Simpósio de Cafeicultura Familiar: Unindo as demandas às políticas públicas

Page 1

Simpósio de Cafeicultura Familiar: Unindo as demandas às políticas públicas

Sérgio Parreiras Pereira Pesquisador Científico Instituto Agronômico – IAC


Entre os dias 14 e 16 do mês de outubro a cidade mineira de Poços de Caldas foi palco de um relevante encontro que teve como pauta a cafeicultura familiar. O Simpósio de Cafeicultura Familiar é o braço técnico cientifico do Café & Cultura, evento já tradicional do calendário cafeeiro, que neste ano contou com o apoio financeiro do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O Café & Cultura é realizado anualmente, desde 2007, no Espaço Cultural da Urca, em Poços de Caldas, município encravado na divisa entre as regiões Mogiana Paulista e o Sul de Minas, mais importante região produtora de café do Brasil. Nesta edição o comitê organizador contou com a parceria da Prefeitura Municipal, o Instituto Agronômico - IAC, a EMATER MG, Sindicato Rural do Município e a Phisa Eventos. O Simpósio de Cafeicultura Familiar teve cerca de 120 participantes e foi também transmitido via Internet, numa iniciativa pioneira entre a Comunidade Manejo da Lavoura Cafeeira do PEABIRUS e a Revista Cafeicultura. O levantamento estatístico realizado demonstra que cerca de 180 participantes tenham acessado um dos portais durante a transmissão, democratizando o conhecimento que estava sendo difundido. Dois dias após o termino do simpósio, foi disponibilizado também via Internet o “Cardápio de Palestras”, onde continuam compartilhadas as apresentações em Power Point e a gravação das palestras, totalizando cerca de vinte horas de vídeos. Desta forma, pessoas interessadas no tema podem acessar em qualquer lugar e a qualquer hora o conteúdo gerado durante os dias de evento.

Cafeicultura Familiar em foco A escolha do tema foi em decorrência da sua importância na estrutura agrária nacional, uma vez que a cafeicultura familiar é responsável pela maioria dos estabelecimentos cafeeiros no país. Segundo dados do Censo Agropecuário 2006 pelo Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o Brasil possui mais de 285 mil estabelecimentos rurais que tem na cafeicultura uma das suas atividades. O café arábica é o mais difundido no Brasil, sendo cultivado em mais de 200 mil estabelecimentos agropecuários, o que representa 70% do número de propriedades cafeeiras, e o café canephora é cultivado em mais de 85 mil estabelecimentos. A agricultura familiar mostrou seu peso apresentando-se responsável por 38% do volume de produção de café no Brasil (parcela constituída por 55% da espécie canephora e 34% de arábica). Ao contrário da realidade, no cenário mercadológico internacional a imagem da cafeicultura Brasileira é ligada a vastas áreas mecanizadas e tecnificadas. Este juízo leva em consideração apenas o volume de produção, todavia, o que deve ser destacado é o fato de que 70% das propriedades cafeeiras têm menos de 20 hectares dedicados à cultura, cujas lavouras são conduzidas predominantemente no sistema familiar. Dentro deste contexto o Simpósio teve por objetivo promover um amplo debate entre os representantes da produção familiar e os demais setores que compõem o sistema agroindustrial do café. Pretendeu-se ampliar a discussão sobre produção, comercialização e consumo de cafés da agricultura familiar


brasileira com foco nas especificidades da produção, bem como ressaltar a sua importância social, econômica, ambiental e cultural.

Apresentações e debates A programação do Simpósio foi elaborada de forma que durante os três dias de evento, diferentes focos sobre o tema pudessem ser apresentados. O primeiro dia reuniu representantes de importantes setores governamentais e de representantes de classe da agricultura familiar. O segundo dia ficou a cargo de pesquisadores, professores e consultores que apresentaram conceitos, ensinamentos e iniciativas sobre o tema. O último dia foi dedicado ao Fórum de representantes de Cafeicultura Familiar, onde diferentes associações apresentaram suas realidades, demandas de políticas publicas e estratégias para o futuro. Dentre os vários temas debatidos durante o Simpósio, podem-se destacar:

Quanto às definições e conceituações sobre agricultura familiar no Brasil utilizam-se aquelas estabelecidas nas diretrizes da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. (Lei Nº. 11.326, de 24 de julho de 2006).

Existe por parte da agricultura familiar a necessidade de diminuir a dependência de insumos externos à propriedade; buscar sistemas menos impactantes de produção e ampliar o conhecimento sobre transição agroecológica.

A agricultura familiar demanda por extensão rural e assistência técnica (ATER) de qualidade, o que deverá ser plenamente alcançado a partir da “Lei Geral de ATER” (Lei Nº 5.665 de 2009), que institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (PNATER) e criação do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (PRONATER).

A Confederação dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG apresentou o Plano de Metas e Ações pra Agricultura Familiar na Cafeicultura, documento que foi elaborado no fim de 2008 por representantes dos cafeicultores familiares dos principais estados produtores. O documento destaca os desafios, tendências e alternativas para melhoria de renda da cafeicultura familiar. No sistema produtivo enfatizou-se a necessidade do aumento da eficiência, acesso à informação e conhecimento e o caminho a ser trilhado rumo à certificação. Quanto à comercialização o foco apresentado foi à identificação e desenvolvimento de mercados específicos e a necessidade de se criar uma identidade própria para os cafés da agricultura familiar. Em relação às políticas públicas foi reivindicada a participação de representantes específicos da cafeicultura familiar no Conselho Deliberativo da Política Cafeeira – CDPC e o desenvolvimento de mecanismos para facilitar o acesso da cafeicultura familiar aos recursos do Funcafé. A CONTAG recomendou na apresentação que Ministério do Desenvolvimento Agrário elabore e implemente políticas especificas para a cafeicultura, importante setor da agricultura familiar.


O Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA apresentou um panorama do sistema agroindustrial do café no Brasil e no mundo, com foco na importância econômica e social do produto. Temas como produção, demanda, consumo, exportação, industrialização, pesquisa, promoção e absorção de mão de obra foram destacados na preleção. A estrutura hierárquica do Mapa e do CDPC em relação e atividade cafeeira foram expostos e as medidas de apoio à cafeicultura apresentadas ao público. O Ministério trabalha para o ano de 2010 com uma proposta orçamentária entorno de R$ 2,8 bilhões para o setor com principal enfoque em custeio, investimentos, colheita, estocagem e pré-comercialização.

O Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA destina R$ 15 bilhões para o Programa Nacional de Agricultura Familiar no plano safra 2009/2010, valor R$ 2 bilhões superior ao que foi disponibilizado para a lavoura de famílias na safra anterior. Foram destacados o enquadramento dos beneficiários dentro de cada grupo do estrato e as condições de crédito rural dentro das faixas e as linhas especiais. A política de ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural, pregorrativa do MDA, foi evidenciada com destaque para os avanços e projetos setoriais. Destaque também para o Selo da Agricultura Familiar, que será concedido pelo MDA a partir da adesão voluntária dos produtores e deverá estimular a comercialização de produtos da agricultura familiar. Os agricultores com Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) terão direito automático a utilização do Selo.

A pesquisa cafeeira com enfoque na agricultura familiar foi o foco de um painel onde foram apresentados de debatidos as ações do Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café, o programa da EPAMIG (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais) e UFV (Universidade Federal de Viçosa) voltado para agricultura familiar e a aplicação de metodologias participativas de pesquisa agropecuária. Foi consenso que para uma cafeicultura racional e rentável deve-se articular o somatório entre o conhecimento gerado pela academia por meio dos pesquisadores, a prática diária do exercício da agronomia dos extensionistas e os saberes populares dos cafeicultores familiares. Soma de conhecimentos e multiplicação de resultados deve ser o caminho a ser trilhado.

O público presente ao Simpósio teve oportunidade de conhecer um pouco sobre a cafeicultura familiar no mundo, regra e não exceção da estrutura fundiária, responsável por cerca de 75% da produção mundial de café. Na apresentação, a cafeicultura mundial foi dividida em quatro grandes regiões: México e América Central (Guatemala, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e El Salvador), América do Sul (Colômbia e Peru), África (Etiópia, Uganda e Costa do Marfim) e Ásia (Vietnã, Indonésia e Índia). Destaques para casos de sucesso envolvendo associativismo, diferenciação de produto e agregação de valor e, sobretudo, de como a cafeicultura brasileira pode aprender com esses exemplos.

Modernos modelos organizacionais embasados em princípios de economia solidária, comércio justo, associativismo e auto-gestão foram também tema de apresentações. O Comercio Justo e Solidário vêm sendo


praticado por cafeicultores visando aumento de acesso ao mercado e para promoção no processo de desenvolvimento sustentado, melhorando condições de vida e de trabalho. O representante do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE abordou estratégias de fortalecimento da Política Nacional de Formação em Economia Solidária e o desenvolvimento de uma iniciativa nacional de Comercio Justo e Solidário no Brasil.

O representante da IMAFLORA - Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola apresentou o projeto Café & Biodiversidade que tem por objetivo facilitar o acesso à certificação de grupos de produtores familiares e cooperativas. Durante o debate foi apresentada a necessidade de criar mecanismos de união de auditorias e inspeções por parte dos diferentes programas de certificação, para que os custos ao produtor sejam barateados.

Participaram do Fórum de Representantes das Associações da Cafeicultura Familiar: ASSODANTAS – Associação dos Cafeicultores do Córrego Dantas de Poços de Caldas; ASPROD – Associação dos Produtores de Divinolândia; Força Café – Associação dos Cafeicultores Familiares de Santo Antonio do Amparo; e COOFAMINAS - Cooperativa dos Agricultores de Cabo Verde e Região.

Ficou claro nos depoimentos que as associações compartilham do mesmo objetivo de fortalecer os laços comunitários, visando o desenvolvimento humano e a inclusão social, processo que ultrapassa a unidade produtiva.

As associações necessitam realizar mudanças e ações que a levam a evoluir e a se fortalecer. Os atores sociais devem tornar-se autônomos, independentes e, sobretudo, ativos na tomada de decisão do que realmente é importante, aos interesses próprios e de suas comunidades.

Aprendizagem Faz-se necessária uma articulação entre governo, cafeicultores familiares e a sociedade civil organizada na busca de alternativas para que muitas famílias dependentes da produção de café, com dificuldades financeiras e sem estímulo para se manterem diante do avanço da crise, não abandonem suas terras e migrem para as cidades, aumentando os problemas urbanos nas regiões produtoras. O Simpósio foi uma oportunidade para que diferentes entidades que atuam junto à cafeicultura familiar nos setores da pesquisa, extensão, políticas públicas e fomento avaliassem a atual conjuntura e pudessem definir estratégias para os próximos anos. O encontro estimulou a integração dos setores para identificação e sistematização de informações, conhecimentos e experiências dessa importante parcela da cafeicultura nacional.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.