RENA & FAVARO

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NUTRIÇÃO DO CAFEEIRO VIA FOLHA Alemar Braga Rena, PhD, EMBRAPA/CAFÉ José Romeu Aith Fávaro, MS

1. A folha como órgão de absorção

Como bem relata MALAVOLTA (1981), a vida vegetal começou na água. O mesmo órgão responsável pela realização da fotossíntese, a folha, era também incumbido de absorver a água e os nutrientes. Com a passagem dos vegetais para a vida terrestre, desenvolveu-se a especialização de funções, ficando as folhas com a função de produzir carboidratos e as raízes de fixar a planta e absorver água e minerais. No processo de divisão de trabalho, no entanto, como afirma MALAVOLTA (1981), a folha não “esqueceu” a capacidade primitiva de absorver água e minerais. Ficou, portanto, na “lembrança” da planta a capacidade que nos possibilita nutri-la via folha. E este é o tema do presente artigo. 1.1 Morfologia externa e interna da folha de café A área da lâmina foliar do cafeeiro é muito variável, mas 50cm2 é um valor médio bem real. A superfície abaxial (inferior) possui um verde muito menos intenso que a adaxial (superior) e é nela que, exclusivamente, localizam-se os estômatos, numa densidade aproximada de 160 por mm2 (DEDECCA, 1957, FOURNIER, 1988). O verde mais intenso da face adaxial deve-se ao fato de que logo abaixo da epiderme unisseriada superior encontra-se o parênquima paliçádico compacto, formado de células alongadas, de seção retangular, com grande concentração de cloroplastos e de clorofila (Figura 1; SILVA et al., 1978; FOURNIER, 1988). É nesse parênquima que se realiza a atividade fotossintética mais intensa. Abaixo desse tecido, mais para dentro do mesófilo, até a epiderme abaxial, localiza-se o parênquima esponjoso ou lacunoso, também com função fotossintética, mas menos intensa. É entre as células do parênquima (lacunoso) que se acumula o vapor d’água da folha e os gases oxigênio e dióxido de carbono, que se difundem principalmente através dos estômatos. É também nessa parte do mesófilo que se distribuem os elementos condutores do xilema e do floema, num único feixe vascular líbero-lenhoso contido nas estruturas conhecidas como nervuras.


Figura 1 - Corte transversal da folha de café (Adptado de FOURNIER, 1988). Como se disse, é na epiderme inferior que se localizam os estômatos, formados por células diferentes e menores que as demais células da epiderme denominadas células guardas (Figura 2; FOURNIER, 1988). Observa-se na Figura 2 que nas folhas de café não há uma câmara sub-estomática hermética como na maioria das espécies; o poro estomático comunica-se diretamente com os meatos ou com o apoplasto do mesófilo lacunoso. A superfície externa das células guarda que compõem os estômatos, bem como a das demais células de ambas epidermes, está coberta pela cutícula, que restringe grandemente a perda de água por transpiração e absorção de gás carbônico e solutos, principalmente os iônicos, para o interior do mesófilo. No entanto, a epiderme inferior possui cutícula mais fina e menos hidrofóbica que a superior e o esclarecimento das funções ecofisiológicas dessa diferença fogem ao escopo desta revisão. Somente o aspecto da absorção de solutos será abordado.


Figura 2 - Corte transversal do estômata de café (Adaptado de Fournier, 1988). 1.2 As barreiras externas à absorção de solutos Na Figura 3 apresenta-se a estrutura geral da cutícula que cobre as folhas (GOODWIN e MERCER, 1983). De acordo com GOODWIN e MERCER (1983), MARSCHNER (1988) e HESS (1985), as ceras epicuticulares são excretadas pelas células epidérmicas e consistem de alcoois e cetonas de longa cadeia carbonada e de esteres de ácidos graxos, também de longa cadeia de carbono. Em ambos os casos, esta longa cadeia de carbono é altamente apolar e hidrofóbica, ou seja, não se dá bem com a água e com outras substâncias polares. Daí a grande dificuldade da entrada de solutos na folha, principalmente os iônicos, e a dificuldade de molhamento aquoso dessas superfícies. No entanto, a cutícula é formada principalmente por cutina (GOODWIN e MERCER, 1983), uma mistura de ácidos graxos de longa cadeia carbonada (MARSCHNER, 1995, HESS, 1985) que é mais hidrofílica, apresentando a propriedade de hidratar-se na presença de água. A camada cutinisada (Figura 3; MARSCHNER, 1995), a mais espessa da cutícula, é uma matriz de cutina incrustrada de celulose, cera e pectina. Finalmente, há uma camada de substâncias pécticas (lamela média) que cimenta a cutícula às paredes celulares das células epidérmicas. Em conclusão, a cutícula, como um todo, funciona como uma esponja.


Figura 3 - Representação esquemática da cutícula de uma folha (Adaptado de Goodwin e Mercer, 1983). De acordo com HESS (1985) vários fatores influenciam a quantidade, a estrutura e a composição bioquímica da cutícula. Assim, o déficit hídrico induz o desenvolvimento de uma cutícula mais espessa. No entanto, não se sabe até quanto a umidade relativa influencia também esse processo, mas, sem dúvida, baixas umidades relativas estimulam o espessamento da cutícula e o aumento do teor de ceras epicuticulares. Temperaturas intermediárias (nem muito baixas nem muito elevadas) estimulam a formação de cutícula, mas sua maior influência é no aumento do teor de ceras. A formação de cutícula está também relacionada com a intensidade luminosa. A quantidade de cera epicuticular aumenta com o aumento da intensidade luminosa, com grande benefício adaptativo do cafeeiro ao pleno sol. Conseqüentemente, cafeeiros sombreados ou adensados possuem menos cera epicuticular. A espessura da cutícula também aumenta com a idade da folha, mas, normalmente, a sua fabricação pelas células epidérmicas pára quando a folha completa o seu desenvolvimento. Finalmente, há grandes diferenças em espessura, estrutura e composição da cutícula com as cultivares e as espécies de café. E não se deve perder de vista que o cafeeiro é uma das espécies com a cutícula muito espessa. 2. Absorção de solutos pela folha – aspectos gerais

Embora os estômatos sejam os principais componentes no intercâmbio gasoso (CO2, O2, SO2, vapor d’água) entre a folha e o meio ambiente, a penetração de gotículas aquosas, resultantes de pulverização, pelo poro estomático é um processo complexo. Por essa razão, muitos pesquisadores afirmam que os estômatos desempenham papel secundário na absorção de solutos aplicados às folhas (HESS, 1985, FOURNIER, 1988; MARSCHNER, 1995). Uma forte evidência a favor dessa afirmação é que as taxas de absorção de íons pelas folhas são comumente maiores à noite, quando os estômatos estão fechados (FOURNIER, 1988, MARSCHNER, 1995). Portanto, o grau de abertura estomática é de pouca importância, ao contrário do que se crê comumente. Mas a cutícula, que é parcialmente permeável à água e aos solutos nela dissolvidos, é a


principal porta de entrada das soluções na folha. Quando se diz que se deve pulverizar bem a face inferior da folha de café, não é porque aí estão os estômatos, mas sim porque na face abaxial a cutícula é menos desenvolvida e mais permeável às soluções aquosas. De acordo com FRANKE (1967), o processo de absorção foliar ocorre em três fases: 1) Penetração através da cutícula e da parede celular, via difusão limitada ou livre, 2) Adsorção à superfície da membrana plasmática e 3) Penetração no citoplasma, por um processo dependente de energia metabólica, que pode ser ativo ou passivo. O processo de penetração de solutos, neutros ou iônicos, na cutícula é passivo e não requer energia metabólica, ocorrendo via rotas hidrofílicas, simplesmente por difusão (FRANKE, 1967, MALAVOLTA, 1981, FÁVARO, 1992, MARSCHNER, 1995). SCHÖNHERR e BUKOVAC (1970) demonstraram que as cutículas possuem poros com regiões polares, negativas, constituídos principalmente por ácidos poligalacturônicos (pectinas) associados à celulose, por cutina, que é francamente polar, devido aos grupos hidroxílicos e carboxílicos não esterificados, e por ceras, com substituições polares. Esses poros são criados durante o processo de biossíntese da cutícula, pelas células epidérmicas, quando substâncias hidrofílicas tendem a agrupar-se para atingirem um estado energético mais estável (SCHÖNHERR e BUKOVAC, 1970). A maioria desses poros na cutícula tem diâmetro menor que 1nm, numa densidade de cerca de 1010 poros por cm2 (SCHÖNHERR, 1976). Esses poros são prontamente permeáveis a solutos de moléculas pequenas como a uréia, mas não a moléculas maiores, como os quelatos sintéticos (e.g. FEEDTA). Devido às cargas negativas desses poros, a penetração de cátions é favorecida e a de ânions não, os quais são repelidos. Assim, a absorção de cátions pelas folhas é beneficiada e é particularmente rápida para moléculas pequenas e neutras, como a uréia (MARSCHNER, 1995). No entanto, em pulverizações com altas concentrações de solutos essas diferenças tendem a desaparecer. Maiores detalhes sobre a absorção de ânions pelos poros cuticulares serão apresentados quando se discutir a absorção de Zn2+ e Cl- pelas folhas. Com freqüência, observa-se correlação entre a absorção de solutos e a densidade estomática foliar. SCHÖNHERR e BUKOVAC (1978) demonstraram que não só o número de poros cuticulares é maior nas células epidérmicas próximas aos estômatos, como eles têm diferentes características de permeabilidade e constituem, provavelmente, os sítios por onde penetram as grandes moléculas, como os quelatos. Tem-se admitido a existência de microcanais hidrofílicos (ectodesmata) que permeiam as paredes celulares das células epidérmicas, que poderiam constituir-se também em meios de movimentação de solutos que atravessaram a cutícula (FRANKE, 1967). No entanto, está faltando evidência experimental para a existência desses microcanais in vivo (MARSCHNER, 1995) e os ectodesmas não passam através da cutícula (ESAU, 1965). Uma vez que o soluto atravessa a cutícula e as células da epiderme ele é considerado no interior da folha, mas ainda não no interior das células do mesófilo. Ele se encontra em solução nos espaços intercelulares e adsorvido às paredes celulares e à superfície externa da membrana citoplasmática (a plasmalema), ou seja, no apoplasma. Esses espaços, no seu conjunto, constituem o que se denomina de “espaço livre aparente” (ELA), que no caso do mesófilo foliar é maior que o ELA das raízes, ultrapassando com


facilidade os 30% do volume total de uma folha de café. Agora, sim, ele deve atravessar a plasmalema, com gasto de energia metabólica, de forma ativa (os ânions em geral) ou passiva (os cátions em geral), dependendo do gradiente eletroquímico que se estabelece entre o ELA e o citoplasma. Uma vez no citoplasma do mesófilo, o soluto pode, e normalmente o faz, entrar no vacúolo da célula (o seu “quarto de despejo”), após atravessar outra membrana, o tonoplasto, de elevadíssima permeabilidade diferencial, ou, por outro lado, ser transportado para outras células vivas da folha, inclusive do floema. Neste último caso o soluto é móvel na planta e é, invariavelmente, redistribuído para outras partes da planta, sejam ramos, flores, frutos ou raízes. Esses aspectos fogem do objetivo deste artigo, mas para os que desejarem maiores detalhes aconselha-se o livro de TAIZ e ZIEGER (1998). Basicamente, a absorção de solutos minerais e orgânicos pelas células das folhas é muito semelhante ao processo de absorção pelas raízes (FOURNIER, 1988; TAIZ e ZIEGER, 1998). No entanto, o envolvimento metabólico no processo de absorção foliar não é a etapa estranguladora do processo, como o é na raiz. Na folha, o que determina a taxa de absorção é a passagem pelas barreiras externas da cutícula. As raízes não possuem esse obstáculo e, portanto, a absorção radicular é mais eficiente que a foliar (MARSCHNER, 1995). 3. Fatores que influenciam a absorção de solutos pela folha

Como já se disse, um soluto, para ser absorvido pelas células da folha, tem que ser depositado adequadamente na superfície do órgão, atravessar a cutícula, alcançar o ELA ou o apoplasto e, finalmente, atravessar uma membrana, a plasmalema. Todo fator que alterar um desses passos pode alterar a taxa de absorção e a quantidade final absorvida. 3.1 A natureza da cutícula Este tema já foi abordado suficientemente no item 1.2. 3.2 Formação de uma película delgada e uniforme sobre a cutícula O próprio conceito de pulverização inclui a formação de uma película muito fina sobre o maior número de folhas, sem deixar escorrer a calda. Obviamente que na prática nem sempre essa situação ideal é obtida, mas deve-se ter sempre em mente que pulverizar não significa “dar banho” na planta. Aliás, muitos resultados de pulverização são contraditórios, porque se faz na realidade uma fertirrigação. A prática ensina que um cafeeiro adulto bem enfolhado recebe bem de 0,2 a 0,3L de calda. Quando se tem notícia de que foram realizadas “pulverizações” com 1 a 4L de calda por cafeeiro, semanais ou quinzenais, durante meses (MALAVOLTA, 1981), começa-se a duvidar se os resultados são conseqüência da aplicação foliar, ou da adubação do solo. Para se obter a película adequada é necessário que o “bico” do pulverizador e a pressão da pulverização sejam apropriados, para formar gotículas do menor diâmetro possível, e a duração da aplicação correta. Além do mais, a calda deve conter um agente “molhante”, “espalhante”, “umectante” ou “surfactante”, que permita quebrar a tensão superficial entre a calda e a cutícula, fazendo com que a micro-gota entre em grande


contato com a cutícula, não escorrendo (Figura 4). Essas moléculas que funcionam como agentes molhantes possuem uma extremidade hidrofílica, “que se dá bem” com a água e uma extremidade lipofílica, “que se dá bem” com a cutícula cerosa; são na verdade detergentes. O ideal seria que este agente “molhante” fosse também “adesivo”, mas na verdade, os “espalhante-adesivos” que se vendem no Brasil são uma farsa; em geral, não têm nada de adesivos.

Figura 4 - Formato das micro-gotas pulverizadas sobre a folha do cafeeiro com e sem detergente. 3.3. Status nutricional do cafeeiro A taxa de absorção de nutrientes minerais supridos às folhas depende do status nutricional da planta (MARSCHNER, 1995). Plantas deficientes em determinado nutriente tendem a absorver o elemento com maior eficiência. Quando o elemento é móvel no floema, plantas deficientes também o redistribuem mais intensamente por essa via. 3.4. Idade da folha As folhas mais jovens absorvem mais eficientemente os nutrientes porque sua cutícula é mais permeável e a atividade metabólica mais intensa. No entanto, as folhas jovens retêm maior quantidade do elemento absorvido, para o seu próprio desenvolvimento, resultando em menor fração do nutriente que é redistribuído via floema para os outros órgãos do cafeeiro (FOURNIER, 1988). 3.5. Concentração aplicada do nutriente A taxa de absorção do nutriente aumenta como uma função hiperbólica do aumento da concentração, aproximando-se assintoticamente de um valor máximo. Quando baixas concentrações de macronutrientes são aplicadas às folhas, as taxas de absorção pela superfície foliar são baixas. As concentrações elevadas desses elementos no apoplasto da folha são em geral muito altas, restringindo severamente a penetração de íons no ELA. Obviamente, este não é o caso das plantas deficientes ou dos micronutrientes (MARSCHNER, 1995). 3.6. Temperatura, umidade do ar e luz É muito difícil, se não impossível, em condições experimentais, separar os efeitos da temperatura, da umidade relativa e da luz, especialmente nas condições de campo. A absorção de solutos pelas folhas verdes é, em geral, estimulada indiretamente pela luz, na medida em que o processo depende do fornecimento de energia fotossintética


sob a forma de ATP (MALAVOLTA, 1981, MARSCHNER, 1995), como se demonstrou num experimento sob condições rigorosamente controladas de laboratório (Figura 5; BLANCO, 1970). No entanto, a absorção de minerais por folhas intatas, em condições naturais, pode não ser estimulada ou ser mesmo inibida por efeitos indiretos da luz. Durante o dia, na medida em que a temperatura ambiente aumenta, há uma redução gradual da umidade relativa, o que conduz à mais rápida evaporação da água da calda, secando mais rapidamente a folha pulverizada. Por isso, a pulverização deve ser de preferência executada quando a umidade relativa do ar é relativamente alta, como acontece na manhã e no fim da tarde (MALAVOLTA, 1981). No entanto, mais adiante serão mostrados dados de pulverizações com uréia e sulfato de zinco em que a hora do dia e da noite não interferiu no teor foliar de N e Zn (GARCIA e SALGADO, 1983). Mas, a absorção desses elementos foi maior no inverno, provavelmente em decorrência da menor temperatura e da maior umidade relativa nessa época do ano.

Figura 5 - Fatores que influenciam a absorção do zinco pelas folhas do cafeeiro (BLANCO, 1970, adaptado de MALAVOLTA, 1981). 3.7. Composição da solução pulverizante A absorção de um dado elemento pode ser aumentada ou diminuída pela presença de outro ou outros elementos na calda. Apenas como exemplo, a adição de cal provoca uma absorção mais lenta de zinco; a adição de magnésio diminui a velocidade de


absorção de uréia; a presença de uréia (ver-se-á mais tarde que não é verdade) e cloreto de potássio aumenta a absorção de zinco (MALAVOLTA, 1981); a presença de cobre e boro diminui a absorção de zinco (Figura 5; Blanco,1970, citado por MALAVOLTA, 1981), efeito que é revertido pela adição de cloreto de potássio (CORDEIRO et al.,1990). Há um conceito antigo (YAMADA et al., 1965) de que a uréia, quando presente na solução, altera a estrutura da cutícula, como que abrindo as malhas da rede molecular, facilitando a absorção de solutos. Isto pode ser verdade para algumas espécies, mas comprovadamente não tem qualquer efeito no cafeeiro, conforme mostram pesquisas de precisão (FÁVARO et al., 1990, RENA et al., 1990) 3.8. pH Afeta de forma variável a absorção de diferentes elementos. Quando são empregadas formulações que contêm 2 ou 3 elementos, cada um deles com um pH ótimo de absorção diferente, deve-se usar uma solução de compromisso, geralmente abaixo da neutralidade, entre 5,0 e 6,0 (MALAVOLTA, 1981). 4. Em que condições deve-se usar a nutrição foliar

O suprimento de minerais aos cafeeiros via folha é uma técnica já consagrada universalmente. Mas à exceção dos micronutrientes, é uma prática temporária e paleativa (FRANCO,1985, MARSCHNER,1995), sendo recomendada somente em condições excepcionais para os macronutrientes, como será indicado mais adiante. Alguns aspectos que limitam a eficiência da nutrição via folha podem assim ser resumidos (MARSCHNER, 1995): a. Baixas taxas de penetração, particularmente nas folhas com cutícula espessa, como o cafeeiro; b. Pequenas quantidades que podem ser fornecidas com a pulverização; c. Escorrimento das superfícies hidrofóbicas; d. Lavagem pela chuva; e. Secagem rápida das soluções aplicadas; f. Limitadas taxas de redistribuição pelo floema de certos minerais (e.g. cálcio, boro, zinco, ferro, manganês) principalmente nas folhas maduras; e g. Danos foliares (e.g. necroses e queimaduras). Neste caso, os danos são menos severos quando o pH da calda é mais baixo. A adição de surfactante do tipo silicone parece reduzir os danos às folhas, bem como aumenta a eficiência da absorção, principalmente quando a cutícula é espessa.

A aplicação de macro e micronutrientes só se justifica quando o solo é pobre em determinado nutriente, quando o solo está muito seco por longo tempo e quando a eficiência de absorção pelo sistema radicular é por alguma razão diminuída. Mas, devese sempre ter em mente que a prática mais eficiente e econômica de nutrir uma planta


com minerais é via solo, exceto em casos particulares, como o do zinco nos solos muito argilosos. 5. Suprimento de nutrientes minerais e orgânicos pela folha do cafeeiro.

A eficiência de absorção de minerais pelas folhas é na verdade elevada, mas será que satisfaz as exigências do cafeeiro em todos os casos? 5.1 Macronutrientes A eficiência de adubação foliar do cafeeiro com vistas a fornecer macronutrientes tem sido exageradamente enaltecida (FRANCO, 1984,1985), “Talvez em conseqüência de dois fatos interpretados incorretamente. Primeiro, quando se emprega pulverização em alto volume e aplicam-se vários litros por planta, alguns mililitros da solução ficam retidos na folhagem, mas a maior parte cai no solo e o adubo é absorvido pelas raízes em muito maior quantidade do que pelas folhas. Segundo, a absorção de elementos minerais pela folha se dá muito rapidamente e a porcentagem do adubo aplicado que é absorvido é muito elevada. De fato, isso é verdade. Mas, mesmo que a absorção foliar fosse total, ainda assim a quantidade de minerais seria muito pequena em relação às necessidades do cafeeiro”. Esta opinião de Franco é comungada por muitos outros pesquisadores (SILVA et al., 1975; GARCIA et al., 1979; MENGUEL e KIRKBY, 1979; MARTINS et al.,1980; VIANA,1981; MALAVOLTA, 1981; GARCIA et al.,1983; CARVAJAL, 1984; BARROS et al., 1984; FREIRE et al.,1987; FOURNIER, 1988; COSTA et al.,1989; SANTINATO et al.,1990a; SANTINATO e PEREIRA, 1995, 1996). Esta lista obviamente não é exaustiva; há ainda muito mais. Os resultados que mostram efeitos benéficos de macronutrientes na produção do cafeeiro, com uma ou duas aplicações foliares, são em geral conseqüência da má aplicação da estatística (grande erro experimental, uso e,ou, interpretação incorretos dos testes de média ou efeitos confundidos); ou mesmo tentativa velada de distorcer os fatos. 5.1.1. Ilações teóricas sobre a nutrição com macronutrientes A seguir serão apresentados alguns exemplos de cálculos teóricos , ou simulações, de aplicações de macronutrientes às folhas do cafeeiro, que, se tivessem sido praticados antes da investigação propriamente dita, teriam economizado muito tempo e dinheiro. Os valores de concentração dos elementos nas folhas, aqui apresentados, são pontuais, instantâneos ou, como se diz hoje, em tempo real. Não consideram, portanto, os processos de transporte para fora da folha, que no caso do potássio, do fósforo, do nitrogênio e do magnésio podem ser muito elevados, diminuindo ainda mais, a concentração foliar efetiva. Exemplo nº 1: Uréia 2%: Numa pulverização correta de um cafeeiro bem vestido gastam-se, em média , 200ml de calda. São, portanto, aplicadas 4g de uréia por planta. Como a uréia contém aproximadamente 45% de N, são depositadas nas folhas e ramos cerca de 1,8g de N.


Considerando que um cafeeiro vigoroso de cinco anos de idade tem, em média, 4000g de matéria seca (CORRÊA et al., 1984) e admitindo-se 60% de eficiência na pulverização e na absorção tem-se 1,8g N x 0,6/4000g da matéria seca foliar, ou seja, aproximadamente 0,03%N foliar. Será que apenas uma pulverização com uréia 2% vai ajudar alguma coisa na nutrição nitrogenada do cafeeiro, uma vez que o teor adequado está próximo de 3% (MALAVOLTA, 2000)? Exemplo nº 2: Cloreto de potássio 2%: Seguindo-se o mesmo raciocínio anterior, e sabendo que o KCl contém 50% de K+, obtém-se, também, o teor de 0,03% de K+ na folha. Será que uma pulverização ajuda, quando o teor adequado de K+ na folha está em torno de 2,2% (MALAVOLTA, 2000)? Exemplo nº 3: MAP (fosfato monoamônico) 2%: Repetindo-se os mesmos cálculos e sabendo-se que o MAP tem aproximadamente 45% de P2O5 solúvel, obtém-se um teor foliar de P em torno de 0,01%. Admitindo-se que a concentração adequada de P foliar está em torno de 0,18% (MALAVOLTA, 2000), a mesma pergunta permanece. Exemplo nº 4: Sulfato de magnésio heptahidratado 2%: Como o sulfato de magnésio heptahidratado contém apenas 10% de Mg, e repetindo-se os cálculos anteriores, obtém-se um valor de 0,005% de Mg na folha. Estando a concentração adequada em torno de 0,35% (MALAVOLTA, 2000), é com razão que pulverizações não corrigem a deficiência de magnésio no cafeeiro nas condições de campo. 5.1.2. Pesquisas recentes sobre a aplicação foliar de macronutrientes no Brasil Agora, serão apresentados os resultados das pesquisas brasileiras recentes, que objetivaram suprir o cafeeiro com aplicações foliares de nutrientes minerais e orgânicos. O texto não entrará, profundamente, no julgamento do mérito da pesquisa, do título e dos resultados e tampouco considerará a relevância íntima das irrisórias discussões e das conclusões, muitas vezes infundadas. Na maioria dos casos, terá os objetivos precípuos de relato histórico e de advertência na interpretação e aplicação de alguns resultados. De qualquer forma, este assunto é de extrema importância, desde que “diversos produtos comerciais estão sendo introduzidos e recomendados na cafeicultura em aplicações foliares, porém, sem maior embasamento científico (GARCIA et al., 1999)”. Estudos realizados por GARCIA et al. (1979), em lavoura em formação, e por SILVA et al. (1975), MARTINS et al. (1980) e VIANA (1981), em lavoura em produção, indicaram claramente que, quando são utilizados níveis adequados de nitrogênio, fósforo e potássio no solo, as suplementações foliares com estes elementos, em diferentes dosagens e épocas, não trouxeram benefício adicional ao desenvolvimento e à produção do cafeeiro. Esses resultados foram posteriormente confirmados por GARCIA et al. (1983, Quadro 1), BARROS et al. (1984, Quadro 2), FREIRE et al. (1987, Quadro 3) e SANTINATO e PEREIRA (1996, Quadro 4).


Quadro 1 - Substituição ou complementação de NPK do solo via folha Formas de Fornecimento dos Nutrientes

1. NPK solo + B, Zn foliar

Sacas Beneficiadas/ha (Médias de Duas Safras) Varginha Boa Esperança 17,64 ab 58,90 a

2. ½ NPK solo + NPK, B e Zn foliar 10,85 abcd

49,06 ab

3. NPK, Zn foliar + complementação solo 4. NPK, B, Zn foliar

7,12 4,32

cd d

40,45 bc 27,30 c

5. N, B e Zn foliar, P e K no solo 9,77 bcd

25,63

c

6. P, B e Zn foliar, N e K no solo 15,59 ab

46,02 ab

16,80 ab

39,94 bc

18,82 a 8,42 28,15

53,75 ab 17,92 17,73

7. K (KCl), B e Zn foliar, P e N no solo 8. K (K2SO4), B e Zn foliar, P e N no solo Tukey 5% CV (%) Adaptado de GARCIA et al., 1983.

Quadro 2 - Modo de fornecimento de fósforo ao cafeeiro em produção Formas de Fornecimento dos Nutrientes

1. Testemunha (sem fósforo)

Sacas Beneficiadas/ha (4 safras acumuladas) 142,8

Produção Relativa

100

2. Fósforo em cobertura na projeção dos ramos

149,8

105

3. Fósforo em cobertura sob a saia

142,6

99

178,5

125

4. Fósforo enterrado na projeção dos ramos


5. Fósforo* foliar, 8 vezes por ano

154,8

108

6. Fósforo foliar, 4 vezes por ano

179,8

126

Teste F

NS 16,4

CV (%) * Super fosfato triplo 5%. Adaptado de BARROS et al., 1984.

Quadro 3 - Fornecimento de potássio via solo e via folha ao Mundo Novo, em solo de cerrado Percentagem de Potássio Aplicado ao Solo 0 25 50 75 100 Média F doses no solo

Sacas Beneficiadas/ha (médias de 3 safras) Fonte de Potássio Aplicada à Folha Testemunha KCl KNO3 K2SO4 Média 16,4 (100) 19,4 21,4 20,7 19,6 (121) (130) (126) B 29,1 27,7 30,1 31,1 29,8 A 33,4 33,0 29,3 25,5 30,3 A 31,6 29,1 33,6 29,8 31,0 A 30,7 31,9 29,0 29,6 30,3 A 28,3 28,3 29,9 27,4 -11,7**; F fontes -NS; CV% 17,76

Adaptado de FREIRE et al., 1987. Quadro 4 - Aplicações foliares de nitrato de potássio, teores foliares de N e K, produtividade e renda do Catuaí

Concentração de KNO3 Teor Foliar (%) (ppm) N K na Calda 1. 0 (água) 2,9 2,7

Produção Média de Duas Safras (Sacos Benef./ha)

Renda (%)

40,6

2. 2% (fev)

3,2

2,6

42,5

3. 4% (mar)

3,1

2,7

48,7

48,6 b 50,3 ab 51,6 a


4. 2% (fev/mar)

2,9

2,9

46,7

5. 4% (fev/mar)

2,9

3,0

48,9

50,6 ab 51,2 a

6. 2% (fev/mar/abr) 2,8

2,8

49,1

51,4 a

7. 4% (fev/mar/abr) 3,0

2,8

40,7

50,3 ab

NS

NS

NS

Tukey 5% CV %

13,8

15,8

Adaptado de SANTINATO e PEREIRA, 1996. Alguns pesquisadores são, no entanto, iludidos pelas famosas “tendências relativas” e desprezam as análises estatísticas que mostram não haver diferenças significativas entre os tratamentos. A única conclusão mais segura favorável à aplicação foliar de macronutrientes é baseada nos dados do Quadro 1, que indicam que se pode substituir parcialmente o fósforo e o potássio aplicado ao solo, em até 10 aplicações anuais, com caldas de elevadas concentrações de sais (GARCIA et al., 1983), o que sempre traz um risco de queima das folhas e, provavelmente, é antieconômico. Apesar de toda a confusão que existe em torno do fornecimento de macronutrientes via folha, constatam-se alguns momentos de lucidez, em que se afirmam que “na nutrição do cafeeiro, as aplicações via folha são eficientes apenas para os micronutrientes, particularmente o Zn, B e Cu (SANTINATO et al., 1986)”. Também, COSTA et al., (1989) concluem que “a recomendação atual de adubação foliar para o cafeeiro restringe-se ao micronutriente zinco, especialmente em cafezais instalados em solos argilosos em que a aplicação via solo não é eficiente. Para os demais nutrientes em condições normais de clima e solo a via solo é a recomendável, a não ser quando o produto utilizado via foliar possua propriedades sinérgicas à absorção de zinco, como o cloreto de potássio. Tanto para os macronutrientes N, P, K, Ca, Mg e S como para o micronutriente B, a via foliar é paleativa ou de efeitos temporários, devendo ser utilizada até que as aplicações via solo promovam efeitos duradouros”. Mesmo assim, acredita-se desacreditando! Estas afirmações dão substância ao que obtiveram Franco (1984, Quadro 5) e GARCIA e SALGADO (1983, Quadro 6) com a aplicação foliar de uréia. Não houve aumento do teor de nitrogênio na folha, mesmo após 10 pulverizações com uréia 2%, a cada 15 dias (Quadro 5). Quadro 5 - Ineficiência da adubação foliar com uréia 2%, de 15 em 15 dias, na nutrição do cafeeiro de 11 a 15 meses de idade Número de Pulverizações

Teor de N Foliar (%) Amostragens – 10 Dias Após o Tratamento 24/04 10/05 20/06 22/07 06/09


0 2 4 6 8 10

1,78 1,83 -

1,50 1,61 -

1,45 1,69 -

1,51 1,87

1,09 1,41

Adaptado de FRANCO, 1984.

Quadro 6 - Teores foliares de N 15 dias após a pulverização de uréia 2% no cafeeiro Mundo Novo de seis anos Horário da Pulverização com Uréia 2%

Testemunha 06:00 horas 12:00 horas 18:00 horas 24:00 horas Adaptado de GARCIA e SALGADO, 1983.

Teores Foliares de N(%) Verão Inverno Inicial Após 15 dias Inicial Após 15 dias 3,0 2,6 2,8 2,8 3,0 2,7 2,8 2,8 3,0 2,8 2,8 3,0 3,0 2,7 2,8 2,8 3,0 2,7 2,8 3,0


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