nuances 25 anos. Uma trajetória inconformada com a norma

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19 91 / 2 016

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CĂŠlio Golin

nuances 25 anos

Uma trajetĂłria

ada confoa rm incom norma

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Ilustração de Luís Gustavo Weiler para campanha do nuances 04


CĂŠlio Golin

nuances 25 anos. Uma trajetĂłria inconfor onf mada onfor com a norma.

e d i t o r a

Porto Alegre, RS, Brasil 2017

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G626 Golin, Célio Nuances 25 anos. Uma trajetória inconformada com a norma / Célio Golin, [vários colaboradores]. – Porto Alegre: s. n., 2017. 160 p. : il. color; 42x21 cm.ISBN 978-85-60658-04-6 1. Nuances. 2. Grupo LGBTT – Rio Grande do Sul. 3. LGBTT – Movimento social. I. Rios, Roger Raupp. II. Rolim, Marcos. III. Terto Jr., Veriano. IV. Seffner, Fernando. V. Título CDD 22ª ed. 323.32098165

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sse livro é dedicado á memória de Adriano Oliveira Pinto. Adri, como era conhecido pelos amigos, foi um dos fundadores do nuances, militante radical e defensor dos direitos da população LGBTT, em especial a livre expressão sexual. A homenagem ao companheiro e amigo Adriano se estende a lutar por um todas\os que já subiram, mas que quando estavam por aqui lutaram mundo mais justo para todas e todos.

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índice I - A história pré-nuances.

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II - Surge o primeiro grupo LGBT do RS.

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III - Luta por Direitos - Cidadania reconhecida na rua.

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IV - Educação e Cultura - Desa ando a moral sobre os corpos.

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V - Saúde - Prazer com autonomia do corpo.

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VI - nuances nas ruas - Rompendo o silêncio.

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VII - Encontros Nacionais e Internacionais.

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VIII – De mala e cuia pelas ruas – As agruras da militância.

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Uma trajetória Célio Golin* Ao completar seus 25 anos de atuação, o nuances – Grupo pela livre Expressão Sexual, tem a alegria de compartilhar com todas e todos essa publicação. Registramos aqui nossa trajetória de luta que tem como propósito a promoção da cultura da diversidade e dos direitos humanos de lésbicas, gueis, travestis, transexuais (homens e mulheres trans), pessoas não-binárias e todas as sexualidades que desa am a heterocis-normatividade. Sabemos que o debate é longo, pois o tema vem há séculos desa ando verdades, ideias, teses, normas e instituições que dialogam com inúmeras teorias e interpretações nos mais variados campos do conhecimento. O corpo físico e suas representações e interpretações sociais de gênero e de desejo não se submetem aos conceitos préestabelecidos das teorias evolucionistas centradas puramente nas características biológicas do corpo. Religião e ciência, até os dias de hoje, travam disputas simbólicas cujas consequências recaem sobre a vida de milhares de sujeitos que perambulam com seus corpos e desejos, teimando em desa ar muitas destas questões. Os comportamentos dos corpos, e suas representações insistem em questionar e desconstruir as normas estabelecidas, sendo alguns considerados mais “desviantes” da norma e outros mais presos a papeis sexuais impostos sobre os desejos e construções de gênero hegemônicas em nossa sociedade. Estas tensões impactam diretamente sobre as representações e sentidos do que é considerado como mais ou menos legitimo em nossa sociedade a partir do binarismo do masculino e feminino. A moral religiosa judaico-cristã, muitas vezes disfarçada de fundamentalismo religioso, atua sobre estes corpos, e mais enfaticamente, sobre aqueles que não se enquadram no modelo de sexualidade centrada na reprodução. Esta moral religiosa deliberadamente desumanizou os sodomitas, pederastas, uranistas e fanchonas. Apesar dos inúmeros avanços nos direitos e transformações sociais que testemunhamos e ajudamos a produzir no último quarto de século, o rastro de intolerância cultivado pela religião, parece estar, nos dias de hoje, mais forte que nunca, renovando-se mediante o velho argumento da família como provedora da moral. As representações sociais sobre o corpo, o gênero, o desejo e a sexualidade desdobram-se em signi cados diversos para cada cultura e, porque não dizer, para cada sujeito e para cada corpo. Se por um lado houve momentos históricos em que a diversidade de corpos e de desejos foi admirada e celebrada na arte e na política, produzindo diferentes signi cados sociais, o processo histórico também testemunhou a imposição de valores sobre estes a partir de uma (des)razão in igida pela fé cega, tendo como consequência a bestialização destes sujeitos, colocando-os diretamente no fogo da intolerância. 10


APRESENTAÇ ÃO

inconfor mada com a norma também foi marcada por con itos, tanto internos como externos, o que também acabou se constituindo como parte fundamental de nossa identidade. A diversidade do universo LGBTT do país atraiu muitos adeptos e muitos deles com posições distintas. Surgiram muitos desafetos. Mas apesar das mazelas, também colhemos muitos frutos. O nuances, diferentemente de várias ONGs do país, sempre foi arredio à lógica de institucionalização, acreditando num trabalho horizontal. A entidade nunca se preocupou em criar núcleos ou departamentos pro ssionais. Enquanto ONG, nunca nos colocamos como empresa preocupada com a arrecadação de fundos, pois o lado nanceiro é o suporte, e não o objetivo de nossos projetos. A primeira direção formal tardou mais de três anos para se formalizar, e isto está conectado à própria discussão interna do grupo. Em toda a trajetória do nuances, seus militantes tiveram a perspectiva de priorizar a atuação política junto à sociedade ao invés da relação umbilical com o Estado. Possuir autonomia política sempre foi uma questão fundamental para nós. A teoria queer, hoje estudada como disciplina, trouxe visibilidade acadêmica para demandas que já estavam presentes na prática de militância do nuances. Nossa linguagem direta, associada à imagens provocativas, foi alimento para nossa rebeldia: ironia e alegria com comprometimento e responsabilidade com os temas sempre zeram parte do nosso repertório, fugindo dos discursos chorosos e rancorosos. Temos claro que para construirmos outra sociedade precisamos romper com muitas amarras que estão em nossos corpos e mentes, mas isto pode ser feito com prazer e divertimento, enfrentando as agruras do dia-a-dia, dando outros signi cados às formas de se fazer política. Nestas construções e desconstruções, ao longo destes 25 anos de estrada, realizamos inúmeras parcerias que foram fundamentais para nosso trabalho. A presente publicação é uma forma de agradecimento e reconhecimento a todas e todos que contribuíram com essa história, pois tem um signi cado muito importante para nossas vidas - a nal, dedicamos boa parte delas a esta caminhada. Agradecidos com as colaborações das entidades da sociedade civil e do Estado, e de pessoas que acompanharam nossa trajetória, dividimos o livro em capítulos, contando com textos re exivos, matérias de jornais, registros de imagens, fotos, documentos pesquisados em nossos arquivos. Boa leitura. Um grande abraço a todas!

Nestas duas últimas décadas, uma grande conquista do movimento LGBTT brasileiro foi possibilitar que sujeitos considerados marginais e desviantes da norma rompessem com esta condição. Conquistaram, assim, status de sujeitos políticos dentro do processo histórico do nosso país, produzindo outras interpretações, outros sentidos, outras cores. Por conseguinte, a bandeira do arco-íris hoje é inconfundível na identi cação da população LGBTT, em qualquer espaço. Há vinte anos, era totalmente desconhecida: essa conquista é expressiva! A existência do que entendemos hoje por sujeitos LGBTTs vem trilhando sua própria história, através de muita luta e luto. Nós ocupamos papel protagonista num contexto mais amplo, porque estamos mexendo e desestabilizando setores sociais que insistem na reprodução de valores que não correspondem ao que a sociedade produz como ideal ou normal. Esta disputa está muito longe de ser superada, pois a sexualidade hegemônica e os ideias regulatórios de gênero precisam de sujeitos desviantes para comprovar sua pseudo-normalidade. Talvez isto se explique porque a visão reducionista dos humanos está centrada na ideia que a sexualidade das pessoas, seus desejos, binarismos (entre eles os relativos ao gênero) seriam a base das concepções ideológicas de seu caráter e de seus comportamentos sociais. Esta história de disputa já tinha uma longa caminhada quando o MHG, Movimento Homossexual Gaúcho surgiu no dia 07 de abril de 1991, posteriormente mudando seu nome para nuances – Grupo Pela Livre Orientação Sexual, Construindo Cidadania. Nós, como militantes inconformados com a exclusão social e tudo o que ela signi cava, já vislumbrávamos este processo de disputa por um lugar ao sol. É importante dizer que nestes 25 anos muitas coisas aconteceram, principalmente porque o nuances sempre teve uma atitude inquieta e uma postura inconformada com a norma e o status quo, atrevendo-se a usar a margem para questionar o poder da norma. Nós utilizamos o que envergonha o senso comum como questionamento para empoderarmo-nos. Temas como liberdade do uso do corpo, sexualidade, prazer, desejo ou prostituição sempre estiveram no centro de nossas ações. Mantivemo-nos sempre atentos ao conjunto de questões sociais em nossas posições políticas, anuançando aprofundamentos mediante questões como, classe social, gênero e raça. Temos consciência de que aqui no Rio Grande do Sul, inseridos/as no panorama brasileiro, desbravamos e construímos um processo de disputa que possibilitou-nos um protagonismo político. A visibilidade a rmativa, sem vitimização, possibilitando discernir as discriminações e violências numa perspectiva política são, sem dúvida, algumas de nossas marcas. Não podemos deixar de reconhecer que esta trajetória 11

*Militante e um dos fundadores do nuances


I - A história pré-nuances MHG Ativismo político Em 1982, o país vivia o m da Ditadura Militar, e uma lenta transição para a abertura política e a redemocratização do país. Estamos falando, portanto de um período de muita repressão política e no qual nem mesmo a campanha das diretas havia ocorrido. O Partido dos Trabalhadores recém se estruturava no país, e aqui no Rio Grande do Sul, nas eleições municipais, um cara chamado José Carlos de Oliveira, ou Zezinho, como era conhecido, se candidatou a vereador com uma proposta de campanha eleitoral que era revolucionária para a época. Enquanto a maiorias dos candidatos da esquerda faziam propostas de campanha baseadas em questões gerais, que garantissem os direitos da classe trabalhadora, a campanha de Zezinho trouxe como tema geral “Desobediência Civil”. Foi a primeira vez que um candidato trouxe para a cena política o tema das homossexualidades. A campanha eleitoral trazia três grandes bandeiras: 1- Anistia pra Maria; 2- Pedro ama João: e daí?, e 3Terra para quem nela trabalha. Com o surgimento do primeiro grupo LGBTT organizado em 1991, Zezinho conseguiu as primeiras cópias dos pan etos produzidos pelo MHG, que eram distribuídos na cidade. No ano de 1985, Glademir Antonio Lorensi, um dos fundadores do nuances já estava antenado com as questões de organização da militância política. Neste ano, ainda morando na cidade de Caxias do Sul, em visitas à capital para fazer festas, também contatos. Foi quando conheceu, na Boate Pantheon na Avenida Independência, o candidato a Deputado Estadual pelo Partido Democrático Brasileiro, PDT, Luiz Carlos Krummenauer Rocha, conhecido como Frey Rocha. Frey Rocha, através da atuação de Glademir, fez uma visita a Caxias do Sul para fazer contatos com outros homossexuais. Frey Rocha, em 1988, foi candidato a deputado estadual e tinha como slogan de sua candidatura: “QUALQUER MANEIRA DE AMOR VALE A PENA, o importante não é ser homo, bi ou heterossexual, mas ser sexual. Cada um deve dar vazão a sua sexualidade de sua maneira, dentro de sua privacidade”. Entre as diversas propostas que defendia, podemos destacar: aprovar leis que puna toda a discriminação, principalmente com o abuso da força policial contra homossexuais, negros e mulheres, que de vítimas passam a agressores e marginais; transmitir uma informação correta sobre sexualidade, inclusive, através de uma educação escolar, que combata todos os preconceitos. Em outubro de 1989, já residindo em Porto Alegre, Glademir conheceu vários militantes que estavam se envolvendo com as questões da epidemia de Aids. Eles/elas organizaram em Porto Alegre o II Encontro Nacional de ONGs, articulado pela ABIA, ARCA/ISER, GAPA/SP, GAPA/RS com a presença de aproximadamente 40 ONGs. Depois do encontro, uma manifestação ocorreu no domingo, durante o Bric da Redenção, quando os participantes cantaram a música "O Bêbado e a Equilibrista", des lando com as colchas do Projeto Nomes (elaboradas em memória às pessoas falecidas em decorrência da Aids). Herbert Daniel fez

G - 1992

ão MH Pan eto Divulgaç

Primeiro Pan eto MHG - Abril de 1991

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um grande discurso, junto ao Monumento ao Expedicionário no Parque da Redenção. No evento foi proposta e aprovada por unanimidade a Declaração dos Direitos Fundamentais da Pessoa Vivendo com HIV e Aids e a fundação do GAPA/RS, em abril de 1989. Nesta ocasião, Glademir pôde conhecer grupos mais atuantes no Brasil, em especial o Grupo Atobá do Rio de Janeiro, onde foi posteriormente trocar experiências, sendo recebido por militantes históricos como Paulo Fernandes. Também conheceu o Grupo Gay da Bahia (GGB). Porém, a forma de chamar todos os gays para um quarto de hotel para distribuir materiais e “orientações” sobre como criar um grupo foi uma lástima, visto car claro aí como os “coronéis”atuam...

Debate sobre AIDS em Encontro em Pelotas - GAPA - NEP - MHG Diário Popular/ Pelotas - RS - 11 de agosto de 1992

Célio Golin, André Oliveira, Glademir Lorensi e José Paixão na Casa do Estudante Universitário da UFRGS

Indo pra noite! 13

Pan eto Convite MHG - Junho de 1991


, maio, setembro e outubro de 1991 Cartas enviadas ao MHG em abril

Fundação MHG - 1991

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Correio do Povo 11/06/91

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1991

II - Surge o primeiro grupo LGBT do RS Sul) participaram de uma palestra sobre prevenção à Aids, ministrada por José Eduardo Gonçalves, representante do GAPA/RS. A palestra ocorreu no auditório do DCE da UFRGS, que cava na CEU. Chegando ao local, cerca de 20 participantes se encontravam sentados em círculo, para ouvir a palestra de José Eduardo. Durante o bate papo, algumas pessoas se manifestaram, e imediatamente houve uma identi cação das posições de Célio e Glademir. Ao nal da palestra, Célio e Glademir se aproximaram e conversaram rapidamente. Decidiram tomaruma cerveja no Bar Xirú, que ainda hoje permanece em frente à Faculdade de Direito da UFRGS, na Avenida João Pessoa. Durante a conversa Glademir contou que havia participado do V EBHO – Encontro Brasileiro de Homossexuais –que havia acontecido na cidade do Recife, e lá conheceu militantes de vários lugares do Brasil. Entre algumas cervejas, o papo uiu e os dois foram se identi cando nas ideias e posições políticas. Falaram muito sobre sexualidade e, é claro, a questão das homossexualidades foi a tônica. Discutiram a possibilidade de criar um grupo de pessoas com o objetivo de discutir as questões referentes ao tema. Conheceram outras pessoas e amigos, alguns que viriam a ser também integrantes do nuances que moravam na CEU, e foram aprofundando a ideia de criar um grupo para discutir sexualidades. Os dois promoveram algumas reuniões na sala de reuniões do DCE, que cava no 2º andar da CEU. Durante as conversas e início desta amizade, ainda na CEU, Glademir sugeriu que o nome do grupo fosse MHG - Movimento Homossexual Gaúcho, já que a intenção era unir os vocábulos “homossexual” e “gaúcho”, para atrair a atenção da mídia. Depois de alguns meses já com as reuniões acontecendo na garagem da sede do GAPA/RS, mudamos o nome para

Falar do surgimento do nuances é registrar uma parte importante da história do movimento LGBTT gaúcho. Na realidade, vamos falar um pouco do local e cenário, onde por quatro anos, mais de 450 moradores e moradoras conviviam diariamente nos oito andares do prédio da Casa do Estudante Universitário (CEU) da UFRGS, localizado na Avenida João Pessoa, 41, no centro da capital gaúcha. Lá convivia uma fauna diversa, onde as bichas, sapatas, travas e assemelhados estavam presentes em quase tudo o que acontecia. Foi entre os anos de 1989 a 1992. A CEU era um espaço de estudo e residência, mas também de convivência de pessoas oriundas de vários lugares do Rio Grande do Sul, do Brasil e do exterior. Não fosse pelo fator comum de estarem cursando uma universidade, essas pessoas di cilmente se aproximariam. Vindos do interior do estado na sua grande maioria e de outros estados do Brasil, todos viviam “con nados” em quartos para duas pessoas dispostos lado a lado, divididos por um corredor num prédio de oito andares. Neste ambiente, con itos, teses, amizades, romances e troca de experiências aproximava e distanciava aquele povo. Célio Golin, natural de Nonoai, chegou na CEU no início de 1990 vindo de Pelotas onde cursou graduação em Educação Física na Universidade Federal de Pelotas e era morador do 3º andar, que naquela época era reservado para os alunos da Pós Graduação, com mais pedigree, é claro. Isto causava uma disputa velada, onde muitos alunos da graduação questionavam o fato de ter um andar dedicado exclusivamente ao povo da pósgraduação. Tudo começou quando Célio e Glademir (aluno do curso de Biologia e vindo de Caxias do

Integrantes do nuances, dentre eles e elas: Adelmo Turra, Adriano Pinto, Téca, Célio Golin, Gelson, Alexandre Böer, Liane Müller, Íris Germano e José Acelino 16


nuances, Grupo Pela Livre Orientação Sexual - Construindo Cidadania. O nuances conseguiu sensibilizar (e ser sensibilizado) pelos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo; inclusive pela sociedade, em especial a porto-alegrense, que foi solidária e permitiu que o grupo despontasse como uma forte referência em direitos humanos; em especial pela luta em favor da livre expressão sexual, nome adotado pelo grupo. nuances é um nome que por si só já diz bastante. E no momento que optamos pelo termo “expressão sexual” tentamos nos descolar do cienti cismo imbuído no termo “orientação sexual”. O GAPA/RS cedia o uso da garagem e uma parte de um armário onde guardávamos as listas de presença e os pan etos sobre o MHG. Na garagem, aos domingos pela tarde, nos reuníamos para discutir assuntos relacionados com preconceito e com a organização e divulgação do grupo. A primeira reunião no GAPA/RS aconteceu dia 07 de março de 1991 e teve a presença de 28 pessoas, entre elas dois militantes do grupo guei Atobá do Rio de Janeiro, que Célio e Glademir haviam conhecido quando estiveram lá. A assembleia de fundação do nuances, com registro em ata e aprovação dos Estatutos aconteceu no dia 21 de novembro de 1993, na sede do GAPA/RS.

interpretado pelo ator André Gonçalves numa telenovela da Rede Globo, para dizer que "hoje em dia até mesmo nas novelas temos os personagens homossexuais", repudiando o preconceito contra um grupo homossexual (na época usávamos este termos sem problemas) que buscava seu registro para abrir uma associação cujos objetivos eram aqueles descritos em nosso estatuto.

Universitário, em 93 Quarto nº 435 da CEU, Casa do Estudante , Marcos Benedetti, Golin Célio a, Mour io Glicér r, Mülle Na foto: Liane José Paixão, André Pereira e Adriano Pinto

1993 - Dúvidas no registro do nuances Quando procedemos à realização do registro da Ata e do Estatuto Social do nuances junto à Vara de Registros Públicos, Rosa Oliveira e outros militantes do grupo dirigiram-se, triunfantes e coloridas, ao Cartório. Lá chegando, foram surpreendidas pela atitude do escrivão que suscitou dúvidas sobre a legalidade do registro de tal tipo de entidade e seus ns. O nuances, então, entrou com um recurso na Justiça requerendo o registro do grupo. Este recurso desdobrou-se num processo cuja sentença favorável à requisição do nuances, na época, estava marcado por uma posição bastante progressiva do campo do direito no Rio Grande do Sul, o chamado direito alternativo. A sentença citava o personagem "Sandrinho",

Parecer do Ministério Público - 1994 17


Marcos Benedetti, José Paixão, Eliana Menegat, Márcio

Masotti, Jana Huhn e André Oliveira

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Folder institucional, 1994

Folder Programação na Vieira de Castro, 1997 19


1996 - Caminhada em direção ao Jornal Zero Hora. Ato de protesto contra as declarações homofóbicas do jornalista Rogério Mendelski. 20


III - Luta por Direitos - Cidadania reconhecida na rua responsabilidade e respondesse a estas situações. O debate no campo jurídico internacional já há algumas décadas A conjuntura naquele momento era de muita invisibilidade política vem tendo visibilidade e importância política no campo do direito e para o tema que era ainda muito marcado por uma visão das das garantias jurídicas da população LGBTT internacional. A LGBTThomossexualidades associada à patologia ou a um desvio moral, o que fobia está sustentada historicamente por diversos fatores, desde os di cultava o debate franco e isento de valores morais. Receber religiosos e morais aos de cunho político e econômico, o que resulta denúncias e acompanhar as vítimas em delegacias, em comissões de num campo de debate controverso e desa ador. direitos humanos e junto ao Ministério Público, acabaram ocupando No Brasil, o tema tem ganhado destaque no campo jurídico a um lugar de destaque em nossa história. Trabalhando em rede com partir da década de 1990. Não podemos deixar de reconhecer os outras organizações, fomos enfrentando esta questão, inclusive avanços legais, principalmente no campo judico. São inúmeras as através da participação no Conselho Municipal de Direitos Humanos o decisões de reconhecimento de direitos à população LGBTT qual, na época, tinha uma atuação muito signi cativa na cidade espalhada pelo país. Por outro lado, no campo legislativo ainda trabalhando em redes com outros setores organizados da sociedade, enfrentamos muita resistência, fomentada por fatores religiosos de universidades e órgãos do próprio Estado, como por exemplo o cunho fundamentalista. Só para ilustrar esta realidade, vale citar o Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Delegacia debate em torno dos Planos Nacional, Estadual e Municipais de Regional do Trabalho, Ministério Público do Trabalho. Educação, que foram aprovados na sua grande maioria com a Atuávamos em várias frentes, dando visibilidade, organizando retirada dos conteúdos referentes à orientação sexual e identidade manifestações públicas na rua para denúncia dos casos, e exigindo de gênero. É importante perceber que, mesmo em um Estado laico respostas dos poderes executivo, legislativo e judiciário. As como o brasileiro, estas questões acabam ainda sendo Cartaz de divulgação manifestações públicas acabaram sendo um importante mecanismo desconsideradas pelo próprio Estado. Todo este cenário é marcado de denúncia e de chamada de atenção da sociedade para o tema. por crimes que ocorrem diariamente em nosso país, principalmente contra gueis, travestis e transexuais que estão mais vulneráveis para o exercício de sua cidadania. Pensar as questões de direitos humanos de forma ampla foi, sem dúvida, uma das Conquistas legais direções mais perseguidas e efetivas dentro da história de nossa militância. Desde o início, Em 1994, através de parceria com vereadores da Câmara Municipal, avançamos com a começamos a atuar nesta esfera. À medida que dávamos visibilidade para nossa atuação, proposta de uma lei municipal que proibisse a discriminação com base na orientação sexual. casos de violação de direitos iam surgindo e batendo em nossa porta. Em nossas reuniões, Vale a pena ressaltar que havia na época poucos vereadores sensíveis ao tema. Nossa parceria que ocorriam semanalmente, os relatos de algum tipo de discriminação estavam sempre deu-se com integrantes do Partido dos Trabalhadores, que se dispuseram a enfrentar o presentes. Mas, em nossa atuação, sabíamos que não deveríamos dar atenção apenas aos desa o, ainda que lidasse com um tema estigmatizante na época. Foi neste ano que por casos que surgiam espontaneamente, mas sim provocar o Estado para que assumisse sua iniciativa do nuances, o vereador João Motta do PT apoiado por outros vereadores e

Banca do nuances na Redenção, 1996

Glademir Lorensi de cabelo ‘rainbow’ na 1ª Parada em 1997 21

Assinatura da Lei Estadual 11.872/2002 no Palácio Piratini


vereadoras da bancada do mesmo partido, apresentou a proposição da alteração da Lei Municipal 350, a qual no seu artigo 150 que trata das discriminações por religião, raça, etnia, foi incluído o termo ”orientação sexual” no rol das discriminações proibidas por esta lei. Esta iniciativa foi importante e obteve sucesso, com a aprovação nal da nova redação do Artigo 150. Porém, sua implementação ainda é um desa o para o movimento LGBTT. O nuances, preocupado com a visibilidade da nova redação do artigo 150 e inspirado pela divulgação da lei “visite nossa cozinha”, fez em uma campanha com distribuição de cartazes informando sobre a Lei, visto sempre acharmos mais adequado e e caz trabalharmos no aspecto preventivo do que o punitivo. Foram impressos alguns cartazes e distribuídos em especial nos locais LGBTTs da cidade. Uma das vitórias mais signi cativas para o movimento LGBTT nacional foi, sem dúvida, a iniciativa do nuances, em 2000, realizada através de denúncia ao Procurador da República Paulo Cogo Leivas do Ministério Público Federal, sobre a discriminação das relações homossexuais no acesso aos direitos previdenciários junto ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), a partir do caso de um guei que procurou o nuances, pois o INSS estava negando a sua solicitação de pensão por morte de seu companheiro. Através de uma Ação Civil Pública, o MPF acionou a Juíza Federal Simone Barbisan Fortes, que con rmou favoravelmente esta ação, reconhecendo os direitos previdenciários advindos das relações h o m o s s ex u a i s e e q u i p a ra n d o - a s à s re l a çõ e s heterossexuais. O INSS, por sua vez, recorreu desta decisão por mais de uma vez, mas nossa iniciativa acabou sendo vitoriosa e teve grande repercussão nacional e internacional. É importante destacar que esta decisão, juntamente com a do Juiz Federal Roger Raupp Rios, de 1996, na qual reconheceu o direito ao benefício de pensão por morte ao

parceiro de um guei, funcionário da Caixa Econômica Federal fazem parte do Programa Memória do Mundo da UNESCO. Outra iniciativa importante do nuances, foi a proposição da Lei Estadual 11.872/2002, que garante a liberdade de expressão sexual no estado do Rio Grande do Sul, com o apoio da Igualdade – Associação de Travestis e Transexuais do RS, e da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do RS, na época presidida pelo deputado Padre Roque Grazziotin do Partido dos Trabalhadores. Esta lei foi aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo então Governador Olívio Dutra, em solenidade no Palácio Piratini. Em 2004, através da iniciativa do nuances, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu que os cartórios de registro civil do estado procedessem ao registro de união estável aos casais LGBTTs. Esta iniciativa foi pioneira no país, pois possibilitou que vários casais LGBTTs se dirigissem aos cartórios de registro civil para formalizarem sua parceria como união estável, e gozar das garantias relativas aos direitos patrimoniais do casal, entre outros. Esta decisão causou impacto nacional, com vasta cobertura da mídia. Em 2006, o nuances e o Ministério Público do Trabalho assinaram Protocolo de Intenções para combater a LGBTT-fobia no ambiente do trabalho. Também assinamos, em parceria com o movimento negro o Protocolo de Intenções junto ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal relacionado aos crimes de racismo e xenofobia nas redes sociais de computadores. Vale a pena lembrar que o primeiro projeto para o qual o nuances recebeu nanciamento da Fundação Solidariedade, tinha por objetivo a divulgação do Artigo 150 da Lei Orgânica Municipal. Neste âmbito, foi produzida uma campanha para divulgação do artigo através de um cartaz com o slogan “O Seu Artigo é 150”.

Debate com Marcos Rolim, Célio Golin e Antônio Hohlfeldt sobre o Artigo 150 na Assembléia Legislativa. 22

Solenidade da assinatura da Lei 11.872 no Palácio Piratini


1ª Edição da Cartilha de Direitos Humanos ‘Rompa o Silêncio’

Governador Olívio Dutra no ato da assinatura da lei.

Redação da Lei 11.872 para lê-la na íntegra acesse: http://www.al.rs.gov.br/filerepository/repLegis/arquivos/11.872.pdf http://w 23

Panfleto chamando para manifestação contra o jornalista Rogério Mendelski

2ª Edição da Cartilha de Direitos Humanos Rompa o Silêncio


Zero Hora 25 /06/2003

Marcha de Abertura - 1º Forum Social Mundial Janeiro de 2001

casal de lésbicas Ato contra a discriminação de um 2006 ping Shop a Prai da Rua

Diário Gaúcho - 29

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e 30/04/2000

Panfleto para protesto contra discriminação de funcionário da fábrica da General Motors


Manifestação na Esquina Democrática contra as declarações racistas e homofóbicas do deputado federal do Partido Progressista Luiz Carlos Heinze. Na foto: Célio Golin, Sandro Rodrigues, Barbara Andres e Luciano Berta

Protesto em frente ao INSS

Glademir Lorensi em protesto devido a a abordagens violentas dos seguranças do Edel Trade Center

ntação

pleme Protesto para im do Artigo 150

Manifestação contra as declarações homofóbicas do jornalista Rogério Mendelski - 1996 25


Ações do nuances na área de garantia dos direitos Projeto Rompa o Silêncio. Centro de Referência em Direitos Humanos. 2006 a 2009. diversidade, através de sua inserção social e toda a rede institucional a ela articulada, permitiu quali car a abordagem do trabalho do Centro de Referência, que acabou por se tornar uma ação que se foi se ampliando ao longo do tempo, sobretudo pela constituição de um fazer que associasse o trabalho interdisciplinar (direito, psicologia e serviço social) aos saberes produzidos no campo do ativismo em direitos humanos. A participação ativa de militantes e a realização dos atendimentos na sede do nuances foi um dos fatores que aumentou o acesso da população, com números expressivos de casos atendidos. Como estratégia privilegiada de trabalho, reunimos nossos esforços para a articulação de uma rede local de agentes institucionais, em parceria com organizações do poder público local, universidades e organizações da sociedade civil. Através de um protocolo de intenções rmado no começo de 2006, buscamos a cooperação técnico-cientí ca e política entre os participantes, com vistas ao desenvolvimento de ações e atividades em mútua e ampla colaboração, capazes de contribuir para o aprimoramento das ações de enfrentamento à discriminação e outras violências motivadas por homofobia; em consonância ao convênio rmado entre o nuances e a Secretaria Especial de Direitos Humanos do Governo Federal. Compuseram esta ação, cada uma de forma particular, a Associação de Travestis e Transexuais - Igualdade RS, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS), a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Segurança Urbana da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, o Ministério Público do

O tema dos direitos humanos sempre foi fundamental para o nuances, que desde sempre acolheu demandas relativas a este tema, orientando, acompanhando e encaminhando as denúncias de violações para possíveis soluções. Neste campo, podemos destacar o projeto do Centro de Referência Rompa o Silêncio, cujo objetivo era de oferecer assessoria jurídica, psicológica e social às vítimas de discriminação e violência. Este projeto foi nanciado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos do Governo Federal. O projeto teve como meta dar continuidade ao trabalho e a experiência da prática de denúncia de discriminações que o nuances construiu nestes anos, porém de forma mais quali cada, com dados compilados e numa abordagem interdisciplinar. A implementação do centro possibilitou respondermos à demanda dos casos de discriminação em virtude de orientação sexual e identidade de gênero, bem como estruturarmos melhor este trabalho, ampliando a articulação em rede. Conseguimos durante estes quatro anos de atuação, realizar pesquisas, publicações e, é claro, oferecer serviços estruturados para dar conta da demanda de denúncias que chegavam até o nuances. Através da realização do projeto Rompa o Silêncio visamos fortalecer a luta pelos direitos humanos da população LGBTT, vinculando-se aos princípios previstos no Programa Brasil sem Homofobia, do qual participamos na formulação de suas diretrizes. Fernando Pocahy foi o coordenador do projeto do Centro de Referência Rompa o Silêncio, juntamente com uma equipe técnica formada pelas advogadas Simone Vasconcelos e Claudia Avila, a assistente social Cecilia Froemming e a psicóloga Luciana Fogaça. Cabe ressaltar que a trajetória do nuances na promoção do acesso à justiça e da cultura de

Publicação do projeto ‘Rompa o Silêncio’ e cartão de divulgação para assessoria jurídica gratuita e acolhimento. 26


visibilidade destas violações, objetivando garantir não somente o acesso à justiça, mas também a criação de condições para a efetivação da justiça. Somente no primeiro ano de atuação do Centro com o apoio da SEDH, realizamos o ajuizamento de 14 ações, entre 180 casos atendidos e referenciados na rede. Desses, 40 em modalidade virtual, considerando-se que muitas pessoas não conseguiam chegar à Porto Alegre para denúncia e atendimento. Podemos destacar, entre as ações do projeto, a pesquisa realizada durante a 8ª Parada Livre em 2004 em parceria com a Universidade Cândido Mendes, UERJ/CLAM-IMS, NUPACS/UFRGS e nuances, tendo seus os dados recolhidos e analisados entre os períodos de 1995 a 2005 (Pocahy; Golin; Rios, 2007) assim como estudos de referência sobre o tema do contexto local. Esta foi sem dúvida uma experiência muito importante para o nuances, que também estimulou um debate interno no grupo sobre o nosso papel como sociedade civil, já que muitas das ações implementadas e demandas atendidas deveriam ser responsibilidade do próprio Estado. O projeto produziu um importante seminário em parceria com a Faculdade de Educação da UFRGS, intitulado “Políticas de Enfrentamento ao Heterossexismo: Corpo e Prazer”. A experiência do Centro de Referência consolidou-se pela atenção especializada, pelo trabalho em rede e pela produção de conhecimento (seminários, publicação de livros, pesquisa e formação continuada das/dos pro ssionais do Centro).

Trabalho (Procuradoria Regional do Trabalho – 4ª Região), a UNISC (Universidade de Santa Cruz do Sul), a UNISINOS (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) o IAJ (Instituto de Acesso à Justiça). As ações resultantes nesta parceria buscaram promover o acesso à justiça, nos casos de discriminação e outras violências motivadas por LGBTT-fobia; contribuir para o fortalecimento das ações de combate à discriminação e outras violências, através da ampliação dos espaços de interlocução sobre direitos humanos e à livre expressão sexual; colaborar para o desenvolvimento das ações do Centro de Referência em Direitos Humanos; e produzir conhecimento e promover a formação de pessoal técnico. Coube assim ao nuances e aos demais participantes do projeto estimular e implementar ações conjuntas somando e convergindo esforços, mobilizando suas unidades, seus agentes e serviços, bem como outras entidades que manifestassem desejo de atuar em parceria, com vistas à consecução do objeto do protocolo. Deste modo, o Projeto Rompa o Silêncio, que teve no seu quadro de metas a atenção e assessoria aos casos de violência e ações de promoção da cultura e para a educação sobre os Direitos Humanos, buscou também através da formação continuada junto a alunos e professores de cursos de graduação, estimular e efetivar a rede de instituições, pessoas e grupos na conformação do campo dos direitos humanos. Em conjunto com as associações parceiras buscamos estabelecer uma rede de apoio e recursos para os casos atendidos. Junto ao Poder Público, atuamos para promover a 27


O nuances na luta ppor direitos parlamentos brasileiros registraram direitos e políticas públicas enfrentando a homofobia. Foi do seio do então chamado “movimento gay” que brotaram, se a rmaram e até então vêm se consolidando as forças políticas, sociais e culturais que tornaram possíveis tais avanços democráticos. Nesse quadro, resistência, ousadia, persistência e aposta na democracia foram o que não faltou ao nuances, como demonstra sua história. Muitas bandeiras e atitudes, mais e mais necessárias diante dos retrocessos que hoje vivemos, foram alteadas, teimando em defender a livre expressão sexual como direito humano e fundamental. Em vez de caminhar pela via de uma assimilação bem-comportada com o heterossexismo, o nuances ousou questionar a suposta “normalidade heterossexual” e relativizá-la como mais um dentre tantos modos de viver, tão cheia de contradições e limites como outras; em vez de apostar no “familismo” como mata-borrão dos “desvios do homossexualismo”, o nuances reivindicou o levar a sério a liberdade e a igualdade em matéria de orientação sexual, expressão e identidade de gênero. Essa obra realizada, aqui registrada, é mais que a celebração do passado; é o que há de continuar a ser feito, pelo nuances e por aqueles que, entre vitórias e adversidades, constroem a democracia numa perspectiva transformadora da vida e do direito.

Roger Raupp Rios* A luta pelo reconhecimento e pela efetividade de direitos de indivíduos e de grupos LGBTTs nas últimas duas décadas é comumente associada a decisões judiciais. Desde a ação judicial que assegurou o direito a plano de saúde a companheiro homossexual (1996), até a decisão do Supremo Tribunal Federal quali cando como entidade familiar a união estável entre pessoas do mesmo sexo (2011), é freqüente marcar essa trajetória por meio de precedentes jurisprudenciais. Como pesquisador acadêmico na área de direitos sexuais e operador do direito que atuou como magistrado em alguns desses casos, com frequência recebo questões sobre o papel do Poder Judiciário nessa seara. É como se a história política e social brasileira, nesse período e nesse campo, pudesse ser pautada a partir de tais manifestações do Estado. Sem desmerecer o impacto dessas decisões, acompanhar a história do nuances promove uma inversão de perspectiva. No contexto dos desa os democráticos do Brasil, em matéria de direitos sexuais, o que salta aos olhos é como a persistência e a ousadia de alguns, individualmente e em grupo, souberam captar as transformações do mundo e catalisar sua emergência entre nós, fazendo irromper novos ares de liberdade e de igualdade diante do heterossexismo e da homofobia. De fato, desde a redemocratização iniciada em 1985 até os atuais turbulentos dias de “desconsolidação da democracia” (na eloquente expressão de Paulo Sérgio Pinheiro), não é por acaso, nem por obra graciosa, que vários tribunais e

* Roger Raupp Rios, Mestre e Doutor em Direito (UFRGS), Desembargador Federal da 4ª Região e Professor do Mestrado em Direito Humanos da UniRitter (Porto Alegre)asos atendidos. Junto ao Poder Público, atuamos para promover a

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IV - Educação e Cultura - Desa ando a moral sobre os corpos Um dos temas mais instigantes e desa adores no processo de discussão dos temas relacionados às questões LGBTTs, sem dúvida, está no campo da educação e cultura. Por se tratarem de temas permeados por tabus seculares que ainda enfrentam várias resistências oriundas da cultura, da religiosidade, da moral e da norma, estão no centro do debate, assim como as questões envolvendo a sexualidade nos espaços institucionais da educação. Este debate, nada novo, vem ocupando um grande espaço no atual cenário político brasileiro. Público, privado, identidade e expressões de gênero, direitos individuais, laicidade do estado, são questões que estão no centro do debate no campo da educação e cultura. Em nossa sociedade a sexualidade é, sem dúvida, um tema profundamente explorado socialmente através da mídia, tornando-se um produto de mercado. Este processo acaba por dar uma ideia muito limitada, pois quando o debate sobre a exclusão e a violência física e simbólica contra os LGBTTs realmente vem à tona, deslocando a sexualidade dos campos da moral e do direito privado para o contexto social, acabam por explicitar os tabus morais relativos à sexualidade, ao desejo, ao prazer e aos corpos. O nuances já está há muitos anos engajado neste debate, tanto através do desenvolvimento de projetos voltados ao tema, bem como por meio de inúmeras discussões e encontros em escolas, universidades e outros espaços. Nossa cultura ainda preza muito a visão judaico-cristão que moraliza de forma higienizada a sexualidade e os corpos e que está intrinsicamente constituída no imaginário social, di cultando ainda mais o debate e o enfrentamento do tema nos espaços escolares. No Brasil, podemos constatar que inúmeras instituições de

ensino são confessionais, o que torna o debate sobre a sexualidade ainda mais desa ador. É interessante notar que em países onde o debate sobre público e privado está mais bem resolvido, a moral sexual não é um tabu como aqui. Nos últimos anos, este debate se desenvolve em um cenário político bem mais conservador. Um bom exemplo destes retrocessos é o caso do “Kit Gay”, uma cartilha didático-pedagógica elaborada pelo Ministério da Educação para ser distribuída nas escolas públicas do país, com o tema da promoção do respeito à diversidade sexual no espaço escolar. Esta cartilha acabou por não ser distribuída devido ao rechaço e pressão da bancada parlamentar católica e evangélica, que exigiu sua supressão, o que acabou por acontecer. Os retrocessos em relação ao debate dos planos municipais e estaduais de educação explicitou o atual momento. O projeto Escola Sem Partido, e o subterfúgio dos conservadores com o conceito de “ideologia de gênero” atingem diretamente o tratamento dado às questões de sexualidade e gênero no ambiente escolar, o que representa um retrocesso total no debate e enfrentamento da LGBTT-fobia no campo da educação.

PROJETO FORMAÇÃO DE MULTIPLICADORES EM CIDADANIA Em 1998 o nuances, em parceria com a Themis e com a Secretaria Municipal de Educação, desenvolveu o projeto Formação de Multiplicadores em Cidadania, nanciado pelo Ministério da Justiça, e voltado para professores, estudantes, sindicalistas, e militantes de movimentos sociais, e que focou nos temas de sexualidade, racismo e direitos sexuais. O projeto foi operacionalizado através de um curso de formação de 40 horas/aula, nas quais foram aboradadas as temáticas: homossexualidades e direito; homossexualidades e Aids; movimento homossexual organizado; sexualidade, gênero e poder; e homossexualidades, raça e etnia. Os encontros aconteciam às terças-feiras, ao longo de dois meses nas dependências da Casa de Cultura Mário Quintana. Este projeto foi o primeiro projeto de formação com a temática voltada para os LGBTTs no Estado.

Lançamento do livro Homossexualidade, Cultura e Política. FSM 2001

Turma de formandos do curso 29


PROJETO GURIZADA DO BARULHO: Saindo do Armário e Entrando em Cena O Projeto Gurizada do Barulho desenvolvido para jovens gueis, lésbicas e transexuais iniciou em 2001, na Casa de Cultura Mário Quintana. O local não foi escolhido por acaso pois, nesta época, era um lugar muito frequentado pelos jovens. Em função deste intenso a uxo de jovens LGBTTs, havia muitos con itos com os seguranças da casa. Sabendo disto, corremos para lá e estabelecemos uma parceria com a Casa de Cultura e começamos o trabalho de encontros regulares com os jovens, coordenados pelas nuanceiras Fernando Pochay e Fernando Pecoits. A partir da experiência de uma parceria do nuances com a Secretaria do Estado da Cultura, durante a gestão do governador Olívio Dutra, realizamos uma articulação com a Direção da Casa de Cultura Mário Quintana (CCMQ), a partir de um convite. O nuances foi convocado a promover uma re exão com alguns/algumas jovens, sobre sua relação no uso do espaço público, especialmente pelos episódios envolvendo o exercício de práticas sexuais nos “cômodos”da casa. Assim, ao acionarmos a proposta do projeto Gurizada do Barulho (o primeiro nome do projeto foi “Gurizada Saindo do Armário e Entrando em Cena”), como uma intervenção de território, facilitou-se a reunião ou o (re)encontro semanal de jovens gueis, lésbicas, travestis e bissexuais que já frequentavam este importante centro cultural da capital gaúcha. Em nosso entendimento, como ativistas do nuances, constituímos um território público de experimentação das homo/sexualidades juvenis que, até então, ocupavam posições ditas “minoritárias” no campo da sexualidade e, de certa forma, guravam como sujeitos ocupando posições periféricas no acesso aos bens e equipamentos culturais da cidade, além de se constituírem arbitrariamente enquanto sujeitos “abjetos” para estes locais ditos “públicos”. Durante os encontros semanais na CCMQ utilizamos do expediente de espraiar as sexualidades pela casa, através da exibição semanal de episódios do seriado Queer as Folk (Os Assumidos). Este foi, assim, nosso plano para articular a participação dos/das jovens

PROJETO DE CAPACITAÇÃO PARA POLICIAIS CIVIS E MILITARES DO ESTADO. Nos 2000, 2001 e 2002, sob iniciativa do governo gaúcho, através da Secretaria de Justiça e Segurança do RS, o nuances foi convidado a facilitar a discussão sobre direitos humanos e homossexualidades para os novos agentes de segurança em formação da polícia militar, da polícia civil e agentes penitenciários do estado do Rio Grande do Sul. Foram atingidos, nestes três anos, mais de 2.500 policiais civis e militares e agentes penitenciários. Outros movimentos sociais, também participaram desta iniciativa e ministraram temas relacionados às mulheres, travestis e população negra. Na oportunidade, os policiais foram sensibilizados, através da abordadagem do entendimento do nuances sobre as homossexualidades, violência e gênero. Também foram exaustivamente discutidas as nossas atividades e a construção histórica e social do “ser homossexual”, que envolve visões cientí cas e religiosas e as complexas estruturas de macro e micro poder da moral, que sustentam e legitimam as atuais relações sociais. Temas polêmicos como a prostituição, o uso do corpo e questões e avanços legais foram objeto de debate. A participação dos agentes e o interesse demonstrado nos questionamentos dos alunos foi muito intenso, já que o tema desperta muita curiosidade além do fato da abordagem utilizada pelo nuances para trabalhar o tema ser lúdica e leve, fazendo com que se crie um ambiente descontraído onde se pode falar de forma clara e direta, sem amarras, o que, proporciona uma abordagem quali cada que respeita e multiplica a noção de direitos humanos. Infelizmente, com a mudança de governo estadual, por falta de interesse político o projeto foi encerrado.

Primeiro encontro no Mercado Público Fernando Pocahy e pupilos Outubro de 2004 30

Festa de lançamento do projeto


frequentadores/as do espaço, através de uma produção fílmica ainda inusitada no Brasil, especialmente ao abordar as relações produzidas em um grupo de pessoas LGBT (mesmo que se tratasse de um seriado estadounidense, re etindo as marcas da cultura LGBT norteamericana, sua utilização foi de grande repercussão, especialmente ao discutirmos a produção da homonormatividade). A perspectiva de trabalho foi de ampliar as formas de compreensão das sexualidades, na dimensão da cultura e das condições de possibilidade de suas manifestações. Muito especialmente, nossa ação estava relacionada ao acesso ao patrimônio cultural, sobretudo na sua dimensão de democracia sexual na ocupação da cidade, uma vez que a grande queixa da instituição à época dizia respeito ao fato de que a gurizada fazia “pegação” no quarto andar da Casa (ou como costumávamos brincar, tiramos a sexualidade do quarto da casa e a espalhamos por todos os espaços desta morada pública). Desta intervenção resultou uma pesquisa sobre as formas de regulação da sexualidade na trama discursiva das idades, quando ainda eram tímidas as iniciativas no Brasil para esta população – jovens LGBT. A pesquisa realizada por Fernando Pocahy esteve ligada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da UFRGS. Além de seu caráter de enfrentamento à epidemia de HIV, uma vez que nossa ação estava ligada ao nanciamento público em saúde, a intervenção permitiu uma análise sobre os modos como alguns jovens produzem experimentações na sexualidade face à homofobia presente na sociedade brasileira. O estudo foi orientado metodologicamente pela perspectiva da pesquisa-intervenção e os seus resultados apontaram para alguns dos limites e das possibilidades das ações de saúde junto ao público juvenil. Esta ação buscou transformar as condições de vulnerabilidade, explorando as possibilidades de deslocamento de uma posição abjeta para a de cidadão de direitos pela via da re exão e da

Divulgação do projeto na boate Refugiu’s com a drag Blush

ampliação das redes de sociabilidade. Este efeito foi buscado principalmente na formulação de estratégias coletivas de enfrentamento das capturas identitárias ligadas à estigmatização da pobreza na sua associação com as sexualidades ditas marginais. O Projeto Gurizada: Saindo do Armário e Entrando em Cena foi implementado através de encontros semanais baseados em intervenções artístico-militantes, ocupação dos espaços públicos da cidade e da produção de três edições de uma revista intitulada Babados&Bugigangas, elaborado pelas/pelos jovens participantes do projeto. Além disso, também realizamos um intercâmbio internacional com a Alemanha, Itália e Argentina, onde os jovens desses diferentes países puderam conhecer outras experiências sobre sexualidades e gênero e os desa os políticos para as juventudes. Esta ação foi promovida pela associação alemã BABOP (The Berlin Working Group for Civic Education), em parceria com MOSAICO (Itália), Vox Asociación (Argentina), Grupo Teatroca e nuances (Brasil). Não menos importante, mas fundamentalmente um dos principais objetivos do projeto, essa ação também articulada em rede foi importante espaço de encaminhamento de denúncias de violações dos direitos de jovens e adolescentes, sendo um dos casos relacionado à Fundação Especial de Proteção, envolvendo duas jovens travestis impedidas de participar do projeto por moralidades de pro ssionais da Assistência. As atividades foram nalizadas em 2009, muito embora alguns jovens permaneceram participando das atividades gerais do nuances, ativamente ou indiretamente, como multiplicadores de direitos humanos.

Reunião de pauta da revista ‘Babados e Bugigangas’

Jornal do nuances - Destaque de Capa - Intercâmbio dos adolescentes do Projeto Gurizada 31


Projeto Gurizada Discussão de pauta da revista ‘Babados & Bugigangas’ no Mercado Público

Ida ao teatro Renascença

Marcador de livro para divulgação de eventos alusivos ao Dia da Visibilidade Lésbica 29 de Agosto

PROJETO OLHARES: Ação Para Visibilidade Lésbica em POA. 2004 Outra iniciativa que começou em 2004 foi o projeto OLHARES: Ação Para Visibilidade Lésbica em POA, em parceria com Liga Brasileira de Lésbicas (LBL). O projeto durou doze meses e promoveu encontros quinzenais que ocorriam na sala do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (CONDIM). A tônica do projeto foram debates com temas voltados para o universo das mulheres lésbicas. Temas como “saindo do armário”, “sou mulher, sou lésbica”, “sou lésbica, tenho direitos”, “adolescentes lésbicas”, exibição de vídeos e realização de saraus também tiveram espaço no projeto. Neste âmbito, foi produzida uma revista contendo artigos e o relatório do projeto, além de dois postais e um folder. Este projeto teve nanciamento da Global Fund For Women e do Coletivo Lésbico de São Paulo. Coordenaram o projeto Marian Pessah e Silvana Conti.

Edições da revista ‘Babados & Bugigangas’

Relatório Final do projeto

Lançamento ‘Projeto Olhares’ no Mercado Público

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PROJETO BATE PAPO COM SURDOS E SURDAS LGBTTs. 2005 Durante um ano, o nuances desenvolveu um projeto com jovens surdos e surdas na nossa sede. Sabendo que a invisibilidade e preconceito duplo sofrido por gueis e lésbicas surdos e surdas é ainda maior, o nuances então iniciou este trabalho que foi muito desa ador e inovador, pois esta população trazia demandas que o nuances ainda tinha pouco conhecimento. Através da intérprete de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) Priscila Paris Duarte, os e as participantes discutiam assuntos relativos ao universo da cultura surda. Durante a 9ª Parada Livre (em 2005) o grupo se organizou e produziu uma camiseta para participar do evento. Também foi produzido um marcador de livro com uma história ilustrada feita por Luis Gustavo Weiler, sobre uma passagem cotidiana de um surdo na cidade. O projeto durou em torno de um ano.

Marcador de página de divulgação do projeto.

FESTIVAS DE CINEMA E VÍDEO. MIX BRASIL. Nos anos de 1996, 1997 e 1999 realizamos o Festival da Diversidade Sexual Mix Brasil, em parceria com o Cine Guion e a CCMQ. Festival inédito por se tratar de uma programação que trouxe para as telas, produções artesanais e outras mais elaboradas, mas todas com foco na diversidade da sexualidade, produzidas tanto no país como no exterior. Trazer para Porto Alegre o festival naqueles anos foi uma iniciativa muito signi cativa e até ousada, pois se hoje nas telas dos cinemas é comum à projeção de lmes com a temática LGBTT, naquela época estes lmes ainda cavam na la das produções marginais e sem o destaque que se veri ca atualmente. O Festival Mix Brasil, de certa forma, contribuiu para que estas produções ocupassem outro espaço dentro das produções nacionais e também socializasse o tema para um público muito maior. Depois das sessões havia debates com os organizadores do festival, Suzy Capó e André Fischer.

Cartaz de divulgação Mix Brasil, 1996

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Projeto Educando para a Diversidade. 4 Edições

Arte banner 3ª Edição do projeto

A escola não é apenas um espaço de recepção de conhecimentos e de informações, mas antes, tem o dever de libertar e transformar as pessoas. E, portanto, é preciso incluir os temas de gênero e das sexualidades em todo seu currículo. A cultura escolar também é resposta de relações sociais desiguais de gênero e de uma sexualidade heteronormativa. É preciso tratar do fato de que o não respeito à diversidade sexual pode resultar em atos de violência contra aquelas e aqueles que não compactuam com a heteronormatividade estabelecida pela sociedade e vivida nas escolas, o que gera tanto um número aterrorizador de diferentes violências, inclusive, como uma enorme evasão escolar daquelas pessoas que não são consideradas e-ou não se consideram dentro das normas sociais impostas, naturalizadas e normatizadas na cultura escolar. O nuances buscou desconstruir essas lógicas biologizantes e determinantes, moralistas e impeditivas sublinhando a pluralização de noções dos masculinos e dos femininos, da diversidade sexual e do corpo como um lócus de signi cados. Estava na base discutir a política pública no campo da educação e da diversidade sexual. O projeto Educando para Diversidade, que teve a coordenação de Elisiane Pasini, surgiu como uma proposta de ampliar as possibilidades de impacto e de discussão de políticas educacionais pautadas na promoção dos direitos a da diversidade sexual no âmbito da educação infantil, ensino médio e fundamental. Para tal, o nuances realizou dois convênios com o Programa Brasil sem Homofobia, uma articulação entre o Governo Federal e a Sociedade Civil no Combate à Violência e à Discriminação contra Gays, Lésbicas, Transgêneros e Bissexuais e na Promoção da Cidadania. O primeiro aconteceu entre os anos de 2005 e 2006 e, o segundo, entre 2007 e 2008. Foram executados quatro edições de um curso de formação sobre diversidade sexual e educação. Cerca de 300 pessoas passaram pelas suas quatro edições. A proposta era organizar grupos de pro ssionais de educação de escolas públicas no âmbito da educação infantil, ensino médio e fundamental para dialogar sobre a diversidade sexual junto a especialistas nesses temas. As vagas foram oferecidas para funcionários e funcionárias de todas as áreas de escolas municipais e estaduais da cidade de Porto Alegre e da região metropolitana, bem como, para estudantes de cursos superiores e integrantes de organizações não governamentais ligadas à educação. As Secretarias Municipais e Estaduais de Educação se responsabilizaram pela distribuição dos cartazes e dos informes sobre os cursos em todas as escolas. É fundamental explicitar que nenhum funcionário ou funcionária estariam obrigado ou obrigada a participar do curso, interessava ao nuances o desejo da participação voluntária de cada pessoa. Cada uma das edições dos cursos teve 40 horas/aula, nos quais foi usada uma metodologia dialógica, com trocas, discussões, momentos de comprometimentos, de solidariedade e de outros olhares, em que os/as participantes não eram meros personagens, mas antes, sujeitos que estivessem num processo de criação mútua. Os principais temas tratados foram: gênero; sexualidades; corporalidades; direitos legais de gueis, lésbicas, transexuais, bissexuais e transexuais; cultura e pedagogia escolar, enfrentamento às violências, juventudes, entre outros, tendo sempre como lócus das discussões a Diversidade Sexual e a Educação. Desde a primeira edição, priorizou-se a concepção de diferentes setores sociais para realizar as facilitações:

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estiveram presentes militantes dos movimentos sociais, juízes e juízas, educadores e educadoras populares, psicólogos, antropólogas, acadêmicas e acadêmicos, en m, uma diversidade de atuações que deram a tônica do curso. Depois da primeira edição, alguns participantes das edições se tornaram multiplicadores nas novas edições onde compartilhavam suas experiências no combate à lesbofobia, à homofobia e à transfobia junto aos seus espaços de trabalho. Os cursos Educando para a Diversidade tiveram uma importância fundamental nos processos educativos, ressaltando a trajetória política da entidade em relação ao tema e das discriminações relacionadas às homossexualidades. Os cursos realizados foram importantes analisadores da situação das homofobias, lesbofobias e transfobias produzidas nas comunidades escolares gaúchas, permitindo-nos formular novas ações e redes institucionais para a multiplicação dos direitos humanos e da diversidade sexual. Inclusive, em todas as edições as pessoas participantes construíram projetos de intervenção na comunidade escolar (ou no local de sua atuação sociopolítica). A ideia foi de que o curso provocasse possibilidades para a efetivação de exercício de direitos humanos junto à prática dos e das participantes. Na nalização do curso, esses projetos eram apresentados e muitos deles foram implementados com extremo sucesso. Durante a realização dos cursos, percebeu-se o quanto as pessoas procuravam conhecimento, outras ideias, outras possibilidades de agenciar sexualidades e gênero no ambiente escolar. Muitos foram os testemunhos das e dos participantes sobre situações de preconceitos, discriminações e violências contra gueis, lésbicas, travestis, bissexuais e transexuais que eles e elas, colegas, alunos e alunas viveram no ambiente escolar e, também, da hegemonia de práticas sexuais normativas e moralizantes nos espaços e nos processos de ensino-aprendizagem. Talvez em razão disso, segundo a experiência nos cursos, a rmamos que as educadoras e os educadores estavam dispostos a criar espaços de formação e de discussão a respeito de temas que desestruturam as lógicas normativas, as quais constituem uma educação tradicional, que ainda hoje embasa as práticas educacionais em nosso país. Uma educação que não mais acolhe, mas antes, exclui algumas pessoas do convívio escolar. Durante as edições do Educando para a Diversidade aconteceram 3 pesquisas. A primeira delas, no âmbito do convênio assinado com o governo federal, tratou-se de uma pesquisa-intervenção, coordenada pelo Dr. Henrique Caetano Nardi, Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional e membro do Laboratório de Psicologia e Políticas Públicas da UFRGS. A pesquisa teve o objetivo de compreender a formação dos valores associados à sexualidade e à educação junto a escolas gaúchas. Para tanto, a equipe percorreu escolas organizando grupos de re exão e provocando discussões para a construção da diversidade sexual e dos direitos humanos. Os autores do estudo mostraram algumas possibilidades de agenciamentos do dispositivo da sexualidade a partir dos efeitos da formação vivenciadas nos cursos. A outra pesquisa foi realizada por Elaine Dulac, para a qual realizou entrevistas com doze professores e professoras que haviam participado do curso de formação. A autora discutiu as aprendizagens em torno de sexo e sexualidades possibilitadas pelo projeto executado pelo nuances. O material de sua pesquisa faz parte da análise de sua tese de

doutorado junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação/UFRGS. Já Zulmira Newlands Borges, realizou grupos de discussão a partir dos e das participantes de todas as suas edições do Educando para a Diversidade. Sua intenção foi discutir o tema da sexualidade da escola, olhando mais seriamente para as manifestações de homofobia. O material foi base de sua pesquisa no âmbito de seu PósDoutoramento junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação/UFRGS. Todas as pesquisas foram importantes para a compreensão de uma situação escolar no RS alarmantes ao focar os temas de gênero e das sexualidades das alunas e dos alunos. Ainda no âmbito deste projeto, o nuances lançou um livro onde facilitadoras e facilitadores dos primeiros cursos do Educando para Diversidade puderam discorrer sobre os temas que compartilharam durante o curso. O livro foi distribuído gratuitamente e muito bem aceito pela comunidade escolar. Um segundo livro foi produzido dentro do projeto, e nalizado inclusive com o trabalho de edição, mas infelizmente não tivemos a autorização da SECAD/MEC para a sua publicação. Os cursos Educando para a Diversidade se constituíram enquanto um lócus de re exão e de ação com princípios que contribuíram para a construção de uma sociedade democrática que a todos respeita. Com um olhar de problematização, compartilhou-se questões sociais sem procurar responder possíveis inquietações, mas antes, provocar uma construção coletiva para uma cultura escolar que não que colada a condutas sexuais normativas e exclusivas. Proporcionou-se um novo/outro olhar sobre as vivências de alunos e alunas, professoras e professores, funcionários e funcionárias sobre o processo de aprendizagem, em que a instituição escola e o próprio Estado se reconhecem como fomentadores da cultura dos direitos da diversidade sexual. O Educando para a Diversidade foi um espaço de promoção da crítica, da liberdade e da equidade contribuindo para uma política escolar produtora de práticas de Diversidade Sexual e dos Direitos Humanos.

Mesa Aula Inaugural da 1ª Edição com a presença das instituições parceiras

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1ª Aula com Guacira Lopes Louro na 1ª Edição 5ªAula com procurador Paulo Leivas na 1ª Edição 4ª Aula com Silvana Conti na 1ª Edição

Coordenadora do educando com participantes

Mesa de Abertura da Aula Inaugural da 2ª Edição com Célio Golin, Elisiane Pasini e Guacira Lopes Louro

Arte folder 4ª Edição do

projeto

Aula com Fernando Pocahy na 2ª Edição do projeto

Auditório da FACED lotado na 3ª Edição do curso 36


Livro publicado pelo projeto em 2006

Formandos da 3ª Edição do ‘Educando para a Diversidade’

Aula de Betânia Alfonsin sobre gênero e direito das mulheres O livro não publicado por interferência do Ministério da Educação 37


JOGOS GAYS: Disputando outros espaços Pensando na cultura da educação, o nuances resolveu inovar em suas ações. Como o esporte tem um grande apelo social e possibilita a socialização de ideias de convívios diversos, organizamos, em 2005, a primeira edição dos Jogos Gays. A invisibilidade da sexualidade no campo do esporte e os tabus e preconceitos a ela associados, principalmente na cultura do futebol brasileiro, acabam por di cultar que os LGBTTs tenham sua sexualidade respeitada nestes espaços. Isto foi mais um desa o que serviu de estímulo para que realizasse tais jogos. Ainda hoje é comum, no mundo todo, que quando um atleta de nível internacional assume que é LGBTT, tal fato ganha visibilidade na mídia e a notícia repercute com destaque. Sabemos que na cultura brasileira, alguns esportes como o futebol masculino ainda são reduto de muito preconceito e de a rmação de certa masculinidade. É claro os LGBTTs também estão inseridos neste espaço, ainda que de forma anônima. Nos Jogos Gays realizamos torneio de futebol masculino e feminino além e outras modalidades como vôlei de quadra e de areia. Em parceria com a Secretaria Municipal de Esporte e Lazer, ocupamos lugares de referência na cidade como o Parque Marinha do Brasil, o Ginásio Tesourinha, Ginásio do Araribóia, CET Centro Estadual de Treinamento e outros espaços. Com grande repercussão na mídia, e com uma grande participação de equipes e atletas, o evento foi um estrondoso sucesso. Como parte do evento, houve a eleição da Rainha e do Mister Jogos Gays, que juntamente com a entrega de medalhas em palco montado na Usina do Gasômetro foram, sem dúvidas, momentos de a rmação da homossexualidade nos espaços públicos e também de desmisti cação em torno da participação dos LGBTTs no esporte. As três edições dos Jogos Gays aconteceram em 2005, 2006 e 2007.

Futsal (nem tanto) Masculino

Victória Principal entre o Mister e a Rainha dos Jogos 38

Equipe de Vôlei de Quadra Masculino


Súmula do Futsal no Ginásio Tesourinha

Equipe de Futsal Masculino

A rainha Paula Benitez com a equipe de futsal feminino

ôlei de Areia Ar Súmula do Vôlei 39

Mídia cobrindo o evento

As gurias em foto para a posteridade


“Não há saber mais,, nem sab saber menos: há saberes diferentes” longo dos anos de 2005 a 2008. Embora muitos dos interessados no curso viessem atrás de explicações cientí cas acerca da homossexualidade, para retornar às escolas com argumentos sólidos e roteiros de trabalho consistentes para suas aulas, no curso se defrontaram com outros elementos. O primeiro deles foi a valorização da diversidade, não apenas como algo que ajuda a entender e aceitar os “outros”, os “diferentes”, mas na acepção de Lévi-Strauss: “não vejo como a humanidade poderia viver sem diversidade interna”. Ou seja, todos foram tratados como diversos, e a norma heterossexual percebida como algo que dizia respeito a todos e todas, conferindo ao mesmo tempo privilégios e sofrimento. Um segundo elemento foi uma vigorosa crítica à patologização da homossexualidade – colocando em discussão narrativas do tipo “sou assim porque tive uma mãe dominadora e um pai ausente” ou então a rmações do tipo “é genético”ou “é hormonal” ou “é uma glândula”que explica meus comportamentos. A patologização foi discutida como estratégia de controle social de grupos populacionais, e no caso das homossexualidades, controle ligado a fatores como modalidade de sexo não reprodutivo. Organizar a vida erótica, sexual, de identidade de gênero e a gestão dos desejos foi sempre tomado como luta de resistência à norma, que dá sentido à vida. Os comportamentos foram situados no interior de narrativas sociais e políticas de dominação e de resistência. Desta forma, tanto os saberes sobre as homossexualidades como as percepções de como deveriam ser construídas as ações pedagógicas para lidar com as questões de gênero e sexualidade saíram da órbita do atendimento individualizado, e ganharam contornos de ações coletivas. Por m, retornando ao título deste comentário, as edições do Educando para a Diversidade foram momento de um cruzamento de saberes em que o conhecimento produzido na academia foi alvo de indagações dos conhecimentos produzidos pelo ativismo – estes, em geral, conhecimentos de ordem estratégica e política – e vice-versa. Os conhecimentos trazidos pelos professores e professoras, bem como os conhecimentos dos alunos e alunas, relatados pelos docentes, foram tomados como ponto de partida para debates. Da mesma forma, conhecimentos oriundos da esfera religiosa ou do senso comum sobre as homossexualidades foram igualmente cotejados com os demais. Pensar os conhecimentos foi feito sempre à luz de um projeto de sociedade, uma democracia respeitosa das diferenças, atenta aos modos de construção das diferenças e aos possíveis privilégios aí embutidos. Claro está que uma abordagem pedagógica dessa natureza não permitiu a ninguém se imaginar estudando algo que lhe era exterior! Todos foram tomados como implicados nos complexos mecanismos que produzem os modos de viver erotismo, desejos, gênero, sexualidade e construção dos corpos.

Fernando Seffner * Ao longo destes 25 anos de ação do nuances tive a oportunidade de me inserir de dois modos nas atividades. O primeiro modo foi como participante em momentos como as paradas livres, os festivais de cinema, os encontros abertos na sede e em outros locais, as ações de protesto e resistência a atos que atingiam a vida LGBT na cidade ou no estado, as campanhas pela conquista de algum direito ou legislação, as festas, ou assistindo palestras e seminários e também como leitor assíduo dos materiais produzidos, em particular o jornal e as notas em mídias sociais. Se eu casse apenas neste primeiro modo de envolvimento, poderia tranquilamente dizer que ele teve um impacto muito positivo na minha vida como guei em Porto Alegre, e isso é possível de mostrar de várias formas: ir a um motel e se defrontar com a disponibilidade de preservativo ao lado da cama; circular por saunas e encontrar não apenas preservativos como também materiais informativos sobre ações do grupo; aprender e atualizar-se em uma linguagem bem humorada para falar das bichices em Porto Alegre; saber dos pontos de sociabilidade guei em Porto Alegre a partir da leitura dos guias produzidos pelo grupo; ampliar meus conhecimentos sobre a conexão surdez e homossexualidade e viver melhor um namoro com um jovem guei surdo que durou pouco mas foi muito bom; assistir e vibrar com os jogos gueis e posteriormente contar com a ajuda do nuances para organizar um horário semanal de futebol guei em uma quadra no centro da cidade e que permitiu ampliar a diversão e a sociabilidade de um modo genial. Como participante eu estava sempre exposto a um certo modo de perceber a homossexualidade não como uma identidade biológica ou psicológica, mas como um modo de viver o erotismo e os desejos profundamente moldado pela norma, no caso a heterossexualidade compulsória, pela cultura e pela vida social, por valores morais e éticos. Também não havia espaço nas atividades do nuances para situar gueis, lésbicas, travestis e transexuais como simples vítimas da ordem machista, sexista e homofóbica provocada pela distribuição de privilégios da heteronormatividade. Viver a homossexualidade era resistir de modo cotidiano às armadilhas da norma, reinventar-se nas frestas da cidade, e com isso balançar com a moral vigente. Esse conjunto de valores e ideologia que habitava as políticas do nuances tem o dom de constituir uma pedagogia do gênero e da sexualidade, que lidava sempre com a noção de emancipação, possível linha de fuga em que cada um de nós devia investir suas chas, ao invés de car apenas sofrendo as agruras de ser minoria, e evitando também a armadilha de se constituir como um grupo à parte da sociedade. Estes elementos que con guram ao longo dos anos um conjunto mais ou menos articulado de categorias conceituais, princípios éticos, modalidades de ativismo e visões de mundo do nuances constituíram matéria prima para o segundo modo no qual me inseri nas atividades do grupo. Este foi como professor em cursos do Projeto Educando para a Diversidade, modalidade de formação docente continuada ofertada a professores e professoras das escolas de Porto Alegre e região metropolitana, e que teve quatro edições ao

* Professor da Faculdade de Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, coordenador do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero (GEERGE).

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V - SAÚDE. Prazer com autonomia do corpo. Projeto PoA Noite Homens - 1995

O nuances, em 1994, já com sua sede na Rua Vieira de Castro, 22 ao lado do saudoso bar Doce Vicio e em frente ao Colégio Militar, começou a trabalhar com projetos na área da saúde em virtude do cenário da epidemia da Aids que se apresentava no início dos anos 1990. Alguns de seus militantes já atuavam no GAPA/RS, e já tinham um acúmulo sobre o tema. Nesta época, a epidemia fazia vítimas diárias, e os gueis eram atingidos não somente pelo HIV e tudo o que isto representava em suas vidas, mas também pelo preconceito e estigma que os colocaram como algozes e também protagonistas no enfrentamento da epidemia. Quando surgiram os primeiros casos associados a estas informações, criou-se um cenário de pânico, já que não havia medicação, e muitas notícias alarmantes causaram um grande impacto neste público e em toda a sociedade. No “mundo guei” da cidade, havia muitos bares, boates e saunas onde este público tinha liberdade para o exercício da sexualidade, onde não se pensava e nem se discutia prevenção, onde o sexo rolava de forma direta. São muitos os relatos de frequentadores destes locais que nesta época ressaltam que as práticas sexuais aconteciam sem preocupações com a saúde. Segundo eles, Infecções de Transmissão Sexual eram tratáveis e isto não era motivo de preocupação para usar preservativo. Com a chegada da epidemia e com todas as suas consequências na vida de milhares de pessoas, o impacto teve não só consequências sociais que vão muito além da saúde, mas atingiu modos de vida, de comportamento, de incertezas que acabaram por interferir no cotidiano de gueis e em suas práticas sexuais e relações sociais. São comuns os depoimentos de pessoas que trabalhavam em boates gueis sobre como a epidemia acabou por afugentar seu público, inclusive alguns lugares tendo que fechar as portas. Depois de uma discussão interna, na qual não foi consenso se deveríamos ou não participar de editais para projetos de prevenção, acabamos por trabalhar com o tema. Nesta época, já tínhamos a convicção que o preconceito tinha razões históricas, que tinham origem anterior à Aids, e que deveríamos centrar nossa luta nas questões de Direitos Humanos e na sexualidade. Também temas como terceirização dos serviços do estado, dinheiro para sustentação da ONG e seus militantes eram polemizados, mas a possibilidade de ampliação de nossa atuação, e de colocar nossa proposta política com maior potência social, acabou prevalecendo. No âmbito do tema da saúde, o nuances também trabalhou com projetos que discutiam temas como a prostituiç ão masc ulina, sexo pago, sexo e envelhecimento, temas tabus mesmo dentro do universo da população LGBTT. Provocar o debate e questionar os padrões de legitimidade social em torno da sexualidade sempre foram desa os para o nuances.

Vencida a polêmica, em 1995 participamos de um edital do Ministério da Saúde/UNESCO para trabalharmos na prevenção do HIV com o projeto Poa Noite Homens, que foi desenvolvido de 1995 a 1998 e, que num primeiro momento, teve como parceiro o GAPA/RS. Este projeto tinha como objetivo a intervenção comportamental para práticas sexuais seguras, a produção de materiais informativos, além da distribuição direta de preservativos para o público-alvo: gueis e garotos de programa frequentadores de bares, saunas, boates, videolocadoras e outros inferninhos da cidade de Porto Alegre. As intervenções eram registradas pelos agentes que iam até os locais distribuir preservativos em porta camisinhas e materiais informativos feitos pelo nuances. Outro aspecto importante a se ressaltar neste projeto é que, naquele momento, a Aids era marcada por um estigma muito forte principalmente contra os gueis. Isto, num primeiro momento, di cultou nosso acesso aos estabelecimentos frequentados pelo público-alvo do projeto, pois os mesmos viam a prevenção do HIV num espaço de prazer e sexo como uma associação negativa, permeada pelo medo e insegurança. Depois de algum tempo, ganhamos a con ança dos proprietários e dos clientes que se tornaram parceiros na prevenção. O trabalho sério embasado em materiais informativos criativos e de ótima qualidade, se tornaram fatores positivos e ajudaram a conquistar estes espaços. Neste âmbito, produzimos um cartaz com a logomarca do projeto, que foi exibido nos respectivos estabelecimentos. No projeto, desenvolvemos várias campanhas, mas a primeira foi um cartaz e um porta-camisinha que trazia os dois personagens Rocky e Hudson, os caubóis gays desenhados pelo cartunista Adão Iturrusgarai, como personagens centrais, acompanhados da frase “NÃO VÁ PRA CAMA SEM CAMISINHA”. Uma tirinha do cartunista ilustrava o porta-camisinha, no qual os dois caubóis gueis traziam informações sobre prevenção numa transa bem humorada. Outra campanha desenvolvida neste projeto foi “HOMENS SEXO HOMENS”, lançada em 21 de Agosto de 1997 no Bar Ocidente. A campanha produziu uma cartilha com uma linguagem direta e três cartazes com fotos de modelos, nos quais se discutia a sorodiscordância, bissexualidade e relações fora do casamento. Neste tema, como estratégias de prevenção, o nuances teve ousadia não só na linguagem e temas abordados, mas também ousou na defesa do exercício da sexualidade, do prazer do sexo sem moralismos. Como exemplo, podemos citar a polêmica em torno da questão da monogamia e redução do número de parceiros como estratégia de enfrentamento da epidemia de HIV que vigorava ainda com força na época. O projeto também desenvolveu outra campanha

Vale camisinhas Julho de 1995 41


intitulada “USE EM CASO DE TESÃO”, que tinha como estratégia uma parceria com os bares e boates gueis onde desenvolvíamos o projeto. Distribuíamos para os públicos-alvo um valecamisinhas numerado, que a pessoa trocava por preservativos. Em 1995, enquanto o Programa Nacional de Aids do Ministério da Saúde e alguns grupos gueis como o Grupo Gay da Bahia defendiam a redução do número de parceiros e a monogamia como estratégias de prevenção, o nuances de forma direta e ousada fez uma campanha onde produzimos uma camiseta que trazia no peito muitas imagens de preservativos e a frase: “aumente o número de parceiros”, exatamente na contramão desta visão, que para o nuances era equivocada em termos de prevenção, além de conservadora e higienista. Na data de 1º de dezembro de 1995, Dia Internacional de Luta Contra a Aids, o nuances elaborou um folder com informações gerais sobre epidemia acompanhadas por um texto do escritor Caio Fernando Abreu intitulado Nenhuma gota a mais!, escrito exclusivamente para o nuances. O projeto Poa Noite Homens tinha uma equipe que se reunia para discutir as ações e planejar as intervenções de campo, cujas informações eram registradas para posterior análise (por exemplo, local e número de insumos distribuídos). Em encontros semanais na nossa sede, discutíamos vários assuntos facilitados por convidados externos. Postais que usávamos para divulgar os encontros sempre atraíam o povo. Naquela época, não havia internet, celular e muito menos redes sociais. A divulgação era feita corpo a corpo. As mulheres lésbicas nesta época eram muito presentes no nuances. Havia inclusive uma reunião especí ca somente para elas, com discussões programadas e também sociabilidade entre as amapoas, além de muita pegação, é claro. Também recebíamos em nossa sede pessoas vindas do interior do estado, com dúvidas sobre sexualidade, denúncias de preconceito, além de cartas de todo o país. É claro que muitas cartas eram para conhecer pretendentes, com o objetivo de sacanagem mesmo. Este

tipo de contato era muito comum nesta época. Desde o início do trabalho do nuances com prevenção do HIV, começamos ter a preocupação de associar ao preservativo o uso do gel lubri cante. Na década de 1990 esse insumo não era distribuído nem pelo Ministério da Saúde, ou pelo estado e municípios. Com as experiências de grupos na Europa e EUA, que já usavam o gel associado ao preservativo como estratégia de prevenção (o nuances tinha acesso a estes materiais que eram trazidos por amigos que lá moravam), propusemos uma ação inédita e importantíssima. Vincular o uso de preservativo ao gel à base de água em nossas ações aqui em Porto Alegre. Desejávamos “criar uma política” de disponibilização desse insumo, pois o sexo anal tem menos lubri cação, e sabíamos que esse fator aumentava a probabilidade da infecção pelo HIV. Em 1996, propusemos à empresa Johnson & Johnson (fabricante do KY Gel), que disponibilizasse o gel lubri cante, e que esta seria uma ação para divulgação de seu produto. Queríamos distribuir o KY bisnaga junto com preservativo aos gueis no âmbito do projeto de prevenção POA NOITE HOMENS. A empresa não teve interesse na parceria. Contudo, outra empresa, a Blausiegel fabricante da Preserv Gel, com quem também conversamos e que poderia fracionar o gel em sachês para acomodar com os preservativos no porta-camisinha que produzimos, não tinha escala de produção e não tinha condições, na época, de disputar esse mercado que era monopolizado por outra empresa. En m o nuances não conseguiu pôr em prática, naquele momento, essa ação, mas pautamos a discussão, e devido aos esforços de muitos, atualmente há a disponibilização desse insumo.

Projeto Fortalecimento das Ações Preventivas. Em 1998, outro projeto aprovado pelo Ministério da Saúde/UNESCO, chamava-se Fortalecimento das Ações Preventivas, que em uma de suas ações dava continuidade ao trabalho de intervenção do projeto Poa Noite Homens. Os agentes de saúde do projeto faziam intervenções nos bares, saunas, cinemas, videolocadoras e boates da cidade, onde distribuíam para os clientes preservativos e gel lubri cante. Na sede do nuances, então já na Praça Rui Barbosa, as bibas eram frequência diária para pegar os insumos e ir lá bater um papo. Depois que o projeto se encerrou, continuamos a distribuição de preservativos, mas já não conseguíamos fazer as intervenções in loco. Então, estabelecemos que os responsáveis pelos locais fossem até nossa sede pegar os insumos. Em 2010, quando entramos em crise, repassamos esta tarefa diretamente à Secretaria Municipal de Saúde. Cartilha ‘Homens Sexo Homens’

Convite Postal lançamento campanha ‘Homens Sexo Homens’ 42 Registro das intervenções (de Julho a Agosto de 1999)


Folder com texto do Caio Fernando Abreu

Registros de intervençþes do Projeto

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Rock e Hudson Porta Camisinhas Porta Copos com Ditados que abordavam temas como prevenção, diversidade e direitos civis

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Um dos cartazes da campanha Homens Sexo Homens. Projeto PoA Noite

Folder de campanha de prevenção e auto-

Equipe do projeto PoA Noite Homens

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estima adolescentes gays


Jornal do nuances. Linguagem e atrevimento! No centro das ações do projeto Fortalecimento das Ações Preventivas estava prevista a produção do Jornal do nuances, um dos primeiros periódicos produzidos por uma ONG guei no país. O lançamento foi num evento muito concorrido no Bar Ocidente, numa sexta-feira, acompanhado de uma exposição de fotos que foi exibida no Bar Ocidente. O nuances já era uma entidade reconhecida pelo povo LGBTT e pela cidade, sendo que o sucesso do lançamento foi oriundo de uma curiosidade muito grande pelo que conteria um jornalzinho que seria a voz do grupo guei. Na sua primeira edição, já trazíamos na contracapa uma imagem pra lá de bafônica, retratando uma pegação coletiva entre as bibas. Matérias com temas marginais como prostituição feminina e masculina, notícias sobre o que estava acontecendo no mundo LGBTT local, e notícias de repercussão mundial (por exemplo, declarações do Papa João Paulo II, ataques homofóbicos na Rússia, casamento guei aprovado em países nórdicos), uma página só para relatos de denúncias de discriminação e casos de violência. Destacamos que sempre prestamos uma atenção especial ao resgate histórico de personagens locais, fatos que estavam no armário da História. Essa sempre foi uma preocupação do nuances. A coluna social “É UÓ, Onde a Baixa Sociedade Dá o Close” foi lançada sob curiosidade geral, por que tirar fotos das bibas, travas e sapatas não era fácil: não havia a cultura das sel es e as redes sociais como Facebook ainda não existiam. Você saía na noite com uma máquina fotográ ca com lme a ser revelado, pedia licença e sacava o close. Era comum a Redação do Jornal do nuances receber ligação no dia seguinte, pedindo “pelamordedeus” para não publicar tal foto, inclusive com ameaças. Mas, como seria de se esperar, isso se superou. A É UÓ acabou sendo disputada, e naturalmente, era a primeira página a ser conferida quando o jornal saía do forno. A inclusão da coluna social no jornal foi precedida de uma longa discussão no grupo, pois não era consenso devido às críticas que algumas nuanceiras tinham em relação às colunas sociais dos jornais comerciais, por serem um canal da super cialidade burguesa, de destaque das frivolidades da cidade. Depois de muita discussão, optamos então por criar a É UÓ. Claro que nossa crítica cou estampada na ironia do nome escolhido, que podia fazer (e fez) que muitas lesadas se recusassem a entrar na coluna com um nome que as chamassem de uós. Mas a ideia era justamente esta: utilizar uma linguagem guei, ironizando com as caras e caretas. Menos hipócrita que as colunas sociais dos jornais tradicionais, certamente a É UÓ era! O jornal foi rapidamente ocupando um espaço de destaque no cotidiano do nuances e foi responsável por uma nova dimensão política de atuação do grupo não só no Estado, mas alcançando todo o país (porém, basicamente entre militantes e interessados). Com tiragem original de dez mil exemplares e formatado em doze páginas, algumas edições chegaram a quinze mil exemplares e dezesseis páginas. A linguagem era direta e petulante, muito espelhada e inspirada no Lampião de Esquina, nosso assumido modelo, tanto que na página 5 sempre reproduzíamos uma capa ou página do Lampião. Assim, íamos construindo uma referência de comunicação que ultrapassava o meio guei e lésbico, pois um jornal com essas características acabava atraindo a curiosidade e admiração de muita gente. O Jornal do Nuances trazia temas que zeram parte do cotidiano da cidade e foi referência para centenas de pessoas que o tinham como fonte com informações especí cas do mundo LGBTT. Vale lembrar que a internet em 1997 não era disseminada, e notícias e informações que interessassem ao mundo LGBTT corriam escondidas, enterradas, enclausuradas nos grandes meios de comunicação. Além das denúncias de discriminação e 46


violência e da movimentação social, divulgávamos palestras, seminários e eventos em que o nuances participava, registrando o dia-a-dia da entidade. Distribuído gratuitamente em vários locais, como universidades, centros culturais, sindicatos e espaços públicos, o jornal também era enviado através de uma mala direta de mais de 2.500 pessoas cadastradas em todo o país, que recebiam em casa o seu exemplar e outros materiais produzidos pelo nuances. Era uma trabalheira enorme envelopar o jornal, pois muitas pessoas não podiam receber como “impresso”, já que a visiblidade do conteúdo do jornal exporia a sexualidade, ou mesmo apenas o interesse, do destinatário. Estando encoberto dentro do envelope, os familiares não viam o conteúdo da correspondência, mantendo-se o anonimato de muitas bibas daquela época. Houve o caso em que, depois de alguns anos, uma mãe nos contou que achou os Jornais do nuances escondidos por seu lho. Recebíamos muitas cartas elogiando o jornal e, referindo-se ao jornal como um espaço que propiciava seu próprio reconhecimento enquanto sujeito, pois muitas pessoas que recebiam o jornal moravam no interior do Estado e naquela época não havia Facebook ou outras redes sociais, o que tornava ainda mais importante o seu alcance. Podemos citar com destaque o espaço de resgate histórico que emprestávamos ao Jornal. Através de reportagens minuciosas e entrevistas divertidas, trouxemos para a cena política e cultural a vida e trajetória de personagens importantes do Estado e de Porto Alegre, guras que não apareceriam jamais na mídia dominante dos grandes jornais. Por exemplo, demos justo destaque para a vida da Nêga Lú, guraça que fez história na cidade nas décadas de 1970, 1980 e 1990, uma das fundadoras da Banda da Saldanha e frequentadora assídua da Esquina Maldita em plena ditadura militar. Da mesma época, Djalma do Alegrete, negro e lho de militar, artista plástico, gurinista, desenhista, e criador do traje típico da Miss Universo Maria Ieda Vargas em 1962. A história de vida de José Carlos de Oliveira, o Zezinho, militante do Partido dos Trabalhadores. Zezinho foi um precursor no debate político de temas tabus como homossexualidade com campanhas como “Pedro ama João e daí?”, “Anistia pra Maria”, legalização da maconha, desobediência civil. Na campanha eleitoral de 1982, Zezinho já estampava em pan etos esses temas. Histórias sobre a doce fama de Pelotas também ilustraram as páginas do Jornal do nuances. A Cabana do Turquinho, um cabaré que funcionou em Porto Alegre nas décadas de

1940, 1950 e 1960, onde as travestis, boêmios e marginais eram estrelas em sua frequência. O resgate da Boate Flower’s, primeira casa de shows gueis da cidade, destinada a um público variado e que funcionou nas décadas de 1970 e 1980, que recebia Ney Matogrosso, Rogéria, Tatata Pimentel, Roberto Gigante, entre outros. A torcida Coligay, do Grêmio Football Porto Alegrense, fundada por Volmar Santos, e que funcionou de 1979 a 1982, teve destaque em reportagem, fotos e entrevistas no Jornal do Nuances. Ainda, a reportagem intitulada “Os Almofadinhas”, sobre dândis e homens gentis das décadas de 1910 e 1920, guras que frequentavam os cafés do centro da cidade, e que a imprensa “marrom” da época os retratava como “almofadinhas”, criticados por terem um ar delicado e uma excessiva preocupação no vestir. Houve ainda matéria sobre a presença guei nos carnavais das décadas de 1930 e 1940, que também mereceram destaque. Também publicamos textos sobre Rubina, uma travesti de outra época, dona de uma pensão para travestis que funcionava na Avenida Osvaldo Aranha, e frequentadora destacada da Cabana do Turquinho; sobre Walmir Ayala, músico e poeta tradicionalista guei que desa ou os conceitos tradicionalistas de sua época; e sobre João Antônio Mascarenhas, pelotense, fundador do grupo Triângulo Rosa no Rio de Janeiro, um dos primeiros grupos gueis do país. E também sobre outros personagens nem tão famosos para o grande público, mas que em suas vidas desa aram a caretice de uma sociedade conservadora. Rechearam as páginas do Jornal entrevistas com Tatata Pimentel, jornalista, professor e apresentador de TV; com Pompílio de Freitas, famoso carnavalesco na cidade de Pelotas; com Judith Butler, lósofa e referência mundial nos temas de gênero; com Tarso Genro, que na época era prefeito de Porto Alegre; com Rita Cadillac; com o escritor e jornalista João Silvério Trevisan; com o ator João Carlos Castanha, com a drag-queen Laurita Leão, e com Claudiona, uma gura tradicional do Bom Fim; e com Bambolê, personagem anônima da cidade. E também com outros e outras personalidades das artes, política, cultura e da putaria também, é claro. O Jornal do nuances foi tema de tese de doutorado elaborada pelo professor Fernando Barroso, na UNISINOS. O trabalho de pesquisa do resgate histórico sempre contou com o apoio de historiadores, jornalistas, pesquisadores como Jandiro Adriano Koch, pesquisador de personagens LGBTTs do estado, Íris Germano, Élvio Rossi, Marlise Giovanaz, Alice Truz, Roger Raupp Rios, Mário Scheffer, Liane Müller e outros e outras que contribuíram para esse trabalho de pesquisa. Até 2016, o Jornal do nuances teve 46 edições.

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1998 – Os primeiros jornais saíram do forno Já famosas na cidade, as nuanceiras perceberam que deveriam ter um veículo de comunicação para interagir com o povo. Sempre atentas, iniciamos a produção do jornal que nas primeiras seis edições foram produzidos com papel reciclado. Feito de forma experimental no início, fomos ganhando espaço a aperfeiçoando o jornal. Uma mídia com nossa linguagem que rapidamente foi sendo conhecido em todo pais. Ai vão algumas imagens das capas, contracapas e matérias destes primeiros exemplares.

Contracapa Jornal nuances, edição 2, 1998

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Contracapa do jornal nยบ 4, 1998

Contracapa do jornal nยบ 5, 1998

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Projeto Prazer Também tem Preço. Desa ando tabus. apontar como situados no campo da homonormatividade, ou seja, o que diz respeito a um ideal normativo de experimentação da sexualidade homossexual. No âmbito das ações, para além das intervenções educativas nos locais, foram desenvolvidas campanhas especí cas como a elaboração de um calendário, intitulado “Garotos do Calendário”, que foi possível através da realização de um concurso em bares, saunas e boates, nos quais foram escolhidos seus representantes para ilustrar as páginas do calendário. Nesta campanha, também foram desenvolvidos cartões de visita e chaveiros individualizados com suas fotos para os pro ssionais do sexo entregarem aos seus clientes. Outra campanha com grande repercussão social intitulada “Meta Seu Desejo na Realidade: Abra-se à Diversidade Sexual”, que tratou da prostituição masculina e de relações não-convencionais. Sabemos que o tema da prostituição desestabiliza e provoca a manifestação do conservadorismo da sociedade, e esta campanha motivou uma denúncia contra o nuances junto ao Ministério Público Estadual, para que déssemos explicações. Esta campanha trazia quatro cartazes e um banner exposto nas paradas de ônibus que discutiam relações cotidianas. Outra ação inovadora deste projeto foi o ciclo de cinema e debates, realizados em Porto Alegre e nas estações do Trensurb em toda a região metropolitana, com a exibição do lme Madame Satã. No encerramento do projeto, o grupo elaborou uma publicação com textos relativos às ações desenvolvidas e discutidos no seminário Prazer Também tem Preço, Prostituição Saúde e Cidadania.

Em 2005 o nuances em parceria com o GAPA/RS, desenvolveu o projeto Prazer Também tem Preço, nanciado pelo programa ELOS/PACT USAID/Brasil. Este projeto teve como objetivo discutir temas como prostituição masculina e suas idiossincrasias e tabus relacionados, com o intuito de promover a prevenção do HIV. O enfrentamento do tema requereu um debate franco sobre o uso do corpo e as relações de poder que constituem o universo da prostituição masculina. O grande objetivo que o projeto se propôs foi de realizar uma intervenção a partir de relações que não priorizaram única e simplesmente o garoto de programa, mas também seus clientes, bem como os jogos de poder que permeiam estas relações. Sua implementação aconteceu em vários locais frequentados por este público, tanto na capital, bem como na região metropolitana. No início, foi aplicado um questionário para recolher informações sobre o per l dos garotos de programa e seus clientes. Um dos principais objetivos alcançados nesta ação diz respeito à promoção da cidadania dos pro ssionais do sexo e dos seus clientes, sendo ambos os grupos amplamente estigmatizados. O primeiro, em especial no que diz respeito à homossexualidade, no caso dos homens que se prostituem. De outra parte, o segundo grupo, dos clientes, marcados pelo estigma que cerca a homossexualidade, como aqueles que podemos

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Projeto Homossexualidade em Cena em POA. 2007 e 2008 Este projeto, que teve nanciamento do Ministério da Saúde/UNESCO, tinha como objetivo fazer um resgate histórico das próprias vidas dos militantes e gueis anônimos através da realização de um documentário, que reconstruiu um cenário de uma Porto Alegre invisível para muitos de seus habitantes. Os depoimentos incluídos no documentário desvendam um cenário onde os estigmas relacionados à Aids produziram a marginalização das pessoas que viviam com HIV, principalmente entre os gueis, que por terem suas sexualidades ainda na margem e muitos viverem suas vidas no anonimato, causou em suas vidas consequências ainda mais impactantes. Pânico, medo e morte eram sinais vivos de uma doença que trouxe consigo marcas na vida de milhares de pessoas, até hoje ainda não superadas pela sociedade brasileira. Militantes lésbicas, gueis, travestis e transexuais registraram importantes momentos de suas vidas através de depoimentos, que resultaram num documentário de 65 minutos, intitulado “ Meu Tempo não Parou”. As histórias se misturam com suas vidas, com relatos das décadas de 1970, 1980 e 1990. Outra campanha implementada por este projeto foi realizada através da produção de um cartaz e um adesivo, que invocavam a responsabilidade para a prevenção do HIV, com a frase diagramada em formato de um preservativo onde se lia: “Você Já É Bem Crescido Para se Cuidar Sozinho”. Também neste projeto continuávamos com as atividades de distribuição de preservativos e gel lubri cante nos locais LGBTTs da cidade. Nesta época, o nuances tinha assento no Comitê Nacional de Prevenção do Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde. outor em Saúde Coletiva e Vice-Presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA).

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Projeto Pegação Segura Folder “Prazer Não Tem Idade”, destinado ao público maduro.

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GUIA GAY - Roteiro Guei/Lésbico de Porto Alegre Em 2003, no âmbito das estratégias de interação com o público alvo, iniciamos de forma pioneira a produção de um roteiro guei/lésbico. Com o apoio de praticamente todos os lugares LGBTTs da cidade, produzimos a primeira edição onde havia um texto falando da cidade e do nuances em português, inglês e francês. Um mapa com os locais em suas devidas categorias e seus endereços e principais características. Formam oito edições. As primeiras edições teve o apoio nanceiro do Ministério da Saúde/UNESCO, mas no decorrer dos anos produzimos e ampliamos o tamanho somente com o dinheiro arrecadado com os anunciantes. A tiragem era de dez a quinze mil e distribuído gratuitamente.

Projeto Pegação Segura. O projeto Pegação Segura foi uma continuidade do Projeto Poa Noite Homens, pois também focava na prevenção do HIV junto ao públicoalvo: homens gueis frequentadores dos guetos. Para se ter uma ideia, distribuíamos em torno de vinte e cinco mil preservativos mensalmente, acompanhados do gel lubri cante, nos locais onde o projeto era implementado. Em maio de 2002, com um foco nos gueis mais velhos e nos garotos de programa, produzimos uma campanha especí ca para estas relações, intitulada “Prazer Não Tem Idade”,que foi lançada no Bar Ocidente. Este universo da discussão de sexo pago era um tabu, mesmo no meio guei. Trouxemos para a visibilidade as questões das vulnerabilidades referentes aos gueis velhos que utilizam este serviço. Isto rompeu com questões estéticas geracionais e de desejos, pois este universo muitas vezes é marginalizado, uma vez que os gueis mais jovens, estilo padrão classe média, tinham mais visibilidade.

Porta camisinha e Cartaz do projeto Homossexualidade em Cena em PoA.

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Ousadia e solidariedade ão do HIV e AAids O nuances na Prevenção manutenção de uma rede de cooperação com os donos e gerentes dos locais onde o material era distribuído e um grupo bem treinado de ativistas conhecedores dos circuitos sexuais, garantiam que os materiais pudessem chegar à população, mesmo nos locais de mais difícil acesso, através de visitas periódicas. A proximidade com os proprietários e funcionários, garantia e que as portas dos establecimentos estivessem abertas ao nuances, o que era um reconhecimento da legitimidade e autoridade da instituição para realizar não só as atividades de prevenção, mas também para angariar apoio para outras iniciativas, como por exemplo, a organização das Paradas Livres anuais em Porto Alegre. Por outro lado, as características do material, conforme já descrito acima, somadas ao seu potencial de incluir a realidade de algumas populações mais vulneráveis, como aqueles de mais idade, os michês, as travestis, jovens em situação de pobreza, o morador dos subúrbios, entre outros, re etia a ousadia em poder atingir mais e mais pessoas e valorizar a diversidade. Neste sentido, o alcance se ampliava para além do estereótipo do gay masculino jovem e de classe média, projetado pela mídia e pelo mercado. A possibilidade de se dirigir a diferentes segmentos de um mesmo público, respeitando as diferenças, mas ao mesmo buscando denominadores comuns, como a importância de cuidar da saúde e se prevenir de doenças, é algo necessário para um bom programa de promoção da saúde que busque integrar as dimensões individuais e coletivas da população. Nos últimos anos, com os revezes políticos nos governos locais e federais, com o desinvestimento de recursos para as ONGs no campo da saúde e cidadania por parte de governos e das lantropias nacionais e internacionais, aliados à crescente burocratização do gerenciamento dos projetos imposta pelos poucos doadores remanescentes, muito deste trabalho em saúde do nuances acabou interrompido, apesar da gravidade da epidemia de HIV e Aids no Rio Grande do Sul e em especial na Região Metropolitana de Porto Alegre. No entanto, as lições com os resultados e experiências permanecem na memória institucional e com apoio renovado à instituição, podem certamente voltar a contribuir em muito para a tão necessária resposta ao HIV e Aids no Rio Grande do Sul e no Brasil como um todo.

Veriano Terto Jr* Em uma das várias temporadas em Porto Alegre, há aproximadamente 15 anos, estava caminhando pela margem do Lago Guaíba numa tarde de inverno na altura do Parque Marinha do Brasil. Em um determinado lugar, ali onde a água encontra a terra num terreno quase barrento, no meio de árvores e arbustos, encontrei pelo chão vários envelopes vazios de camisinhas e alguns folhetinhos com mensagens de prevenção produzidos pelo nuances. Me chamou a atenção como aquele material pode ter chegado ali, num local tão recôndito, certamente um abrigo para encontros sexuais fortuitos, apesar dos mosquitos, do barro, e de uma certa di culdade para se lá chegar. Mais tarde, em andanças por outros locais de encontros homossexuais na cidade, voltei a encontrar os materiais e preservativos sendo distribuídos regularmente. Os locais visitados se espalhavam pelos bairros de classe média, pelo centro da cidade, e nos bairros mais pobres e afastados. Eram saunas, vídeo locadoras, parques, cinemas. Alguns voltados para um público de classe média, ou mais abertamente gay, enquanto outros, frequentados por homens em casamentos heterossexuais, ou não abertamente gays e todos os segmentos sociais, já que alguns eram gratuitos, outros com preço muito barato, outros mais caros. Os materiais encontrados eram cartazes, edições do Jornal do nuances, folhetos e preservativos, que abordavam diversos aspectos da prevenção para homens que fazem sexo com homens (HSH): idade, gênero, direitos humanos, informações atualizadas sobre as formas de transmissão do HIV, telefones úteis, serviços de saúde, práticas sexuais seguras, etc. sempre com textos com marcas de humor e erotismo, de crítica ao discurso mais sisudo da biomedicina, ao conservadorismo moral que recrimina as práticas homossexuais. Além das gírias usadas nos espaços frequentados pela população-alvo, os materiais de prevenção utilizavam elementos da assim chamada cultura gay para veicular as mensagens, valorizando assim estes traços culturais, ao mesmo tempo em que projetavam uma visibilidade mais positiva da sexualidade, porém sem perder de vista o caráter transgressor e desa ante do sexo entre homens numa sociedade hegemonicamente heterossexual. Ali se con rmavam duas características do trabalho de prevenção ao HIV desenvolvido pelo nuances: a ousadia no conteúdo e na forma do discurso, e também a ousadia na sua veiculação. Quanto ao segundo, o investimento dos coordenadores da instituição na criação e

*Veriano Terto Jr. é Doutor em Saúde Coletiva e Vice-Presidente da Associação BrasileiraInterdisciplinar de Aids (ABIA).

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Desde sua fundação, os integrantes do nuances já sabiam que as ruas eram o lugar privilegiado para disputar espaço e poder, para se comunicar e pautar o debate político frente às questões relacionadas aos direitos humanos dos LGBTTs. Os primeiros militantes já tinham uma trajetória de militância social em movimentos como estudantil, feminista e de classe. Isto trouxe para o grupo uma visão de perspectiva histórica no decorrer dos anos, fazendo com que nossas ações tivessem um impacto social mais relevante. Nas ruas, desbravando espaços sozinhos e em parceria com outros movimentos sociais, denunciando atos de discriminação a nós encaminhados, estávamos sempre nos posicionando contra todas as formas de discriminação e desigualdades sociais. Com esta estratégia, alcançamos intensa visibilidade política ao tema e nos tornamos conhecidos no estado e no país. Nossa atitude de enfrentamento foi desa adora, pois trouxe para o cenário político da cidade e do estado novos sujeitos políticos, impactando politicamente em várias esferas da sociedade organizada, bem como repercutindo na sociedade em geral. Numa sociedade hierarquizada como a nossa, e atravessada por questões de gênero, raça e classe social, onde os sujeitos estão colocados na sociedade a partir destes fatores, que os quali cam e desquali cam, pensar em trazer para a cena política, sujeitos diversos que trazem consigo estas marcas foi sem dúvida, um desa o e um atrevimento. Principalmente em virtude de uma postura atuante e segura de nossos direitos, que rompia com as velhas estratégias de muitos movimentos sociais, que se baseavam muito na vitimização como estratégia política. Sabíamos que o legado histórico em relação aos LGBTTs era e ainda é muito emblemático, pois são séculos de história onde os poderes colocaram estes sujeitos como inumanos, possuidores de características que lhes reservaram um local de marginalidade e descon ança. Tudo isto faz com que nossa luta seja ainda mais desa adora, pois o legado desta exclusão social é responsável pela violência que coloca nosso país na vergonhosa posição de liderança nos índices de violência contra os LGBTTs. Dentre os movimentos sociais, talvez o movimento LGBTT seja o que mais diretamente questiona os poderes estabelecidos, pois acaba por desa ar as instituições e suas representações, além das normas referentes à sexualidade, assim como as questões de representação do gênero e do desejo. Estes fatores têm proporcionado um debate que vem tomando um espaço muito representativo e, é claro, como reação à ocupação deste espaço político, a visibilidade de um movimento com cunho fundamentalista que está nas ruas e imiscuído no Estado e suas instituições. Já em 1994, fazíamos manifestações nas ruas da cidade contra a homofobia, lesbofobia e transfobia. Entre as muitas manifestações organizadas pelo nuances,

podemos destacar aquela contra a General Motors em 2002, e aquela contra comentários homofóbicos e preconceituosos em decorrência da morte do cantor Renato Russo proferidos pelos jornalistas Rogério Mendelski e Adroaldo Streck, da Rádio Gaúcha e Zero Hora, em 1996. Em 2001, estivemos em São Paulo em protesto na Praça da República denunciando o assassinato de Edson Neri por skinheads. Em 2002, na Feira do Livro de Porto Alegre, nos manifestamos contra a editora Revisão que na época tinha um estande que divulgava literatura sobre revisionismo histórico em favor do holocausto. Como resultado, o estande fechou e não teve mais espaço na feira. Em 2002, recebemos denúncia de um funcionário guei contra a empresa General Motors, que estava sofrendo assédio moral em virtude de sua sexualidade. Nesta ocasião, ocupamos a empresa, acompanhando os funcionários que eram transportados de ônibus até a fábrica em Gravataí. Em 2008, o nuances organizou uma manifestação no Parque da Redenção contra as declarações do Vaticano e do Presidente dos EUA George W. Bush. Esta manifestação também teve grande repercussão, pois os punks da cidade queimaram uma bandeira do Brasil com uma suástica nazista o que causou a ira de pessoas que estavam na Redenção. Nesta situação, a cavalaria da Brigada Militar tentou reprimir o ato e tivemos que negociar com os policiais. Em 2015, realizamos uma manifestação em frente à agência da Caixa Econômica Federal, na Praça da Alfândega, para denunciar a discriminação e assédio moral contra um funcionário guei. No mesmo ano, realizamos uma manifestação na Esquina Democrática em protesto contra as declarações do deputado federal do Partido Progressista gaúcho Luiz Carlos Heinze, que declarou que “gueis, índios e quilombolas é tudo o que não presta”. Ainda neste ano, participamos do debate sobre o Plano Municipal de Educação (PME), que estabeleceu diretrizes para os próximos dez anos em toda a rede de ensino da cidade. Os temas mais polêmicos foram às questões de gênero e sexualidade, sendo que a bancada conservadora da Câmara Municipal acabou por barrar a inclusão destes temas no PME através de uma emenda. O nuances, juntamente com outros movimentos LGBTTs e professores da rede municipal, defendeu durante toda a tarde e noite nas galerias da Câmara Municipal, a manutenção dos debates sobre estes temas no espaço escolar. O nuances tem participações nas esferas públicas do movimento social organizado no estado e no país, como por exemplo, no Dia Internacional da Mulher, no Dia da Consciência Negra, no Grito dos Excluídos, no Dia da Visibilidade Trans, no Dia da Visibilidade Lésbica e nas edições do Fórum Social Mundial onde tivemos atuação destacada além de seminários nacionais, internacionais e conferências.

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Manifestação contra o Bush e o Papa.

Protesto na Feira do Livro que resultou no fechamento da Banca Revisão de neonazistas

Manifestação do 28 de Junho na Esquina Democrática. Na foto: Luciana Monteiro, Glademir Lorensi, Fernando Pocahy e Claudio Nunes

Manifestação contra o jornalista Rogério Mendelski, em frente ao jornal Zero Hora. 1996

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Visita ao governador no 28 de Junho


nuances em manifestação

Zero Hora - 02/09/2000

Protesto em frente ao Edel Trad e Rosa Oliveira, José Paixão, Glad Center. Na foto: Fabiano Menna, emir Lorensi (ao fundo) e Liane Susan Muller

Marcos Benedetti (de

o do GAPA

boné) em manifestaçã

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contra discriminação das

travestis, 1993


fábrica da GM nuanceiras rumo a invasão da ir Lorensi, dem Gla to, Na foto: Adriano Pin i Girardi Célio Golin, Cláudio Nunes e Ton

Protesto em frente a fáb Na foto: Fernando Pecrica da General Motors. oits, Glademi Marcelly Malta e Sim r Lorensi, one Close.

foto: Silvana Conti, Manifestação em frente a Caixa. Na ro, Maitê e Milena Sand os, Matt n Rena , Célio Golin

Perseu Pereira e Benjamin Junge no Fórum Social Mundial 2002

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Manifestações contra

os skinheads

Ato contra as declarações de Bush e do Vaticano Na foto: Fernando Pecoits (Papa) e Alex Konze (Hitler)

Manifestação do 08 de Março - Dia Internacional da Mulher Na foto: as nuanceiras Célio Golin, Silvana Conti, Luciana Monteiro e Elisiane Pasini

nuances no Grito dos Excluídos

Negra 20ª Semana da Consciência to Pin com Célio Golin e Adriano

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Concentração protesto contra o Mendelski em frente a sede do nuances na Vieira de Castro

nuances e demais grupos do movimento LGBT protestam contra alterações nos itens sobre questões de gênero do Plano Municipal de Educação Foto: Guilherme Almeida/ Câmara de Vereadores

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nuances na Marcha dos Sem Na foto (de camiseta branca): Adriano Pinto


PARADA LIVRE. HÁ 20 ANOS MOBILIZANDO A CONSCIÊNCIA COLETIVA até este momento, a questão era abordada por eles com indiferença. Quando perceberam que o nuances mobilizou o povo que saiu do armário, vieram correndo para tentar abocanhar uma fatia deste espaço. Neste ano, já com o apoio da Coordenação da Livre Orientação Sexual da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, montamos um pequeno palco em frente à antiga sede do nuances na Rua Vieira de Castro, que contou com shows de bandas de rock e das divas Glória Cristal, Laurita Leão, Rebeca Mac Donalds e Dandara Rangel. Como naquele ano realizava-se a Copa do Mundo de Futebol, no âmbito da progamação da Parada foi organizado um jogo de futebol disputado por drag queens junto ao Monumento do Expedicionário na Redenção. O processo de visibilidade e ocupação do espaço público por sujeitos que em função da sua sexualidade experimentam um lugar de marginalização e violência, tem um valor e poder simbólico que se transformou num dos momentos mais importantes na cena política da cidade. A Parada Livre tem a capacidade de reunir sapatas, sapatilhas, travestis, bichas, bofes, viados, homossexuais, transformistas, bissexuais, garotos de programa, homens e mulheres trans, ursos, assexuados, heterossexuais, crianças, negros, prostitutas, trabalhadores e trabalhadoras, pessoas “normais”, pessoas em situação de rua, brancos, indígenas, velhos, e velhas enlouquecidas atrás do trio elétrico dos go go boys, donas de casa, transexuais, curiosos, vendedores ambulantes, anelinhas, inde nidos, policiais, vagabundos, muitos cachorros, tarados, drag queens, jovens, ou seja, uma fauna de tipos humanos que naquele dia se juntam no local mais democrático da cidade, o Parque da Redenção (pois foi neste charco que os escravos libertos foram parar), e dão sentido as suas vidas para além do que experimentam nos seus cotidianos. No palco, shows que rompem com o gueto, e estão à mostra para todos e todas em plena praça pública. Por onde este povo passa a alegria contagia e toca, deixando um rastro de cidadania, de alegria, de democracia, encorajando a cada ano mais e mais LGBTTS a saírem do armário durante o ano todo e em

Sem dúvida, o maior evento que o nuances protagonizou foi à realização da primeira edição da Parada Livre, em 1997. Na época não tínhamos a dimensão de como a Parada acabaria por se construir como um dos principais eventos da cidade e todas as suas repercussões, como o processo de rompimento da invisibilidade política dos LGBTTs, trazendo para a cena pública da cidade personagens que eram vistos como sujeitos desviantes e marginais. A Parada foi transformando o imaginário social preconceituoso de como os LGBTTs eram vistos e aproximou estes sujeitos com a sociedade, rompendo com aquela visão. A participação de milhares de pessoas de todas as classes sociais e gêneros mostra a dimensão política que representa a Parada para a cidade. Em 1997, éramos um grupo de aproximadamente 100 pessoas que saímos para o Bric da Redenção num dia de muito frio e lá caminhamos com nossas bandeiras, faixas e apitos, dizendo que não aceitávamos mais as várias formas de discriminação que os LGBTTs sofriam. Gueis, lésbicas, Travestis, drag queens, punks e outros militantes des laram pela Avenida José Bonifácio sob o olhar curioso de quem se encontrava no local. Algumas pessoas, principalmente alguns feirantes, nos aplaudiram. Cabe registrar que algumas lésbicas do nuances, com medo da exposição pública, colocaram em suas cabeças sacos de papel para não serem identi cadas. Muitas pessoas, entre elas muitos gueis e lésbicas, caram na volta, e olhavam-nos com uma mistura de surpresa e admiração. No sábado anterior a Parada o nuances organizou um debate no Centro Municipal de Cultura com a presença do histórico militante, escritor e cineasta João Silvério Trevisan, que especialmente para a Parada. Em 1998, já com a presença de mais de mil pessoas, a Parada deu um salto e a partir daí, mais e mais LGBTTs foram aderindo a cada ano que passava. A Parada rompeu com a ideia de que gueis, lésbicas, travestis, transexuais, bissexuais, deveriam permanecer no armário. Foi neste ano que alguns políticos, vendo aquele povo todo, e que advogam ser os e as protagonistas deste movimento, começaram a tratar em suas legislaturas sobre o tema, pois,

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todos os lugares. A Parada Livre foi crescendo a cada ano, e em 2016, completou 20 anos. A Parada Livre é um marco nesta luta pois, a partir dela, uma nova conjuntura se construiu, uma vez que a visibilidade e legitimidade que obteve junto à sociedade rompeu portas e possibilitou que eventos similares surgissem pelo estado. A Parada é muito mais que um des le de corpos; é um momento único onde à dimensão da sexualidade tem impactos pedagógicos, questionadores de padrões estabelecidos, empoderando os LGBTTs, alcançando uma repercussão que ultrapassa os limites do próprio movimento. Questões como democracia, autonomia, direito ao uso do corpo e ocupação do espaço público têm na parada um momento único. Também é evidente que neste contexto de disputas políticas por hegemonia dentro do movimento LGBTT organizado, a Parada Livre foi sem dúvida um divisor de águas na própria organização política, e do surgimento de outros grupos e segmentos sociais, o que vem se desdobrando no atual cenário político da cidade e estado. Desde 1998, quando a parada começou a reunir um número signi cativo de participantes, começaram a surgiu interesses que para nós do nuances não faziam parte de um comprometimento de construção da luta LGBTT, mas que visavam tornar a Parada, instrumento de uso para ns político-partidários. Esta disputa teve vários embates. Em 2005, vários grupos da cidade levantaram o argumento de que já que a Parada recebia dinheiro público deveria então ser coordenada por todos os

grupos LGBTTs da cidade. Naquele momento, o nuances reivindicava para si a coordenação do evento porque entendia que tinha legitimidade para tal, e na tentativa de evitar que a Parada fosse apropriada por grupos que, segundo nossa visão daquele momento, tinham se formado para instrumentalizar a parada. Esta disputa foi parar no Ministério Público Federal, e teve repercussão na mídia. Houve um racha onde os outros grupos, então por interferência política, receberam fundos do Ministério da Cultura e Ministério da Saúde para organizar a sua parada. O nuances e a Igualdade – Associação de Travestis, tiveram o apoio da Secretaria Municipal de Cultura e organizaram mais uma edição da Parada Livre no mesmo ano. Depois de três edições, foi acordado entre os grupos que voltaríamos a realizar então a Parada Livre uni cada, o que vem acontecendo até hoje. Por ser um evento que manteve sua autonomia em relação a partidos e governos, a Parada Livre recebeu críticas de alguns setores minoritários que não conseguiram se apropriar do evento. Esta crítica baseou-se em argumentos de que o evento não seria político, mas antes uma festa. Para estes, política signi ca tornar a Parada um evento de apropriação, um palanque aberto para seus chefes políticos. Estes militantes se utilizaram da visibilidade e legitimidade conquistada pela Parada Livre para criar sua parada partidarizada. A noção de política para estes setores e seus aliados é privatizar as questões sociais para seus interesses particulares. Isto o nuances nunca fez e sempre se posicionou contra.

1ª Parada Livre em 1997 no Brique da Redenção Foto Mathias Kramer 66


Zero Hora 29 de Junho/98 - 2ª Parada Livre - Contracapa 2ª Parada Livre/1998 em frente a sede da Vieira de Castro (Foto Mathias Kramer)

Pausa para autógrafo no Futebol das Drags na 2ª Parada Livre/1998 [Foto: Mathias Kramer]

Matéria ‘Jornal do Comércio 06 de Junho de 2005 9ª Parada Livre

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1ª Parada Livre 19

Nega LLú abrindo a 1ª Parada Livre (Foto Mathias Kramer) 67


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9ª Parada Livre Foto: Adriana Franciosi - Agência RBS

Samira ‘girando’ na Parada

nteiro e Paula

nuanceiras fervendo

no carro

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do Pocahy, Luciana Mo

, Luis Gustavo, Fernan da Parada Livre Maitê


nuances na 19ª Parada Livre Fabiano, Barnart, Milena e Renan Mattos

Bancas do nuances (no início da manhã e durante as Paradas) Nas fotos: Célio Golin, Cláudio Nunes e Perseu Pereira - 1998

da Livre

ia Cristal. Apresentadoras da Para

Laurita Leão, Dandara Rangel e Glór

Célio Golin e Walmor Triaca na banca do nuances na 5ª Parada Livre 2001

Banca do nuances na Parada Livre 70


Carlos Souza (nuances), Perla Ostra (rainha da Parada) e Rubens Raffo (RNP)

O povo atrรกs do carro do nuances na Av. Osvaldo Aranha

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Folder/Postal Parada Livre, 1988

Folder Parada Livre, 2000

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Revista do nuances, capa e pรกgina 5, 2000

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Grupo de Skinheads atacam a Parada Livre É claro que a visibilidade alcançada pela Parada Livre mexeu com setores bem conservadores e na sétima edição da Parada Livre, em 2003, um grupo de skinheads, colou cartazes nos postes em volta do Parque da Redenção e no Auditório Araújo Viana na véspera do evento. O nuances denunciou o caso à Polícia Civil, que encontrou um QG dos skinheads, onde foram descobertos outros materiais com literatura revisionista. Os jovens eram integrantes da banda de rock Zurzir, que tinha letras racistas e homofóbicas. Nos cartazes colados na volta da Redenção aparecia uma imagem de uma pessoa encapuzada, apontando uma arma com a frase: “Faça Seu Dia Feliz. Acabe com o Homossexualismo”. Assinado Resistência 88. Cartaz neonazista colado em torno da Redenção

29 de Agosto Dia da Visibilidade Lésbica Desde que o movimento das mulheres lésbicas estabeleceu a data de 29 de agosto para ser o dia de referência de sua luta, o nuances sempre foi parceiro e organizador de eventos para marcar a data. Tanto através de seminários, como em atividades de rua, nossas ações sempre deram destaque para o tema. A participação das lésbicas no nuances teve momentos distintos. Em alguns anos, muita participação que foi reduzida em outros. Porém, o tema nunca deixou de ser visibilizado na sua devida importância. O Jornal do nuances trouxe em suas páginas o assunto em várias oportunidades. O próprio protagonismo das militantes lésbicas foi fundamental dentro do nuances para dar visibilidade ao tema, principalmente nos primeiros anos de nossa trajetória. Parcerias com a Liga Brasileira de Lésbicas, que surgiu em 2003 durante o Fórum Social Mundial, sempre foram

Marian Pessah, Silvana Conti e amiga em ato na Esquina Democrática

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Nuanceiras, Mulheres Lésbicas na Luta contra a LLGBTTfobia Liane Susan Muller* Era setembro de 1993. Alguns meses antes eu havia entrado para o nuances. Uma aproximação que se deu pela via da academia, mais especi camente no meu curso de licenciatura de história na UFRGS. Fui colega do Célio Golin, das Ciências Socais e mais do que de imediato, mas não por acaso, rolou o convite e me tornei uma nuanceira. Acho que fui à primeira, ou pelo menos, nas primeiras reuniões, era a única lésbica presente. Com o tempo surgiram mais mulheres. Algumas engajadas e preocupadas com políticas públicas e avanços no judiciário e legislativo. Outras com o entendimento de que o grupo poderia ser um local de desabafo e de autoajuda. Outras ainda apareciam com o intuito de arrumar namorada. En m, como em todas as organizações, mulheres diferentes, com aspirações diferentes, com pensamentos diferentes. Não foram tempos fáceis. Nem para os meninos, nem para nós. Tentar explicar pedagogicamente a importância da luta não foi tarefa pequena. E não raro acabávamos perdidas em discussões intermináveis, sem consenso, com frutos escassos, e terminando por assistir os meninos, esses sim engajados ao último, cumprir o nosso papel. Talvez o grande momento, a grande contribuição das mulheres nuanceiras tenha sido nossa participação no histórico VII Encontro Brasileiro de Lésbicas e Homossexuais ocorrido no Cajamar, no estado de São Paulo, em 1993. Ainda que permeado por uma discussão feminista – as participantes em sua maioria eram oriundas desse movimento – foi o primeiro momento que trago na memória que nos permitiu avançar no estabelecimento dos direitos que exigíamos ter enquanto mulheres homoafetivas. O encontro aconteceu entre os dias 04 e 06 daquele setembro de 1993. Dezenove dos 43 grupos nacionais estiveram presentes e alguns levaram delegação feminina. Entre esses grupos poucos eram especi camente organizações exclusivamente de lésbicas. O nuances esteve representado por mim e por Íris Germano, outra futura historiadora. Antes desse encontro, a organização gay brasileira levava genericamente o nome de MHB – Movimento Homossexual Brasileiro. Não foi sem luta entre os grupos presentes que a mulherada conseguiu inserir o L de lésbicas na sigla que passaria a representar o movimento nacional a partir de então. Sim, entre grupos de oprimidos também existem opressores. Sempre foi assim e sempre será. A grande discussão se deu em torno da palavra “homossexual” que, segundo esses grupos divergentes, já contemplaria ambos os gêneros ignorando, assim, as especi cidades ligadas à luta das mulheres. Pasmem, alguns defendiam que a palavra lésbica era agressiva, divisionista e não produtiva. Foi preciso muita luta interna, articulação com grupos não presentes e moções de apoio de organizações as mais variadas para que o termo fosse inserido a partir de então. Vencido este obstáculo, a discussão de gênero (que hoje querem retirar das escolas) implantou-se no seio do movimento representando um avanço não somente para lésbicas, mas também para travestis e transgêneros que passaram, com toda a justiça, a exigir a mesma representatividade.

Essa foi nossa grande vitória naquele encontro, mudou-se a estrutura dos próximos, criou-se a partir daí uma associação nacional, avanços importantes sem dúvida. Mas amargamos derrotas também. A principal delas foi a recusa em enviar uma proposta de emenda constitucional para a revisão que estava sendo feita à época. Víamos como necessária a inclusão da proibição da discriminação por orientação sexual no texto da Constituição Federal, mas esse não foi o entendimento de muitos grupos que achavam a proposta tecnicamente inviável. De fato, isso se mostrou real quando, na Câmara, a proposta foi derrotada pela ampla maioria de deputados. O Encontro fez ainda discussões necessárias e urgentes como a questão da Lesbohomofobia no meio médico, sexualidade e Aids, sexualidade e educação, e, especialmente, as diferenças entre as realidades de lésbicas e homossexuais. Não menos importantes foram as discussões sobre Lesbo-homofobia no meio jurídico e sobre a violência (que existe até os dias de hoje) perpetrada conta lésbicas e gays, bem como a questão da eterna impunidade que a protege. A partir do encontro em Cajamar o movimento abandonou o isolacionismo e buscou uma articulação contundente com outros movimentos sociais. Fruto disso foi a participação do nuances em encontros como o da Central Brasileira dos Movimentos Sociais. Essa nuanceira acabou sendo capa da Folha de São Paulo e entrevistada na matéria correspondente. Na época era difícil alguém dar a cara à tapa e participar na mídia. Não foram raras as vezes em que estive presente em programas de televisão e de rádio. Dezenas de vezes debatendo com padres e com pessoas reacionárias de todas as espécies, cuja única preocupação era saber quem era o homem da cama. A própria matérias da Folha de São Paulo, para a minha mais dolorosa decepção, ignorou as discussões políticas e me questionou apenas sobre como meus pais reagiram ao descobrir que era lésbica. As nuanceiras também estiveram presentes na Primeira Parada Gay de Porto Alegre em 1997. Tenho na minha cabeça que éramos em torno de 60 pessoas, mas os registros indicam um pouco mais de 100 participantes. Organizada majoritariamente pelo nuances, estávamos lá eu, Íris Germano e Edna Keitel segurando aquela que seria a primeira faixa da primeira Parada Livre realizada em Porto Alegre. Hoje são milhares de lésbicas, gays, travestis, trans, cis, e todas essas modernidades bemvindas. Já de anos para cá acontece junto da Parada Livre a Marcha Lésbica. Faz tempo que não participo. Fica, no entanto, o gosto de saber que estive lá, na origem, do que hoje é um movimento tão fantástico e lacrador. A vida toma rumos diferentes. Pessoas novas podem e devem ocupar seus espaços de direito. A luta ainda precisa, e muito, de seus combatentes. Muito avançamos, mas muito ainda há que ser feito. Que o nuances possa sempre continuar pautando e avançando pela história. Tenho saudades. Vida longa e próspera ao nuances, o primeiro! * Doutoranda em História pela Unisinos 75


Denúncias e encaminhamentos. Nosso trabalho foi sempre de receber as denúncias em nossa sede, por telefone, mail e sempre tivemos a preocupação de dar respostas as mesmas. Como exemplo, podemos citar a denúncia que recebemos de dois gueis que estavam à noite na Redenção e sofreram abordagem da Brigada Militar o que resultou em condução a delegacia. Na matéria do jornal n° 01 de janeiro de 1998 demos visibilidade ao fato. Em 2011, recebemos denúncia de que um Boletim Informativo da Unidade de Saúde São Rafael, ligado ao Hospital Mãe de Deus trazia noticia de que dentro da referida unidade não poderia ter comportamento homoafetivo. Enviamos denúncia ao Ministério Público Estadual como consta no ofício abaixo.

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nuanceiras nas ruas contra o golpe da presidenta Dilma Rousseff, 2015

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29 de janeiro - Dia da Visibilidade Trans O tema das travestis e transexuais também sempre esteve no centro de nosso debate, pois sabemos que estas pessoas têm uma importância fundamental no debate político, pela própria situação de vulnerabilidade social em que se encontram. Mesmo antes do surgimento da Igualdade, Associação de Travestis e Transexuais em 1998, já estávamos nas ruas denunciando e acolhendo travestis e transexuais vítimas de discriminação. Após o surgimento da Igualdade, que protagonizou o debate e tem tido um papel fundamental na defesa dos direitos desta população, o nuances vem sendo seu parceiro em ações e saindo às ruas no dia da Visibilidade Trans. A Igualdade também tem tido um papel muito relevante na articulação de projetos importantes para o nuances, como por exemplo, a aprovação em 2002 do Projeto de Lei Estadual 11.872/2002.

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Pioneirismo e desafios aperfeiçoam e passam a incorporar novas demandas da cidadania. Pelo contrário, se trata de uma revolução cultural onde uma parcela da sociedade consegue, apesar do Estado e a par de todas as di culdades e riscos, se organizar e se constituir como sujeito autônomo. Particularmente no Rio Grande do Sul, devemos ao nuances a maior parte desse resultado tão importante. Sem o seu papel pioneiro, sem a coragem dos seus idealizadores e militantes, nada teria sido possível. Fui testemunha do que signi caram aqueles primeiros anos na década de 1990. Na época, eu presidia a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do RS e incorporamos ao nosso trabalho as demandas que o nuances nos trazia. O choque foi muito grande. O tema da homofobia simplesmente não existia na agenda política. A maior parte dos conceitos hoje empregados pelos movimentos, assimilados em textos o ciais e na própria gramática jurídica não eram conhecidos ou não tinham sido criados. Tudo estava por ser feito e a própria pauta do nuances era uma novidade radical. Pode-se a rmar que, quanto mais consistente a cultura democrática, maiores as possibilidades de que as pessoas e os grupos construam identidades e direitos e convivam com a diferença de forma harmônica e enriquecedora. Entretanto, na medida em que identidades reprimidas ou negadas historicamente emergem no espaço público, novas tensões tendem a ser produzidas. Assim, novos direitos e conquistas podem suscitar também novas ondas de incompreensão e resistência. Possivelmente, o Brasil esteja vivendo um período marcado por uma dinâmica desse tipo. Os casos mais graves de homofobia, introduzidos a cada gesto de intolerância, a cada assassinato, expressariam o desespero de um mundo de hierarquias e dogmas despedaçado pela modernidade; algo como o regurgitar de uma ampla Idade Média que seguimos carregando, mas que não pode mais se impor como norma ou silêncio. Para seguir lutando contra os representantes desse passado de miséria moral e covardia e para nos ajudar a pensar o futuro em termos de liberdade e dignidade, o nuances segue sendo simplesmente fundamental.

Marcos Rolim* Os direitos civis dos homossexuais integram a agenda de todas as democracias modernas. Em grande parte das nações contemporâneas, com destaque para as sociedades mais avançadas do mundo ocidental, barreiras históricas e cargas de preconceitos e discriminações têm sido removidas. O processo, ainda que desigual e insu ciente para a conquista da cidadania plena de gays e lésbicas, se deu em algumas décadas de mobilização e ativismo, o que, em termos históricos, expressa um tempo muito curto. Esse parece ser o primeiro reconhecimento importante: vivemos uma época de a rmação de direitos e de construção de novas identidades onde reivindicações e narrativas como aquelas expressas pelo movimento gay e pelo movimento feminista, para citar os exemplos que me parecem os mais notáveis, alcançaram um nível de legitimidade até então inimaginável. No caso brasileiro, não deixa de ser impressionante a radicalidade do processo. Para destacar as rupturas culturais alcançadas, costumo dizer aos meus alunos que, na época de minha juventude, “não havia gays” no Brasil. Por óbvio, havia tantos gays quanto sempre, mas deles pouco ou nada se sabia. Raríssimos eram os que se dispunham a revelar sua orientação sexual e qualquer hipótese de uma luta social em torno do respeito à homoafetividade teria parecido um delírio mesmo para os segmentos mais progressistas que lutavam contra a ditadura. A esquerda brasileira, aliás, tem pouco a relatar sobre seus compromissos com os homossexuais e, descontadas as exceções, custou muito para oferecer ao tema alguma importância. Se pensarmos no Brasil e em suas persistentes raízes violentas e excludentes; se considerarmos o peso cultural do machismo e da misoginia, do racismo e da homofobia em nossas tradições; se lembrarmos da força das mensagens homofóbicas disseminadas pelo fundamentalismo religioso e se tivermos em conta, ainda, a ausência de políticas públicas para a defesa das populações LGBT e para a promoção de seus direitos, o simples fato de ter sido possível verbalizar as demandas por reconhecimento homossexual em manifestações que passaram a mobilizar centenas de milhares de pessoas – como nas paradas do “orgulho gay”, por exemplo - tem me parece, uma dimensão épica. Não estamos, então, diante de uma decorrência natural ou mesmo de um processo de amadurecimento onde as instituições se

*Doutor e mestre em Sociologia, especialista em Segurança Pública e Jornalista; professor do Centro Universitário Metodista (IPA) e membro do Conselho Administrativo do Centro Internacional para a Promoção dos Direitos Humanos, órgão vinculado à ONU, com sede em Buenos Aires.

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Campanhas que marcaram a data do 28 De Junho, Dia Internacional do Orgulho LGBTT. deixarmos passar em branco a data de 28 de junho, realizamos algumas campanhas 28 de Junho é a data emblemática para o movimento LGBTT mundial. O que aconteceu no públicas. Veja abaixo algumas campanhas que o nuances realizou para marcar a data, bar Stonewall Inn, na cidade de Nova Iorque no ano de 1969, ainda é uma realidade em sempre com parcerias muito importantes. muitos lugares deste planeta. No Brasil não é diferente. São várias as perseguições do Estado contra a população LGBTT, não somente em lugares fechados como bares e boates, mas também em parques e ruas onde este público sempre esteve. Durante a ditadura militar, era comum os milicos do exército, da polícia federal, polícia civil e Brigada Militar frequentarem lugares de sociabilidade LGBTT. Podemos citar o caso da boate Flower's que foi invadida por policiais do exército e precisava de autorização da Polícia Federal para realizar seus shows. Outro fato muito emblemático que podemos citar, para ilustrar esta realidade, foi o que ocorreu com a travesti e ativista da Igualdade Marcelly Malta e sua amiga Sabrininha Azambuja, que nos anos 1980 saíram de sua casa na Avenida Duque de Caxias e foram até a Rua da Praia fazer compras na Casa das Sedas. Quando estavam a alguns metros de entrarem na loja, brigadianos interpelaram as duas pelo fato de estarem vestidas com roupas femininas. Quebraram o salto de suas sandálias, algemaram-nas e as conduziram até a 1ª Delegacia de Polícia na Rua Riachuelo. Nos anos de 1995 e 1996, o nuances organizou debates públicos para registrar a data. Em 1996, trouxemos o escritor, jornalista e um dos fundadores do jornal Lampião de Esquina e do grupo Somos de São Paulo, João Silvério Trevisan, para um seminário que ocorreu no Centro Municipal de Cultura Érico Veríssimo. A Parada Livre então se constituiu no evento alusivo à data de 28 de junho, mas em decorrência desta data ser durante o inverno, o que acarretou muitos problemas de infraestrutura nas suas primeiras edições, resolvemos transferir a Parada Livre para o mês de novembro, visando aumentar as possibilidades de Ofício da Boate Flowers solicitando ao Dep. de Censura Federal autorização para participação da população no evento. No âmbito desta mudança, e para não apresentação do espetáculo ‘Sansão e Dalila’

Banner de lançamento dos cartões da Boate Flowers show ‘Sansão e Dalila’ com o carimbo da censura

Campanha Encha o Peito Também de Orgulho. nuances/Agência PAIM. 2010. Esta campanha foi realizada através da produção de dois cartazes: um com uma foto de uma travesti e outro com a foto de um homem guei. As fotos davam destaque para os peitos dos dois modelos, e eram acompanhadas pela frase. “Encha o Peito Também de Orgulho”. Esta campanha foi realizada em parceria com a Agência Paim de Comunicação, através de Milton Talavera. Pôsteres da campanha criada em parceria com a agência Paim Comunicação 80


“Cartão Vermelho para o Preconceito”. 2007 Neste ano, em parceria com a Central de Outdoor e com a Agência Plena, realizamos uma campanha para marcar a data do 28 de Junho. Outdoors espalhados por vários locais da cidade retratavam a drag queen Perla Ostra, que trazia em sua mão um cartão com a frase “Cartão Vermelho para o Preconceito”, com fotos de Rodrigo Rocha e com o apoio da Federação dos árbitros pro ssionais do RS. Além desta campanha, também elaboramos mais uma edição do Guia de Direitos Humanos, Rompa o Silêncio que teve apoio do Armazém de Esquina e que foi o cialmente lançado em um coquetel no espaço Mundo Paralelo da Federação dos Bancários. Outdoor da campanha nas ruas da cidade

“A Homofobia é Muito Cafona”. nuances/Louloux. 2012. Em 2012, o nuances marcou a data, e através de um des le no Donna Fashion Week realizado no Shopping Iguatemi, em parceria com a marca de calçados Louloux. A estrela desta campanha foi a drag queen Perla Ostra, que participou do des le da Louloux. Nesta campanha também foi produzida uma caneca que trazia a imagem da Nêga Lú com a frase “A Homofobia é Muito Cafona”.

Perla Ostra arrasando na passarela

Modelos encerram desfile com slogan da campanha

Kátia Suman: Mestre de Cerimônias do desfile da Louloux

Exposição mostra o acervo do nuances - 2013. Para comemorar os 22 anos de luta, o nuances organizou uma exposição no Memorial de Direitos Humanos do Rio Grande Sul com uma mostra com cópias e matérias originais de todo o seu acervo. Materiais grá cos, documentos, cartazes, pan etos, banners de projetos, camisetas, jornais, matérias jornalísticas, fotos, imagens onde permaneceu no local durante um mês. Também neste evento, o nuances rmou parceria com o Museu, onde o arquivo de documentos e materiais do nuances caram disponíveis no local de forma permanente para consulta da sociedade. A exposição teve a curadoria de Márcio Tavares. 81


Exposição “nuances: 20 Anos Gozando com Você”. 2011 Esta campanha trouxe mais uma vez para a cena política os bafos do nuances. A campanha era constituída por uma exposição com oito banners que contavam a história da entidade. O banner que abria a exposição trazia uma imagem com um bofe sentado de costas em cima de um hidrante de rua com a frase “nuances, 20 anos gozando com você”, o que acabou provocando algumas reações negativas. A exposição foi exibida no segundo andar do Mercado Público, e este banner especí co desapareceu. Após um período, a exposição foi exibida na Câmara de Vereadores. Lá, alguns vereadores pressionaram a presidência da casa para que esse banner com a imagem do bofe sentado em cima do hidrante fosse retirado. Não aceitamos a censura e a exposição continou na Câmara pelo tempo que estava previsto de um mês.

Três dos oito banners da exposição dos 22 anos do nuances

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“Eba, Viado na Pista. 24 Anos nas Ruas” 2015. O nuances quis marcar os 24 anos do grupo, um número emblemático na cultura popular brasileira, pois todas sabemos que o número 24 remete ao animal veado, um termo tão usado por muitos para discriminar as bichas. Com humor e ressigni cando os termos preconceituosos, tivemos a ideia de criar uma campanha com cartazes que divulgavam um seminário onde aparecia um veado saindo de dentro de um sinal de trânsito acompanhada com a frase: “Eba, Viado na Pista, 24 anos nas Ruas”. O seminário aconteceu no Sindbancários e sua programação contou com diversas mesas redondas, nas quais debatemos assuntos do movimento LGBTT atual.

Roger Raupp Rios, Célio Golin, Regina Facchini e Mário Pecheny

Coquetel de encerramento do seminário. Registro com os participantes.

Drag Candy Diazy, Valéria Houston e Márcio Tavares explanando sobre ‘Arte e Cultura LGBTT’

Uma Morte LGBTT a Cada 28 horas: Mude este dado. Pinte seu Apoio. nuances/ESPM - 2016. Em parceria com o nuances, alunos do quinto semestre do curso de Publicidade e Propaganda da Escola Superior de Propaganda e Marketing, planejaram e executaram ações combatendo a lgbtfobia através de uma campanha institucional. Utilizando-se de um conceito criativo elaborado através de técnicas de brainstorming e referências, a campanha foi composta por ações simultâneas no meio offline (sendo esta a exposição de cartazes lambe-lambe nas ruas de Porto Alegre) e no meio online (um evento no facebook convidava a comunidade a se juntar à causa e preencher os cartazes que se encontravam espalhados pela cidade). O objetivo dos cartazes era mostrar dados impactantes referentes às mortes LGBTTs no Brasil, e alertar a todos que esta é uma causa que não deve ser ignorada. Sendo assim, foram elaborados cartazes que estampavam corações em branco que deviam ser preenchidos com canetas por aqueles que aderissem à luta. Para mensurar resultados, um site para a campanha foi ao ar durante as ações, no qual as pessoas postavam fotos dos cartazes que viam nas ruas, juntamente com a hashtag #ApagueALGBTFobia. Em duas semanas, 70% dos cartazes foram totalmente preenchidos, mais de 60 hashtags foram publicadas tanto no Facebook quanto no Instagram, mais de 330 apoiadores no Facebook e mais de 150 novas curtidas na página do nuances.

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Exposição Uma Cidade pelas Margens - Novembro de 2016 O nuances realizou a exposição “Uma Cidade pelas Margens”, que explorou a trajetória de pessoas e organizações que protagonizaram a luta pela visibilidade e pelo direito à diversidade em Porto Alegre, em parceria com o Museu Joaquim José Felizardo. Tendo como ponto de partida o entendimento de que a defesa dos direitos humanos da população LGBTT é condição fundamental para a vida, ao mesmo tempo, a exposição apresentou uma cartogra a da cidade sob esta perspectiva, identi cando espaços de sociabilidade fundamentais para a construção dessa narrativa. No âmbito desta parceria, também foram realizadas duas mesas redondas com debatedoras e debatedores, sendo uma dedicada às Trajetórias, histórias e memórias da comunidade LGBTT em Porto Alegre e a outra sobre Saúde, Educação e Caminhos Jurídicos da Comunidade LBGTT. Em dezembro de 2016, para marcar a nalização desta programação, foi realizado um Piquenique Cultural temático no jardim do Museu. Também foram parceiros nesta ação a Liga Brasileira de Lésbicas/LBL, o Laboratório de Políticas Públicas, Ações Coletivas e Saúde, o Programa de Pós-Graduação em História e o Curso de Graduação em Museologia, todos da UFRGS.

Sucesso de público no coquetel de abertura da exposição

A homenageada Marcelly Malta com a equipe do museu, o Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS e o nuances

Outras Campanhas As bolachas do nuances agora são literárias Em 2005 o nuances lançou uma série de porta-copos com ilustrações de Luís Gustavo Weiler e com frases de Caio Fernando Abreu, Machado de Assis e Nelson Rodrigues, além de recadinhos do nuances, é claro. Em formato quadrado, com tiragem de 30.000 exemplares os porta-copos traziam nos dois lado brincadeiras lúdicas combinadas com ações a rmativas de cidadania, prevenção e liberdade. O objetivo da campanha visava levar para as mesas dos bares uma proposta de discussão sobre sexualidade. Esta campanha foi acompanhada por uma exposição “A Rua Derruba o Armário”, contendo fotos de drag queens durante as Paradas Livres produzidas pela fotógrafa Adriana Franciozi, que contou com a produção de Carla Joner e foi exibida no restaurante Birra & Pasta.

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Após a Cantada, Deixe seu Telefone. Com um concorridíssimo coquetel no restaurante Birra & Pasta no ano de 2003, o nuances lançou a campanha “ Após a Cantada Deixe seu Telefone”. Nêga Lú, Perla Ostra, Dandara Rangel, Laurita Leão e João Carlos Castanha emprestaram seus per s para os cartões de visita da campanha. As divas davam dicas de saúde, segurança e atitude. O nuances desenvolveu a campanha em parceria com a agência Super Comunicação. Os cartões eram deixados nos bares, boates, videolocadoras e saunas da cidade. Queridinhas: Naquela época não havia WhatsApp nem Facebook!

Canecas do nuances. Sempre com grande sucesso.

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Revista do nuances Ano I nยบ 02 / novembro 2009 - Pรกgina 02

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VII - Encontros Nacionais e Internacionais A participação do nuances em encontros tanto no país como no exterior começou bem cedo. Com o passar do tempo, e fruto de nossa atuação, isto foi se intensi cando, o que acabou também contribuindo muito para nosso amadurecimento político. Contribuíamos com nossa experiência em Porto Alegre, e projetamos a cidade e o estado para fora dele. Nossas posições sempre ousadas e, por que não dizer provocadoras e atrevidas, despertavam atenção especial ao nosso trabalho. Nossos materiais grá cos eram disputados por outras entidades e pessoas, pois neles traduzíamos nossa perspectiva de fazer militância com humor e ousadia. Aqui vamos registrar alguns dos eventos e encontros que o nuances participou, pois foram inúmeros pelo interior gaúcho, por este país e fora dele.

Encontros Internacionais 1992 - Encontro Latino Americano de Homossexuais Santiago - Chile - 1992

1993 - Gay Pride em Minneapolis – Estados Unidos da América Glademir Lorensi representando o nuances a convite de militantes LGBTTs ligados à Igreja Luterana de São Leopoldo, viajou para os Estados Unidos para participação do Gay Pride na cidade norte-americana de Minneapolis/MN, sendo na ocasião considerado o "convidado internacional" do evento. O objetivo era estreitar os laços entre Minneapolis e Porto Alegre, através do conhecimento do trabalho de militância nas duas cidades. Glademir cou durante um mês na região de Minnessota conhecendo a organização e o trabalho realizado naquela cidade, além é claro de participar do Gay Pride. No dia do des le teve participação em carro aberto pelas ruas e também no palco o cial do evento. Nesta mesma viagem, também houve trocas de experiências informais junto à organização “NAMES Project Foundation”, em São Francisco, no estado da Califórnia e também em organizações de luta contra o HIV na cidade de Nova Orleans, estado de Lousiana.

Neste ano, o nuances foi convidado pela Associação Internacional de Gays e Lésbicas (ILGA) para participar de um encontro na cidade de Santiago Chile. O grupo foi representado por Célio Golin. Durante uma semana, concentrados na sede do Partido Comunista Chileno, militantes, lésbicas, gueis e transsexuais de vários países da America Latina discutiram e trocaram experiências sobre a realidade de cada país. Nesta época, no Chile ainda existia uma lei que criminalizava as práticas homossexuais. Para o nuances era uma experiência nova, já que lá estavam militantes que tinham uma grande trajetória e experiência na militância LGBTT, como membros da Comunidade Homossexual Argentina (CHA).

Militantes da Argentina, Chile, Venezuela, Colômbia e Brasil

Glademir Lorensi no Gay Pride em Minneapolis/93 - EUA

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1995 - 17º Encontro Internacional da ILGA. Rio de Janeiro.

1998 – International Gay Games – Amsterdam - Holanda

Neste ano, o Encontro Internacional da Associação Internacional de Gays e Lésbicas (ILGA) aconteceu na cidade do Rio de Janeiro. Vários militantes do nuances participaram do evento que teve grande repercussão na mídia, já que o tema no Brasil ainda não tinha a projeção e destaque político que temos hoje. No nal do encontro, uma grande passeata pela Avenida Atlântica em Copacabana encerrou o evento.

Amsterdam foi escolhida para sediar a edição dos International Gay Games, evento análogo às Olimpíadas. Atletas gueis e lésbicas e militantes de vários lugares do mundo deixaram Amsterdam ainda mais colorida. As bandeiras referentes aos jogos que traziam a tulipa impressa ( or símbolo da Holanda) estavam em todos os lugares da cidade. O prefeito de Amsterdam abriu os jogos no Arena Stadium, do tradicional clube Holandês Ajax. Durante os jogos teve também muito espaço para debates, com militantes de todas as regiões do mundo. Célio Golin foi representando o nuances e acabou jogando futebol pelo time do Estado do Texas EUA, já que as bibas brasileiras não gostam muito da modalidade. O encerramento dos jogos foi com o tradicional des le de barcos pelos famosos canais de Amsterdam.

Célio Golin atuando pelo time de futebol do Texas, EUA.

1999 - Encontro Latino Americano de Aids- Bogotá – Colômbia. Este encontro, organizado pela Liga Colombiana de Luta Contra a Aids, teve a participação de várias entidades de países da América Latina. Durante uma semana debateu-se a realidade da epidemia em cada país através da análise de como os LGBTTs estavam sendo afetados e foram elaboradas estratégias e respostas para o enfrentamento da epidemia. Célio Golin participou do evento.

2005 - 1º Encuentro de Organizaciones de GLTT y B del Mercosur Rosário - Argentina.

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A participação do nuances neste encontro se deu através de um intercâmbio, pois um membro da Vox Associação Civil LGBTT daquela cidade tinha vindo a Porto Alegre conhecer o trabalho do nuances. Como contrapartida, fomos convidados a participar juntamente com militantes de países como o Uruguai, Argentina, México, Paraguai e Bolívia em um encontro na cidade de Rosário. Por três dias os debates se concentraram nos temas da prevenção do HIV|AIDs, situação da violência contra LGBTTs, políticas públicas e casamento entre pessoas do mesmo sexo.


Encontros Nacionais e Regionais 1991 – V Encontro Brasileiro de Homossexuais Recife, Pernambuco.

1994 – II Encontro de Homossexuais da Região Sul Porto Alegre, Rio Grande do Sul

O V Encontro Brasileiro de Homossexuais (EBHO) foi realizado em Recife/PE 7 a 13 de Janeiro de 1991 e em sua programação contou com um pré-encontro, no qual foram proferidas oito conferências sobre temas como teorias sobre homossexualidade, religião e repressão à sexualidade, além do encontro propriamente dito, com duração de 3 dias completos. Este conclave realizou-se na sede da Sociedade de Medicina de Pernambuco, tendo como organizador Antônio Peixoto, fundador do MAP, um grupo destinado à prevenção da Aids e auxílio aos soropositivos. Estiveram presentes neste encontro os seguintes grupos: Dialogay, GGB, ATOBÁ, Um Outro Olhar/SP e os futuros fundadores do Grupo Dignidade do Paraná, que produziram as atas das discussões e distribuindo o relatório nal para os grupos gays nacionais e internacionais. Discutiram-se temas como: fortalecimento do movimento homosseuxal brasileiro e formação de novos grupos, realização de eventos regionais para atingir o gueto, e maior participação na luta contra a Aids. Estiveram presentes alguns gueis e lésbicas de estados vizinho a Pernambuco, como Paraíba, e Rio Grande do Norte, aos quais estimulou-se a fundação de grupos locais. Glademir Lorensi participou do encontro e o MHG viria a surgir em abril de 1991 em Porto Alegre.

Depois de ter participado do I Encontro de Homossexuais da Região Sul em Florianópolis, o nuances organizou a segunda edição do mesmo em Porto Alegre, com apoio do GAPA/RS e Sindbancários, em Porto Alegre. Foram três dias de debates e o cinas. Nesta época um dos temas centrais para nossa militância era a epidemia de Aids e os desa os de organizar o movimento LGBTT no sul do país. Participaram os grupos nuances de Porto Alegre, Dignidade de Curitiba, Cidadania Plena de Paranaguá, ADEH de Florianópolis, além de representantes do GAPA/RS e do movimento feminista local. Cabe destacar as participação da socióloga Enedi Bache, que falou sobre o movimento feminista juntamente com Alice de Oliveira, militante lésbica feminista, uma das fundadoras do grupo Somos de São Paulo.

1993 - VII Encontro Brasileiro de Lésbicas e Homossexuais. Cajamar, São Paulo No encontro de Cajamar, em São Paulo, o movimento ainda estava se reorganizando, pois estávamos saindo da ditadura militar e a ainda tinha poucas entidades no país. Neste encontro, realizado na sede da Central Única dos Trabalhadores, reuniram-se 21 grupos de várias regiões do país, na sua maioria formados por militantes LGBTTs que tinham trajetórias em outros movimentos sociais e principalmente em partidos políticos. Para se ter uma ideia, o tema ainda era tabu no país, a mídia tinha que ter autorização da coordenação do evento para cobrir as o cinas e mesas de debate. Poucos militantes tinham condições de dar entrevistas, o que era motivo de debate entre os participantes. Célio Golin e Liane Müller participaram representando o nuances. Na foto estão muitas das pioneiras do movimento lésbico brasileiro

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2000 - I Encontro Brasileiro de Travestis e Liberados Foltaleza, Ceará

1995 - VIII Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Travestis. Curitiba, Paraná

Glademir Lorensi, representando o nuances, participou do evento que reuniu militantes de diversas regiões do País. O encontro acabou com uma parada gay na Praia de Iracema.

Em Curitiba, no ano de 1995, já com o movimento mais organizado, e com a participação de 38 grupos de todo país, aconteceu o VIII Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Travestis, nas dependências da Universidade Popular do Paraná e contou com nanciamento do Ministério da Saúde. Este encontro foi marcado por muitas disputas e protestos. Temas como democracia, misoginia, centralismo nas decisões foram presentes em todos os debates. Neste encontro foi criada a Associação Brasileira de Gays e Lésbicas(ABGLT). Alguns grupos, entre os quais o nuances, não concordaram com o processo que culminou com a criação da ABGLT. Ocorre que quando chegamos a Curitiba, antes da realização do encontro, os jornais locais já anunciavam a criação da entidade, o que demonstrava claramente que este era um jogo de cartas marcadas, sendo assim, nos recusamo a legitimar esta organização. Até hoje o nuances não é liado à ABGLT. Ao nal do encontro foi realizada uma passeata pelas ruas da cidade.

2001 - X Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Travestis Maceió, Alagoas As nuanceiras também participaram do X Encontro Nacional em Maceió. Até este momento, Neste encontro, dois membros do nuances zeram ouvir suas vozes que destoavam do discurso genérico do movimento. Um dos fatos importantes deste encontro foram as discussões em torno da realização de encontros segmentados por identidade, o que veio a acontecer posteriormente. Se por um lado isto serviu para visibilizar principalmente os movimentos de transvestis e transexuais e de mulheres lésbicas, em seu conjunto acabou por enfraquecer o movimento de forma geral. O nuances também realizou uma exposição de seus materiais, incluindo os jornais, livros, pan etos, e outros documentos, com extremo sucesso.

1997 - IX Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Travestis São Paulo

2003 - XI Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Travestis Manaus, Amazonas

Neste ano, o encontro aconteceu no Hotel São Rafael, no centro da cidade de São Paulo. Nesta época, o movimento nacional já estava bem mais articulado e com perspectivas políticas diferenciadas. Embora a diversidade sempre esteve presente no movimento, neste encontro estas diferenças caram muito evidentes. O cinas sobre “casamento gay” e autoajuda ainda estavam na pauta de alguns grupos. Outros, como o nuances, já queriam discutir políticas de enfrentamento à exclusão social que os LGBTTs enfrentavam. Este encontro, que contou com a participação de 52 grupos, acabou com um ato em frente ao Teatro Municipal de São Paulo. Sete militantes do nuances participaram do encontro.

Esta edição do EBGLT foi organizado pela Associação Amazonense de Gays, Lésbicas e Travestis – AAGLT. Apesar de ser realizado num local distante do centro do país, o encontro contou com intensa participação. As mesas-redondas e o cinas abordavam temas diversos, como discriminação no trabalho, saúde, educação, segurança e políticas públicas sobre as Paradas do Orgulho. Depois dos painéis, a discussão acabava em plenárias, nas quais eram produzidos relatórios sobre os temas abordados. Mas enquanto o debate rolava, as articulações políticas iam acontecendo, e conchavos para manter no poder os grupos de sempre. Os caciques do movimento, sempre com o velho discurso de vítimas, iam garantindo seus nanciamentos através de muito trá co de in uência.

nuanceiras e militantes de outros grupos em protesto em frente ao Teatro Municipal durante o 9º EBGLT em São Paulo 91


2005 – XII Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Travestis Brasília, Distrito Federal

2016 - Seminário Redimensionando o Feminino: Coalizões e Respostas – Florianópolis, Santa Catarina. Este encontro foi organizado pela Casa da Mulher Catarina em parceria com a ONG Estrela Guia, que buscou integrar três Redes Nacionais atuantes na luta contra os alicerces machistas, misóginos e sexistas - Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, RedeTrans - Rede Nacional de Pessoas Trans - Brasil e, CUTS - Central Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais. O objetivo foi consolidar um plano de ações e metas para nortear a atuação do controle social - ocupações dos espaços decisórios e de coalizão de pautas, importantes para os movimentos feministas, pessoas trans e de pro ssionais do sexo. O nuances foi convidado para participar do "II Workshop Nacional da Rede Trans Brasil - O país que mais mata pessoas trans no mundo". Nossa participação deu-se através de Fabiano Barnart, a partir do convite da ONG Igualdade - Associação de Travestis e Transexuais do Rio Grande do Sul.

Nesta edição do encontro, houve intenso debate sobre a segmentação de encontros especí cos por identidade. O segmento das travestis questinou a invisibilidade política da identidade, que até então estariam tendo no contexto dos encontros nacionais, nos quais, segundo elas o segmento dos gueis teria um papel hegemônico nas pautas políticas. Também houve uma participação mais expressiva do segmento dos bissexuais, que também reivindicavam mais espaço e visibilidade na luta política.

2008 – XIII Encontro Brasileiro de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais – Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Neste momento, o cenário político do movimento já era de fragmentação, o que acabou por re etir na própria organização e participação no evento. Com fraca adesão de militantes, os debates centraram-se na conjuntura nacional e nas propostas para acelerar a implementação de políticas públicas que já haviam sido aprovadas no âmbito das conferências estaduais e nacional. Este foi o último encontro brasileiro do movimento uni cado LGBT. A partir daí, os encontros estão acontecendo de forma segmentada, por identidade.

2014 – I Encontro Nacional de Arte e Cultura LGBT Niterói, Rio de Janeiro. O I Encontro Nacional de Arte e Cultura LGBT, contou com um ato político, shows com bandas regionais e com a Drag Eddylene Água Suja, entre outros. Em três dias de intensos debates e encaminhamentos, os eixos que estiveram em discussão foram: “Memória e construção de identidades”; “Olhares e re exões sobre culturas LGBT”; “Transversalidade da cultura LGBTT”; “Territórios e trajetórias”; “Mídias, redes sociais e comunicação”; e “Expressões, territórios e fazeres culturais e artísticos LGBT”. O Rio Grande do Sul foi representado pelo nuances e pelo Grupo Somos.

Conferências LGBTTs Municipais, Estaduais e Nacionais. As conferências sempre foram espaços privilegiados para o debate entre governo e sociedade civil sobre as questões relativas às políticas públicas. O nuances sempre participou como organizador e no debate das propostas apresentadas e aprovadas, não apenas nas conferências LGBTT, mas também nas de segurança pública, direitos humanos, saúde, nas quais sempre estivemos atentos e participativos nos debates. As edições das Conferências Municipais e Estaduais foram espaços importantes para que o movimento propusesse políticas públicas, mas também para socializar as experiências dos mais variados segmentos sociais do Estado. A IV Conferência Nacional LGBTT, em 2016, que decorreu em Brasília antes do golpe contra a presidente Dilma Rousseff, foi palco de debates e disputas acirradas. A conjuntura política do momento era a tônica das discussões. Avanços e retrocessos nas políticas para a população LGBTT pautavam os debates. Não podemos deixar de registrar que a grande maioria dos participantes tenha expressado seu apoio aos avanços relativos a políticas públicas alcançados pelo movimento nos últimos anos, também ponderou-se sobre suas limitações, pois, poderíamos ter avançado ainda mais. Havia militantes, principalmente do estado de São Paulo, estavam presentes apoiando o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, o que deixou a conferência ainda mais tensa.

Encontro de arte e cultura LGBT Niterói, RJ

nuanceiras na III Conferência Nacional LGBTT 2016 em Brasília. Na foto: Maithê, Célio Golin, Fabiano Barnart e Maurício Nardi 92


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VIII – De mala e cuia pelas ruas – As agruras da militância É evidente que estes 25 anos de lutas tiveram muitas ores, mas também muitos espinhos. Na busca de sua estruturação e consolidação da luta política, como qualquer entidade ou grupo político, a convivência e a administração prática da atuação foram desa os constantes na vida do nuances. Neste período, achamos importante registrar estes momentos que demonstram a veia anarquista e rebelde da nossa organização e também os dilemas que uma entidade encontra para fazer política na sociedade brasileira. Se no princípio o nuances usava a garagem do GAPA/RS para as primeiras reuniões nas quais se buscava construir uma identidade do grupo e delinear as futuras ações, com o início dos primeiros projetos nanciados houve a necessidade de ter um espaço físico próprio que comportasse as demandas de trabalho que se solidi cavam.

Na sede da Vieira de Castro foi babado! A militância que o nuances sempre acreditou nunca foi aquela com discurso vitimista, mal humorado com aquele rancor de setores do movimento social e da esquerda brasileira. Muito pelo contrário, com atrevimento e colocando a prática cotidiana de fazer militância com prazer, muitas brigas, bafos, ironia, ousadia e atrevimento. Foi com estes ingredientes que rompemos com esta lógica e conquistamos espaços, contrariando a velha lógica de militância formal e institucional de representação. Sem dúvida, se uma coisa foi consenso entre as nuanceiras é de que nesta sede nunca se produziu tanto e ao mesmo tempo tivemos momentos de muita ferveção, alegria, con itos por dentro e por fora da entidade. Também nossa militância estava desbravando caminhos incertos ainda com certa pureza carregada em

nossas ações. De 1994 a 1999, tínhamos projetos em desenvolvimento, que demandavam mais de uma reunião semanal para tratar das ações referentes aos projetos e dos compromissos políticos do grupo. Além destas reuniões, tínhamos um encontro semanal com tema pré-estabelecido, com convidados externos onde debatíamos vários temas. Alguns destes encontros se chamaram “Aquendações de Alcova”, ou “Terças no nuances”. Também neste momento, a participação das lésbicas no grupo foi muito intensa. Uma reunião especí ca entre elas acontecia semanalmente. Foi nesta época que algumas mulheres lésbicas entenderam que deveriam criar uma entidade somente com mulheres. Surgiu a primeira experiência de organização lésbica do estado: o Grupo Safhos, que começou a se reunir na Casa de Cultura Mário Quintana. Pensem numa sede onde, ao lado, em um sobrado geminado funcionava um dos guetos, bares, restaurante mais disputados da cidade: o bar Doce Vício, onde hoje ca o Pub Shamrock, que foi referência para muitas, onde bichas, sapatas e travas e outras se encontravam para desfrutar de um Frango à Lautrec, prato

Reunião sede nuances na Rua Vieira de Castro: Rejane Oliveira da CUT, Adelmo Turra do GAPA debatendo a discriminação no trabalho.

Reunião sede nuances na Rua Vieira de Castro 94


famoso da casa. Umas bibas já colocadas na taba, no otim forte passavam por ali para depois continuar a noitada em outros inferninhos da cidade, como o Enigma, que cava na Rua Pinto Bandeira, no centro da capital. O fundo da sede dava para o pátio de uma escola infantil estadual. As crianças no recreio gritavam desesperadamente e cantavam as músicas dos Mamonas Assassinas que bombavam na época. Aos domingos à tarde no sobrado ao lado do nuances na esquina da J.B. com a Vieira de Castro, um boteco colocava as mesas na calçada e ali concentrava o povo que mais tarde ia para o Doce Vício. Nêga Lû estava lá com seu bom vozeirão tomando um bom otim e interagindo com todas. A vinte metros da sede do nuances, cava a Avenida José Bonifácio, ou a J.B., onde na época, em quatro quarteirões, garotos de programa e outros nem tanto, exibiam seus dotes para as bonitas que circulavam de corre-corre, e para as passantes também. As nuanceiras, como estavam ali de dia trabalhando pela causa, pela noite mapeavam tudo e tinham relações de muitos tipos com os bofes, pois muitos também frequentavam a sede do nuances. Às vezes, com os bofes, a elza aparecia junto. Bafo com vereadores pela ocupação do espaço pelos garotos de programa foi parar na mídia. Atravessando a J. B., temos o Parque da Redenção, ou a Redereca para as bibas. Bom, há Redereca nos tempos antigos teve vários momentos de êxtase, pois tinha uma mata bem mais densa do que atualmente. Porém, quando o nuances estava por ali, se não era a

maravilha das décadas passadas como contam as mais irenes, com certeza no meio daquela ora toda circulava uma fauna muito variada e louca para saciar seus desejos. No verão, como se diz em bom português; à noite elas iam pegar a fresca. Não podemos deixar de registrar que neste local, um sobrado, a sede do nunces funcionava na sala que dava para a rua e, no segundo andar, moravam algumas nuanceiras. As portas e janelas estavam sempre abertas, com uma bandeira do arco-íris pendurada do lado de fora e quadros bem ousados nas paredes, causavam muita curiosidade nos passantes. Um dos momentos mais importantes de nossa militância era quando os milicos da Cia. de Guarda passavam correndo com seus shortinhos bregas, mas eróticos, na frente da sede em direção à Redenção gritando bobagens. As nuanceiras quando ouviam os gritos e as pisadas dos bofes largavam tudo o que estavam fazendo e corriam para a sacada, rua e janelas conferir a cena. Olha que isto acontecia pela manhã e pela tarde. Para nós, isto também era militância. Militância sem prazer não faz sentido, e isto o nuances sempre teve como prioridade. Entre fazer um relatório e uma aquendação, nós cávamos com a aquendação. Também tinha ainda os anos nais do Bom Fim marginal, que deu certo. Bares, tribos variadas e muita loucura. As nuanceiras estavam lá, participando do frege todo. Depois a política higienista venceu e vários lugares como o Escaler, Bar João, Cine Baltimore fecharam e o bairro cou careta.

nuances no Mix Bazaar Helena Martins, Célio Golin, Liane Müller, Rosa Oliveira, Renê Antônio, Marcos Benedetti Adriano Pinto, Glademir Lorensi e ‘Fino’.

Glademir Lorensi em dois momentos na Vieira de Castro: No bar Sissis (na esquina da rua) local onde rolou festas e jantares das nuanceiras. E acuendando os bofes do Colégio Militar na sacada da sede do nuances 95


Ano 1999. Momento difícil. Bafos e Mudanças. Devido à falta de recursos para pagar as despesas de aluguel, em 1999, o nuances teve que sair da sede na Rua Vieira de Castro. Como tínhamos algumas parcerias políticas que construímos ao longo dos anos, acabamos ocupando um espaço na sede da Anistia Internacional na Rua Jacinto Gomes. Em crise e com os pertences do grupo guardadas em um depósito, continuamos nos movimentado como era possível. Bom, foi neste momento de crise que o nuances acabou aparecendo no cenário nacional com a famosa festa do Sorteio do Bofe. O que era uma festa para arrecadar fundos para enfrentar a crise acabou se tornando um bafo nacional. O convite da festa estampava o apoio da Prefeitura Municipal de Porto Alegre (na época governada pelo PT) e da própria Anistia Internacional. Por motivos de disputa política, alguns políticos do PMDB, PTB, PPB de PoA denunciaram a Prefeitura de forma moralista e oportunista, com o argumento de estar “gastando dinheiro público apoiando uma festa onde um ser humano ia ser sorteado”. O bafo tomou dimensão na imprensa nacional que deu muita repercussão ao caso. Setores do movimento feminista também nos apedrejaram. A Anistia Internacional, com esta repercussão, cou numa “saia justa”e acabou rompendo relações com o nuances. Após este episódio, saímos da sede da Anistia Internacional e fomos nos abrigar no SEMAPI (Sindicato dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas e de Fundações Estaduais do Rio Grande do Sul), na Rua Lima e Silva. O jornal continuava sendo editado e nós seguíamos promovendo atividades, como por exemplo, o debate no Dia da Visibilidade Lésbica, no auditório do próprio SEMAPI. No nal de 1999, mudamo-nos para o centro da cidade, onde camos até 2010.

Editorial jornal do nuances n.08\99

Revista Veja Junho/1999 - Página 135

Jornal do Brasil 01/06/1999 96


No Centro da Cidade elas viraram cliente do Centro Util

2010 a 2012 - Mais um momento de crise. Entre 2010 e 2012, o nuances começou a sofrer as consequências que grande parte das ONGs vem passando no país, relativas à falta de nanciamento público e à relação política difícil, principalmente com os governos. Outro fator que contribuiu para esta crise, e particularmente para o nuances, foi que grande parte dos militantes dedicaram seu tempo a projetos pessoais, por motivo de carreiras acadêmicas, pro ssionais e de sobrevivência nanceira. Isto impactou na ação do nuances, fazendo com que deixássemos de ser uma referência política para uma parcela grande de LGBTTs, principalmente os mais jovens. É claro que não paramos de militar, mas sem toda a dedicação de anos anteriores, pois sem um local xo de referência tudo cou mais difíicil. Continuamos na organização da Parada Livre, participando de conferências LGBTTs, de fóruns do movimento, manifestações e de projetos mais esporádicos em parceria com outras ONGs e entidades. Esta crise foi responsável pelo encerramento da nossa sede na Praça Rui Barbosa e continuamos sem casa até o nal de 2012, quando então ocupamos uma sala na Rua Vigário José Inácio, 303, no centro da cidade, juntamente com outras entidades e empreendimentos da economia solidária.

No ano 2000, o nuances já estava funcionando em outra sede, no centro da cidade. Em uma sala alugada da Fundação Solidariedade, na Praça Rui Barbosa, 220, elas acompanharam pela janela a construção do que hoje é conhecido como Centro Pop. Bom, aí o bafo era outro. Aos poucos também fomos ocupando nosso lugar dentro deste novo contexto. Muitos projetos e muita militância de rua. Não podemos deixar de registrar que Porto Alegre, nesta época, se preparava para receber a primeira edição do Fórum Social Mundial, no qual o nuances teve participação de destaque em todas suas edições. Também foi uma nova fase para o grupo, com muitos projetos desenvolvidos. No centro da cidade, o acesso foi facilitado para muitas pessoas e nossa sede continuava aberta diariamente, recebendo estudantes, pesquisadores, pessoas que nos procuravam para denunciar violências, amigas que vinham para fuxicos, militantes do interior doestado, país e do exterior e também a imprensa, o que aumentava o nosso pedigree junto às outras ocupantes do condomínio, uma vez que no local havia desde escritórios de contabilidade até salão de beleza e lojas de calcinhas e lingerie. Quando descíamos para rua com nossas bandeiras para alguma manifestações éramos recebidas pelos camelôs e vendedores de passagens desviadas com provocações e, nós, que não éramos lesadas respondíamos com atrevimento os bofes.

Novos militantes, nova fase e nova sede. Em 2013, com uma nova sede em local xo, mas sem estar aberta diariamente para receber as pessoas, iniciamos uma nova fase com a entrada de novos militantes, aumentando nossa capacidade de assumirmos novos projetos e demandas de trabalho. Desta época, cabe destacar o projeto em parceria com o Memorial de Direitos Humanos do Mercosul. Neste âmbito, organizamos uma exposição com o acervo do nuances nas dependências do Memorial, para o qual o nuances cedeu de forma permanente uma cópia de seu acervo. Também voltamos a participar de forma mais efetiva na construção de comitês, como o de saúde LGBTT, do Conselho Estadual LGBTT, das Conferências Municipal e Estadual LGBTT, e intensi camos nossa participação em outros espaços como eventos, seminários nacionais, regionais e palestras em universidades, escolas e outras parcerias com museus e espaços culturais.

Sede do nuances na Praça Rui Barbosa, Centro. Desde 2013, sede na Vigário José Inácio.

Podemos destacar nossa posição política sobre o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. Em 2014, realizamos manifestação na Esquina Democrática contra as declarações racistas e homofóbicas do deputado federal do Partido Progressista Luiz Carlos Heinze. Em 2015, para comemorar os 24 anos do nuances, organizamos um seminário internacional em parceria com o Laboratório de Políticas Públicas, Ações Coletivas e Saúde da UFRGS e com o apoio do Sindbancários. Produzimos mais duas edições do Jornal do nuances, um documentário em parceria com o Coletivo Catarse de Comunicação sobre a vida da Nêga Lú, e um livro com artigos de participantes do seminário. Em 2015 participamos do Seminário Rotas Críticas da Rede Unida em Fortaleza e em várias o cinas e palestras, além de organizarmos uma exposição em Santo Antônio da 97


Patrulha. Também podemos destacar que nestes 25 anos, o nuances continuou sendo fonte de inúmeras pesquisas e trabalhos acadêmicos tanto em nível escolar e universidades, tanto como fonte de consulta sobre variados objetos de pesquisas. Em 2016, lançamos uma nova edição do Jornal do nuances, para registrar os 25 anos da entidade, além de participações em eventos como aquele organizado pela Rede Trans, em Florianópolis.

nuances no CD Stonewall Celebretion Concert do Renato Russo. Em 1994, o cantor Renato Russo lançou um CD intitulado Stonewall Celebration Concert, em homenagem às pessoas vivendo com HIV e Aids. No encarte do CD estão listadas várias ONGs LGBTTs do país. Na época, eram nove grupos em todo o país e entre eles estava o nuances. Em 1996, quando do falecimento do Renato Russo, organizamos uma manifestação contra o jornalista Rogério Mendelski da Zero Hora contra suas manifestações homofóbicas e a mãe do Renato Russo enviou-nos uma carta parabenizando e se solidarizando com nossa atitude.

Palestra no Escola Pastor Dohms, 2016

nuances participou do Cine Debate ‘Gênero e Sexualidade’ na UFFCMS sobre o documentário ‘Nêga Lû’’.

nuances em seminário organizado pela ATEMPA, 2016 98


Prêmios e Distinções Ao longo de sua trajetória a atuação do nuances foi reconhecida em diversas ocasiões, através da concessão de prêmios e distinções, entre os quais destacamos: Em 1998 o nuances recebeu o prêmio pelo trabalho e divulgação dos Direitos Humanos no Rio Grande do Sul, concedido pela ONU, Organização das Nações Unidas e Assembleia Legislativa do RS.

Glademir Antônio Lorensi em sua casa em Caxias do Sul, RS.

Em 2006 o nuances foi agraciado com o Prêmio de ONGS Destaque na Luta pela População LGBTT no Brasil concedido pela Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. Em 2013 o nuances recebeu o Prêmio Estadual de Direitos Humanos na Categoria LGBTT, concedido pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos do Rio Grande do Sul. Em 2014 o nuances ganhou o prêmio Diversidade RS na categoria Cultura em Direitos Humanos, promovido pela Secretaria Estadual da Cultura do Rio Grande do Sul (foto). O prêmio foi entregue em solenidade no Palácio Piratini com a presenção do Governador do Estado e do Secretário Estadual de Cultura. Vanessa Thundercats com Luís Gustavo Weiler e Betânia Alfonsin na abertura da exposição ‘Uma Cidade pelas Margens’

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Preconceito é tema de aula do curso de Psicologia Alunos do curso de Psicologia do Cesuca – Faculdade Inedi participaram de um bate-papo sobre Preconceito, com ênfase nas questões de gênero, na sexta-feira (24-06), na Sala de Espelhos da instituição. A palestra foi proferida pelo professor e Fundador do nuances – grupo pela livre expressão sexual, Célio Golin. A atividade fez parte da disciplina de Psicologia Social e Comunitária I, ministrada pela professora Dra. Maúcha Sifuentes, que propôs um debate sobre as diferentes formas de preconceito. O objetivo foi pesquisar o assunto e realizar uma intervenção no espaço da instituição. O tema homossexualidade foi escolhido pelos acadêmicos do curso de Psicologia Marcelo Fernandes, Luisa Ferreira, Patrícia Alteneta, Mariana Pires e Jeani Barcellos. O grupo realizou entrevistas com estudantes que sofrem este tipo de discriminação.

nuances realiza exposição no interior De 13 a 30 de maio ocorre na cidade de Santo Antônio da Patrulha uma exposição que trás a trajetória do nuances nestes 24 anos. Também participaremos de uma mesa de debate no dia 14 de maio. A realização do evento é da Fundação Museu Antropológico Caldas Junior. Além da exposição também vai ter filmes e mostra fotográfica.

nuances na Psico O nuances esteve participando da aula no Seminário em Psicologia Social: Democracia, Estado Laico e Novos Movimentos Sociais do curso de Psicologia da UFRGS. A docente: Dra. Neuza Maria de Fátima Guareschi, orientandos que acompanham são Rodrigo Kreher (mestrado), Wanderson Nunes (doutorado).

II Semana da Diversidade Sexual de Jaguarão A II Semana da Diversidade Sexual de Jaguarão, teve como tema da sua edição “Censurado Indecente & Natural”, realizada entre os dias 14 a 18 de abril de 2015. O Nuances esteve na mesa de abertura no dia 14 falando sobre corpo, gênero e política. O projeto surgiu através da constatação que no município em questão não há conhecimento de uma ação ou

política pública, que considere a liberdade de expressão que coíba sua descriminação ou preconceito. A semana contou com palestras e seminários sobre a diversidade e teve o encerramento com a segunda edição da Parada LGBTT de Jaguarão no domingo dia 18. A organização foi do Instituto Conexão Sociocultural 100


Seminário Rotas Críticas - Fortaleza 2013 Seminário Rotas Críticas, no Congresso da Rede Unida em Fortaleza. I e II Vigília Contra a Homofobia e Cercamento da Redenção 2012 e 2013; Integrante do Comitê Técnico de Saúde LGBTT do RS e do Comitê LGBTT da Secretaria Estadual de Segurança Pública, Seminário Microterritorialidades da Geografia da UFRGS 2014, Semana Acadêmica da Geografia da UFRGS 2014, Semana da Diversidade na FABICO 2014, Ciclo de Debate Sobre Diversidade Sexual na PUC 2014, Seminário no Centro de Referência em DH do NUPSEX/UFRGS 2013, Seminário na Universidade da Fronteira Sul/ UFFS em Chapecó/SC 2014, Encontro de estudantes dos Campi da Universidade da Fronteira Sul em Laranjeiras do Sul/PR

Eduardo Cunha é recebido com protestos na AL. O presidente da Câmara Federal, ouviu gritos de «fora Cunha» de representantes do nuances e do movimento LGBTT do RS. A passagem do golpista pelo estado no dia 30, foi tumultuada, recebida com ‘’beijo Gay’’. Eduardo cunha e Michel Temer, participaram da abertura do ‘’Fórum da Reforma Política. Visões para construir mudanças’’. O nuances esteve presente para manifestar seu repúdio e protestar contra as posições defendidas por Cunha. Com os protestos o presidente da AL ordenou que o local fosse evacuado e transferido de lugar. No novo local os manifestantes foram proibidos de entrar.

II Conferência Municipal LGBT Com o tema ‘’Por um Brasil que Criminalize a Violência contra Lésbicas, Gays, Bissexuais, e Travestis’’, estão ocorrendo as reuniões preparatórias para a II Conferência que acontecerá em 2015 em Porto Alegre. A Secretaria Municipal de Direitos Humanos, através da Secretaria Adjunta da Livre Orientação Sexual é responsável pela organização do evento. A conferência municipal é preparatória para a Estadual.

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Feira de Direitos Humanos em Salvador, Bahia Dezembro de 2007

I Seminário Nacional de Negras e Negros LGBT - Novembro de 2012

Evento no qual foi possível dividir experiências com instituições de todo o Brasil acerca da temática de Direitos Humanos. O nuances distribuiu materiais da entidade. Foram três dias dividindo espaços em bancas na orla do Farol da Barra cambiando vivências, trocando materiais institucionais e rmando relações com outros grupos de Direitos Humanos do país. O evento encerrou com shows de celebridades da música como: Chico César, Elza Soares, Daniela Mercury, MV Bill entre outros. Perseu Pereira e Cecília Froemming representaram o nuances nesta Feira de Direitos Humanos.

Evento este de extrema relevância para o grupo uma vez que, pela primeira vez em um encontro nacional tratou-se especi camente de temas relacionados ao recorte de raça e suas vulnerabilidades. Perseu Pereira (nuances) participou como observador, interlocutor no seminário e colaborador no GT de Violência, onde coletivamente foram selecionados eixos para o documento nal do evento.

Perseu (nuances) e Jeffeson Pinheiro (UFAM) durante atividade do seminário

Perseu Pereira e Cecília Froemming na banca do nuances na Feira de Direitos Humanos em Salvador/BA.

Ciclo de Cinema "Desa os da Negritude no Século XXI - Os 'não lugares' da Negritude LGBTT" A convite do CRDH - Centro de Referência em Direitos Humanos, Relações de Gênero, Diversidade Sexual e Raça do NUPSEX, o nuances participou do Ciclo de Cinema "Desa os da Negritude no Século XXI - Os 'não lugares' da Negritude LGBTT". Foram apresentados três lmes sobre três pessoas com expressões de sexualidades distintas que falaram sobre suas realidades a partir dos lugares que ocupam na sociedade e das questões que orbitam em torno das suas existências enquanto negros e negras LGBTT, além de um curta bem humorado falando sobre bissexualidade. Presentes como palestrantes Perseu, do nuances, Vito - integrante do CRDH - NUPSEX como mediador, a professora trans negra Adriana da rede pública estadual, e um estudante gay negro da UFRGS que também faz parte do coletivo Negração. As experiências a partir de seus lugares de atuação provocaram o público, dentre elas o acesso das pessoas trans na rede pública de saúde. O Movimento Feminista pautou a importância do recorte de raça, uma vez que muitas das demandas que são necessárias para as mulheres negras acabam sendo invisibilizadas. 102


nuances na UniRitter A convite do curso de Direito da UniRitter, o nuances participou da palestra do curso de extensão “A Sociedade te Representa? Representatividade, Ação Política e Luta por Direitos” a temática destinada para este encontro foi ‘’o racismo enfrentado pelas minorias sociais e a sobreposição de discriminações’’. Ocorreu a exibição do curta metragem 'Vista a Minha Pele' do diretor Joel Zito Araújo, conhecido por abordar temas sobre negritude em seus lmes. Os palestrantes, profª Irlanda Gomes, Mestre Pelé, Prof Tovi Julio, Prof Diego A Santos, Perseu Pereira - militante do nuances, Prof Eráclito Pereira e a Profa Cibele Cheron explanaram sobre suas trajetórias de vida e áreas de atuação e zeram algumas provocações para o público presente. É preciso ter uma visão bem realista para trabalhar com o preconceito racial pois estamos falando de estruturas há séculos muito bem solidi cadas e que nos desa am cotidianamente, esta iniciativa com certeza ajuda na desconstrução e no debate sobre as injustiças e desigualdades que sofremos.

Ciclo de Cinema "Memórias do Cativeiro" Maio 2016 Por conta da proximidade do 13 de maio, data controversa, que marcou o m da escravidão no Brasil, o objetivo da exibição foi debater os signi cados da liberdade, os desa os colocados para a população negra a partir do m do escravismo e as consequências no período pós-abolição. Perseu Pereira (nuances) foi como observador neste evento que teve como debatedores Marcos Freitas (Doutor/Unicamp) e Fernanda Oliveira (Doutoranda/UFRGS) além da presença de estudantes do curso de Psicologia da UFRGS e público em geral.

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Claudio's Bar. O glamour que brotava das margens! Outro reduto muito importante para as bibas que realmente eram amantes da “marginalidade”, incluindo as nuanceiras, foi o Claudio's Bar. O nome, é claro, se referia ao dono do bar, que tinha como ajudante o Adão, um senhor de idade avançada, que não gostava de ninguém, responsável pela ajeum e um garçom negro e muito simpático, sorridente que interagia com as manas. Claudio era um cara que sabia se relacionar e impôr respeito com a variada fauna que frequentava o local. O bar funcionava a noite toda, pois atraia públicos variados, desde bêbados, garotos de programa que saíam da Rua José Bonifácio e iam ali conferir o local para ver se conseguiam algum cliente, marginais e assaltantes, que escondiam no local suas aquisições, armas, relógios, (na época não existia celulares para eles roubarem), bibas da periferia, moradores de rua, teatreiras, funcionárias do DMLU, travas novinhas, polícias sem farda e talvez as últimas bibas que saíam de casa montadas para fazer a social em um boteco da cidade. Por lá circularam, entre outras, Fausta, para as íntimas Beli. Uma negra de um metro e noventa de altura bem recheada, pernas torneadas com uma boa minissaia tigresa, uma voz rouca e muito delicada e dengosa. Ninon, que tomava vodca com coca cola, era uma biba que fazia a linha na mesmo, pois tinha acués, sempre junto com sua amiga Luiza. Ninon era dona de um antiquário poderoso na Rua Fernando Machado. Estacionava seu bom corre-corre na frente do bar e atraía para sua mesa só quem ela

queria. Ingrid, Saday Rossini, Débora, Silvia, Japonesa, Gudiara Makimba (Gudiara era apresentadora na boate Discretus, que cava na Avenida Venâncio Aires, ao lado do extinto Cinema ABC, e atualmente é jurada do carnaval o cial de São Paulo no quesito Mestre Sala e Porta Bandeira), Carla, Shaw, Pompadur, Renata Simpson, Michele, Julinha, Dirce Paranhos, Nega Si (esta se aproximava de ti e dizia: “e aí pessoa?”), Juju dos Bambas da Orgia, Sayonara, Nina (a na), Suzety Black, Vick (esta fazia questão de colocar em cima da mesa as chaves de seu corre-corre e sua carteira de cigarro, o que atraía os bofes, é claro), Maythe, Nega Lú (que saía do trabalho no Bar Doce Vício e dava uma passada por lá). Claudiona, Mimi, Vinícius e Gigio davam seu ar também. Uma frequentadora assídua foi a Andressa, travesti moradora de rua que entrava no local sempre no otim forte e dançando, pois a caixa de música com moedas era uma das atrações do local. Ela e outras dançavam por entre as mesas. Quando não havia música tocando, a Rádio Continental animava o povo. O Claudio's Bar cava na Avenida João Pessoa, próximo à Avenida Venâncio Aires. Hoje, no local, funciona no local um bric de móveis usados. Depois dali, as montadas iam para a zona norte na boate e cabaré Era Uma Vez, que elas chamavam de casinha, onde eram recebidas pelo dono da casa, Ademir (ou pai Ademir para algumas), que as recebia com pompas de estrelas. Hoje, no local ca o complexo de viadutos entre a Avenida Benjamin Constant, Rua Dom Pedro II e Rua Pereira Franco. Muitas saudades do Claudio's Bar!

Andressa

Julinha, Japonesa, Pompador. Vick, Sayonara e Maythe. 104


HistĂłria do nuances na mĂ­dia local. Jornal Zero Hora, 28 de junho, 2014. 105


Mais uma campanha com a cara do nuances. Cartazes adesivo para banheiros. 106


nuanceiras na 1º Parada Livre de Jaguarão, 2014 (Luciano, Célio, Yngrid, Maythe, Saday Rossini 107


Ilustração de Luís Gustavo Weiler para cartaz da Parada Livre, 2003 108


trajetória nuances Uma ada rm fo on c in 25 anos com a norma FICHA TÉCNICA Autor: Célio Golin Colaboradores: Liane Susan Müller, Glademir Antonio Lorensi, Fernando Pocahy, Elisiane Pasini, Rosa Oliveira, Betânia Alfonsin, José Lucimar Lourenço, Roger Raupp Rios, Marcos Rolim, Veriano Terto Jr., Priscila Paris Duarte, Fernando Seffner. Revisão e edição do texto : Marcos Benedetti Pesquisa de imagens e documentos: Glademir Antonio Lorensi, Perseu Pereira e Célio Golin. Fotos: Adriana Franciosi, Mariam Pessah, Raul Krebs, Mathias Kramer, Gustavo Mansur, Alexandre Böer e acervo do nuances.

Diagramação: Vladimir Azeredo Ilustração capa: Luís Gustavo Weiler Equipe do nuances: Perseu Pereira, Fabiano Barnart, Luís Gustavo Weiler, Renan Mattos, Luciano Berta Horn, Marcos Benedetti, Mauricio Nardi Valle, Letícia Bauer, Célio Golin, Luelen Gemelli, Sandro Rodrigues, Betânia Alfonsin, Raquel Ribeiro Ávila, Maythe Gonçalves.

Entre tantas pessoas especiais, zeram parte destes 25 anos de história: Glademir Antonio Lorensi, Célio Golin, Marcos Benedetti, Perseu Pereira, Fernando Pocahy, Fernando Pecoits, Rosa Oliveira, Luís Gustavo Weiler, Betânia Alfonsin, Liane Müller, José Arcelino Paixão, Rubens Raffo, André da Luz Pereira, Rodrigo Barboza, Karina Santos, Paulo Afonso Soares, Adriano de Oliveira Pinto, Alexandre Böer, Jandiro Adriano Koch, Gisele Fleck, Helena Martins, Daniel Etcheverry, Mirian Weber, Maribel Gutierres, Clara Regina Ferrary, Sonia Dalligna, Isidoro de Souza Rezes, Berenice Güez, Lilian Rossi, Roque Graziela, Marian Pessah, Silvana Braseiro Conti, Toni Cleber Girardi, Fernando Pecoits, Paulo Cogo Leivas, Roger Raupp Rios, Júlio Barros, Elisiane Pasini, Mairã Alves, Carlos Souza, Íris Germano, Maria Clara Hengantz, Élvio Rossi, Maurício Ramos, Carla Almeida, Carlos Silva, Ana Paula Freitas, Laura Beatriz Backes, Antônio Mário, Regina Facchini, Mário Pecheny, Cassandra Calabouço, Alceu Schoeller, Linda Dornelles, Gustavo Pinto, André Oliveira, Cassandra Fontoura, Renato Ruschel, Victor Lazzarotto, José Eduardo Gonçalves, Eliana Menegat, Adelmo Turra, Renata Correa Fontoura, Adriano H. Caetano Costa, Georgina Helena, Marcos Melo, Fernando Kike Barbosa, Ricardo Haesbaert, Benjamin Jung, Glicério Moura Neto, Alexandre Konze, Roberto Seitenfus, René Oliveira, Poul Erik Kjeldsen, Walmor Triaca, Bárbara Andres, Marcelly Malta, Fiapo Barth, Cláudio Nunes, Márcia Medeiros, Gisele Dulesko, Volmar Santos, Marina Reidel, Richard Brandi, Ana Grão, Natália Bandeira, Darlei Dulesko, Luana Berdinazzi, Alessandra Greff, Sílvia Ramos, Sérgio Carrara, Eduardo da S. Lima, Vicente Saldanha, Clô Ribeiro, Gabriela Pinho, Adriana Costa de Souza, Fernando Seffner, Silvinha Brasil, Adriano Caetano Costa, Vera Dayse, Clarinha Glock, Rosina Duarte, Esmirrah, Silvana Conti, João Verle, Edna Keitel, Sílvio Barbisan, Jair Giacomini, Dirnei Messias, Joyce Maria da Silva, Werusca, Paulo Schimdt, Gérson Winkler, Patrícia Lucy Machado Couto, Fino, Jorge Bossle, Mariângela Maccari Lopes, Gelson Luis Costa, Ernesto Seidl, Vladimir Azeredo, Adriana de Araújo Moreira, Cláudia Regina Costa, Marlise Giovanaz, Gelson Luis Furini da Silva, Roberto Fleck, Jocemara Schäfer, Marcelo Romero Peterson, Carlos Luize, Anelise Fróes, Gizele Fróes, Marilise Fróes, Charles Klein, Charlley Luz, Magerson Bilibio, Denise Amado, Fortunat Diener, Romão Trigo de Aguiar, Maria Terezinha da Costa, Carmen Campos, Rejane Oliveira, Sergio Htchichury, Hélcio Andrade, Bruno Sawtzvy, Carlos Andrade, Cléo de Paris, Jefferson Lopes, João Lima, Kailton Vergara, Rochele Sá, Fabiano Menna, Carla Osório, Carlos Luis da Silva, Luiz Heron da Silva, Sandra Fagundes, Carla Beier, Saday Rossini, Yngrid Fontoura, Heinz Limaverde, Valéria Houston, Mário Jefferson, Mirian Balestro, Myra Gonçalves, Cristina Lima, Mimy, Adriana Franciosi, Márcio Meireles Martins, Gilda Maria Cosmonn, Márcia Elisa de Oliveira, Paulo Vicente, Drika Pimentel, Cicuta, Perla Ostra, João Bosco Vaz, Polaca Rocha, Francisco Donizetti, Suzana Lopes, Teka Costa, Márcia Turra, Jeferson Pinheiro, Frederico Machado, João Pontes, Claudia Dadico, Karen Bruck de Freitas, Sandra Perin, Maria dos Santos Alves, Marcos Ronei Paverada Fernandes, Ângela Maria Rech Gil, Daniela Knauth, Andrea Fachel Leal, Carlos Alberto Colombo, Elizabeth Zambrano, Carlos Alberto Schereder Sthal, Renato Campão, Carla Joner, Eder Lazzaroto, Maythe Gonçalves, Vanessa Thundercats, Dandara Rangel, Lady Cibeli, Glória Cristal, João Carlos Castanha, Laurita Leão, Nêga Lú, Roberto Flech, Luciano Berta Horn, Sandro Martins, Virgínia Feix, Denise Dora, Sandro Ka, Márcia Soares, Claudia de Quadro, Márcio Tavares, Maria Clara Heldt, Célia Rejane do Amaral, Henrique Nardi, Tabata Silveira dos Santos, Fernando Fagundes (Neca Matim), Mery Mezzari, Katia Suman, Rúbia Abs da Cruz, Ana Naiara Saupe Malavolta, Mary Saupe Malavolta, Claudete Costa, Miltinho Talavera, Valéria Houston, Raul Krebs, Mathias Kramer, Dheyser Veiga, Bento Rocha, João Mota, Helena Bonumá, Marcos Rolim, Antônio Hohlfeldt, Padre Roque Grazziotin, Kathrin Rosen eld, Paulo Farias, Luciana Monteiro, Elainde Dulac, Cláudia Ávila, Simone Vasconcellos, Cecília Froemming, Darlan Coutinho, Mário Scheffer, Gotardo, Fontela, André Musskopf, Cristiane Majewski, Sinara Sandri, Roberto Lorea, Rui Portanova, Paula Sandrine Machado, Karla Nyland, Ana Fábregas, Jordão Gheller Júnior, Soraia da Rosa Mendes, Eduardo Saraiva, Angelo Brandelli Costa, Carlos Henrique Kaipper, Tânia Caarvalho, Tatata Pimentel, Victor Necchi, Márcio Masotti, Ricardo Kuchenbecker, Suzana Lisboa, Rejane Oliveira, Guacira Lopes Louro, Benhur Pinos, Stela Meneghel, Yasmin Van Der Welt, Frederico Machado, Zuleika Köhler Gonzales, Jeferson Pinheiro, Eliete Matias Rodrigues, Débora Cristina Oliveira Ferreira, Diego Balzanero Severo, Roberto Lorea, Télia Negrão, José Carlos Giralt. Maria Luísa Mendonça, Rony Valanera (Cacau), Márcio Branco Fortes, Charlene Voluntaire, Fabielly Klimberg, Laurita Leão, Bruna Diniz, Letícia Dumont, Gisela Beauty, Susy B, Madona Lopes, Guta Maria, Simone Sofhia Sierakowski, Rebecca MacDonald, Alice Dubina Trusz, Carla Silva, Matheus Menezes, Benson Schidit, Fábio Verçosa, Zé Adão Barbosa. E todas as pessoas anônimas (ou que esquecemos de mencionar) que sempre se identi caram com os propósitos do nuances... Apoiadores Mix Bar, Eróticos Vídeo, Estética Mara, Super Comunicação, Sauna Club Plataforma, Bar Doce Vício, Sindbancários, Era Uma Vez, Claudio’s Bar, Enigma, Sauna Lucas, Thermas Mezzaninu, Zil Vídeo Locadora, Catarse - Coletivo de Comunicação, Vitraux Club, Refugiu’s Mega Danceteria, SEMAPI, Cabaré Indiscretus, Sexy Vício, After Bar, Bar Ocidente, Thermas Point Sul, Restaurante Sissis, Sauna Coruja, Venezianos Pub Café, Sauna Arpoador, Cine Theatro, Sauna Barros Cassal, Sauna Floresta, Privê Video Locadora, Sauna Coruja, Intimus Vídeo, Sexy Fantasi Vídeo Club, Nimbus Vídeo Club, Comitê Latino Americano, América Vídeo Locadora, Louloux, Birra & Pasta, Armazém da Esquina, Palavraria, Café Viena, Lancheria do Parque, Palavraria, Editora Sulina. 109


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Ilustração de Luís Gustavo Weiler para campanha do nuances


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