Sexpressions - The Book

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EDITORA FICHA TÉCNICA DADOS DA PUBLICAÇÃO




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AUTOR’S NOTE


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PEDRO PALMA

Ao longo da minha vida, com uma actividade sexual regular, não pude deixar de reparar que todas, repito, todas, as mulheres com quem me relacionei sexualmente manifestavam expressões de grande sofrimento no momento exacto em que o prazer sexual era extremo, quando atingiam o clímax. Não deveria a mulher fazer uma expressão de felicidade? Nunca compreendi o porquê. E as longas conversas com amigos, muitos deles com formação académica em áreas relacionadas com a sexologia e o comportamento sexual que me criavam a falsa expectativa do esclarecimento, nunca foram capazes de me convencer sobre o fenómeno comportamental durante o sexo, já que existem vários desvios na sua prática. O sexo não obedece a regras.. Curioso, como sou, de fisionomias –– daí a minha paixão pelo retrato, fotográfico e pintado –– comecei a prestar mais atenção às expressões que a mulher manifesta durante o coito. Claro, muitas vezes tive relações sexuais sempre de olhos abertos, o que não é normal num coito genuíno, e reparei num facto ainda mais fantástico: a mulher, durante uma relação sexual que pode durar apenas três ou quatro minutos, tem centenas ou mesmo milhares de expressões nesse curtíssimo espaço de tempo.

TRADUZIR PARA INGLÊS

Um dia, sentei-me ao computador, com software de cálculo e de imagem, e cheguei a uma conclusão inacreditável, mas que prometi a mim próprio confirmar com registos fotográficos. A prova, com mais de duas mil fotos, com várias câmaras a disparar, quase em simultâneo , de ângulos diferentes de forma a poder registar as expressões e não o meu corpo durante a relação foi a solução encontrada. Duas máquinas digitais, montadas estrategicamente conseguiram registar três imagens por segundo, com a nitidez impossível a uma câmara de filmar –– note-se que as fotos foram feitas em 2009 e os 4K de resolução não estavam acessíveis –– mesmo quando desfocadas pelo movimento rápido do sujeito fotografado. De aproximadamente 6.000 registos, em várias relações, foram seleccionadas duas mil fotos tendo sido apagadas as restantes. Dessa seleção foram escolhidas dez fotografias para a instalação fotográfica de Cascais e mais dez para complementarem este livro… um trabalho exaustivo com vários dias sem dormir. O projecto não poderia ser com uma mulher qualquer, contratada para o efeito. Tinha que ser com a mulher que se ama para que o resultado final pudesse ser credível, genuino. Seria necessário registar as expressões de ternura, amor, prazer e prazer extremo: o orgasmo; que se aproximam de expressões de terror. O resultado está aqui, e mostra aquilo que a maioria das pessoas não vê enquanto pratica sexo ou faz amor, ou faz sexo e amor… expressões sexuais de quem ama, e não tem a memória fotográfica que a tecnologia nos proporciona. Fiz o registo fotográfico, li a perspectiva da Clara, discutimos exaustivamente o assunto, mas não fiquei suficientemente elucidado. Talvez o sexo ( o amor ) seja assim mesmo. Algo que se pratica e não se observa. Algo que se sente e se faz sem que seja necessário contar. Teremos ido longe demais, ou a lado nenhum? O que se passa na mente humana, durante o acto sexual, que nos transforma, transfigura, que nos faz ser o que não somos fora deste palco específico onde mais ninguém nos vê? Quem, ou o que, somos enquanto fazemos amor?


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CLARA PINTO CORREIA

We had exchanged emails. We had made phone calls. We had fell tension and intimacy calmly rising their tide between us, as in some unchallengeable destiny totally outside the reach of our control. But it was only when I saw him at the airport, so fabulously different from everybody else, that the gigantic crack got open inside my heart, the Iight of dawn all ran to enter it, and I – I had stopped believing at 48, I didn't care for love anymore. I had made the vow never to marry again, nor ever to share my space with anyone again – saw him and an unmistakable warmth ran through my body, back than seriously worked out and dry, a mysterious tenderness made me smile and le myself seek shelter inside his arms, and from the bottom of my soul locked with barbed wire Leonard Cohen thundered: «We'lI be going down so deep That the river's gonna weep And the mountain's gonna shout AMEN» Yes, it's obvious, my eyes goy wet with tears. It was so disconcerting, to find out that miracles exist. And that they happen in our lives when we don't expect anything anymore. Just this was so gratifying that the story could have finished right that day and it would have been worth it. I talk about this now, certainly about the one moment that will register deeper and forever inside my memories, because if this man had not been the photographer, and if it hadn't been right at the end of that very morning, holding hands, that we came up with the project now presented to you here, I would never have accepted to do this work. Artistically it would always be, no doubt, extremely interesting. But I'm no artist. What 1 am, like everybody else, is a person that got reborn from the ashes thanks to that special form of energy that we can only get from love. I entered this adventure strictly as a woman in love. And, very specifically, in love with the photographer. This is what Westerners have been forgetting with increasing frequency, and this is why the flame is extinguishing and people after feeling more and more lonely: as Candied insists at the end of the book (and, already at the eighteenth century, none of his companions pays him much attention), "ii faut cu/tiver notre jardin". There is no crisis, there is no , a miracle could not occur. Misery, there is no material frustrations that can be used as a reason for a couple to neglect the nurture of their love. For love there are no better or worse replicas, meticulous as the work of the Chinese can be. To love, to seriously love, is an art. It is not compatible with distractions, with abuse, with Iies, with more or less insulting displays of boredom, neither with hurries nor with absences. Nor with the substitutes of immediate gratification where ali the traps of the century push us into, neither with the long periods of lack of practice to where depressions and rat-races throw us. To know how to unconditionally surrender all our love to our partner is to free to the surface all the brightness of our soul. And this is why, at these moments, we become transfigured; and, in this state, we see and we hear what in all other moments is out of the reach of our senses.


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NOTA DOS AUTORES


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PEDRO PALMA

Ao longo da minha vida, com uma actividade sexual regular, não pude deixar de reparar que todas, repito, todas, as mulheres com quem me relacionei sexualmente manifestavam expressões de grande sofrimento no momento exacto em que o prazer sexual era extremo, quando atingiam o clímax. Não deveria a mulher fazer uma expressão de felicidade? Nunca compreendi o porquê. E as longas conversas com amigos, muitos deles com formação académica em áreas relacionadas com a sexologia e o comportamento sexual que me criavam a falsa expectativa do esclarecimento, nunca foram capazes de me convencer sobre o fenómeno comportamental durante o sexo, já que existem vários desvios na sua prática. O sexo não obedece a regras.. Curioso, como sou, de fisionomias –– daí a minha paixão pelo retrato, fotográfico e pintado –– comecei a prestar mais atenção às expressões que a mulher manifesta durante o coito. Claro, muitas vezes tive relações sexuais sempre de olhos abertos, o que não é normal num coito genuíno, e reparei num facto ainda mais fantástico: a mulher, durante uma relação sexual que pode durar apenas três ou quatro minutos, tem centenas ou mesmo milhares de expressões nesse curtíssimo espaço de tempo. Um dia, sentei-me ao computador, com software de cálculo e de imagem, e cheguei a uma conclusão inacreditável, mas que prometi a mim próprio confirmar com registos fotográficos. A prova, com mais de duas mil fotos, com várias câmaras a disparar, quase em simultâneo , de ângulos diferentes de forma a poder registar as expressões e não o meu corpo durante a relação foi a solução encontrada. Duas máquinas digitais, montadas estrategicamente conseguiram registar três imagens por segundo, com a nitidez impossível a uma câmara de filmar –– note-se que as fotos foram feitas em 2009 e os 4K de resolução não estavam acessíveis –– mesmo quando desfocadas pelo movimento rápido do sujeito fotografado. De aproximadamente 6.000 registos, em várias relações, foram seleccionadas duas mil fotos tendo sido apagadas as restantes. Dessa seleção foram escolhidas dez fotografias para a instalação fotográfica de Cascais e mais dez para complementarem este livro… um trabalho exaustivo com vários dias sem dormir. O projecto não poderia ser com uma mulher qualquer, contratada para o efeito. Tinha que ser com a mulher que se ama para que o resultado final pudesse ser credível, genuino. Seria necessário registar as expressões de ternura, amor, prazer e prazer extremo: o orgasmo; que se aproximam de expressões de terror. O resultado está aqui, e mostra aquilo que a maioria das pessoas não vê enquanto pratica sexo ou faz amor, ou faz sexo e amor… expressões sexuais de quem ama, e não tem a memória fotográfica que a tecnologia nos proporciona. Fiz o registo fotográfico, li a perspectiva da Clara, discutimos exaustivamente o assunto, mas não fiquei suficientemente elucidado. Talvez o sexo ( o amor ) seja assim mesmo. Algo que se pratica e não se observa. Algo que se sente e se faz sem que seja necessário contar. Teremos ido longe demais, ou a lado nenhum? O que se passa na mente humana, durante o acto sexual, que nos transforma, transfigura, que nos faz ser o que não somos fora deste palco específico onde mais ninguém nos vê? Quem, ou o que, somos enquanto fazemos amor?


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CLARA PINTO CORREIA Tínhamos trocado emails. Tínhamos falado ao telefone. Tínhamos sentido a tensão e a intimidade a subirem calmamente de tom entre nós, como num destino incontornável que não está sob o nosso controlo. Mas foi só quando o vi no aeroporto, tão fabulosamente diferente de todas as outras pessoas, que a brecha enorme se abriu no meu coração, a luz da madrugada entrou toda lá para dentro, e eu - eu que aos 48 anos me tornara descrente, deixara de acreditar no amor, jurara nunca mais voltar a casar, nem sequer partilhar o meu espaço com ninguém - eu vi-o e correu-me um calor inequívoco por todo este corpo à época seco e cheio de músculos, uma ternura misteriosa fez-me sorrir e recolher-me toda dentro dos braços dele, e do fundo da minha alma trancada com arame farpado soltou-se a voz do Leonard Cohen: "We'll be going down so deep "That the river's gonna weep "And the mountain's gonna shout AMEN!» Sim, é evidente, senti os olhos molharem-se-me de lágrimas. Era tão desconcertante, ser verdade que há milagres. E que nos acontecem na vida quando já não esperávamos por eles de forma nenhuma. Era tão gratificante que a história poderia ter acabado logo nesse dia e já teria valido a pena. Falo disto agora, certamente do momento que vai gravar-se mais fundo dentro das minhas memórias até ao fim da minha vida, porque se não fosse este homem o fotógrafo, e se não fosse logo ao fim daquela mesma manhã, de mãos dadas, que tivéssemos criado juntos o projecto que agora aqui se vos apresenta, eu nunca teria aceitado participar neste trabalho. Artisticamente é, sem dúvida, extremamente interessante. Mas eu não sou artista. Sou, como qualquer outra, uma pessoa que renasce das cinzas graças àquela forma especial de energia que só podemos ir buscar ao amor. Entrei nesta aventura estritamente a título de mulher apaixonada. E, muito especificamente, apaixonada pelo fotógrafo. Ama e faz o que quiseres, disse-nos Santo Agostinho. É disso que os ocidentais andam a esquecer-se com cada vez com mais frequência, e é por isso que a chama se vai apagando e as pessoas se vão sentindo cada vez mais sós: tal como Candide insiste no final do livro sem que, já no século XVIII, nenhum dos companheiros lhe preste grande atenção, "i! faut cultiver notre jardinJJ. Não há crise, não há miséria, não há frustração material que justifique um casal deixar de cuidar bem do seu amor. Para o amor não há réplicas mais ou menos conseguidas, por muito minucioso que seja o trabalho dos chineses. Amar, amara sério, é uma arte que não se compadece com distracções, com maus tratos, com mentiras, com manifestações mais ou menos acintosas de tédio, nem com pressas nem com ausências, nem com os substitutos da gratificação imediata onde todas as armadilhas do século nos empurram nem com os períodos prolongados de falta de prática onde as depressões e as correrias nos atiram. Sabermos entregar incondicionalmente o nosso amor ao nosso parceiro é libertar para a superfície todo o brilho da nossa alma. É por isso que, nessas alturas, nos transfiguramos; e, assim, vemos e ouvimos o que em todas as outras alturas está vedado aos nossos sentidos.


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IMAGES vs WORDS FOREWORD OS ROSTOS DA ENTREGA Inês Pedrosa


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Do êxtase feminino não era possível falar-se, durante séculos que ainda nem sequer terminaram, e não era só por causa do medo da natureza que faz fechar as janelas, evocado por Clara Pinto Correia na fábula belíssima que ilumina esta exposição da entrega. Nas mulheres a natureza mostra-se violentamente, não só porque trazem todos os reis na barriga ou porque têm ciclos, humores, humidades e secas como os campos, mas porque florescem de desejo sobre os escombros. Florescem com a força bruta das ervas a que chamamos daninhas, e tomam conta de tudo à sua volta. Espalham o cheiro. Atiçam a vida. Por isso foram e são tão educadas para o esquecimento de si e para a contenção. Para sorrir em vez de gargalhar, tapar o corpo, conter os gestos, obedecer, esperar e aceitar. As «Novas Cartas Portuguesas» de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa causaram escândalo e arrastaram as suas autoras para o tribunal, na década de 70, porque falavam, soberanamente, do desejo e do prazer das mulheres. Ainda hoje o tema perturba: o sexo é o poder, o sexo é o pau. Um pau a que as mulheres se submetem, na melhor das hipóteses por um amor amplo, etéreo, difuso. É assim que se quer que seja – mas o amor das mulheres é carnal e ardente, o amor das mulheres é o sexo no seu esplendor, tempestade tropical que altera a temperatura do mundo. Em «La sagesse de l'amour» o filósofo Alain Finkielkraut define o amor como «essa religião do rosto que lhe proíbe a representação». E escreve: «O rosto amado não é belo nem sublime. Não é um esplendor inefável, uma obra-prima que não se deixa descrever, mas uma presença que não se deixa enclausurar. O amante desejaria sem dúvida, para pôr fim às suas interrogações, que o Outro tivesse a fixidez de um ídolo e que o movimento do seu rosto se estabilizasse na Beleza. Mas esta idolatria estética permanece, se ousarmos dizê-lo, um voto piedoso. Não há amor senão na impossibilidade de parar esta fuga sem fim, a evasão infinita do Outro.»

TRADUZIR PARA INGLÊS

Esta exposição é um ensaio apaixonado e apaixonante sobre essa fuga infinita de um rosto através dos caminhos secretos do desejo partilhado: um rosto de mulher que se expõe naquilo que de si mesma desconhece e que nenhum espelho lhe pode oferecer – a imagem mutante, abissal, verdadeira e misteriosa do prazer profundo. O erotismo é onda, dança, movimento de entrega: os santos ou heróis representam-se em estátuas de acção, as heroínas e santas sempre na pose estática da adoração, dor ou contemplação. Dentro das grades em que se encerra até hoje a sexualidade das mulheres – temível porque felina, inesgotável, imaginativa, incansável. A nossa cultura supostamente libertária exalta o corpo da mulher jovem como brinquedo masculino, e veta – nas revistas, no cinema, na publicidade, até na literatura – pela ausência ou pela troça, o fulgor sexual da mulher madura. Por pavor da sua ciência, da sua força e da sua liberdade. Clara Pinto Correia e Pedro Palma ousaram ignorar essa interdição totalitária. «Sexpressions» é, mais do que uma experiência erótica e artística radical, um importante manifesto político.


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IMAGENS vs PALAVRAS PREFÁCIO OS ROSTOS DA ENTREGA Inês Pedrosa


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Do êxtase feminino não era possível falar-se, durante séculos que ainda nem sequer terminaram, e não era só por causa do medo da natureza que faz fechar as janelas, evocado por Clara Pinto Correia na fábula belíssima que ilumina esta exposição da entrega. Nas mulheres a natureza mostra-se violentamente, não só porque trazem todos os reis na barriga ou porque têm ciclos, humores, humidades e secas como os campos, mas porque florescem de desejo sobre os escombros. Florescem com a força bruta das ervas a que chamamos daninhas, e tomam conta de tudo à sua volta. Espalham o cheiro. Atiçam a vida. Por isso foram e são tão educadas para o esquecimento de si e para a contenção. Para sorrir em vez de gargalhar, tapar o corpo, conter os gestos, obedecer, esperar e aceitar. As «Novas Cartas Portuguesas» de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa causaram escândalo e arrastaram as suas autoras para o tribunal, na década de 70, porque falavam, soberanamente, do desejo e do prazer das mulheres. Ainda hoje o tema perturba: o sexo é o poder, o sexo é o pau. Um pau a que as mulheres se submetem, na melhor das hipóteses por um amor amplo, etéreo, difuso. É assim que se quer que seja – mas o amor das mulheres é carnal e ardente, o amor das mulheres é o sexo no seu esplendor, tempestade tropical que altera a temperatura do mundo. Em «La sagesse de l'amour» o filósofo Alain Finkielkraut define o amor como «essa religião do rosto que lhe proíbe a representação». E escreve: «O rosto amado não é belo nem sublime. Não é um esplendor inefável, uma obra-prima que não se deixa descrever, mas uma presença que não se deixa enclausurar. O amante desejaria sem dúvida, para pôr fim às suas interrogações, que o Outro tivesse a fixidez de um ídolo e que o movimento do seu rosto se estabilizasse na Beleza. Mas esta idolatria estética permanece, se ousarmos dizê-lo, um voto piedoso. Não há amor senão na impossibilidade de parar esta fuga sem fim, a evasão infinita do Outro.» Esta exposição é um ensaio apaixonado e apaixonante sobre essa fuga infinita de um rosto através dos caminhos secretos do desejo partilhado: um rosto de mulher que se expõe naquilo que de si mesma desconhece e que nenhum espelho lhe pode oferecer – a imagem mutante, abissal, verdadeira e misteriosa do prazer profundo. O erotismo é onda, dança, movimento de entrega: os santos ou heróis representam-se em estátuas de acção, as heroínas e santas sempre na pose estática da adoração, dor ou contemplação. Dentro das grades em que se encerra até hoje a sexualidade das mulheres – temível porque felina, inesgotável, imaginativa, incansável. A nossa cultura supostamente libertária exalta o corpo da mulher jovem como brinquedo masculino, e veta – nas revistas, no cinema, na publicidade, até na literatura – pela ausência ou pela troça, o fulgor sexual da mulher madura. Por pavor da sua ciência, da sua força e da sua liberdade. Clara Pinto Correia e Pedro Palma ousaram ignorar essa interdição totalitária. «Sexpressions» é, mais do que uma experiência erótica e artística radical, um importante manifesto político.


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AT FIFTY I'm fifty. Slowly, almost without me noticing, my six children followed on with their lives, until they were far, far away. For many years now, I've been living alone with Bolota, in a small house at the top of the mountain, by the mouth of a forest with no end and in front of the Atlantic that never finishes. Many friends show up to visit, but the intimate company of men has allready disapointed me enough and I have no interest whatsoever in the company of women. I feel peaceful.


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CINQUENTA ANOS Tenho cinquenta anos. Devagarinho, quase sem eu dar por isso, os meus seis filhos foram seguindo as suas vidas, até estarem longe, longe. Já há muito tempo que vivo sozinha com a Bolota, numa casa pequenina no alto da montanha, na orla do bosque que não tem fim e de frente para as ondas do Atlântico que nunca acaba. Passam por aqui muitos amigos, mas a companhia íntima dos homens já me desiludiu que chegue e a das mulheres não me interessa absolutamente nada. Estou em paz.


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THE OPEN WINDOW At night, I like to lay down in te dark with Bolota, drinking a good scotch and smoking in absolute silence. Through the open window, I can hear the owls and the frogs, the rain falling and the horses roaming. It's so good. It fills me up with energy, and it makes me feel like I coud do Tonight, I don't know why, I couln't take my eyes off the open window.


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A JANELA ABERTA À noite, gosto de me deitar no escuro com a Bolota, a beber um copo e a fumar em silêncio absoluto. Através da janela aberta, ouço o pio dos mochos e o coaxar das rãs, o cair da chuva e as patas dos cavalos. É bom. Enche-me de energia e faz-me sentir disposta a tudo. Esta noite, não sei porquê, não conseguia tirar os olhos da janela aberta.


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THREE CENTURIES AGO I was thinking of another night registered in history, already three centuries ago, when John Adams, later on the second president of the United States, and Benjaming Franklin, the most visionary of the Founding Fathers, where campaingning together for thr American Revolution and ended up having to share the same bed in a small guest house by the road.


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HÁ JÁ TRÊS SÉCULOS Estava a pensar numa outra noite registada na história, há já três séculos, quando John Adams, que viria a ser o segundo presidente dos Estados Unidos, e Benjamim Franklin, o mais visionário dos Founding Fathers, andavam a fazer campanha pela Revolução Americana e tiveram que partilhar a mesma cama numa hospedaria do caminho.


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THE GREATEST OF ALL MISTERIES I look through the window once more. Something inside me quivers, restless, as though, suddenly, the greatest of all misteries is gonna fly through it. It would be the same mistery those two wise men debated all night back in the eigtheenth century, in that room with only one bed. Exactly because of the window.


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UM MISTÉRIO ENORME Olho outra vez para a janela aberta. Há qualquer coisa em mim que se revolve, inquieta, como se, de repente, fosse entrar por ali um mistério enorme. Foi esse mistério que os dois homens sábios discutiram toda a noite no século XVIII, no tal quarto que só tinha uma cama. Exactamente por causa da janela.


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THE NIGHT ZEPHIRS John Adams, a devout Calvinist, insisted the window had to be firmly shut; otherwise the two of them would die right there with pneumonia. Benjamin Franklin, an enthusiastic Theist for whom Nature had to be the gentlest of dames, wouldn't stop claiming that the window had to stay wide open, so that the night zephirs could fill their bodies and minds with clean and renewed energy. The window wouldn't stop shutting and opennig until the break of dawn.


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OS ZÉFIROS NOCTURNOS John Adams, calvinista devoto, insistia que a janela tinha que ficar fechada, senão morreriam os dois de pneumonia. Benjamin Franklin, deísta entusiasta para quem a Natureza não podia deixar de ser a mais gentil das damas, não parava de bradar que a janela tinha que ficar aberta, para que os zéfiros nocturnos pudessem entrar e encher-lhes o corpo e a mente de energia limpa e renovada. A janela não parou de abrir e de fechar até ao romper da aurora.


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THE BIG FERRIS WHEEL Calvinists! Seriously, I like to respect all religious confessions, but I cannot get myself to understand these guys. Of course Nature has to be the gentlest of dames, even in its most portentous and destructive manifestations. It's up to Her to sculpt up the planet and keep the big Ferris Weel moving on. And to send us, each night, the zephirs that renew us, like those now entering my room that all of a sudden send a shiver through my body.


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A GRANDE RODA Calvinistas! A sério, eu, que gosto de respeitar todas as fés, não consigo entendê-los. Claro que a Natureza só pode ser a mais gentil das damas, mesmo nas suas manifestações mais portentosas e destrutivas. Compete-lhe esculpir o planeta e continuar a fazer girar a grande roda. E enviar-nos todas as noites os zéfiros que nos renovam, como estes que entram agora pelo meu quarto, e que, e de repente, me arrepiam.


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IT IS NOT NORMAL My face has just been touched by a tepid wind, loaded with wild scents from the forest, that played with my hair, nested in it like a snake, and then stayed there. Someting is hapenning, and it is not normal.


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NÃO É NORMAL Passou-me pela cara um vento morno, carregado de aromas agrestes da floresta, que me brincou nos cabelos, se enroscou neles como uma cobra, e não se foi embora. Está a acontecer qualquer coisa que não é normal.


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THE ANIMAL Something entered my room with the wind. I can't see it well, and, amazingly, I don't feel the least bit affraid. Whatever it it is it's powerfull, and it's gotta to be good, since Bolota did neither roar nor raise her hair. She just jumped immediatly to the floor as though she was giving it her place by my side. The thing just touched my skin in a really sweet way. It immediately warmed me up in this cold night. It's curling up by my side without any apologies. It can only be an animal. A very warm animal.


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O ANIMAL Entrou-me no quarto qualquer coisa que veio com o vento. Não consigo vê-la bem, e, curiosamente, não tenho medo nenhum. É uma coisa poderosa e tem que ser boa, porque a Bolota não rosnou nem arrepelou o pêlo. Limitou-se a saltar imediatamente para o chão, como que a darlhe o seu lugar ao meu lado. O que quer que seja, já tocou na minha pele de uma forma muito doce. Aqueceu-me logo nesta noite fria. Está a enroscar-se ao meu lado sem qualquer cerimónia. Só pode ser um animal. Um animal muito quente.


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THE FLYING MAN It's been a long time I know better and a long time I don't give a damn. The warmth of this animal animates and boldens me, from the depths of the loneliness where I've long been buiding my confort zone. I gently slide towards it. Once inside its aura, I clearly feel, like I never felt before, as though I'm gently falling into a vet of honey. It's all so quiet and sweet, at this side of the bed where Bolota generally sleeps. I can hear a voice I neve heard, pronouncing, softly, words I do not know. This creature speaks. And this is articulate language. But it's only when it holds me with infinit tenderness – arms, legs, hands, hair, neck, chin – that I fully realize my error. This animal is a man. A man flew tonight through my window, as the night zephirs where blowing.


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O HOMEM VOADOR Já há muito tempo que conheço o perigo e há muito tempo que me estou nas tintas. O calor do animal aquece-me e anima-me, do fundo da solidão onde construí o meu sossego. Deixo-me deslizar no seu sentido. Dentro da aura dele, sinto-me, como nunca senti antes, a cair devagar numa banheira de mel. É tudo tão doce e calmo, deste lado da cama onde costuma estar a Bolota. Oiço uma voz que não conheço a pronunciar, calmamente, palavras que eu nunca ouvi. Esta criatura fala. E isto é linguagem articulada. Mas é só quando me abraça toda com infinita doçura – pernas, braços, mãos, cabelos, pescoço, queixo – que me dou plenamente conta do meu erro. Este animal é um homem. Foi um homem que voou pela minha janela, no sopro dos zéfiros nocturnos.


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THE OFFER The darkness of the night, with all its faraway twinking lights, has always been my friend. This year Mars has been in full view, and I can see its unmistakable red brightness through the open window. Above all, I don't want to close my eyes. I want to fully absorb everything I know will never happen again. Bolota is sleeping placidly, and now and again she moans in her dreams. But, inside our aura, this is not a dream. The man who came with the wind is very big. He locked my legs inside his as though I were a weightless toy, and now he's exploring my whole body with hands firm and soft that seem to make up my size. He's still talking to me softly, in his baritone voice filled with distant music. I cannot talk to him. I just offer myself unconditionally, and I smile. Even without seing him, I know he's smiling, too.


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A OFERTA O escuro da noite, com todos os seus luzeiros distantes, sempre foi meu amigo. Este ano Marte tem estado bem à vista, e consigo ver o seu inconfundível brilho vermelho através da janela aberta. Sobretudo, não quero fechar os olhos. Quero absorver tudo o que sei que nunca mais volta a acontecer. A Bolota está a dormir placidamente, e de vez em quando resmoneia nos seus sonhos. Mas isto, dentro da nossa aura, não é um sonho. O homem que veio com o vento é muito grande. Prendeu-me as pernas dentro das suas como se eu fosse um brinquedo sem peso, e está a explorarme o corpo todo com umas mãos firmes e suaves que parecem do meu tamanho. Continua a falar comigo calmamente, na sua voz de barítono cheia de música longínqua. Eu não sei falar com ele. Limito-me a oferecer-me incondicionalmente e a sorrir. Mesmo sem o ver, sei que ele sorri também.


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THE TOY The huge man is having fun as though, him too, had gone for a long time without the touch of the unhibited and happy body of a woman who enjoys the pleasures of surrender. He rolls his tongue through my neck, trough my ears and I laugh. He speaks again, makes me sweat, passes his fingers through my hair with tenderness and then pulls at them almost brutally and makes me scream. Whenever I scream, he laughs gently. And then he holds me against him even more tight. He holds his toy agains the powerfull torso the Forces of Nature endowed him with, slowly, breathing deeply over my shoulders. This is a man who likes to play. He really is not all that human.


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O BRINQUEDO O homem muito grande está a divertir-se, como se, também ele, já não desfrutasse há muito do corpo despudorado e feliz de uma mulher que gosta do prazer da entrega. Roça-me a língua pelo pescoço, pelos ouvidos, enche-me de arrepios e eu rio. Ele volta a falar, faz-me suar, acaricia-me os cabelos com ternura e depois puxa-mos com toda a força, até me fazer gritar. Quando eu grito, ele ri. E atrai-me para si ainda mais. Depois segura o seu brinquedo contra o torso poderoso que lhe concederam as Forças da Natureza, lentamente, a respirar fundo sobre os meus ombros. É um homem que gosta de brincar. Tem, de facto, muito pouco de humano.


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THE PLAY Well then, but this is a play, isn'it? Because, if this is a play, I know how to play, too. And I want to. This whole situation has led me to feel idiotically young. I start pushing him as though I didn't want more of his caresses, with all my strength, which I know beforehand to be unexistent against his. He locks my legs strongly inside his, I try to set myself free with my knees, I try to tear at his hear but now he locks my hands, we're both laughing loud, so loud thath even Bolota awakes from her deep sleep with no remorses. At this precise moment, because he gets distracted, I manage to free one of my hands and turn on the light at my bedtable. The first time I looked, I felt as though I had seen by my side, in my own bed, the milenary statue of a Greek demi-god.


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O JOGO Então, mas isto é um jogo, não é? Porque, se é um jogo, eu também sei jogar. E apetece-me. Deu-me para me sentir estupidamente jovem. Começo a empurrá-lo para trás como se já não quisesse mais carícias, com toda a força que tenho que não é nenhuma contra a dele. Ele prende-me as pernas entre as suas com toda a força, eu tento libertar-me com os joelhos, tento puxar-lhe os cabelos mas ele prende-me as mãos, estamos os dois a rir muito, até a Bolota acorda do fundo do seu sono sem remorsos. Nessa altura, porque ele se distrai, liberto uma mão e acendo a luz da minha cabeceira. Quando olhei pela primeira vez, achei que tinha visto, ao meu lado, na minha cama, a estátua milenar de um semi-deus grego.


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MY MIND This is where, all of a sudden, I feel affraid of my own mind.


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A MINHA MENTE Aqui é onde, de súbito, me sinto com medo da minha própria mente.


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DEUS SIVE NATURA The eighteenth century Theists who wanted their windows wide open believed that from from Nature nothing but Goodness could come to them. Spinoza had said, in the most succint and heart-warming of all formulations, Deus sive Natura: God or Nature, there is no need to endure more theological torments searching for the difference between two entities that are but one. And John Locke added, the works of Nature, everywhere, are suficient evidence of the existence of the Divinity. They were extremely racional people, interested in simplifying the Western spiritual world, after at least three centuries of carnages and tortures unprecedented in our history, all of them carried in the name of God.


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DEUS SIVE NATURA Os deistas do século XVIII que queriam as janelas bem abertas acreditavam que da Natureza só lhes poderia vir o Bem. Spinoza dissera, na fórmula mais sucinta e apeladora de todas, Deus sive Natura: Deus ou a Natureza, não há que sofrer mais tormentos teológicos à procura da diferença entre duas entidades que são uma só. John Locke dissera, Os trabalhos da Natureza, por toda a parte, evidenciam suficientemente a existência da Divindade. Eram pessoas extremamente racionais, interessadas em simplificar o mundo espiritual europeu, depois de pelo menos três séculos de carnificinas e torturas sem precedentes da nossa história, todas elas feitas em nome de Deus.


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ARCIMBOLDO Which is to say? I´ve been building all this great artistic inspired by this man's body and hands. And, as so often happens, I've been forgetting all about the irrational side of our existence, where so many times we form the crystals of our deeper acts. For the Theists, there was no talk of pagan gods, or even of the saints put in their places after the Christianization of the Empire at the times of Constantine. Maybe I expected to see some natural prodigy laying by my side in bed, go figure, now that I think about it – maybe some fenomenal composition by Arcimboldo. And that, in fact, would be rather pathetic.


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ARCIMBOLDO Ou seja. Eu para aqui a construir todo este belo edifício artístico que o corpo e as mãos deste homem me inspiram. E, como acontece tantas vezes, a esquecer-me do lado irracional da existência onde tantas vezes se cristalizam os nossos actos mais profundos. Para os deistas, não havia cá conversas de deuses pagãos, ou de santos postos no seu lugar pela cristianização do Império Romano nos tempos de Constantino. Talvez eu esperasse ver um prodígio natural deitado ao meu lado na cama, não sei, agora que penso nisso – talvez alguma composição fenomenal do Arcimboldo. E isso, de facto, seria assaz patético.


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ANTINUOUS What certainly I was not waiting for was this perfection in the lines, this marble smile, this perfect simmetry of features, this rigorous and compulsive beauty os some Antinuous forgotten under the stones, or of a Renaissance David in a museum. And the warm flexibility of the statue's body, evermore glued to mine. Everything contradicts itself, while our pleasure grows up imperiously by degrees in the same RĂŠaumur's thermomether that measured the temperature of the day of the Great Earthquake of Lisbon. There are no more defined boundaries? So much the better.


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ANTÍNUO O que eu não esperava, de certeza, era esta perfeição de linhas, este sorriso de mármore, esta simetria perfeita de traços, esta beleza rigorosa e compulsiva de um Antínuo esquecido debaixo das pedras, ou de um David renascentista num museu. E a flexibilidade quente do corpo da estátua, cada vez mais colado meu. Tudo se contradiz, enquanto o nosso prazer vai subindo imperiosamente de grau no mesmo termómetro de Réaumur que mediu a temperatura do dia do Grande Terramoto de Lisboa. Não há mais perímetros definidos? Ainda bem.


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THE MAGNIFICENT WAVE Within the immense glory of this lawless night, I enjoy the sublime luxury of finally closing my eyes in pure lust when the magic man covers me and at last fills me up, tense, warm, plentiful, perspiring from a desire as huge as mine, now as silent and focused as I am. I let myself roll away inside this magnificent wave of the same sea that breaks far away at the beach in a thunder that reaches my window. A long, nameless time passes until I come to remember to open my eyes again.


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A ONDA MAGNÍFICA Na glória imensa desta noite sem regras, dou-me ao luxo de fechar finalmente os olhos de puro gozo quando o homem mágico me cobre e de uma vez por todas me enche de si, pujante, quente, pleno, feliz de um desejo tão grande como o meu, agora tão silencioso e compenetrado como eu estou. Deixo-me levar nesta onda magnífica do mesmo mar que rebenta na praia com um estrondo que chega à minha janela, e só volto a abrir os olhos muito tempo depois.


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SAINT GEORGE AND THE DRAGON The Classic archetype has vanished. Inside me, ontop of me, staring at me with a stare filled with as much pleasure as surprise, is now a pre-raphaelite warriying archaengel. It is as though some divine creature riding a white horse on its way to fight Evil had momentaneously dispensed the bow, and the arrows, and the spear, ans maybe even the sword. All because it gave in to a passion it couldn't control, totally out of script that is now talking to its senses in a way unknown until now, yet immensely gratifying. My God, he's so beautiful. I can't take my human eyes off his liquid eyes. Maybe Evil still can roam free for quite a while in what is left of tonight.


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SÃO JORGE E O DRAGÃO O arquétipo clássico desapareceu. Dentro de mim, em cima de mim, a olhar para mim com um olhar que tem tanto de prazer como de surpresa, está um arcanjo guerreiro pré-rafaelita. É como se uma criatura divina que ia combater o Mal num cavalo branco tivesse momentaneamente pousado o arco, e as setas, e as flechas, e até talvez a espada. Tudo porque cedeu a uma tentação incontrolável, cem por cento extra-programa, que está agora a falar-lhe aos sentidos de uma forma que até então lhe era desconhecida, e que se revela imensamente gratificante. Meu Deus, é tão bonito. Não consigo tirar os meus olhos humanos dos olhos líquidos dele. Talvez o Mal ainda possa andar um bom bocado à solta no que resta desta noite.


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BUCEPHALOUS No. Wait. A blow was enough, just a whisp of the wind, and all of a sudden the archaengel is gone. Let Evil put up with his charge, because in my bed the prodigy is rampant. I don't know who's possessing me this way. I didn't even know one could fly so high at the surface of Earth. I close my eyes again, I let myself go again, I feel the sweat sliding from our glued bodies, I hear his breathing heavier and heavier in his nostrils, and all in his enormous amplex still tells me not to be afraid. When I open my eyes, one single Word occurs to me –– Bucephalous. There is something unspeakingly glorious in being the woman of the black stallion that Alexander the Great used to ride in all his battles. E even more so in climaxing with him together in a tremendous roar that shakes the mountain and shuts up the sea. It is within this secret pact that we fall asleep in peace, ehxausted, totally entangled in each other.


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BUCÉFALO Não. Bastou um sopro, um passe de capa do vento, e o arcanjo já se foi embora. O Mal que aguente a sua investida, porque na minha cama a parada subiu de tom. Não sei quem me possui desta maneira. Nem sequer sabia que era possível voar tão alto à superfície da Terra. Volto a fechar os olhos, volto a deixar-me levar, sinto o suor deslizar pelos nossos corpos colados, oiço a respiração dele cada vez mais fremente nas narinas, e tudo no seu abraço enorme continua a dizer-me que não tenha medo. Quando abro os olhos, só me ocorre uma palavra –– Bucéfalo. Há qualquer coisa de inominavelmente grandioso em ser-se a mulher do garanhão negro que acompanhou Alexandre o Grande em todas as suas batalhas. E mais ainda em atingir o clímax com ele, num berro sem fim que sacode a montanha e cala o mar. É neste pacto secreto que adormecemos em paz, estafados, totalmente emaranhados um no outro.


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DIALOGUE ABOUT TWO NEW SCIENCES I got up slowly to open the door for Bolota, while the flower-scented morning breeze was playing softly with the vines. I felt like shining inside. The mithological creature was still there in the bright daylight. Hey, sweatheart, woulf you bring me a coffee from downstairs? Please? What the…? I turned back as though I'd been bitten by an insect, my heart racing in my throat. That thing was a man. We was sitting amongst the pillows with his curly hair in a mess and had just lit a cigarette with a bright, mischievous smile. Wait a second. You speak? Only when it's worth it. And it is your costum to fly through people's open windows at night, just like this? Just like this? No way. I only did it because I wanted to stay with you. But, prodigy, I'm fifty, you know. I'm afraid I'ts been a long time ever since I last believed in miracles. Aw, please. And I am as old as Mother Earth, and I'm sick and tired of being nothing but a mere prodigy, and I really don'd see the reason why , a miracle couldn't just occur between the two of us. Honest. I spent eternity fathering Great Emperors, Great Warriors, Great Sailors, Great Artist, Great Scientists… Woo-aah. You've engendered noting but men? I fathered Joan of Arc, too. A nut dressed as a man? Listen. The mothers got all the pleasure and the fabulous progeny got all the trouble, so it seems to me the match was more than fair for you kind, uh? Now, what I really learned was that, in any event, at every time, in every place, down to the mother of Obama, everybody always believed in miracles, everydoby still believes in miracles, so a miracle between the two of us is fine by my book. You release me from Eternity, I release you from solitude…Woman, you're really beautiful. Come here and I'll make you a child right away. A normal one, for a change.


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Normal? In a woman in menopause? The Bible is full of them. At least tell me your name, you moron. How about my coffe? I'm not talking anymore until you bring me my coffe. There. You got me. Now I really believe you're a man. Your coffee's coming right away. And, by the way, so just that next I can go to the grocer and buy all those disgusting things men like: tell me how long you're staying. He stretched of pure confort, his mischievous smile now growing sweeter. Oh but the rest of my life, my precious starfish.


DIÁLOGO SOBRE DUAS NOVAS CIÊNCIAS Levantei-me devagarinho, com a brisa doce e cheia de flores da manhã a brincar suavemente na trepadeira, para ir abrir a porta à Bolota. Sentia-me a cintilar por dentro. A criatura mitológica continuava ali em plena luz do dia. Olha, querida, trazes-me um café lá de baixo? Se faz favor? Que é isto? Virei-me como se tivesse sido mordida por um bicho, com o coração a bater na garganta. Aquilo era um homem. Tinha-se sentado no meio das almofadas com o cabelo todo desgrenhado, e estava a acabar de acender um cigarro com um sorriso rasgado completamente canalha. Mas afinal tu falas? Só quando vale a pena. E tens por hábito entrar assim a voar, sem mais nem menos, a meio da noite, pela janela das pessoas? Assim sem mais nem menos? Era o que faltava. Foi só mesmo porque quis ficar contigo. Mas, prodígio. Eu tenho cinquenta anos. Quer-me parecer que já há muito tempo que não acredito em milagres, topas. Eh pá, por pavor, tu poupa-me a conversa mole, fedelha. Eu tenho a idade da Terra, e estou farto de não passar de um mero prodígio, e não vejo por que é que, entre nós os dois, não há-de acontecer mesmo um milagre. Sinceramente. Ando há milénios para aí a fazer nascer Grandes Imperadores, Grandes Guerreiros, Grandes Navegadores, Grandes Artistas, Grandes Cientistas… Livra. Só és capaz de engendrar homens? Também fui o pai da Joana d'Arc. Uma maluca mascarada de homem? Ouve lá. As mães tiveram todo o prazer, os filhos tiveram todas as dores de cabeça e todas as facadas no Senado, portanto acho que o jogo é mais que justo para o teu lado, ou sou eu que estou a delirar? E digo-te, o que eu realmente aprendi foi que, em todos os tempos, em todos os sítios, da mãe do Aristóteles à mãe do Obama, toda a gente acredita em milagres, ouviste, e isto digo-te eu, que já vi tudo, em toda a parte. Qual é o nosso milagre? Tu libertas-me da Eternidade, eu liberto-te


da solidão... Gaita que és mesmo boa, mulher. Anda cá que eu faço-te já um filho daqueles normais. Normais? Numa mulher em menopausa? A Bíblia está cheia delas. Ao menos diz-me o teu nome, palerma. E o café que eu já pedi há mais de três quinze dias, gaja? Não digo mais nada sem me trazeres o meu café. Boa. Agora convenceste-me. És mesmo um homem. Vou buscar o café sem mais demora, chefe. E vais ficar por aqui quanto tempo, já agora, só para eu depois ir à mercearia comprar aquelas porcarias todas de que os homens gostam? Ele espreguiçou-se todo de puro conforto, com o tal sorriso velhaco a ficar cada vez mais doce. O resto da vida, estrela do mar.



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