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COSTA E SILVA A VIDA DO NOVO CONSELHEIRO DO GOVERNO ELON MUSK O MILIONÁRIO QUE GOSTA DOS GRANDES DESAFIOS
RAZÕES PARA AMAR PORTUGAL LUGARES MÁGICOS E EXPERIÊNCIAS INESQUECÍVEIS PARA FÉRIAS E ESCAPADAS AS ESCOLHAS DE QUEM CONHECE BEM O PAÍS FRANCISCO SEIXAS DA COSTA, CAPICUA, RUI CARDOSO MARTINS E MAIS 11 PERSONALIDADES
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Nº 1422 . 4/6 A 10/6/2020 . CONT. E ILHAS: €3,70 . SEMANAL
SIZA VIEIRA “VAMOS TER MAIS RECURSOS DO QUE ALGUMA VEZ TIVEMOS NA NOSSA HISTÓRIA DEMOCRÁTICA”
Entardecer em Monsaraz, Alentejo FOTO DE JOEL SANTOS
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A EVOLUÇÃO FORÇADA Uma investigadora portuguesa está a estudar a resposta dos animais para se adaptarem às mudanças provocadas pelo aquecimento global LUÍS RIBEIRO
Diana Madeira quer saber se as alterações climáticas podem acabar com uma espécie de minhocas marinhas do género científico Ophryotrocha. Olhando para elas, uns vermes minúsculos que mais parecem centopeias viscosas, é fácil pensar que a sua extinção, seja por que razão for, não t d l d O bl
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24 horas seguidas, subindo ao topo três do mais de 2 700 metros vezes, perfazendo ados do na n vertical. Em 2012, de altura escalados em também no Yosemite, fez subidas “E Cap”, da Half Dome consecutivas do “El kin as três mais altas e do Monte Watkins, rqu perfazendo p elevações do parque, 2 133 me metros verticais em menos de 19 horas. oi com David Allfrey, E dois anos depois, ren do subiu sete rotas diferentes s. N “El Cap”, em sete dias. No México, em endero er Luminoso Lu 2015, escalou o Sendero – ha no n Parque P 500 metros de rocha de pen três horas, Potrero Chico, em apenas ni quando muitas duplas de alpinistas p ção. demoram dois dias, com proteção.
MPRE DIMEN EMPREENDIMENTO ARRISCADO Na origem de Free Solo está uma amizade e a determinação em superar o que parece impossível. Alex Honnold e o realizador Jimmy Chin também < ANTERIOR
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VISÃO 4 JUNHO 2020 / Nº 1422
RADAR 14 Raios X 16 A semana em 7 pontos 18 Holofote 19 Inbox 20 Almanaque 21 Transições 22 Próximos capítulos 24 Imagens do mundo FOCAR 82 Quem é António Costa Silva, o novo homem do primeiro-ministro 88 TAP: Terá Miguel Frasquilho resposta para a crise? VAGAR 92 Desenhar em tempo de pandemia 99 Pessoas VISÃO SETE
ARLINDO CAMACHO
10 Entrevista: Isabel Stilwell
62 Pedro Siza Vieira: “Vamos ter muitos recursos financeiros” Em entrevista à VISÃO, o ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital explica algumas das medidas de apoio que vão estar no terreno nos próximos meses. Sobre a União Europeia, mostra-se satisfeito com a “bazuca” apresentada
30 50 razões para descobrir Portugal Guiados por mais uma dezena de “conselheiros”, vamos subir à serra e descer à praia. Mergulhar nas florestas e pisar os cascos históricos das nossas vilas. Respigar encantos da Natureza, do património e da vida deste País tão diverso
70 EUA, o país que não consegue respirar Donald Trump descreve-se como o “Presidente da lei e da ordem” e garante que a “América dirige o mundo”, mas já ninguém parece levá-lo a sério. Os protestos contra o racismo e a violência policial, os piores do último meio século, continuam sem fim à vista
76 Elon Musk: o céu não é o limite Não fosse a “contrariedade” de ter sido obrigado a mudar o nome do filho de X Æ A-12 para X Æ A-Xii, maio teria sido o mês perfeito: completou o primeiro túnel para o Hyperloop, enviou a primeira nave privada para o Espaço e ganhou um bónus de 700 milhões de euros pelo desempenho da Tesla. Perfil do multimilionário norte-americano
101 Séries de TV: o que vem aí OPINIÃO 6 Dulce Maria Cardoso 8 Mafalda Anjos 23 Rita Rato 86 Pedro Norton 100 Miguel Araújo 114 Ricardo Araújo Pereira Interdita a reprodução, mesmo parcial, de textos, fotografias ou ilustrações sob quaisquer meios, e para quaisquer fins, inclusive comerciais.
Online
W W W.V I S A O . P T
Luís Delgado
Henrique Costa Santos
Manuela Niza Ribeiro
LINHAS DIREITAS As fantasias do primeiro-ministro e Temido
CRÓNICAS D.C. Avó Maria cheia de graça
IGUALMENTE DESIGUAIS Warao: A tribo índia à beira da extinção 4 JUNHO 2020 VISÃO
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LINHA DIRETA
Correio do leitor
Em matéria de trabalho, nada ficará como dantes após a pandemia de 2020 João Mateus, Évora
Uma PRIMA otimista está nas bancas, com a oferta do Covidgame A revista A Nossa PRIMA chega às bancas, com 10 pessoas para 10 palavras. Uma tribo de gente extraordinária − jovens, inspiradores, talentosos, criativos −, escolhida porque personifica tudo o que queremos para estes dias de desconfinamento. Mariana Duarte Silva (Força), Bruno Nogueira (Riso), Gisela João (Energia), Sérgio Praia (Foco), Joana Schenker (Audácia), Alexandre Silva (União), Isabel Saldanha (Amor), César Mourão (Empatia), Márcia D’Orey (Sonho) e Tiago Guedes (História) partilham as suas experiências. Nesta revista, encontra ainda as lições de vida de dois anciãos admiráveis, com tanto para ensinar: a atriz Eunice Muñoz e o jornalista José Carlos de Vasconcelos, fundador da VISÃO e do Jornal de Letras, que dirige. E outras figuras com perfis que vai gostar de conhecer: a escritora Joana Bértholo, o designer Luís Rodrigues, mais conhecido como Insónias em Carvão, a cabeleireira Joana Neves, a ceramista Maria Ana Vasco Costa, a artista plástica Pitanga... entre muitos outros artigos inesperados. A revista vem com a oferta do Covidgame, o novo jogo de tabuleiro da quarentena, animado e irónico, ideal para nos divertirmos com a loucura dos tempos que vivemos. Procure-a nas melhores bancas ou assine na loja da Trust in News para receber a revista em casa, sem custos adicionais.
Webinars VISÃO/APES: E depois da Covid-19? Em parceria com a Associação Portuguesa de Economia da Saúde (APES), a VISÃO organiza, já a partir desta semana, cinco conversas sobre os impactos da pandemia nas sociedades e a descoberta dos caminhos a seguir. Na primeira sessão, discutem-se os impactos gerais com Céu Mateus (APES), Pedro Magalhães (Instituto de Ciências Sociais), Catarina Reis (Católica Lisbon School of Business and Economics) e Tiago Cravo Oliveira Hashiguchi (OCDE). Os debates seguintes, sempre às 15h30, terão como tema os Impactos Setoriais (9 de junho), Biotecnologia (18 de junho), Covid No Mundo (25 de junho) e Covid – Comunicação para o Público (1 de julho). Os webinars decorrem na plataforma Zoom, com inscrição no site da APES, além de ficarem sempre disponíveis no site da VISÃO e na nossa página do Facebook. 4
VISÃO 4 JUNHO 2020
TELETRABALHO É preciso refrear o entusiasmo com a generalização do teletrabalho (Escritório, Volto Já?, V1421). O que vai acontecer é o mesmo que sucedeu com o aparecimento dos primeiros telemóveis: os abusos do “estar sempre contactável”, sem distinção entre contextos de trabalho e de lazer/intimidade. António José Amaral Dias, Lisboa
ANDRÉ VENTURA Não podia concordar mais com Isabel Moreira [É Agora Que Ele Diz O Que Pensa, V1420], a tese de doutoramento de André Ventura, escrita na “prisão” de uma faculdade, não é mais do que um meio enviesado para atingir um fim. Alexandra Maria Guerreiro Costa, Lavradio
ARQUITETOS Os arquitetos têm um papel muito importante na qualidade de todos os espaços: a nossa casa, o local onde vivemos/trabalhamos, o nosso planeta. Por isso, torna-se imperioso que sejam ouvidos. Aproximam-se as eleições mais importantes para a Ordem dos Arquitetos desde há muitos anos. Fiquei feliz e orgulhoso por ver uma entrevista de duas páginas [V1421] sobre o meu colega Gonçalo Byrne, parabéns à VISÃO. Mas, para que haja uma visão mais ampla e abrangente, gostaria de ver/ler também duas páginas com os outros dois colegas candidatos. Porque VISÃO tenha uma, mas informação tenha muita... Manuel Rosa, Funchal
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– Quinta da Fonte, Edifício Fernão Magalhães, 8, 2770-190 Paço de Arcos
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AUTOBIOGRAFIA NÃO AUTORIZADA
O país onde nada muda
ILUSTRAÇÃO: SUSA MONTEIRO
POR DULCE MARIA CARDOSO
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stou na fila para entrar no supermercado há cerca de um quarto de hora, a escassos passos de mim os pardais vão-se afligindo por migalhas, os poucos carros no parque de estacionamento deixam à mostra o reticulado branco desenhado no asfalto. Acompanham-me na espera umas dez pessoas, a maioria com as caras já escondidas atrás de máscaras cirúrgicas. As tiras horizontais vermelhas, coladas no chão, estabelecem quanto temos de nos separar uns dos outros. Respeitando a distância de segurança, o extravagante cortejo distende-se imóvel, indo morrer na curva que desemboca nas traseiras do supermercado, um
VISÃO 4 JUNHO 2020
depósito de caixotes de madeira empilhados perto dos canteiros onde as lantanas debruam a secura do cimento. A fila, as máscaras, as tiras no chão contagiam o que me cerca, nada disto parece ser a sério. Fico confundida com as semelhanças entre este supermercado dos subúrbios de Cascais e o Smiths da W. Cheyenne Ave, a que costumava ir quando estive em Las Vegas, não falta muito para que o Bank of America e o 7 Eleven com os seus néones pasmados contra o céu surjam ali, do outro lado da estrada, no bairro social da Torre, trinta e dois prédios de um bege desgostoso e grafitado e varandas enjauladas, ou então mais abaixo, junto ao cemitério da Guia e aos seus muros tapa-morte, onde dois ou três con-
domínios aproveitam a proximidade do mar com paredes imaculadas de vidro. O sol que aquece o alcatrão e refulge no metal dos carros estacionados apanha-me desprevenida, mas este calor em nada se compara ao da cidade arrancada ao deserto onde vivi grande parte do ano de 2008. Era o ano em que tudo ia mudar. Yes, We Can, eu gostava de olhar para o cartaz colocado logo à entrada do quarteirão do Smiths, Barack Obama, o primeiro Presidente americano negro ia criar uma nova América, e a nova América escancararia as portas de um futuro melhor para o resto do mundo. O meu entusiasmo infantil encalhava na incredulidade do Shane, o meu saudoso Shane, que, não compreendendo onde eu fora desencantar aquele pedaço tardio de sonho americano, respondia-me com um desalentado esgar, Nunca nada muda aqui. Falava-me depois da queda das Torres Gémeas, da guerra do Vietname, Nunca nada muda na América. Apesar da sua desconfiança, o Shane acompanhou-me ao comício local da campanha do Obama no Children’s Memorial Park e não conseguiu apequenar o orgulho com que coloquei na lapela o crachá, Change We Need, centenas de pessoas em uníssono, negros, hispânicos, índios, american white trash, estrangeiros estonteados com os filmes de Hollywood e com as bandas de rock americanas, a América da Estátua da Liberdade e dos imigrantes de Ellis Island, do Watergate e do Direito de perseguir a felicidade. O Shane apontou um negro no meio da multidão e disse-me, Olha quem ali está. Não o reconheci, Sou má para caras, desculpei-me. O Shane sorriu, mas recusou-se a dizer-me quem ele era. Não me apeteceu voltar para casa no fim do comício, estava demasiado irrequieta, a América insuflava o balão gigante da esperança e eu estava lá, fomos comer frito pie a Santa Fé Station. Enquanto esperávamos por mesa o Shane perdeu mais umas moedas nas slot machines, nunca passava por uma sem jogar, Tem de se tentar, dizia, tentar a sorte é a única coisa de que não podemos desistir. No dia seguinte o deserto tornou a ganhar à cidade e a temperatura subiu infernalmente. Não sou capaz de sair de casa com este calor, respondi quando o Shane me desafiou a acompanhá-lo ao seu emprego, Já sabes que não há melhor ar condicionado na cidade, brincou,
Tanto trabalhas lá como aqui e assim podemos almoçar juntos e ir ao drive-in no fim do dia. Ao passarmos pela esquina da W Washington Ave com a N Rainbow Blvd, ele retirou a mão do volante e repetiu o gesto do dia anterior, Olha quem ali está. Era o negro do comício, como é que eu não reconhecera o homem que estava sempre especado naquele cruzamento, indiferente à inclemência do sol? Lá estava ele ensanduichado nos cartazes do American Express, suspensos por duas alças nos seus ombros, Don’t leave home without it. Desviei o olhar, envergonhada, ainda o semáforo não tinha mudado. Quando vi nas notícias Donald Trump como candidato a Presidente dos EUA, ainda tudo tão longe dos 100 mil mortos da Covid-19 e dos milhões de desempregados, pensei estar perante a imitação humana de um cartoon ou de um dos mascarados estapafúrdios que percorrem a Strip, em Las Vegas, para alegrar os turistas. Receosa, liguei ao Shane, Como é possível que isto esteja a acontecer?, perguntei. Talvez tenha sido nessa conversa que ele me disse, O negro do American Express continua naquela esquina, lembras-te? Na fila do supermercado, o segurança manda avançar a mulher que está à minha frente. Serei a próxima a entrar. Não é fácil acreditar que a gigantesca e efervescente cidade parou, quilómetros de corredores de hotéis e de casinos sem ninguém, o Mandalay Bay onde vi um homem chorar depois de ter perdido ao jogo a casa e as poupanças para a universidade dos filhos, a selva polinésia do Mirage com os pobres dos golfinhos e o arremedo do vulcão, o Venetian onde uns americanos do Wisconsin apostaram que eu era polaca, 147 mil quartos vazios e, no entanto, é para o parque de estacionamento do Cashman Center que são conduzidos quinhentos sem-abrigo, um parque como o que vejo aqui enquanto espero a minha vez. No lugar de estes poucos carros estacionados, pessoas. Nas imagens que os noticiários mostraram, em cada retângulo do reticulado, um corpo deitado com os seus haveres, peças de um jogo de tabuleiro de que desconheço as regras, um jogo que faz lembrar esse outro ainda mais macabro das valas comuns. Sou capaz de apostar que, algures, por baixo de uma dessas peças dois cartazes aconselham, Don’t leave home without it. visao@visao.pt
O Shane acompanhou-me ao comício local da campanha do Obama no Children’s Memorial Park e não conseguiu apequenar o orgulho com que coloquei na lapela o crachá, Change We Need, centenas de pessoas em uníssono, negros, hispânicos, índios, american white trash
4 JUNHO 2020 VISÃO
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OPINIÃO
Trump e a carnificina americana P O R M A F A L D A A N J O S / Diretora
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seu bronzeado falso. Por arrasto, preside América está sem Presidente e também aos que estão com ele, o adoram o homem que o fez eclipsar-se e o seguem. Todos os outros não existem, tem um nome: George Floyd. não importam – de preferência, acabe-se Seria só mais uma vítima da com eles. O seu total e absoluto desinteviolência policial e de um crime resse em unificar os americanos nunca racial na América. Mais uma, tinha ficado tão claro. entre milhares que acontecem Tal como o tamanho da sua falta de todos os anos, um episódio sem humanismo, do seu sentido de Estado e história. Mas o assassínio de George Floyd de missão. Quando o New York Times lhe às mãos de um polícia, perante a passipergunta o que vai fazer perante os tuvidade de outros três, detido por susmultos, Trump responde: “Vou ganhar as peita de tentar usar uma nota falsa de 20 eleições facilmente… A economia vai codólares, vai ficar para a História. Acontemeçar a ficar bem e depois bestial, melhor ceu durante uma pandemia, numa crise do que alguma vez antes.” Essa não era a económica sem precedentes, num país pergunta, está bom de ver, mas é tudo o desigual, doente, assustado, dividido e que lhe importa. sufocado, num ponto de ebulição de frusTrump é um guerrilheiro, não um tração. Ficou filmado, e antes de poder pacificador. E quando as coisas aquecem, ser branqueado pelo sistema, saiu para ele fecha-se no bunker e desaparece para as redes sociais e deu a volta ao globo. As ir à luta, dedicando-se à única coisa para suas últimas palavras antes de chorar pela que tem arte: espalhar ódio, ignorância sua mãe transformaram-se na voz não só e pestilência pelo Twitter. de parte de uma nação, mas Agora está em guerra com de milhões de pessoas por Trump gere os manifestantes, a quem todo o mundo: “Não consigo chama bandidos, em guerra respirar.” a crise com com os governadores, que Em poucos dias, o país o tato de um acusa de fracos, em guerra incendiou-se. Quando o bulldozer, a com todos – felizmente terreno está em brasa, uma consciência muitos, como indicam topequeníssima faísca pode das as sondagens – os que fazer nascer labaredas insocial de um não estão com ele. Até já controláveis, já se sabe. Por pedregulho e o há republicanos e memtodo o lado, manifestações, egocentrismo bros da sua própria equipa destruição, caos. O estado de a desejarem ardentemente emergência foi declarado em de um Narciso que ele pare de twittar, e vá 40 das 75 cidades já tomadas governar. Ou seja, pacificar pela convulsão. É fácil peros ânimos, unificar a nação. Quando, na ceber porquê. Durante um incêndio desmadrugada de segunda-feira, os protescontrolado, a última coisa que se deseja é tos se agravaram em Washington, a Casa ter aos comandos das operações o maior Branca ficou às escuras. Todas as luzes fodos incendiários. Onde faz falta a água ram apagadas, as janelas ficaram pretas. O para acalmar as chamas, alguém que deita melhor símbolo de uma Presidência que mais lenha e gasolina para a fogueira. se demite de fazer o que lhe compete. Donald Trump gere esta crise social 2020 é o pior ano da História dos da única maneira que sabe: com o tato de Estados Unidos da América desde o ano um bulldozer, a consciência social de um de todas as convulsões de 1968. Duranpedregulho e o egocentrismo de um Narte o seu inenarrável discurso inaugural, ciso. Mais uma vez, ficou claro que Trump Trump usou a sinistra expressão “carnifié incapaz para estar em funções como cina americana” para se referir ao período Presidente dos Estados Unidos da Amérianterior. Pois, agora sim, aí está ela bem à ca, e sobretudo, como Presidente de todos vista de todos, com peste, desordem e deos americanos. Trump é só o presidente semprego. Esperemos que seja suficiente de si próprio e dos seus interesses, do seu para lhe roubar a reeleição. manjos@visao.pt umbigo, do seu capachinho amarelo e do
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VISÃO 4 JUNHO 2020
HISTÓRIAS DA CAPA
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A escolha é muita quando o tema são as razões para amar Portugal.
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Esta foto resulta muito bem, fica a ideia de partir à descoberta.
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Mas esta é a mais quente: passa calor humano, além de paisagem. Vamos por aqui.
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COMUNICADO
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Isabel Stilwell Nós, os mais velhos, temos uma noção do tempo diferente da dos mais novos. Não poder ver um neto é uma coisa irrepetível. Tirarem-nos esse tempo é uma sensação de vazio e de roubo, porque sabemos que a ampulheta está a contar Jornalista e escritora
SARA RODRIGUES
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VISÃO 4 JUNHO 2020
DIANA TINOCO
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Ao nono romance histórico, Isabel Stilwell, 60 anos, escolheu, pela primeira vez, um homem como personagem principal. Mas, ainda assim, continuam a ser as mulheres as suas grandes influenciadoras. Em D. Manuel I – Duas Irmãs para Um Rei (Planeta, 640 págs., €24,90), o “Venturoso” é retratado pela voz das duas irmãs com quem se casou, pela mãe e pela ama de leite. O livro também esteve de quarentena até sair para os escaparates e, por isso, nesta conversa com a VISÃO, não podíamos deixar de falar sobre a pandemia e, claro, sobre o jornalismo, profissão em que Isabel começou, aos 21 anos. Porque escolheu D. Manuel I como a sua primeira personagem principal masculina? Também pelas mulheres dele [risos]. É uma personagem muito mais complexa do que se pensa. Aprendemos na escola que ele é o afortunado que herda todo o trabalho feito por D. João II e que o continua. O que já não seria mau, porque há pessoas que herdam e não continuam. Conta a história de um homem através de duas mulheres? Através de duas mulheres irmãs, mas também pela voz da mãe que era extraordinária. Uma viúva que ficou a tomar conta dos filhos e do negócio e que, diplomaticamente, tinha uma influência enorme. Também conto a história através da ama de leite, que tem esta história surpreendente de ser amante de um bispo e de ter dois filhos com ele. Além disso, tem uma irmã rainha... Em parte, D. Manuel I é posto no trono pelas mulheres. Durante a investigação, o que lhe agradou mais, e o que lhe agradou menos, em D. Manuel I? D. Manuel I chega ao poder com 26 anos; viu matar o cunhado e o irmão e, a partir daí, ficou na corte do rei e a ser vigiado por ele. A minha
interpretação é que ele era perito na arte da dissimulação, de ser humilde e de não levantar ondas. No momento em que sobe ao trono, começa logo a concretizar coisas. Antes era um low profile, mas, quando assume o poder, está ali no seu puro narcisismo. Teve um reinado muito rico, com a descoberta do Brasil e do caminho marítimo para a Índia... Tinha um sonho messiânico. As pessoas acham que fizemos a expansão marítima para descobrirmos mais mundos, mas não. A ideia de D. Manuel I era só uma: encontrar maneira de reconquistar Jerusalém, de dar cabo dos mouros e de ser o imperador que uniria o mundo sob a mesma fé. Também foi nesta altura que houve a perseguição aos judeus. Como olha para este facto? Acho que somos um bocadinho provincianos a analisar a nossa História, e às vezes até os historiadores o fazem. Queremos atribuir a culpa da expulsão dos mouros e dos judeus, bem como o batizado forçado dos judeus às condições que Isabel impôs a D. Manuel para se casar com ele. Isto é subestimar este rei, tirar-lhe o ónus, e os portugueses por terem feito ainda pior do que os castelhanos. Em Espanha, havia a Inquisição; aqui não, nós acolhíamos os que fugiam de lá. Há uma nova tese de uma historiadora, publicada em Cambridge, em que se diz que Isabel pediu para expulsar os hereges que fugiram de Castela e que se refugiaram em Portugal, mas D. Manuel decidiu ser mais papista do que o Papa. Porque diz isso? Expulsou os mouros e os judeus e fez uma coisa muito pior – e que é a nossa vergonha. A certa altura, chamou os judeus a Lisboa, encerrouos num campo do palácio, sem água nem comida, e foi oferecendo-lhes o batismo. Isto para um judeu é o mais cruel dos fins. Acabou por batizá-los à força e houve pais que, no caminho entre o palácio e a igreja, mataram os filhos e se suicidaram. Desde que começou a trabalhar como jornalista, muita coisa mudou. Que alterações, negativas e positivas, observa? As negativas são fáceis: hoje é pedido que se façam coisas piores do que antes, no sentido de se ter menos recursos, tempo, ajuda e
multidisciplinaridade. As positivas: senti que trabalhar com pessoas mais novas é muito rejuvenescedor; obriga-nos a não cristalizar na maneira de ver o mundo e a estar mais atualizados... Além disso, neste universo digital, a rapidez e a eficácia com que conseguimos trabalhar são muito boas. E chegam a mais pessoas... Sim, chegamos às pessoas, apesar dos trogloditas que andam nas redes sociais e que fazem um mal terrível. A autocensura é a pior das censuras. Tive várias experiências más, fui atacada e insultada nas redes sociais e, quando, em casa, ao jantar, dizia que ia escrever sobre determinada pessoa, os meus três filhos respondiam-me: “Mãe, não se meta, não escreva.” Acho que há muita gente a fazer autocensura, temos comentadores a uma só voz, um jornalismo mais uníssono e com medo. As redes sociais puseram os jornalistas à prova ou estes deixaram-se levar por essas mesmas redes? Fico desesperada quando vejo um noticiário na televisão a começar com uma notícia que apareceu no Facebook. Embora tenha de reconhecer que, desde que os presidentes passaram a usar o Twitter, os jornalistas têm, obviamente, de ler essas publicações. Apesar de tudo, penso que uma coisa é ter uma dica, outra é fazer coisas baseadas nas redes. Como olha para o jornalismo de hoje? Durante anos disse isto, mas acho que as pessoas não percebiam: quanto mais publicidade tivermos, quanto mais formos saudáveis economicamente, mais livres seremos. Quando os leitores se queixavam de que havia muita publicidade, eu respondia que era por causa disso que éramos livres. Ainda não encontrámos o modelo de sustentabilidade económica que nos permita ter de novo essa liberdade. Há projetos que lutam heroicamente por manter o bom jornalismo, apesar de terem a corda na garganta. E a qualidade do jornalismo que se pratica? Há, de facto, alguns entrevistadores e alguns repórteres a quem continuo a tirar o chapéu e que, até, serão menos subservientes do que no meu tempo de trabalho em revistas 4 JUNHO 2020 VISÃO
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e jornais. O resto... há momentos em que tenho vontade de rasgar a Carteira Profissional de Jornalista ao aperceber-me de que quem está a fazer jornalismo não segue, sequer, o Código Deontológico. Detesto o tipo de jornalismo justiceiro que condena pessoas na primeira página. E não consigo perceber as fugas de informação: ou é segredo de Justiça ou não é. Isto é chocante, sobretudo numa área do jornalismo que eu sigo muito e que está relacionada com as crianças. Refere-se à exposição de menores na Imprensa? Fiquei em estado de choque quando vi as declarações do filho do Manuel Maria Carrilho [e da apresentadora Bárbara Guimarães] publicadas em revistas. Também aconteceu recentemente com o irmão da menina que foi assassinada, a Valentina? Os grandes arautos de defesa dos direitos das crianças usaram as declarações de um miúdo de 12 anos que ia pôr a mãe e o padrasto na cadeia. As fake news são a pandemia da informação e não temos vacina para isso. Como tratamos esta doença? O pior ainda é que alguns estudos revelam que desmentir de nada adianta, porque as pessoas leem o que querem ler. As investigações dizem que as pessoas se juntam a grupos, nas redes, que defendem aquilo que elas pensam e, portanto, tendem a reforçar a sua opinião. Continuo a achar que o único caminho é a marca. A marca VISÃO é uma marca que define, a marca Público, o mesmo... As pessoas têm de aprender a fidelizar-se à marca. O que, com esta pandemia, mudou na relação que tem com os seus oito netos? Se me tivesse feito a pergunta antes de me ter reunido outra vez com os meus netos, eu diria que tinha mudado muita coisa, mas agora percebi que, quando há laços de intimidade criados, estes dois ou três meses não são nada. Recuperam-se à velocidade da luz. Ao entrarem na minha casa, uma foi a correr para o frigorífico buscar morangos para fazer um batido e a outra foi buscar o livro de que mais gosta. E como foi durante o tempo que esteve sem os ver? Eles são o meu melhor tratamento 12
VISÃO 4 JUNHO 2020
Das duas, uma: ou o Governo não sabe o que é teletrabalho, ou não sabe o que é ficar com duas, três ou quatro crianças em casa e, ao mesmo tempo, trabalhar
de antienvelhecimento. Obrigamme a olhar outra vez para as coisas, levam-me a fazer o que jurei não fazer mais, como subir a uma árvore para ir buscar qualquer coisa que ficou presa. Este corte abrupto foi pior para os avós ou para os netos? Hoje em dia, os avós são geralmente mais velhos do que eu e pertencem, de facto, a um grupo de risco. Preocupa-me os que viviam já muito em função dos netos e, mais do que isso, tinham um papel quase de pais, como irem buscá-los à escola, levá-los às atividades, dar-lhes o banho e a papa. A estes avós, foi-lhe roubada uma parte substancial dos seus objetivos de vida. Nós, os mais velhos, temos uma noção do tempo completamente diferente da dos mais novos. Não poder ver um neto é uma coisa irrepetível, são momentos que sabemos que não voltaremos a ter. Tirarem-nos esse tempo, o de criarmos memórias nos nossos netos, é uma sensação de vazio e de roubo, porque sabemos que a ampulheta está a contar. Além de terem ficado sem o quotidiano. Há um problema: alguns desses avós são mão de obra barata. Vemos famílias numerosas, tudo muito bonito, mas há ali uns avós, por detrás, que estão a fazer mais do que a dose que mereciam com a idade que têm. A mensagem foi a de que os netos não deviam estar com os avós por causa do risco de contágio.
Sim, no fundo foi a mensagem das crianças-bomba. À medida que fomos sabendo que há tantos adultos assintomáticos, isso deixou de fazer sentido. Tanto se pode apanhar através da senhora do supermercado como através do neto. A partir daqui, já não faz muito sentido essa barreira. Caso esta pandemia dure muito tempo, que tipo de crianças teremos? Preocupa-me que a maioria dos miúdos não tenha saído à rua. Não é só mau por causa da obesidade ou da falta de exercício físico, mas pelo facto de eles, depois, não quererem ir ou de terem medo de o fazer. Isto tem de ser trabalhado depressa. Vi pais com receio do regresso às creches, mas eles deviam era ter mais medo de manter os filhos em casa. Porquê? Porque ficam com menos competências sociais. A escola é muito importante, e esta forma de escola à distância, por muito que os professores e pais estejam a fazer um esforço, é de grande stresse. Não sei onde o Governo tinha a cabeça quando decidiu que, se um dos membros do casal estivesse em teletrabalho, o outro não podia ter assistência à família. Das duas, uma: ou o Governo não sabe o que é teletrabalho; ou não sabe o que é ficar com duas, três ou quatro crianças em casa e, ao mesmo tempo, trabalhar. Sei que não há recursos para tudo, mas que haja pelo menos a humildade para se dizer que é impossível fazer as duas coisas. O teletrabalho entrou de repente nas nossas vidas. O que veio alterar? Por um lado, pode ser produtivo e dar a realização a quem o faz, mas para isso é preciso concentração e disponibilidade. Por outro, implica aquela sensação, que as mães já têm, de que não têm tempo para tudo e que ainda é mais agravada agora. Tenho visto muitos pais à beira da loucura, o que passa sob a forma de stresse para as crianças. E como fica o ensino no meio disto tudo? As desigualdades são muito grandes. Os meninos dos colégios privados estão a ter aulas hora a hora como se estivessem na escola, enquanto há outros que não têm nada. No próximo ano letivo, todos deviam recomeçar no mesmo ano, com exceção dos alunos do 12º, que vão para a faculdade. srodrigues@visao.pt
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RAIOS X
Como queremos viver no futuro? Que transportes vamos usar nas grandes cidades No pós-pandemia, os portugueses tencionam utilizar menos transportes públicos e mais a viatura própria. Os dados indicam ainda que cerca de um terço pretende andar mais a pé
Mantém-se igual
Não utilizo
Vou utilizar mais
Vou utilizar menos
Transporte público coletivo 12%
52%
35% 1%
Transporte público individual 19%
48%
3%
30%
Viatura própria 58%
6%
28%
8%
33%
8%
A pé 10%
49%
Entre o medo e a precaução O Alentejo é a região com mais chamadas para a linha telefónica SNS24 e deslocações a serviços de saúde. Já no Centro, as pessoas dirigiram-se mais a um serviço de saúde
% dos que tiveram sintomas e ligaram para o SNS24 NORTE
19% 13% 19%
20%
CENTRO 17%
19%
ALENTEJO 11%
VISÃO 4 JUNHO 2020
15%
LISBOA
14%
14
% dos que tiveram sintomas e se deslocaram a um serviço de saúde
ALGARVE
9%
À décima semana de análise, o inquérito Nova SBE/VISÃO deixa antever algumas alterações nos hábitos dos portugueses. Mais de metade pretende deixar de usar transportes públicos e cerca de um terço quer andar mais a pé
ANÁLISE
A guerra dos sexos
Intenções pós-pandemia
As diferenças não são grandes, mas as mulheres revelam mais prudência no regresso à normalidade. E a percentagem das que preferem continuar a trabalhar remotamente também é maior
Mulheres
A forma como os portugueses encaram a evolução da pandemia pode influenciar a avaliação que fazem do seu estado de saúde. Com o passar das semanas, a percentagem de pessoas que reportaram sintomas associados à Covid-19 segue uma evolução global similar à do nível de preocupação médio. Na vigilância de sintomas, o Alentejo surge como a região com mais chamadas para o SNS24 e deslocações a serviços de saúde. Exceto nesta região e no Norte, a percentagem de pessoas que se dirigiram a um serviço de saúde foi superior à de quem recorreu à linha do SNS24 – este desvio é particularmente notório no Centro. No pós-pandemia, os portugueses referem a intenção de utilizar menos transportes públicos e mais a viatura própria. Cerca de um terço pretende andar mais a pé, o que pode ser uma consequência do tempo passado em casa, aliado ao receio de possível contágio em transporte público. Cerca de quatro em cada dez homens na nossa amostra preferem voltar ao local de trabalho, contra apenas três em cada dez mulheres. As mulheres tendem a concordar mais com as regras, mas estão mais receosas com algumas reaberturas, nomeadamente das creches, cerimónias religiosas e competições futebolísticas.
Homens
PREFERÊNCIA RELATIVA AO LOCAL DE TRABALHO 61%
9%
53%
38%
30% 9%
Indiferente entre as duas opções
Trabalhar no seu local de trabalho habitual
Trabalhar remotamente
DEMASIADO CEDO PARA DESCONFINAR Jogos da I Liga de futebol - 31 maio Cinemas, teatros, auditórios - 1 junho Grandes lojas e centros comerciais - 1 junho Cerimónias religiosas comunitárias - 31 maio Creches, pré-escolar e ATL - 1 junho Restaurantes e lojas intermédias - 18 maio Pequenas lojas, cabeleireiros, livrarias - 4 maio Serviços de atendimento ao público - 4 maio 0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
CONCORDA COM AS MEDIDAS PÓS-PANDEMIA Confinamento obrigatório para pessoas doentes e em vigilância ativa Uso obrigatório de máscaras nos transportes públicos, escolas, comércio, … Proibição de eventos ou ajuntamentos com mais de 10 pessoas Lotação máxima de 5 pessoas por 100 m2 nas instalações fechadas Dever cívico de recolhimento domiciliário Permissão de funerais apenas com a presença de familiares 50%
13%
Percentagem de pessoas que sentiram, pelo menos, um dos sintomas relacionados com a Covid-19
Por Pedro Pita Barros, Eduardo Costa e Sara Almeida
647 Número de pessoas que
constituem a amostra da 4ª vaga do inquérito, realizada entre os dias 8 e 27 de maio
55%
60%
65%
70%
75%
80%
85%
90%
95% 100%
FONTE: Inquérito sobre a pandemia Covid-19 (Nova Health Economics & Management Knowledge Center, Nova School of Business and Economics) INFOGRAFIA: Álvaro Rosendo/VISÃO/Dreamstime.com
4 JUNHO 2020 VISÃO
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PONTOS DA SEMANA POR RUI TAVARES GUEDES*
*Diretor-executivo rguedes@visao.pt
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VISÃO 4 JUNHO 2020
GETTYIMAGES
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AMÉRICA SUFOCADA A imagem da América como terra de oportunidades é hoje apenas uma fotografia antiga, resgatada de uma qualquer gaveta onde se guardam memórias de um tempo que, agora, já nada tem que ver com a força e a grandeza da nação que conseguiu, durante décadas, impor o seu domínio ao mundo. Bastou apenas entregar os comandos a um louco egocêntrico para que o declínio do império americano se tornasse evidente, num país profundamente dividido, incapaz de enfrentar qualquer problema e que atingiu níveis de descrédito internacional que, até há bem pouco tempo, seriam inimagináveis para uma nação orgulhosa e influente. A forma inepta como os EUA se deixaram atingir pela pandemia da Covid-19, com um Presidente incapaz de exibir qualquer nesga de liderança exemplar, deixou clara a situação de fragilidade de um país cada vez mais desigual, onde a questão racial não ficou resolvida – longe disso – com as duas eleições consecutivas ganhas por Barack Obama. Desde o início, a estratégia de Donald Trump tem sido a de cavalgar as clivagens que deteta na sociedade americana. Onde encontra um fosso, um motivo de divisão, ele tenta sempre alargá-lo, de forma a extremar posições, criar conflitos e, por essa via, mostrar-se como o homem que vai impor a sua vontade e devolver a grandeza a um país à procura de novo rumo. Ele
procura os sinais de raiva e tenta aproveitá-los para o seu lado. Com Trump não há, nunca, qualquer tentativa de conciliação – apenas lhe interessa o combate. De preferência, um combate em que ele possa aparecer sozinho contra todos os “outros” e, com esse gesto, levar os seus apoiantes a cerrar fileiras em seu redor. Não lhe importa a razão nem sequer os valores, desde que, no fim, possa sair vencedor. Por isso mesmo, em vez de condenar, de imediato e de forma vigorosa, o homicídio de George Floyd, ele preferiu despejar ainda mais gasolina para a fogueira da revolta, pediu mais violência sobre os manifestantes e, como sempre, culpou os “outros” por não saberem impor a lei e a ordem. No plano interno, esta sua postura tem uma explicação: a de se mostrar aos seus apoiantes e aos eleitores ainda indecisos como o homem que não cede nem hesita no uso da força, mas consegue, no fim, impor a sua vontade. Numa nação profundamente dividida, muito racista, ainda abalada pelo caos provocado pela crise sanitária e a começar a mergulhar numa das piores crises económicas da História, essa postura pode ter resultados, pois permite-lhe pescar nas águas dos milhões de descontentes. No entanto, no plano internacional essa é uma estratégia suicida, que apenas dá força aos adversários e afasta os antigos aliados. Quem quer ter um amigo assim?
7mil NÚMERO
FRASE
Agora perceberam que o troglodita que eles elegeram não deu certo...” Lula da Silva, sobre o isolamento cada vez maior do Presidente brasileiro Jair Bolsonaro
Testes diários à Covid-19 na região de Lisboa Em tempo de desconfinamento, as preocupações estão na região de Lisboa e Vale do Tejo, onde se concentram os principais focos de contágio do novo coronavírus, nas últimas semanas. Para tentar perceber o que se passa e, por aí, controlar a propagação da doença, a Direção-Geral da Saúde vai realizar, esta semana, cerca de 50 mil testes, numa área que conta à volta de três milhões de habitantes. Pode parecer pouco, se calhar, mas corresponde a realizar, em apenas sete dias, um quinto dos testes que a Suécia fez em mais de dois meses, desde o início da pandemia. CIÊNCIA
Hidropolémica Quase em simultâneo, a Organização Mundial da Saúde e os reguladores sanitários do Reino Unido, França e Austrália mandaram suspender os testes com a hidroxicloroquina, o medicamento usado na prevenção e no tratamento da malária, que alguns consideravam poder ser uma cura para a Covid-19. Um estudo publicado na revista científica The Lancet concluiu, no entanto, que os efeitos secundários eram superiores aos possíveis benefícios. Ponto final na polémica? Longe disso: um abaixo-assinado subscrito por mais de 120 cientistas veio criticar o estudo e pedir que os ensaios possam prosseguir.
FÉRIAS
Pagar para ter turistas
DESPORTO
A ideia que pode salvar o jogo Como todos já perceberam, o futebol voltou, mas não é a mesma coisa. Em especial quando a bola entra na baliza e as bancadas permanecem mudas e vazias. As equipas podem ser as mesmas, mas já ninguém tem dúvidas de que grande parte da beleza do desporto – qualquer que ele seja – é fruto da emoção que transborda do público e contagia multidões. Para tentar resolver esse problema, em tempos de desconfinamento, a melhor ideia veio da Dinamarca, mais concretamente dos dirigentes do Aarhus (clube que, há quase meio século, o Benfica eliminou nos quartos de final para a conquista do seu primeiro título europeu): em vez das bancadas vazias, eles colocaram dezenas de ecrãs no estádio, nos quais os adeptos se “ligam”, em videoconferência, através da aplicação Zoom. No estádio do Aarhus já não há golos silenciosos.
Para fazer regressar os turistas, o Chipre está a jogar alto para poder manter vivo um setor que representa cerca de 15% do seu PIB: quem for lá passar férias e, no regresso, der positivo para a Covid-19, será reembolsado de todas as despesas efetuadas na ilha do Mediterrâneo. Muitos outros países e regiões estão a começar a anunciar medidas semelhantes para voltarem a encher os seus hotéis, restaurantes, praias, locais históricos e centros culturais, depois de meses de quarentena em que as receitas foram reduzidas a zero. No México, por exemplo, prepara-se uma campanha para a zona do Iucatão, onde os visitantes apenas pagarão metade dos dias da sua estada. Algo semelhante ao que a ilha italiana de Sicília também já tinha anunciado. Noutros países, começam a ser distribuídos vouchers para estimular o turismo interno.
I N F O R M ÁT I C A
Trocar jornalistas por robôs A Microsoft anunciou que vai começar a substituir jornalistas por robôs, dotados de Inteligência Artificial (IA), para selecionar as notícias que surgem no seu portal de informação MSN, não se sabe com base em que critérios ou códigos de conduta. Ao que parece, também a
Google está a estudar algo semelhante. De uma coisa, no entanto, ambas podem ter a certeza: no dia em que os verdadeiros órgãos de informação já não tiverem jornalistas, tanto a Microsoft como a Google também já não terão notícias para distribuir... Não há IA para tanto.
4 JUNHO 2020 VISÃO
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HOLOFOTE
Jeff Zucker De olho na Big Apple Trump Show É conhecido o ódio destilado pelo Presidente dos Estados Unidos da América para com grande parte da comunicação social. À exceção da sua Fox News, jornalistas e cadeias de televisão são habitualmente acusados por Trump de estarem por detrás de urdiduras que visam afastá-lo da Casa Branca. E entre os seus principais inimigos está a CNN, cadeia de notícias criada (fez na segunda-feira, 1, 40 anos) por Ted Turner e agora presidida, desde 2013, por Jeff Zucker, judeu de 55 anos, nascido na Flórida, filho de um cardiologista e de uma professora. Na luta para voltar a fazer da CNN uma peça relevante nas cenas jornalística e política norteamericanas, Zucker percebeu que, com o eleitorado conservador a pender para a Fox News, só lhe restava lutar pelo público mais liberal e mais jovem, tipicamente mais propenso a votar no Partido Democrático.
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Sucesso nas manhãs Depois de ver a sua candidatura à Harvard Law School chumbada, o jovem Zucker, então com 21 anos, e com um passado ligado ao jornalismo universitário, entrou para a NBC, em 1986, para integrar a equipa de pesquisa de informação, tendo em vista a cobertura dos Jogos Olímpicos de 1988. Mais tarde, juntou-se à equipa de produção do Today Show, um dos mais importantes programas da manhã da TV norte-americana. Foi com ele já no papel de produtor executivo, em 1992, que o programa passou a ser transmitido em direto, num estúdio com vista panorâmica para a Rockefeller Plaza, em Nova Iorque, de onde comandou as audiências durante mais de 16 anos. O sucesso profissional veio na sequência, com Jeff a chegar a presidente e CEO da NBC-Universal, em 2007.
VISÃO 4 JUNHO 2020
A CNN FEZ 40 ANOS E, DESDE 2013, TEM UM PRESIDENTE QUE VOLTOU A FAZER DELA UMA PEÇA CENTRAL NA POLÍTICA DOS EUA. A PONTO DE ELE PRÓPRIO JÁ SONHAR COM O LUGAR DE MAYOR DE NOVA IORQUE MANUEL BARROS MOURA
Fracasso nas noites Uma decisão errada na troca de Jay Leno por Conan O’Brien na condução dos programas da noite acabaria por ditar a perda de liderança da NBC nesse horário e a queda de Jeff, que abandonou a presidência da companhia em 2010, quando ela foi comprada pela Comcast, a troco de uma indemnização que rondou os 40 milhões de euros. A 1 de janeiro de 2013, assumiu a presidência da CNN, levando-a ao segundo lugar das audiências (atrás da Fox) com uma aposta clara no debate político num modelo decalcado dos painéis de comentadores desportivos e num jornalismo de proximidade, sempre que possível em direto, com dramatismo. Algo que ficou bem patente no episódio da detenção, em direto, de uma equipa de repórteres que acompanhava os acontecimentos em Minneapolis, após a morte de George Floyd.
Ambição Se é verdade que a política imposta por Zucker na nova CNN lhe tem rendido audiências, também causa dissabores, como na última sexta-feira, 29, quando os motins atingiram a sede da companhia, em Atlanta. E o que explica este ataque a uma televisão que dá voz aos mais desfavorecidos e é vista como contrapoder nos EUA? O rapper Killer Mike, num discurso emotivo em que apelava à calma dos manifestantes, explicou. “Parem de fazer as pessoas sentirem tanto medo. Deem-lhes esperança!” Mas não parece ser esse o caminho de Jeff Zucker. Como explicou ao New York Times, no domingo, 31, a aposta da CNN vai continuar a ser a da cobertura intensiva, emotiva e opinativa da crise decorrente da pandemia, que ele acredita que “torna impossível que este venha a ser um ano político normal”. Mesmo com eleições marcadas para novembro. E, por falar em eleições, Zucker não esconde aquele que pode vir a ser o seu próximo projeto, já em 2021: “Nova Iorque vai precisar de um mayor muito forte e eu sempre gostei de um desafio.”
INBOX
Se ouvir mais um branco dizer que todas as vidas são importantes, vou perder a cabeça. Calem a boca
M O D É S T I A À PA R T E
O 1º de Maio deu-nos força ISABEL CAMARINHA A secretária-geral da CGTP defende que as comemorações do 1º de Maio tornaram a CGTP mais forte. E garante que Marcelo nunca lhe falou de limitação do número de pessoas nas celebrações
Não é saudável para a democracia que os corruptos demorem a ser julgados
BILLIE EILISH A cantora insurgiu-se contra quem clama que All Lives Matter (todas as vidas são importantes), por oposição a Black Lives Matter (as vidas dos negros são importantes), lema que já se transformou num amplo movimento social
LUÍS NEVES Diretor nacional da Polícia Judiciária
FRASE DA SEMANA
Na falta do futebol, os portugueses transformaram-se todos em epidemiologistas
C H O Q U E F R O N TA L
RODRIGO GUEDES DE CARVALHO Jornalista e pivô do Jornal da Noite, da SIC
JOSÉ MANUEL FERNANDES Publisher do Observador
Se Rui Moreira avançasse, eu não seria candidato PINTO DA COSTA O eterno presidente do FC Porto é candidato a mais um mandato
Vamos votar-te daí para fora em novembro TAYLOR SWIFT A cantora acusa Trump de defender a supremacia branca e o racismo
Ainda estamos para ver se o Chega é um partido programaticamente xenófobo
As coisas têm um Ao possibilitar limite. Acabou, a ação dessas milícias porra! Tenho digitais, estaremos as armas da a permitir um ataque democracia à liberdade na mão de Imprensa JAIR BOLSONARO ALEXANDRE Presidente insurge-se DE MORAES contra a investigação Juiz do STF que de notícias falsas e ordenou a investigação publicações caluniosas a empresários, deputados nas redes sociais, e ao ministro da Educação
Fontes: Expresso, Jornal i, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Estadão, Blitz 4 JUNHO 2020 VISÃO
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ALMANAQUE
NÚMEROS DA SEMANA
€1,4 milhões A Rede de Emergência Alimentar, desenvolvida pela Entrajuda e assente nos Bancos Alimentares a ela aderentes, angariou na campanha que decorreu entre 21 e 31 de maio 1,4 milhões de euros em donativos para disponibilizar alimentos básicos a milhares de famílias portuguesas afetadas pela crise da pandemia de Covid-19.
25,9% O índice de produção industrial caiu, em termos homólogos, 25,9%, em abril, depois de uma redução de 6,8% em março, refletindo os constrangimentos associados à pandemia de Covid-19, segundo dados divulgados pelo INE.
€10 milhões O Turismo de Portugal lançou um programa de apoio de 10 milhões de euros até março de 2025, com 2,5 milhões de euros por ano, para candidaturas a medidas e projetos de promoção turística do destino Portugal. 20
VISÃO 4 JUNHO 2020
Microsoft troca jornalistas por robôs Dezenas de jornalistas vão perder o emprego, porque a gigante tecnológica decidiu substituí-los por software de Inteligência Artificial Eram jornalistas que mantinham atualizadas as páginas iniciais de notícias do site MSN e do navegador de internet Edge, utilizadas por milhões de pessoas em todo o mundo e instaladas por defeito nos dispositivos Microsoft. De acordo com The Guardian, cerca de 30 jornalistas da agência noticiosa britânica PA Media foram informados de que irão ser despedidos no final de junho, depois de o gigante tecnológico ter decidido deixar de empregar humanos para selecionar e editar artigos de notícias em suas páginas iniciais. Os jornalistas
souberam de que a decisão de terminar o contrato com a PA Media foi tomada em pouco tempo, sendo parte de uma mudança global que aposta na atualização automática de notícias, utilizando software de Inteligência Artificial. Atualmente, as equipas que trabalham para o site da Microsoft não têm por função escrever artigos noticiosos originais, mas exercem um controlo editorial, selecionando notícias produzidas por outros meios de comunicação e editando conteúdo e manchetes, quando apropriado, para se adequarem ao formato.
COVID-19
Portugueses inventam escudo protetor para dentistas Miguel Pais Clemente, da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto, e Joaquim Gabriel Mendes, da Faculdade de Engenharia da mesma universidade, juntaram-se para inventar aquilo a que chamaram “escudo protetor de aerossóis em medicina dentária”. Este instrumento inovador é composto por uma campânula de proteção em forma de U invertido. Nas paredes laterais, oblíquas, existem dois orifícios que permitem a entrada das mãos do profissional de saúde oral e do seu colaborador. O dispositivo é feito em acrílico, o que possibilita uma visualização correta do campo operatório; além disso, assegura a extração dos aerossóis por um sistema de ventilação forçada, através de um filtro específico para retenção de bactérias e vírus. Esta invenção, cuja patente já foi submetida a aprovação das entidades competentes, promete resolver alguns dos desafios que a pandemia colocou a esta área clínica.
DIANA TINOCO
Em maio de 2020 foram matriculados, pelos representantes legais de marcas a operar em Portugal, 7 579 veículos automóveis, ou seja, menos 71,6% do que em igual mês do ano anterior, anunciou a Associação Automóvel de Portugal. Por sua vez, nos primeiros cinco meses do ano, foram colocados em circulação 64 323 novos veículos, um retrocesso de 46,8% em comparação com o mesmo período de 2019.
GETTY
71,6%
TRANSIÇÕES
MORTES
O antigo velocista norteamericano Bobby Joe Morrow, campeão olímpico nos 100, 200 e 4x100 metros nos Jogos Melbourne 1956, morreu no sábado, 30, aos 84 anos, de causas naturais, na sua residência em San Benito, no Texas, anunciou a família. Gestor e com um longo percurso ligado às relações públicas e comunicação empresarial, João Queiroz, natural de Guardão (Tondela), foi, durante mais de três décadas, diretor técnico da empresa de sondagens Aximage, que fundou com o investigador Jorge de Sá. Queiroz, de 67 anos, sofria de cancro e morreu na última quinta-feira, 28, em Lisboa. O argentino Mauricio Hanuch, ex-futebolista do Sporting, morreu na quarta-feira, 27, aos 43 anos, vítima de doença prolongada. O jogador foi contratado em 1999 pelo Sporting ao Independiente da Argentina, sagrando-se campeão nessa temporada em Alvalade.
PRÉMIO
As curtas-metragens portuguesas Tio Tomás, a Contabilidade dos Dias, de Regina Pessoa, e Purpleboy, de Alexandre Siqueira, foram as vencedoras do Prémio SPA/ Vasco Granja do Festival de Animação de Lisboa – MONSTRA. Os vencedores da edição deste ano foram anunciados no sábado, 30, por Fernando Galrito, diretor artístico do certame, numa cerimónia online que juntou realizadores de todo o mundo.
CHRISTO 1935 - 2020
Sonhador de fundo
Ao lado da mulher e colaboradora de sempre, Jeanne-Claude, o artista búlgaro embrulhou monumentos, ilhas, lagos e paisagens inteiras, como se fossem presentes para a Humanidade “Sou um artista totalmente irracional, totalmente irresponsável e completamente livre.” Eis um manifesto que se imaginaria enunciado por um qualquer young angry artist, mas que Christo, 84 anos, usou na sua última entrevista, concedida ao The Art Newspaper, a 11 de maio. O seu legado artístico, assinado a quatro mãos com a mulher, Jeanne-Claude (1935-2009), com quem partilhava dia e hora de nascimento, é marcado pela espetacularidade, cor e megalomania efémera: monumentos como o Reichstag, em Berlim (1971-1995), e a Pont Neuf, em Paris (1985), foram embrulhados com tecidos feitos à medida; ilhas ao largo de Miami (1980-1983) ganharam panejamentos cor-de-rosa; três mil guarda-chuvas gigantes marcaram a paisagem da Califórnia e do Japão (1984-1991); a costa litoral australiana (1968-1969) foi envolvida em tela e um lago italiano foi atravessado por passadiços amarelos gigantes (2016) que, de cima, lembram as linhas de um quadro abstrato... De fora, ficou um projeto para o
Arkansas, abandonado como protesto pela eleição de Donald Trump. E se não tivesse surgido a Covid-19, o Arco do Triunfo estaria agora embrulhado, retrabalhando as pregas das estátuas helénicas da Antiguidade e o conceito duchampiano do ready-made (a instalação foi reagendada para setembro de 2021). Alguns detratores defendem que a sua obra transformouse num entretenimento decorativo para as massas, mas é impossível ignorar a sua grandiosidade utópica, que exigia prodígios de engenharia, décadas de debates políticos, orçamentos gigantes, desafios jurídicos e milhares de colaboradores para ser concretizada. Christo, nascido em Gabrovo, Bulgária, sob a ideologia comunista soviética do pós-guerra, defendia que quanto mais gente se envolvesse e contemplasse os trabalhos, mais democrática a sua arte seria. E, curiosidade, Christo criou para portugueses: colaborou, entre 1958 e 1964, com a revista do coletivo KWY. Faleceu no passado domingo, 31 de maio, em Manhattan, a que chamava casa desde 1964. S.S.C. 4 JUNHO 2020 VISÃO
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PRÓXIMOS CAPÍTULOS
O Mundial vai começar no início de julho, na Áustria PERISCÓPIO
GETTY
NOVA BITOLA
FÓRMULA 1
Ordem para acelerar Os bólides vão voltar, finalmente, às pistas, num campeonato sem público e com duas corridas seguidas nalguns circuitos À semelhança do que já aconteceu com as principais ligas de futebol e de outros desportos de alta competição, aquelas que envolvem grandes patrocinadores e muitas centenas de milhões de euros, a Fórmula 1 já tem luz verde para a retoma. No último sábado, 30, o Governo austríaco aprovou a realização das duas primeiras corridas da edição de 2020 do Campeonato do Mundo de F1, nos dias 5 e 12 de julho, em Spielberg. E esta é a primeira novidade da competição: nalguns circuitos, vão realizar-se duas provas com uma semana de intervalo. Tudo para acelerar o ritmo de provas, reduzir os custos de transporte e maximizar o investimento feito em prevenção sanitária. As corridas vão realizar-se sem a presença de espectadores e as equipas viajarão em voos fretados para o efeito, que aterram na base aérea próxima do circuito. Os elementos do paddock terão de ser testados à Covid-19 e cada equipa ficará confinada em hotéis diferentes e deverá movimentar-se sempre em grupo, em autocarros próprios. O Governo britânico também deu luz verde à realização de duas corridas no circuito de Silverstone, a 2 e a 9 de agosto, abrindo, para isso, uma exceção na obrigatoriedade de cumprimento de quarentena para cidadãos estrangeiros que entrem no país. Além destes quatro grandes prémios, também a Alemanha e a Hungria estão preparadas para receber o circuito da Fórmula 1. O calendário ainda está a ser negociado e deverá ter corridas e terminar a 13 de dezembro, CONFIRMAMOS 18 em Abu Dhabi. QUE VAMOS Outra boa notícia para os amantes Fórmula 1 foi o anúncio de que a MANTER A da Renault vai continuar no Campeonato NOSSA MARCA do Mundo, apesar das dificuldades que obrigaram o gigante NA FÓRMULA 1 financeiras, da indústria automóvel francesa a CLOTILDE DELBOS anunciar um plano de supressão de Diretora-geral interina da Renault 15 mil postos de trabalho. 22
VISÃO 4 JUNHO 2020
O senhor 100 milhões Luís Filipe Vieira revelou, em entrevista à BTV, que, se não tivesse sido a Covid-19, o emblema lisboeta poderia ter encaixado €200 milhões com a venda de dois jogadores (sem adiantar quais). Na prática, 100 milhões por cada atleta. Sendo certo que os talentos do empresário Jorge Mendes nada ficam a dever aos da personagem Oliveira da Figueira (dos livros do Tintim), olha-se para o plantel encarnado e pergunta-se em quem estava a pensar o presidente das águias. Não estaria Vieira a fazer confusão com o preço de tabela (15 milhões) que o Benfica, há uns anos, instituiu para produtos da formação como Bernardo Silva, André Gomes, Ivan Cavaleiro ou João Carvalho? Como dizia o outro, é fazer as contas... INFLUÊNCIAS Pinto “Maquiavel” da Costa Jorge Nuno Pinto da Costa é novamente candidato à presidência do FC Porto, e a reeleição parece uma mera formalidade. Curiosa, curiosa é a composição da lista para o Conselho Superior dos dragões, onde o poder político e mediático – da esquerda à direita – se senta, uma vez mais, à mesma mesa. Autarcas de todos os quadrantes, deputados, exlíderes parlamentares, eurodeputados, dirigentes partidários, tudólogos da comunicação social... É caso para dizer que não “habia” necessidade.
FAÇÕES Chega aos molhos O último sábado, 30, foi atípico para o partido de André Ventura. O conselho nacional em Amares teve menos dirigentes, por respeito às normas de segurança da DGS, e a reunião esteve borbulhante. Vários conselheiros trocaram acusações sobre atropelos à legalidade estatutária e foi declarada guerra a alegadas fações internas. O ambiente é de “caça às bruxas”, pois a tese de que o Chega está infiltrado por “inimigos” e “abutres” tem vários adeptos. Volvido mais de um ano sobre a fundação, até há um livro prometido. Bento Martins, dirigente do Chega-Setúbal, anunciou estar a escrever sobre o que de bom e de mau se passou. E há mesmo quem já esteja a tremer com eventuais revelações, ou não tivesse sido ele fundador e até segurança ocasional de Ventura em eventos políticos. Se provas faltassem quanto à fragmentação interna, este sábado, 6, há um almoço em Fátima, organizado por descontentes com o rumo do Chega. Acenderão uma velinha?
OPINIÃO
Bichos da noite (e do dia) P O R R I T A R A T O / Politóloga e ex-deputada do PCP
C
arrinhas vão chegando, saem mais homens do que mulheres, mas elas também saem. Outros vêm a pé, na estrada, ou de bicicleta, parecem vir de longe protegendo-se do sol e do resto. Parecem ter vindo de muito longe, pela fala, devem ter atravessado continentes e vieram parar aqui. Nunca esta terra, que viu tantos partir, terá pensado que um dia chegariam tantos vindos de tão longe, de terras que nem sabem dizer o nome. Alguns têm lenços atados na cabeça, de maneira diferente da nossa, mas a necessidade faz o engenho e por esse mundo fora as pessoas arranjaram formas de se proteger do sol, e do frio. Ao começo eram punhados de gente, aqui, ali, com o passar do tempo juntaram-se muitos. Ninguém sabe ao certo quantos são, já se ouviu dizer que só por estes lados serão bem mais de mil. Quem os traz parece que lhes faz um favor, quem os usa só os conhece para lhes dar ordens. Montes abandonados servem de teto, atam-lhes um trapo à porta, atiram para lá meia dúzia de colchões e chegam a ser 20. Isso ou contentores, sem água, amontoados como gado. Atravessaram continentes, passando sabe-se lá pelo quê, para estarem para ali assim, atirados à sorte. Aqui sempre estão melhores do que na terra deles, não há guerra nem fome, pois lá isso, esta sempre foi terra pacífica, e banquetes agora é o que mais apanham. A seguir ao campo da bola, nos arames de uma cerca, roupas estão estendidas a secar ao vento, gastas do sol, do pó e dos químicos. É lavar, secar e vestir, é a que têm. Fardas nem as imaginam, e não arranjavam uma farda para esta gente? A terra onde trabalham tem dono, normalmente diferente de quem os recruta, lhes retira os documentos e lhes cobra diária e dívida impagável em troca de um buraco. Mas, no fim, obedecem a ordens dos dois, cumprem horários seis dias por semana, mas ninguém sabe quantos são nem como vivem. Ou preferem dizer que não sabem, as contas às mãos que têm a trabalhar são feitas diariamente. Cuidados de saúde e exames médicos são coisas de que esta gente não precisa, na terra deles não tinham, só se sente falta do que se conhece. E instalações e balneários, também não vale a pena o investimento, luxos que depois vai-se a ver nem queriam usar.
A terra onde trabalham tem dono, normalmente diferente de quem os recruta, lhes retira os documentos e lhes cobra diária e dívida impagável em troca de um buraco. Mas, no fim, obedecem a ordens dos dois, cumprem horários seis dias por semana, mas ninguém sabe quantos são nem como vivem
E é gente que não levanta cabelo, estão ilegais, piam fininho, não têm autorização para cá estar, só para serem explorados, se forem apanhados, quem os usou paga multa para continuar a explorar outros, e eles têm 20 dias para voltar aos seus países, só não se sabe com que dinheiro e em que condições. Por estes dias de Covid-19, andam ao sabor das apanhas com a máscara na cara, não entram nas estatísticas oficiais e até de ir ao médico têm medo. O monumento a Catarina está lá, no meio da vinha, a lembrar que naquele lugar assassinaram uma mulher que só queria paz e pão para matar a fome aos filhos. Passados 66 anos, ali estão eles agora, levantados do chão, como escreveu Saramago. “Também do chão pode levantar-se um livro, como uma espiga de trigo ou uma flor brava. Ou uma ave. Ou uma bandeira. Enfim, cá estou outra vez a sonhar. Como os homens a quem me dirijo.” visao@visao.pt
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ONDAS DE CHOQUE
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O mundo parece estar a voltar demasiado depressa ao “normal”, com novas multidões após o desconfinamento, mas também com revoltas de raízes antigas
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JOANESBURGO, ÁFRICA DO SUL Centenas de passageiros se acotovelam para tentar apanhar um táxi, mal foram anunciadas as primeiras medidas de desconfinamento
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BOURNEMOUTH, REINO UNIDO Aos primeiros sinais de desconfinamento, milhares de britânicos se dirigiram para as praias do Sul do país, em busca de sol e de mar, embora continuem a não ser permitidos ajuntamentos com mais de seis pessoas
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COLOMBO, SRI LANKA Um concerto, em formato drive-in, juntou milhares de jovens num dos aeroportos da capital do país
BERLIM, ALEMANHA Uma rave, em barcos de todos os tamanhos, juntou centenas de jovens no canal Landwehr, numa celebração convocada pelas discotecas da cidade, que se encontram encerradas há longo tempo
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CIDADE DO VATICANO As visitas regressaram à imponente Capela Sistina, sob fortes medidas de segurança. O acesso só é permitido através de reserva prévia
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MANCHESTER, REINO UNIDO Protesto no centro da cidade, com um jovem de joelhos, a tocar violoncelo, em homenagem a George Floyd
PARIS, FRANÇA Com cartazes a dizer “Somos todos George Floyd”, manifestantes concentraram-se em frente à Embaixada dos EUA, a condenar o racismo
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NOVA IORQUE, EUA Um polícia ajoelha-se em sinal de solidariedade para com os manifestantes antirracistas
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LIVERPOOL, REINO UNIDO Os jogadores do Liverpool ajoelharam-se em memória de George Floyd, no estádio de Anfield, onde em todos os jogos se canta o hino You’ll Never Walk Alone
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WASHINGTON, EUA A emoção e a solidariedade também podem estar presentes dos dois lados da barricada, como sucedeu neste momento, defronte da Casa Branca
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TURISMO EM PORTUGAL
TORRES VEDRAS
20 km de costa por explorar A cerca de 40 minutos de Lisboa, o concelho de Torres Vedras tem cenários que agradam a toda família: do campo e da paisagem ainda marcada pela identidade rural (onde se destaca a presença crescente do enoturismo), ao património histórico e cultural onde se erguem as Linhas de Torres Vedras, até aos 20 km de uma costa para desfrutar em paz e segurança.
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á muito tempo que os portugueses sabem que Torres Vedras não é só o berço do Carnaval “mais português de Portugal”. A diversidade de paisagens e atividades por explorar desperta a curiosidade de quem procura um lugar para descobrir, a que se soma o importante fator da localização: a cerca de 40 minutos de Lisboa, é fácil tomar a A8 e rumar a Oeste, optando por uma das duas saídas que dão acesso à cidade. É com facilidade que se chega a uma costa com 20 km de extensão, caracterizada pela qualidade ambiental. Torres Vedras tem 22 praias, muitas delas com uma longa extensão de areal a que hoje, mais do que nunca, reconhecemos o valor. Aqui não haverá desculpa para não cumprir as medidas de distanciamento físico. Santa Cruz atrai famílias pela sua qualidade e segurança e já tinha sido fonte de inspiração de homens e poetas que ali se instalaram nos séculos XIX e XX: Antero de Quental, João de Barros e Kazuo Dan são os escritores que pode descobrir ao percorrer o Passeio dos Poetas. Mas ao longo destes 20 quilómetros, há muitos outros lugares com uma vasta extensão de areia por onde caminhar à beira-mar, como as praias Santa Rita Norte, Azul e Foz do Sizandro. Entre a Praia de Porto Novo e a Praia de Assenta Sul (as praias mais a norte e a sul), as arribas são constantes, numa paisagem marcada pela imponência do Atlântico. Este ano, o concelho de Torres Vedras conta com 12 praias “Qualidade de Ouro”, enquanto 12 praias irão hastear a Bandeira Azul. A Praia de Santa Rita Norte conta, este ano, com uma cadeira anfíbia, enquanto a Praia do Pisão irá contar com um sistema de comunicações, no âmbito do programa “Praia Saudável”. Este também é o sítio certo para quem não resiste a agarrar numa prancha. Afinal, este é um dos spots portugueses para os amantes dos desportos de ondas. Palco de 13 edições do Santa Cruz Ocean Spirit – Festival Internacional de Desportos de Ondas (cuja edição deste ano foi cancelada devido à pandemia), há muito que as praias de Santa Cruz recebem os amantes de surf, bodyboard, skimboard, bodysurf ou stand up paddle. Para os curiosos, o melhor é mesmo rumar ao areal e apostar numa das escolas que ensinam a praticar algumas destas modalidades. Se aqui férias significam saúde e segurança, convém não esquecer a proteção do ambiente e a sustentabilidade. Depois das intervenções em Porto Novo (onde as tropas britânicas desem-
barcaram durante a primeira invasão francesa) e Santa Cruz, a Praia Azul foi alvo de uma obra de proteção costeira, inaugurada há cerca de um ano. Um longo passadiço em madeira permite, agora, um acesso facilitado à praia, ao mesmo tempo que protege (e deixa admirar) o sistema dunar que a caracteriza. Se gosta de caminhar e explorar caminhos que fundem o verde da natureza com o azul do mar, o melhor é seguir para o Passadiço das Escarpas. Com cerca de um quilómetro, o passadiço une as localidades de Porto Novo e Maceira e contribui para a preservação da biodiversidade e do ambiente. Não surpreende, portanto, que Torres Vedras esteja no Top 100 de Destinos Sustentáveis, uma distinção atribuída pela organização internacional Green Destinations e que tem como objetivo valorizar o trabalho em torno do turismo responsável e sustentável. PRAIA, CAMPO E CIDADE
Se a diversidade desta costa é um ex-líbris, a verdade é que este destino tem muito mais para oferecer. O território mantém uma personalidade forte marcada pela ruralidade, que se reflete nos campos de onde brotam frutas e hortícolas que fornecem uma boa parte do país. Não é possível descrever essa paisagem sem pensar nas vinhas, prontas a serem descobertas através das experiências proporcionadas pelas 13 unidades de enoturismo a operar no Concelho. O melhor é mesmo parar para explorar e degustar os néctares de uma região que, em 2018, foi eleita “Cidade Europeia do Vinho”. Para um pleno contacto com a natureza, o roteiro não fica completo se não visitar a Paisagem Protegida Local das Serras do Socorro e Archeira, uma área rica em termos naturais, históricos, culturais e paisagísticos. A pé ou de bicicleta, explore um dos muitos percursos que atravessam esta área enquanto contempla a fauna e flora das serras do Socorro, da Archeira, da Galharda e do Monte Deixo. Para ficar a saber um pouco mais, visite o Centro Interpretativo da Paisagem Protegida, na localidade de Cadriceira. Ao campo e à praia junta-se o património da cidade de Torres Vedras, com um centro histórico que remonta a épocas anteriores à nacionalidade e com equipamentos culturais preparados para receber visitantes de todas as idades. Às portas do Castelo encontra-se o Centro de Interpretação da Comunidade Judaica, que dá a conhecer a história da presença judaica na cidade. Já o Castelo, além de contar com um Centro de Interpretação, alberga a mais antiga matriz de Torres Vedras, a Igreja de Santa Maria. É, ainda, obrigatório visitar o Forte de São Vicente, onde se encontra o Centro de Interpretação das Linhas de Torres Vedras. A estrutura pertencia a este sistema defensivo que foi construído sob orientação do general inglês Wellington para defender o país da terceira invasão napoleónica. Visite, ainda, o Castro do Zambujal, um dos mais emblemáticos sítios arqueológicos portugueses, que agora oferece renovadas condições a quem o visita. Descubra este sítio com a ajuda do Audioguia do Zambujal, uma app que lhe conta a história do local com a ajuda de Leonel Trindade (investigador torriense que descobriu o sítio em 1932), mas também de um jovem pastor, um guerreiro, uma mulher e um ancião. Conjugue a praia com o campo, conheça um pouco mais sobre a história do nosso país e não deixe de provar a gastronomia da região. Faça acompanhar um Pastel de Feijão por um dos néctares da terra e brinde a umas férias no Oeste de Portugal.•
Torres Vedras tem 22 praias, muitas delas com uma longa extensão de areal a que hoje, mais do que nunca, reconhecemos o valor.
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RAZÕES
PARA “VOLTAR” A PORTUGAL Vamos subir à serra e descer à praia. Mergulhar nas florestas e pisar os cascos históricos das nossas vilas. Respigar encantos da Natureza, do património e da vida deste Portugal tão diverso. Somos guiados por mais de uma dezena de “conselheiros” nisto de bem viajar pela nossa terra. Aqui tem, caro leitor, meia centena de lugares que merecem toda a atenção
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QUEM NOS AJUDOU A ESCOLHER A VISÃO selecionou esta meia centena de locais depois de ouvir 14 pessoas que, reconhecidamente, conhecem bem o País e os seus tesouros. São elas: Francisco Seixas da Costa (diplomata); Capicua (rapper); Rui Cardoso Martins (escritor); João Wengorovius (gestor de marcas); Joel Santos (fotógrafo); João Gago da Câmara (jornalista e escritor); Filipe Morato Gomes (blogger); Fernando Guerra (fotógrafo de arquitetura); Maria Vale (Turismo de Portugal em Espanha); Diogo Tavares (líder de grandes viagens); Casal Mistério (bloggers); João Amorim (blogger); Carla Santos (gestora de comunicação); Susana Ribeiro (blogger).
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AMARANTE
No rasto de Amadeo Passeio numa cidade que, desde sempre, influenciou pintores, músicos e escritores A vida breve, mas intensa, do pintor amarantino Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918), que tinha uma relação forte com as origens, proporciona inúmeras descobertas no território. E não faltam empresas turísticas, como a Stay to Talk e a Inside Experiences, a apresentar propostas criativas, como visitas à casa onde nasceu ou ao seu ateliê, em Manhufe, combinadas com workshops de pintura e de desenho, e provas de iguarias regionais. O roteiro incluirá, obrigatoriamente, uma passagem pelo Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso, onde estão guardadas cerca de 25 obras do pintor e se dá conta da inspiração exercida por Amarante sobre outros artistas, como António Carneiro e Acácio Lino. Pretexto para um passeio pela cidade debruçada sobre o rio Tâmega, com uma boa oferta hoteleira, desde a Casa da Calçada (e o seu restaurante com Estrela Michelin), ao Monverde Wine Experience Hotel, o primeiro hotel vínico da Região Demarcada dos Vinhos Verdes. J.L. 32
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CRUZEIRO AMBIENTAL DOURO INTERNACIONAL
Nas águas calmas, a vida selvagem Passeio transfronteiriço no rio entre os parques naturais do Douro Internacional e de Arribes del Duero “Fechem os olhos durante dez segundos”, pede o espanhol David de Salvador Velasco, especialista em conservação de fauna selvagem e gestor da Estação Biológica Internacional, antes de o cruzeiro ambiental da Europarques começar a navegar do lado português, na margem de Miranda do Douro. A viagem (€18/ adulto), com a duração de uma ou de duas horas, é um autêntico mergulho no ecossistema da fauna e da flora a unir os parques naturais do Douro Internacional, do lado português, e de Arribes del Duero, na margem espanhola, em Zamora. “Não estamos num jardim zoológico, mas se tivermos sorte podemos observar algumas espécies”, avisamnos. E logo no céu se avista o abutre-do-egito, a ave
migratória que é o símbolo dos dois parques, onde, nos seus grandes rochedos verticais de granito que atingem os 250 metros de altura e os 50 metros de profundidade, poisam a águia-de-bonelli, o grifo, a cegonha-preta ou a águia-real. Das águas calmas e silenciosas deste Douro/Duero, conhecido como o “Grand Canyon europeu”, observam-se a poça das lontras, as ilhas flutuantes com vegetação natural onde fazem a toca, uma azinheira centenária (única no mundo) com as raízes cravadas nas rochas, os líquenes nas pedras – “parecem manchas amarelas mas são seres vivos” –, a comprovarem a excelente qualidade do ar neste canhão da Reserva da Biosfera Transfronteiriça que, em 2019, recebeu 80 mil visitantes. F.A.
CAPICUA 38 ANOS
Rapper
PLANALTO MIRANDÊS “A família do meu pai é de lá e um bom roteiro passa por comer posta mirandesa no Restaurante Gabriela, em Sendim, visitar o santuário do burro de Miranda, em Atenor, ir ao miradouro da Fraga do Puio, em Picote, e, por fim, fazer um passeio no Douro Internacional”
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TABERNAS DO ALTO TÂMEGA
Sabores genuínos
LUCÍLIA MONTEIRO
Viagem gastronómica por seis concelhos do Tâmega
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LUCÍLIA MONTEIRO
HUMBERTO MOUCO
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CHAVES
TABERNAS ALTO TÂMEGA
Tesouro à beira-rio Cidade com um centro histórico aprazível, onde não falta a boa gastronomia transmontana Há uma tranquilidade, pelo menos aparente, a envolver a cidade transmontana, que merece uma caminhada pelas ruas e ruelas de traça medieval, com as características varandas de madeira. Facilmente se acede a vários pontos turísticos, como a ponte romana de Trajano, as termas, a torre de menagem do castelo (onde está instalado o Museu Militar) ou a igreja da Misericórdia. Entre os atrativos mais recentes, refira-se o Museu Nadir Afonso, um edifício de betão
branco paralelo ao leito do rio Tâmega, projetado por Siza Vieira, que dá a conhecer a obra prolífica do pintor. Imperdoável é sair da cidade sem experimentar iguarias como os milhos à transmontana, servidos no restaurante Aprígio, ou o arroz de fumeiro do restaurante Carvalho. De compra obrigatória são os famosos pastéis e folar de Chaves, feitos à moda antiga em casas como a Pastelaria Maria ou o Forno Regional João Padeiro, ambas próximas do castelo. J.L.
Montalegre Chaves
Rio Tâmega
Valpaços
Vila Pouca de Aguiar
Um passeio por Boticas, Chaves, Montalegre, Ribeira de Pena, Valpaços e Vila Pouca de Aguiar, municípios que formam a Rede de Tabernas do Alto Tâmega, só pode acabar à mesa. Saborear uma boa posta barrosã ou maronesa, enchidos e fumeiros caseiros ou legumes acabadinhos de arrancar da terra e confecionados com a mestria de cozinheiras e de cozinheiros de mão-cheia é missão obrigatória. As tabernas estão distribuídas ora por casas de pedra, em pequenas aldeias com paisagens ímpares, ora por construções modernas, em vilas mais movimentadas, unidas por um objetivo comum: valorizar os produtos e os pratos desta região. Em alguns destes lugares (que são, por si só, sinónimo da cultura popular regional), ainda se cozinha na lareira e no pote, respeitando o tempo de confeção de um receituário antigo. Criada em 2004, mas inativa nos últimos anos, esta rota gastronómica conta atualmente com 14 tabernas aderentes e a curadoria do chefe Vítor Adão, nascido e criado em Chaves. “Ser curador desta rede permite-me fazer a ligação entre o melhor do mundo rural e os produtos incríveis que dele provêm, mostrando-os ao resto do País”, explica o chefe do restaurante Plano, em Lisboa. Neste passeio, ao sabor da sua cozinha genuína, guarde-se (ainda) espaço para ouvir as muitas histórias de antigamente, também elas deliciosas e que nos prendem à mesa. S.P. 4 JUNHO 2020 VISÃO
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PARQUE NACIONAL DA PENEDA-GERÊS
Força da Natureza
Dentro dos 70 mil hectares do Parque Nacional da Peneda-Gerês não faltam pretextos para uma visita. Percorra-se, por exemplo, a Mata da Albergaria, uma das reservas biogenéticas da Europa, graças à riqueza do seu ecossistema. Para um cenário mais próximo do divino, alimentado por lendas sobre aparições, procure-se, em Arcos de Valdevez, o santuário mariano da Senhora da Peneda, rodeado de formações graníticas e de vegetação exuberante. As povoações do parque também merecem destaque. “Castro Laboreiro é uma aldeia belíssima que, talvez por estar tão isolada, soube desenvolver-se sem se descaracterizar”, conta Filipe Morato Gomes, do blogue Alma de Viajante. “Tem a hospitalidade natural das gentes do Norte, a gastronomia, o património arqueológico e muitas caminhadas para fazer, como ir até ao castelo ou percorrer o planalto castrejo”, acrescenta. Já no concelho de Montalegre, João Amorim, do blogue Follow the Sun, destaca a aldeia de Fafião. “As pessoas são acolhedoras, empenhadas em preservar as suas tradições e os seus bens naturais”, descreve. Pitões das Júnias é uma das aldeias mais visitadas de Montalegre, com paisagens a perder de vista e bons restaurantes regionais, como a Casa do Preto e o Dom Pedro, onde se destacam as boas carnes e o fumeiro. J.L. 34
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D.R.
Este é um dos últimos redutos do País onde se encontram ecossistemas no seu estado natural
O LUGAR ONDE VAI QUERER ESTAR...
Axis Viana
Axis Golfe Ponte de Lima
Axis Ofir
Axis Vermar
Basic Braga by Axis
Axis Porto
PACKS ESPECIAIS JULHO E JULHO 2020
LOCALIZAÇÃO
• 2 Noites de Alojamento em Quarto Duplo / Twin
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Cumprimos as medidas determinadas pelo Turismo de Portugal e pela DGS em todas as nossas unidades hoteleiras.
VIANA DO CASTELO . PONTE DE LIMA . BRAGA . OFIR . PÓVOA DE VARZIM . PORTO www.axishoteis.com
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72 ANOS
Diplomata
BRAGANÇA “É uma cidade com um excelente e bem tratado património monumental. Fique na Pousada de S. Bartolomeu, com vista sobre o castelo, onde está o restaurante G, com a única Estrela Michelin da região. Pode ainda dar uma saltada a Miranda do Douro, passear no Parque Natural de Montesinho e conhecer a identidade única, etnológica e linguística de aldeias como Rio de Onor e Guadramil”
DE VIANA DO CASTELO ATÉ CAMINHA Rio Minho Praia de Caminha Praia de Moledo
Praia de Afife Praia de Arda Praia do Paçô
Viana do Castelo
Praia do Cabedelo
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Entre as dunas das praias do Norte
Das famílias à tribo dos surfistas, não há vento que afaste os fiéis destes areais carregados de iodo Podemos ser fustigados por nortadas e congelados até aos ossos pela água, mas o feitiço provocado pelas praias do Alto Minho é inegável. Acontece em Caminha e em Moledo, com as famílias a intercalarem as tardes nos areais com caminhadas pela mata do Camarido, idas à feira semanal de Cerveira ou saltinhos a Espanha, ali tão perto, com o monte de Santa Tecla à espreita. E atrai ainda os amantes de surf e kitesurf para praias mais agrestes, rodeadas por cordões dunares, como as de Arda, Paçô e Cabedelo, já no concelho de Viana do Castelo. Aproveite-se para circular pela Ecovia do Litoral Norte, com muitos troços interessantes, como o construído junto ao forte em ruínas da praia de Paçô entre veigas, pinhais e afloramentos rochosos. Ao longo do percurso, surgem painéis informativos sobre as riquezas biológicas a observar pelos visitantes. Mas há outros motivos de interesse, como as gravuras rupestres pré-históricas de Montedor e da Fraga da Bica, a Capela de Nossa Senhora do Bom Sucesso, o Farol de Montedor, os moinhos de vento ou as românicas pias salineiras de Fornelos. A maioria da ecovia faz-se junto à orla costeira, com o traçado a acompanhar, nalguns locais, o do Caminho Português da Costa, rumo a Santiago. J.L.
D.R.
FRANCISCO SEIXAS DA COSTA
DE VIANA DO CASTELO ATÉ CAMINHA
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VILA NOVA DE CERVEIRA
A pacatez do verde Minho
O charme da vila minhota, a ver correr as águas do rio O escultor José Rodrigues passeava pelo Monte da Pena, no início da década de 70, quando descobriu as ruínas do Convento San Payo. Atraído pela sua força telúrica, ali se instalou e transformou o antigo convento franciscano, do século XIV, num centro cultural onde reuniu as suas obras e coleção privada, que inclui imagens ecuménicas, peças orientais e desenhos de pintores portugueses de renome. Atualmente, dispõe ainda de turismo de habitação, com uma vista fabulosa sobre o estuário do Minho, a partir dos seus jardins. Paisagem semelhante tem o Paço do Outeiral, em Gondarém, mais conhecido como Hotel Boega desde a década de 70, com os quartos distribuídos entre a mansão senhorial do século XVII e instalações mais modernas. Voltemos a recordar o escultor e o papel decisivo que teve na divulgação da Bienal de Cerveira. Mas outros encantos tem a pequena vila minhota, erguida à volta do castelo, onde se abriga a Igreja da Misericórdia e a capela de Nossa Senhora da Ajuda. Já a zona ribeirinha transformou-se num imenso parque de lazer, com campo de jogos e infantil, passeios de barco a rodear as ilhas da Boega e dos Amores e um Aquamuseu, que reproduz nos seus aquários uma descida pelo rio Minho, da nascente até à foz, além de acolher um museu das pescas. Um lugar muito procurado pelas famílias, a disputar as atenções com a feira semanal, ao sábado, conhecida pelos têxteis-lar. J.L.
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PARQUE NATURAL DE MONTESINHO
A riqueza do Nordeste transmontano 9
RESERVA DA FAIA BRAVA
Mãe terra
Animais e aves em estado selvagem, para que a Natureza volte à origem
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BOM JESUS DO MONTE, BRAGA
Mirar Braga por um canudo A união entre a dimensão religiosa, monumental e natural com o recreio e a hotelaria Há quem venha expressamente pela vista que, em dias límpidos, alcança as praias de Esposende e de Viana. Já não está lá o telescópio original que permitia “ver Braga por um canudo”, expressão que se popularizou, mas a classificação do santuário como Património da Humanidade pela Unesco, em 2019, reforçou o interesse da visita. É mais conhecido pela igreja barroca, pelo longo escadório (com um desnível de 116 metros) – se as pernas não aguentarem, o funicular do século XIX, movido por um sistema de contrapeso de água, é uma boa alternativa – e pelo parque com grutas e lagos artificiais, mas o Bom Jesus tem ainda uma vasta mata para explorar e peculiaridades como uma estrada “mágica”, cujo efeito de ótica contraria os sentidos e faz as delícias de diferentes gerações. Pode dizer-se que aqui foi criado o primeiro resort de Portugal, com os hóspedes a circularem livremente pelos quatro hotéis detidos pela Confraria do Bom Jesus do Monte – Hotel do Elevador, do Parque, do Lago e do Templo – e a usufruírem dos seus distintos serviços. Destaque para a cozinha renovada do restaurante Panorâmico, do Hotel do Elevador – que, com a entrada do chefe Albano Lourenço, acrescentou técnica culinária, sentido estético e criatividade aos sabores portugueses. J.L.
Os potros e os vitelos, nascidos nesta primavera, já correm livres pelos mil hectares da Reserva da Faia Brava, situada entre Pinhel e Figueira de Castelo Rodrigo e gerida pela Associação Transumância e Natureza. As famílias de cavalos garranos e de vacas maronesas têm-se reproduzido desde que, há 20 anos, nasceu a primeira e a única área protegida privada em Portugal, dedicada à conservação da Natureza e à valorização dos habitats. O Trilho dos Biólogos é uma das propostas de caminhada (duração 2h30; €20/pessoa), em que, na companhia de um biólogo, se podem ver os animais em estado selvagem, entre olivais e azinhais, e observar aves rupícolas, como o britango, o milhafre, o grifo ou a águia-de-bonelli, espécie em vias de extinção que ali nidifica. Sem fins lucrativos (qualquer um pode contribuir com um donativo de €20/ ano), a Faia Brava pretende alargar a sua área de renaturalização para os 2 500 metros, ajudando na criação de um corredor de vida selvagem no Grande Vale do Coa. F.A.
Dos passeios pela Natureza às aldeias onde subsistem tradições comunitárias Carvalhais, soutos, sardoais, bosques ripícolas, giestais, urzais, estevais e lameiros atestam a grande biodiversidade dos 75 mil hectares do Parque Natural de Montesinho, divididos entre os concelhos de Bragança e Vinhais. Uma paisagem constituída não só pela sua expressão puramente selvagem, mas também pela intervenção do Homem, que só a enriquece. Existem inúmeros trilhos para partir à descoberta deste território, onde há aldeias com uma “identidade única, etnológica e linguística, como Rio de Onor e Guadramil”, sugere Francisco Seixas da Costa. Se as caminhadas despertarem o apetite, na aldeia de Gimonde encontra-se o D. Roberto, que serve boa comida regional e tem ainda uma loja de produtos regionais transmontanos, como enchidos de Vinhais, presuntos e outros enchidos de fumeiro ou cura natural, produzidos na fábrica Bísaro, nas traseiras do restaurante. Já no centro de Bragança, o diplomata aconselha uma estada na Pousada de São Bartolomeu, com vista sobre o castelo, onde está o restaurante G, com a única Estrela Michelin da região. J.L. 4 JUNHO 2020 VISÃO
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MUSEU INTERNACIONAL DE ESCULTURA CONTEMPORÂNEA, SANTO TIRSO
A arte em passeio O projeto museológico ao ar livre nasceu em 1990, quando o escultor Alberto Carneiro, natural de Santo Tirso, propôs ao município a realização de simpósios dedicados à escultura pública contemporânea. Com formato bienal, cada edição implicava encomendas a cinco artistas de renome, de diferentes origens e correntes artísticas – a partir de 2015, os simpósios cessaram, mas a coleção continuou a crescer com encomendas particulares. Assim se chegou a um conjunto escultórico único no panorama nacional, de 54 peças. No perímetro urbano, em praças, parques e jardins, facilmente se tropeça em obras de artistas nacionais de relevo como José Barrias, Fernanda Fragateiro, Zulmiro de Carvalho, Ângelo de Sousa, Rui Chafes, José Pedro Croft... Uma profusão de formas, materiais, cores e estilos, ao alcance de uma caminhada – com paragem obrigatória na centenária Confeitaria Moura, para provar um jesuíta ou um limonete. Em 2016, foi criado um espaço de acolhimento do MIEC, um projeto encomendado aos arquitetos Eduardo Souto Moura e Álvaro Siza Vieira, que combina um edifício moderno com a reabilitação do vizinho Museu Municipal Abade Pedrosa, a merecer uma visita. J.L. 38
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LUCÍLIA MONTEIRO
Um museu a céu aberto, a permitir longas caminhadas pela cidade, nas margens do rio Ave
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CÔA PARQUE
Gravuras vistas da água Uma viagem de caiaque pelo rio Côa permite ver de perto a arte do Paleolítico Desde há um ano que o Museu do Côa organiza visitas às gravuras rupestres do Paleolítico a partir da água, remando ao longo de cinco quilómetros (ida e volta) em caiaque pelo rio Côa. As canoas partem da Canada do Inferno, o primeiro sítio de arte rupestre identificado, e a viagem (partida às 9h30; duração: 4 horas; €25 a €40) permite observar parte da arte rupestre do Parque Arqueológico do Vale do Côa e a biodiversidade desta zona declarada Património Mundial da UNESCO – como o ninho de cegonha-preta, que pede silêncio à sua passagem, ou a segunda maior colónia de grifos da Europa. Além de pequenas paragens para observação de gravuras, como as de Vale da Figueira/Teixugo, a viagem inclui a visita a pé ao núcleo do Fariseu e à recente descoberta, em abril, da equipa de arqueólogos liderada por Thierry Aubry de uma das maiores figuras de arte rupestre do mundo: um auroque com mais de 3,5 metros de comprimento e outras gravuras com mais de 23 mil anos. Um banho no rio e uma degustação de produtos regionais darão energia para voltar a remar no regresso. F.A.
FILIPE MORATO GOMES 49 ANOS
Blogue Alma de Viajante
CASTRO LABOREIRO “É uma aldeia belíssima que, talvez por estar tão isolada, soube desenvolver-se sem se descaracterizar. Tem a hospitalidade natural das gentes do Norte, a gastronomia, o património arqueológico e muitas caminhadas para fazer, como ir até ao castelo ou percorrer o planalto castrejo”
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QUINTANDONA, PENAFIEL
Há vida na aldeia É conhecida pelo caldo de Quintandona LUCÍLIA MONTEIRO
Este ano não haverá a festa rija dedicada à sopa da pedra preparada nas brasas, em panela de ferro, no terceiro fim de semana de setembro. Mas os negócios abertos pelos locais têm mantido a dinâmica da aldeia, situada a apenas meia hora do Porto, com belas ruelas de casas reabilitadas, de xisto, granito e ardósia. É o caso do Wine Bar Casa da Viúva, instalado num palheiro recuperado do século XVIII, onde, felizmente, se pode provar o caldo durante quase todo o ano, além de outras iguarias. Existe também alojamento atrativo, como a Casa Valxisto, uma antiga casa agrícola transformada em turismo rural, ideal para uns dias serenos. J.L.
D.R.
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ROTA DO ROMÂNICO
Celorico de Basto Felgueiras
Paços de Ferreira
Lousada Amarante
Rio Tâmega
Paredes Penafiel
Marco de Canaveses Baião
Rio Douro Resende Cinfães
Castelo de Paiva
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ROTA DO ROMÂNICO
Viagem à Idade Média
O projeto turístico-cultural transformou a imagem dos vales do Sousa, Douro e Tâmega No centro de Lousada, ergue-se como uma fortaleza o Centro de Interpretação do Românico, um edifício contemporâneo que recria o sentido simbólico e as linhas do primeiro estilo europeu. A ideia é a de que os visitantes saiam daqui com informação, simples e didática (e, acrescentamos, apresentada de forma criativa), com vontade de conhecer um património históricocultural disseminado por 12 municípios dos vales do Sousa, Douro e Tâmega: Castelo de Paiva, Felgueiras, Lousada, Paços de Ferreira, Paredes, Penafiel, Amarante, Baião, Celorico de Basto, Cinfães, Marco de Canaveses e Resende. Enquadrados em cenários bucólicos, existem 58 monumentos para descobrir (muitos deles requalificados), entre mosteiros, igrejas e alguns exemplares da arquitetura civil, que testemunham o papel relevante que este território desempenhou na história da nobreza e das ordens religiosas em Portugal, entre os séculos XI e XIV. Enquanto rota turística, apresenta muitos programas, à imagem dos interesses do visitante e do tempo do passeio, com sugestões onde comer e dormir, além de experiências diferenciadoras, de provas de vinho verde a passeios de BTT, que acrescentam outras memórias às visitas. J.L.
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QUINTA DA AVELEDA, PENAFIEL
Brinde ao romantismo Muito se esconde por detrás dos altos muros da propriedade histórica, na região dos vinhos verdes A chegada a Penafiel do enólogo francês Eugène Hélisse, trajado de branco e chapéu de palha, assume contornos lendários. Ao avistar das janelas do comboio os vinhedos da Aveleda, saiu no apeadeiro seguinte para conhecer a propriedade. Acabou por se fixar ali e a sua presença deixou marcas: introduziu melhorias significativas no processo de vinificação e iniciou, em 1939, a produção do Casal Garcia, que é o segundo vinho português mais vendido em todo o mundo. Mas uma visita à Quinta da Aveleda (sempre guiada e por marcação) não roda só à volta dos vinhos e das suas histórias. Imperdíveis são os imensos jardins – que espelham a paixão pela botânica da família Guedes, proprietária desde o século XVII –, com espécies raras e centenárias de árvores, como o cedro japonês, o cipreste dos pântanos ou a sequoia norte-americana. O passeio revela ainda um conjunto arquitetónico peculiar, formado pela romântica casa senhorial, pela mirabolante torre das cabras, pela casinha de chá ao estilo vitoriano retirada da ilustração de um conto infantil, ou pelo edifício da Adega Velha, onde repousam as barricas de carvalho francês que guardam a célebre aguardente. Para (bem) finalizar a visita, há provas de vinho e mais uns petiscos à escolha. J.L. 4 JUNHO 2020 VISÃO
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RUI CARDOSO MARTINS 53 ANOS
Jornalista e escritor
SERRA DE SÃO MAMEDE
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Onde Zeca se inspirou
“As minhas escolhas estão no triângulo formado por Portalegre, Marvão e Castelo de Vide, no Alto Alentejo, como a estrada que leva até ao pico de S. Mamede, o restaurante Tombalobos, dentro do Castelo de Portalegre, a Judiaria de Castelo de Vide ou trilho medieval à volta de Marvão”
Não admira que esta aldeola fronteiriça tenha sido a musa do cantautor
INÁCIO LUDGERO
ESTRADA ATLÂNTICA Praia Osso da Baleia Lagoa da Ervedeira
Praia do Fausto
Marinha Grande
Leiria
Nazaré Alcobaça
Caldas da Rainha
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ESTRADA ATLÂNTICA
“On the road” pelo paraíso
Entre o pinhal, as dunas e o mar, num percurso que inclui a maior ciclovia do País e segredos como a praia do Vale Furado
Pombal
Rio Lis
VISÃO 4 JUNHO 2020
MALPICA DO TEJO
Esta dica é para quem gosta de se perder pela estrada fora. Com a certeza de que não há outra igual em Portugal. De carro, de mota ou de bicicleta, vale muito a pena percorrer a Estrada Atlântica, que liga o litoral de seis concelhos do distrito de Leiria (Pombal, Leiria, Marinha Grande, Alcobaça, Nazaré e Caldas da Rainha), numa via quase sempre plana, quase sempre sem trânsito, e ladeada por uma ciclovia de 74 quilómetros – a maior pista para bicicletas do País. O segredo é partir sem pressas – e saborear. Ao longo da estrada abraçada pelo Pinhal de Leiria, conseguirá avistar dunas e arribas, e cheirar a maresia por trás dos pinheiros. Mas pode (e deve) fazer paragens. Para observar a força do mar do Oeste, registar as diferenças entre as mais de 20 praias, descobrir o melhor peixe fresco e os melhores berbigões, amêijoas e percebes, rebolar pela duna de Salir do Porto, ver o lugar onde o Canhão da Nazaré forma as maiores ondas do mundo, visitar a icónica São Pedro de Moel, descobrir recantos como a Lagoa da Ervedeira ou segredos como a praia do Vale Furado, onde a erosão desenhou as escarpas mais bonitas que certamente já viu. SÍLVIA CANECO
Tudo parece idílico quando um sítio lindo de morrer se conjuga na perfeição com um restaurante que é toda uma experiência. É isso que acontece quando decidimos ir passear para Malpica do Tejo, uma aldeia no meio do Parque Natural do Tejo Internacional, na Beira Baixa, e abancar na Tasca Maria Faia – se pensar na música de Zeca Afonso, tem tudo que ver. O músico ia com alguma regularidade a Malpica, especialmente nos anos 1960, e nestas deslocações encontrou trabalhadores agrícolas a cantarem. Zeca gravou, depois, algumas destas músicas (Cantiga da Maria Faia, A Moda do Entrudo, Oh que Calma Vai Caindo e Lá Vai Jeremias). Se a fantástica vista sobre o rio funciona como o primeiro chamariz para o restaurante, a comida não defrauda ninguém, antes pelo contrário. Aqui provam-se pratos tradicionais, da cozinha da mãe e da avó beirã, como as migas de peixe, o bucho de ossos ou as sopas de boda. Antes ou depois do almoço, há um posto de observação de aves para descobrir as maravilhas da avifauna deste pedaço de paraíso. L.O.
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SERRA DE MONTEJUNTO
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ARLINDO CAMACHO
Aproveitar a ventania
ANTÓNIO XAVIER
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FOZ D’ÉGUA
Cenário de filme
Numa zona recheada de praias fluviais, o destaque vai para este pitoresco ponto de encontro de ribeiras Não deve haver muita gente a saber que numa aldeia perto de Oliveira do Hospital, junto à foz do rio Alva, se encontra o melhor resort de águas termais do mundo. Quem nos lembra disso é Carla Santos, que por estes dias criou o grupo de Facebook Portugal: o destino IDEAL!, para dinamizar o turismo interno neste verão do nosso desconfinamento. As termas, em versão moderna, note-se, estão rodeadas de 15 praias fluviais num raio de dez quilómetros (aliás, o Centro é a região do País com mais praias, de rio ou de mar,
de “qualidade de ouro”). Porém, o destaque por estas bandas, com quem quer que se fale, vai para a Foz D’Égua, a 3,5 km da aldeia histórica de Piódão – é com ela que partilha a mística da serra do Açor. “Parece o cenário de um filme”, repara esta diretora de comunicação. Não admira: aqui dá-se o encontro da ribeira de Piódão com a de Chãs, que veem o seu percurso travado por uma represa, resultando num bonito espelho de água. A ponte de cordas, com 100 metros de comprimento, completa o tal cenário cinematográfico. L.O.
Numa terra em que as árvores abanam, haja moinhos para transformar a adversidade numa paisagem bonita Sentimos que nos afastamos da civilização na mesma proporção com que o caminho que nos levará ao topo se torna mais estreito. Já quase no alto da serra, seguimos as setas que nos conduzem a um parque de merendas no meio da mata e onde podemos visitar as ruínas do século XVIII da Real Fábrica de Gelo, em mau estado de conservação (há que chegar antes das cinco da tarde, ir ao Centro de Interpretação Ambiental e pedir que façam uma visita guiada). Saindo daqui em direção a Vila Verde dos Francos, desviamos para o moinho de Avis, já preparados para suportar o vento forte que aí se sente quase todos os dias. A vista é maravilhosa, em modo de 360 graus, mas aproveita-se melhor se for apreciada atrás da janela de um carro. Dá para entrar no moinho, que esteve a trabalhar desde 1810 até há uma década – mas só aos fins de semana. Se estiver fechado, a viagem até aqui terá valido a pena na mesma, pois acima dos 600 metros tudo parece pequenino lá em baixo e as redondezas deixam-nos encantados. Fazemos o estreito caminho até ao final da estrada, observando como estes moinhos estão, na sua maioria, bem recuperados. O do Penedo dos Ossos, por exemplo, é privado, mas o seu dono não se importa de abrir as portas, assim seja combinado com antecedência. L.O.
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BERLENGA
Uma vez na vida
Um forte, águas transparentes e aves endémicas recebem os corajosos O paraíso não é para fracos. Há a viagem de meia hora, desde o porto de Peniche até à ilha, o mar caprichoso e imprevisível, que tanto permite a contemplação como dá a volta às entranhas, o sol inclemente, o granito irregular a exigir calçado robusto. Deve ser por isso que há quem diga que, tal como Meca, a Berlenga Grande (a única ilha habitável no arquipélago das Berlengas, a sete milhas de Peniche) deve ser visitada, pelo menos, uma vez na vida. Superada a travessia, o espírito enche-se de orgulho e também de alguma indecisão. O que fazer nestes 80 hectares? Uma boa opção será a de começar por visitar o Forte de São João Batista que, no início do século XVI, servia de base de apoio a marinheiros naufragados. Quem preferir levar tudo organizado pode continuar num barco e visitar as grutas, mergulhar ou andar de canoa. Dizem os fãs de observação de aves que a Berlenga é um ponto privilegiado para essa atividade, ao albergar as únicas colónias de aves marinhas pelágicas (em mar alto) de Portugal continental, sendo a cagarra um símbolo da ilha. E que tal encontrar um lugar para, simplesmente, estender a toalha e passar o dia em mergulhos na água fresquinha e transparente? Convém marcar com antecedência a viagem de barco – sendo Reserva Marinha da Biosfera, a ilha tem lotação de 550 pessoas por dia. O paraíso não é para todos. S.S. 4 JUNHO 2020 VISÃO
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PORTO DE MÓS
Já não apita o comboio Em vez do carvão para as minas, somos nós que circulamos por aqui
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MATA DA MARGAÇA D.R.
Uma floresta à antiga
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Do outro lado da linha do telefone, Diogo Lopes avisa que está a olhar para a mata da Margaça, um dos últimos redutos por onde andou com os Bons Selvagens, um coletivo de amigos que gosta de se espraiar pela Natureza, por sítios onde a mão humana mal se faz sentir. E esta mata, a que se pode aceder a partir da pitoresca aldeia de Benfeita, concelho de Arganil, preenche esses requisitos. “Trata-se de uma floresta de carvalhos, castanheiros e cerejeiras, como deviam ser quase todas, para as poupar aos incêndios”, diz-nos este guia de grandes viagens, também habituado a cirandar pelo País. Como a mata não é muito grande, dá para percorrê-la num dia ou dois, seguindo, a pé ou de bicicleta, as cinco pequenas rotas traçadas para dar a conhecer esta área protegida da serra do Açor (existe um centro interpretativo com toda a informação). Depois, não muito longe daqui, encontra-se a imperdível fraga da Pena, uma queda de água com 19 metros de altura, que mais não é do que um acidente geológico que resulta muito bem à vista. L.O. 42
VISÃO 4 JUNHO 2020
JOSÉ CARLOS CARVALHO
Cirandar em área protegida é sempre um privilégio
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LAGOA DE ÓBIDOS
À procura dos melhores recantos É grande esta lagoa. E grandes são as possibilidades que aqui se encontram: paddle, bicicleta, piqueniques ou amêijoas Se queremos descobrir recantos sem ninguém, peguese numa bicicleta para pedalar à volta da maior lagoa de Portugal, com 6,9 quilómetros quadrados. É garantido que encontraremos espaço para estender uma toalha e apreciar a paisagem natural e calma, sem interferência humana. Depois desta volta vigorosa, apostamos que serão do estômago os ruídos que se ouvem. E nada está perdido, se não viermos em modo piquenique – antes pelo contrário. No restaurante com o nome mais estranho, o Covão dos Musaranhos, estão as amêijoas com o sabor mais cobiçado. Pelo menos é assim que o elemento masculino do Casal Mistério lembra estes bivalves apanhados aqui mesmo. Também há lingueirão ou enguias, tudo da mesma proveniência, tudo a valer esta distinção, especialmente se forem tragados na esplanada, com bela vista. A seguir, abre-se um leque de possibilidades: paddle surf nas águas tranquilas da lagoa, ida à Foz do Arelho ou visita ao Rio do Prado, um dos mais ecológicos turismos nacionais e perfeitamente adaptado aos novos tempos. L.O.
Não sabemos bem se devemos começar pela nova Casa dos Matos, The Nest, um alojamento de campo, construído com materiais naturais e decoração original, ou pela ecopista de Porto de Mós, a escassos 15 minutos, construída numa antiga linha de comboio. Não sabemos porque Maria Vale, do Turismo de Portugal e responsável pela promoção do País em Espanha, também atropela os conselhos, quando começa a lembrar-se das joias da região. E ainda acrescenta: “Há ali belas praias, pouco conhecidas.” Ainda que esta frase soe como sininhos a tocar, o tal antigo caminho de ferro soa ainda mais alto, principalmente quando descobrimos que era por aqui que circulava o carvão entre as minas da Bezerra e a central termoelétrica, em Porto de Mós. Como já não existem carris, este circuito pode agora ser percorrido, tranquilamente, a pé ou de bicicleta, enquanto se aprecia a paisagem serrana – estamos no coração do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros. Felizmente para os caminhantes eventuais, lembraram-se de criar sítios dedicados ao descanso, à contemplação e às merendas, ao longo dos 12 quilómetros do percurso circular. E no final, para deixar o corpo sossegado, lá está, há a nova unidade em Alvados, incluída na rede Solares de Portugal, dos mesmos donos do Cooking and Nature, a dois minutos de distância. L.O.
SERRA DA LOUSÃ
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Veados à vista
Nesta serra situa-se quase metade das Aldeias do Xisto e ainda podemos dizer “olá” aos cervos no seu habitat Aqui, podemos descobrir, de uma só vez, uma dúzia das 27 Aldeias do Xisto, pequenas preciosidades perdidas em altitude. Algumas são mais apetitosas do que outras e merecem um olhar demorado, que nos deixemos ficar de um dia para o outro. Cerdeira, por exemplo, que ganhou o cognome Village, tem tudo o que é necessário para sentirmos o isolamento de um lugar serrano. Logo para começar, ficamos sem rede de telemóvel assim que estacionamos o carro lá no alto. Depois, há casinhas típicas para dormir e varandas para contemplar a paisagem, completamente virgem. Além disso, ainda
conhecemos o projeto artístico que permitiu a recuperação da aldeia. Cerdeira Village é, atualmente, um local de criação, proporcionando residências para artistas, organizando workshops e experiências criativas. Fora de portas, além das outras aldeias das redondezas, há veados para avistar – a serra da Lousã é um local privilegiado para essa observação em habitat natural. No caso da empresa Veado Verde, leva-nos em todo-oterreno à procura dos animais durante o dia inteiro ou apenas numa parte dele. Opte-se pelo final da tarde, quando a temperatura e a luz se tornam mais adequadas a estes avistamentos. L.O.
ALDEIAS DO XISTO
ALDEIAS HISTÓRICAS Rio Douro
Talasnal Casal Novo
Comareira Cerdeira GÓIS
LOUSÃ Serra da Lousã Gondramaz
Pena Aigra Velha Aigra Nova
Chiqueiro Candal Ferraria de São João Mosteiro Casal de São Simão
Marialva Trancoso
Castelo Rodrigo Almeida
Linhares Rio Coa da Beira Parque Castelo Natural Mendo GUARDA da Serra da Estrela Belmonte Sortelha Piódão
COVILHÃ Monsanto
Castelo Novo Idanha-a-Velha
Rio Zêzere ESPANHA
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MARIALVA
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AVEIRO
Como no tempo dos romanos
Ria abaixo, ria acima
Em Viagem a Portugal, José Saramago descrevia o castelo de Marialva como “o mais habitado de invisíveis presenças”. É pela Porta do Anjo da Guarda que entramos no monumento mandado povoar por D. Afonso Henriques. Antes, por ali passaram mouros, visigodos, romanos e aravos (tribo dos túrdulos). As ruínas das habitações dos antigos aldeões ainda têm as suas oliveiras, e os donos vão varejá-las e levar as azeitonas para fazerem azeite. Marialva é uma das 12 povoações portuguesas que formam a rede das Aldeias Históricas, um destino único a que se juntam Almeida, Belmonte, Castelo Mendo, Castelo Novo, Castelo Rodrigo, Idanhaa-Velha, Linhares da Beira, Monsanto, Piódão, Sortelha e Trancoso. Territórios reabilitados que contribuem para o desenvolvimento económico da Região do Centro, graças ao turismo. Os buggies modernos das Casas do Côro, turismo rural aberto há 20 anos, contrastam com o empedrado milenar e proporcionam viagens todo-o-terreno dentro da aldeia. Servem para levar os hóspedes para vários lugares no meio da vinha, onde acontecem piqueniques e festas ao pôr do Sol. Há camas de madeira, montadas no meio de nenhures, com paisagens ora de vinha, de fragas ou de castelo. É em lugares como este que o silêncio se ouve na perfeição. S.C.
Aveiro não é só ovos-moles, se bem que esse seja um belo chamariz para uns dias pela terra que ganhou o epíteto de Veneza portuguesa ou de cidade-museu da Arte Nova em Portugal. Mas é para a zona da ria que queremos mandar os nossos leitores, tal a riqueza e a biodiversidade da maior zona húmida do Norte do País. Naturalmente, este é um poiso essencial para cerca de 20 mil aves aquáticas e, logo, um local adorado pelos birdwatchers (são vários os locais para observação de aves, mas o mais relevante é o da Reserva Natural das Dunas de São Jacinto, junto à Barra de Aveiro). Tome nota: a ria está classificada como Zona de Proteção Especial. A BioRia, que é um projeto desenvolvido e consolidado pelo município de Estarreja para dar a conhecer as maravilhas deste pedaço de água, traçou dezenas de percursos pedestres e cicláveis que passam pelo património natural da região. A zona também é de salinas – as mais importantes ficam em Troncalhada, São Roque e Santiago da Fonte. Não deixe de visitá-las nem que seja a bordo de um moliceiro, os barcos tradicionais que descem a ria para gáudio dos visitantes. Se o tempo ajudar, não deixe de ir até à Costa Nova. Lá estão, além de uma bela praia, os palheiros listrados e coloridos, antigos armazéns de alfaias da pesca, e as tripas. Peça-se uma, com ovos-moles, lá está! L.O.
Aldeia histórica onde o antigo se funde, na perfeição, com o luxo moderno
Há tanto para descobrir nesta zona de proteção especial
JOSÉ VICENTE
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SERRA DA ESTRELA
Culpa do degelo Vaguear pelos vales da serra corresponde a uma aula de Geologia ao vivo e a cores
ROTA DOS VALES GLACIÁRIOS
Parque Natural da Serra da Estrela SEIA MANTEIGAS Covão do Urso Loriga Covão Grande Alforfa
Quem disse que a serra da Estrela só se conjuga com neve e frio nunca lá foi nos dias quentes. É nesta altura, em que não há o risco de se ser barrado por uma parede de nevoeiro, que os passeios correm melhor. E, já se sabe, cenários naturais levam a que o carro fique parado e se abuse dos músculos. Desta vez, sugerimos uma investida pelos vales glaciários do Parque Natural para conhecer as obras esculpidas na serra. O de Alforfa é onde melhor se observam as acumulações de rochas e blocos de dimensões gigantes, provocados pelo degelo. Mas o vale da Loriga não lhe fica atrás, oferecendo um postal composto de encostas escarpadas, penhascos que parecem chegar ao céu e covões profundos (há o Covão da Areia, a Garganta de Loriga, a Penha do Gato e a Penha dos Abutres). No Covão Grande, situado num ponto mais alto, veem-se formações naturais enquanto se percorre a Nave Travessa ou se vagueia pelas margens da Lagoa Comprida. No Covão do Urso a paisagem montanhesa constrói-se à custa da maior moreia da serra, que se estende entre a vegetação, ao longo de quase três quilómetros. L.O. 4 JUNHO 2020 VISÃO
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PRAIA DA FÍSICA
Surf à vista
Lá porque vamos à praia, não quer dizer que tenhamos de ficar no areal
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DORNES
D.R.
A península encantada
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Vista das colinas circundantes, a aldeia de Dornes, encravada na ponta de uma aguda e verdejante península e banhada pelas águas da albufeira do Zêzere, parece um cenário montado para um conto de fadas. Não disporá do típico castelo cheio de torreões pontiagudos, como nos filmes da Disney, mas a Torre Templária, exemplar único, em Portugal, do modelo de forte pentagonal da Ordem (mais tarde chamada) de Cristo, dá-lhe o pedigree mágico que bem ajuda este orgulhoso membro das 7 Maravilhas de Portugal a ostentar a justa alcunha de “Península Encantada”. Dornes, incrustada num cenário idílico da Natureza exuberante, convida à exploração das suas ruelas, à visita aos seus monumentos – muito bonita a Igreja de Nossa Senhora do Pranto – e à surtida à sua praia fluvial. Os sabores locais podem ser degustados num dos seus restaurantes, por exemplo, O Rio – que vistaça! – ou o Fonte de Cima, casas onde não faltam o peixinho frito do rio ou as belas migas ribatejanas. F.L. 46
VISÃO 4 JUNHO 2020
D.R.
Por aqui podemos começar a explorar a “terra mítica dos Templários”
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SERRA DE SICÓ
Ficar dentro da buraca
Estas originais formações rochosas estão escondidas no monte Uma vez em Casmilo, uma aldeia serrana daquelas com pouca gente, ainda há que caminhar dois ou três quilómetros até se atingir o vale das Buracas (dá para continuar percorrendo a paisagem cársica da região). A boca abrir-se-á de espanto pela originalidade do que se vê. “De repente, parece que não estamos em Portugal. Faz lembrar o parque Yellowstone, nos EUA”, descreve Diogo Tavares, líder de viagens. Imagine-se então a imponência: trata-se de uma formação geológica, ladeada de escarpas, que corresponde ao que resta de algumas salas de uma gruta existente no interior do monte, depois do abatimento de uma conduta que deixou a descoberto as suas partes laterais. Há quem tire proveito destas condições naturais para fazer escalada, porque existem boas vias de acesso. Mas também se pode usar as cavidades para pernoitar, como já fez Diogo Tavares, numa não muito longínqua passagem de ano – e nem é preciso levar tenda. Na região, prove-se o queijo Rabaçal, cabrito e borrego nos pratos principais e beba-se vinho de qualidade (Terras de Sicó) para acompanhar. L.O.
Chega-se aqui seguindo os conselhos do Casal Mistério, esse duo de bloggers que insiste em nos guiar por sítios de bom tom. E este areal, que não foge às características agrestes da praia de Santa Cruz, e o que o rodeia, de facto surpreende pela positiva. É um dos mais cosmopolitas, mesmo no centro da vila, com muita areia e sem rochas – por isso muito procurada por surfistas ou praticantes de outros desportos que pedem mar batido. O mote do passeio pode ser a Noah Surf House, uma casa, como lhe chamam os proprietários, que é a filha mais nova do charmoso Areias do Seixo, a poucos quilómetros de distância. Estamos então num alojamento ecochique, cheio de pormenores distintivos e assente na consciência ambiental (a decoração faz-se com base em materiais encontrados nas praias nacionais, como redes ou madeiras de barcos). “O pequeno-almoço foi dos melhores que tomei na vida, era tudo tão saudável...”, lembra o elemento feminino do casal, a salivar com a memória. Na casa nem sequer existe sistema de ar condicionado, pois o que se quer é que as pessoas andem ao ar livre, a fazer surf ou nem por isso (também há um skate parque). Uma vez na praia, logo ali em baixo, o restaurante é onde mais apetece estar e, por isso, registe-se que também tem a marca da casa, a mesma onda decorativa e o mesmo cuidado na qualidade da comida. L.O.
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SERRA DA ARRÁBIDA
ARRÁBIDA
N
Um azul infinito
Neste parque natural, é difícil os olhos largarem o mar, apesar da concorrência de todo o verde à sua volta Abram-se estas linhas com uma dica: no YouTube está disponível uma versão curta do documentário Arrábida – Da Serra ao Mar, 12 minutos em que os fotógrafos Luís Quinta e Ricardo Guerreiro desvendam segredos do parque natural. Se na serra vamos com eles das rosas-albardeiras às raposas, em mar são os roazes-corvineiros que nos encantam a nadar naquele azul imenso. E, quando o vídeo termina, ficamos ainda com vontade de lá voltar para conhecer mais um bocadinho dos seus quase 11
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VISÃO 4 JUNHO 2020
000 hectares. Só depois parta, então, rumo à serra e, se está sedento de sol e de mar, rumo a uma das suas praias. Uma das mais bonitas é a de Alpertuche, a que se chega facilmente por um trilho de terra batida situado a 100 metros do cruzamento para o Portinho da Arrábida, mesmo antes do Museu Hidrográfico. A dos Coelhos já obriga a fazer dez minutos a pé, sempre a descer, num caminho que começa junto à estrada, depois dos Galapinhos, mas vale bem o esforço. R.R.
SESIMBRA
Cabo dos Ares Ponta de S. Pedro
Barbas de Cavalo
Ponta dos Lagosteiros
Serra da Arrábida
Pr. de Alpertuche PORTINHO DA ARRÁBIDA Pr. dos Coelhos Pr. de Galapos
SETÚBAL
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JUROMENHA, ALANDROAL
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CABO SARDÃO
Encher os pulmões A beleza de História do inóspito
LUÍS BARRA
Estes também são os castelos encantados do Alentejo...
No silêncio do alto das muralhas de Juromenha, conseguimos recuar a 1340 e imaginar a nuvem de poeira levantada pelos cavalos do séquito de Afonso XI, El Onceno, de Castela. Vem parlamentar com o seu sogro – e ocasional inimigo de armas – D. Afonso IV, o Bravo, de Portugal, e planear com ele a estratégia contra a coligação muçulmana que, juntos, derrotarão, no Salado. Juromenha é um colosso medieval de pedra, erigido pelos sarracenos numa rara escarpa alentejana, no início do 2º milénio, e tomado, em 1167, por D. Afonso Henriques. O castelo domina a peneplanície alentejana e vigia o preguiçoso Guadiana, em direção a sul. Hoje esquecido, mas ainda altivo, isolado como um eremita, foi chave da fronteira do Alentejo, nas guerras da Restauração e Peninsular. A base do viajante pode ser Vila Viçosa onde, no Paço Ducal, não deve perder as antigas cavalariças nem deixar de observar o landau em que D. Carlos e o príncipe Luís Filipe foram assassinados, em 1908. Lá estão os buracos das balas dos regicidas… A romagem enche-nos os pulmões de História, quando percorremos as terras que fizeram a grandeza dos Braganças – sem esquecer um passeio pelas ruelas de Évora Monte. O périplo pode levar-nos ao Alandroal, ao seu surpreendente castelo avermelhado e à Adega dos Ramalhos, onde podemos, enfim, pecar à vontade, frente aos soberbos sabores alentejanos. F.L.
Entre Almograve e a Zambujeira do Mar, há um pedaço esquecido de litoral alentejano, com alguns dos mais espetaculares caminhos junto à costa A praia da aldeia de Cavaleiro é de tal forma ignorada que os próprios habitantes se esquecem dela. Um forasteiro que pergunte a um local pela praia mais depressa acaba a caminho de Milfontes ou da Zambujeira do que daquele bocado de areia nos pés de uma falésia de xisto, encafuada entre rochas laminadas, a 500 metros do farol do cabo Sardão. Daqui para sul, alonga-se um percurso que segue a costa entrecortada, no cimo de arribas de 50 metros de altura, com as ondas a baterem nas rochas. São sete quilómetros de terra batida a acompanhar o mar, que termina em Porto das Barcas (uma pequena doca de pesca a norte da Zambujeira), onde se pode contar com a companhia das cegonhas – é o único local do mundo onde estas aves nidificam nas falésias. Outro caminho de terra de fazer perder o fôlego (no sentido figurativo e literal) fica a norte do cabo Sardão: partindo da praia de Almograve e virando para sul, atravessa-se uma zona de grandes dunas no cimo das falésias mais baixas, mesmo ao lado do mar. A estrada termina no minúsculo porto de pesca de Lapa de Pombas, abrigado por grandes rochedos, onde meia dúzia de pescadores anda ao robalo e ao polvo. L.R.
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PRAIA DA CARRIAGEM, ALJEZUR
A mais bonita, na maré baixa
Quem diz que não se perde por umas formações rochosas é porque não conhece bem a Costa Vicentina O blogger de viagens Filipe Morato Gomes começou o ano de 2019 a declarar “oficialmente” a Carriagem como “a praia mais bonita de Portugal”. Agora, instado por nós a escolher alguns dos lugares de que mais gosta em Portugal, Filipe volta de memória à Carriagem e desfaz-se em elogios. “A vista que se tem das arribas das formações rochosas penteadas é fantástica. E, como ganha milhentas piscinas durante a maré baixa, é um prazer andar por ali com os miúdos à procura da bicharada.” O fotógrafo Joel Santos também não perde tempo a confessar a sua preferência por esta praia “mágica” da Costa Vicentina. Nem a escorregadela que deu quando andava a fotografar as rochas “que fazem uma espécie de costas de dragão” o demove. “Patinei e acabei entalado entre duas rochas; só não bati com a cabeça graças à mochila”, conta, com uma gargalhada. Um e outro dão graças ao facto de nem toda a gente arriscar fazer o acesso à praia, muito vertical, embora suavizado por uma longa escadaria de madeira. Os menos aventureiros talvez também não adorem o facto de não haver nem nadador-salvador nem bar. Quem sabe da poda, abastece-se no Rogil, onde o pão e as empadas salvam o dia. R.R.
CABO SARDÃO
Vila Nova de Milfontes Almograve
JOEL SANTOS Rio Mira
42 ANOS
Fotógrafo
CABO DE SÃO VICENTE Cabo Sardão
Porto das Barcas
“Sempre que vou a Sagres, vou até ao Cabo de S. Vicente, mas não fico onde estão as bancas e as autocaravanas. Indo para a esquerda, por um pequeno trilho, temos uma visão sobre o farol que é muito mais bonita. Eu sou ‘cabra-montesa’, mas tenho cuidado e nunca me chego demasiado à frente”
4 JUNHO 2020 VISÃO
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MONSARAZ, ÉVORA
Num roteiro que começa em Estremoz
ANTÓNIO XAVIER
Guiar no Alentejo é um prazer se for em ritmo de passeio, pelas estradas certas
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PARQUE DE NATUREZA DE NOUDAR
Espírito bem alentejano
A Herdade da Coitadinha é um espaço de refúgio e isolamento, ideal para estes dias que vivemos Que tal uns dias no fim do mundo? Não no sentido catastrófico do termo, é claro, mas no de poder desfrutar de paisagens naturais deslumbrantes e belíssimas condições de alojamento suficientemente longe de tudo, com a calma, o silêncio e o isolamento que os novos dias aconselham? O Parque de Natureza de Noudar, na Herdade da Coitadinha, situado nos cumes e nas colinas encaixados entre os rio Ardila (que divide Portugal de Espanha) e a ribeira de Múrtega, é o sítio para ir. Para se chegar lá a partir de Barrancos, no Alentejo, há que percorrer cerca de dez quilómetros, a maioria na estrada de terra que conduz ao bem preservado Castelo de Noudar. O Monte da Coitadinha foi adaptado para alojamento, podendo ser usado como serviço de hotel (tem piscina e restaurante) ou alugando, em grupo, partes inteiras do monte, composto por duas casas equipadas. À volta são mil hectares de montado, olival e pastagens, onde é feito o pastoreio com vacas e porco preto, respeitando as regras de conservação do território e recriando as tradicionais práticas agrícolas da região. E dezenas de quilómetros de trilhos para fazer a pé, de bicicleta ou carrinho de golfe, descobrindo moinhos de água, azinhais, bosques e paisagens de cortar a respiração. M.B.M. 50
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JOÃO WENGOROVIUS 53 ANOS
Autor do livro We Chefs
SERRA D’OSSA “Um bom sítio para fazer caminhadas perto de Estremoz, onde tenho casa, é a serra d’Ossa. Tem trilhos maravilhosos. Um pouco mais longe, mas também fantásticos para andar a pé, são Marvão e Castelo de Vide, que agora têm caminhos assinalados por todo o lado”
De Estremoz a Monsaraz gastam-se 45 minutos de carro ou um pouco mais se der a lazeira ao condutor. João Wengorovius, autor do livro We Chefs, sabe isso de cor porque tem casa nos arredores da “cidade branca” do Alentejo e também sabe que a viagem se transforma num belo passeio quando escolhe passar por Terena. Quem vai a Terena dificilmente se esquece da Capela da Nossa Senhora da Boa Nova, uma igreja-fortaleza da primeira metade do século XIV que se ergue na sua estranha forma de torre, mesmo ao lado. Mas se o dia começou, como é habitual, no mercadinho no Rossio de Estremoz, onde ao sábado de manhã se vendem legumes à mistura com antiguidades, manda o relógio que se passe por ela apenas de raspão, rumo à praia fluvial de Monsaraz. Primeira da albufeira do Alqueva a receber a bandeira azul, esta praia é excelente para abrir o apetite ao objetivo mal-disfarçado do roteiro desenhado à la minuta por João Wengorovius, que adora cozinhar e comer bem – o almoço no Sem Fim, ali muito perto, no Telheiro. “Não consigo fugir dos sítios com bons restaurantes e este tem uns ótimos grelhados de porco preto no carvão.” Depois, só depois, descansam-se os olhos no alto do castelo que, nos últimos anos, ganhou vista para um imenso espelho de água. R.R.
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NO MEIO DO ALENTEJO, MESMO EM FRENTE AO ALQUEVA E DE BAIXO DO CÉU ESTRELADO DA RESERVA DARKSKY, COM AS CONDIÇÕES PERFEITAS PARA A OBSERVAÇÃO DE ESTRELAS, ENCONTRAMOS O MONTIMERSO.
É por entre o Montado e a natureza que estamos integrados, com 4 Suites com piscina privativa, 11 quartos com terraço privativo e ainda dois apartamentos que convidam a estadias mais longas, com o ambiente envolvente de calma e tranquilidade de assinatura Montimerso. Os quartos, tem uma decoração minimalista, concentrado no quadro vivo da paisagem das janelas. Dividem-se em duas alas: a Ala Alqueva com regalo directo para o maior lago artificial da Europa, e a Ala Monsaraz, com uma vista para a vila de Monsaraz, lá longe no monte com memórias feitas de cal, xisto e histórias de reis e cavaleiros que percorreram as suas ruas.
Aqui não falta a lareira alentejana que acolhe a sala e a lareira fogo de chão no pátio- companhia perfeita para um entardecer sem pressas ao sabor de um copo de vinho. Com uma piscina infinita exterior no topo da propriedade onde o tempo pára com um convite para relaxar. É no Restaurante Skyscape que decorrem os pequenosalmoços que se querem grandes e prolongados, sendo também o ponto de encontro de tábuas de queijos, lanches e snacks de quem procura o conforto da gastronomia alentejana. Um espaço de Slow Food para apreciar refeições conjungadas com a vista. Experiências foram concebidas para que cada minuto seja aproveitado: Stargazing, passeios de barco no Alqueva, trilhos pela herdade para descoberta da fauna e da flora, passeios de bicicleta, provas de vinhos, jantares de baixo
das estrelas e piqueniques. Estarão disponíveis diariamente numa agenda pensada por época que incluirá o menu pensado pelo chefe para cada dia e sugestões para aproveitar o que o Alentejo tem de melhor.
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FUZETA, OLHÃO
Um Algarve que já não existe Uma vila que parece ter parado no tempo, onde muito pouco mudou nos últimos 30 anos
PRAIA FLUVIAL DA TAPADA GRANDE, MÉRTOLA
MARCOS BORGA
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À cata de sol e de boas imagens
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Joel Santos tem sempre um olhar de fotógrafo e ainda bem, porque nos leva a ver os lugares de outro prisma. É o que acontece quando chega a esta praia na Mina de São Domingos – onde o comum dos mortais vê uma bela praia fluvial, ele encontra oportunidades únicas de fazer imagens lindíssimas. “A zona faz neblinas, é uma espécie de Brumas de Avalon numa versão do Alentejo”, compara. A meia hora de carro desta praia de águas limpas da sub-bacia do rio Chança e da Mina de São Domingos (que vale uma visita) fica o Pulo do Lobo, aquele lugar do “Portugal profundo” onde o Guadiana se estreita. O melhor ângulo consegue-se acedendo pelo lado este, ensina o fotógrafo. “É um sítio fora do comum, com as suas rochas suaves e redondas.” Mais para sul temos Mértola, ainda mais bonita ao raiar do dia, ensina. “Antes de atravessar a grande ponte, segue-se pela curva à esquerda que nos leva lá a baixo, ao rio. Aí, vemos o sol a iluminar a muralha do castelo.” R.R. 52
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D.R.
Viagem ao dito Portugal profundo, entre mergulhos na água e fotografias de cair o queixo
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PONTA DA PIEDADE, LAGOS
Monumento natural Existem truques para evitar a confusão dos barcos. É ler Os penhascos da pequena península da Ponta da Piedade são tão famosos que muito boa gente foge deles com receio de ser engolida por uma horda de turistas. O truque é chegar antes do nascer do sol, “uma boa meia hora antes”, aconselha Joel Santos, para se assistir sozinho “a tudo a acontecer”. “Tudo”, no caso, são as rochas a receberem a luz do lado esquerdo, tornando-se de um laranja quase escarlate, diz o fotógrafo que, por uma vez, não poupa no superlativo absoluto “lindíssimo”. E tem razão. Ver aquelas grandes formações de calcário no meio do mar calmo sobrevoado por gaivotas traz uma paz que raramente encontramos no Algarve. A visita tanto pode ser feita por terra, percorrendo a pé o topo dos penhascos, como a partir do mar, num dos antigos barcos de pesca que fazem excursões com direito a uma espreitadela a algumas grutas (se a maré estiver de feição). Além das gaivotas, é um dos poucos locais em Portugal onde ainda se pode observar o pombo-das-rochas em estado selvagem. R.R.
Não há um único hotel. Não há um supermercado, apenas dois minimercados, umas velhas mercearias e o mercado municipal. Nos dois restaurantes mais populares, a cozinha e a esplanada são separadas pela estrada principal – o vaivém dos empregados de mesa com as bandejas faz-se a pedir licença aos carros que passam. As grelhas estão na rua, como antigamente acontecia por todo o Algarve, emprestando ao ar (mas não o empestando) aquele permanente odor convidativo a peixe grelhado. Velhotas vendem ostras à porta de casa. Há uma pequena praia na ria, onde as ondas só aparecem quando passa um barco, ideal para famílias com crianças pequenas. Quem quiser ir à ilha da Armona (um paraíso feito de areia, mar e as melhores bolas de Berlim do mundo), são sete minutos num dos três ferries da junta de freguesia, com o bilhete de ida e volta a preços de transporte público: 1,8 euros. A Fuzeta, a meio caminho entre Olhão e Tavira, é ela mesma uma ilha no Algarve. Uma vila em que os turistas são quase sempre os mesmos, de ano para ano, e que no reencontro tratam os pescadores por tu, como velhos amigos. Não como se estivessem na sua segunda casa – mais como se estivessem a regressar à primeira. L.R.
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ALGAR SECO, CARVOEIRO
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MINA DE SAL-GEMA, LOULÉ
Dentro das rochas Química, física e magnífica Lugar de contemplação e de descoberta da força da Natureza, no Barlavento algarvio
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Nem todos os monumentos são feitos de mármore imponente: a Mina de Sal-Gema de Loulé é uma catedral construída com paredes rosadas de sal-gema, mineral aí deposto por ações químicas e evaporação da água de mares pré-históricos. Em vez de olharmos para cumes, há que mergulhar no chão penumbroso, mas esta é uma aventura com o seu quê de mágico, e os “instagramaólicos” terão com que se entreter perante as imensas formações geológicas com 230 milhões de anos. Única mina localizada abaixo do nível do mar que é visitável, a Mina de Sal-Gema é um labirinto com 45 quilómetros de galerias. Aberto ao público desde outubro, existe agora um percurso de interpretação a pé que se estende por 1,3 quilómetros, na companhia de um guia trilingue que, durante duas horas, explica a História e histórias aqui vividas. A preparação é simples: marcar um dos quatro horários diários de visita (9h30, 11h, 14h e 16h), calçar uns ténis confortáveis e usar o capacete de proteção, a lanterna e o colete fornecidos aos visitantes. Também é bom levar uma garrafa de água e verificar os níveis de ansiedade despertados por lugares confinados, passe a ironia atual: é que, para conhecer este lugar misterioso, há que apanhar o elevador à superfície, uma gaiola, e assim descer durante uns bons minutos pelo poço escuro de acesso. Mas, ao aterrar em chão firme, a 230 metros de profundidade, espera-nos uma surpresa: largos corredores palacianos, salas com tetos de quatro metros de altura, um mundo silencioso e em tons sépia, capaz de nos transportar para fora deste planeta. S.S.C.
MARCOS BORGA
Inspire, expire e deixese levar pela força da paisagem deste miradouro e monumento natural cravado na costa. Esculpido pela força do mar e dos ventos, não é o segredo mais bem guardado do Algarve, muito menos da vila do Carvoeiro – a sua proximidade com algumas artérias principais fazem com que, rapidamente, seja descoberto. Fica junto a uma falésia que, desde há seis anos, conta com a ligação do passadiço do Carvoeiro, também assente na arriba, e que, ao longo de 570 metros a direito, liga Algar Seco às ruínas do Forte de Nossa Senhora da Encarnação. É preciso descer uma escadaria com 134 degraus de rochas avermelhadas para alcançar estas grutas, onde há piscinas naturais mas também aberturas que são verdadeiros passepartouts para o oceano Atlântico. Dois desses buracos, numa rocha batizada de “Boneca”, fazem lembrar os olhos, precisamente, de uma boneca quando vista do mar. Em redor do Algar Seco são várias as praias que convidam ao descanso: a do Carvoeiro, com o casario típico de pescadores; a da Marinha, obrigatória de manhã; a de Albandeira, ainda mais bonita ao final do dia; a de Benagil, com as suas grutas intocadas. Mas, agora que os areais têm limite de banhistas, um passeio a pé até ao Algar Seco é uma alternativa a uma caminhada à beiramar. S.C.
Um cenário misterioso a 230 metros de profundidade
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CACELA, VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO
Formosa vai a ria A vista, o sapal, as ostras, o arroz de lingueirão... “E as amêijoas!”, acrescenta a rapper Capicua É ao final da tarde e junto à Fortaleza de Cacela Velha que a vista sobre a ria Formosa mais surpreende. Nos meses de verão, o céu ganha quase sempre várias tonalidades de cor-de-rosa e de cor de laranja. Calhe a maré estar baixa e ao azul da água ainda se juntam por ali o amarelo-claro da areia e o verde do sapal. É também ao final da tarde que os visitantes se perdem com as ostras e os arrozes de lingueirão servidos na aldeia (ou no Sítio da Fábrica, ao lado), iguarias que a rapper portuense Capicua troca por umas amêijoas à Bulhão Pato “naquele restaurante do largozinho” (Casa da Igreja). Quando fala das suas férias em Cacela Velha, Capicua usa diminutivos, sem medo de parecer lamechas. “Vai-se à praia de barquinho, atravessando a ria, e quando está maré baixa dá para voltar a pé e acabar o dia a jantar na aldeiazinha, que é tão bonita.” A ilha-barreira de Cabanas não protege apenas da força do mar – também nos defende da síndrome do coração empedernido. R.R.
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ILHÉU DO MONCHIQUE, FLORES
Até já, Europa
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PISCINAS NATURAIS DOS BISCOITOS, TERCEIRA
Antes de uma alcatra
Esta zona balnear surpreende os visitantes há mais de 50 anos
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FAJÃ DA CALDEIRA DE SANTO CRISTO, SÃO JORGE
Um mergulho e um prato de amêijoas A recompensa sabe ainda melhor no final da descida até à lagoa “Não há palavras que lhe façam justiça”, diz Filipe Morato Gomes, autor do blogue Alma de Viajante. Fã dos Açores, onde vai muitas vezes, o blogger de viagens aconselha a ilha de São Jorge a quem gosta de fazer caminhadas e de verde, e em particular esta fajã que considera “ainda mais mágica” por não ter acesso para carros. Existe apenas uma estradinha que pode ser percorrida a pé e que é utilizada pelos locais para levarem mantimentos de moto-quatro. Mas a melhor forma de lá chegar é fazer o Trilho da Caldeira de Santo Cristo, quase dez quilómetros pontuados por hortenses, que parte da serra do Topo e segue sempre a descer em direção ao mar. “A caminhada é lindíssima e, quando se avista a lagoa, a sensação é indescritível.” Para o jornalista João Gago da Câmara, um passeio até esta fajã tem de incluir um banho na lagoa de água salobra, seguido de uma pratada das suas “gigantes e saborosíssimas” amêijoas. Os jorgenses cozinham-nas em grandes panelões, com azeite, muito alho e muita cebola. “Com o pão caseiro de São Jorge e um branco geladinho da terra, é um repasto delicioso.” R.R.
Ir à ilha Terceira e não comer alcatra à sua moda é quase pecado. Reza a história que a receita remonta ao início do povoamento da ilha (século XV), ali aportando pela mão dos beirões saudosos da chanfana de cabra. E acrescenta o bom senso local que ela vai bem com o vinho branco Verdelho, cujas vinhas são cultivadas em “curraletas” construídas com rochas vulcânicas negras resultantes de erupções. É esse mesmo negro mate que encontramos nas piscinas naturais dos Biscoitos, no concelho de Praia da Vitória. Explicam os entendidos que elas têm por base escoadas de lava que, ao entrarem em contacto com a água do mar, deram origem a lindíssimas formações geológicas. E sabem os residentes que essas formações foram adaptadas a zona balnear em 1969, uma estreia na ilha. Passar pelos Biscoitos e não aproveitar para dar um mergulho antes de atacar uma bela alcatra é uma heresia. R.R.
JOSÉ ANTÓNIO RODRIGUES
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JOSÉ ANTÓNIO RODRIGUES
Se da Fajã Grande, a aldeia da costa oeste das Flores mais próxima do ilhéu do Monchique, se consegue ouvir os galos a cantar na América, o que acontecerá no inesperado rochedo oceânico que se ergue a 30 metros de altura? O dito tem anos sem fim, mas não é por isso que tanta gente gosta de o visitar. Diz o jornalista e escritor açoriano João Gago da Câmara que ir até este ilhéu, constituído pelos restos de um cone vulcânico, vale pela graça de dar um mergulho para fora da Europa (mesmo sabendo que, tal como as Flores, ele assenta na placa norte-americana). Um bom nadador vai a nado, mas o mais habitual é partir da Fajã Grande num barco a remos. “Chega-se ao pé do ‘ti’ Manel e resolve-se tudo na hora. São pessoas muito prestáveis.” Os menos afoitos podem sempre avistá-lo da Vigia da Ponta Negra, perto do Farol do Albarnaz. Graças à parte, os fãs da ilha das Flores não se cansam de lembrar que a ilha tem muitas lagoas e piscinas naturais, lapas e cracas enormes, e ainda coelhos-bravos, aos milhares. “Andam mesmo à beira da estrada e à nossa volta”, conta João Gago da Câmara. “Olham para nós como se fossem galinhas.” Que nos perdoem os amantes dos animais, mas há poucos pratos mais saborosos do que o Coelho Panado à Moda das Flores, servido com um molho que leva na base o caldo de cozer o bicho. R.R.
D.R.
É aqui o ponto mais ocidental do continente europeu
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MONTANHA DO PICO, PICO
Subir ao teto de Portugal
Lá em cima, há a cratera de um vulcão e até fumarolas
TRILHO DA MATA DO CANÁRIO
Lagoa Azul Sete Cidades
Lagoa de Santiago
Lagoa Verde Lagoa Rasa Lagoa do Canário
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TRILHO DA MATA DO CANÁRIO, SÃO MIGUEL
De um lado as lagoas, do outro o mar Uma maneira diferente de ver e de chegar às Sete Cidades João Gago da Câmara não precisa de gastar cinco segundos para escolher o lugar “mais fabuloso” nos Açores. Para este jornalista e escritor, natural de Ponta Delgada, o primeiro lugar no pódio pertence ao Trilho da Mata do Canário que termina junto à Lagoa das Sete Cidades. “A beleza ao longo de todo o caminho é qualquer coisa de indescritível”, começa por dizer, mas acaba a descrever uma paisagem feita de gradientes de verde, do mais claro ao mais escuro, a perder de vista. “São cerca de 11 quilómetros que se fazem bem a pé e sempre com o mar do lado – enquanto vamos descendo, temos à nossa esquerda as várias lagoas e à direita o Atlântico.” O trilho inicia-se junto ao Muro das Nove Janelas, um antigo aqueduto de
pedra, agora em ruínas, que abastecia os fontanários públicos da capital da ilha. Após passar por uma mata de criptomérias (Cryptomeria japonica), belas árvores de grandes dimensões que são endémicas no Japão, sobese ao Pico da Cruz para as primeiras panorâmicas do caminho. Dali seguese pela cumeeira da Lagoa Azul, de onde se veem a Lagoa das Sete Cidades e a Lagoa de Santiago. O caminho até à freguesia das Sete Cidades é marcado pela flora típica da Macaronésia, dominada pela laurissilva e por fetos arbóreos de grande porte, mas os olhos teimam em fugir sempre para o interior da caldeira, com as suas lagoas e formações vulcânicas. Diz João Gago da Câmara que são das três horas mais bem passadas de sempre. R.R.
Do alto dos seus 2 351 metros, consegue-se avistar a ilha de São Miguel em dias de boa visibilidade. Mas mesmo com algumas nuvens, do cume da montanha do Pico tem-se sempre uma vista soberba para as ilhas do Grupo Central e o mar a toda a volta – e só por isso já vale a pena subir ao ponto mais alto de Portugal. O trilho começa e acaba a 1 230 metros de altitude, na chamada Casa da Montanha. E mentirá quem disser que não sonha alcançar a cratera do vulcão e o seu Pico Pequeno ou Piquinho que surgiu de uma erupção mais recente, onde é possível ver o vapor das fumarolas. Mas pelo caminho há mais para ver, como a Furna Abrigo, um cone de escórias que noutros tempos servia de refúgio. A procura é tanta que por dia podem subir apenas 320 pessoas (metade em simultâneo), com ou sem guia autorizado, mas sempre com localizador GPS. No registo prévio obrigatório, os visitantes são avisados de que parte do trilho é íngreme, caminhando-se sobre lava solidificada e escorregadia. R.R. 4 JUNHO 2020 VISÃO
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ILHÉU DE CIMA, PORTO SANTO
De visita ao farol Um passeio ao som das gaivotas e das cagarras
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DO PICO RUIVO AO PICO DO AREEIRO
Caminhar nas nuvens
A vereda que liga o Pico Ruivo, o mais alto da ilha da Madeira, a 1 862 metros de altitude, ao Pico do Areeiro, o terceiro mais alto, a 1 818 metros, tem tanto de desafiante como de arrebatador. Pode começar-se em qualquer uma das pontas, sendo que se consegue chegar ao topo do Pico do Areeiro de carro e começar logo ali a caminhada de 7,4 km, com cerca de 3h30 de duração. Pelo outro lado, há que acrescentar mais 2,8 km ao percurso, fazendo primeiro a subida da Achada do Teixeira até ao Pico Ruivo. O piso é seguro, embora exigente (especialmente pelos imensos degraus) e pouco recomendável para quem sofra de vertigens, com as suas arribas imponentes. A recompensa, especialmente em dias de maior visibilidade, é uma perspetiva de 360 graus. Mesmo quando se forma um anel denso de nuvens em torno da ilha, só com os picos a despontarem, a vista é fabulosa. Para conhecer melhor a fauna e a flora, há empresas que fazem passeios guiados, como a Madeira Wonder Hikes. J.L. 58
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TIAGO SOUSA
Desbravar o maciço central da Madeira
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PONTA DE SÃO LOURENÇO, CANIÇAL
Mar à vista
As paisagens arrebatadoras do extremo mais oriental da Madeira Comece a jornada bem cedinho, para assistir ao nascer do sol no miradouro Ponta do Rosto, na zona Norte da Península de São Lourenço, o extremo mais oriental da Madeira. Dali se avista tanto a costa norte, como a costa sul da ilha, marcada por arribas monumentais, assim como Porto Santo, se o tempo o permitir. A pouca distância está a vereda de três quilómetros que percorre a Ponta de São Lourenço, feita em cerca de 2h30, sem grandes exigências físicas. De origem vulcânica e com relevância geológica, a península batizada com o nome da caravela de João Gonçalves Zarco (um dos três descobridores da ilha da Madeira) está classificada como reserva natural, com o clima árido e os fortes ventos do Norte a marcar a vegetação, rasteira e sem árvores. O cenário é lindíssimo, com os tons alaranjados das trabalhadas formações rochosas em contraste com o azul profundo do mar. O percurso termina na Casa do Sardinha, com um pequeno café e centro interpretativo, além de um cais para mergulhos na água cristalina. Dali, partem os barcos da Madeira Sea Emotions, para quem queira fazer um passeio ao redor da península e, com sorte, avistar a comunidade de lobos-marinhos. J.L.
Invariavelmente, falase de Porto Santo para gabar a praia, imensa – e, mesmo essa, tem mais para explorar do que os banhos de sol, como a terapia de areias quentes (feita no spa do Hotel Porto Santo). A ilha tem muito para oferecer. Vejase os passeios de barco até ao Ilhéu de Cima, do Farol ou dos Dragoeiros (a planta autóctone, hoje quase desaparecida), zona de reserva marinha integral e, por isso, apenas acessível com autorização especial, como a concedida à empresa Mar Dourado. Com Nélio Mendonça, porto santense de gema, aos comandos do semrrígido, e o capitão Jorge Jacinto a fazer de guia. “Chefiei a capitania de Porto Santo e, como acompanhei muitas missões científicas, fui ouvindo e, agora, transmito o que aprendi”, conta. As visitas incluem curiosidades de interesse geológico, como os fósseis com 18 milhões de anos do Cabeço das Laranjas (alaranjados, redondos e rugosos como o fruto), informações sobre a fauna e a flora, assim como a descrição pormenorizada do farol feita pelo antigo patrão-mor, enquanto os visitantes descansam junto à sua base, após percorrerem o ilhéu. Para consolar o estômago, é ali servido o tradicional bolo do caco, cavala de escabeche preparada por Nélio e vinho da Madeira. No final, já junto ao cais, há um convidativo mergulho nas águas tépidas, para snorkeling. J.L.
C O N T E Ú D O PAT R O C I N A D O
QUINTA DO LAGO
Lá fora, estamos em casa Depois de um período exigente para todos, a vida vai lentamente retomando o seu ritmo enquanto nos adaptamos à nova realidade. A necessidade de evasão nunca foi tão justificada, e as férias, no horizonte, são um bálsamo tão desejado quanto merecido. No resort Quinta do Lago, um dos mais exclusivos da Europa, descobrimos as opções perfeitas para desfrutar a dois ou em família, com muito espaço, bem-estar e segurança Enquanto sonhamos com a viagem, já estamos a viajar. No momento em que planeamos as próximas férias, já estamos a imaginar os dias bem passados, saboreando os prazeres simples da vida na companhia daqueles que nos são mais queridos. E por isso sabe tão bem, nestes dias de incerteza que vivemos, e depois de tantos dias a sonhar acordados, saber com o que contamos. Sentirmo-nos em casa num lugar que reconhecemos, e onde nos tratam sempre bem. Um resort de referência em Portugal e no mundo, sinónimo de exclusividade, qualidade e bem-estar, a Quinta do Lago é um desses lugares. E está aqui tão perto. Com quase meio século de história, a Quinta do Lago tem-se adaptado à evolução dos tempos e dos estilos de vida. Embora continue fiel aos valores que a tornaram um destino de referência, a Quinta do Lago atualizou-se, tornando-se cada vez mais orientada para a família, o estilo de
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vida de lazer e o bem-estar. A qualidade e a exclusividade que sempre caracterizaram o resort continuam intactas, mas o luxo tem agora uma face mais descontraída e acessível, no fundo, mais contemporânea. Em tempos de pandemia, o resort Quinta do Lago demonstrou estar à altura das circunstâncias. A adaptação à nova realidade tem acontecido sem pressas e conscientemente, e a reabertura faz-se de forma gradual e garantindo a segurança de toda a comunidade. Neste momento, já é possível voltar a visitar os restaurantes do resort, entre eles o sofisticado Bovino Steakhouse, a elegante Casa Velha, o sempre animado The Shack Bar, o sports-bar Dano’s e a agora renovada Casa do Lago.
Luxo acessível
À entrada do resort, o The Magnolia Hotel preparou-se para a reabertura adotando medidas de higienização e segurança, para proteger hóspedes e colaboradores. O hotel foi recentemente certificado com o selo Clean & Safe do Turismo de Portugal. Para além da certificação, as próprias características do The Magnolia Hotel tornam-no apetecível para quem procura sossego em segurança: “Enquanto boutique hotel, não recebemos um grande aglomerado de hóspedes, sendo assim mais fácil
de implementar todas as medidas de segurança.” explica Mark McSorley, Diretor-Geral do hotel. “Mais de metade dos nossos quartos tem acesso direto, o que significa que as pessoas não precisam de ter contacto com outros nem nos elevadores”. Conhecido pelo seu charme e energia, o The Magnolia Hotel traz um sabor de Palm Springs para o Algarve. Com um design inspirado no icónico hotel da década de 1950 - incluindo nos famosos cottages - piscina aquecida de água salgada, bar de cocktails e restaurante, o The Magnolia Hotel oferece a oportunidade de experimentar o estilo de vida luxuoso da Quinta do Lago a um preço mais acessível. Com a tranquilidade e segurança dos hóspedes como prioridade, o The Magnolia Hotel oferece um serviço de lavandaria à chegada dos clientes, para a roupa usada durante a viagem, e, atendendo às circunstâncias, também previu a opção de reservas flexíveis para férias até 31 de Agosto. O hotel oferece ainda os custos da viagem até ao Algarve e estadia com refeições grátis para crianças que fiquem com as suas familias nos cottages. Nas instalações, poderá usufruir da piscina exterior bem como das outras áreas comuns (apenas o spa permanecerá, até ordem contrária, encerrado). Mas com tanto espaço e natureza existem muitas alternativas ao ar livre: praticar exercício ou passear numa das bicicletas vintage (devidamente higienizadas) que o hotel disponibiliza gratuitamente.
À medida dos sonhos
Existem opções de acomodação para todos os gostos na Quinta do Lago. Para férias a dois, em
família ou em grupo, a equipa de Guest Services irá encontrar a solução certa à medida de cada hóspede: um apartamento, uma moradia ou uma villa de luxo. Para estadias curtas ou longas, o portfolio de aluguer de propriedades é extenso e variado. Assim, independentemente da opção escolhida, os hóspedes poderão desfrutar de tudo o que o resort Quinta do Lago tem para oferecer: uma paisagem deslumbrante, no coração da Reserva Natural da Ria Formosa, praias intermináveis de dunas suaves, campos de golfe mundialmente famosos e um centro multidesportivo de topo, pensado para entusiastas do desporto e atletas de alta competição.
The Campus
O período que atravessamos levou muitos de nós a redefinir prioridades e objetivos. Mas alguns objetivos deviam estar sempre no topo da lista, como cuidar de nós, encontrar o equilíbrio corpo-mente e sentir-se bem e saudável. Inaugurado em 2017, o The Campus é um centro desportivo de alto desempenho no coração da Quinta do Lago que responde a este objetivo. Com instalações premium e equipamento de última geração, campos de ténis e Padel, centro aquático, centro de ciclismo, aulas de fitness e centro de fisioterapia e reabilitação, o The Campus foi criado para viver a paixão pelo desporto em pleno. Pensado para famílias ativas, desportistas de elite ou estrelas em ascensão, o The Campus tem como objetivo proporcionar treino profissional e coaching a todos, independentemente do nível. No ginásio de alto rendimento, equipado com máquinas de alta performance, os visitantes podem seguir a sua rotina de exercício ou desenhar um plano de treinos à medida, com o apoio da equipa de instrutores especializados. Seja retomando um estilo de vida ativo no exterior, ou descansando sossegadamente ao sol, a verdade é que, depois de meses de clausura, estamos todos desejosos de passar muito tempo ao ar livre, respirar ar puro e sentir o ar do mar. E a Quinta do Lago pode muito bem ser o lugar onde temos tudo isso reunido. O sonho que todos sonhámos, sem sair de casa.
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Vamos ter mais recursos nos próximos anos do que alguma vez tivemos na nossa história democrática Os próximos meses são ainda de apoio de emergência às empresas e às famílias, mas segue-se um impulso forte para fazer crescer o País. Em entrevista à VISÃO, o ministro de Estado e da Economia, Pedro Siza Vieira, explica esse plano e avisa: vem aí muito dinheiro europeu. Teremos de saber aproveitá-lo NUNO AGUIAR E TIAGO FREIRE
ARLINDO CAMACHO
Começando pela resposta inicial à emergência: com aquilo que neste momento sabemos, a nossa reação tão decidida a esta pandemia acabou por pecar por excesso, agora que percebemos os efeitos na economia? Não, de todo. A resposta decidida e vigorosa da comunidade portuguesa foi o que nos permitiu mitigar o impacto da doença na nossa população e nas pessoas que talvez precisassem de cuidados mais agudos e que poderiam, de outra forma, ter acorrido em grande número aos nossos serviços de saúde. Foram poupadas muitas vidas. Não há nada que perturbe mais a nossa economia do que situações de emergência que possam gerar pânico e descontrolo. Mesmo os países que optaram por estratégias de imunidade comunitária, sem confinamento, acabaram por se verem a braços com crises económicas e sanitárias e por inverter o caminho. É o caso do Reino Unido e dos EUA, mas também da Suécia que teve uma abordagem muito menos restritiva à mobilidade das pessoas, mas a sua economia não ficou muito menos afetada do que a nossa ou a de outros países. Temos de reconhecer que era uma doença nova, que não sabíamos como se comportaria ou como nós a poderíamos conter da melhor forma. A Covid geraria sempre uma grande perturbação económica, por isso conciliar todos estes aspetos e tentar assegurar a capacidade de resposta do SNS e salvar vidas humanas acabaram por ser uma belíssima estratégia económica. Como os consumidores e empresários estão a reagir ao desconfinamento? Tomámos medidas de emergência para ajudar as empresas a sobreviver num contexto em que a atividade económica ia reduzir muito. Agora que estamos a passar para uma fase de abertura, os consumidores, investidores e empresários ainda estão hesitantes e com receio de que o ritmo da retoma não seja suficientemente vigoroso. É necessário ajustar os apoios. Por isso, estamos a aprovar o Plano de Estabilização Económica e Social (PEES) que basicamente visa prolongar, nos próximos meses, o apoio à atividade. Já não estamos na fase de ir para casa. Estamos na de sair de casa com cuidado. O que já nos pode dizer sobre as alterações que aí vêm, nomeadamente sobre o layoff simplificado? Estamos a trabalhar nisso. Aquilo que posso dizer é que vamos evoluir para medidas de apoio ao emprego que se dirigem às empresas que mantenham os postos de trabalho. Já não são para que as empresas possam manter os trabalhadores em casa, mas para que estas, abrindo as portas – eventualmente com menos intensidade do que normalmente teriam – continuem a ter apoios.
É muito relevante. Quando pensamos nos valores que a UE disponibiliza na proposta da Comissão Europeia para Portugal, estamos a falar de 13% a 15% do PIB em três anos. De facto, é uma bazuca
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Sempre calmo, as hesitações de Siza Vieira vieram com questões sobre o Novo Banco, as querelas entre o Governo e a TAP, e a eventual saída de Mário Centeno para o Banco de Portugal
Como é que isso se manifesta? Por exemplo, com a possibilidade de termos um apoio ao pagamento de salário para empresas que continuem a laborar. Temos de assegurar que o rendimento dos trabalhadores não é significativamente afetado, como no regime do layoff simplificado. Temos de ir subindo o rendimento dos trabalhadores, permitindo que as empresas continuem a trabalhar. Admite pagar salários a 100 por cento? Admito que sim. Mas, como disse, ainda estamos a trabalhar no plano. As empresas vão continuar a contar com apoios à manutenção do emprego, que irão evoluir do “pagar para ter as pessoas em casa” para o “pagar para ter as pessoas a trabalhar”, e o rendimento dos trabalhadores há de ir crescendo à medida que o tempo passar. O próximo ano vai ser de um crescimento muito vigoroso da economia, com uma capacidade de mobilização de fundos para apoiar o investimento público e privado a ritmos que nunca conhecemos em Portugal. Estou convencido de que será um ano de crescimento muito sólido, mas é preciso que as empresas cheguem até lá. E as pessoas também têm de aí chegar, e com o seu bem-estar o mais intacto possível. Também preveem mudanças no RSI? Nestas semanas, tivemos de criar prestações sociais que não existiam ou adaptar bastante as que tínhamos. Com o PEES, vamos olhar para este conjunto de situações e reconhecer que devemos avançar para soluções temporárias, mas que deem uma resposta mais estável às necessidades das pessoas. Continuarão a ser tempos de atividade económica reduzida, pelo que será necessário encontrar apoios sociais. E que medidas destacaria mais? Falando da área da economia e das empresas, que me toca mais diretamente: queremos que as empresas cheguem ao fim do ano, aliviadas nos seus compromissos num contexto de receitas reduzidas. Seguramente vamos alargar o prazo das moratórias bancárias, seguramente vamos aumentar o valor do crédito que teremos disponível com garantia do Estado. Vamos também encontrar soluções de apoio à capitalização de empresas que tinham situações sólidas, boas perspetivas de crescimento, mas que agora, com esta quebra de faturação, podem ficar com capitais próprios desequilibrados.
E as obrigações fiscais também? Já demos passos muito significativos no sentido do alívio, e um conjunto de empresas aderiu às moratórias fiscais. Agora trata-se de procurar ajustar o calendário fiscal. Destacaria o pagamento por conta do IRC. Queremos que as empresas possam ir ajustando aquilo que pagam por conta em 2020 às suas condições de rentabilidade deste ano. Outro exemplo é a recuperação dos prejuízos fiscais, através do abatimento ao imposto dos anos seguintes. Queremos dar oportunidade de as empresas poderem fazer um reporte por um período maior de tempo, para que o grande prejuízo que elas vão ter este ano seja amortecido na conta fiscal dos próximos anos. E as moratórias para as famílias, também são para continuar? Sim. Ainda se está a fazer o seu desenho exato. A moratória aprovada já previa que as pessoas que ficassem com a sua situação económica afetada pudessem ter uma moratória do empréstimo da habitação própria permanente. Vamos seguramente alargar isso e ajustar também as circunstâncias em que essa moratória pode surgir. Do lado da capitalização, a medida será semelhante ao que a CIP apresentou? Os capitais próprios das empresas podem ser afetados quando estas têm prejuízos. Nesta altura, pode ser difícil mobilizar recursos de sócios ou de terceiros, por isso a Comissão Europeia (CE) permitiu que os Estados pudessem fazer entradas de capital ou de quase-capital em empresas afetadas. Mas atenção que o quadro europeu é muito exigente, no que toca a três aspetos: 1) empresas elegíveis – é para aquelas que tinham uma situação sólida antes da crise; 2) condições que a CE impõe que os Estados cobrem às empresas, porque é dinheiro dos contribuintes que tem de ser adequadamente remunerado; 3) condições de saída: se o contribuinte público não for reembolsado e remunerado em tempo útil, pode haver penalizações para as empresas. Estou convencido de que não é uma solução para todas as empresas. O Governo sentiu-se limitado na agressividade de resposta à situação de emergência por ter uma dívida pública mais elevada? Não. Dentro dos países da UE, há duas realidades: a Alemanha e, depois, tudo o resto. A Alemanha usou metade de todos os apoios públicos que os
Estados-membros deram às suas empresas. Tinha uma bateria de projetos que queria apoiar e não deixou de o fazer. Portugal não sai mal da comparação com os outros países da UE. Pedimos autorização à UE para linhas de crédito até 13 mil milhões de euros e apenas usámos 6,2 mil milhões em garantias. Vamos continuar a alargar essas linhas. Também quisemos aprender com a experiência, ver o que corre melhor e pior e identificar as áreas que precisam mais de apoio. Não tenho dúvidas de que agora temos de dirigir mais os apoios para as micro, pequenas e médias empresas, às quais estas primeiras linhas de crédito não chegaram tão extensamente. Assim, nós não só não nos sentimos limitados como foi a boa situação financeira que tínhamos que nos permitiu ter esta capacidade de resposta e, ao fazê-lo, não degradando o rating da nossa dívida pública. O Estado manteve o acesso aos mercados. Voltámos a ter o custo da nossa dívida abaixo de Espanha. Os mercados estão a perceber que Portugal tem uma estratégia sólida do ponto de vista económico e financeiro e que continuará a ser capaz de retomar um percurso de recuperação e de consolidação das finanças públicas, sem receio de gastar neste ano o que for necessário. Mas não houve o momento de “esperar para ver” que contribuição poderia vir da Europa e até onde poderia o País ir? Isso pode ser visto como uma coisa positiva ou negativa. Eu tendo a vê-la como positiva. O Estado reagiu muito depressa do ponto de vista sanitário e económico. Já apoiámos com o layoff 780 mil trabalhadores, e a Segurança Social já despendeu 470 milhões de euros em pagamentos às empresas. Ao compararmos com outros países, como Espanha, Itália e França, vemos que o dinheiro ainda não está a chegar ao terreno, porque isto é uma grande pressão sobre os serviços públicos e os recursos dos Estados. Sempre dissemos que não podíamos gastar os cartuchos todos na primeira vaga, porque este contexto não é um sprint. Durará muito tempo e nós precisamos de ir gerindo estes apoios. Mas também sabíamos que uma retoma vigorosa da nossa economia precisava de uma recuperação vigorosa da UE. Repare que o mercado interno parou. Quando pensamos que três quartos das
nossas exportações vão para a UE, percebemos que só há recuperação das economias nacionais se houver recuperação da economia global e do mercado interno. Isso é verdade para Portugal, mas é ainda mais para a Alemanha e a Holanda, economias fortemente exportadoras. Agora que conhece a proposta da CE para o fundo de recuperação, quão relevante pensa que este pode ser? É muito relevante. Quando pensamos nos valores que a UE disponibiliza na proposta da CE para Portugal, estamos a falar de 13% a 15% do PIB em três anos. De facto, é uma bazuca. Sei que ainda não está aprovado e temos de aguardar o fecho final destas medidas, mas o mais importante é ele ser um sinal de confiança no futuro da UE: quando se diz que a UE emite dívida a 30 anos, está-se a dizer que tem um futuro, que a UE terá capacidade de mobilizar recursos para pagar esta dívida e que a resposta aos problemas comuns dos povos europeus é mais sólida e vigorosa quando dada em conjunto. O dinheiro não terá condicionalidade no sentido a que nos habituámos, mas vem para áreas que têm de bater certo com as prioridades da UE. Conseguiremos ajustar as nossas prioridades para absorver a totalidade desses montantes? Portugal é provavelmente o país onde esse ajustamento será mais fácil. A UE quer que os recursos sejam aplicados
O próximo ano vai ser um ano de crescimento muito vigoroso da economia, com capacidade de mobilizar fundos para apoiar o investimento público e privado a ritmos que nunca conhecemos em Portugal 4 JUNHO 2020 VISÃO
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Não tenho dúvidas de que agora temos de dirigir mais os apoios para as micro, pequenas e médias empresas, em que estas primeiras linhas de crédito não chegaram tão extensamente
no reforço das prioridades estratégicas: combate às alterações climáticas, mobilização de recursos para que empresas, cidades e transportes se adaptem a uma economia descarbonizada e com maior eficiência energética; aposta na digitalização; aposta na reconstrução industrial da Europa e captação de investimento industrial. Portugal é o país mais adiantado na adaptação às alterações climáticas. Ainda na semana passada aprovámos o plano nacional de energia e clima, em que se aponta para, até 2030, 47% do nosso consumo de energia venha de fontes renováveis. É das metas mais ambiciosas de todos. Fomos o primeiro país a aprovar um roteiro nacional para a descarbonização e temos um plano de transição digital. Portugal tem ideias muito claras sobre o que deve fazer para posicionar a sua economia alinhada com objetivos de longo prazo, e que são também os da UE. Será muito fácil dizer à UE como pretendemos aplicar esses recursos. Não é para gastar o dinheiro, é para permitir posicionar o País num patamar diferente de produtividade. Menos dependente do turismo, também? Sabemos que esse motor estará limitado durante algum tempo. Espero que o crescimento da produtividade, das exportações e da competitividade da economia noutros setores acompanhem o trajeto que o turismo percorreu nos últimos anos. Se o crescimento de todos os setores também for sólido, o peso do turismo acabará por ser menor. Portugal é um destino de excelência, e isso está evidenciado junto dos consumido66
VISÃO 4 JUNHO 2020
res mundiais. O País sai desta crise com a imagem muito reforçada, a de um destino seguro. Queremos dizer ao mundo que estamos abertos e que somos um país seguro, onde as pessoas podem encontrar segurança física e sanitária, com um sistema de saúde robusto. Somos um país que as pessoas gostam de visitar e nós não vamos perder isso. Mas o turismo é apenas responsável por um quarto do crescimento das exportações dos últimos anos. Os restantes setores puxaram pelo resto. Pensar que Portugal é turismo é uma imagem muito deturpada da nossa economia. Mas o peso do turismo deixou-nos particularmente expostos, certo? Se pensar que a Alemanha está altamente exposta ao setor automóvel – que é um dos países mais atingidos por esta crise, além de outros problemas estruturais – perceberá que esse argumento vale para muitos setores. Não creio que seja uma fragilidade. Obriga, de facto, o mundo e a UE a pensarem não tanto que não devemos apostar no turismo ou na mobilidade, mas em como reconhecer que os nossos modelos económicos e sociais estão expostos a riscos muito sérios. Risco de uma pandemia, de alterações climáticas, de dependência estratégica de fornecedores de produtos essenciais. Essas lições têm de ser aprendidas e geridas no futuro. Não acho que devamos voltar a fechar-nos ou passar a cultivar os alimentos que comemos nos nossos jardins, mas temos de construir uma economia global que seja não apenas mais justa mas também mais resiliente a este conjunto de ameaças.
De acordo com as suas palavras, a questão decisiva será como vamos aplicar os recursos e não como gerir uma eventual falta deles. Está confortável e satisfeito com as munições que tem? Não será por falta de recursos financeiros que Portugal não terá capacidade de investir naquilo que são os objetivos prioritários. Claramente, ainda temos uma parte importante do PT 2020 que temos de executar até 2023; vamos ter o instrumento de recuperação e de resiliência que, só a fundo perdido, contempla mais de 15 mil milhões de euros também para gastar no prazo de três anos; vamos ter o próximo quadro financeiro plurianual, que não será inferior ao anterior, para gastar entre 2021 e 2027. Portanto, vamos ter muitos recursos financeiros. Aliás, o apelo que eu ando a fazer às empresas é: “Preparem-se, porque vão ter uma oportunidade provavelmente única na nossa História para aplicar recursos naquilo que faz falta e criar condições de crescimento, de competitividade e de produtividade para as vossas empresas.” Apostem na descarbonização dos processos, na eficiência energética, na digitalização. Vai haver muito investimento público, o plano nacional de investimentos está agora, finalmente, preparado para ser executado. As empresas podem capacitar-se para fornecerem aquilo que vão ser os trabalhos que o setor público vai exigir. Portanto, eu não tenho dúvidas de que não será por falta de recursos financeiros que nós não teremos a capacidade de dar este salto qualitativo muito grande. A pergunta clássica a qualquer membro do Governo nesta fase: Consegue garantir que não será necessário aumentar impostos nem cortar salários ou prestações sociais? O que posso dizer é o que penso convictamente: uma resposta a uma crise como esta precisa de consumo, de investimento, que as empresas tenham recursos para darem respostas. Há semanas fiz um discurso no Parlamento a propósito do Orçamento do Estado para 2020, no qual era muito criticado o facto de termos como objetivo um excedente orçamental neste exercício. E eu disse na altura que o excedente orçamental era bom e adequado às circunstâncias que nós tínhamos: uma economia a crescer que conseguia gerar excedentes para
O ministro rejeita uma receita de austeridade – “é exatamente o contrário” – e espera que o dinheiro europeu comece a chegar ainda este ano
abater a dívida passada. E disse mais. Disse que no contexto de uma crise, o que devemos fazer é exatamente o contrário, é deixar subir o défice, baixar impostos, aumentar a despesa – com apoios sociais ou às empresas – e permitir que, neste momento de grande contração da economia, as únicas entidades que o podem fazer, que são as públicas, apareçam a suprir este buraco. Mas por essa ótica isso também se aplica às progressões da Função Pública, que assim não deveriam estar em causa, porque também ajudariam a economia... Relativamente ao afinamento daquilo que nós podemos fazer – num contexto em que a política orçamental tem de ser adequada ao ciclo –, pode ser mais para a esquerda ou mais para a direita. Mas posso dizer-lhe que cortar salários e pensões ou aumentar impostos me parecem receitas profundamente erradas. Já o fizemos na última crise, o que nos levou a dez anos de crescimento perdido. Tivemos recentemente uma situação que não acontece muitas vezes: pela primeira vez vimos alguém publicamente a delinear o plano do que vai ser essa terceira fase e essa pessoa não faz parte do Governo, mas está encarregada de prepará-lo. É normal que estejamos a conhecer pela voz de alguém que não é bem escrutinável um plano tão estrutural? Os Estados têm de apresentar à UE um plano de recuperação para explicarem como tencionam aplicar o instrumento de resiliência e de recuperação. A própria CE disse que esse plano tem de apoiar-se nos planos nacionais de energia e clima de cada Estado-membro e nos planos de transição digital. Tudo isso são ferramentas de que nós já dispomos e que pensámos para longo prazo. Esta crise da Covid, no entanto, levanta-nos outros problemas. Por exemplo, ao nível da resiliência das nossas cadeias de valor, uma menor dependência do resto do mundo em matérias-primas essenciais ou de certos fornecimentos críticos. Obriga-nos também a pensar melhor no que é o posicionamento de cada Estado e da própria União perante o contexto geopolítico que também está em mudança. E eu acho que a circunstância de o Governo, o País, poder contar com os contributos mais alargados do melhor que a sociedade portuguesa tem é algo muito
positivo. O facto de professor António Costa e Silva, uma pessoa cujo pensamento, cuja reflexão estratégica, cuja experiência de vida e académica são bem conhecidas, estar disponível para nos ajudar a refletir como os nossos planos se devem adaptar neste novo contexto é uma coisa muito positiva para o País. Acho que só temos de nos felicitar com isso. Em específico, como vai funcionar a interação com o Ministério da Economia? Já tiveram algum encontro? Já tive, com certeza. Tive mais do que um encontro. Nós temos muita experiência em contar com pessoas de fora para nos ajudar a montar estes planos. Aqui estamos a falar de uma pessoa que assume que está pro bono, que não tem nenhuma relação contratual...
O professor Costa e Silva não vai estar a trabalhar num gabinete fechado e, depois, aparecerá a dizer: “Tenho aqui um conjunto de ideias, veja lá do que é que gosta.” Não pode ser assim 4 JUNHO 2020 VISÃO
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A coisa mais importante é mesmo termos um plano para a TAP, o qual, perante esta situação difícil, nos assegure que ela tem futuro. Temos de pensar menos a propósito da configuração atual ou dos problemas imediatos e mais a prazo
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Siza Vieira confirma que vêm aí alterações ao layoff simplificado que incentivarão mais o regresso ao trabalho, podendo implicar pagamento de salários a 100%
Eu próprio fiz parte de uma coisa chamada a Estrutura de Missão para a Capitalização das Empresas, lançada no início da legislatura anterior, em que também estive a trabalhar e a propor ao governo um conjunto de medidas que este depois adotou – algumas sim, outras não –; eram propostas que vinham da sociedade civil e que foram incorporadas. O Governo tem a responsabilidade de definir e de executar um conjunto de políticas públicas, incluindo na área económica. Quem fala pelo Governo são os membros do Governo. Quem tem a legitimidade e o poder para definir essas políticas e aplicar recursos é o Governo. Agora, sempre que os governos forem capazes de se abrir à sociedade e de receber contributos e reflexões, então tudo funcionará melhor. Aliás, aqui no Ministério da Economia sempre defini como regra, e todos os serviços e secretários de Estado conhecem-na, não adotarmos medidas de política ou aprovarmos programas sem que isso seja abundantemente discutido com os setores, com a academia e, o mais possível, com a sociedade civil. Este modelo, na prática, vai funcionar como? Temos uma pessoa, com experiência, que irá apresentar uma série de propostas, e o poder político irá dizer “isto sim, isto não”, e depois transformar isso em políticas públicas? Eu espero que não seja assim, muito pelo contrário. O plano de recuperação económica é uma responsabilidade do Governo, tem de partir daquilo que são projetos, programas, estratégias que já estão aprovados. Estes têm de ser adaptados, neste contexto de urgência e de mudança, à forma como a própria UE encara os problemas globais. Nós precisamos de fazer um esforço para pegar em toda esta nossa reflexão anterior e perceber qual a melhor maneira de adaptá-la a estas circunstâncias e de construir um programa de ação. Nós temos que dizer à sociedade e às empresas que “este é o caminho que vamos percorrer”. E é para começar já. Ter a capacidade de construir em conjunto é o mais importante. O professor Costa e Silva não vai estar a trabalhar num gabinete fechado e depois aparecerá a dizer: “Tenho aqui um conjunto de ideias, veja lá do que gosta.” Não pode ser assim. Tem de ser precisamente uma coisa em que nós próprios estamos a adaptar os
nossos serviços e temos a vantagem de ter uma perspetiva externa. Isto não é, portanto, uma “construção do homem novo”; temos de pegar no que estava feito e no que eram as nossas prioridades e as que são da União Europeia... É evidente. Ninguém pode pensar que estas coisas se inventam de um momento para o outro. O percurso que a economia portuguesa fez nos últimos cinco anos, com grande crescimento económico, das exportações, do investimento, com a capacidade de captação de investimento estrangeiro, etc., não se fez a partir do zero. Fez-se porque nós, anteriormente, tínhamos investido na educação, num sistema científico e tecnológico, na construção de um Serviço Nacional de Saúde que cria confiança aos investidores, na construção de instituições sólidas. São essas coisas que possibilitam ir acrescentando outras. Pensar que um plano de recuperação seria algo que cairia assim do céu e que iria mudar o País de um momento para o outro não resultaria. Aquilo que temos de reconhecer é que vamos ter provavelmente nos próximos três anos mais recursos financeiros do que alguma vez tivemos na nossa história democrática. Portanto, temos de pensar muito bem qual é a melhor forma de usá-los, de efetivamente sermos capazes de executá-los, aplicando-os em investimentos reprodutivos, apoiando as nossas empresas a superarem défices de capital, de qualificações, de escala, que todos sabemos que existem. É aproveitar este momento – um momento da crise mais dura e mais intensa que já tivemos – para nos posicionarmos num patamar superior. O ministro Pedro Nuno Santos, falando da TAP, disse que tudo era admissível. Estamos mais perto de saber qual será a solução? Seguramente estamos mais perto. Essa questão está a ser discutida com a CE; o próprio desenho do pacote de ajuda depende muito daquilo que forem as condições que esta estabelecer. A situação geográfica de Portugal torna a questão das nossas ligações aéreas ao mundo uma questão crítica para o nosso desenvolvimento estratégico. Acho que as pessoas ainda não perceberam como tem sido importante para o crescimento do País a circunstância de termos, a partir de Lisboa e do Porto, ligações para
outros continentes. Mais de 90% das pessoas que chegam ou que partem de Portugal fazem-no por via aérea, e a TAP transporta 50% dessas pessoas. Imaginem só o que seria se nós não tivéssemos uma companhia aérea sólida, com esta capacidade de ligação transcontinental, e se, para irmos aos Estados Unidos da América ou ao Brasil ou a África, tivéssemos de fazer uma escala em Madrid. Portanto, a insolvência, para si, não faz sentido algum. A importância estratégica da TAP reside no facto de nos permitir ter uma ligação direta ao mundo. Mais: se a TAP não gerasse o movimento que gera no aeroporto de Lisboa, então também seria muito duvidoso que outras companhias aéreas de outros continentes quisessem voar da mesma maneira para o mesmo aeroporto. A nossa ligação direta ao mundo faz parte da nossa autonomia estratégica. A TAP é um instrumento disto mesmo. Aquilo que o Governo tem defendido sistematicamente a propósito desse tema é que a TAP, sendo uma empresa estratégica, precisa de que o Governo encare todas as possibilidades de mantê-la como uma empresa de crescimento e de autonomia. Esse apoio terá necessariamente de ter como contrapartida uma capacidade de intervenção maior do acionista público, o que claramente não tem sido o caso?
Quando assumi, no início desta legislatura, as funções de ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, com a responsabilidade da coordenação da política económica do Governo, fi-lo com o objetivo da legislatura. Continuo a pensar dessa maneira
Sinceramente, eu acho que o mais importante é termos um plano para a TAP, o qual, perante esta situação difícil, nos assegure que ela tem futuro. Não vou entrar no desenho exato. O mais importante é sermos capazes de exprimir perante o País e perante a CE a importância que a TAP tem. É dizer que, daqui a 10 anos, Portugal continuará a ter um conjunto de ligações importantes aos Estados Unidos da América, a África, à América Latina, que não nos torne uma espécie de apêndice de outra região da Europa. Temos de pensar menos a propósito da configuração atual ou dos problemas imediatos, e mais a prazo. Fala-se muito da saída do ministro Mário Centeno e do atual ministro da Economia como seu possível sucessor nas Finanças. O seu exercício de funções públicas está para durar, e o seu compromisso para com a causa pública também está para durar sejam quais forem as funções que lhe pedirem? Nós não podemos estar em funções públicas, particularmente num momento exigente como este, se não estivermos disponíveis exatamente para ter um compromisso pelo prazo que for necessário. Eu estou muito satisfeito e muito comprometido com as tarefas que estou a executar. Acho que ninguém pensou que pudéssemos ter uma crise como esta, ninguém pensou que, para lhe respondermos, precisássemos de fazer esforços e de recorrer à imaginação como nunca imaginámos. Calhou-nos a nós. Na minha pequena parte, calhou-me a mim. A única coisa que temos de fazer é gerir e fazer o nosso trabalho o melhor que formos capazes. Estou obviamente comprometido com isso. Mas o seu contributo pode ser dado de várias formas e noutras pastas... O meu compromisso é sempre um compromisso a prazo, depende dos eleitores, do primeiro-ministro, do Presidente da República... ... depende também de si. Também de mim. Na minha perspetiva, quando assumi, no início desta legislatura, as funções de ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, com a responsabilidade da coordenação da política económica do Governo, fi-lo com o objetivo da legislatura. Continuo a pensar dessa maneira. visao@visao.pt 4 JUNHO 2020 VISÃO
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EUA O PAÍS QUE NÃO CONSEGUE RESPIRAR
Donald Trump descreve-se como o “Presidente da lei e da ordem” e garante que a “América dirige o mundo”, mas já ninguém parece levá-lo a sério. Os protestos contra o racismo e a violência policial, os piores do último meio século, continuam sem fim à vista FILIPE FIALHO
ViolĂŞncia Os tumultos chegaram no Ăşltimo fim de semana a Washington D.C. e obrigaram Donald Trump a refugiar-se no bunker da Casa Branca
Símbolo As famosas marchas no Alabama, em 1965, foram decisivas para os afroamericanos verem reconhecido o seu direito ao voto
“Morremos a um ritmo muito maior do que os brancos, somos os primeiros a perder o emprego e vemos como os republicanos tentam alterar as regras para não votarmos. (...) Parece que abriu a época de caça ao negro (...). O racismo na América é como o pó no ar: não se vê, embora nos asfixie. (...) O vírus do racismo que infeta o país é muito mais mortífero do que a Covid-19.” Eis o diagnóstico do que se passa nos EUA, no entender de Kareem Abdul-Jabbar, um dos maiores jogadores de basquetebol de todos os tempos. O artigo de opinião por ele assinado a 30 de maio, no diário Los Angeles Times, é esclarecedor sobre os tumultos provocados pela morte de George Floyd, cinco dias antes. Kareem veio denunciar o pecado original da democracia norte-americana e, nos últimos dias, o seu exemplo multiplicou-se. A maior lenda da NBA, Michael Jordan, também admitiu estar a sentir um misto de “tristeza e cólera” e Colin Kaepernick, o antigo atacante dos San Francisco 49ers que se tornou conhecido em 2016 por se recusar a cantar o hino dos EUA, anunciou que vai criar uma fundação para defender e financiar todas as pessoas que sejam detidas nos protestos atualmente em curso: “Quando os atos cívicos nos conduzem à morte, as revoltas são a única reação lógica”, afirmou o antigo craque do futebol americano, a quem Donald Trump dirigiu vários impropérios por se ajoelhar nos relvados enquanto os companheiros se mantinham firmes e hirtos ao som da Star-Spangled Banner. Quase dois terços das equipas que compõem as quatro principais ligas norte-americanas – basquetebol, futebol, hóquei no gelo e basebol – vieram também 72
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manifestar a sua solidariedade com a família de George Floyd e com todos os que decidiram ir para as ruas de Minneapolis, Atlanta, Detroit, Miami, Nova Iorque ou Filadélfia. Em simultâneo, os desportistas prestavam igualmente homenagem a Martin Luther King, o líder do movimento dos direitos civis, assassinado em 1968, que, sendo um adepto da não violência, sempre advertiu que os “distúrbios são a linguagem de quem não é escutado”. E as estatísticas demonstram que a comunidade afro-americana é historicamente discriminada, seja como alvo da violência policial, seja como vítimas da Covid-19 e da crise económica. O DESTRUIDOR E OS IDIOTAS
Na tarde da última segunda-feira, 1, Donald Trump decidiu dar uma conferência de imprensa para informar os seus compatriotas que ele é o “Presidente da lei e da ordem” – uma expressão que Richard Nixon usou na sua campanha para a Casa Branca, em 1968 – e ameaçou mobilizar “milhares e milhares” de soldados para esmagar “desordeiros”, “saqueadores”, “anarquistas” e “antifas” (antifascistas que ele pretende classificar como terroristas), sem nunca mencionar os infiltrados dos grupos supremacistas brancos, incluindo os boogaloos – identificáveis pelas suas camisas havaianas e armas automáticas. Horas antes, Trump tinha falado com os governadores e exortou-os a usarem a força para não serem vistos como um “bando de idiotas”, porque todo o mundo acompanha o que está a acontecer nos EUA. O Chefe de Estado queria exibir uma posição de força e, sobretudo, evitar as críticas
MÁRTIRES E MOTINS HISTÓRICOS 1968 A 4 de abril, Martin Luther King, o líder do Movimento pelos Direitos Civis e Prémio Nobel da Paz em 1964, é abatido a tiro em Memphis, no Tennessee, por um supremacista branco. A sua morte provocou a maior crise política e social dos EUA desde a
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Denúncia As manifestações que estão a ocorrer em mais de 150 cidades dos EUA criticam o pecado original da democracia norte-americana
dos seus apoiantes por se ter refugiado no bunker da Casa Branca. Para a operação mediática se tornar possível, em pleno coração de Washington D.C., centenas de militares, polícias e agentes dos serviços secretos tiveram de escorraçar os manifestantes que, ao longo do dia, foram chegando ao Parque Lafayette. Com um detalhe adicional: o Presidente e respetivo séquito (onde não faltavam a filha Ivanka e o genro Jared Kushner) quiseram ainda sair a pé dos jardins da Casa Branca – algo que nunca tinha acontecido – para posarem frente à igreja de São João. De bíblia na mão e durante cinco minutos, Trump repetiu ideias e chavões sem nunca falar em George Floyd. O espetáculo terminou com ele a saudar as tropas e os fotógrafos, de punho erguido, e a exclamar: “Somos a maior nação do mundo.” Uma expressão que combina mal com um país onde já morreram mais de 100 mil pessoas por causa da pandemia, em que a taxa de desemprego passou de 3,5%, em fevereiro, para uns impressionantes 19,5% – valor que deve ser confirmado nos próximos dias e que se aproxima do máximo histórico alcançado na Grande Depressão, em 1933 –, e onde as cenas de motins e de pilhagens, a par das cargas com gás lacrimogéneo e canhões de água, se tornaram quotidianas. Isto para já não falar nas clivagens políticas e ideológicas que se agravam com a corrida eleitoral agendada para 3 de novembro, em que Trump joga a sua manutenção no poder até 2024. “Por não ser capaz de apresentar uma resposta à altura da monumental crise que atravessa a América, Trump abdicou do seu cargo.
Ele não governa. Ele joga golfe, vê TV e escreve mensagens no Twitter”, garante Robert Reich, o economista que foi secretário do Trabalho com Bill Clinton e integrou também as administrações de Gerald Ford, Jimmy Carter e Barack Obama. Opinião igualmente radical tem a ativista LaTosha Brown, fundadora do movimento Black Voters Matter, que acusa o Presidente de ser um “destruidor”. “Está disposto a destruir qualquer sentido de respeito ou de confiança no seu Governo. Está disposto a destruir as relações da América com o mundo”, afirmou ela ao diário The Guardian. Os factos dão-lhe alguma razão. A chegada do antigo rei do imobiliário nova-iorquino à Casa Branca, fez com que a América deixasse de ser a “nação indispensável”, conceito da autoria de Madeleine Albright, ex-secretária de Estado de Bill Clinton, e se iniciasse um desmantelamento da ordem internacional que os EUA tinham criado após a Segunda Guerra Mundial. Basta pensar nas organizações e nos tratados renegados pela administração Trump: Acordo de Livre Comércio para o Pacífico (Trans-Pacific Partnership), Acordo de Paris para o Clima, Acordo sobre o Programa Nuclear do Irão, Conselho de Direitos Humanos da ONU, Pacto Mundial sobre as Migrações, ONUSIDA, UNESCO, Tratado Céus Abertos, OMS... A 25 de fevereiro, num artigo publicado no New York Times, o octogenário Joseph Nye, académico de Harvard responsável pela teorização do soft power (o poder de sedução dos Estados, por oposição ao poder militar e da força) recordava ao homem que se julga o mais poderoso do globo que a América está
A 29 de abril, um tribunal de Los Angeles absolveu quatro polícias que, 13 meses antes, agrediram o afro-americano Rodney King. Os protestos, que duraram uma semana, obrigaram à intervenção das Forças Armadas e fizeram 63 mortos e mais de dois milhares de feridos.
2012 A 26 de fevereiro, Trayvon Martin, de 17 anos, é morto a tiro em Sanford, na Flórida, por um vigilante branco que depois afirmou à polícia ter disparado em legítima defesa – acabaria por ser ilibado um ano depois. O caso daria origem ao movimento Black Lives Matter.
2014 A 9 de agosto, Michael Brown, 18 anos, morre após uma suposta luta com um polícia e na qual é alvejado seis vezes – duas na cabeça. O incidente, em Ferguson, subúrbio de Saint Louis, Missouri, provocou tumultos que duraram meses e se alastraram a dezenas de outros estados. 4 JUNHO 2020 VISÃO
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Solidariedade De Londres a Auckland, passando por Berlim e Barcelona, os protestos tornaram-se globais
60%
Dos cidadãos que são alvejados pela polícia nos EUA são afro-americanos
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Percentagem de afro-americanos desarmados abatidos pela polícia, entre 2013-2019 74
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cada vez mais fraca, apesar do slogan “Make America Great Again”. “Desde 2017 que os EUA perdem credibilidade. O Presidente lida mal com a verdade, privando-nos do capital de confiança que é necessário numa crise, e o seu permanente desdém pelos nossos aliados significa que temos menos amigos”, explicava, recorrendo até a uma sondagem do Pew Research Center em que só 29% dos inquiridos em 33 países dizem confiar no Presidente norte-americano, um trambolhão de 20 pontos percentuais face ao mesmo estudo quando Obama ainda estava na Casa Branca. IRONIAS E HUMILHAÇÕES
Hollywood, Silicon Valley e as universidades da Ivy League ainda exercem um enorme fascínio, mas há sinais de desencanto com a pátria do livre mercado: o número de estudantes universitários e de turistas estrangeiros estagnou nos últimos três anos e é pouco provável que essa tendência se inverta nos tempos mais próximos. “Estou muito preocupada como tudo isto [os tumultos raciais] vai influenciar a nossa liderança e a nossa voz no exterior”, disse, à Foreign Policy, a afro-americana Linda Thomas. Esta diplomata que se reformou em 2017 confessa que os seus antigos colegas de profissão devem agora ter grande dificuldade em explicar aos seus pares de outros países o que se passa nos EUA ou por que motivo Trump continua a dizer que a “América lidera o mundo”. A sua preocupação justifica-se. No fim de semana, após Washington ter anunciado
que iria rever o estatuto de Hong Kong devido à nova Lei de Segurança que a China pretende impor na antiga colónia britânica, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular, Hua Chunying, recorreu ao Twitter para postar a seguinte mensagem: “Não consigo respirar” – as últimas palavras ditas por George Floyd antes de morrer e expressão agora usada por milhões de manifestantes nos EUA. A diplomata chinesa, em jeito de nova provocação, escreveu ainda: “Estamos claramente do lado dos nossos amigos africanos. Somos contra a todas as formas de discriminação racial e as expressões inflamatórias de racismo e de ódio.” O líder da diplomacia iraniana, Mohammad Zarif, deu-se ao luxo de recuperar um texto escrito há dois anos pelo seu homólogo norte-americano, Mike Pompeo, sobre os protestos em Teerão, e reescreveu-o, adaptando-o aos tumultos dos últimos dias em Minneapolis. Como se não bastasse de zombaria, a Embaixada da Rússia em Washington D.C. usou o Facebook: “Estamos preocupados com o crescente número de casos de violência policial e de injustificada detenção de jornalistas durante a cobertura das manifestações que eclodiram após o homicídio de George Floyd”. Perante tudo isto não é de estranhar que Richard Haass, antigo diplomata e um dos mais influentes analistas norte-americanos, tenha também tuitado para alertar que “os EUA estão divididos, diminuídos e distraídos perante o mundo (...) com muita gente a tentar aproveitar-se das circunstâncias”. ffialho@visao.pt
ELON MUSK
QUANDO NEM O CÉU É O LIMITE
Maio teria sido o mês perfeito para Elon Musk, não fosse a contrariedade que obrigou o multimilionário a mudar o nome do filho de X Æ A-12 para X Æ A-Xii. O percurso de um excêntrico que veio da África do Sul para mudar o mundo, a partir dos EUA, colecionando polémicas pelo caminho PA U L O M . S A N T O S
De olhos no futuro Colonizar Marte ĂŠ uma das obsessĂľes mais antigas de Elon Musk
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Pensa e age numa escala cósmica. O seu nome tornou-se uma espécie de sinónimo de futuro. Já lhe chamaram o “Steve Jobs da indústria pesada” ou o “Henry Ford dos foguetões” devido à sua obsessão pela colonização de Marte – uma das suas ideias mais antigas. E o primeiro grande passo para a concretizar foi dado este fim de semana, com o lançamento da nave Dragon, desenvolvida pela SpaceX, que colocou dois astronautas da NASA na Estação Espacial Internacional. Um momento histórico na conquista do Espaço, pois foi a primeira nave privada a transportar astronautas até àquela estação. Desde 2011 que não eram lançados foguetões a partir de solo norte-americano. Durante este período, a NASA recorreu aos foguetes russos para realizar as suas missões espaciais e, até este momento, todos os projetos desta natureza eram quase exclusivamente financiados por programas governamentais. O sucesso desta missão veio também mostrar ao mundo a viabilidade da exploração comercial dos voos espaciais na chamada órbita baixa. Isso abriu espaço para projetos como o da Boeing – que está a preparar uma nave para transportar astronautas, já no próximo ano – e os da Blue Origin, de Jeff Bezos – o dono da Amazon –, e da Virgin Galactic, do milionário britânico Richard Branson, ambas focadas no turismo espacial. Mas enquanto uns olham para o turismo no Espaço, com voos a algumas centenas de quilómetros de altitude, Musk quer ir mais longe. Muito mais longe. Na sua órbita mais próxima da Terra, Marte fica a cerca de 60 milhões de quilómetros de distância. E Musk não tenciona apenas ir a Marte. A sua 78
VISÃO 4 JUNHO 2020
Rumo ao Espaço A SpaceX realizou, a 30 de maio, o primeiro voo espacial privado com dois astronautas da NASA
obsessão é construir, até 2050, uma autêntica cidade naquele planeta, com capacidade para albergar cerca de um milhão de pessoas. Mas, para isso, será necessária uma frota bastante alargada de naves espaciais para transportar pessoas, equipamento e alimentos. E Elon Musk já começou a planear a construção de cerca de mil naves para concretizar este seu sonho. DE PRETÓRIA A LOS ANGELES
ELON MUSK QUER CONSTRUIR, ATÉ 2050, UMA CIDADE PARA UM MILHÃO DE HABITANTES EM MARTE
O seu espírito empreendedor e aventureiro está bem presente no ADN da família. Um dos seus avós foi o primeiro homem a voar da África do Sul para a Austrália num monomotor. O outro ganhou uma corrida de carro do sul ao norte de África, entre a Cidade do Cabo e Argel. A sua bisavó foi a primeira mulher que se dedicou à quiroprática no Canadá. Nascido na África do Sul, Elon Musk foi desde cedo um bom aluno. Quanto entrou no liceu em Pretória, era o mais novo e mais pequeno entre os colegas, o que
O império de Elon Musk O milionário está presente em muitos negócios do futuro, do Espaço às energias renováveis, passando pela Inteligência Artificial
TESLA O FINANCIADOR DO GRUPO É o maior construtor mundial de carros elétricos, mas estende a sua atividade às energias renováveis e à mobilidade partilhada
SPACEX
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A PAIXÃO DE MUSK Além do desenvolvimento de naves espaciais, a empresa trabalha ainda nas telecomunicações e na internet via satélite
acabou por lhe trazer alguns problemas, não só no relacionamento com outros alunos mas também com a realidade do país. Ainda frequentou a Universidade de Pretória, mas acabou por rumar ao Canadá, onde vivia a família materna. Mais tarde, revelou que a sua ida para aquele país teve como único objetivo facilitar a aquisição da cidadania norte-americana. Conseguiu entrar na Universidade da Pensilvânia, onde se formou em Economia e Física. Durante o curso, conseguiu dois estágios em empresas sediadas em Silicon Valley, na Califórnia, onde tudo estava a acontecer em matéria de transformação digital. Em 1995, cria a Zip2, uma empresa que desenvolvia software de mapeamento para a comunicação social. A empresa foi comprada pela Compaq em 1999, no boom das dot.com, por 307 milhões de dólares. Musk recebeu 22 milhões. Com esse dinheiro, criou a X.com, empresa que viria a dar origem à
Paypal, o serviço de pagamentos online. Dois anos depois, vende-a à eBay por 1,5 mil milhões de dólares. Este é o negócio decisivo no seu percurso, que o torna multimilionário e lhe abre as portas para os investimentos seguintes, sempre com a polémica na sua sombra. O LADO ESCURO
Uma boa parte do seu sucesso deve-se à sua capacidade de se transformar, ele próprio, num assunto à escala mundial. Um dos episódios mais constrangedores ocorreu durante a operação de resgate das crianças da gruta de Tham Luang, na Tailândia, com Musk – que desenvolveu um submarino para retirar as crianças, não utilizado – a envolver-se numa troca de insultos com o responsável pela operação, acabando por insinuar que este era pedófilo. Está na sua natureza agir por impulso. Mas quando caiu em si, rapidamente apagou o tweet e veio publicamente pedir desculpa.
NEURALINK MEIO HUMANOS Desenvolve próteses e modelos de maior interação entre o cérebro humano e as máquinas. Faz ainda pesquisa para criação de novos tratamentos para doenças graves
THE BORING COMPANY NOVO MEIO DE TRANSPORTE É a empresa que está a desenvolver as cápsulas do Hyperloop, capazes de transportar pessoas, em túneis, a mais de 1 000 km/hora
OPEN AI A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL A ideia é desenvolver tecnologia que permite criar máquinas mais inteligentes do que o homem 4 JUNHO 2020 VISÃO
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na passada semana tiveram de alterar o nome para X Æ A-Xii, porque o estado da Califórnia não permite que sejam incluídos números nos nomes das pessoas.
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ENERGIA E TESLA
Noutra ocasião, apareceu num programa a fumar um charro, imagem que chocou a sociedade conservadora dos EUA. Musk defende que raramente fuma canábis. “A erva não é muito boa para a produtividade… pelo menos, para mim”, disse. O episódio ia-lhe custando os contratos que, entretanto, a SpaceX tinha assinado com a NASA e com a Força Aérea norte-americana. Em 2018, anunciou num tweet que um investidor estava prestes a fazer uma oferta milionária pela Tesla. Só havia uns problemas: a Tesla já era cotada, e qualquer negócio desse tipo teria de ser anunciado, com todos os pormenores, pelas vias oficiais do mercado de capitais; e a oferta nunca existiu, levando Musk a uma guerra aberta com os reguladores, que lhe impuseram ações disciplinares e tentaram mesmo que abandonasse a liderança executiva da empresa. Já este ano, novo episódio, desta vez no Twitter – tal como Trump, muitas das suas polémicas nascem da sua liberal utilização desta rede social. Enquanto o Presidente norte-americano exigia publicamente a vários estados que retomassem a atividade normal, Musk juntava-se a essa luta para voltar a produzir na fábrica californiana da Tesla. As autoridades impediram essa reabertura várias vezes, levando Musk a desafiá-las: “Se alguém for preso, só peço que seja apenas eu.” E, por falar em excentricidades, no início do mês, Elon Musk viu nascer o seu sétimo filho, fruto da relação com a atual companheira, a cantora vanguardista canadiana Grimes. Decidiram chamar-lhe X Æ A-12, mas 80
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Mais de uma década de sonho Musk em 2008, afirmando os planos ambiciosos da sua SpaceX
Os dois passos que o tornaram milionário ZIP2 VENDIDA À COMPAQ POR $307 MILHÕES Foi o primeiro negócio criado por Elon Musk. Desenvolvia guias de cidades para os jornais norteamericanos – o New York Times foi um dos primeiros clientes. Tratava-se de um diretório com um mapa associado que permitia procurar lojas, sedes de empresas, etc.
PAYPAL VENDIDA À EBAY POR $1,5 MIL MILHÕES Elon Musk criou, em 1999, a X.com, um dos primeiros bancos virtuais do mundo. Mais tarde, fundiu-se com o seu principal concorrente, a Confinity, dando origem ao que é, hoje, a moderna Paypal. Em 2017, Musk comprou o domínio X.com à eBay “pelo valor sentimental”
Além da conquista do Espaço, Musk é obcecado pelas energias limpas. O seu mais recente projeto é a construção de um novo meio de transporte, o Hyperloop, menos poluente. Trata-se de uma espécie de cápsula gigante capaz de transportar pessoas e mercadorias a uma velocidade próxima dos 1 000 km/hora através de túneis. A ideia foi ridicularizada por muita gente quando Musk a anunciou. Seis anos passados, e já com muitos contratos assinados com governos e cidades em várias partes do mundo, a empresa, denominada The Boring Company, inaugurou este mês o primeiro dos túneis de Los Angeles, com cerca de 60 quilómetros. Mas o seu maior desafio, até à data, tem sido na Tesla, em que o sucesso dos automóveis tem contrastado com dificuldades financeiras e de produção. A empresa chegou a estar à beira da falência, devido ao atraso de quase três anos na entrega do Model 3 aos clientes, que já tinham avançado dinheiro antecipadamente. “A Tesla enfrenta uma séria ameaça de morte devido à linha de produção do Model 3. A empresa tem tido uma sangria de dinheiro e, se não conseguirmos resolver os problemas num determinado período de tempo, acabaremos por morrer”, disse Musk na altura. Apesar de todos estes contratempos, a empresa continuou em alta. Quando entrou na bolsa, em 2012, cada ação foi vendida a 17 dólares. Hoje, valem cerca de 900 dólares. E foi graças a este desempenho bolsista que, à mesma hora em que a SpaceX se preparava para ir para o Espaço, Elon Musk juntou mais 700 milhões de euros à sua fortuna pessoal, pois o seu contrato prevê uma série de bónus, caso a Tesla atinja determinados objetivos. E uma parte deles foi conquistada na passada quinta-feira, 28. Esta é apenas uma das tranches desse acordo. Caso consiga atingir todos os objetivos negociados, Elon Musk poderá receber quase 20 mil milhões de dólares, o que, a somar aos 39 mil milhões que tem atualmente, fará dele um dos dez homens mais ricos à face da Terra. Terra essa que, para Musk, é já um planeta demasiado pequeno para a sua ambição. pcsantos@visao.pt
FOCAR
“Um objetivo sem um plano é apenas um desejo” Antoine de Saint-Exupéry Escritor e aviador (1900-1944)
PERFIL
A longa caminhada de Xibias Os excessos do colonialismo despertaramlhe o sentido de justiça e a militância próindependência de Angola deu-lhe experiência política. António Costa Silva foi preso, torturado e vítima de uma simulação de fuzilamento no final dos anos 70. Diz que se salvou porque nunca deixou de pensar. Agora está a pensar o plano económico do País para a próxima década CLARA TEIXEIRA
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Independente O novo conselheiro do primeiro-ministro está a traçar um plano para dar gás à dupla dimensão
DIANA TINOCO
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inda criança, viu homens negros acorrentados como escravos serem levados à força para as roças do Norte de Angola. A opressão colonial na província do Bié, no planalto central, despertou-lhe cedo a consciência política, mas a experiência nos terrenos movediços da ideologia, ganhou-a nos bancos da Universidade de Luanda, quando a independência da antiga colónia portuguesa o desviou do curso de Engenharia de Minas para a militância estudantil nos Comités Amílcar Cabral (CAC), uma corrente do MPLA. O ativismo acabou da pior maneira. Foi detido, sem acusação nem julgamento, e torturado durante três anos na temível Prisão de São Paulo, em Luanda. Uma noite, foi arrancado à cela e encostado a uma parede, para ser fuzilado. Escutou o som do gatilho, mas a arma não disparou. Defensor da independência de Angola, António Costa Silva, o gestor que aceitou o convite do Governo para desenhar o programa de recuperação económica pós-pandemia, decidiu ficar em Luanda em 1975, quando muitos amigos partiam com a família para a antiga metrópole. “Nasci em Angola, sempre me considerei luso-angolano”, afirmou à VISÃO, ao aceitar participar neste perfil. Nos anos 70, quando mergulhou nos movimentos estudantis pró-independência, ainda “estava na idade em que queria mudar o mundo”. Até que a prisão e a tortura interromperam o sonho. A 22 de dezembro de 1977, três dias antes do Natal, “Xibias” − alcunha pela qual era conhecido este “estrangeiro”, “filho de portugueses” – foi detido em Luanda e tornou-se mais uma vítima da purga levada a cabo pelo antigo Presidente Agostinho Neto, como resposta à tentativa de golpe de Estado de Nito Alves, em maio desse ano. O ajuste de contas dos dirigentes do MPLA levou à detenção de milhares de pessoas, sem culpa formada, e ao assassínio de muitas delas durante os cruéis interrogatórios e fuzilamentos sumários. Nos corredores da Prisão de São Paulo, o estudante finalista haveria de sobreviver a três longos anos de isolamento, tortura, espancamentos, chicotadas com cavalo-marinho e fios elétricos, golpes de moca e queimaduras de cigarro. O relato das atrocidades é, em parte, descrito por Américo Cardoso Botelho, que durante
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os cinco anos em que, ele próprio, esteve preso em São Paulo, foi tomando notas nas pratas dos maços de cigarros – e que mais tarde deram origem ao livro Holocausto em Angola: memórias entre o cárcere e o cemitério (Edições Vega, 2007). O terrorismo psicológico conheceu novos limites na primeira semana de abril de 1978. O chefe dos torcionários, José Vale, antigo colega na Universidade de Luanda, convidou um grupo de detidos a fazerem o testamento. Numa madrugada, Costa Silva foi algemado, vendado e enfiado dentro de uma viatura que o conduziria à morte. Adivinhou a encenação do fuzilamento, escutou o som dos gatilhos, mas as armas não dispararam. Ainda hoje recorda a calma com que enfrentou o medo. Regressado à cela, continuaria detido por mais dois anos e meio, em condições desumanas. RESISTIR E PENSAR
Ao se dar conta da polémica político-partidária após a divulgação do convite para desenhar o plano de recuperação, António Costa Silva recorda à VISÃO as atrocidades sofridas nesse tempo para responder aos que o acusam de falta de experiência política. “Aprendi muito. Isto estrutura-nos e prepara-nos para resistir a tudo”, garante. E também a usar a cabeça, o pensamento, para suportar a dor e a humilhação. “Numa situação-limite, quando estamos só connosco próprios, aprendemos a conhecer o pior e o melhor da natureza humana. A solidariedade entre os detidos é enorme. Aprende-se a rejeitar a violência, a respeitar a natureza humana e a amar a liberdade. Alguns não resistiram, mas eu aguentei a fazer poesia. Na cabeça, porque não havia papel.” A paixão pela poesia acompanha-o até hoje. Tem quatro livros publicados em coautoria com o amigo Nicolau Santos, jornalista e presidente da Lusa. Um quinto livro está já em preparação. O jornalista, também natural de Angola, conta que durante três décadas as marcas da detenção e da tortura, apesar de serem conhecidas do núcleo de amigos, nunca foram assunto de conversa. Só quando começou a publicar poesia, e depois de ter contado a sua experiência de vida à revista Exame – na edição de agosto de 2008, a revista fez capa com a “força de viver” de gestores que passaram por experiências-limite − é que António Costa Silva falou abertamente sobre o passado. À Exame, contou os pormenores: “Na tortura do sono tinham um método em que começavam por amarrar os braços atrás das costas e pontapear. A seguir, penduravam a pessoa no teto, a três
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O plano da retoma O plano de recuperação económica que António Costa Silva está a traçar, pro bono, contém a sua visão para a dupla dimensão, continental e marítima, da economia do País. Inclui uma aposta nos transportes ferroviários e na ligação à bitola europeia, no aumento da capacidade e da ligação dos portos, na gestão das redes de energia e dos recursos da água, no reconhecimento e no aproveitamento de matériasprimas como o lítio e o cobalto, mas também nas competências digitais das pequenas e médias empresas e no reforço e na qualificação do Serviço Nacional de Saúde. Costa Silva é alguém que acredita na reindustrialização do País, defendendo que o Estado deve ter maior presença na Economia, com poderes para salvar as empresas competitivas e proteger o emprego. O Programa de Recuperação que deverá ser apresentado em meados de junho, quando o orçamento suplementar for aprovado, será financiado pelo novo instrumento europeu de financiamento. Ao abrigo desse mecanismo, está prevista a atribuição a Portugal de 10,8 mil milhões de euros através de empréstimos mutualizados, e de mais 15,5 mil milhões de euros em subsídios a fundo perdido.
ALGEMADO E VENDADO, ESCUTOU O SOM DOS GATILHOS, MAS AS ARMAS NÃO DISPARARAM. AINDA HOJE RECORDA A CALMA COM QUE ENFRENTOU O MEDO
metros de altura, e deixavam cair o corpo.” E “tinham um sistema de tortura com torniquete que apertava a cabeça, fazendo pressão sobre a caixa craniana”. Às vezes, ficava inconsciente. DE CATABOLA PARA LISBOA
António Costa Silva nasceu em 1952, em Nova Sintra, uma pequena povoação onde o pai tinha uma fazenda de sisal, na província do Bié. A terra, entretanto rebatizada Catabola, foi berço de outros dois “ilustres”: António Monteiro, embaixador reformado e presidente da Fundação Millennium BCP, e Fernando Almeida, presidente do Instituto Ricardo Jorge. Para António Monteiro, que devido à diferença de idades só mais tarde conheceu Costa Silva, o novo nome da terra tornou-se premonitório: “É de Catabola e é o novo dono da bola”, diz a brincar, numa referência ao convite do primeiro-ministro. Ao conterrâneo, elogia-lhe a mente aberta e a inteligência. “Vale a pena ouvi-lo”, afirma. António saiu cedo de Nova Sintra para estudar no Colégio dos Maristas, no Cuíto, e depois na Universidade de Luanda. Aí, participou no círculo universitário de cinema, fez parte da associação de estudantes e desenvolveu dotes de oratória em assembleias com milhares de pessoas. Até que a prisão o travou. Na capital do antigo império, os amigos retornados não o esqueceram e fizeram campanha pelos presos políticos em Angola. Em 1980, foi libertado pelo novo governo de José Eduardo dos Santos, que sucedera a Agostinho Neto na presidência de Angola. Ficou a trabalhar na Sonangol, mas os problemas na vista, agravados pela tortura na prisão, obrigaram-no a procurar cuidados médicos em Barcelona. No regresso, passou por Lisboa e não resistiu ao apelo dos pais e dos amigos para ficar. Terminou a licenciatura no Instituto Superior Técnico – onde ainda dá aulas −, ganhou uma bolsa da Gulbenkian para fazer o mestrado em Engenharia de Petróleos, no Imperial College da Universidade de Londres, e mais tarde completou o doutoramento nas duas faculdades. Iniciou uma carreira internacional e partiu para França, para dirigir uma equipa de 250 pessoas na multinacional CGG. Em 2001, ingressou no Instituto Francês do Petróleo. Dois anos depois, quando aceitou um convite para almoçar no Hotel Ritz com Rui Vilar e Marçal Grilo, respetivamente presidente e administrador da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), já tinha alcançado prestígio internacional com uma arbitragem, no Tribunal Internacional de Estocolmo,
entre os gigantes BP e Exxon, envolvendo uma disputa pelas reservas de petróleo no Mar do Sul da China. A sua decisão, não sendo propriamente “salomónica”, terá sido “suficientemente justa” para não vir a ser contestada, nem pelo vencedor nem pelo vencido, segundo garante o gestor. OS LIVROS E A PAIXÃO PELO BENFICA
Álbum de família Os estudos foram feitos na escola primária de Nova Sintra (hoje Catabola), nos Maristas de Silva Porto (atual Cuíto) e na Universidade de Luanda, onde em 1975 integrou as correntes marxistas-leninistas
O “sentido de justiça”, a “calma”, a “inteligência extraordinária” e a “capacidade de raciocínio” são qualidades que amigos e conhecidos lhe elogiam. Assim como a “simplicidade”, a “generosidade” e a “sabedoria na procura de consensos”. As suas idas frequentes a Angola, para dar aulas e cursos de formação a jovens quadros, serão um reflexo desse “sentido de missão”, que também o terá levado a aceitar o convite do primeiro-ministro. António Costa Silva é ainda definido como alguém que “lê muito, pensa muito, escreve muito”. Viriato Soromenho-Marques, professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e coordenador científico do programa Gulbenkian Ambiente entre 2007 e 2011, viajou diversas vezes com o gestor. “Trazia sempre mais livros do que eu, ou do que qualquer outro membro do grupo”, graceja. Os amigos já se habituaram às “queixas” frequentes da mulher, Luísa, sempre que se vê impedida de dar jantares em casa porque “a mesa da sala está ocupada com os livros do António”. É assim na casa de Lisboa e na casa dos arredores de Óbidos, onde o casal tem uma segunda residência. Casado há vários anos com esta antiga diretora-geral do Ministério da Educação, e funcionária do Banco de Portugal, António Costa Silva tem uma filha, dois enteados e vários netos. Com fama de nunca perder a calma – nem durante a simulação do seu fuzilamento –, há quem suspeite dessa aparente serenidade, como se fosse construída em cima de um vulcão prestes a explodir. Costa Silva é também um homem impulsivo, que encontra o seu escape quando o Benfica joga. Em Mascate, capital de Omã, durante a transmissão televisiva de uma jornada europeia entre o Benfica e o Manchester, um atónito Marçal Grilo, na altura administrador da FCG com o pelouro do petróleo, apanhou um enorme susto quando o golo da equipa dos encarnados fez Costa Silva dar um salto “extraordinário” da cadeira, digno de um Cristiano Ronaldo. “Fiquei impressionadíssimo”, diz o ex-ministro à VISÃO. “É um livre-pensador, totalmente independente”, continua Marçal Grilo. Por
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Oportunidade e responsabilidade POR PEDRO NORTON
Na capa Em agosto de 2008, contava à Exame, em primeira mão, as atrocidades da prisão
isso, o coautor do convite que em 2003 trouxe o gestor para a direção da Partex, a empresa de petróleos de que a Gulbenkian foi acionista até há cerca de um ano, não o imagina sentado numa cadeira de ministro. “Ele não obedece aos cânones partidários”, explica. Mesmo quando discorre sobre um tema como as energias fósseis, Costa Silva não resiste a dar uma lição sobre geopolítica e geoestratégia mundial. Agostinho Pereira de Miranda, advogado especializado na área do petróleo, conheceu-o nos anos 70, quando o jurista dava aulas na universidade que António frequentava. Admira-lhe a coragem nos tempos conturbados de Luanda, de que o gestor agora vai precisar para “expor o seu plano”. “Ele consegue ver o mundo da energia numa perspetiva mais complexa, para além do petróleo e do gás”, garante o advogado, para quem Costa Silva “é alguém que sabe que a indústria do petróleo atingiu o ocaso”. Soromenho-Marques recorda ainda que, já depois da passagem pela FCG, esteve num campo oposto ao do CEO da Partex. O catedrático era uma das principais vozes do movimento Futuro Limpo contra a exploração de petróleo e gás na costa portuguesa. A Partex integrava o consórcio da Repsol que, em 2002, ganhou uma licença para a pesquisa de gás offshore no Algarve, um projeto que viria a ser abandonado. “Não tem o perfil do tipo que cava buracos à procura de petróleo. É muito mais do que isso”, garante o ambientalista. Com a economia portuguesa em situação difícil, será este conselheiro do primeiro-ministro quem ajudará a desenhar a estratégia económica de médio e longo prazo para o País. As críticas e os elogios sucedem-se, algo para o qual a quase mítica calma de Costa Silva será certamente necessária. csteixeira@visao.pt
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proposta da Comissão Europeia para o Fundo de Recuperação da economia é, sem sombra de qualquer dúvida, muito ambiciosa e largamente positiva, quer para a Europa, quer para Portugal. É-o, desde logo, no plano económico. A fazer fé nas estimativas preliminares, Portugal deve receber, só do Fundo de Recuperação, mais de 26 mil milhões de euros. Ou seja, cerca de 13% do PIB nacional. Se aos montantes a receber deste fundo a título de subsídio somarmos a parcela que o País receberá do orçamento ordinário da União, chegamos a um valor global de quase 50 mil milhões de euros. Quer isto dizer que Portugal receberá, ao longo dos próximos anos, cerca de 50% de todo o dinheiro que recebeu desde a nossa entrada na então CEE. Mas a proposta da Comissão Europeia é também arrojada em termos políticos, porque, a ser aprovada, derruba vários tabus (a atribuição de subsídios a fundo perdido, a mutualização da dívida), mas sobretudo porque, por via do modelo equacionado para o reembolso do financiamento a obter nos mercados (aumento dos recursos próprios e lançamento de taxas ao nível comunitário), constitui um passo muito importante e provavelmente definitivo na direção de uma efetiva união fiscal. Estamos, assim, perante uma extraordinária oportunidade que dificilmente veremos repetida ao longo das nossas vidas. Acontece que, como sempre, oportunidade deve rimar com responsabilidade. Antes de começar a fazer contas à vida, será bom que tenhamos a humildade de reconhecer que nem sempre, no passado, aproveitámos da forma mais eficaz as tremendas ajudas que fomos recebendo da União. Das autoestradas paralelas às rotundas municipais, muitos são os exemplos de desperdício de fundos e de investimentos com baixíssimo retorno feitos à boleia da generosidade europeia.
Insisto. Dificilmente teremos, ao longo das nossas vidas, uma maior oportunidade para projetar o futuro da nossa sociedade e da nossa economia. Seria absolutamente criminoso que a desperdiçássemos, repetindo erros do passado. Devemos isso a nós próprios, mas devemos isso, sobretudo, aos nossos filhos. São, pois, obviamente cruciais as opções e as prioridades a estabelecer. Eu estarei seguramente entre os que defendem que devemos aproveitar a oportunidade para combater os principais bloqueios da economia, melhorar a qualidade das instituições, apostar na qualificação dos portugueses, desburocratizar, diminuir o tamanho e repensar as funções do Estado (bem sei que a ideia vai contra o ar dos tempos), e projetar um modelo de desenvolvimento mais sustentável e mais baseado numa efetiva igualdade de oportunidades. Mas se é legítimo que divirjamos sobre as opções (e estas vão finalmente obrigar o Governo a escolher entre as pulsões estatizantes da geringonça e a mundivisão liberal à sua direita), já seria mais estranho que não conseguíssemos pôr-nos de acordo sobre alguns princípios processuais que não são menos importantes. É fundamental que o processo de planeamento e de estabelecimento de prioridades possa beneficiar dos contributos dos vários partidos políticos, mas sobretudo possa ser aberto à sociedade civil. Seria trágico cair na tentação de manter a discussão entre burocratas e dispensar a sociedade de participar no debate sobre o seu próprio futuro. Por maioria de razão, é crucial que o processo posterior de tomada de decisão e de seleção de investimentos seja obsessivamente transparente e seja pensado, desde o início, e no seu enquadramento institucional, para ser facilmente escrutinado. A Europa não tem obrigação de suportar eternamente o nosso atraso. É bom ter consciência disso e não perder, uma vez mais, o nosso encontro com o futuro. visao@visao.pt
É PRECISO TER
VISÃO Frase de Ricardo Araújo Pereira, publicada em novembro de 2019, na sua crónica semanal “Boca do Inferno”
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EMPRESAS
Voando sobre um ninho de CoCos
TAP prepara-se para receber um avultado empréstimo mo do Estado, que poderá ser convertido em ações daa empresa (os chamados CoCos), caso este não sejaa pago. O chairman admite estar a viver o desafio “mais ais exigente e complexo” de uma carreira em que já fez ez (quase) tudo – da academia ao BES, do Parlamento o ao governo, passando pela AICEP. Conhecido porr ser um construtor de pontes, Miguel Frasquilho deve eve sair reforçado da crise que custará mais de mil milhões de euros aos contribuintes
S
O C TÁV I O L O U S A D A O L I V E I R A
ábado, 10 de abril de 2010. Miguel Frasquilho subia ao púlpito do Pavilhão dos Lombos, em Cascais, onde decorria o Congresso que consagrou Pedro Passos Coelho como líder do PSD. À data vice-presidente do grupo parlamentar, o agora chairman da TAP avisava que a crise que o País enfrentava poderia obrigar a reformas na Administração Pública até aí impensáveis. Defendeu que se discutissem as funções do Estado e preveniu que salários e pensões poderiam “não escapar” a cortes. “Para contar a história da carochinha já basta o PS”, afirmou, perante a incredulidade dos militantes. Frasquilho, lembram sociais-democratas ouvidos pela VISÃO, “levou muita pancada”, mas hoje quase todos gabam a frontalidade de uma tirada com contornos de premonição. Passos, que chefiou o governo que viria a reduzir vencimentos e reformas, quando chamado a prefaciar o livro As Raízes do Mal, a Troika e o Futuro, da autoria do então deputado, salientou esse incidente, mas louvou-lhe a ousadia. “Produzir esta afirmação num tempo em que o PSD se preparava para ser alternativa poderia, por muitos, ser considerado pouco oportuno para mobilizar os portugueses para a mudança. A pressão que os média criaram em torno das suas
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palavras originou um clima pesado o de alguma censura ou recriminação pela sua falta de ‘sensibilidade’ política. a. Mas isso só fez ressaltar a sua coragem e a verdade com que se tem pretendido expressar”, enfatizou o ex-primeiro-ministro. nistro. Ora, o percurso do presidente do Conselho de Administração da TAP, viciado em provas de fundo (chegou a correr a meia-maratona em 1h32m), raramente amente foi atalhado por conveniências partidárias. tidárias. Apesar de se ter filiado no PSD quando ndo estava a concluir a licenciatura em Economia onomia na Universidade Católica, em 1988, 88, com apenas 22 anos (tendo como referência ência “o senhor que estava à frente do País”, Cavaco Silva), Frasquilho andou sempre longe onge do aparelho. “Nunca fiz parte da JSD. D. Aliás, estive adormecido no PSD até à altura em que Marcelo Rebelo de Sousa chegou a líder”, confidencia.
EM 2013, FOI CONVIDADOO PARA O GOVERNO E OIS, RECUSOU. UM ANO DEPOIS, DO, QUIS SER EURODEPUTADO, MAS NÃO HAVIA LUGAR
O FAX PARA DURÃO E A RUTURA COM FERREIRA LEITE
ALBERTO FRIAS
Exame Aos 54 anos, já foi docente, gestor, deputado e governante. governan Numa TAP à beira da rutura, Frasqu Frasquilho tem de equilibrar as vontades do Estado, dos privados e de Bruxelas
Essa equidistância face às guerras palacianas fez com que se mantivesse à tona, no Parlamento ou no governo, enquanto os sociais-democratas afogavam líder atrás de líder. Conheceu Marcelo através do filho do chefe de Estado, Nuno, que fora seu aluno logo nos primeiros anos de docência. “Colaborei bastante com o Professor e construímos uma boa relação”, lembra. Marcelo cairia e Frasquilho perderia espaço. Até uma sexta-feira de 1999, ainda antes das legislativas, em que achou que a reação do PSD, já chefiado por Durão Barroso, a dados sobre a inflação não tinha sido certeira. Era economista-chefe do BES e escapelizara esses números por dever de ofício. Enviou uma análise, por fax, para a sede nacional, na São Caetano, Lisboa, e na segunda-feira seguinte recebeu uma chamada. Do outro lado estava Durão, que o convidaria para cooperar mais de perto. Nesse ano, António Guterres venceu as eleições, mas Durão aguentou-se e criou o think tank Missão Portugal, com quadros partidários e independentes. Frasquilho voltou a ser convocado. “Fiquei com muito boa relação com Durão Barroso”, conta. Como, aliás, com os líderes seguintes: Pedro Santana Lopes, Luís Filipe Menezes e, sobretudo, Luís Marques Mendes. O comentador televisivo não lhe regateia elogios: “É meu amigo há anos, é um enorme ser humano. É difícil encontrar alguém com uma lealdade tão extraordinária e uma simpatia tão contagiante.” Além disso, sublinha o conselheiro de Estado, “tem um enorme grau de informação económica à escala nacional e internacional, é muito bem preparado”. “Cheguei a testemunhar situações em que economistas com mais nome na nossa praça recorriam a ele para analisar várias situações”, confidencia o advogado. A exceção a um caminho quase sempre sem sobressaltos aconteceu, no entanto, durante o executivo de Durão. Frasquilho foi “imposto” pelo então primeiro-ministro a Manuela Ferreira Leite como secretário de Estado do Tesouro e das Finanças. Tinha sido um dos ideólogos do choque fiscal, que nunca aconteceu conforme preconizara: numa primeira fase, com reduções acentuadas de IRS e IRC suportadas pelo aumento do IVA; numa segunda, o IVA também cairia. Conclusão: acabou por sair em 2003, desavindo com a ministra das Finanças,
O ESCUDO DE COSTA
O antecessor de Frasquilho na AICEP, Castro Henriques, defende que um dos segredos do sucesso do mandato do social-democrata foi não boicotar o trabalho do Governo PS, quando além-fronteiras se punha em causa a solidez da geringonça. “Os investidores fizeram muitas perguntas sobre aquela fórmula, e o Miguel teve uma intervenção-chave ao explicar no que consistia o acordo e ao dizer que as regras europeias seriam respeitadas. Tranquilizou-os”, sintetiza o economista. Essa postura foi apreciada no núcleo duro de António Costa, que não hesitou em convidar Frasquilho, em fevereiro de 2017, para representante do Estado na TAP. À direita, poucos duvidam de que o primeiro-ministro tenha usado a proveniência política de Frasquilho como proteção contra as investidas de PSD e CDS, na sequência da reversão de uma privatização bastante controversa.
que, não obstante essa fricção, foi lesta a defendê-lo, em 2017, quando o Expresso noticiou que Frasquilho recebera 54 mil euros, em contas de parentes, da Espírito Santo Enterprises, que funcionou como saco azul do GES. O chairman da TAP justificou os pagamentos dizendo que foi ele quem fez esse pedido à entidade patronal por ter “dívidas para saldar com os familiares”. À parte esse episódio, um adversário de longa data, sob anonimato, salienta a “coragem” de ter abandonado o governo: “Saiu com as suas ideias, e isso define as pessoas. Não é de seguidismos ou de carneirismos...” Miguel Relvas, ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares com Passos, subscreve essa perspetiva: “Um político com vida e que tem para onde ir não necessita de pactuar com aquilo com que não concorda. Apreciei muito essa atitude dele.” E ainda lhe enaltecem o carácter conciliador. “Ele procurava sempre encontrar soluções, evitava sempre esticar a corda”, nota Relvas. “É respeitado até pelos adversários, porque é muito articulado e criterioso. Tem amigos que pertencem aos diversos quadrantes políticos”, completa Marques Mendes. O “CAÇADOR” DE IENES
Adolfo Mesquita Nunes, que tinha assento em duas comissões de que Frasquilho fez parte (a de Orçamento e Finanças
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Crise Os efeitos da Covid-19 foram devastadores para a TAP. A companhia teve menos dois milhões de passageiros em março e abril do que no mesmo e período de 2019 p
EMPRESAS
e a que foi criada paraa acompanhar a execução do memorando) e que, no governo, teve de se articular com o social-democrata quando este passou a chefiar a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), acompanha essa visão. “Há uma sobreposição de matérias entre a AICEP e o Turismo de Portugal, o que pode gerar tensão entre os titulares das pastas e os presidentes dos institutos. E, segundo a minha experiência, a gestão com o Miguel decorreu com toda a normalidade e cordialidade. Não houve nenhuma tensão”, corrobora. O ex-secretário de Estado do Turismo não tem dúvidas sobre o espírito livre de Frasquilho. “Nunca fez uma defesa acrítica ou militante do programa de ajustamento que nos estava a ser imposto. Chegou até a defender visões relativamente distintas das defendidas pelo governo”, aponta. Nem isso impediu, contudo, que fosse novamente convidado para funções governamentais. Aconteceu na primavera de 2013, quando António Almeida Henriques deixou a secretaria de Estado da Economia para ser candidato à Câmara Municipal de Viseu. Frasquilho declinou, mas o desgaste com as funções parlamentares era cada vez maior. No ano seguinte, quis ser eurodeputado, mas a mercearia das listas não o permitiu. Assim, em 2014, Passos nomeou-o para a AICEP. “O Miguel foi meu professor, na Católica, há 22 anos. A primeira cadeira que me deu foi Matemática I e tive muito boa nota. Mantivemos contacto e ele acabou por levar-me para a AICEP, como CFO [chief financial officer]”, diz Luís Castro
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Henriques, sucessor na liderança da agência. “Ele identifica sempre o objetivo maior em jogo e consegue construir consensos para o alcançar. Além disso, se quiser boas previsões orçamentais e do PIB, fale com ele um trimestre antes... Há muitos anos que costuma acertar”, brinca. Para ilustrar o trabalho de formiga do mandato anterior, Castro Henriques recorda as relações comerciais Portugal/ Japão: “Até 2015, não havia novos investimentos japoneses de relevo cá. E agora temos tido todos os anos, pelo menos, um.” O que só sucedeu, vinca, porque Frasquilho (no qual encontra o defeito de ser “impaciente”) foi presidente do grupo parlamentar de amizade entre os dois países e era “muito respeitado e valorizado” em Tóquio. “Ainda recebo louros pelo trabalho do Miguel”, graceja. UM “DIPLOMATA” NA TAP
Pedro Marques, que tinha a tutela da TAP em 2017, também é generoso nas palavras. “Já o conhecia dos tempos de deputado, coincidimos em áreas de Finanças e Economia. É um homem conhecedor da realidade macroeconómica, do tecido
FRASQUILHO DIZ QUE HÁ “UMA ESPÉCIE DE RELAÇÃO AMOR-ÓDIO” ENTRE OS PORTUGUESES E A TAP
empresarial português, do comércio exem te terno, do turismo”, sublinha o ex-ministro do Planeamento e das Infraestruturas. “É d um diplomata e tinha um conjunto de u competências que considerei adequadas co para aquelas funções, por ser um bom nep ggociador, um moderador, um conciliador de posições”, prossegue o eurodeputado socialista, sem se pronunciar sobre a situação da companhia aérea e sobre os conflitos entre a Comissão Executiva, o co Governo e os autarcas do Norte. G Seja como for, os dados estão lançados. O mais provável é que o Estado ça conceda um avultado crédito à TAP – co previsivelmente, superior a mil milhões p de euros – e que este assuma a forma de d obrigações contingentes convertíveis em o capital – títulos que ficaram conhecidos ca nos mercados como CoCos –, caso a n ccompanhia não consiga regularizar a dívida. Nesse cenário, o Estado reforçad ria a sua posição, ficando com mais de 50% do capital. Os acionistas privados, David Neeleman e Humberto Pedrosa, sabem que têm pouca margem de manobra. Sem dinheiro público, a TAP não resistirá e, por outro lado, estão cientes de que só haverá resgate (com CoCos ou um modelo similar) com uma revisão profunda do plano de voos da transportadora, que não crispe mais as relações com o País político. Quanto à governance da empresa, não deverá haver alterações na Comissão Executiva (onde o Estado não tem lugar), mas o reequilíbrio de forças poderá ser feito através do reforço dos poderes do Conselho de Administração, onde o chairman tem voto de qualidade. Frasquilho evita comprometer-se, mas desabafa: “É o desafio profissional mais exigente e complexo que tive até hoje. Mas, por isso mesmo, é também o mais aliciante. Sou presidente do Conselho de Administração, e não CEO, mas isso não faz com que este desafio seja menos absorvente, porque a TAP acaba por se confundir com Portugal.” Admite haver “uma espécie de relação amor-ódio entre os portugueses e a TAP, algo que só é possível se se gostar muito da TAP”. Assim, remata com um apelo a que todos tenham nervos de aço e bom senso: “É preciso perceber que onde o Estado está como acionista tudo ganha uma relevância acrescida. O Estado não é um parceiro qualquer – é muito especial. E se não se perceber isto, é meio caminho andado para tudo correr pior...” Recado dado. ooliveira@visao.pt
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ARTES
VAGA R
“Fotografar é uma reação imediata, desenhar é uma meditação” Henri Cartier-Bresson Fotógrafo e desenhador (1908-2004)
DESENHAR EM TEMPO DE PANDEMIA
CONFINADOS EM SUAS CASAS, COM QUE TRAÇOS, CORES E FORMAS VIRAM OS ILUSTRADORES A VIDA LÁ FORA? ENTRE O MEDO, O HUMOR E A ESPERANÇA, DESENHOS QUE SÃO JANELAS SOBRE O MUNDO NESTA ESTRANHA PRIMAVERA MARIANA ALMEIDA NOGUEIRA
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ESPERANÇA ANDRÉ CARRILHO
“Desenhei esta capa para a revista Lisboa, mesmo no princípio da quarentena. Pareceu-me logo essencial adotar um olhar positivo e mais otimista relativamente aos tempos que aí vinham”, conta André Carrilho. Se o isolamento trouxe ao ilustrador mais impulsos criativos e razões para desenhar, a falta de tempo para pôr em papel tudo o que lhe vinha à cabeça nem sempre ajudou. “Além do meu trabalho regular, por encomenda, passei a ter de me ocupar de certas tarefas domésticas mais regularmente e a ajudar os meus filhos que ficaram em casa. Ideias não faltaram, mas se antes corria para as aproveitar, agora, com menos tempo e a intensidade de tudo o que estava a acontecer no mundo, nem lhes conseguia dar vazão.”
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ARTES
HUMOR
MARIANA, A MISERÁVEL “Quando tudo começou, fiquei muito assustada com o que aí viria e o medo teve um efeito paralisador em mim, ao contrário de muitas pessoas que via, através das redes sociais, que estavam a aproveitar este tempo para fazer novos projetos”, diz Mariana Santos. “Acabei por encontrar estratégias para lidar com a situação: não ver tanto os telejornais, não me sentir culpada por não ser tão produtiva ou tão inspirada como essas pessoas. Percebi que cada um tem a sua forma de lidar com a pandemia.” Após o começo atribulado, a inspiração voltou e o humor acabou por se revelar a melhor maneira de conviver com a nova realidade. “Março e abril costumam ser meses muito ricos em propostas de trabalho e tenho a certeza de que, por causa da pandemia, houve muitas que não chegaram até mim. Continuei o trabalho que tinha em mãos, peguei no que já estava agendado para meses mais seguros e, quando me senti melhor, voltei ao diário gráfico e aos desenhos despreocupados que faço para me rir disto tudo.” Assim nasceu o autorretrato com uma máscara cirúrgica que, em vez de tapar a boca tapa os olhos. Mariana explica que o fez a partir da imagem icónica de Bolsonaro com a máscara nos olhos, o que acabou por ser uma metáfora da sua atitude irresponsável perante o vírus. “A legenda da minha imagem é ‘Também preferia não ver’. Embora, obviamente, repudie a conduta do Presidente do Brasil, utilizei-a como piada que se faz sozinha, em forma de desabafo.”
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DIÁRIO NUNO SARAIVA
Para Nuno Saraiva, o isolamento não representou um atropelo à criatividade. Pelo contrário, já que Diário de uma Quarentena em Risco, um conjunto de 40 desenhos humorísticos que encheu as páginas de dois diários gráficos e as redes sociais do ilustrador, será brevemente editado em livro, pela editora Ponto de Fuga. “O isolamento despertou a necessidade de fazer desenhos só para mim que não dependessem de projetos ou trabalhos que tinha encomendados por clientes”, conta Nuno, que revela ainda ter descoberto um gosto renovado pelo desenho como forma de ocupar o tempo livre. “À medida que ia desenhando, apercebi-me de que o ritmo ia ao sabor dos meus diferentes estados de espírito: umas vezes sátira política, outras vezes meramente poético, às vezes mais agressivo...”, explica. O objetivo – além de, por exemplo, combater ideais homofóbicos ou racistas – foi sempre representar o olhar de quem está confinado em casa e observa o que se passa lá fora. Dos 40 desenhos feitos com pincel, a tinta-da-china, em cerca de 30 minutos, o ilustrador escolheu este 25 de Abril de 2020... Sempre! “Nas redes sociais fui-me apercebendo da polémica em torno das celebrações do 25 de Abril e a primeira imagem surgiu-me logo na cabeça. Este primeiro desenho não teve muitos likes, deixou toda a gente com uma sensação amarga, o Abril que nos cai das mãos, a liberdade que não voa... O seguinte foi viral, um alívio. Abril nas mãos de uma criança, a geração pósCovid. Deixar o público em suspenso foi algo intencional para despertar na consciência das pessoas essa sensação do perigo de perder uma herança.”
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ADIAR ANDRÉ LETRIA
INSÓLITO JOANA ESTRELA
Apesar de estar habituada a trabalhar em casa, Joana Estrela não troca o fascínio da rua pela tranquilidade das quatro paredes. “A rua continuará sempre a ser o melhor sítio para expurgar as mágoas”, afirma a autora de Map for Crying Travellers, um mapa que seleciona os dez melhores sítios de Lisboa e do Porto para chorar à vontade. Ao longo de dois meses de isolamento, a janela que Joana mais usou para comunicar com o exterior foi o Instagram. “Comecei a publicar muito mais ilustrações no meu perfil, desde que ficámos em quarentena. Fazia-as para mim, para me entreter e divertir. Quando não conseguia desligar do que se estava a passar tinha de desenhar o que sentia. Além disso, precisava da interação com outras pessoas, das reações ao meu trabalho, do feedback”, conta. Assim, além dos projetos profissionais, como a criação de dois livros em curso, Joana aproveitou o tempo para ler, ver mais filmes, tirar um curso de Photoshop e registar graficamente situações insólitas, resultantes dos tempos de pandemia. “Esta ilustração que escolhi com a legenda ’À procura de soluções criativas para deixar de tocar na cara’ nasceu quando ainda não se percebia se era suposto usarmos, ou não, máscara na rua. E cada vez que saía dava por mim a lutar contra a tentação de tocar na cara. Veio-me logo à cabeça a imagem das proteções que se costumam usar para que os cães não cocem o focinho...”
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A quarentena não trouxe grandes alterações ao trabalho de ilustração de André Letria. Habituado a desenhar onde for necessário, e dependendo dos projetos em que está envolvido, foi a atividade de editor que mais sofreu com o isolamento. “Senti mais do que nunca a responsabilidade de ser diretor de uma empresa que tinha de se adaptar a esta nova realidade. As maiores alterações registaram-se a nível do cancelamento de feiras, da alteração dos prazos de impressão dos livros e da alteração do local de trabalho para a maioria da equipa da Pato Lógico”, afirma. No entanto, o trabalho de editor à distância permitiu a André uma nova organização do dia que lhe deixou tempo livre para desenhar mais. “A ilustração que escolhi é do projeto ao qual me dediquei nesta quarentena. São ilustrações de um livro que nasceu de um desafio da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens para celebrar o 30º aniversário da Convenção dos Direitos da Criança. Todos os atrasos que a publicação desta obra sofreu refletem a situação que estamos a viver. Deveria ter sido lançada a tempo de integrar a Feira do Livro de Bolonha, que foi cancelada, e depois a Feira do Livro de Lisboa, que foi adiada. Este atraso deume a possibilidade de rever bem os textos, retificar algumas imagens e melhorar este volume com 16 ilustrações divididas em três que permitem criar 4 096 combinações diferentes.”
BLOQUEIO JOÃO FAZENDA
Estar confinado entre quatro paredes é uma realidade comum para João Fazenda. O ilustrador revela que a maior alteração resultante da quarentena foi a reorganização dos ritmos de trabalho, porque tiveram de ser conjugados com a presença de toda a família em casa. “No meu caso, a nível criativo, a situação bloqueou-me. A primeira reação foi não ter grande inspiração nem vontade de fazer muitas coisas. Combati esse sentimento, continuando com o trabalho obrigatório e, agora mais para o fim, ganhei um ânimo diferente”, revela. As ilustrações que ia fazendo para os vários projetos em que está envolvido (como a ilustração semanal, nas páginas da VISÃO, da crónica de Ricardo Araújo Pereira Boca do Inferno) acabavam por estar, muitas vezes, relacionadas com a temática da Covid-19, o que levou João a tentar distanciar-se desse universo nos raros desenhos que foi fazendo apenas para si. “Logo no início, até fiz um desenho sobre o confinamento, que publiquei no Facebook, mas foi o único. Sempre gostei muito da relação entre espaço interior e exterior e do papel desempenhado pelas janelas. Por isso, fui publicando alguns desenhos, feitos no passado, sobre essa temática. A imagem que escolhi é uma reflexão sobre a sensação de viver num mundo ao contrário, no qual nos sentimos a perder a cabeça, um pouco desorientados.”
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ARTES
SURPRESA ANTÓNIO JORGE GONÇALVES
“Senti falta da vida coletiva e das pessoas, mas convivo bem com a solidão e decidi aproveitar este tempo para espicaçar a minha criatividade”, conta António Jorge Gonçalves. Se antes do confinamento tinha por hábito desenhar em formatos de pequenas dimensões, a quarentena ditou o regresso ao A3 e à prática de desenho cego. “É um tipo de desenho muito rápido, com elevado grau de surpresa, no qual tento apanhar as formas sem olhar para o papel. Fi-lo intensamente ao longo dos últimos meses”, revela. É precisamente este o registo utilizado na ilustração escolhida pelo artista. “Pensei em várias coisas que fiz, mas percebi que esta espelha bem a realidade que tenho vivido. É uma reunião de pais online, com cerca de 50 participantes, na qual qualquer um de nós, fora dos limites da câmara, poderia estar a fazer o que quisesse. O Zoom entrou nas nossas vidas e vemos as pessoas todas aos quadradinhos; presentes mas ausentes”, diz António. “Cheguei a mostrar o desenho à professora, que o acolheu muito bem. Nesta altura, tudo o que seja uma transformação do momento que estamos a viver parece-me ser muito bem recebido.” visao@visao.pt
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PESSOAS
Adriana Calcanhotto UMA CANÇÃO POR DIA
Muitos artistas acusaram um bloqueio criativo como efeito colateral do confinamento e da pandemia. Não foi esse o caso de Adriana Calcanhotto que se obrigou, a si própria, todas as manhãs, a escrever uma canção nova como reação a esta suspensão da vida. Quando deu conta, acho que tinha um disco, com princípio, meio e fim. Bastaram 43 dias bem contados para concretizar este Só, disponível desde o passado dia 29. Se 2020 tivesse corrido como previsto, a artista brasileira estaria por estes dias em Coimbra, onde leciona na universidade desde 2017. A cidade, o Mondego e as suas guitarras estão presentes na última faixa, Corre o Munda: “Não existe rima para ti, Coimbra/ nem achei palavra para decifrarte/ não permita deus que eu morra sem voltar”, canta Calcanhotto. O disco inclui registos e estilos muito diversos. Imediatamente antes dessa canção dedicada a Coimbra, ouve-se Bunda Le Lê, apresentado como “o funk da quarentena”: “Senta a bunda e estuda, senta a bunda e lê, senta a bunda e vai à luta.” A primeira das nove novas canções dá o mote: Ninguém na Rua. O disco é dedicado ao músico Moraes Moreira, um dos fundadores do grupo Novos Baianos que morreu em abril, e conta com vários cúmplices habituais de Adriana Calcanhotto, num trabalho feito à distância que não é estranho à sua prática habitual. As receitas dos direitos de autor de cada nova canção reverterão para nove associações e iniciativas de apoio social e cultural no Brasil. P.D.A.
O primeiro livro do resto da pandemia
Ainda há mais perguntas do que respostas sobre a nova doença, ainda se discute a hipótese de uma nova vaga, e já chega às livrarias um volume centrado nestes dias estranhos que temos vivido nos últimos três meses. Não surpreende que venha assinado por aquele que é, muito provavelmente, o autor com mais livros publicados em Portugal nos mais diversos géneros: José Jorge Letria. Um Mundo Aflito, Memória de Um Tempo de Ausência (da editora Guerra & Paz) é um híbrido. “Carta aberta ao vírus do nosso descontentamento”; “profunda reflexão sobre a História contemporânea”; “leia-se este livro como um Poema, um manual de sobrevivência ou como minuciosa reportagem do nosso tempo feita à luz dos melhores preceitos jornalísticos” são algumas das definições que se podem encontrar no prefácio assinado por Pedro Abrunhosa (datado de 4 de maio de 2020, mostrando como este livro é uma espécie de ação direta em cima do acontecimento). Além do texto livre – com reflexões sobre a atualidade mas também memórias, viagens no tempo e na geografia... –, este pequeno livro conta com mais de 60 fotografias, a preto e branco, de Inácio Ludgero (que foi, durante 15 anos, fotojornalista da VISÃO), documentando uma cidade vazia, quase fantasma, ou habitada por gente de cara tapada por máscaras e viseiras, que ainda há poucos meses pareceria saída de um filme de ficção científica. “Nunca se sabe o que poderá vir depois. Ninguém sabe”, escreve Letria.
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CRÓNICA
P O R M I G U E L A R A Ú J O / Músico
Idílio
T
alvez eu estivesse bem melhor em Armamar, Penamacor ou Gandarela, serra do Açor, no rio Ocreza, em Gondramaz ou Talasnal e bem ou mal, a vida, aí sim, até que enfim seria bela, sépia, tela e carvão, com o passar do tempo bem mais leve e amarela, bem melhor, Shibuya ou Tui, isso não sei,
nunca lá fui.
Talvez se eu partisse ao fim da tarde com pompa, circunstância e algum alarde, na albarda do jumento bom medronho, algum tabaco de mascar, muito mistério, um esgar sério no semblante e adiante, já um espectro que se esfuma e desvanece na distância, ante o olhar humedecido desse alguém que em pranto afim me carpiria e tudo isso enquanto ao longe, no horizonte quente e trémulo eu desaparecia, eu não sei, nunca parti. Talvez se eu vivesse no idílio dum longo e doce exílio em Macau, Blue Curaçau, Manaus, talvez, ou Caldas da Rainha, eu sei lá, lá onde quer que o amor inesperado me esperasse, isso eu não sei, nunca tentei. Talvez se eu morasse nalgum filme de cineasta europeu já falecido e eu, bem-parecido, de Vespa, a preto e branco, sem temor nem capacete, na cova dum dos braços, a baguette e no colo, alguma noiva de corpete resgatada, bem no último minuto, dos braços de um destino mais hirsuto do qual sonhou um dia vir a desprender-se, sonhando com uma vida bem mais bela, bem mais sépia, preto e branco ou amarela, Macau, Blue Curaçau, Shibuya ou Tui, serra do Açor, Penamacor ou Armamar ou Gandarela e o tempo leve amarelando a tela, alguma pompa, circunstância, algum alento, algum alarde, alguma Vespa, Valentino, algum jumento, lá onde quer que amor inesperado a esperasse, talvez alguém, talvez eu mesmo, até, quem sabe, isso eu não sei,
A vida, aí sim, até que enfim seria bela, sépia, tela e carvão, com o passar do tempo bem mais leve e amarela, bem melhor, Shibuya ou Tui, isso não sei, nunca lá fui
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VISÃO 4 JUNHO 2020
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BRITISH LIBRARY /UNSPLASH
eu nunca ousei.