmo aparelho; d) é uma tecnologia aberta que pode ser utilizada por todos e participam do projeto dentre outras empresas a Hitachi, JVC, Bosh e Sony. Aqui no Brasil, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) concedeu autorização para testes do Sistema DRM para a Radiobrás e para a Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília (FT/UnB). A faculdade foi a primeira a realizar estes testes que têm o objetivo de avaliar a qualidade do áudio, área de cobertura e robustez do sinal digital em Onda Curta (OC) em relação a ruídos e interferências. (BEZERRA, 2007:on-line). 192
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A tecnologia DRM também apresenta algumas desvantagens: a) prevê a troca de aparelhos num custo estimado entre um mil e dois mil reais por usuário; b) é um sistema aplicado somente para as emissoras AM. c) Ainda não substitui a Frequência Modulada. Desta feita, pode-se perceber que tanto o IBOC quanto o DRM tem por objetivos melhorar a qualidade do som. No entanto, o fato é que o padrão a ser adotado deve ser capaz de garantir eficiência de transmissão em qualquer situação de recepção8. Nesse sentido, Bianco (2004) corrobora: O sucesso de uma nova tecnologia depende de sua capacidade de ajustar-se à vida das pessoas. Precisa ser confortável e fácil, ter ligação com o passado, com aquilo que as pessoas já conhecem ou que possa melhorar o que já existe. (BIANCO, 2004:on-line).
No Brasil, até a escolha definitiva do padrão, ficam aparentes influências proselitistas de ordem política, que vão além das características inovadoras propiciadas pela implementação do rádio digital, associadas à motivação social e econômica também em jogo.
Os desaios da rádio digital A digitalização do sistema de radiodifusão brasileira provoca inquietudes, sobretudo em relação à “reinvenção” que esse meio sofrerá. Cordeiro já mencionava tal reconfiguração do conceito e na maneira de fazer rádio: A introdução de sistemas multimídias vem alterar a natureza do rádio, podendo transformá-lo de tal forma que nos obrigue a reequacionar o conceito, questionando a validade da definição do que é a rádio e a sua comunicação. (CORDEIRO, 2004:on-line).
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Estamos experienciando um novo tempo no universo da comunicação radiofônica. Nesse sentido, o entrecruzamento das possibilidades ofertadas pelo digital suscita os mais diversos debates. Entre eles, a questão do conteúdo se sobressai pelo fato de se tratar, de um todo imprescindível às inovações comunicacionais, que não pode ser separado dos avanços tecnológicos. Tendo em vista que o rádio já se adaptou a diversos cenários tecnológicos, Cordeiro (2004) também acredita que a diversificação de conteúdos é o grande desafio e fará a diferença na nova fase do rádio nacional. Nesse sentido, Bianco (2004) argumenta: A mais evidente reinvenção está relacionada à diversificação do conteúdo para atender ao crescimento da oferta decorrente da diversificação de modalidades de canais. [...] Essa variedade de formas de transmissão provocará uma reconfiguração dos atuais conteúdos e das funções sociais do rádio. É evidente que haverá um aprofundamento da segmentação da programação para atender diferentes faixas ou segmentos da audiência. [...] Tais mudanças poderão por fim a audiência massiva e a fidelidade do ouvinte à única emissora. O que exigirá dos radiodifusores muita criatividade não somente para gerar conteúdos específicos, como também para enfrentar o desafio de fazer rádio para ser lido. (BIANCO, 2004:on-line).
Outro desafio significativo é apontado pela gerente de planejamento comercial e eventos do Sistema Globo de Rádio em São Paulo, Neide Souza que destaca o seguinte: Um dos pontos fracos do sistema digital para a emissora é não saber quando irão trocar todos os aparelhos pela tecnologia digital, será que esta indústria terá o radinho de pilha que a dona de casa coloca em cima da pia da cozinha e fica escutando, que vende no camelô a R$ 5. A tecnologia digital fará isso? Quanto tempo irá demorar para esta tecnologia custar R$ 10 no camelô? (SOUZA, 2007:on-line)
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É bem certo que a tecnologia digital aprimora a qualidade e acrescenta novos serviços ao rádio, porém, também é fato que esse avanço ainda se apresenta num preço elevado se for levado em consideração, por exemplo, a adoção do padrão norteamericano IBOC, que possui seus aparelhos mais baratos custando em média de cento e vinte dólares. Outro impasse é o retrato do mercado brasileiro em tempos atuais, os ouvintes/ consumidores em grande parte sobrevivem numa realidade onde a renda é ainda muito baixa e a indústria nacional ainda não tem previsão de preços para os aparelhos. No entanto, para o coordenador da Aliança Brasileira para o Rádio Digital, Acácio Luiz Costa: A digitalização é uma questão de subsistência e de sobrevivência do rádio e a redução de preço é apenas uma questão de tempo. Hoje, o aparelho custa por volta de 20% mais que o analógico. Até o fim do ano, devem chegar ao mercado americano celulares com receptor de rádio digital. (COSTA, 2007:on-line).
De fato, segundo dados da Rádio da Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão – SET, o rádio está em 88% dos lares brasileiros, perdendo apenas para TV, e aproximadamente 75% dos receptores são domésticos. Com os altos preços e a possível ausência do modelo portátil, a expectativa é de que o modelo digital seja primeiramente inserido nos automóveis. As perspectivas para a radiodifusão brasileira neste século XXI, até certo ponto são animadoras e até entusiasmam segmentos expressivos da sociedade brasileira, no entanto a implantação do rádio digital ainda merece aprofundamento, visto que outros países enfrentaram problemas que nos sinalizam como referência para não reprisarmos continuamente as mesmas cenas de erros.
Considerações em andamento No decorrer do presente estudo ficou claro para os autores deste artigo que o debate e a própria produção de conhecimentos em torno do objeto em pauta não Mídias Digitais & Interatividade
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devem se restringir unicamente as transformações de base tecnológica e escolha do padrão para implantação do rádio digital no Brasil. Consideramos que este é o momento adequado para se rediscutir o papel rádio, as possibilidades de uso da linguagem, a sua feição estrutural, as velhas, novas e futuras relações de poder, a formação dos conglomerados na área, o redesenho das concessões, as injunções políticas, a qualidade das programações, a produção de conteúdo, a formação de recursos humanos e a necessidade de emergência de experiências realmente inovadoras e, sobretudo, se pensar a nova mídia expandida como instrumento de mobilização, de educação e com multiprogramações direcionadas para exercício da cidadania. Trata-se de um futuro que necessita ser remodelado desde o presente com perspectivas e possibilidades mais humanas e desafiadoras. Esta fase de transição do analógico ao digital nos impulsiona a pensar que com a implantação do sistema digital, a história da radiodifusão brasileira segue em direção de mais um passo diferencial em sua história. Essa diferença deve ser impulsionada por agentes sociais que construam modelos de programação radiofônica cujo determinante não seja só a dimensão econômica, mas sim que ponham em relevo a ética, as particularidades regionais, as diversidades culturais e experiências comunitárias. A adoção desse novo sistema requer uma mudança paradigmática em termos de infra-estrutura no campo radiofônico que está diretamente associada ao alto custo previsto para instalação de transmissores e receptores. Associado aos investimentos de ordem econômica, outros fatores vinculantes são as decisões de ordem política e as pressões das corporações de radiodifusão quanto à escolha do padrão da frequência digital. As inovações decorrentes desse novo cenário trarão não apenas melhorias técnicas, como também consequências sociais, políticas e econômicas geradas pelas características fundamentais desse processo que são a convergência e a interação tecnológica. Contudo, ainda são poucas as reflexões feitas nesse sentido. A escolha do padrão é uma decisão extremamente urgente, mas não mais importante que a análise da 196
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influência no cotidiano midiático do país e particularmente de cada ouvinte. Trata-se aqui da necessidade de democratizar a novas tendências da comunicação e deixá-las longe de proselitismos políticos. No que diz respeito à população, como e em quanto tempo os ouvintes com menos condições financeiras, que hoje escutam o seu bom e velho companheiro de todas as horas, terão acesso à nova tecnologia sem grandes gastos ou dificuldades? Já as emissoras do nosso país, principalmente as de menor porte, a exemplo das comunitárias e educativas, terão condições de se adaptar ao sistema digital? E dentre as emissoras maiores, quantas conhecem os verdadeiros efeitos da transformação para o digital e as vantagens no que diz respeito aos conteúdos e ao possível aumento do número de canais? Na verdade, a preocupação apenas com os aspectos técnicos tem deixado, até certo ponto, estas questões de lado, o que é alarmante, uma vez que, de acordo com Bianco (2004) “cada tecnologia que surge traz em si promessas, discursos, potencialidades, projetos, esquemas imaginários, implicações sociais e culturais”, e sendo assim, essa inovação, caso não seja bem inserida, poderá colocar mais uma vez em foco as deficiências do sistema de radiodifusão brasileira. Enfim, a reinvenção do tradicional meio de produção simbólica aponta para uma nova configuração da radiodifusão nacional que deve ser encarada de forma espectral tendo em conta seus limites, especificidades, e a própria dinâmica da sociedade com seus pontos de fuga.
Notas 1 Entrevista concedida pelo ministro das comunicações, Hélio Costa à Agência Rádioweb, em 03/09/08, disponível em <http://www.mc.gov.br/ministerio-noradio>. Acesso em: 10/11/08. 2 Explicação feita pelo Superintendente da Anatel, Ara Apkar Minassian durante a reunião da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática. Segundo ele, nos últimos anos, a ANATEL autorizou dez emissoras FM e oito emissoras AM a fazer testes com o sistema norte-americano, conhecido como In Mídias Digitais & Interatividade
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Band On Channel (IBOC). Também foi dada uma autorização para a Universidade de Brasília (UnB) testar o sistema DRM para ondas curtas. Informações disponíveis em <http://www.htmlstaff.org/ver.php?id=11764>. Acesso em: 11/11/08. Entrevista concedida pelo Secretário de Telecomunicações, Roberto Martins à Agência Rádioweb, em 23/11/07. Disponível em < http://www.mc.gov.br/ ministerio-no-radio>. Acesso em: 10/11/08. Eldorado, Jovem Pan, RBS, Sistema Globo de Rádio, Rádio Cultura de Campinas, Rádio Santo Antonio de Posse Stereo Som, Rádio 99 FM Stereo, Sompur São Paulo, Rádio Itapema FM de Porto Alegre, Rádio Excelsior, Sistema Atual de Radiodifusão Itapevi, Rádio Sociedade da Bahia, Rádio e Televisão Bandeirantes, Rádio Gaúcha, Rádio Tiradentes, Rádio e Televisão Record.), Rádio Globo (FM), Rádio Cultura (AM) com o sistema IBOC/I-biquity (In-Band-On-Channel) americano; e Radiobrás e a Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília, ficaram com o sistema DRM (Digital Management of Rights), de um consórcio europeu, para rádios AM. A Ibiquity tem suas raízes na CBS Co., Gannet Co. e Westinghouse Electric Co. É resultado da fusão entre a USA Digital Radio, criada a partir da parceria entre as três citadas, mais a Lucent Digital Radio. Artigo publicado por Takashi Tome, disponível em <http://www.comunicacao. pro.br/setepontos /21/ ta kashi_iboc.htm>. Acesso em: 10/11/08. Segundo Tome Takashi em seu artigo disponível em <http://www.comunicacao. pro.br/setepontos/drm_taka.htm>.
<
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blog/?p=75> 8 Essa é uma das perspectivas apontadas pelo núcleo de pesquisa em Rádio e Mídia Sonora/INTERCOM).
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Rádio Digital: desaios presentes e futuros ...........................185 Elton Bruno Barbosa PINHEIRO Pedro NUNES FILHO
Interatividades na mídia ...............................................................203 Matheus José Pessoa de ANDRADE
Hipermídia: diversidades sígnicas e reconigurações no ciberespaço ...................................................................................... 219 Pedro NUNES FILHO
A cibernotícia como reconiguração da atividade jornalística no ciberespaço ..........................................................233
Sumário
Rodrigo Rios BATISTA
Educação Mediada por Interface: A mensagem pedagógica da hipermídia....................................................................................255 Rossana GAIA Nasson Paulo Sales NEVES
Mídias digitais: acessibilidade na web e os desaios para a inclusão informacional ..................................................................275 Joana Belarmino de SOUSA
YouTube: artes, invenções e paródias da vida cotidiana. Um estudo de hipermídia, cultura audiovisual e tecnológica ........................................................................................285 Cláudio Cardoso de PAIVA
Espaços públicos de inclusão digital: comunicação, políticas e interações .......................................................................................305 Juciano de Sousa LACERDA
Em busca do tempo perdido: Espaço e progressão dramática em Fahrenheit .............................................................323 Mauricio PELLEGRINETTI
O potencial narrativo dos videogames ...................................341 João MASSAROLO
Artemídia e interatividade na constituição do bios midiático: um estudo sobre as relações entre comunicação e estética.............................................................................................369 Maurício LIESEN
Sobre os Autores..............................................................................391
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Hipermídia: diversidades sígnicas e reconfigurações no ciberespaço1 Pedro NUNES FILHO Universidade Federal da Paraíba
A dinâmica do ciberespaço
I
nicialmente devemos pensar o ciberespaço como um sistema virtual complexo e ramificado de significações produzidas, armazenadas e disponíveis em forma de textos, imagens estáticas – dinâmicas e som. Trata-se de um ambiente imaterial desterritorializado, que opera com diferentes
fluxos de informação dispostos de modo não linear formando uma rede digital com conexões sucessivas. A principal característica desse oceano digital semiótico é atuar em trama com a velocidade. As informações numéricas que compõem este universo elástico também atuam em tempo real, ou seja, há uma instantaneidade nos processos de trocas simbólicas que resultam na permanente construção de novas formas de sociabilidade. O processo de semiose, movimento e desenvolvimentos dos distintos signos de natureza multimídia se efetua com a dinâmica rizomática da instantaneidade, Mídias Digitais & Interatividade
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simultaneidade e não sequencialidade das informações que sempre geram novos signos. Há de se destacar que o desenvolvimento das tecnologias digitais, o processo crescente de miniaturização tecnológica e a criação permanente de softwares avançados e de sistemas inteligentes, permitem o trânsito de diferentes representações que incidem diretamente na dinâmica da cultura. Com base neste escopo conceitual o ciberespaço pode então ser caracterizado como um espaço híbrido de informações sígnicas que se enlaçam de forma recorrente remetendo-nos infinitamente para novas informações, dada a sua natureza pluritextual e sonoro-visual. Esse novo ambiente virtual do saber que transforma o próprio saber agrega formas de cooperação flexíveis que resultam em processos de inteligência coletiva experienciados na rede. No que pese as formulações críticas a Pierre Lévy quanto a sua síndrome de cândido (RÜDIGER, 2007), o autor é considerado um dos teóricos pioneiros a enfatizar a natureza dinâmica desse ambiente virtual de memória: O ciberespaço, dispositivo de comunicação interativo e comunitário, apresentase como um instrumento dessa inteligência coletiva. É assim, por exemplo, que os organismos de formação profissional ou à distância desenvolvem sistemas de aprendizagem cooperativa em rede… Os pesquisadores e estudantes do mundo inteiro trocam idéias, artigos, imagens, experiências ou observações em conferências eletrônicas organizadas de acordo com interesses específicos... O crescimento do ciberespaço não determina automaticamente o desenvolvimento da inteligência coletiva, apenas fornece a essa inteligência um ambiente propício. (LÉVY, 1999:29)
Desse modo, o ciberespaço é concebido como um sistema aberto e contraditório que agrega informações múltiplas descentralizadas montadas com base em diferentes plataformas técnicas que se apresentam com suporte para constituição social de um ambiente propício para a produção e o debate cultural que geram formas crescentes de sociabilidade complexas. 220
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A arquitetura tecnológica do ciberespaço (rede virtual entrelaçada por uma infra-estrutura de multiservidores, cabos ou satélites, bancos de armazenamento e agenciamento de conteúdos) possibilita o diálogo com diferentes mídias e linguagens, formando um amplo tecido fragmentário com partes que se interconectam a partir de escolhas deliberadas pelo usuário e onde a noção de tempo anula a noção de espaço geográfico. Ainda neste contexto, o ciberespaço pode ser dimensionado como metáfora das grandes cidades, com seus fluxos de organizações, redes visíveis e invisíveis, movimentos espontâneos, sinalizações, regras de funcionamento, deslocamentos e leis de convivência coletiva. A cidade em sua diversidade e peculiaridade também possui falhas em seus mecanismos de funcionamento, opera com bloqueios, tiltes, blecautes, engarrafamentos, contravenções e situações inesperadas. A cidade virtual desterritorializada é outro espelho da cidade real e que igualmente abriga tensões simbólicas em graus diversificados. Sua natureza é indiscutivelmente pluricultural, ambígua e contrastante. Nela se compartilham fluxos de informações produzidas e reconstruídas por diferentes cidadãos com práticas culturais distintas, ideologias afins ou em estado de colisão, religiões, línguas diversas, experimentos inovadores do campo da arte, de associações comunitárias, centros de investigação, comércio, lazer, sexo e com piratas virtuais (crackers e hackers) que burlam o sistema de segurança. Isto quer dizer que a cidade virtual fragmentária se edifica a partir de uma identidade coletiva que tem como marca a diversidade cultural, o plurilinguismo, a ordem e a desordem, o local e o universal, o centro e a periferia e, sobretudo, a complexidade. Assim a arquitetura liquida da cidade virtus materializa práticas sociais diversas que reconfiguram o saber tendo em conta que sua temporalidade comporta a simultaneidade. As experiências semióticas dispostas na rede apresentam peculiaridades significantes quanto a natureza das mensagens com suas diferentes estratégias de comunicação. Estão sob um mesmo espaço de confluências sígnicas sem fronteiras. Trata-se, no entanto, de um espaço sob domínio da maleabilidade com respeito à sua estruturação significante que libera do pólo de emissão (LEMOS:2005) e que ainda possibilita o livre trânsito de informações. Evidentemente que quando Mídias Digitais & Interatividade
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tratamos dessa relativa liberdade de informação2 na rede não descartamos a existência de mecanismos de controle político, censura e formas de espionagem na esfera estatal por meio da implantação softwares de filtragem, implantação de sistemas de vigilância rebuscados por parte de oligopólios da área de comunicação voltados para fins econômicos, concorrência entre empresas, roubo de dados, quebras de criptografia e invasão de sistemas de segurança. A Arquiescritura (Derrida) da cidade Kbytes – plasmopédia – pode ser também efêmera, fugaz, metamórfica e labiríntica permitindo ao usuário/participante efetuar percursos diversos, recombinar dados, produzir e modificar ambientes imersivos. André Lemos em Andar, clicar e escrever hipertextos acrescenta o seguinte: O ciberespaço, como meta-cidade (ou mega cidade de bits), é um hipertexto mundial interativo, onde cada um pode adicionar, retirar e modificar partes desse texto vivo escrevendo sua pequena história a essa inteligência coletiva, a esse ‘cibyonte’ em curso de concretização. Nesse sentido ‘navegar’ é escrever com imprecisão. (LEMOS, 2006, on-line).
Hipermídia: reconigurações paradigmáticas O desenvolvimento dos sistemas hipermídia3 tanto em sua estrutura associativa no ciberespaço através de redes interligadas e em memórias paralelas, ainda é recente. Estes sistemas nutrem-se primordialmente dos mecanismos das memórias de acesso aleatório que integram os sistemas digitais conectados através das redes telemáticas e satélites. Os sistemas hipermídia, também denominados inicialmente de hipertextos por George Landow se apresentam como ferramentas de aprendizagem, produção, armazenamento e disponibilização de informações multimídia integrando diferentes tecnologias que absorvem a dinâmica das mídias predecessoras ajustando-se a nova realidade digital com especificidades ainda em delineamento. Destacamos a hibridização como uma característica auxiliar importante no contexto de construção da feição dos sistemas hipermídia. Essa espécie de traço 222
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delineador é de certa forma resultante do processo de convergência das mídias/ tecnologias e, consequentemente, do ordenamento de conteúdos tendo por base linguagens diferenciadas. A hipermídia
além de permitir a mistura de todas as linguagens, textos, imagens, som, mídias e vozes em ambientes multimidiáticos, a digitalização, que está na base da hipermídia, também permite a organização reticular dos fluxos informacionais em arquiteturas hipertextuais… O traço da hipermídia está na sua capacidade de armazenar informação e, por meio da interação do receptor, transmuta-se em incontáveis versões virtuais que vão brotando na medida mesma em que o receptor se coloca em posição de co-autor. Isso só é possível devido à estrutura de caráter hiper, não sequencial, multidimensional que dá suporte as infinitas ações de um leitor imersivo.(SANTAELLA:2004:48-49)
Esse diálogo híbrido caracterizado como uma espécie de traço definidor da hipermídia recupera e atualiza as mídias antecessoras e expande a ação de outros sistemas de representação com características específicas como oralidade, a escrita e o sonoro-visual por meio de suportes como o livro, o jornal, o rádio, a televisão música, fotografia, cinema, vídeo além de incorporar modalidades artísticas pré-técnicas como o desenho, a pintura, o teatro, a literatura etc. Esses translados corporificados em forma de passagem das características significantes de outras modalidades de articulação expressiva ao suporte digital denotam que os sistemas hipermídia se desenvolveram como um espaço de confluências intersemióticas. Dizemos conceitualmente que essa espécie de lugar semiótico que opera com nexos associativos dinâmicos não sequenciais abriga mecanismos que naturalmente instauram o processo de hibridização de linguagens e tecnologias (SANTAELLA:2004). De certa forma esse processo de contaminação em forma de interferência também se efetua num sentido inverso ao constatarmos que as mídias convencionais igualmente dialogam com os traços constitutivos da hipermídia e findam de certa forma por serem influenciadas no modo de construção de suas mensagens tendo em conta também o perfil mais exigente dos receptores. Assim, os distintos sistemas de representação se Mídias Digitais & Interatividade
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revitalizam ou expandem a noção de mídia com a realidade virtual e se somam aos aportes específicos da hipermídia, tais como softwares para a produção, tratamento e auto-edição de texto, imagem e som, transferência de protocolos, sistemas de busca, indexação, teleconferência, bases de dados com interconexões, compressão e transmissão de dados, tradutores automáticos, reconhecimento de voz, agentes inteligentes4, simulações interativas entre outros. Dessa forma os sistemas hipermídia mudam com as dinâmicas e especificidades dos sistemas numéricos (simultaneidade, flexibilidade, velocidade, tempo real, não sequencialidade, interatividade, capacidade de armazenamento, interconexões...) e, consequentemente, redimensionam o seu corpo virtual volátil incorporados a partir dos elementos estruturais característicos dos suportes pré-informáticos de base técnica como os sistemas fotoquímicos (cinema e fotografia), o jornal, a revista, o rádio, os sistemas visuais de base eletrônica como o vídeo e a televisão e os modos de articulação pré técnicos que igualmente envolvem códigos de natureza diversa de natural verbal, visual e sonora. No âmbito da hipermídia algumas mídias, agora expandidas, ganham fôlego diferenciado e outras são re-estruturadas a exemplo do livro eletrônico, da webrádio, da webTV, plataforma IPTV em que o usuário personaliza a sua programação televisual que é enviada desde um satélite ou banco de dados com armazenamento criptografados em “nós locais”, as revistas eletrônicas, bibliotecas virtuais, e, inclusive, desenvolvimento de páginas dinâmicas com design orgânico que outorgam ao usuário a possibilidade de movimentar-se através dos enlaces, mapas, diagramas, animações virtuais, comentários, buscas temáticas, estocar informações e
compartilhar
conteúdos na própria rede. No ambiente hipermídia por meio dos percursos pré-formatados sob forma de circularidade, o usuário pode desenvolver situações paratáticas realizando múltiplos caminhos e ao mesmo tempo trabalhar como janelas, consultas on-line enquanto desenvolve atividades off-line. Esse ambiente com suas formas de ordenamento complexo se auto-regula meio a uma aparente desordem oceânica onde diferentes usuários identificados, fakes, crakers, nômades ou tribos diversas trafegam produzindo 224
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as suas marcas e os índices simultâneos, compartilhados ou transmutados por outros usuários moventes. Neste sentido, todo ambiente hipermídia, desde a sua estruturação ao acesso interativo compartilhado, pode ser plenamente compreendido como um modelo semiótico de representações fluídas cujas interfaces com os usuários, geram novas referências. De certa forma, esse ambiente imita a capacidade cerebral de atuar por livre associação, paralelismos e analogias (NUNES: 2008). A hipermídia se estrutura como uma rede semântica de informações que nos permite uma compreensão multidisciplinar por sua natureza, sua capacidade plurisígnica, sua estrutura labiríntica, a participação imersiva do usuário e a leitura sinestésica que mobiliza os sentidos. Núria Vouillamoz define hipermídia como un sistema abierto sin limites ni márgenes, desde el momento que permite navegar de um modo a outro em uma estructura infinita que nos reconoce principio ni fin: como esquema conceptual, es plurisignificativo en tanto que ofrece múltiples recorridos, multiples accesos y lecturas, de manera que es posible reconecer uma cierta analogia entre el modelo hipertextual desarrollado por la informática y el polisemantismo del texto reclamado desde el campo de la literatura. (VOUILLAMOZ, 2000:74).
Num nível simbólico, os sistemas hipermídia apresentam algumas características provenientes do texto poético, sobretudo em sua estruturação fragmentária bifurcada que gera múltiplas possibilidades de percursos ao usuário e, também, pela polifonia de vozes que ecoam no ambiente labiríntico. No entanto há de se destacar que a estruturação não sequencial e a presença de várias matizes semióticas (texto, imagem e som) não significam, por si só, que a mensagem ou a cultura produzida no ambiente seja poética. Os autores do texto poético/arte eletrônica possuem a consciência da linguagem em sua complexidade, do manejo das diferentes textualidades e, sobretudo, são conscientes da forma de ordenação do significante. A natureza de uma mensagem poética há de pensar-se para um sistema de representação e recepção ou acesso específico. Muitas vezes a Mídias Digitais & Interatividade
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sua articulação significante reflete a própria linguagem ou mesmo a sua organização significante permite múltiplas leituras do mesmo objeto. Em síntese, um texto criativo produzido no ambiente hipermídia tem que ter em conta alguns elementos: a natureza desse novo ambiente, sua abertura conceitual não somente com relação aos percursos, o diálogo intertextual, a conotação que gera novos signos, a sincronização dos sentidos e a participação do usuário. Isto significa converter o texto a imagem e o som em uma escritura polifônica5 embasada no arranjo composicional dos signos. Arlindo Machado baseado em Rosentiehl utiliza o termo labirinto como metáfora para a hipermídia e destaca três características: convite à exploração , exploração sem mapa e à vista desarmada e inteligência astuciosa (MACHADO:1997: 149-151). Esses traços associados a hipermídia muitas vezes se interpenetram visto que um usuário desatento em uma exploração específica pode transformar o seu percurso afinando a sua percepção para trajetórias específicas. No entanto, percebemos que muitas produções e experiências hipermidiáticas disponíveis ou vivenciadas no ciberespaço ainda não assimilaram as especificidades simbólicas inerentes ao ambiente descontínuo e imaterial. São propostas lineares em sua forma de apresentação não passam de meras transposições lineares no ciberespaço. Em maior ou em menor grau essas produções são importantes, mas não apresentam os traços de inovação necessária quanto ao aspecto formal, os modos de combinação e produção de conteúdo que demandam os sistemas hipermídia. Muitas dessas possibilidades já estão previamente configuradas em diferentes softwares e sequer são exploradas. Por outro lado, apesar da juventude dos sistemas hipermídia, também percebemos a existência de propostas criativas avançadas que exploram mais radicalmente o potencial inerente das estruturas rizomáticas, os jogos de navegação previamente pensados, as articulações orgânicas entre o verbal, o visual, o sonoro, o estático, o dinâmico e o silêncio. Refletem como já dissemos o movimento do conhecimento com projeção na cultura. Trata-se de experiências compartilhadas em centros de
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investigação multidisciplinares, coletivos grupos da iniciativa privada, universidades e projetos que enlaçam arte, ciência e tecnologia. Nessa perspectiva de análise Arlindo Machado na apresentação em O Labirinto da Hipermídia: arquitetura e navegação no ciberespaço advoga o seguinte: Passados os primeiros momentos de euforia com a descoberta das possibilidades das novas máquinas, passado o deslumbre diante da pura novidade técnica da interatividade, é chegada a hora da verdade, quando artistas, criadores, críticos e investigadores em geral (não apenas técnicos de laboratório) deverão propor formas mais orgânicas e novas estruturas normativas mais adequadas às arquiteturas permutativas. (LEÃO, 1997:162).
Nesse sentido há que se destacar que os sistemas hipermídias requerem uma dimensão estética própria, sobretudo quanto ao aspecto da interatividade, estimulação sincronizada, simulação dinâmica entre outros. Possuem especificidades de linguagem que também resultam da mescla de outras linguagens. Trata-se de especificidades em construção, visto que no processo de delineamento dessa ‘nova mídia’ há contaminações provenientes de outras mídias e, sobretudo, por que a hipermídia funciona como espaço de convergência dos diversos meios existentes na atualidade com o papel relevante do usuário na construção de suas próprias narrativas, por vezes, voláteis. Lúcia Santaella em Hipermídia: a trama estética da textura conceitual ressalta a multidimensionalidade da hipermídia destacando o papel do usuário. Além de permitir a mistura de todas as linguagens, textos, imagens, som, mídias e vozes em ambientes multimidiáticos, a digitalização que está na base da hipermídia, também permite a organização reticular dos fluxos informacionais em arquiteturas hipertextuais... o poder definidor da hipermídia está na sua capacidade de armazenar informações, e através da interação do receptor, transmuta-se em incontáveis versões virtuais que vão brotando na medida mesma em que o receptor se coloca em posição de co-autor. Isso só é possível devido à estrutura de caráter hiper, não sequencial, multidimensional
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que dá suporte as infinitas ações de um leitor imersivo. (BAIRON; PETRY, 2000:8-9).
Notamos que os sistemas hipermídias pensados como uma espécie de rede contextual formada por fragmentos de informações diversificadas com textos, construções tridimensionais, animações, enlaces, mapas de navegação e áudio, estabelecem uma ruptura com a noção narrativa de principio, meio e fim, rompem ainda mais com o conceito de autor, valorizando a autoria compartilhada. Mas também é necessário destacar que há textos somente para leituras, visto que “no todos los sitemas de hipertexto actuales incluen la democratizante y crucial caracteristica de permitir al lector contribuir al texto”. (LANDOW, 1997:32). A tendência nesse novo regime de informação multilinear é que o usuário/leitor, também co-autor, experimente percursos próprios, associe livremente informações do seu interesse e salte de um ambiente virtual para outro a partir de suas escolhas e das possibilidades programadas. Biron e Petry endossam que na estrutura hipermidiática: O leitor é destronado de seu exclusivo recurso de leitura e assume a missão de criador de rotas e picadas, os atalhos sobre os comandos de ‘buscar’ etc. são visivelmente poderosos e o leitor pode se aproximar de um escritor. O atalho pode está numa cor, numa forma, num som etc. (BAIRON; PETRY, 2000:54).
Particularmente, o texto, a imagem e o som em ambientes hipermídia são reconfigurados, pois se materializam em estado potencial. Essa fluidez significante dos sistemas hipermídia apresentada como forma favorável de organizar, armazenar, editar e construir conhecimentos que expandem a capacidade humana ao serem dispostos e compartilhados de diferentes processos abertos como redes de relacionamento, net arte, web arte, simulações interativas, videojogos, wikis, youtube, flickr, second life, orkut, videoconferência, blogs, moblogs, vlogs, sistemas de busca e indexação entre outros.
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De certa forma, os sistemas hipermídias e o ciberespaço nos convidam para reflexões mais centradas em suas complexidades mutantes e a produção de sociabilidades mediadas.
Considerações Finais Percebemos que o ciberespaço tem sido considerado por alguns autores mais céticos como uma espécie de esgoto público mundial constatando-se o crescimento do ciber sexo, do comércio eletrônico e a própria a existência de mecanismos de controle. Há de se extrair as reais potencialidades dos sistemas hipermídia interligados ao ciberespaço como ferramentas de interação e que processualmente interferem nos distintos campos do conhecimento que contaminam as práticas culturais em suas singularidades e pluralidades contextuais. Se por um lado caracterizamos, ao longo deste artigo, o ciberespaço enquanto um espaço virtual fluído e dinâmico agregado aos sistemas hipermídia por outro, destacamos que essa nova lógica digital opera com a liberação da produção, aumentos das formas de cooperação, a disponibilização e o tráfego intenso de diferentes ordens sígnicas multimídia. Essa teia virtual nomeada como ciber-cultura-remix (LEMOS:2005) está amparada em uma infra-estrutura tecnológica e econômica que necessita ser redimensionada não somente quanto a sua dimensão técnica, tecnológica e política, mas sim, ser ainda radicalmente transformada no que se refere ao papel direto dos usuários e desenvolvedores de conteúdos. Isso implica em afirmar que o potencial emancipatório presente em raras propostas na rede deve ser perseguido com muito mais força criativa. Há de observar no presente as tendências futuras por meio de mobilização de saberes transdisciplinares para o desenvolvimento de projetos colaborativos, diferenciais, interativos e, até mesmo, observar com maior acuidade as experiências de natureza transitória que pipocam na rede. Há de se ter sempre em conta que esses processos de significação enlaçados como partes integrantes desse contexto estão carregados de ambiguidades e contradições, Mídias Digitais & Interatividade
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mobilizam diferentes códigos entrecruzados com a emergência de novos formatos midiáticos que adquirem especificidades semióticas inerentes ao próprio locus digital. Essas experiências reconfiguram a dimensão comunicacional integrante do cenário mutante da sociedade contemporânea marcada por paradoxos e formas de exclusão. Faz-se necessário reconstruir criativamente o ambiente da hipermídia com novas formas de comunicação muito mais orgânicas e sincrônicas por se tratar de um espaço dinâmico onde a dimensão tecnológica sempre se transforma e interage com a dimensão cultural e englobam a dimensão social e coletiva da rede. De certa forma, os sistemas hipermídia e o ciberespaço nos convidam para reflexões mais centradas em suas complexidades mutantes e produções cada vez mais descentralizadas.
Notas 1
Artigo inicialmente publicado na revista eletrônica Fórum Media – Portugal. Foi revisto e atualizado para publicação em versão impressa para o presente livro: Mídias Digitais & Interatividade.
2
Esse potencial concreto de abertura da rede, o aumento sistemático de usuários e o processo de trocas de informações em tempo real tem desencadeado mecanismos de controle e espionagem da informação em países como a China, Irã, Arábia Saudita, Cazaquistão, Geórgia entre outros. A China através de seu Escritório de Gestão da Informação pela internet criou uma rede de vigilância virtual que mobiliza diretamente técnicos do governo e softwares de filtragem para remoção de conteúdos indesejáveis, veto a blogs, bloqueio ao acesso aos periódicos como The New York Times e Ming Pao News e a proibição da circulação de artigos. Outro exemplo desse mecanismo de espionagem é o ECHELON desenvolvido pela National Security Agency (NSA) dos Estados Unidos em consórcio com vários países europeus. O ECHELON pode interceptar diferentes informações por satélite, fibra ótica ou microondas de qualquer parte do planeta. As mensagens interceptadas podem ser gravadas, meticulosamente examinadas, traduzidas, transcritas e enviadas ao centro de espionagem em tempo real.
3
O prefixo hiper significa acima, posição superior ou mais além. O termo hiper foi utilizado na física por Einstein para descrever um novo tipo de espaço na teoria da relatividade, o hiperespaço: espaço visto de outro modo.
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4
Os autores Luis Bugay e Vânia Ulbricht no livro Hipermídia definem agentes inteligentes como “uma entidade computacional que excuta tarefas delegadas pelo usuário autonomamente. As origens das tecnologias de agentes inteligentes são embasadas na inteligência computacional, engenharia de software e domínios da interface humana”. Segundo os mesmos autores, os atributos dos agentes inteligentes são os seguintes: delegação, habilidade de comunicação, autonomia monitoramento, atuação e inteligência. P 114-115
5
Termo inicialmente empregado por Mikail Baktin. Também adotado por Sergei Eisenstein referindo-se a um tipo de montagem cinematográfica que valoriza os elementos significantes da obra fílmica em forma de composição (montagem polifônica). A escritura polifônica nos sistemas hipermídia deve ser entendida como a articulação sonoro-visual de textos verbais, não verbais, movimento e áudio.
Referências BUGAY, Edson Luis, ULBRICHT, Vânia Ribas. Hipermídia. Florianópolis: Bookstore, 2000. BAIRON, Sérgio, PETRY, Luís. Hipermídia: psicanálise e história da cultura. São Paulo: Ed. Mackenzie, 2000. LEÃO, Lúcia. O labirinto da Hipermídia: arquitetura e navegação no ciberespaço. São Paulo: Iluminuras, 1999. LANDOW, George P.(Comp.) Teoría del hipertexto. Barcelona: Paidós, 1997. LANDOW, George P. Hipertexto. Barcelona: Paidós, 1995. LEMOS, André. Ciber-Cultura-Remix. In Cinético Digital. São Paulo: Itaú Cultural, 2005. _________. Andar, clicar e escrever hipertextos. Disponível em: <http://www.facom. ufba.br/hipertexto/andre.html> Acesso em: 20.12.2008. LEVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 2000. _________. Cibercultura. Rio de Janeiro: Ed.34, 1999.
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MACHADO, Arlindo. Hipermídia: o labirinto como metáfora. In Diana Domingues (Org.) A arte no século XXI. São Paulo: Ed. UNESP, 1997. NUNES, Pedro. Processos de significação: hipermídia, ciberespaço e publicações digitais. Revista Fórum Media. Disponível em: <http://www.ipv.pt/ forumedia/6/8.pdf > Acesso em 28.01.2009. _________. A memória fractalizada. In Revista Ágora N.2 . Disponível em: <http:// www.weblab.unp.br/agora > Acesso em 20.05.2008. RÜDIGER, Francisco. Introdução às teorias da cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2007. SANTAELLA, Lúcia . Navegar no ciberespaço. São Paulo: Paulus, 2004. _________. Cultura e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2004.
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Rádio Digital: desaios presentes e futuros ...........................185 Elton Bruno Barbosa PINHEIRO Pedro NUNES FILHO
Interatividades na mídia ...............................................................203 Matheus José Pessoa de ANDRADE
Hipermídia: diversidades sígnicas e reconigurações no ciberespaço ...................................................................................... 219 Pedro NUNES FILHO
A cibernotícia como reconiguração da atividade jornalística no ciberespaço ..........................................................233
Sumário
Rodrigo Rios BATISTA
Educação Mediada por Interface: A mensagem pedagógica da hipermídia....................................................................................255 Rossana GAIA Nasson Paulo Sales NEVES
Mídias digitais: acessibilidade na web e os desaios para a inclusão informacional ..................................................................275 Joana Belarmino de SOUSA
YouTube: artes, invenções e paródias da vida cotidiana. Um estudo de hipermídia, cultura audiovisual e tecnológica ........................................................................................285 Cláudio Cardoso de PAIVA
Espaços públicos de inclusão digital: comunicação, políticas e interações .......................................................................................305 Juciano de Sousa LACERDA
Em busca do tempo perdido: Espaço e progressão dramática em Fahrenheit .............................................................323 Mauricio PELLEGRINETTI
O potencial narrativo dos videogames ...................................341 João MASSAROLO
Artemídia e interatividade na constituição do bios midiático: um estudo sobre as relações entre comunicação e estética.............................................................................................369 Maurício LIESEN
Sobre os Autores..............................................................................391
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Conceitos de interatividade e suas funcionalidades na TV digital 12/06/2008
Deisy Fernanda Feitosa* Kellyanne Carvalho Alves** Pedro Nunes*** Resumo A chegada da TV digital no Brasil dá margem para discussões acerca do conceito interatividade. A ferramenta ainda é uma constante enigmática para os que constroem a nova tecnologia de TV, já que está em fase de descoberta. A interatividade é considerada por muitos o portal democrático da tecnologia digital. No entanto, os conceitos formulados para o uso da palavra têm sido utilizados de forma bastante genérica. Pensando nisso, resolvemos trazer neste artigo diferentes pontos de vistas de teóricos da comunicação sobre o assunto, nas diversas áreas do conhecimento. Eles traçam um paralelo entre o que seria interatividade e interação, e mostram ainda porque estas palavras têm uma profunda ligação de sentidos. A intenção é fazer o público conhecer níveis que oferecem inúmeras possibilidades de aplicação da palavra interatividade. 1 Introdução O desenvolvimento da tecnologia de televisão digital oferece vantagens que revolucionam o mercado televisual no mundo, podemos citar como exemplo a alta definição de imagem, qualidade de som e ampliação do número de canais. Mas a ferramenta considerada o diferencial para o sucesso da TV digital é a interatividade. Porém, frequentemente o termo é empregado com diferentes conceitos e para inúmeros fins. Quando se pensa atualmente na palavra interatividade logo se imagina que é uma situação em que as pessoas podem de alguma forma participar ou tenham a sensação de estar participando de algo. Marco Silva (1995) em “O que é interatividade” exemplifica o uso indevido da palavra ao destacar o “cinema interativo”, no qual o público tem a sensação de vivenciar o que está vendo na tela, através de movimentos que a poltrona faz mediante o que está sendo exibido. Mas será que realmente isso é interatividade? Ou interatividade é uma relação em que as pessoas têm diversos papéis?
Primeiro para que saibamos melhor o conceito de interatividade, é importante que se diferencie interação de interatividade, devido ao grande equívoco que se tem feito em torno da palavra. Esta confusão de sentidos levou estudiosos da área a expressarem uma grande insatisfação quanto à vulgarização do termo interatividade. O que Silva (1995) denomina como sendo uma “indústria”, quando afirma: Hoje muita coisa é definida como interativa. Tenho visto o adjetivo ser usado nos contextos mais diversos. A conseqüência disto é que o termo interatividade tornou-se tão elástico a ponto de perder (se é que chegou a ter!) a precisão de sentido. O termo virou marketing de si mesmo. Vende mídias, vende notícias, vende tecnologias, vende shows e muito mais. É a chamada indústria da interatividade. (SILVA, 1995, p. 01) E esta “indústria” viu no termo interatividade uma boa opção de benefícios mercadológicos. Daí a importância de se entender de fato o que significa interatividade e saber diferencia-la do termo interação. No artigo “Janelas do Ciberespaço”, Luciana Mielniczuh expõe a posição de Nicoletta Vittadini que defende ser necessário identificar múltiplas relações com outras formas de comunicação para se entender e traçar o sentido de interatividade. Essa relação poderia ser estudada através da palavra interação. “... o conceito de interação, identificado com qualquer campo do saber, abrangendo as ciências exatas e humanas,
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refere-se a um tipo de ação que envolve vários sujeitos.” (Vittadini 1995 apud Mielniczuh, 2001, p.173). A interatividade é promovida através de um meio que permite a interação entre as pessoas. Mielniczuh reforça essa definição ao citar: “A interatividade seria um tipo de comunicación posible gracias a las potencialidades específicas de unas particulares configuraciones tecnológicas (Vittadini, 1995, p.154), cujo objetivo é imitar, ou simular, a interação entre as pessoas”. (Vittadini 1995 apud Mielniczuh, 2001, p.174) O dicionário Aurélio (2001) diz que: “interação é ação que se exerce mutuamente entre duas ou mais coisas, ou duas ou mais pessoas.” De acordo com levantamento etimológico, a origem da palavra é bastante antiga e possui diferentes sentidos quando aplicada nas ciências. A Física trabalha com vários tipos de interação para explicar seus fenômenos, dentre eles, a interação gravitacional que é “uma força de longo alcance que atua sobre corpos que têm massa ou energia, exercendo uma atração mútua entre eles”. (Aurélio, 2001) Enquanto a Sociologia encontra na interação a oportunidade de estudar as relações que o homem mantém com ele mesmo e o meio em que vive, denominando-a como as relações que existem entre homem/homem, homem/meio/ação. A Teoria da Comunicação estuda o sentido da interação a partir do processo comunicacional, onde respostas são dadas aos estímulos, ou seja, a reação do receptor frente ao emissor e a mensagem/conteúdo e vice-versa. O significado da palavra vai se definindo e se incorporando de acordo com o campo de estudo, tendo em vista, por exemplo, a Biologia, que encontra uma denominação de interação totalmente diversa da Psicologia, e assim por diante. Devido aos inúmeros sentidos empregados ao termo interação, e também considerando o contexto vivenciado na década de 60, que expressa a luta contra a passividade imposta ao receptor pelos meios de comunicação, a Informática prefere usar um novo termo para expressar a relação do computador/homem. Isso porque se deseja uma relação mais íntima entre o usuário e a máquina. (SILVA, 1995) Silva (1995) explica bem esta afirmação, no artigo “O que é interatividade”, quando faz um comparativo entre Pierre Lévy e Gilles Multigner. Silva encontra em Gilles (1994) a transformação da palavra interação para interatividade ao destacar que o conceito de 'interação' vem da Física, sendo depois incorporado pela Sociologia, pela Psicologia Social e, somente na Informática modifica-se para 'interatividade'. (MULTIGNER, 1994) De outro lado, Pierre Lévy (1993) em “As tecnologias da inteligência” ressalta a descrição equivocada do computador feita pelos informatas até a década de 70, como: “uma máquina binária, rígida, restritiva, centralizadora, que não poderia ser de uma outra forma”. (LÉVY, 2001: 57) Com isso, Marco Silva (1995) observa que: “seria, provavelmente, nessa época de transição da máquina rígida para a máquina conversacional, que os informatas, insatisfeitos com o conceito genérico de "interação", buscam no termo interatividade a nova dimensão conversacional da informática”. (SILVA, 1995: 02) Ainda sobre o surgimento da palavra interatividade, Suely Fragoso (2001) acrescenta que ela é criada a partir de um neologismo do termo “interactivity”, durante a década de 60. Na expressão os estudiosos da Informática procuram buscar uma nova significação para a comunicação entre computador e o homem, tendo como princípio a melhor qualidade entre suas relações no que se refere à agilidade, facilidade e maiores possibilidades de comunicação. O sentido de interatividade empregado pela Informática é reforçado por André Lemos (1997), que entende como sendo nada mais do que uma progressão das possibilidades oferecidas pela interação analógica existente nas mídias tradicionais. Já com o computador, a comunicação ocorre de forma “eletrônico-digital”, ou seja, o usuário pode dar os comandos diretamente à máquina sem ser preciso, para isso, outros meios. Lemos (1997) deixa claro que a interatividade se restringe a uma interação técnica entre o homem e a máquina. Da mesma idéia compactuam os pesquisadores Montez & Becker (2005) que colocam a máquina como responsável pela fronteira que separa as duas palavras. “A interação pode ocorrer diretamente entre dois ou mais entes atuantes, ao contrário da
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interatividade, que é necessariamente intermediada por um meio eletrônico (usualmente um computador)” (MONTEZ & BECKER, 2005, p.49). Porém Silva (1995) se posiciona totalmente contrário a estas denominações e afirma que: A interatividade está na disposição ou predisposição para mais interação, para uma hiper-interação, para bidirecionalidade (fusão emissão-recepção), para participação e intervenção. Digo isso porque um indivíduo pode se predispor a uma relação hipertextual com outro indivíduo. (SILVA, 1995, p. 03) Segundo Silva, a interatividade não é somente a relação entre os homens, nem entre homem/máquina, mas um processo de comunicação bastante complexo em que os atuantes estão dispostos a participar e intervir de uma forma mais profunda. Terminadas as abordagens comparativas, é hora de partirmos para as funcionalidades oferecidas pela palavra interatividade, que pode ser aplicada tanto à internet quanto à TV Digital. 2 Características da Interatividade Autores como Andrew Lippman (1998), André Lemos (1997) e Jonathan Steuer (1992) acreditam que a interatividade necessita de um meio tecnológico mediando a comunicação entre as pessoas. No começo, Lippman, através do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), direciona suas pesquisas para discussão entre homem/máquina, focando mais sua atenção na máquina. Na definição de Lippman (1998, apud Primo & Cassol, 1999), interatividade é ‘atividade mútua e simultânea da parte dos dois participantes normalmente trabalhando em direção de um mesmo objetivo’. (Primo & Cassol, 1999:05) Tempos depois o MIT percebe a importância de trabalhar mais a questão das relações sociais com ambientes interpessoais, deixando agora o computador no segundo plano. Porém, Steuer mantém a denominação de interatividade como uma relação entre a pessoa e o meio físico, sendo determinada pelo estímulo. A afirmação é citada por Primo & Cassol em: “É a extensão em que os usuários podem participar modificando a forma e o conteúdo do ambiente mediado em tempo real.” (Primo & Cassol, 1999: 04) Enquanto Lemos classifica dois tipos de interatividade: a “analógico-eletro-mecânica” e a “interação social”. (Primo & Cassol, 1999) A primeira é a interação entre usuário e máquina e a interação social é o contato entre pessoa/pessoa. Andrew Lippman, conforme estudos de Primo & Cassol (1999), considera cinco elementos fundamentais para que o sistema seja realmente interativo: 1- Interruptabilidade: um ícone que dá autonomia ao usuário de suspender a comunicação. Aqui, a pessoa tem liberdade de cortar ou retornar o processo de acordo com sua vontade, embora a interrupção não deva acontecer de forma arbitrária, sem que tenha um motivo. 2- Granularidade: é uma resposta que o sistema deve emitir para o usuário após ter suspendido o fluxo de informações. Isso serve para que o usuário não pense que o sistema falhou ou fechou, como uma conversa entre indivíduos. Um sinal que remete a uma espécie de stand by. 3- Degradação graciosa: quando o sistema não tem resposta para uma indagação, a operação não pode acabar, mas sim oferecer outras fontes de navegabilidade para o processo continuar. Ou seja, o usuário deve ter opções de ajuda para encontrar a resposta desejada. 4- Previsão Limitada: O sistema deve se programar para diferentes tipos de indagações, procurando contextualizá-las. Geralmente, não é possível prever tudo, mas para isso, o sistema deve ter um banco de dados com possibilidades de permutação infinita que admita ao usuário conseguir a informação desejada. 5- Não-default: pode ser considerado como o princípio maior de liberdade na interatividade, ou seja, nele não há barreiras que impeçam a movimentação e escolhas do usuário dentro do sistema. Aqui, o participante pode interromper e redirecionar o processo quando quiser, navegando aleatoriamente pelo espaço virtual.
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Jonathan Steuer (1992 apud Primo & Cassol, 1999:04) sugere três fatores que são fundamentais para que a interatividade aconteça de forma eficaz. Elas são: 1-Velocidade - é o tempo em que o sistema leva para dar a resposta do comando sugerido pelo usuário. O nível de interatividade a que o usuário tem acesso vai depender da velocidade oferecida pelo sistema e é um fator determinante para que a comunicação ocorra em tempo real. 2-Amplitude - é um fator que diz respeito às possibilidades que o sistema oferece para que o usuário interfira no ambiente. Ele determina o grau de intimidade e abertura que o usuário tem com o aplicativo. São as inúmeras opções dadas para que ele navegue e manipule o ambiente interativo. 3-Mapeamento - é o elemento que vai determinar o acesso fácil do usuário aos comandos dos aplicativos. O mapeamento possibilita a relação homem/ambiente. Devem-se criar ícones, cujas opções levem a um fácil entendimento e uma familiaridade do usuário com a função. Luciana Mielniczuh expõe modelos de análise da interatividade estudados por Pierry Lèvy (1999) e Vittadini (1995). A autora destaca que na organização do modelo feito por Lèvy são necessários cinco eixos para se examinar a interatividade. “... pensando em várias mídias ou dispositivos de comunicação, Lèvy vai pensar a interatividade como uma situação bastante complexa...” (ano?:179) Mielniczuh lista os seguintes eixos propostos por Lèvy (p.179): possibilidade de apropriação e de personalização da mensagem; reciprocidade na comunicação; virtualidade; implicação da imagem dos participantes nas mensagens e telepresença. (ano?,:179) Observando-se estes eixos Mielniczuh percebe que o resultado da análise depende do eixo escolhido como parâmetro. O modelo de interatividade que uma mídia obtém está relacionado ao eixo eleito para análise, a mídia pode receber diferentes graus de interatividade. Já no modelo proposto por Vittadini existe duas formas de interatividade, uma é “o processo que tanto pode viabilizar a interação (como seria o caso da comunicação entre duas pessoas através de um computador) como também pode simular esta situação (seria o caso da utilização de sistemas como CD-ROM, bancos de dados, programados para simular o diálogo entre duas pessoas”. (ano?:180). No último caso notamos que a interface que desempenha uma importante função determina as ações interativas. Vittadini (1995, apud Mielniczuh, ano?) considera como critérios para esboçar os níveis de interatividade o tempo de resposta, a qualidade dos resultados e a complexidade do diálogo. A classificação dos níveis feitos por Vittadini se dá da seguinte maneira: - Quanto ao tempo, quanto menor for a demora maior será o grau de interatividade. O ideal seria atingir a simultaneidade dos diálogos; - Quanto à complexidade do diálogo, a classificação do nível de interatividade se dá a partir da comparação com um processo de conversação interpessoal e a capacidade que o sistema possui de simular o comportamento de um interlocutor real. Que pode se dividir em baixa complexidade, sistemas baseados na seleção de respostas através do menu, e alta complexidade, sistema mais complexo porque considera as informações fornecidas pelos usuários em momentos anteriores e pode resultar em novas situações. (Mielniczuh, ano:180) Ainda apresenta a complexidade intermediária que são sistemas interativos que possibilitam a comunicação entre pessoas por meio de mensagens. (Mielniczuh, ano:181) 3 Níveis de Interatividade Em 1964, Marshall McLuhan ao se referir a meios quentes e meios frios em seu livro “Os Meios de Comunicação como Extensão do Homem”, já antevê a classificação geral do termo interatividade nos meios de comunicação. Segundo McLuhan, meios quentes são aqueles que permitem um pouco ou nada de participação e intervenção. Enquanto meios frios, ao contrário dos quentes, admitem uma participação dos usuários, estimulando o desejo de interagir. “O telefone é um meio frio, ou de baixa
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definição, porque ao ouvido é fornecido uma magra quantidade de informação... De outro lado, os meios quentes não deixam muita coisa a ser preenchida ou completada pela audiência. (MCLUHAN, 1964: 38) Os meios frios despertam a curiosidade das pessoas de modo que elas se sintam à vontade e motivadas a usufruir do espaço que lhes foi aberto. É o que ocorre com a TV Digital Interativa, pois para que ela seja interativa é necessário a participação e o interesse dos telespectadores na produção de conteúdos. Não adianta nada o desenvolvimento de tecnologias e softwares na TV Digital se o público não tem vontade de interagir ativamente com a mídia. Rhodes & Azbell (apud Primo & Cassol, 1999, p. 08), classificam interatividade em três níveis, quanto ao controle: a- Reativo – as opções e feedback são dirigidos pelo programa, havendo pouco controle do aluno (usuário) sobre a estrutura do conteúdo; b- Coativo - apresenta-se aqui possibilidades do aluno (usuário) controlar a seqüência, o ritmo e o estilo; c- Proativo - o aluno (usuário) pode controlar tanto a estrutura quanto o conteúdo. Mas Primo & Cassol (1999) também qualificam interatividade mediada a partir de dois modelos: interação reativa e interação mútua. Os autores estudam os modelos através de sete dimensões: 1- Sistema: conjunto de objetos ou entidades que se inter-relacionam entre si formando um todo; 2- Processo: acontecimentos que apresentam mudanças no tempo; 3- Operação: a relação entre a ação e a transformação; 4- Fluxo: curso ou seqüência da relação; 5- Throughput: passam entre a decodificação e a codificação; 6- Relação: o encontro, a conexão, as trocas entre elementos ou subsistemas; 7- Interface: superfície de contato, agenciamentos de articulação, interpretação e tradução. Usando estas dimensões Primo & Cassol (1999) conceituam os tipos de interação: a- Interação Reativa- o sistema é fechado, o processo se dá unicamente por estímulo-resposta. Já quanto à operação, os sistemas se fecham na ação e reação e mantêm uma relação com usuário rígida, causal, baseada no objetivismo. Ela tem o fluxo de informações linear pré-determinado e o throughput como mero reflexo ou automatismo, em que a máquina oferece uma falsa aparência interpretativa. Enquanto a interface se resume ao possível, que espera o clique do usuário para realizar-se. b- Interação Mútua - quanto ao sistema se caracteriza como aberto, seus elementos são interdependentes. O processo se dá por meio da negociação e a operação acontece de forma interdependente, por cooperação. Já a respeito do throughput, cada mensagem recebida, de outro interagente ou do ambiente, é decodificada e interpretada, podendo então gerar uma nova codificação. Ela se caracteriza pelo fluxo dinâmico em desenvolvimento e a relação negociada, ou seja, constantemente construída pelo interagente, baseada no relativismo. Tem sua interface trabalhando na virtualidade.
4 A interatividade na TV A televisão, que é alvo de críticas por ser um meio fechado, unidirecional, agora tem a possibilidade técnica de fazer com que o telespectador participe de forma mais ativa. No processo comunicacional a TV é vista como um simples emissor e o telespectador como receptor que recebe a mensagem através do canal, que é o aparelho. Por mais que isso ocorra, o telespectador apesar de não interagir diretamente com a emissora, interage de outra forma. A interação é descrita por Pierre Lévy (1999): “mesmo sentado na frente de uma televisão sem controle remoto, o destinatário decodifica, interpreta, participa, mobiliza seu sistema nervoso de inúmeras maneiras, e sempre de forma diferente de seu vizinho”. (LÉVY, 1999, p. 79)
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Devido ao desenvolvimento tecnológico da Televisão, o teórico André Lemos (1997 apud Montez & Becker, 2005), define os diferentes estágios de interatividade que o veículo vem proporcionando ao longo dos tempos, como podemos ver a seguir: Nível 0: a TV em preto e branco, com apenas um ou dois canais. A interatividade aqui, se limita à ação de ligar ou desligar o aparelho, regular volume, brilho ou contraste. Com dois canais, só resta apenas acrescentar a possibilidade de mudar para outra emissora. Nível 1: aqui aparece a TV em cores e outras opções de emissoras. O controle remoto vai permitir que o telespectador possa zappear, isto é, navegar por emissões e pelas mais diversas cadeias de TV, instituindo uma certa autonomia da “telespectação”. O zapping é assim um antecessor da navegação contemporânea na Web. Nível 2: é o estágio em que alguns equipamentos juntam-se à televisão, como: o vídeo, as câmaras portáteis ou as consoles de jogos eletrônicos. Isso permite que o telespectador se aproprie do objeto TV, tendo a oportunidade de ver vídeos ou jogar, e das emissões, gravando e assistindo o programa na hora que quiser. Aplica-se aqui uma temporalidade própria e independente do fluxo das mesmas. Nível 3: neste nível aparecem sinais de uma interatividade com definições digitais. O público pode interferir no conteúdo emitido a partir de telefone, fax ou e-mail.
Nível 4: é a chamada “televisão interativa”. Possibilita a participação do telespectador no conteúdo por meio da rede telemática, em tempo real. O que permite a escolha de ângulos e câmeras, e etc. Para Lemos (1997), há uma evolução da tecnologia analógica até chegar à digital, onde no nível 4 o telespectador deixa de ser apenas um receptor de conteúdo. No entanto, Montez & Becker (2005) são contrários a esta afirmação, porque na visão deles isto não chega a ser ainda uma apropriação da tecnologia interativa. “No nível 4 o telespectador ainda não tem controle total sobre a programação. Ele apenas reage a impulsos e caminhos predefinidos pelo transmissor. Isso ainda não é TV interativa, pois contradiz a característica do não-default, definida por Lippman, 1998.” (Montez & Becker, 2005, p. 53) 5 Interatividade na TV Digital A TV Digital Interativa surge como uma nova oportunidade para os telespectadores que sempre sonharam em exercer um papel mais ativo frente à televisão. É fácil imaginar algumas opções que esta TV poderá proporcionar ao seu público. Só é difícil saber até onde vai seu desenvolvimento, tendo em vista as infinidades de produtos que estão sendo concebidos e outros que talvez os pesquisadores da área ainda nem sequer pensaram na possibilidade de existir. A TV Interativa é o resultado de uma união de tecnologias televisuais, analógica e digital, com a computação, interligada ou não, à internet. A bidirecionalidade surge como principal característica da mídia. A partir dela “o operador conversa com a máquina dando e recebendo informações na forma falada, escrita, gráfica e visual no monitor de visualização.” (PLAZA, 1993:72-75) A bidirecionalidade vem a ser uma variável para que a tecnologia cumpra o seu objetivo. É com ela que vai haver uma inversão de papéis na comunicação midiática, como explica Silva (1995): Só existe comunicação a partir do momento em que não há mais nem emissor nem receptor e, a partir do momento que todo emissor é potencialmente um receptor e todo receptor é potencialmente um emissor. Portanto, comunicação é bidirecionalidade entre os pólos emissor e receptor, ou seja, comunicação é troca entre codificador e decodificador sendo que cada um codifica e decodifica ao mesmo tempo. (SILVA, 1995, p. 07-08) O processo de definição de emissor e receptor ainda deve levar um tempo, por não se ter uma descrição fixa da mídia, pois ela está em fase de ampliação e evolução. A tendência é que os níveis de interatividade sejam disponibilizados à medida que ocorra a
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implementação da TV Digital. Mas mesmo assim, alguns autores já estão formulando conceitos de TV Interativa. A pesquisadora Adriana Santos após citar Sabattinni (2000), conceitua: A TV interativa propriamente dita é uma tecnologia que integra o acesso à Internet e a recepção de canais de vídeo, uma interface combinada de Internet/TV/telefone ou net e TV a cabo, no mesmo aparelho, o que permite inclusive, no segundo caso, dispensar a linha telefônica. (SANTOS, 2003, p.04) Usando a mesma linha de pensamento, SOUSA et al, em Treinamento em TV Digital Interativa, define TV Digital como: “a fusão da TV tradicional com tecnologias de computação, buscando permitir aos usuários da TV o acesso, a custo reduzido, a um grande número de serviços com os quais possam interagir”. (SOUSA et al, 2006, p:15) Enquanto Montez & Becker (2005) consideram a TV Interativa como uma nova mídia: “Não é uma simples junção ou convergência da internet com a TV, nem a evolução de nenhuma das duas, é uma nova mídia que engloba ferramentas de várias outras, entre elas a TV como conhecemos hoje e a navegabilidade da internet”. Montez & Becker (2005) acrescentam aos níveis de interatividade definidos por André Lemos (1997) mais três estágios que podem vir a representar a nova mídia. À medida que o nível vai aumentando, a interatividade acontece gradativamente até seu ponto mais alto, considerado como pró-ativo. Nível 5: o telespectador pode ter uma presença mais efetiva no conteúdo, saindo da restrição de apenas escolher as opções definidas pelo transmissor. Passa a existir a opção de participar da programação enviando vídeo de baixa qualidade, que pode ser originado por intermédio de uma webcam ou filmadora analógica. Para isso, torna-se necessário um canal de retorno ligando o telespectador à emissora, chamado de canal de interatividade. Nível 6: a largura de banda desse canal aumenta, oferecendo a possibilidade de envio de vídeos de alta qualidade, semelhante ao transmitido pela emissora. Dessa forma, a interatividade chega a um nível muito superior à reatividade, como caracterizado no nível quatro de Lemos (1997). Nível 7: aqui, a interatividade plena é atingida. O telespectador passa a se confundir com o transmissor, podendo gerar conteúdo. Este nível é semelhante ao que acontece na atualmente na internet, onde qualquer pessoa pode publicar um site, bastando ter as ferramentas adequadas. O telespectador pode produzir programas e enviá-los à emissora, rompendo o monopólio da produção e veiculação das tradicionais redes de televisão que conhecemos hoje. A TV interativa também recebe denominações de acordo com os tipos de serviços que a interatividade dispõe. Podemos conhecer a seguir 10 classificações citadas por Sousa et al (2006), a partir de Ken Freed (2000): Enhanced TV: consiste na disponibilização de informações adicionais à programação da televisão. Os dados são enviados juntamente com o sinal de vídeo, podendo ou não ser acessados. Sinopses de filmes, estatísticas de jogos, propagandas interativas simples e até mesmo as versões de teletexto para TV Digital são consideradas aplicações de Enhanced TV. Individualized TV: muitas vezes classificadas como Enhanced TV, estas aplicações oferecem uma experiência personalizada a quem assiste TV. O termo engloba aplicações que permitem ao usuário a escolha de ângulos de câmera e a possibilidade de visualizar replays de cenas em jogos esportivos e corridas automobilísticas, como também em shows de televisão. Admite também a função ReplayTV, que permite gravação de conteúdo da programação. Personal TV: é usado para aplicações de PVR (Personal Vídeo Recorder), que é o gravador digital de vídeo. A função consente receber dados da programação, atuando em conjunto com Guias Eletrônicos de Programação, de forma a permitir a gravação de programas por nome, horário, atores e outras possibilidades que não existem atualmente.
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Internet TV: por aplicações de Internet TV, entende-se aplicações de e-mail, chat, navegação Web, enfim, serviços de Internet aplicados para a televisão. Estes tipos de serviços precisam ser adaptados para o ambiente de TV. On-demand TV: designa aplicações de disponibilização de programação sob demanda, como filmes, programas, shows e noticiários. Este tipo de aplicação exige um grande investimento em infra-estrutura de rede e de servidores de vídeo, além do pagamento dos direitos autorais do conteúdo personalizado. Play TV: são aplicativos de vídeo-game na TV. Jogos multiusuários e monousuários fazem sucesso em computadores e consoles e se espera que essa mesma performance se repita na TV Interativa. Banking & Retail TV: são aplicações de banco e comércio eletrônico aplicadas para a televisão. Já as aplicações de comércio eletrônico pela TV, também chamadas de t-commerce, possibilitam desde uma simples requisição de catálogo até a compra efetiva do produto. Com Banking & Retail TV, uma simples propaganda veiculada num programa de TV pode gerar várias compras. Educational TV: são aplicações voltadas para a educação, seja ela para ensino fundamental, médio ou superior. Este serviço comporta aplicações de ensino à distância e de suporte ao ensino. Community TV: aqui estão os serviços de interesse comunitário, como votações e veiculação de informações. Outro termo também utilizado para o tipo de serviço é ICHE TV, ou seja, serviços para comunidades específicas. Global TV: designa o acesso, sob demanda, à programação internacional com tradução automática de idiomas. 6 Considerações O termo interatividade apesar de ser objeto de diversos estudos, ainda não possui nenhum conceito preciso e unânime de sua significação. Neste estudo podemos perceber que há uma preocupação e interesse por parte dos pesquisadores em conceituar a palavra interatividade. Mas entre os estudiosos existe uma discordância dos critérios que determinam a caracterização do termo interatividade. Percebemos que é necessária uma definição precisa para a palavra interatividade. E a partir deste conceito, se possa empregar definições específicas para o termo interatividade de acordo com a mídia utilizada; bem como medir as funcionalidades e necessidades do meio de comunicação. No caso da TV Digital, é preciso estabelecer parâmetros para a interatividade, tendo em vista sua capacidade e limitação. Vimos também que etimologicamente a palavra interatividade, para alguns campos do saber, está intimamente ligada à palavra interação. É como se interatividade fosse um desdobramento ou uma adaptação de significação do termo interação. Uma forma de atender a necessidade de se criar um sentido para representar as ações e possibilidades na relação ente o usuário/meio/usuário oferecida por alguns meios. Esta relação íntima e recíproca, ao menos é o que se espera, torna-se possível no contexto atual devido a convergência tecnológica, onde diferentes mídias se reúnem em uma nova mídia ou um meio que engloba possibilidades que antes eram apenas ofertadas por outras mídias. Um exemplo de aprimoramento tecnológico é a TV Digital, onde se permite uma associação de meios como a TV e internet. A intenção do Governo e alguns pesquisadores é que no Brasil a TV Digital juntamente com a interatividade possa promover ao telespectador entretenimento aliado à prática da educação e cidadania. Todos os sujeitos envolvidos com a implementação desta tecnologia, principalmente nas áreas da Engenharia da Computação, Comunicação e fabricantes devem conhecer melhor os conceitos que se reportam de forma mais fiel ao que seria realmente a palavra. Existe uma necessidade da conceituação da palavra antes que seja aplicada erroneamente, já que a interatividade é uma ferramenta da convergência tecnológica e ocupará um grande papel para a comunicação da nova era. Desta forma, podem-se desenvolver possibilidades interativas de uma forma mais eficaz, responsável e dinâmica. Segundo teóricos estudados acima, a interatividade ocorre por meio de
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etapas. Trata-se de um processo que vai sendo construído e ganhando definições práticas. A dificuldade também reside no fato de que as formas de interatividade ainda não estão definidas. É um universo em construção e expansão. Um campo de experimentação com possibilidades infinitas. Referências AIRES, Joanez e ERN, Edel. Os Softwares educativos são interativos? Trabalho apresentado na dissertação de Mestrado defendida em outubro/2000, no PPGE/UFSC, orientada pela Drª Edel Ern e intitulada Softwares Educativos: uma tecnologia de informação e comunicação na educação. Disponível em <http://www.lelic.ufrgs.br/provia/pdfs/softwares_educativos.pdf.> Acesso em 05 de maio de 2007. BECKER, Valdecir e Montez, Carlos. TV digital interatitva: conceitos, desafios e e perspectivas para o Brasil. 2 ed.ver. ampl- Florianópolis: Ed: da UFSC, 2005. 201 p.:grafs.,tabs., 2005 p. 200 grafs.
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* Deisy Fernanda Feitosa e ** Kellyanne Carvalho Alves são do Departamento de Informática (Lavid) – Universidade Federal da Paraíba (UFPB). * Pedro Nunes Neto é do Departamento de Comunicação Social – Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Este artigo é um resumo de parte do relatório de conclusão do Curso de Comunicação Social – Radialismo - da UFPB “TV Digital e processos de interatividade – Desenvolvimento de protótipo interativo para telejornal educativo do Canal Futura ”, com a orientação do professor do Departamento de Comunicação Social da UFPB, Pedro Nunes Filhos e co-orientação do professor do Departamento de Computação, Guido Lemos de Souza Filho.
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PROCESSOS DE SIGNIFICAÇÃO: HIPERMÍDIA, CIBERESPAÇO E PUBLICAÇÕES DIGITAIS
Pedro Nunes Filho1 Os sistemas hipermídia apresentam características dinâmicas em termos de construção significante, disseminação de conhecimentos e produção de sentidos que diferem dos processos midiáticos que precedem os suportes digitais. O principal traço do que podemos denominar hipermídia2 é a conjunção básica de três elementos que se associam a outros: imaterialidade, interatividade e velocidade. Isso implica em afirmar que os diferentes processos de construção sígnica na esfera digital operam com informações vinculadas, interconexões de narrativas, multiplicidade, instantaneidade e estruturação não linear. A teleinformática3, de certa maneira, ao materializar noção de interface potencializa os sistemas hipermídia enquanto um complexo de produção significante não seqüencial ramificado de texto, imagem e som. O termo hipermídia é aqui entendido como deslocamento do conceito de hipertexto formulado nos anos 60 por Theodor Nelson que já se reportava ao texto eletrônico como escrita ramificada que sugere ao usuário/leitor percursos previamente predefinidos, permitindo abertura do texto e, conseqüentemente, possibilitando a circularidade por parte do sujeito usuário no tocante às estruturas significantes digitais. Para Negroponte “A hipermídia é um desenvolvimento do hipertexto, designando a narrativa com alto grau de interconexão, a informação vinculada (...) Pense na hipermídia como uma coletânea de mensagens elásticas que podem ser esticadas ou encolhidas de acordo com as ações do leitor. As idéias podem ser abertas ou analisadas com múltiplos niveis de detalhamento.” (Negroponte, 1995:66) Assim, todo ambiente hipermídia, desde a sua estruturação até o acesso interativo de informações, é considerado como um modelo semiótico de representação aberta que 1
Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq-Brasil, modalidade Pós-Doutorado no Exterior. Professor pesquisador convidado da Universidad Autônoma de Barcelona referente ao período de 02.01.2002 a 30.06.2003. 2 O prefixo hiper significa acima, posição superior ou além. O termo hiper foi utilizado na física por Einstein para descrever um novo tipo de espaço na Teoria da Relatividade – o Hiperespaço: espaço visto de outro modo.
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apresenta interfaces com o usuário e cujo volume de informações produz, paulatinamente, novas referências sígnicas. De certa forma, esse ambiente imita a capacidade cerebral humana de atuar por livre associação, paralelismos e analogias. Os sistemas hipermídia se estruturam como uma rede semântica de informações que possibilitam compreensões transdisciplinares devido a sua natureza de construção (on line ou off line), sua capacidade plurisígnica, sua estrutura labiríntica em forma de rizoma, a participação do usuário e a leitura sinestésica que mobiliza os sentidos quando dispostos em memórias paralelas ou em rede. Núria Vouillmoz define hipermídia como “un sistema abierto, sin límites ni márgenes, desde el momento que permite navegar de un nodo a otro en una estructura infinita que no reconoce principio ni fin: como esquema conceptual, es plurisignificativo en tanto que ofrece múltiples recorridos, múltiples accesos y lecturas, de manera que es posible reconocer una cierta analogía entre el modelo hipertextual desarrollado por la informática y el polisemantismo del texto reclamado desde el campo de la literatura.” (VOUILLAMOZ, 2000:29) Os sistemas eletrônicos4 (hipermídia) necessariamente desembocam na construção de um novo espaço, de base virtual, denominado de ciberespaço. Pode ser igualmente dimensionado como um amplo sistema ramificado que opera diretamente com a produção de trocas simbólicas e processos de significação na esfera virtual. Trata-se de um território viscoso e sem fronteiras que incorpora características de outros sistemas de significação (vídeo, cinema, rádio, jornal, livro, pintura, fotografia) e que avança enquanto dispositivo técnico com traço diferencial marcado pela lógica digital. 3
Também denominada de Telemática: combinação de meios eletrônicos para o processamento de construções sígnicas (informática) e meios eletrônicos de transmissão à distância ou entre redes locais (telecomunicações). 4 Lúcia Santaella em prefácio do livro Hipermídia: psicanálise e história da cultura de Sérgio Bairon e Luis Carlos Petry destaca que: “Além de permitir a mistura de todas as linguagens, textos, imagens, som, mídias e vozes em ambientes multimidiáticos, a digitalização, que está na base da hipermídia, também permite a organização reticular dos fluxos informacionais em arquiteturas hipertextuais… O poder definidor da hipermídia está na sua capacidade de armazenar informações e, através da interação do receptor, transmuta-se em incontáveis versões virtuais que vão brotando na medida mesma em que o receptor se coloca em posição de co-autor. Isso só é possível devido à estrutura de caráter hiper, não sequencial, multidimensional que dá suporte as infinitas ações de um leitor imersivo.” pp. 8-9. A pesquisadora destaca ainda dois aspectos do poder definidor na hipermídia: a hibridização de linguagens e o teor criativo (isomorfia do desenho estrutural).
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Neste sentido, o ciberespaço - cérebro artificial -
se auto-regula a partir de
programas específicos e interconexões permitindo o trânsito intenso de múltiplas informações, a produção e a estocagem do conhecimento em seu amplo espectro. O ciberespaço é o que podemos denominar de cibermemória; um espaço de comutações imateriais, da interpenetração de linguagens, da coletivização de saberes, da ubiqüidade, da expansão fragmentada da cultura e mutação dos processos de significação. Metaforicamente é a nossa memória expandida através de mediações técnicas cuja carga de informações se atualiza e potencializa a cada segundo formando uma tapeçaria sígnica de textos dialogam com outros textos, remetem à outras realidades, interagem com o som e a imagem formando um tecido imaterial que habitualmente denominamos de hipermídia. 5 As informações numéricas que compõem este universo elástico podem operar em tempo real, ou seja, há instantaneidade no processo de trocas simbólicas que resulta na permanente construção de novas formas de sociabilidades. O processo de semiose, movimento e transformação dos diferentes signos, se efetuam com essa dinâmica da instantaneidade, simultaneidade e não seqüencialidade da informação que gera novos signos. Destacamos que, com o avanço técnico das tecnologias digitais, o processo crescente de miniaturização tecnológica e o desenvolvimento permanente de softwrares avançados e sistemas inteligentes, essas inovações permitem o trânsito de diferentes representações que incidem diretamente na dinâmica da cultura. O ciberespaço pode então ser entendido como um espaço dinâmico de informações sígnicas que se enlaçam de maneira recorrente remetendo-nos infinitamente para novas informações, dada a sua natureza pluritextual. Este novo ambiente virtual do saber que transforma o próprio saber agrega formas de cooperação flexíveis que resultam
em
processos de inteligência coletiva experienciados na rede. Pierre Lévy ao conceituar este ambiente virtual afirma que: “ O ciberespaço, dispositivo de comunicação interativo e comunitário, apresenta-se como um instrumento dessa inteligência coletiva. É assim, por exemplo, que os organismos de formação profissional ou à distância desenvolvem sistemas de aprendizagem cooperativa em rede … Os
5
Basedo em entrevista concedida pelo autor : Ciberespaço : A Memória Fractalizada - Pedro Nunes . Revista Ágora Nº2. UNP-RN . Disponível em: http://www.weblab.unp.br/agora/
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pesquisadores e estudantes do mundo inteiro trocam idéias, artigos, imagens, experiências ou observações em conferências eletrônicas organizadas de acordo com interesses específicos.” (LÉVI,1999:29) No entanto, ao argumentar sobre
a revolução das redes digitais Pierre Lévy
antecipa que “o crescimento do ciberespaço não determina automaticamente o desenvolvimento da inteligência coletiva, apenas fornece a essa inteligência um ambiente propício.” (LÉVY,1999:29) Os agentes construtores do ciberespaço de certa forma são os próprios habitantes virtuais do ciberespaço ou, também, estão em centros de pesquisas que partilham experiências, em universidades e grupos da iniciativa privada interessados no desenvolvimento de processos interativos. Nesta perspectiva de análise, Arlindo Machado em apresentação de O Labirinto da Hipermídia: arquitetura e navegação no ciberespaço advoga o seguinte: “Passados os primeiros momentos de euforia com a descoberta das possibilidades das novas máquinas, passado o deslumbre diante da pura novidade técnica da interatividade, é chegada a hora da verdade, quando artistas, criadores, críticos e investigadores em geral (não apenas técnicos de laboratório) deverão propor formas mais orgânicas e novas estruturas normativas
mais
adequadas
às
arquiteturas
permutativas.”
(LEÃO,1999:162) Seguindo essa linha de raciocínio ponderada por Machado, compreendemos que o ciberespaço já aqui caracterizado como um ambiente coletivo que estimula o processo de aprendizagem e facilita o processo de produção e disseminação de conhecimentos, necessita de formas mais orgânicas que se adequem às informações de diferentes ordens disponíveis na rede. Se trata, muitas vezes, da forma e da maneira de como apresentar a informação levando-se em conta critérios que pouco a pouco vão sendo aprimorados no universo digital e que interferem em nossa cultura. Marília Levacov afirma que as tecnologias digitais “gestam novas formas de comunicação, de construção e compartilhamento do conhecimento, de classificação da informação, que implicarão em
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novas maneiras de categorizar o mundo e, provavelmente, em novas etapas cognitivas no desenvolvimento humano.” (LEVACOV,1997) Ou seja, recortando a afirmação da autora, faz-se necessário implementar cada vez mais no ciberespaço e ambientes hipermídia, novas formas de comunicação, de apresentação e reorganização da informação, por exatamente se tratar de um espaço dinâmico onde a dimensão técnica interage com a dimensão cultural visto que ambas englobam a dimensão social e coletiva da rede. O usuário torna-se cada vez mais exigente, as páginas webs e revistas eletrônicas necessitam ser materializadas sincronizando texto imagem e som, possuir estruturas de navegação cada vez mais arrojadas, concepção visual criativa, carregamento de imagens de forma rápida, conteúdos informativos de acordo segmentação almejada e segundo princípios editoriais que estabeleçam o traço diferencial entre publicações on line e publicações convencionais em suporte materiais, etc. Em se tratando de divulgação científica na rede, poucas revistas eletrônicas digitais vem observando essas regras básicas da sintaxe digital. Evidentemente que ainda vivenciamos um estágio que requer aprimoramento no tocante a apresentação da informação. Sequer desfrutamos de um estágio técnico já consolidado em termos dos recursos de mecanismos de busca, agentes inteligentes, indexação hipertextual, transmissões ao vivo, chats, weblogs, teleconferência, tradução automática, programas de tratamento da imagem, construção de recursos animados, arquivos abertos, listas de discussão etc. Referindo-se às bibliotecas virtuais Marília Levacov nos diz o seguinte: “O aumento da procura por fontes eletrônicas de informação acaba por exigir que desenvolvamos novas estruturas para organizar a informação contidas nestas novas "bibliotecas," estruturas essas que evoluem e se transformam conforme a tecnologia permite. (LEVACOV:1997) Os processos tecnológicos, ao longo da trajetória humana, têm influenciado sobretudo os processos de publicação e a maneira de disseminar a informação. Da escrita manuscrita em papiro ao texto digital que mobiliza a escrita, a oralidade, a imagem estática e dinâmica e o som, evidenciamos vários deslocamentos particularmente na natureza do suporte tecnológico. A divulgação pela via digital ampliou a escala de disseminação da informação, reduziu custos, reconfigurou a noção de autor-editor, criou novas formas de interatividade, reorganizou procedimentos de edição correção e atualização entre outros. O
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acesso, a disseminação da informação e a produção de conhecimento aumentaram de forma exponencial se tomamos por referência remissiva 10 anos atrás. Sem dúvida esses pontos representam avanço particularmente para comunidade científica que sempre deve estar em sintonia com os avanços do conhecimento. A esse respeito, Sabbatine faz a seguinte afirmação: “A publicação eletrônica científica apresenta uma série de vantagens em relação à publicação impressa convencional, tanto para o editor científico como para o usuário final da informação. Como vantagens para o editor, as publicações eletrônicas podem atingir uma grande audiência potencial, devido à disponibilidade universal da informação, oferecem disponibilidade para todas plataformas de hardware/software, baixo custo de investimento e de produção, eliminação dos custos de reprodução e transporte, permitem novas formas de apresentação (áudio, vídeo, interação com o usuário final da informação), integração com outros sites e documentos da WWW e indexação eletrônica, diminuem os atrasos de publicação, e possibilitam a submissão eletrônica de manuscritos. Já como vantagens para o usuário, podemos citar o baixo custo de acesso, a disponibilidade instantânea e global de uma informação mais rica em conteúdo do que outras mídias, a facilidade de cópia e impressão, informação mais atualizada e fácil de achar, através de mecanismos de busca, e a possibilidade de diálogo interativo com autores e editores.” (SABBATTINE,1999: on line) Sabemos que com a emergência do ciberespaço e, conseqüentemente, com o desenvolvimento dos sistemas hipermídia, a produção e a divulgação científica na rede demandam um novo contorno estrutural significante tendo em vista que são processos de significação
mais
fluidos,
com
estruturas
dinâmicas
enlaçadas
e
informação
desterritorializada que mobiliza diferentes códigos. Assim, as produções de natureza científica neste novo contexto virtual são também reconfiguradas do ponto de vista semiótico, das mediações tecnológicas (deslocamentos midiáticos) e da própria intervenção na cultura como partes de um novo cenário mutante da sociedade tecnológica.
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