Capacitação em serviços de saneamento básico

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Capacitação em política e gestão dos serviços de saneamento básico


Capacitação em política e gestão dos serviços de saneamento básico Guia para qualificação de agentes locais

Brasília, 2013


Publicado pela Fundação Vale. © Fundação Vale 2013 Coordenação editorial: Setor de Ciências Humanas e Sociais da Representação da UNESCO no Brasil Redação e supervisão técnica: Berenice de Souza Cordeiro Colaboração: Mauro Rego Monteiro dos Santos, Rosane Biasotto, Shymena Guedes Revisão técnica: Fundação Vale, Ministério das Cidades, Setores de Ciências Naturais e Ciências Humanas e Sociais da Representação da UNESCO no Brasil Revisão gramatical e editorial: Unidade de Comunicação, Informação Pública e Publicações da Representação da UNESCO no Brasil Projeto gráfico: Fundação Vale (Crama Design Estratégico) Diagramação: Unidade de Comunicação, Informação Pública e Publicações da Representação da UNESCO no Brasil Ilustrações: Fundação Vale e Ministério das Cidades

Capacitação em política e gestão dos serviços de saneamento básico: guia para qualificação de agentes locais. – Brasília: Fundação Vale, UNESCO, 2013. 90 p., il. Incl. bibl. ISBN: 978-85-7652-185-3 1. Saneamento básico 2. Política de saneamento básico 3. Formação de gestores 3. Qualidade da água 4. Gestão da água 5. Política de serviços de saúde 6. Brasil I. Fundação Vale

Esta publicação tem a cooperação da UNESCO no âmbito do projeto 570BRZ3002, Formando Capacidades e Promovendo o Desenvolvimento Territorial Integrado, o qual tem o objetivo de contribuir para a melhoria da qualidade de vida de jovens e comunidades. Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente as da UNESCO, do Ministério das Cidades (Brasil) e da Fundação Vale, nem comprometem as Organizações. As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo desta publicação não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO, do Ministério das Cidades (Brasil) e da Fundação Vale a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites. Esclarecimento: a UNESCO mantém, no cerne de suas prioridades, a promoção da igualdade de gênero, em todas suas atividades e ações. Devido à especificidade da língua portuguesa, adotam-se, nesta publicação, os termos no gênero masculino, para facilitar a leitura, considerando as inúmeras menções ao longo do texto. Assim, embora alguns termos sejam grafados no masculino, eles referem-se igualmente ao gênero feminino. Fundação Vale Av. Graça Aranha, 26 16º andar – Centro 20030-900 – Rio de Janeiro/RJ – Brasil Tel.: (55 21) 3814-4477 Site: www.fundacaovale.org

Representação da UNESCO no Brasil SAUS Qd. 5, Bl. H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9º andar 70070-912 – Brasília/DF – Brasil Tel.: (55 61) 2106-3500 Site: www.unesco.org/brasilia facebook.com/unesconarede twitter: @unescobrasil

Ministério das Cidades SAUS, Qd.1, Bl. H, Lote 1/6 Ed. Telemundi II 70070-010 – Brasília/DF – Brasil Tel.: (55 61) 2108-1574 Sites: www.cidades.gov.br www.capacidades.gov.br


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Dia Mundial da Ág Água g Ano Internacional de Cooperação pela Água Água, fonte de vida: cooperação pela água1

A principal tarefa que a comunidade internacional enfrenta hoje, no campo dos recursos hídricos, é a transformação de obrigações assumidas em ações concretas que devem ser implementadas para benefício das pessoas, dos ecossistemas e da biosfera de maneira geral. Criar oportunidades de cooperação na gestão da água entre todas as partes interessadas, bem como aprimorar a compreensão sobre os desafios e os benefícios da cooperação pela água, são ações que podem ajudar na construção de respeito, entendimento e confiança mútuos entre os países, e também na promoção da paz, da segurança e do crescimento econômico sustentável. • Uma abordagem da cooperação pela água inclusiva e em múltiplos níveis. As questões sobre a gestão de recursos hídricos devem ser tratadas adequadamente nos níveis local, nacional, regional e internacional. Todas as partes interessadas, incluindo as organizações governamentais e internacionais, o setor privado, a sociedade civil e as universidades, devem engajar-se, dedicando atenção especial aos meios de vida das pessoas mais pobres e mais vulneráveis. As escolhas feitas no campo da gestão da água também devem ser consistentes com outras políticas governamentais, e vice-versa. De modo geral, decisões sobre aspectos sociais, políticos e econômicos devem ser tomadas de forma a buscar um equilíbrio e distribuir de forma justa a alocação dos recursos, sempre considerando os limites biofísicos do meio ambiente. • Abordagens inovadoras de cooperação pela água. É crucial mobilizar, em nível mundial, a vontade política e o comprometimento com as questões da água. Igualmente importantes são a visão de futuro e a boa vontade para considerar caminhos inovadores para abordar a cooperação nos níveis local, regional e internacional. Atualmente, debates abertos sobre as questões relacionadas aos recursos hídricos, bem como a ampla participação de cidadãos na tomada de decisões – fator-chave para promover a boa governança e um clima de responsabilidade e de transparência – podem estimular ações colaborativas e compromissos políticos. Promover uma cultura de consultas e aumentar capacidades participativas são ações que poderão ocasionar benefícios em todas as áreas, incluindo a gestão colaborativa de recursos hídricos. • Os benefícios da cooperação pela água. A história tem mostrado que a natureza vital da água doce é um grande incentivo para a cooperação e o diálogo, obrigando as partes interessadas a se reconciliarem, até mesmo nos pontos de vista mais divergentes. Frequentemente, a água une mais do que divide as pessoas e as sociedades.

Texto extraído da campanha da ONU-Água, liderada pela UNESCO, que deseja atingir partes interessadas (stakeholders) nos níveis internacional, regional, nacional e local, em torno da cooperação pela água. Este e outros materiais de divulgação da campanha estão disponíveis em: <http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/2013-international-year-of-water-cooperation/>.

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Prefácio É com satisfação que a Fundação Vale, em parceria com as equipes de Relacionamento com a Comunidade da Vale, compartilha este guia para qualificação de agentes locais em política e gestão dos serviços de saneamento básico. A capacitação de agentes locais nos municípios é uma iniciativa de valorização do capital social existente nos territórios de influência da Vale. O conhecimento sobre a importância do saneamento básico para a qualidade de vida das pessoas, bem como sua relação com as políticas públicas de saúde, educação e desenvolvimento urbano, permite que as comunidades participem das decisões de forma mais consciente, com maior capacidade de defender seus direitos e suas prioridades. A cooperação técnica entre o Ministério das Cidades, a UNESCO e a Fundação Vale representa uma oportunidade de unir esforços entre o poder público, o setor privado e a sociedade civil e, com isso, contribuir para o fortalecimento e a integração das políticas públicas no desenvolvimento local. O tema do saneamento básico está no centro da agenda do Ministério das Cidades, sobretudo neste ano de 2013, que prioriza os planos municipais de saneamento como uma das estratégias de implementação das diretrizes nacionais e da política de financiamento do setor, e quando também se renova na agenda da UNESCO, que coordena a campanha do Ano Internacional de Cooperação pela Água. O material foi concebido para facilitar o diálogo entre gestores e técnicos do poder público municipal, conselheiros de políticas públicas, lideranças comunitárias e membros de organizações sociais que atuam no campo da política de saneamento básico e de outras políticas que com ela possuem interface temática e institucional. Contamos com o seu entusiasmo para reforçar essa parceria, tornando-se um agente multiplicador do conhecimento e da capacidade de transformar, para melhor, a realidade do seu município.

Isis Pagy Diretora-presidente da Fundação Vale


FUNDAÇÃO VALE

MINISTÉRIO DAS CIDADES

Conselho Curador

Ministro de Estado Aguinaldo Ribeiro

Presidente Vania Somavilla Conselheiros Adriana Bastos Luiz Eduardo Lopes Marconi Vianna Zenaldo Oliveira Antonio Padovezi Alberto Ninio Maria Gurgel Luiz Fernando Landeiro Luiz Mello Conselho Fiscal Presidente do Conselho Fiscal Vera Elias Conselheiros Cleber Santiago Benjamin Moro Felipe Peres Silvia Zagury Conselho Consultivo Presidente do Conselho Consultivo Murilo Ferreira (CEO Vale) Conselheiros Danilo Santos da Miranda (diretor do SESC SP) Dom Flavio Giovenale (bispo de Abaetetuba) Luis Phelipe Andrés (conselheiro do IPHAN) Paula Porta Santos (historiadora e doutora pela USP) Paulo Niemeyer Filho (chefe do Centro de Neurologia Paulo Niemeyer) Silvio Meira (presidente do Conselho Administrativo do Porto Digital)

Secretário-executivo Alexandre Cordeiro Macedo Diretor de Desenvolvimento Institucional Carlos Vieira Gerência de Capacitação Eglaísa Micheline Pontes Cunha Equipe de Capacitação Cleidson dos Santos Machado Daniel Canovas Feijó Araujo Diane da Silva Lima Diogo Ramalho (estagiário) Everton Sudré Ferreira Flavio Uriel de Morais Ricardo de Sousa Carrijo Barbosa Secretário nacional de Acessibilidade e Programas Urbanos Leodegar Tiscoski Secretária nacional de Habitação Inês Magalhães Secretário nacional de Saneamento Ambiental Osvaldo Garcia Secretário nacional de Transporte e Mobilidade Urbana Julio Eduardo dos Santos Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) Francisco Carlos Caballero Colombo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) Antonio Claudio Portella Serra e Silva Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S.A. (Trensurb) Humberto Kasper

Diretora-presidente Fundação Vale Isis Pagy Gerência Geral de Relações Intersetoriais Andreia Rabetim Gerência de Desenvolvimento Urbano Rosane Biasotto Shymena Guedes Cláudia Lopes Gerência de Desenvolvimento Institucional Victor Gomes Patrícia Braga Vivian Medeiros

Impresso no Brasil

Representação da UNESCO no Brasil Representante Lucien André Muñoz Diretora da Área Programática e coordenadora de Ciências Humanas e Sociais Marlova Jovchelovitch Noleto Oficiais de Projetos Fábio Eon Soleny Hamú


Apresentação 9 Introdução 11 Dinâmica de apresentação dos participantes

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Unidade I: Integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas públicas

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1. Os significados de universalidade, equidade e integralidade em políticas públicas Dinâmica 1: Como o saneamento causa impacto no cotidiano das pessoas

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2. Saneamento e moradia: a inadequação habitacional como interface das políticas Dinâmica 2: Por que o lugar onde se mora condiciona o acesso ao saneamento e o direito à cidade

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3. O saneamento como ação de saúde pública: uma construção histórica e social

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4. Gênero, raça e renda como as faces mais visíveis da pobreza:

Sumário

A mulher como síntese da desigualdade social Dinâmica 3: A mulher como agente da relação entre saneamento e direito à cidade

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Unidade II: Política, marco legal e instrumentos de gestão dos serviços

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1. Aspectos do marco regulatório nacional do saneamento básico e da política de investimentos do governo federal

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2. A Lei de Consórcios Públicos: uma ocasião para a cooperação intergovernamental Dinâmica 4: A cooperação intermunicipal para a melhoria da gestão do saneamento básico

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3. A Lei Nacional do Saneamento Básico: principais avanços Dinâmica 5: A água que chega na torneira da sua casa depende de como o saneamento está organizado no seu município

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4. A Lei Nacional de Saneamento Básico: desafios e oportunidades Dinâmica 6: Como aproveitar as oportunidades da nova legislação para avançar na universalização do acesso e na melhoria da qualidade do saneamento

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Unidade III: O Plano Municipal de Saneamento Básico – processos e conteúdos 69 1. PMSB: conteúdos e olhares sobre o território

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2. Planejamento: escolas e escolhas

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3. Outras referências de apoio aos municípios para a elaboração do PMSB Dinâmica 7: Construindo uma proposta participativa e integrada para o processo de elaboração do PMSB

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Dinâmica de encerramento do curso

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Referências bibliográficas

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Encartes: textos autorais dos instrutores da primeira edição do curso

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Apresentação Este guia foi elaborado para todas as pessoas que, de alguma forma, convivem com as questões do saneamento básico em seu cotidiano. Aos profissionais que trabalham com essa temática, seja como gestores públicos ou técnicos da área; pesquisadores ou estudiosos do tema; conselheiros municipais que têm o saneamento na sua agenda pública; lideranças que, junto com suas comunidades, lutam por uma vida melhor no dia a dia; e cidadãos que se dispõem a construir cidades mais justas, democráticas e saudáveis para todos. É com satisfação que a Fundação Vale, em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e com o Ministério das Cidades (MCidades), compartilha com você esta iniciativa. O guia que você tem em mãos é uma ferramenta que tem como objetivo ajudar a melhorar as condições de acesso e de qualidade dos serviços de saneamento básico no seu município. Provavelmente você já ouviu falar nas novas leis que foram aprovadas no Brasil. Se, por um lado, essa legislação trouxe avanços importantes para a área do saneamento, por outro, resta o desafio de fazer valer o que está no papel, de forma a transformar para melhor a realidade em que vivemos. Os avanços encontram-se no conceito ampliado de saneamento básico, agora entendido como o conjunto dos serviços de abastecimento de água, de esgotamento sanitário, de manejo de resíduos sólidos e de manejo de águas pluviais urbanas. Foi-se o tempo em que saneamento básico significava apenas a coleta de esgoto e de lixo e, quando lembrado, remetia a caminhões e vazadouros a céu aberto. Nesse imaginário, a drenagem quase nunca aparecia, porque estava escondida debaixo dos córregos canalizados, ou ressurgia com toda a força represada durante as enchentes e inundações, destruindo tudo o que encontrava pela frente. No novo entendimento que se tem do saneamento, fruto de uma histórica conquista social, as pessoas são um elemento tão importante quanto os tubos, as redes, os reservatórios de água, as estações de tratamento e os aterros sanitários. Assim, a gestão dos serviços de saneamento depende de pessoas: pessoas que trabalham no planejamento, na regulação da forma como os serviços são prestados à população, na fiscalização dos responsáveis por cada etapa e, sobretudo, dos moradores que, no exercício diário da cidadania, participam da política, influenciando os rumos da organização do saneamento em seu município, a quem atende e com que qualidade. Para consolidar esse avanço, fica claro que é necessário haver cooperação entre todos os agentes envolvidos. Por isso, este guia tem o objetivo de reunir gestores públicos, técnicos, conselheiros municipais e lideranças sociais em um mesmo espaço, para produzir e trocar conhecimento. E, mais do que isso, difundir esse conhecimento. Temos a pretensão de fazer de você um agente multiplicador das ideias propostas neste guia. Realizado o primeiro percurso da capacitação, você terá como levar o curso para a comunidade em que atua, para a Secretaria em que trabalha na Prefeitura ou para a Comissão em que trabalha na Câmara de Vereadores, para o Conselho Municipal de Políticas Públicas, para o seu grupo de pesquisa ou de estudo, ou ainda para a associação de moradores do seu bairro. Você verá que o guia combina textos teóricos, para a apropriação dos novos conceitos da atual legislação e dos instrumentos de planejamento, com atividades práticas, realizadas em grupos de trabalho e compartilhadas em sessões plenárias. Os conteúdos teóricos e as dinâmicas auxiliam na realização de uma leitura crítica do panorama dos serviços de saneamento na sua cidade, bem como de uma análise de cenários para construir coletivamente o futuro desejado. Além do guia, você também tem em mãos quatro textos assinados por profissionais de reconhecida experiência na área do saneamento, e que tratam mais profundamente dos conteúdos de cada unidade do curso. Desejamos uma boa leitura e, sobretudo, que você faça deste guia uma ferramenta para a transformação da realidade do seu município!

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Introdução “O real não está na saída nem na chegada. Ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. Guimarães Rosa

O ano de 2013 é emblemático para o saneamento básico. No nível mundial, é o Ano Internacional da ONU de Cooperação pela Água. No Brasil, a agenda mobiliza principalmente os municípios, que devem apresentar seus Planos de Saneamento Básico (PMSBs) para ter acesso aos recursos administrados pela União. No entanto, não se trata apenas de elaborar planos para captar recursos. Assim como pretende a campanha internacional, o desafio maior consiste em avançar quanto à universalização do acesso ao saneamento, sobretudo por parte das famílias de baixa renda, agregando qualidade aos serviços prestados à população. É nesse contexto que a capacitação dos diversos agentes, sejam públicos ou sociais, é assumida como uma estratégia para que os municípios se habilitem a captar recursos para ampliar seu potencial de investimento e, simultaneamente, melhorar sua capacidade de gestão dos serviços, o que significa saber planejar, regular e fiscalizar a forma de prestação e os destinatários dos serviços prestados. O controle social e a participação da população em todo esse processo são assegurados no marco legal que regulamenta o setor de saneamento básico, em vigor em nosso país desde 2007. Para além da conformidade legal, é importante que os municípios possam contar com agentes locais capazes de cooperar entre si e com os demais parceiros, para fazer com que os serviços de saneamento atuem como vetores de desenvolvimento do território, dentro da perspectiva da redução das desigualdades sociais e da melhora das condições ambientais. Com o objetivo de contribuir para isso, a Fundação Vale firmou acordos de cooperação técnica com a UNESCO e com o Ministério das Cidades, que viabilizam o oferecimento de apoio aos municípios por meio de um projeto de capacitação dos agentes locais em política e gestão dos serviços de saneamento básico. A estratégia de capacitar gestores públicos, técnicos, conselheiros municipais e lideranças comunitárias visa a sensibilizar e preparar os municípios – que são os titulares do saneamento – quanto à condução dos processos de elaboração dos seus planos, de reorganização dos arranjos de gestão desses serviços e de incremento da capacidade de investimentos nas áreas de abastecimento de água, esgotamento sanitário, resíduos sólidos, drenagem e manejo de águas pluviais urbanas. Buscando um alinhamento o mais convergente possível com o que dispõem as diretrizes nacionais para o saneamento básico (estabelecidas pela Lei nº 11.445/2007) e com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010), a capacitação foi concebida sob a forma de cursos regionalizados, de forma a possibilitar, inclusive, a reflexão sobre cenários de gestão associada dos serviços. Antecipamos, como exercícios a serem realizados durante os cursos, o exame de alternativas tais como, por exemplo: a formação de um consórcio público intermunicipal para a criação de uma agência reguladora, a implementação de uma rede de centrais de triagem de resíduos autogerida por uma cooperativa regional de catadores de materiais recicláveis, ou ainda a implementação de um aterro sanitário compartilhado entre dois ou mais municípios. Ainda que os PMSBs constituam uma parte fundamental do atual arcabouço legal do setor, inclusive por se tratar de um dos condicionantes para o acesso aos recursos disponibilizados pela União, o apoio fornecido pela Fundação Vale e seus parceiros também pretende trazer algum nível de assistência técnica para os municípios beneficiários na organização do ente regulador, na contratualização da prestação dos serviços e na criação ou consolidação dos mecanismos de participação popular e de controle social. Sabemos que é urgente a ampliação da cobertura dos serviços de saneamento básico nesses municípios e que, portanto, ela não pode se submeter a uma lógica linear de gestão. Em outras palavras, enquanto a capacitação auxilia os municípios a planejar os novos investimentos e a reorganizar a gestão dos serviços, deve também desencadear oportunidades para que esses municípios aperfeiçoem o que já é realizado e, sobretudo, potencializem a sua capacidade de investimento em captação de água, implementação de redes, ligações domiciliares, estações de tratamento, potabilidade da água, centrais de triagem de resíduos, aterros sanitários, bacias de amortecimento, reuso da água da chuva, recuperação da vegetação ciliar e proteção dos mananciais, entre outros.

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Introdução

Dentro dessa perspectiva, a capacitação foi estruturada para abordar conteúdos que tratam dessas questões, e será realizada com técnicas participativas, dinâmicas de interação e negociação de conflitos. Como material de apoio pedagógico, são disponibilizados o presente guia e os textos de subsídios, preparados pelos instrutores dos cursos. Este guia possibilita que os participantes se apropriem do conhecimento trabalhado nos cursos e atuem como agentes multiplicadores dessa capacitação em seus municípios. O guia também oferece uma possibilidade de formação autoinstrutiva, somando-se ao importante acervo de publicações e manuais, entre outros materiais de apoio didático, produzidos por tantas outras instituições que atuam no campo do saneamento no Brasil. O guia é composto por três unidades de estudo e por um encarte com textos autorais elaborados pelos instrutores dos cursos regionalizados, envolvidos nesta primeira edição do projeto. Cada unidade de estudo é composta por um texto de subsídios sobre o tema central e pela proposição de dinâmicas para apropriação dos conceitos, conteúdos legais e troca de experiências entre os participantes sobre os conhecimentos compartilhados e sua aplicação na realidade dos municípios representados nos cursos. Como anteriormente mencionado, o guia foi concebido com o objetivo de formar agentes multiplicadores. Nesse sentido, ele utiliza uma estratégia pedagógica que confere ênfase ao papel da moderação. Assim, a moderação do curso assume uma conduta proativa, com a perspectiva de fomentar a reflexão e o debate nas atividades em grupo e nas sessões plenárias, de maneira a explorar ao máximo os conteúdos ministrados nas exposições teóricas e sua apropriação prática. Como será visto nas orientações da moderação, os grupos de trabalho são organizados por município, exceção feita apenas à dinâmica que visa a examinar as possibilidades de consórcios intermunicipais. A ideia de organizar os grupos de trabalho por município tem como objetivo reunir os atores locais para, à luz das questões tratadas no curso, utilizar os conhecimentos compartilhados para compreender e transformar a realidade do local em que eles vivem. Os resultados dos grupos de trabalho serão sempre apresentados e debatidos em sessões plenárias, nas quais todos os participantes poderão trocar experiências sobre as diferentes realidades dos municípios representados no curso. Com vistas a registrar todo o percurso da capacitação, visando inclusive à avaliação do projeto e do potencial de replicabilidade e difusão da experiência, o curso adota, entre outras, a técnica das tarjetas, para sistematizar os resultados em painéis. Além disso, são utilizados outros recursos pedagógicos e ferramentas metodológicas como mapas, jogos interativos e exibição por meio audiovisual de alguns assuntos. A atividade introdutória tem como objetivo propiciar a apresentação dos participantes do curso. Com ela, propõe-se uma dinâmica que visa a identificar o perfil da turma (municípios presentes, relação entre gestores e representantes da sociedade, nível decisório dos participantes); compartilhar as percepções que cada participante tem de saneamento básico, além de resgatar e/ou estimular o nível de envolvimento de cada um com a política de saneamento (seja uma luta popular, um projeto governamental, um ato de reivindicação, um mutirão etc.). A Unidade I é dedicada à compreensão dos principais conceitos que norteiam os avanços alcançados na legislação, quanto à forma de se conceber a política pública de saneamento básico e de se organizar os serviços, com base nos princípios da integralidade entre os quatro componentes do saneamento básico e da intersetorialidade do saneamento básico com outras políticas públicas de interface que são desenvolvidas no território. Nesta primeira unidade, são propostas três dinâmicas. A primeira tem como objetivo auxiliar o grupo a identificar a distribuição da infraestrutura e dos equipamentos e/ou instalações de saneamento no seu município, para refletir sobre os diferentes padrões de qualidade dos serviços prestados à população, segundo suas diversas e contraditórias composições sociais. Complementarmente, o grupo identificará os principais problemas vivenciados e promoverá a análise destes dentro da perspectiva da integralidade dos quatro serviços e da intersetorialidade do saneamento com outras políticas públicas. A segunda dinâmica levará o grupo a refletir sobre os motivos pelos quais o lugar onde se mora condiciona o acesso aos serviços de saneamento. A proposta é desenvolver uma reflexão sobre a lógica de ocupação do território, e de que forma a inexistência do saneamento ou a má qualidade dos serviços agrava a segregação territorial e a exclusão social. Na terceira dinâmica, o

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propósito consiste em analisar a relação do saneamento com a saúde e, a partir disso, refletir sobre o papel da mulher como um agente relevante da luta pelo direito à cidade. A Unidade II do guia trata do atual arcabouço legal que regulamenta o setor de saneamento básico no Brasil. Tem como objetivo apresentar e auxiliar os participantes na apreensão dos principais aspectos das leis em vigor, bem como sua aplicabilidade nos programas do governo federal desenvolvidos em cooperação com os municípios. Além dos aspectos mais gerais da política pública, visa a auxiliar na compreensão dos instrumentos de gestão dos serviços, consubstanciados nas atividades de planejamento, regulação, fiscalização e contratualização da prestação dos serviços e do controle social. Nesta segunda unidade, são propostas três dinâmicas. A primeira tem como objetivo fomentar a reflexão sobre as oportunidades oferecidas com a nova legislação, para a cooperação intermunicipal como estratégia para o aperfeiçoamento da gestão dos serviços de saneamento básico. A atividade consiste em realizar alguns ensaios das possibilidades de consórcios públicos, entre municípios que apresentem características semelhantes de ganhos de escala e de escopo dos serviços. As duas outras dinâmicas desta unidade propõem ao grupo a elaboração de um panorama sobre como os serviços estão atualmente organizados no município e uma reflexão acerca dos desafios colocados para a municipalidade, visando não apenas à conformidade legal, mas, sobretudo, ao avanço no que diz respeito à universalização do acesso e à melhora da qualidade dos serviços prestados à população, particularmente às famílias desassistidas, via de regra, em situação de vulnerabilidade social. Por fim, a Unidade III do guia trata do Plano Municipal de Saneamento Básico. O propósito do guia não consiste em explorar o tema em toda a sua extensão. O que se pretende é sensibilizar os municípios para que eles se sintam mais preparados para conduzir os processos do Plano, assim como para instituir os instrumentos de gestão dos serviços. Dentro dessa perspectiva, os textos apresentados nesta unidade discorrem sobre os processos do PMSB como uma oportunidade para se elaborar uma agenda positiva para a cidade. Além disso, oferecem, para a reflexão, um conjunto de estratégias de mobilização social e técnicas de planejamento participativo, incluindo formas de gestão de conflitos e obtenção de consensos entre os diversos agentes (públicos, sociais e privados) mobilizados no processo de elaboração, implementação e avaliação do Plano. A unidade trata de maneira sucinta das etapas do PMSB, de acordo com o conteúdo mínimo estabelecido em lei. A dinâmica proposta nesta unidade possibilitará que o grupo consolide o conhecimento adquirido e a troca de experiências propiciadas ao longo do curso, em uma leitura-síntese do território. Ela tem como objetivo levar o grupo a propor formas de interferência na realidade local, dentro da perspectiva de elaboração do cenário desejado para o saneamento básico em seus municípios. Por fim, a dinâmica de encerramento tem como objetivo simular uma reunião com a participação de atores públicos, sociais e privados, para propor um esboço geral de Plano de Ação para organizar o processo de elaboração do PMSB de um município escolhido pela turma. Agora, ciente dos objetivos e da proposta pedagógica do curso, queremos contar com o seu entusiasmo. Convidamos você a aproveitar ao máximo essa oportunidade de refletir sobre o que há de novo no quadro do saneamento básico em nosso país e como isso pode ajudar a melhorar a qualidade de vida no seu município.

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Dinâmica de apresentação dos participantes A dinâmica de apresentação dos participantes tem como objetivo identificar e compartilhar o perfil do grupo, com relação aos seguintes aspectos: a) município e entidade/organização à qual a pessoa está vinculada – se ao poder público, se a algum conselho municipal, se é representante de alguma organização social etc.; b) a função que desempenha – como gestor público, técnico, conselheiro municipal, liderança comunitária, entre outras; c) a percepção que a pessoa tem do saneamento em seu cotidiano – a relação que observa com a cidade, com o lugar onde mora, com a saúde pública, entre outras conexões; d) a indicação de um acontecimento de que a pessoa tenha participado no qual o saneamento esteve em pauta – programa ou projeto governamental, luta popular, movimento social, ato de reivindicação, mutirão, evento/conferência etc. Material de apoio: Tarjetas, pincéis atômicos, papel para colar as tarjetas e fita adesiva.

Ao longo da capacitação, sempre que possível, será utilizada a técnica das tarjetas, de forma a se obter, ao longo do curso, a visualização das ideias e a sistematização das reflexões e dos debates. Nessa dinâmica inicial, serão distribuídas 4 (quatro) tarjetas de cores diferentes para cada pessoa. Cada participante se apresenta ao grupo e fixa suas tarjetas no painel. Ao final, teremos um painel com o perfil do grupo e com o resultado do primeiro exercício reflexivo sobre a percepção social que o grupo tem do saneamento básico.

Papel da moderação: A moderação fomenta a reflexão sobre a relação do saneamento com a moradia digna, de forma a analisar, junto com os participantes, se os aspectos mais relevantes foram abordados, tais como: • o quanto a localização da moradia (se no centro da cidade, se na periferia, se em uma área de expansão urbana ainda não urbanizada) determina ou não a presença do saneamento e a qualidade dos serviços prestados; • a compreensão do conceito de inadequação habitacional, adotado pelo IBGE2, que associa a precariedade da moradia à ausência de três serviços de saneamento básico (abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de lixo); • o caráter da rede dos serviços de saneamento, que, por um lado, valoriza a terra urbana e interfere diretamente na dinâmica imobiliária3 e, por outro, mobiliza a reivindicação coletiva, atuando sobre a capacidade de organização comunitária; • o entendimento de que a existência da infraestrutura de saneamento não é suficiente para promover a moradia digna, a saúde e o meio ambiente equilibrado, pois essas condições também requisitam o bom funcionamento do serviço, o que remete diretamente à capacidade de gestão do poder público. Na reflexão sobre inadequação habitacional, vale lembrar à turma que o serviço de drenagem e de manejo de águas pluviais urbanas também integra o conceito atual de saneamento básico. Pode-se trabalhar a ideia de que a localização e as condições do terreno afetam diretamente os problemas relacionados ao serviço de drenagem: desmoronamento de morros, alagamentos em áreas inundáveis, entupimento da rede de drenagem com lixo e entulhos. Além disso, a excessiva impermeabilização do Segundo o IBGE, o Censo de 2010 considera o domicílio inadequado quando todas as formas de saneamento são inadequadas. Por todas as formas de saneamento, entende-se: domicílio com rede geral de água, esgotamento sanitário por rede geral ou fossa séptica, e lixo coletado direta ou indiretamente (IBGE, 2010). Essa definição é ainda mais avançada do que a adotada pela Fundação João Pinheiro, segundo a qual domicílios com carência de infraestrutura são “domicílios que não possuíam pelo menos um dos seguintes serviços básicos: energia elétrica, rede de abastecimento de água com canalização interna, rede coletora de esgoto ou fossa séptica e lixo coletado direta ou indiretamente, independente da renda de seus moradores” (FJP, 2005, p. 28). 3 Quanto mais distante e descontínuo, o oferecimento do serviço se torna mais oneroso em função dos custos para implementação de redes, equipamentos, mobilização de pessoal na operação e manutenção do serviço. 2

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Dinâmica de apresentação dos participantes

solo e o desmatamento dos morros causam situações de desabamentos e inundações, características do manejo inadequado das águas pluviais urbanas.

As dinâmicas seguintes propostas neste guia consideram que: a) os participantes se reunirão em grupos de trabalho (GT) organizados por município; e b) os momentos de troca de reflexões e experiências entre os municípios ocorrerão durante a apresentação dos GTs, nas sessões plenárias do curso. Lembrete: o GT do município deve reunir os seus representantes do governo (gestores e técnicos) e da sociedade (conselheiros municipais e lideranças comunitárias). Observação: os GTs reunirão representantes de municípios diferentes e próximos apenas na dinâmica sobre gestão associada dos serviços de saneamento básico (Dinâmica 4 da Unidade II), com o objetivo de examinar as possibilidades de formação de consórcios intermunicipais.

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Unidade I

Integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas públicas


Fotos: © Fundação Vale


Unidade I: Integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas públicas 1. Os significados de universalidade, equidade e integralidade em políticas públicas A intersetorialidade pode ser vista como uma nova forma de gestão pública, com o objetivo de promover uma intervenção integrada no território. Para isso, busca potencializar os recursos disponíveis e requer a qualificação do aparato institucional do Estado e da participação da sociedade. Sabe-se que, anteriormente, o Estado sempre se organizou de maneira setorializada, compartimentada em áreas e serviços que não conversavam entre si, e que geralmente eram comandados por gestores e técnicos formados profissionalmente segundo essa mesma lógica. Contudo, a realidade em que vivemos não reconhece tais limites e barreiras, e se apresenta como um todo não fragmentado. Além disso, é justamente sobre essa realidade que Estado e sociedade são chamados a atuar. A complexidade da realidade contemporânea exige, portanto, um esforço de se romper antigos paradigmas, enraizados na cultura da administração pública e, mais particularmente, da engenharia brasileira. A questão urbana, no Brasil, não se refere apenas ao acentuado nível de concentração urbana e de adensamento populacional, mas também existem processos sociais que a todo momento configuram e reconfiguram o território. Estamos falando, portanto, de uma mudança de comportamento do poder público e da sociedade, que forma seus profissionais e cidadãos. Podemos dizer que é consenso, no campo da administração pública, a compreensão de que a tradicional abordagem setorial das políticas públicas tem sido insuficiente para a resolução dos problemas que afligem a população e, em geral, também implica desperdício de recursos públicos. Essa crítica se refere, principalmente, ao fato de que esses problemas são considerados apenas de acordo com a especialização dos profissionais de uma determinada área, sem o envolvimento de outros olhares sobre como buscar soluções e implementá-las. Segundo a literatura sobre o tema, o modelo tradicional pelo qual as políticas públicas são gerenciadas, reflete o modelo burocrático de gestão dessas políticas. Assim, segundo esse modelo, as políticas públicas básicas (educação, saúde, assistência social, cultura, habitação e saneamento) são implementadas de forma setorial. Aqui, setor é entendido como uma forma de organização pública que atua em determinado campo, por meio de profissionais que interpretam a realidade apenas sob a perspectiva do seu ponto de vista, que resulta da sua área de formação e da sua prática profissional. É uma visão que, sem dúvidas, reflete conhecimento, saber especializado. No entanto, ao considerar o problema e refletir sobre formas de equacioná-lo, esse ponto de vista não faz o exercício de observar a partir de outros “olhos”, que pertencem a outros campos do saber. A abordagem intersetorial em políticas públicas é algo recente, e enfrenta resistências cristalizadas em estruturas governamentais burocratizadas e resilientes, o que confere ao desafio problemas gerenciais a serem equacionados. A complexidade que demarca o tema nos leva a apreendê-lo em seu contexto mais amplo. Para isso, estamos impelidos a entender que as ações de planejar, formular, implementar e avaliar políticas públicas, programas e projetos, sob o marco da intersetorialidade, estão diretamente relacionadas à capacidade do poder público de mobilizar recursos técnicos, institucionais, financeiros e políticos que são exigidos para a execução de suas decisões. Para tanto, é necessário que os recursos estejam disponíveis ou sejam criados em parceria com outros agentes, considerando-se as habilidades e as competências do quadro político e técnico da administração pública. No entanto, essa capacidade não se encerra no papel do poder público: é igualmente importante garantir as condições de sustentação política das decisões. Nesse sentido, pautar a ação governamental pelo marco da intersetorialidade exige também uma estratégia de aprofundamento dos canais de participação popular e de controle social. Os impactos do modelo fragmentado no dia a dia da gestão pública afetam, sobretudo, a organização e a forma de funcionamento de um Estado federativo, como é o caso brasileiro. Cada nível de governo (federal, estadual e municipal) conta com instituições e serviços próprios e, na maioria das vezes, estanques em si mesmos. Essa lógica institucional também ocasiona: fragmentação no tratamento das demandas sociais, paralelismo e sobreposição de ações, centralização de decisões, de recursos e de informações, divergências de objetivos e funções de cada área, além de fortalecer as características do poder corporativo, como hierarquia e centralismo político. Como sabemos, estruturas com essa configuração dificultam o controle social e pouco ajudam na promoção de direitos, na medida em que os problemas vivenciados pelos cidadãos são determinados por diversas causas, o

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que envolve, portanto, diferentes áreas da administração pública. Além disso, essa realidade leva os cidadãos a percorrerem uma verdadeira via crucis em diversos órgãos que não dialogam entre si, e que muitas vezes fazem um jogo de “empurra-empurra”. Nesse contexto, a estrutura governamental apresenta um caráter competitivo, que nega a cooperação. A lógica da competição leva, inclusive, a disputas entre grupos de interesses que extrapolam o próprio interesse público, como ocorre em diversos casos na hora de se repartir o orçamento. No entanto, a população – principalmente se organizada4 –, tem como prática apresentar ao poder público demandas que não são isoladas em si, justamente porque expressam as necessidades que vivenciam no seu dia a dia:

A água que chega de forma intermitente em seu domicílio e, por isso, desorganiza a dinâmica doméstica, penalizando principalmente a mulher, já sobrecarregada por diversas jornadas de trabalho, e que cada vez mais também assume o papel de chefe de família; o esgoto a céu aberto e o lixo não coletado, que colocam suas crianças em recorrente estado de doença; a falta de iluminação pública, que ajuda a tornar ainda mais grave o quadro de violência e de falta de segurança nos locais de moradia e de deslocamento ao trabalho; a precariedade e o perigo de se viver em um barraco nas encostas de morros ou às margens de rios e córregos, que expõem todos a situações de risco, inclusive de vida.

Não é o caso de pintarmos apenas com cores harmoniosas as reivindicações da população. Existem também aqueles moradores que reivindicam do poder público apenas melhorias pontuais, que no máximo alcançam a calçada de suas casas. No entanto, devemos convir, que esse tipo de comportamento não resume todas as formas de a população reivindicar; às vezes, esta se organiza de maneira articulada, para se constituir como sujeito social na relação com o poder público. Trabalhamos alguns exemplos para demonstrar o quanto o modelo burocrático de gestão pública impede que os problemas vivenciados pela população sejam abordados de forma intersetorial. É justamente para se contrapor a esse modelo que surge a ideia de intersetorialidade, como uma forma de tratar as necessidades dos cidadãos, considerando a forma como elas se apresentam na realidade, ou seja, interligadas, interdependentes e multideterminadas. Essa ideia se reporta, portanto, à necessidade da existência de diálogo intragovernamental e intersetorial e, sobretudo, do diálogo com a comunidade, como sujeito social relevante dos processos de formulação e implementação de políticas públicas, programas, projetos e ações. Nesse contexto, algumas correntes entendem que o enfoque do município possibilita uma maior proximidade com o cidadão, e pode fazer com que se torne mais fácil a percepção de seus problemas e a forma como eles se apresentam no cotidiano. É nesse sentido que o conceito de descentralização das políticas públicas também se relaciona ao de intersetorialidade, e ganha importância como sendo uma de suas possíveis estratégias, desde que necessariamente articulada com a democratização da gestão local para a superação da forma centralizada e fragmentada que caracteriza a ação governamental. Contudo, não podemos desconsiderar que a configuração federativa do nosso país, se bem operacionalizada, cria oportunidades para que programas governamentais possam ser concebidos e implementados em cooperação com outros entes da federação, particularmente entre o governo federal e os municípios. No entanto, a intersetorialidade traz contradições em si e, portanto, também não deve ser vista como uma panaceia. A literatura sobre o tema considera que programas de caráter intersetorial podem ser considerados de duas formas: a) os chamados de “intersetorialidade restrita”, que são os programas que atendem a muitos cidadãos em poucas de suas dimensões de vulnerabilidade social; e b) os chamados de “intersetorialidade ampla”, que atendem a um número menor de pessoas em muitos desses aspectos. Aqui, tomamos como referência a forma pela qual os movimentos sociais urbanos se organizavam nos anos 1980, sob o contexto histórico da redemocratização do país e da instituição das bases normativas de um regime político no qual a população era amplamente conclamada a assumir um papel ativo na gestão pública, especialmente no plano local. Diferente situação ocorre no contexto atual, o que nos leva a indagar sobre os limites para a consolidação daquela nova ordem democrática, limites decorrentes dos efeitos das grandes distâncias que separam as regiões, as cidades, as classes sociais e as pessoas – até mesmo dentro dos seus grupos sociais –, cada vez mais desprovidas do significado de pertencimento comunitário (RIBEIRO; SANTOS JÚNIOR, 2003).

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Por outro lado, o conceito de universalidade remete necessariamente aos sistemas de proteção social de caráter universal ou políticas públicas universais, a exemplo da saúde e da educação, desenvolvidos a partir do surgimento do chamado Estado de bemestar social nas sociedades capitalistas; antes disso, decorreram das experiências dos países socialistas e, no caso do Brasil, durante o chamado Estado desenvolvimentista, que possibilitou a ampliação dos benefícios e serviços por meio da Previdência Social5. No âmbito internacional, organizações vinculadas ao Sistema das Nações Unidas (ONU) há muito difundem a ideia da saúde para todos, sendo o princípio da universalidade ratificado, em 1979, pelos países membros da Assembleia Mundial da Saúde. Contemporaneamente, também no Brasil, o setor da saúde foi o motor propulsor da incorporação mais ampla do conceito de universalidade. A proposta de criação do Sistema Único de Saúde (SUS), capitaneada pelo movimento sanitarista e, sobretudo, pela realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em um ambiente político de forte apelo popular, culminou no processo constituinte, que desenvolveu a ideia da universalidade na dimensão do Direito. Contudo, somente com a Constituição Federal de 1988 foi possível introduzir os direitos sociais relacionados à condição da cidadania, incorporando-se o princípio da universalidade em um conjunto de políticas públicas, a exemplo da saúde, quando foi ela reconhecida como direito de todos e dever do Estado. Apesar de reconhecido avanço na área da saúde, mesmo sob a dominância das políticas econômicas e sociais, no caso do saneamento básico vigorava a orientação normativa para o mercado, sobretudo nos anos de 1990, quando assistimos a movimentos de descentralização como a privatização e a flexibilização do modelo de gestão pública dos serviços. A essência desse projeto político consistia em apostar na reinvenção do marco ideológico do Estado mínimo, originário do liberalismo individualista e restabelecido na visão das políticas neoprivatistas do chamado Consenso de Washington que, embora confrontado na luta política em âmbito internacional, notadamente na América Latina durante a década de 2000, ainda influencia os processos de governança e as formas de gestão em vários setores, incluído o de saneamento. Contudo, como veremos mais detalhadamente na Unidade II, não há como negar que o ambiente político e institucional do saneamento no Brasil mudou significativamente a partir do governo Lula, em 2003. Apesar de não expressar o rompimento de uma trajetória resiliente, marcada pela visão empresarial desde o Planasa, a Lei nº 11.445/2007 avançou em alguns pontos estruturantes, para pavimentar um novo modelo de gestão pública. A integralidade dos serviços como princípio, bem como a tentativa de retomada do planejamento integrado e participativo conferem sustentação concreta a alguns desses avanços. Contudo, o princípio da universalidade, tal como operado na lei, apresenta-se restrito à universalização do acesso, compreendida como a “ampliação progressiva do acesso de todos os domicílios ocupados ao saneamento básico” (inciso III do art. 3o da Lei). Para superar esse tipo de limitação, acredita-se que é necessário articular o princípio geral da universalidade com as noções de equidade e de integralidade. Mesmo refém de certa polissemia, o conceito de equidade, em meio à agudização das desigualdades sociais, tem balizado a formulação de políticas e a operacionalização de programas e projetos. Como sistematizado na literatura recente sobre o tema6, é possível identificar dois tipos de equidade: a horizontal e a vertical. A primeira diz respeito ao tratamento igual para os iguais, e a segunda supõe o tratamento desigual para os desiguais. Portanto, embora a igualdade seja um valor considerado importante, há situações em que ocorrem grandes desigualdades, como no acesso aos serviços de saúde ou de saneamento. Nesses casos, atender igualmente aos desiguais poderia resultar na manutenção das desigualdades, impedindo assim o atingimento da igualdade. Com vistas, sobretudo, à distribuição de recursos, a noção de equidade se impõe. Em tese, ela admite a possibilidade de se atender desigualmente os que são desiguais (equidade vertical), priorizando aqueles que mais necessitam para que alcancem a igualdade. A sustentação teórica dessa noção parte do entendimento dialético de que a igualdade, por si só, pode não ser justa. Dois enfoques subjacentes ajudam a distinguir a noção de equidade da noção de igualdade: o econômico e o da justiça. Pelo enfoque econômico, busca-se uma distribuição mais eficiente dos recursos, recorrendo-se às vezes a incursões reflexivas quanto à justiça distributiva7. Nas políticas patrocinadas por organismos internacionais, claramente de caráter de focalização, esse enfoque apresenta-se sob a figura do “efeito de Robin Hood”, que visa a concentrar recursos nos mais necessitados (pro-poor GRUPPI, 1980 apud PAIM, 2011. PAIM, 2011. 7 SEN, 2002 apud PAIM, 2011. 5 6

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programs), sejam regiões, estados, municípios, distritos, bairros, grupos ou pessoas. Em contraposição, as políticas universais, centradas no enfoque baseado no ideário da justiça, recorrem à filosofia, desde Aristóteles e Platão e, mais recentemente, à contribuição da obra “Além da justiça”8, ao criticar propostas que estabelecem necessidades como critérios de justiça. Nessa obra, a filósofa húngara Agnes Heller admite outro critério para a equidade: para cada um, aquilo que lhe é devido, por ser membro de um grupo ou categoria essencial. Ainda que esses dois enfoques ajudem na unanimidade em prol do discurso da equidade, a sua inclusão na agenda e nas proposições de vários organismos internacionais, que operam em um contexto das políticas de ajuste macroeconômico, suscita alguma prudência e reflexão quanto à sua utilidade no exame de políticas e programas de caráter universal. Analisada a partir desse lugar, a noção de equidade se associa à dimensão da justiça, ao propiciar “a correção daquilo em que a igualdade agride, e, portanto, naquilo que a justiça deve realizar”9. Em outras palavras, para produzir efeitos na ótica da justiça, a equidade se coloca justamente como realizadora de correções de uma determinada situação de igualdade. Por outro lado, a integralidade constitui um dos princípios ordenadores da Reforma Sanitária brasileira. Na Constituição Cidadã de 1988, ela aparece como uma diretriz para a organização do SUS, ao lado da descentralização (no sentido do comando único em cada esfera de governo) e da participação da comunidade. Na revisão da literatura científica brasileira sobre o conceito, o termo integralidade tem sido utilizado como noção, princípio, diretriz operacional, imagem-objetivo, proposição política, ideia, ou “conceito em estado prático”. Nesse sentido, as reflexões sobre a integralidade10 identificam três sentidos atribuídos ao termo: a) como um princípio orientador das práticas; b) como um princípio orientador da organização do trabalho; e c) como um princípio orientador da organização das políticas. Assim, a integralidade, como conceituada na lei, visa a orientar os esforços de articulação das ações de abastecimento de água, esgotamento sanitário, resíduos sólidos, limpeza urbana, drenagem e manejo de águas pluviais urbanas. A ideia de sistema, seja de saúde, de saneamento ou de meio ambiente, possibilita o entrosamento entre as diversas partes que compõem o todo, além de incorporar políticas, programas, práticas e cuidados sob uma estrutura matricial de gestão. Para o caso do saneamento básico, que não avançou no sentido de se organizar a partir de um sistema, a integralidade se faz ainda mais relevante. Além da dimensão prática de ações integradas, essa diretriz também pode orientar a organização de instituições e serviços, a exemplo de consórcios municipais para a gestão associada destes últimos, estendida ainda para a organização da atividade de regulação na perspectiva de um arranjo regional. Em síntese, articulando os três princípios aqui discutidos, a universalidade supõe que todos tenham acesso igualitário à cidade, sem barreiras de qualquer natureza, sejam legais, econômicas, sociais, físicas ou culturais. A equidade possibilita a concretização da justiça, com a prestação de serviços destacando um grupo ou categoria essencial como alvo especial das intervenções. Por fim, a integralidade tende a reforçar as ações integradas e, dessa forma, promover a construção de uma nova governança na gestão das políticas públicas que incidem sobre o território.

Dinâmica 1: Como o saneamento causa impacto no cotidiano das pessoas Objetivos: yy Identificar e refletir sobre a distribuição da infraestrutura e dos equipamentos/instalações de saneamento básico no município. yyRefletir sobre os diferentes padrões de qualidade dos serviços prestados à população, segundo os principais problemas vivenciados. yy Analisar, no universo dos problemas elencados, aqueles que melhor representam a integralidade entre os quatro serviços e a intersetorialidade do saneamento com outras políticas públicas.

HELLER, 1998. ELIAS, 2005, p 291 apud PAIM, 2011. 10 MATTOS, 2001, p. 39-64 apud PAIM, 2011. 8 9

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Material de apoio: Mapas dos municípios; resumos sobre a situação dos municípios quanto ao saneamento básico; tarjetas, folha de isopor, papel para colar as tarjetas, alfinetes e pincéis atômicos (cores sugeridas: azul, amarelo, marrom, e vermelho). Orientações para organizar e apoiar os grupos na condução da dinâmica: Cada grupo deverá trabalhar a realidade do seu município, a partir do conhecimento e do olhar dos seus representantes presentes no curso. Para isso, a coordenação do projeto de capacitação deverá preparar, antes da realização do curso: mapas dos municípios e um resumo dos seus principais dados e indicadores de saneamento. Esse resumo será elaborado pela coordenação do curso, com base nos resultados do Censo 2010. Como enunciado nos objetivos desta dinâmica, com base nos mapas, no resumo dos principais dados e indicadores de saneamento e, sobretudo, no conhecimento e no olhar dos participantes que lá residem, o grupo deverá identificar e caracterizar os diferentes padrões dos serviços de saneamento básico existentes nas diversas áreas do município. Passo a passo: Como não é possível garantir informações muito precisas sobre os municípios, espera-se que o grupo seja capaz de realizar minimamente as seguintes atividades: a) Identificar no mapa o que existe em termos de infraestrutura e de serviços de saneamento básico, usando os alfinetes e os pincéis atômicos, e adotando a seguinte legenda: • Água: azul • Esgoto: amarelo • Resíduos sólidos: marrom • Drenagem: vermelho b) Ainda no mapa: • Circundar com os pincéis as áreas da cidade que apresentam redes de água, redes de coleta de esgotos, coleta regular de lixo e redes de drenagem. • Apontar com os alfinetes onde estão localizados os principais equipamentos/instalações dos serviços de saneamento, tais como: mananciais de abastecimento e/ou principais pontos de captação subterrânea (poços artesianos), reservatórios, estações de tratamento de água (ETA), estações de tratamento de esgoto (ETE), pontos de lançamento de esgotos (in natura e/ou tratados), “lixões”/aterros controlados ou aterros sanitários, galpões de triagem de materiais recicláveis, “bota-fora” de entulhos, bacias de acumulação de água da chuva, entre outros, próprios dos serviços de saneamento básico. c) Feita a indicação da existência dos equipamentos/instalações e da infraestrutura de saneamento básico no município, na sequência, o grupo deverá refletir sobre as situações de maior precariedade (os problemas mais graves e recorrentes vivenciados) nos serviços que são prestados à população – obviamente, na visão dos participantes. Realizada essa primeira rodada de discussões, que será registrada em uma lista, o grupo deverá elencar, nas tarjetas e com a mesma padronização de cores descrita acima, as 3 (três) situações de maior precariedade em cada serviço.

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Principais problemas vivenciados pela população quanto aos serviços de saneamento básico Abastecimento de água

Esgotamento sanitário

Resíduos sólidos

Drenagem urbana

d) Das 12 (doze) situações de maior precariedade elencadas, o grupo identificará 4 (quatro) que melhor representam a interdependência entre os serviços de saneamento básico. Apresentação do trabalho dos grupos em sessão plenária: Após a apresentação dos grupos, a moderação do curso deverá sintetizar os resultados, propondo uma reflexão sobre a forma como as situações de precariedade elencadas retratam os problemas mais recorrentes quanto à qualidade dos serviços de saneamento nas cidades brasileiras. Como referência, sugerimos algumas situações de precariedade trabalhadas no “Guia prático mecanismos de exigibilidade do direito ao saneamento”, publicado pela Fase (SANTOS; MELO; RODRIGUES, 2009). • Falta d’água por abastecimento irregular – reclamações de moradores que recebem água apenas à noite ou em alguns dias da semana, existência de vários recipientes para armazenar a água que chega com irregularidade, uso comum de aquisição de água por caminhão-pipa. • Áreas da cidade conhecidas – seja por divulgação da mídia ou por informação disseminada pelos profissionais da área de saúde – com maior incidência de dengue, diarreias em crianças e outras doenças causadas pela falta de potabilidade da água para consumo ou pela proliferação de vetores, decorrente da disposição inadequada do lixo (cólera, amebíase, hepatite e leptospirose, entre outras doenças relacionadas à ausência ou à precariedade dos serviços de saneamento). • Áreas que sugerem a existência de ligações clandestinas (tubos aparentes interligados à rede oficial, vazamentos de água não episódicos etc.). • Uso de poços rasos em áreas urbanas, sem controle da qualidade da água e áreas em que coexistem poços e fossas no mesmo terreno. • Lançamento de esgoto in natura (valas negras, diretamente no solo ou valas nas ruas não pavimentadas), cursos d’água que recebem esgoto sem tratamento, bueiros entupidos, fossas entupidas por falta de adequada operação e manutenção, fossas cheias em áreas adensadas, bueiros com mau cheiro decorrente do lançamento de esgoto nas galerias de águas pluviais, e refluxo de esgoto para dentro das casas nas épocas de chuvas. • Lixo acumulado nos logradouros e em terrenos desocupados, caçambas estacionárias sempre cheias, rios e córregos com lixo, pontos clandestinos e irregulares de disposição de entulhos (“bota-fora”, beiras de avenidas, terrenos baldios etc.). • Principais áreas com alagamentos e/ou desmoronamentos, bueiros e galerias entupidas por falta de manutenção, cidades com alto índice de impermeabilização e pequena área verde.

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2. Saneamento e moradia: a inadequação habitacional como interface das políticas A Constituição de 1988 representa um marco no processo de redemocratização da sociedade brasileira. Nela, vigora o princípio de que a nossa democracia abrange mecanismos de representação política por meio do voto direto, mecanismos de participação direta (plebiscito, referendo e lei de iniciativa popular) e mecanismos de participação semidireta (participação de organizações representativas da sociedade na gestão das políticas públicas). Ou seja, além dos mecanismos democráticos de escolha dos representantes e dos mecanismos diretos de participação, a Constituição e as leis que regulamentam os direitos sociais instituíram os Conselhos de Políticas Públicas, como formas de participação permanente da sociedade na gestão dessas políticas. O entendimento da Constituição sobre os direitos sociais e o planejamento participativo como mecanismo mais eficaz para reverter as desigualdades e garantir a justiça social, ganhou, com as leis regulamentadoras dos direitos sociais, maior concretude11. As leis que instituíram, em âmbito federal, o SUS (Lei nº 8.080/1990), o Sistema Único de Assistência Social (SUAS – Lei nº 8.742/1993), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/1990) e a Lei Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) preconizaram a criação de sistemas nacionais, conforme o princípio da descentralização das políticas públicas e de forma a articular as esferas municipal, estadual e federal. Esses sistemas nacionais têm três dimensões básicas, segundo as quais o repasse de recursos federais para as esferas subnacionais está vinculado ao cumprimento das seguintes exigências: a) criação de conselho setorial para garantir a participação dos segmentos sociais na elaboração e na implementação da política pública específica; b) existência de um fundo com recursos para implementar essa política; e c) elaboração de um plano para orientar a aplicação de recursos. No plano da política urbana, apenas recentemente foi aprovada a legislação que fornece suporte à criação do Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano (SNDU), que busca articular as políticas de moradia, saneamento e mobilidade. O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257) é de 2001, a lei que cria o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS – Lei nº 11.124) é de 2005, e também integra esse arcabouço a Lei Nacional do Saneamento Básico (LNSB – Lei nº 11.445), de 2007. O prazo para a elaboração dos Planos Locais de Habitação de Interesse Social (PLHIS) se encerrou em 2012, e para os Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB) a data-limite é o ano de 2014. Tanto a habitação quanto o saneamento constituem direitos básicos da cidadania, e são estruturantes em um projeto de desenvolvimento do território. Isso ocorre porque o acesso à moradia e aos serviços de saneamento básico condiciona, em larga medida, o acesso aos demais direitos, como a saúde, a educação, o emprego e o lazer, enfim, o direito à cidade. Porém, vale destacar que entre os principais antecedentes que prepararam o terreno para esse novo modelo de gestão urbana, a organização popular foi um fator determinante dos avanços obtidos no processo constituinte e na regulamentação do capítulo que trata da política urbana na Constituição de 198812, consolidada no Estatuto da Cidade. São vitórias que conferiram aos municípios um papel central na política urbana, e estruturaram a agenda da habitação de interesse social como um dos seus pilares. Com a vitória, no plano federal, do Partido dos Trabalhadores em 2002, ancorada no ideário da reforma urbana, a política habitacional passou a ser orientada por outro projeto político: a integração das políticas públicas que incidem sobre o território, como estratégia de uma intervenção sustentada. No plano da política, a participação social é entendida e praticada como estratégia de sustentação dessa nova política pública, uma vez que possibilita a formação de uma coalizão composta necessariamente por agentes anteriormente excluídos e que passam a dar suporte e legitimidade à sua implementação. A questão habitacional reflete as desigualdades sociais e a concentração de renda características da sociedade brasileira, que se manifestam concretamente nos espaços segregados das nossas cidades. Olhando a partir desse ponto, o problema habitacional não se restringe à construção de novas moradias. Para promover a moradia digna como vetor de inclusão social e garantia da função social da propriedade urbana, são fundamentais considerar aspectos relacionados à localização e ao acesso à cidade.

Assim, tão importante quanto a oferta de unidades habitacionais, o acesso à terra urbanizada com infraestrutura adequada de saneamento básico, com condições de acesso à malha de transporte público e com equipamentos sociais de educação, saúde, lazer e cultura, são os meios pelos quais se promove a integração dos segmentos de baixa renda à cidade.

Baseado no texto elaborado para o marco conceitual da área de desenvolvimento urbano da Fundação Vale (CORDEIRO; SANTOS, 2012). Capítulo II do Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira): artigos 182 e 183.

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Dentro dessa perspectiva, programas habitacionais que colocam os mais pobres para morar em áreas distantes do centro urbano, sem acesso a serviços públicos e a equipamentos coletivos, reproduzem as desigualdades sociais e agravam a segregação territorial nas cidades. A estratégia deve, portanto, equacionar o problema habitacional por meio da oferta de habitação de interesse social em áreas consolidadas da cidade, buscando inclusive integrar diferentes segmentos sociais no espaço urbano. Onde e quando essa estratégia não for factível, esgotados os recursos disponibilizados pelos instrumentos do Estatuto da Cidade para facilitar o acesso à terra urbanizada e combater a especulação imobiliária, a provisão de empreendimentos habitacionais de interesse social deverá garantir, à população que venha a morar nesses lugares, a extensão dos serviços públicos, sobretudo os de saneamento, e dos equipamentos sociais. Um aspecto importante que realiza a conexão entre a política urbana e os serviços de saneamento básico é o entendimento das diferentes formas de materialização das necessidades habitacionais no território, sendo a inadequação da infraestrutura de saneamento básico13 uma das mais perversas dessas formas, porque associa a elas outras iniquidades como: a baixa renda familiar, o adensamento excessivo14, as condições insalubres e de insegurança das moradias, situadas geralmente em áreas de risco, como morros e alagadiços, sujeitas a desmoronamentos, deslizamentos e inundações.

Dinâmica 2: Por que o lugar onde se mora condiciona o acesso ao saneamento e o direito à cidade Objetivos: yy Delimitar no mapa as principais áreas habitadas pela população de baixa renda. yy Confrontar a existência da infraestrutura de saneamento e os principais problemas vivenciados pela população (resultados da Dinâmica 1) com a delimitação das áreas habitadas predominantemente pela população de baixa renda. yy Refletir sobre a lógica de ocupação do território e de que forma a inexistência do saneamento ou a má qualidade dos serviços prestados agravam a segregação territorial e a exclusão social. Material de apoio: Mapas e painéis trabalhados pelos grupos na Dinâmica 1. Pincéis atômicos nas cores preta, vermelha e azul. Orientações para organizar e apoiar os grupos na condução da dinâmica: A partir do mapa produzido na Dinâmica 1, os grupos serão convidados a delimitar as áreas centrais, os vazios urbanos e as áreas ocupadas predominantemente pela população de baixa renda. Para a delimitação das áreas15, cada grupo adotará a seguinte legenda: yy Pincel atômico preto: áreas centrais yy Pincel atômico vermelho: vazios urbanos yy Pincel atômico azul: áreas ocupadas pela população de baixa renda

Segundo o IBGE, o Censo de 2010 considera o domicílio Inadequado quando todas as formas de saneamento são consideradas inadequadas. Por todas as formas de saneamento entende-se: domicílio com rede geral de água, esgotamento sanitário por rede geral ou fossa séptica e lixo coletado diretamente ou indiretamente. Esta definição é ainda mais avançada do que a adotada pela Fundação João Pinheiro, segundo a qual: domicílios com carência de infraestrutura implica em falta pelo menos um dos seguintes serviços: abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo e energia elétrica. 14 Adensamento (ou densidade) excessivo: domicílio com mais de 3 (três) moradores por dormitório. 15 Vazios urbanos, decorrentes da lógica predominante de expansão horizontal e da especulação imobiliária, por meio das quais, na ausência de um processo articulado de regulação urbana, são aprovados loteamentos em locais que dificultam a locomoção urbana e tornam subutilizada a infraestrutura construída nessas áreas. Infraestrutura urbana (saneamento, ruas pavimentadas, praças, equipamentos sociais, transporte coletivo) em áreas centrais que estejam sofrendo processo de esvaziamento. Habitação de interesse social (bairros populares), localizada na periferia da cidade e em áreas de risco (encostas, áreas alagáveis, áreas de proteção de mananciais etc.). 13

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Após delimitar essas áreas, os grupos serão incentivados a realizar uma leitura do território sob o ponto de vista da lógica de ocupação da cidade, com base no mapa complementado nesta dinâmica e no painel das situações de precariedade dos serviços de saneamento básico (Dinâmica 1). Sugerimos as seguintes questões para reflexão: yy Qual é a relação entre existência de infraestrutura de saneamento básico e as áreas ocupadas pela população de baixa renda? yy Que tipo de uso do solo predomina nas áreas onde foi identificada maior concentração da infraestrutura de saneamento? yy Que tipo de análise é possível de ser feita sobre os vazios urbanos identificados? São áreas infraestruturadas com saneamento? O grupo tem informação sobre os tipos de usos previstos para essas áreas? Qual é o estado de conservação desses terrenos? yy Dos principais problemas elencados na Dinâmica 1 quanto à precariedade dos serviços de saneamento prestados à população, o grupo é capaz de perceber se a incidência desses problemas ocorre de forma mais aguda em algumas áreas da cidade? Quais são essas áreas? E quem mora nelas? Para sistematizar a reflexão e registrar a leitura que foi realizada do território, recomendamos que o relator do grupo elabore um pequeno texto para subsidiar a apresentação na sessão plenária.

Apresentação em sessão plenária do trabalho dos grupos: Após a apresentação dos grupos, a moderação do curso buscará estimular a turma a refletir, agora de uma forma mais próxima da realidade dos seus municípios, sobre de que maneira a existência ou não dos serviços e a localização das situações de precariedade na prestação revelam as desigualdades sociais e explicam os processos de segregação territorial e o quadro de vulnerabilidade ambiental e de saúde pública, que ameaçam o exercício do direito ao saneamento. Nessa reflexão, a turma será incentivada a pensar sobre:

• O quanto a compreensão que se tem dos serviços de saneamento básico, em seu sentido amplo, como ação de saúde pública, de acesso à moradia digna e do direito à cidade, auxilia no processo de organização comunitária para que se possa, por um lado, exigir do poder público serviços de qualidade e, por outro, exercer o papel de morador responsável e com deveres (não desperdiçar água, acondicionar o lixo corretamente, ajudar a manter limpos córregos e rios, usar corretamente, quando existirem, as redes de esgotos e de drenagem, ajudar na preservação das áreas verdes particulares e públicas, entre outras medidas). • O entendimento de que a interdependência dos quatro serviços de saneamento pode impactar positiva ou negativamente as condições de saúde da população e de equilíbrio do meio ambiente como, por exemplo, nas seguintes situações: o lixo lançado nos córregos, que obstrui o funcionamento das redes de drenagem e em decorrência disso ajuda a causar inundações e desabamentos; o lançamento de esgoto na rede de águas pluviais, que também ajuda a poluir ainda mais os cursos d’água, além de onerar o processo de tratamento quando existe estação de tratamento de esgotos sanitários (ETE) na cidade; a coexistência de poços rasos e fossas em um mesmo terreno que, na maioria das vezes, implica contaminação do solo, comprometendo a qualidade da água que é utilizada pelos moradores para diversas finalidades, inclusive para o consumo humano; entre outras conexões que, se não houver uma gestão de serviços que considere a integralidade do que foi implantado para o bem-estar das pessoas, passam a ser vetores de doença e de degradação ambiental. • A percepção de que a falta de integralidade dos serviços de saneamento causa impactos negativos para os moradores; como exemplo, lembramos a excessiva impermeabilização do solo em vias e espaços públicos, nos terrenos particulares que dispensaram os quintais e áreas verdes; com isso, a água da chuva não se infiltra no solo como deveria, o que provoca o aumento da sua velocidade de escoamento e faz com que ela arraste tudo o que encontra pela frente, de casas e até pessoas.

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• A lógica da política habitacional que, sem qualquer vinculação com a política de ordenamento territorial e fundiária, fornece terrenos urbanizados e bem localizados para empreendimentos e grandes negócios, fazendo com que a habitação de interesse social seja frequentemente oferecida nas periferias da cidade, em áreas distantes dos núcleos centrais; nessas áreas, os menos favorecidos convivem com a precariedade do transporte e da mobilidade, sem acesso ao comércio e a equipamentos sociais, além da inexistência ou precariedade da infraestrutura e dos serviços de saneamento básico (problemas com a regularidade do abastecimento, a falta de potabilidade da água para o consumo, a coleta e disposição inadequadas dos resíduos sólidos, e ainda a inexistência do direito a áreas verdes e a cursos d’água protegidos). • Do ponto de vista da relação do saneamento com a saúde, é preciso observar que o abastecimento irregular de água em áreas habitadas por pessoas desfavorecidas leva ao seu armazenamento indevido em recipientes, que facilmente se tornam depositários do mosquito aedes aegypti, assim como o acúmulo de lixo e a limpeza pública malfeita provocam o aumento dos focos do mosquito e o aumento da incidência de dengue na população. Devemos mencionar também os problemas causados pelo esgoto não coletado e não tratado, que causa doenças e contamina o solo, os mananciais que abastecem a população e os cursos d’água que cortam os municípios; a falta de acesso à moradia nas áreas centrais e urbanizadas para a população de baixa renda, o que agrava ainda mais a situação de exclusão dos desfavorecidos da cidade, na medida em que eles acabam morando sem as condições adequadas de saneamento e, em decorrência da distância dos centros urbanos, correm o risco de perderem oportunidades de emprego e também para usar os espaços públicos (parques, espaços culturais, comércio, entre outros), não dispondo de transporte público e de equipamentos sociais perto do local de moradia, como escolas, unidades de saúde, creches e praças, entre outros); a inexistência ou insuficiência de uma política habitacional de interesse social, que leva as pessoas desfavorecidas a morarem em áreas de proteção de mananciais ou vulneráveis do ponto de vista ambiental, como morros e alagadiços; a incidência da precariedade dos serviços de saneamento no sistema de saúde pública, amplamente conhecida, tanto do ponto de vista dos custos (cada R$ 1,00 investido em saneamento corresponde a R$ 4,00 economizados no sistema de saúde); além da sobrecarga que se impõe sobretudo às mulheres dessas famílias que, ao chegarem em casa, têm de cumprir um sobretrabalho nas tarefas domésticas com os esforços extras que devem ter com a água e com o lixo não recolhido com regularidade, o cuidado com as crianças em áreas tomadas por valas negras, a insegurança com desmoronamentos e alagamentos, entre outros dissabores. • Particularmente sobre o impacto do saneamento na vida dessas pessoas, os participantes podem ser levados a refletir sobre de que forma a periferização da cidade se constitui como fator de reprodução da pobreza, na medida em que as condições precárias de moradia fazem com que os desfavorecidos sejam excluídos também das oportunidades de emprego, da educação de qualidade, da assistência integral à saúde, do lazer e do convívio social em um espaço ambientalmente saudável.

Para auxiliar nessa reflexão, apresentamos nos boxes16 a seguir o que significa cada um dos aspectos a serem observados, para se produzir ou reivindicar habitação de interesse social em terrenos bem localizados.

Por que é importante oferecer moradia adequada em áreas consolidadas e bem localizadas? • Para garantir uma cidade bem equilibrada (moradia e emprego). • Para garantir o aproveitamento e a otimização da infraestrutura existente. • Para estimular a diversidade de ocupação e a complementaridade de usos e funções.

Extraídos da cartilha do Ministério das Cidades sobre o PMCMV/Implementação dos Instrumentos do Estatuto da Cidade (ROLNIK, 2010).

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• • • • •

Para suprir a demanda habitacional, observando princípios democráticos e redistributivos. Para garantir localização adequada para todas as classes sociais, principalmente para a população de baixa renda. Para minimizar as necessidades de deslocamento. Para reduzir os impactos ambientais decorrentes do processo de espraiamento urbano. Para contribuir para o cumprimento da função social da propriedade.

Por que devemos combater o esvaziamento das áreas centrais? • • • • • • •

Para otimizar a infraestrutura que já está implantada. Para utilizar todo o potencial dos equipamentos já instalados, como escolas, hospitais, equipamentos de lazer etc. Para garantir terrenos bem localizados para a população de baixa renda que não tem acesso à cidade formal. Para distribuir melhor as atividades da cidade, aproximando as moradias aos locais de trabalho. Para reduzir a pressão de ocupação e adensamento sobre áreas periféricas e de preservação. Para dinamizar esses locais da cidade, em diversos períodos do dia e épocas do ano. Para manter e promover a diversidade de funções e a presença de pessoas de diversos estratos sociais.

3. O saneamento como ação de saúde pública: uma construção histórica e social O objetivo desta seção consiste em compartilhar uma breve abordagem sobre como, historicamente, a área da saúde ajudou a formar a percepção e a relevância do saneamento para a vida das pessoas nas cidades. Pode-se afirmar que o processo de constituição de uma determinada identidade sanitária nacional inscreve-se na evolução histórica do nosso país17. A criação e a consolidação das ações coletivas de saneamento e de saúde pública foram capitaneadas por parte das elites políticas e intelectuais do país, em particular na primeira metade do século XX. As práticas sanitárias exercidas por diferentes etnias (indígena, branca e negra), no contexto do povoamento e da exploração colonial, compõem o mosaico explicativo da origem das ações coletivas de saneamento no Brasil nesse período. As contribuições da cultura indígena, sempre guiada por um forte senso de preservação do ambiente e da saúde, o que se reflete em banhos diários e na utilização de fontes de água pura, contrastavam com as práticas dos jesuítas e com os hábitos europeus em geral.

O excesso de roupa utilizada pelos europeus nos trópicos era um fator agravante para as doenças pulmonares e de pele, que se alastravam entre os indígenas causando um verdadeiro massacre, visto que estes não possuíam imunidade e resistência às mazelas trazidas de fora. Soma-se a esse quadro, a imundície das vias públicas das cidades brasileiras daquele período que, além de favorecer a proliferação de doenças, também causava constrangimentos aos transeuntes. A expressão “água vai” – tão conhecida nas áreas urbanas ocupadas pelas camadas populares no Rio de Janeiro – era proferida antes do lançamento das águas servidas para fora dos domicílios, e expressava o descaso da população e do poder público com as questões coletivas de higiene. Aos escravos, era conferida a responsabilidade quanto ao saneamento domiciliar dos habitantes da cidade. Nas casas grandes, sobrados e vivendas, erguidos sob a égide da diversificação econômica e do tímido crescimento urbano do período colonial, os escravos rotulados “negros de ganho” transportavam água (os aguadeiros), e os negros que transportavam os dejetos domésticos eram chamados de “tigres”, por causa das manchas acobreadas deixadas em seus corpos e vestes pelas fezes (NUCASE, 2008).

Texto elaborado com base no Capítulo 1 do “Guia do profissional em treinamento” (NUCASE, 2008).

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Unidade I: Integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas públicas

Uma das primeiras intervenções que conferiu dimensão pública às ações de saneamento realizadas nas cidades foi a construção de aquedutos e chafarizes. Esses locais passaram a constituir espaços públicos de convivência em torno do saneamento, o que requeria o compartilhamento de normas e valores adequados a um comportamento coletivo. Podemos afirmar que o saneamento, como fato coletivo, teve início em meados do século XIX. Várias ações foram desenvolvidas pelo governo imperial visando a higienizar a cidade do Rio de Janeiro.

A epidemia de cólera que varreu a capital do Império entre 1848 e 1851 fez com que anos depois (1853), o Estado abrisse concorrência para a concessão da exploração dos serviços de esgotamento, tendo como vencedora a Rio de Janeiro City Improvements Company, uma empresa privada de capital inglês. Essa companhia era paga pelo Estado por prédio esgotado, sendo remunerada pelos usuários somente fora do perímetro estipulado em contrato.

Os paradigmas da coletivização das ações de saneamento no Brasil, e a forma como essas ações se tornaram públicas, estão associados à ação do governo no início da República no Brasil. Com a abolição da escravatura, as cidades brasileiras deixaram de contar com seus agentes sanitários originais, o que obrigou as autoridades a atentarem para a importância do desenvolvimento tecnológico na viabilização de sistemas de abastecimento de água e de coleta de esgotos. Assim, a Proclamação da República mudou a posição do Estado diante da questão sanitária nacional. Um clima de acirramento de conflitos e de crise política, bem como a vulnerável situação econômica do país, colocavam em xeque a recém-instalada República, que fora proclamada sem participação popular. À revelia da sociedade, os novos dirigentes falavam em elevar o Brasil à condição de potência internacional. No rol das medidas tomadas nessa direção, os primeiros governos republicanos procuraram tornar realmente obrigatórias as leis que exigiam a vacinação das crianças e criaram serviços de limpeza pública, por meio da instalação de redes de esgoto e de canalização da água usada pela população.

“A capital arcaica, com suas ruelas fétidas, becos escuros e pântanos insalubres, era uma cidade maldita [...] Bem mais veloz que o coração dos mortais, a cidade do Rio de Janeiro mudava seus sinais com o início do século XX [...] nascia o Rio chique, uma imagem adequada do progresso [...]. À sombra da modernidade, agravavam-se as condições de vida da população trabalhadora. As habitações escasseavam; nas casas de cômodos, viviam entulhadas centenas de pessoas. Nos morros, as favelas expandiam-se. Os salários eram miseráveis e o desemprego alcançava índices absurdos” 18.

O governo delegou ao higienista Osvaldo Cruz (1872-1917) a tarefa de recuperar a saúde pública do Rio de Janeiro e, posteriormente, de algumas regiões da Amazônia. Em pouco tempo, ele se tornou conhecido em todo o país, por sua postura aguerrida contra os agentes transmissores da febre amarela e da peste bubônica, doenças que se proliferavam nas cidades brasileiras nos primeiros anos do século XX. Nas áreas rurais, reinava a tríade epidemiológica: ancilostomíase, tripanossomíase e esquistossomose. As campanhas sanitárias permitiram que Osvaldo Cruz tivesse grande ascendência sobre as políticas sanitárias implantadas no Brasil, isso porque os instrumentos normativos e técnicos por ele utilizados correspondiam aos interesses dominantes do início do século. A legislação de 1920, que criou o Departamento Nacional de Saúde (DNS), informava sobre a natureza da ação estatal, que manteve notável coerência com a expansão da capacidade produtiva e com a remoção de todos os obstáculos à expansão das fronteiras do capitalismo nacional. Assim, a organização da saúde pública no Brasil foi uma resposta das classes dirigentes nacionais às inúmeras epidemias que tolheriam o desenvolvimento das relações econômicas no país. No entanto, por seu caráter autoritário e sem conteúdo social, acabou por motivar a resistência popular às próprias ações de saúde pública. ARQUIVO NACIONAL, 1988.

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O episódio conhecido como a Revolta da Vacina (1904) representou uma das mais importantes manifestações populares ocorridas no Brasil. Os revoltosos lutavam contra o autoritarismo da polícia sanitária e a obrigatoriedade da vacina antivariólica.

Apesar de ter sido contida, essa revolta mostrou a força popular contra as autoridades sanitárias, e por isso a obrigatoriedade da vacina foi revogada ainda em 1904, apenas alguns meses depois de ter sido instituída. Naquele contexto de insatisfação social, de inquietação ideológica e cultural, surgiu no universo intelectual médico-sanitário um sentimento nacionalista, em sintonia com o movimento das classes médias urbanas. No campo do saneamento, sua principal expressão foi a Liga Pró-Saneamento do Brasil, criada em 1918 na cidade do Rio de Janeiro, com o objetivo de refutar as teses do pensamento colonialista, ancoradas na inviabilidade da civilização nos trópicos. Uma das realizações da Liga foi trazer para o interior do aparelho estatal toda uma geração de jovens sanitaristas, até então mais ou menos à margem do processo decisório relativo à questão sanitária brasileira. Além disso, os ideais da Liga também eram relacionados à valorização da vocação agrícola do país. Esse movimento defendia as ações promotoras do desenvolvimento regional, que trariam efeitos benéficos para a saúde da população dos sertões e produziria mão de obra local para as principais atividades econômicas. Devemos destacar que, nesse período, os técnicos norteamericanos da Fundação Rockfeller, instituição filantrópica voltada para o controle das endemias rurais, eram parceiros dos sanitaristas brasileiros no controle dessas endemias e ajudaram a orientar as ações empreendidas nas áreas de maior interesse econômico, como no Vale do Rio Doce e na Amazônia. Apesar de toda essa movimentação, a questão social permanecia ausente da pauta sanitária. Apenas durante o I Congresso Brasileiro de Higiene, em 1923, esteve presente a temática que vinculava urbanização e saneamento19. Posteriormente se instaurou no universo acadêmico e, por extensão, no aparelho estatal, a plena hegemonia do modelo de saúde pública definido como controle de epidemias e como generalização de medidas de imunização. A Revolução de 1930 inaugurou um período de ação do Estado, de natureza notadamente contraditória. Os acontecimentos que a precederam tiveram origem em uma inevitável crise do sistema oligárquico que ocupava o agitado quadro político e social da década de 1920. O avanço da urbanização, acompanhado do surgimento de novos setores sociais médios, do operariado e de uma enorme quantidade de desempregados e semiempregados, impôs mudanças, mas também permanências. De fato, o movimento de 1930 viabilizaria um processo de modernização do Estado, que poderia ingressar em outra fase do desenvolvimento capitalista do país. Contudo, isso não chegou a representar uma mudança profunda na sociedade brasileira, pois velhos compromissos estavam também presentes no renovado pacto: “mudar, conservando” era o lema. Podemos dizer que a explicação unicausal das doenças, o domínio da geologia como fator determinante do processo saúdedoença, as mudanças políticas e econômicas que ocorreram no país a partir de 1930 com o advento da industrialização, aliadas ao surgimento de uma classe trabalhadora urbana e à exigência de leis que regulassem essa nova relação entre capital e trabalho, configuraram uma renovada função estatal no campo da saúde. Das ações relacionadas ao saneamento ou à higiene, a área da saúde passou a privilegiar as ações que priorizassem a previdência, a proteção e a seguridade social. Com isso, as ações sobre o meio foram substituídas pelas ações sobre o indivíduo – foi a grande mudança do paradigma na política de saúde no Brasil. Em sintonia com essa tendência, o setor de saneamento viu-se gradativamente perdendo os laços que o aproximavam da saúde pública, ainda que algumas instituições, a exemplo da Fundação SESP, devido à sua gênese, ainda guardassem vinculações com a ótica da saúde20. Criado durante a Segunda Guerra Mundial, mediante convênio entre o Ministério da Saúde e o governo norteamericano, o então Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) tinha como objetivo original dar suporte médico à mobilização dos trabalhadores enviados à Amazônia e ao Vale do Rio Doce para extração de borracha, mica e minério de ferro. Com o fim do conflito e a retirada dos EUA da parceria, o SESP passou a prestar assistência médica e sanitária a populações e a cidades onde antes atuava por meio de convênios com as autarquias municipais de água e esgotos.

COSTA, 1986. REZENDE, 2002.

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No período de 1930 a 1950, ampliou-se a distância entre a visão de saúde pública preventiva e a assistência médico-hospitalar, associada aos institutos de previdência e aos hospitais corporativos característicos da Era Vargas. No entanto, a reforma do Ministério de Educação e Saúde Pública, proposta pelo ministro Gustavo Capanema (1900-1985) em 1935 e que se manteve até 1953, instituía 12 serviços nacionais centralizados, cada um deles voltado para uma endemia específica, entre os quais destacava-se o Serviço Nacional de Águas e Esgotos, que traduzia a proximidade do tema do saneamento com a saúde pública21. No início dos anos 1960, o saneamento foi retirado do campo da saúde e inscrito na, então prioritária, temática dos equipamentos urbanos. Naquele período, a questão urbana começou a ganhar contornos próprios, associada ao nacional-desenvolvimentismo. A construção do país passou a ser referenciada pelo eixo econômico, e a cidade passou a ser vista como um desafio para a política de desenvolvimento. O período que se seguiu foi marcado por um padrão de investimentos financiados por empréstimos internacionais e pela prestação dos serviços submetida à realidade tarifária. A discriminação da população de baixa renda era estrutural para o modelo desenhado na segunda metade dos anos de 1960, sob a égide do Plano Nacional de Saneamento (o Planasa), criado informalmente em 1968 e institucionalizado em 1969, por meio do Decreto nº 949. Assim, as mudanças históricas reconhecidas na trajetória do saneamento, no período entre o final do século XVIII e o início da segunda metade do século XX, refletem-se nos saberes e nas formas de intervenção no território. A teoria miasmática, referência teórica no século XVIII na área da saúde, atribuía às forças do mundo natural o foco da doença, que era explicada pela decomposição do solo, da água in natura e do ar. A forma de combate seria, portanto, de natureza física, mediante intervenções que propiciassem a circulação do ar e a penetração da luz do sol. No século XIX, sob a égide do saber tecnicista, a explicação da doença ganhou uma conotação social: o foco de todas as doenças encontrava-se nos corpos das pessoas desfavorecidas e nas habitações precárias. A forma de combate a elas associava a ideia de sanear à de separar, segregar. Tratava-se de uma intervenção centralizadora e tecnocrática, que não alcançava as relações sociais do tecido urbano em formação. No início do século XX, a medicina social inaugurou novos saberes sobre a saúde. O foco da doença estava agora no espaço urbano. O higienismo levado a cabo pela polícia médica, grandes obras hidráulicas, o desmonte de morros e gigantescos aterramentos caracterizavam a forma de intervenção do Estado naquele período, capitaneado na cidade do Rio de Janeiro por Osvaldo Cruz e Francisco Pereira Passos (1836-1913, conhecido como prefeito Pereira Passos). Naquela época, a saúde passou a ser tratada como uma questão não apenas da alçada dos médicos, mas também dos engenheiros. Entretanto, os métodos de abordagem, esvaziados de conteúdos políticos e de conscientização, eram totalmente alinhados à posição hegemônica do período. As reações populares empreendidas ganharam a adesão de profissionais do setor, o que resultou nas revoltas e nos tumultos que culminaram, em 1904, com a Revolta da Vacina, mencionada anteriormente. Iniciava-se, a partir daquele momento, a inserção dessa temática no pensamento crítico. Na segunda metade do século XX, sob a liderança do movimento da Reforma Sanitária, construiu-se um novo paradigma, pautado na determinação social da doença. À luz das análises realizadas por vários autores sobre as conjunturas do sanitarismo desenvolvimentista (1955-1964) e a privatização do social no período da chamada modernização autoritária (1964-1974), entendemos a emergência, na cena política, do conceito e da prática da Reforma Sanitária. As origens do Movimento Sanitário no Brasil remontam aos primeiros anos da ditadura militar. Em resposta ao fechamento dos canais de expressão política, iniciou-se nas universidades e, particularmente, no interior dos departamentos de Medicina Preventiva, a difusão de perspectivas do pensamento crítico na área da saúde. A análise da relação entre saúde e doença, de orientação funcionalista, começou a ser substituída por uma abordagem de cunho histórico-estrutural, por meio de disciplinas sociais que buscavam compreender processos como a determinação social da doença e a organização da prática médica. No entanto, esse movimento não se restringiu ao meio acadêmico, apenas perseguindo a produção de um novo saber. Ao contrário, ele se caracterizou por aliar a produção científica à busca de novas práticas políticas e à difusão ideológica de uma nova consciência sanitária. Embora carecendo de apoio popular, o Movimento Sanitário não abriu mão de sua estratégia de ZVEIBIL, 2003.

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politização da questão da saúde e, ao mesmo tempo em que investia na organização de um bloco de forças oposicionistas em torno de um projeto reformista, ocupou cada vez mais os espaços políticos então disponíveis. Não devemos perder de vista que, no Brasil, a Reforma Sanitária inseriu-se no processo maior de redemocratização, na medida em que, ao propor o deslocamento efetivo do poder, procurava-se formular propostas contra-hegemônicas e organizar uma aliança política entre as forças sociais comprometidas com a transformação. Em que pesem as conquistas recentes do setor de saneamento básico com o advento de um marco jurídico-legal, em particular com a promulgação da Lei nº 11.445/2007, que incorporou alguns dos princípios da Reforma Sanitária consolidados principalmente no SUS, muitos desafios ainda estão colocados. Se a intersetorialidade é o principio orientador da integração do saneamento básico com as políticas públicas, que cria uma área de interseção de saberes, práticas, marcos normativos e recursos (tecnológicos, financeiros, políticos, materiais etc.), a integralidade é, para o saneamento, o principio que organiza a gestão dos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, resíduos sólidos, drenagem e manejo de águas pluviais urbanas. Dentro dessa perspectiva, avaliamos que, a despeito do rol de resistências e dos desafios, a efetiva implementação do arcabouço legal que atualmente regulamenta o setor de saneamento básico reforça as possibilidades de cooperação intergovernamental, de integração setorial e de fortalecimento do controle social. É sobre isso que vamos tratar na próxima unidade.

4. Gênero, raça e renda como as faces mais visíveis da pobreza: a mulher como síntese da desigualdade social Para estimular a reflexão sobre a relação do saneamento mais amplo com as questões que envolvem a política e os serviços de saneamento na prática, propomos que a moderação do curso promova um coffee break musical. Para isso, sugerimos a execução da canção “Lata d’água”. A letra da música pode ser distribuída para todos os participantes. As mulheres da turma podem, inclusive, fazer uma encenação durante o intervalo.

No ano de 1952, os compositores Luís Antônio e J. Júnior, na época capitães do Exército brasileiro, caminhavam diariamente por um morro da cidade do Rio de Janeiro e presenciavam a rotina do abastecimento de água de seus moradores em uma bica que lá existia. Da visão de uma mulher equilibrando uma lata na cabeça, enquanto levava uma criança, teria surgido a inspiração para a composição de “Lata d’água”, samba de sucesso entoada pela cantora Marlene.

A música e a encenação, juntamente com a moderação, podem incentivar a turma a refletir sobre o tema: • De que formas a ausência e/ou a precariedade dos serviços de saneamento influencia(m) o modo de vida das pessoas, sobretudo das mulheres pobres? • Essa ainda é uma música atual? Para motivar a reflexão, compartilhamos algumas ideias sobre o conceito de gênero que, em geral, é utilizado para fundamentar o debate sobre o papel da mulher. Trabalhamos aqui com a ideia de gênero como uma dimensão que confere visibilidade ao quadro de desigualdade social. O tripé do desenvolvimento sustentável (social, ambiental e econômico) coloca no centro da agenda a necessidade de reformulação da relação do poder público com os demais agentes sociais do território, que buscam interferir na construção da cidade que queremos. A ruptura com o modelo liberal, ancorado em um tipo de globalização socialmente excludente, desigual para mulheres e homens, e competitivo em relação aos recursos naturais, na atualidade significa, necessariamente, redistribuir a renda e o poder nas cidades, introduzindo novas formas de participação social nos processos de tomada de decisões, e incorporando a perspectiva de gênero às políticas públicas.

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Unidade I: Integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas públicas

Considerando a divisão sexual do trabalho, o papel social da mulher é, muitas vezes, reduzido à sua tarefa histórica de cuidar da família e de tudo o que diz respeito a essa instituição. Com isso, ao tratar das famílias, as mulheres se fazem presentes em vários espaços da comunidade e do poder público. Por estarem permanentemente relacionadas ao suprimento das necessidades básicas (educação, saúde, habitação, saneamento, alimentação etc.), explica-se a alta frequência das mulheres em reuniões e atividades que tratam dos problemas relacionados às necessidades práticas, bem como nos canais abertos por uma gestão democrática. Historicamente, a participação das mulheres na esfera comunitária, como usuárias finais dos serviços públicos, identifica o papel feminino, em princípio, com a esfera doméstica. A grande maioria dos serviços públicos produz impactos significativos no cotidiano das mulheres: água encanada com regularidade no abastecimento e de qualidade adequada ao consumo humano, lixo e esgoto coletados e manejados adequadamente, moradia em condições de habitabilidade, acesso a terra urbanizada e segura, entre outros, como saúde e educação. Sendo assim, quando esses serviços são precários, as mulheres entram em cena para garantir o bem-estar coletivo, aumentando com isso o peso da sua jornada de trabalho na esfera da reprodução. Tendo em vista que as mulheres desempenham papéis que seriam de responsabilidade primeira do poder estatal, é urgente a sua participação mais ativa no processo de tomada de decisões na esfera pública.

Dessa forma, além das necessidades de gênero, que remetem à posição social ocupada pela mulher na família e na comunidade, existem também os interesses estratégicos de gênero, que impõem a transformação das relações de poder em todas as esferas da sociedade, de forma a retirar a mulher de uma posição histórica de desigualdade, subordinação e exclusão. Portanto, ao se tratar de gênero, o que está em análise são as relações sociais, históricas e culturais que produzem posições diferenciadas para homens e mulheres. Sendo assim, se essa é uma das formas pela qual a sociedade se organiza, pensar o desenvolvimento urbano sem considerar a categoria gênero não resultará em inclusão com cidadania. Por isso, investir na alocação dos recursos para a formação das mulheres como agentes da mudança (no sentido do conceito de agency), coloca-se com uma estratégia estruturante para a consolidação de um outro padrão de desenvolvimento no território. Portanto, mais do que compreender os múltiplos significados atribuídos ao termo e às diferentes formas de sua apropriação pelas políticas públicas, importa assinalar que este é um termo para a ação política. A sua utilização evidencia um repertório de demandas, ora permeado pelo ideário do movimento feminista, ora pelos interesses específicos de grupos de pressão que se articulam na esfera pública. Colocados os contornos conceituais que delimitam o tema e, sobretudo, sendo este um termo para a ação política, interessa saber de que forma ocorre a institucionalização dessa problemática, ou a sua incorporação ao campo das preocupações da ação governamental e dos movimentos sociais, ou seja: de que forma a questão de gênero ascende à agenda pública? Essa é uma boa questão para o grupo refletir e compartilhar com a turma.

Dinâmica 3: A mulher como agente da relação entre saneamento e direito à cidade Objetivos: • Refletir de que forma a precariedade dos serviços de saneamento sobrecarrega principalmente as mulheres, em geral chefes de família de baixa renda. • Propor estratégias de fortalecimento do papel da mulher nas esferas de tomada de decisões sobre os investimentos e as medidas de melhoria da qualidade dos serviços.

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Material de apoio: • Resumo de dados e informações do Censo 2010. • Papel para colar tarjetas, pincéis atômicos e fita adesiva.

Orientações para organizar e apoiar os grupos na condução da dinâmica: Recomendamos que os grupos de trabalho sejam mistos, ou seja, que sejam compostos por homens e mulheres. Assim, poderiam ser mantidos os grupos organizados por município, uma vez que uma das questões a serem trabalhadas está relacionada com a proposição de medidas de inclusão da dimensão de gênero. A ausência de saneamento contribui para agravar a situação de vulnerabilidade social em que muitas mulheres se encontram, principalmente aquelas que moram na periferia dos centros urbanos, nas comunidades rurais ou nos assentamentos precários. Extraímos do Censo de 2010 alguns dados e informações que revelam a perversidade desse quadro, e que demonstram a relevância da questão de gênero para a temática do saneamento.

Informações com base no Censo 2010: • apenas 52,2% dos lares brasileiros são considerados adequados22; • isso significa que são inadequados 27 milhões de domicílios, nos qusis vivem quase 105 milhões de brasileiros; • enquanto, no total, há 52,5% de domicílios adequados, nas residências em que moram crianças de zero a 6 anos, essa parcela cai para menos de 30%; • aumentou o número de famílias que dividem suas moradias: passaram de 6,5 milhões (13,9% do total), em 2000, para 8,3 milhões (15,4%), em 2010; • os domicílios sem acesso a qualquer um dos serviços básicos (4,1% do total) e que, ainda, tinham muitos moradores (acima de dois por dormitório) somam 2,1% do total (1,2 milhão); • o número de mulheres chefes de família dobrou entre o Censo de 2000 e o de 2010, passando de 9,048 milhões para 18,617 milhões. O Censo de 2010 contabilizou 49,9 milhões de chefes de família no país; as mulheres são 37,3% desse total, enquanto que dez anos antes, eram 22,6%; • a renda do trabalho das mulheres, não apenas das chefes de família, representa 70,4% da renda do trabalho dos homens, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2011; • houve uma nova queda da taxa nacional de fecundidade, que chegou a 1,86 filho por mulher, a menor de toda a série do IBGE23; • apesar de 84,35% da população residirem nas áreas urbanas, quase 30 milhões de pessoas habitam no meio rural, distribuídas em pouco mais de 8 milhões de domicílios (IBGE, 2010); • as mulheres representam 43,98% da população rural, e são, em grande parte, negras ou pardas, e têm nível de escolaridade relativamente superior ao dos homens, mas, significativamente, mais baixos dos que o das mulheres urbanas; • em termos de chefia familiar feminina, segundo o IPEA (2009), entre 2001 e 2009, elas passaram de 27% para 35% nas famílias brasileiras; • nos assentamentos, as mudanças da forma de ingresso e de reconhecimento da titularidade feminina permitiram identificar 23,06% mulheres chefes de família, no total de beneficiários da reforma agrária em 2007 (BUTTO; HORA, 2008, p. 19-38).

Como vimos no início desta Unidade, segundo o IBGE, o status de moradia adequada se aplica quando o domicílio necessita ter abastecimento de água por rede geral, esgotamento sanitário por rede geral ou fossa séptica, coleta de lixo direta ou indireta e, no máximo, dois moradores por dormitório. 23 Como a taxa de fecundidade necessária à reposição da população é de 2,1 filhos por mulher, a taxa nacional constatada pelo Censo indica que, a partir de 2030, a população brasileira começará a diminuir. 22

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Unidade I: Integralidade dos serviços e intersetorialidade das políticas públicas

Com base nesses dados extraídos do Censo de 2010, os grupos são convidados a refletir sobre os impactos desse quadro no dia a dia das mulheres. Além disso, cada grupo deverá propor pelo menos duas medidas que podem ajudar a promover a participação ativa das mulheres no processo de planejamento e gestão dos serviços de saneamento básico em seu município. Em outras palavras, medidas que podem ser inseridas nos programas e projetos para incorporar a chamada perspectiva de gênero.

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Foto: © Prefeitura Municipal de Jacuí

Foto: © Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo / Wilson Magão e Raquel Toth

Foto: © Fundação Vale

Foto: © Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo / Wilson Magão e Raquel Toth

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Foto: © Fundação Vale

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Foto: © Fundação Vale

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Foto: © Fundação Vale


Unidade II

Política, marco legal e instrumentos de gestão dos serviços


Fotos: 漏 Instituto Tecnol贸gico da Vale/Pesquisa UrbisAmaz么nia


Unidade II: Política, marco legal e instrumentos de gestão dos serviços Como vimos até aqui, no campo da política urbana, a Constituição Federal, o Estatuto da Cidade e o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) instituíram uma nova ordem jurídico-urbanística no Brasil. Na área da saúde, a instituição de um sistema nacional (o SUS) foi a precursora de um modelo sustentado de política pública, além de inspirar outras áreas, como a do meio ambiente e a do gerenciamento de recursos hídricos. Na política de saneamento básico também ocorreram avanços nessa direção, ainda que mais tímidos e muito recentes. O atual arcabouço legal e a retomada dos investimentos criaram um ambiente de promissora estabilidade jurídica e institucional para o setor de saneamento básico no Brasil. Entretanto, esse novo ambiente impõe desafios ao conjunto de agentes públicos e sociais que, em diferentes posições no território, influenciam na gestão da política e dos serviços. Entre os principais desafios, destacamos a oportunidade de fazer com que o processo de elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) se torne uma agenda positiva para o município. A formulação do PMSB deve ser realizada por meio de uma metodologia de planejamento integrado e participativo, que ocasiona um processo de decisão tecnicamente fundamentado e politicamente sustentado. Assim, o PMSB pode alavancar no município uma dinâmica que, sem perder o foco na universalização do acesso aos serviços, mobilize recursos para o aperfeiçoamento da gestão pública sob as seguintes perspectivas: da articulação institucional (interna e em relação a outras esferas de governo), da integração setorial (do saneamento com as demais políticas públicas que são aplicadas na cidade), e da instituição dos instrumentos de regulação, de contratualização adequada da prestação dos serviços e do efetivo envolvimento da população local, por meio do fortalecimento das instâncias de participação popular e de controle social. A Lei nº 11.445/2007, que define a Política Federal e as diretrizes nacionais para o setor, estabelece que os serviços prestados à população devem ser necessariamente planejados, regulados, fiscalizados e submetidos ao controle social. A integralidade dos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, é um dos princípios estruturantes da política e da gestão integrada dos serviços de saneamento básico. A Lei nº 12.305/2010, que dispõe sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos, também proporciona outros avanços para o setor, como a inclusão social dos catadores de materiais recicláveis como agentes de serviços ambientais. Portanto, o alinhamento dos municípios das áreas de influência da Vale em relação aos requisitos das diretrizes nacionais de saneamento básico, busca não apenas habilitar esses municípios para o acesso aos recursos federais, mas, sobretudo, instituir nesses territórios uma dinâmica institucional que, por meio do fortalecimento da sociedade e da qualificação da gestão pública, modifique o modelo de desenvolvimento desigual e excludente.

1. Aspectos do marco regulatório nacional do saneamento básico e da política de investimentos do governo federal 24 Não pode mais ser colocada a história da ausência do marco regulatório como um dos percalços do desenvolvimento do setor saneamento no Brasil: essa etapa está superada. O ano de 2007 consolidou os esforços em conquistas importantes para o saneamento. A promulgação da Lei no 11.445/2007, o Decreto no 6.017/2007, que regulamenta a Lei no 11.107/2005, sobre Consórcios Públicos e Gestão Associada de Serviços Públicos e, mais recentemente, a Lei nº 12.305/2010, que estabelece a Política Nacional de Resíduos Sólidos conformam o novo arcabouço legal do setor. É nesse ambiente de promissora estabilidade institucional e jurídica que o governo federal tem proporcionado um expressivo incremento do volume de recursos comprometidos e desembolsados em saneamento, bem como um aumento na participação relativa dos compromissos no PIB nacional, sobretudo a partir de 2007, com a implantação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Apenas para termos uma ideia da magnitude desse crescimento, o volume de compromissos mais do que dobrou entre o quadriênio de 2003 a 2006 e o triênio de 2007 a 200925. O PAC 1 (2007-2010) previu inicialmente para o setor cerca de R$ 40 bilhões, sendo R$ 12 bilhões de recursos orçamentários (66% por intermédio do Ministério das Cidades e 33% pela Fundação Nacional A abordagem sobre essas leis foi inspirada no “Guia do profissional em treinamento: qualificação de gestores públicos em saneamento” (NUCASE, 2008). 25 Como pode ser visto na versão do Plansab disponibilizada para consulta pública. 24

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Unidade II: Política, marco legal e instrumentos de gestão dos serviços

da Saúde – Funasa), R$ 20 bilhões de financiamento e R$ 8 bilhões como contrapartida dos estados, municípios e prestadores de serviços26. Segundo análises realizadas pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), demonstradas em gráficos e tabelas27, verificamos a relevância das rubricas orçamentárias do PAC para o setor de saneamento básico. Em 2007, aproximadamente 57,8% (R$ 2,8 bilhões) dos compromissos com recursos não onerosos foram realizados em rubricas orçamentárias do PAC. Essa proporção sofreu aumento expressivo nos dois anos seguintes à criação do Programa, principalmente em 2009, quando o peso relativo de seus recursos no total comprometido foi de 70%. Em relação aos desembolsos, podemos inferir que o incremento deles em 2008 e 2009 já foi reflexo da aplicação das contratações realizadas a partir de 2007, resultado da prioridade conferida ao PAC. Com os objetivos de manter e elevar o nível de investimentos em infraestrutura urbana e social, foi lançado, em maio de 2010, o PAC 2, para o período de 2011 a 2014. Esse marco significou a continuidade dos investimentos de longo prazo para o setor de saneamento, promovendo condições para um planejamento setorial (público e privado) de médio prazo e dando seguimento ao processo de melhoria da qualidade de vida (saúde, moradia, emprego) da população brasileira. No PAC 2, estão previstos R$ 45,1 bilhões para investimentos em saneamento básico, sendo R$ 41,1 bilhões sob a gestão do MCidades e os demais R$ 4 bilhões da Funasa. Cerca de 50% desses recursos são oriundos do Orçamento Geral da União (OGU), e os outros cerca de 50% vêm do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Portanto, os dados apresentados fornecem um apanhado geral da tendência dos investimentos no setor e sugerem um maior compromisso, desde 2003, com a área de saneamento. Esse compromisso pode ser notado tanto no montante de investimentos em relação ao PIB brasileiro, que passou de 0,10% em 2003 para 0,19% em 2007, atingindo seu ápice em 2008, quando representou 0,21% do PIB, quanto na uniformização da linguagem e dos procedimentos básicos para a agregação e a consolidação dos dados. Esse cuidado com as informações possibilita que os gestores públicos, os tomadores de decisões e a própria sociedade civil avaliem e planejem com maior eficiência a aplicação dos gastos públicos em saneamento básico, bem como ocasiona a redução dos déficits na prestação de serviços no setor. Contudo, os desafios ainda são muitos. Todas essas conquistas, nos campos político-institucional e de investimentos, requisitam a nossa capacidade de planejamento e de execução. Para isso, é necessário garantir uma gestão que dê respostas a esse novo quadro do setor e à sociedade. Assim, não basta apenas boa vontade e entusiasmo: é preciso estudar as leis, para compreender a aplicação das diretrizes nacionais do saneamento no nosso cotidiano. A partir dessa compreensão, devemos saber aproveitar as oportunidades que se abrem nos campos do planejamento integrado e da qualificação do controle social, quanto à novidade que a regulação ainda representa para a maioria dos que atuam no setor.

2. A Lei de Consórcios Públicos: uma ocasião para a cooperação federativa Vamos voltar ao ano de 1998, mais especificamente para a Emenda Constitucional no 19, para entendermos a origem da Lei de Consórcios e de Gestão Pública. Essa emenda, que integrou a Reforma Administrativa, expressa no artigo 241 da Constituição Federal, estabelece a forma como deve ocorrer a cooperação federativa entre União, estados e municípios, do ponto de vista da organização de consórcios públicos e daquilo que a própria Constituição denomina gestão associada de serviços públicos.

Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre ente federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais aos serviços transferidos. [grifos nossos]

BRASIL. Ministério das Cidades, 2009d. Para mais informações, consulte o Plansab disponível em: <http://www.cidades.gov.br/index.php/plano-nacional-de-saneamento-basico-plansab>.

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Uma leitura cuidadosa desse artigo nos informa como os três níveis de governo, ou seja, os entes federados (União, estados e municípios) devem se articular para organizar e prestar serviços públicos de forma associada. Portanto, estava dado o mote para a criação da atual Lei no 11.107, que dispõe sobre as normas gerais para a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios contratarem consórcios públicos para a realização de objetivos de interesse comum e dá outras providências. Essa lei, mais conhecida como Lei dos Consórcios Públicos e da Gestão Associada, foi regulamentada pelo Decreto no 6.017, de 17 de janeiro de 2007. Agora, podemos nos perguntar: para que serve um decreto de regulamentação? Um decreto de regulamentação de uma lei tem como objetivo maior esclarecer dúvidas que o texto dessa lei possa apresentar. No caso do decreto da Lei de Consórcios Públicos, os resultados são bastante satisfatórios, porque os conceitos norteadores da lei foram exaustivamente explicados, visando à melhor compreensão dos principais pontos dessa legislação. Mais adiante, ao tratarmos das funções da gestão, como o planejamento, a regulação, a fiscalização, o controle social e a própria prestação dos serviços de saneamento básico, nos apoiaremos principalmente no texto do Decreto nº 6.017/2007. Voltando ao ponto central desta seção: a Lei de Consórcios Públicos e de Gestão Associada: sabemos que grande parte dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário na atualidade ocorre principalmente por meio de um contrato entre o município e a Companhia Estadual de Saneamento Básico, que passaremos a denominar CESB. Anteriormente, esse contrato sempre foi denominado de contrato de concessão. Com a Lei nº 11.107/2005, quando o município firma um contrato diretamente com uma CESB, temos um contrato que não é decorrente de um ambiente de competição, de concorrência entre empresas que querem prestar os serviços de saneamento em determinada cidade que abriu um processo licitatório para essa finalidade. O que temos nessa situação é um contrato decorrente de um ambiente de cooperação entre entes federados, no caso, entre estado e município: daí, firma-se um contrato de programa. Contudo, é devemos esclarecer que o titular também pode contratar uma CESB mediante contrato de concessão, desde que ele seja precedido de licitação. Ou seja, a companhia estadual participa, nesse caso, de um processo licitatório entre outros concorrentes interessados em prestar os serviços de saneamento em determinado município. Entretanto, o município também pode optar por não delegar esses serviços a terceiros. Assim, em resumo, existem três possibilidades de organização dos serviços de saneamento: a) o titular organiza e presta diretamente os serviços: • de forma centralizada, ou seja, algum órgão de governo da sua administração direta (uma secretaria municipal, um departamento de uma secretaria etc.); ou • de forma descentralizada, ou seja, algum órgão de governo da sua administração indireta (uma autarquia municipal, uma empresa pública municipal etc.); b) o titular se responsabiliza pela organização dos serviços e delega a prestação, também chamada prestação indireta: • neste caso, a delegação deve ser feita com base em um contrato de concessão, precedido de licitação (por exemplo, quando o município realiza uma licitação para delegar a prestação dos serviços a uma empresa privada, situação bem comum no campo da limpeza pública); c) os serviços públicos são organizados e/ou prestados em regime de gestão associada: • essa modalidade ocorre necessariamente em um ambiente de cooperação entre entes públicos, e o serviço é contratado por meio de um contrato de programa. Nesse caso, não se faz a licitação prévia, desde que respeitada a exigência de que os dois polos (as partes do contrato) sejam da administração pública, isto é, constituam entes federados ou seus órgãos descentralizados.

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A partir desse quadro legal, um contrato de concessão somente será realizado dentro de um contexto de licitação, e o contrato de programa passa a ser a forma de se organizar os serviços no contexto da gestão associada entre entes federativos. Em resumo, a delegação do serviço ou atividade a terceiros poderá ocorrer segundo um dos dois regimes, que implicam dois tipos de contrato: a) o do contrato de programa, alternativa que, prescindindo de licitação, restringe-se aos casos do prestador de caráter público contratado no âmbito de cooperação federativa prevista na Lei nº 11.107/2005; b) o do contrato de concessão, precedida necessariamente de licitação, nos termos das Leis nº 8.987/1995, conhecida como Lei das Concessões, e nº 11.079/2004, conhecida como a Lei de Parceria Público-Privada (PPP). Portanto, a Lei nº 11.107/2005 regulamenta a cooperação intergovernamental para a gestão dos serviços públicos, por meio de consórcios públicos e convênios de cooperação, sendo estes os dois novos instrumentos para se regular a relação entre os municípios, os estados e as CESBs prestadoras dos serviços. Assim, o convênio de cooperação deve ser a alternativa adotada, seja para viabilizar novos contratos, seja na renovação dos contratos das CESBs com os municípios. Como podemos verificar na lei, o convênio de cooperação não produz um ente com personalidade jurídica, como ocorre com o contrato de consórcio público. Em ambos os casos, exige-se a lei ratificadora.

Nos termos da Lei, segundo o artigo 2º do Decreto nº 6.017/2007, define-se: I – consórcio público: pessoa jurídica formada exclusivamente por entes da Federação, na forma da Lei no 11.107, de 2005, para estabelecer relações de cooperação federativa, inclusive a realização de objetivos de interesse comum, constituída como associação pública, com personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos; {...] VIII – convênio de cooperação entre entes federados: pacto firmado exclusivamente por entes da Federação, com o objetivo de autorizar a gestão associada de serviços públicos, desde que ratificado ou previamente disciplinado por lei editada por cada um deles. [grifos nossos]

Em resumo, vimos que, com a Lei dos Consórcios Públicos, as atividades de prestação dos serviços podem ser executadas diretamente por um órgão que integre a administração do titular ou podem ser delegadas: a) mediante contrato de programa, no âmbito da cooperação intergovernamental a órgãos estaduais (como as CESBs), a órgãos de outros municípios – por exemplo, a um Serviço Municipal de Saneamento Básico (SAAE) mais bem estruturado de um município vizinho –, ou a consórcios públicos dos quais o titular participe; b) mediante contrato de concessão com empresas privadas, exclusivamente por meio de licitação. A cooperação intergovernamental resulta na gestão associada de serviços públicos, estabelecida pelo artigo 241 da Constituição Federal de 1988, como vimos no início desta unidade, diferente, portanto, da gestão compartilhada. Para finalizar a abordagem sobre esse tema, transcrevemos a definição de gestão associada de serviços públicos tal como está definida no inciso IX do artigo 2º do Decreto nº 6.017/2007:

IX – gestão associada de serviços públicos: exercício das atividades de planejamento, regulação ou fiscalização de serviços públicos por meio de consórcio público ou de convênio de cooperação entre entes federados, acompanhadas ou não da prestação de serviços públicos ou da transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos; [...]

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Dinâmica 4: A cooperação intermunicipal para a melhoria da gestão do saneamento básico Objetivos: • Identificar as oportunidades oferecidas pela nova legislação, visando à melhoria da gestão dos serviços de saneamento básico. • Ensaiar possibilidades de consórcios públicos entre municípios que apresentem características de ganhos de escala e de escopo dos serviços de saneamento básico.

Material de apoio: • Tarjetas, pincéis atômicos e papel para colar tarjetas. • Mapas trabalhados nas Dinâmicas 1 e 2.

Orientações para organizar e apoiar os grupos na condução da dinâmica: Diferentemente das outras dinâmicas, particularmente nesta, a forma de organização dos grupos de trabalho não será por município. A proposta é reunir, em cada grupo, municípios que sejam mais próximos uns dos outros, em termos de distância geográfica. Sabemos que essa não é a única, nem mesmo a variável principal a ser considerada no exame das alternativas de formação de consórcios intermunicipais. Porém, faz parte do estudo sobre as possibilidades de ganhos de escala e de escopo. Na primeira parte da dinâmica, e com base no texto que introduz esta unidade, os participantes devem identificar o que a Lei nº 11.107/2005 traz de novo, o que ela altera e o que ela preserva, em comparação ao ambiente que vigorava no setor de saneamento antes da sua promulgação.

Lei nº 11.107/2005 e Decreto nº 6.017/2007 – Consórcios Públicos e Gestão Associada Aspectos novos

Aspectos alterados

Aspectos preservados

Na segunda parte da dinâmica, os grupos serão motivados a examinar as dificuldades comuns e as potencialidades particulares de cada município, para analisar as possibilidades de cooperação intermunicipal que auxiliem na melhora da situação dos serviços de saneamento básico. Para isso, os grupos devem retomar os painéis da primeira dinâmica, para avaliar dentro do rol de problemas enfrentados pelo município, o(s) que poderia(m) ser equacionado(s) por meio da constituição de um consórcio público municipal. Para balizar o exercício, recomendamos a consulta ao texto autoral de João Batista Peixoto, que integra o encarte deste guia. No Quadro 2, o autor elenca os consórcios existentes em 2011 para a gestão associada dos serviços de saneamento básico.

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Além disso, a seguir, oferecemos como subsídio uma espécie de “passo a passo” para se constituir um consórcio público na área de saneamento básico entre dois municípios (Figura 1).

Figura 1. Representação esquemática para constituição de um consórcio público entre dois municípios Município A

Município B

Elaboração de diagnóstico situacional e estudos de viabilidade

Convencimento e obtenção de assinaturas do protocolo

Protocolo de intenções

Aprovado pelo Legislativo do município A

Ratificação do protocolo de intenções Lei municipal

Publicação

Aprovado pelo Legislativo do município B

Elaboração e aprovação dos estatutos do consórcio Elaboração do contrato de rateio Definição das normas e procedimentos Instituição dos órgãos decisórios (executivo, conselhos e assembleias) Instituição e estruturação do órgão administrativo e operacional Gestão financeira

Assembleia Geral

Contrato de constituição consórcio público

Regimento

Contrato de programa

Regulação e fiscalização dos serviços de saneamento básico

Projetos e serviços de saneamento básico Água, esgoto, resíduos sólidos e águas pluviais

Controle da qualidade da água para consumo humano

Fonte: Elaborado a partir de informações extraídas do “Caderno temático, 12” (WARTCHOW, 2011, p. 576) e da aula no 8 ministrada por João Batista Peixoto no Curso de Consórcios Públicos, do convênio Funasa e Assemae.

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Para provocar a reflexão nos grupos, podem ser citados alguns exemplos em que o contrato de programa se apresenta como uma boa solução. Os contratos de programa, celebrados em um ambiente de cooperação federativa, podem cumprir um papel muito importante, por exemplo, para a gestão sustentável de resíduos sólidos. Um conjunto de municípios, em comum acordo – ou não – com o respectivo governo estadual, pode constituir um órgão regional ou intermunicipal, sob a forma de consórcio público, com a função de gerenciar o conjunto dos serviços que atendem a vários municípios, atribuindo escala à organização e à prestação dos serviços; e o mais importante, ao reunir esforços e habilidades, proporciona-se ao processo gestão técnica qualificada. Além do atributo escala, essa forma de gestão associada muitas vezes também proporciona ganhos de escopo. Em outras palavras, se um único órgão se responsabiliza por oferecer um conjunto de serviços de manejo de resíduos sólidos, desde o gerenciamento até a prestação, acreditamos que as etapas desse processo serão mais interligadas e, portanto, executadas com maior eficiência e produtividade. No campo específico do manejo de resíduos sólidos, que inclui, entre outras atividades, a coleta seletiva de materiais recicláveis, soluções para o reaproveitamento e a reciclagem e aterros sanitários para disposição final dos rejeitos, a conexão desse sistema com os demais fluxos e circuitos econômicos locais e regionais é um fator preponderante para a sustentabilidade do arranjo como um todo. Assim, a gestão associada no caso dos resíduos sólidos pode ocasionar ganhos de escala e de escopo no manejo integrado desses serviços, inclusive no que diz respeito à organização em rede das associações ou cooperativas de catadores, que podem ser contratadas para prestar serviços específicos, como o circuito da triagem e beneficiamento de materiais recicláveis, desde que inseridos formalmente na gestão dos serviços como um todo. Outro exemplo no campo mais geral da regulação associa as Leis nº 11.445/2007 e nº 11.107/2005. Aqui, um conjunto de municípios pode constituir um órgão regional, sob a forma de consórcio público, para prestar as funções de regulação dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Apresentação em sessão plenária do trabalho dos grupos: Os grupos apresentarão o resultado da reflexão, registrando em painéis as possibilidades de gestão associada que foram vislumbradas pelos participantes. A moderação do curso orientará previamente que os grupos deverão pensar em alternativas de adoção do contrato de programa como instrumento de gestão associada intermunicipal. Deve-se lembrar que essa dinâmica será retomada quando a Lei nº 11.445/2007 for estudada, sobretudo, com relação às atividades de planejamento e de regulação dos serviços de saneamento básico.

3. A Lei Nacional do Saneamento Básico: principais avanços A Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, estabelece:

• as diretrizes nacionais para o saneamento básico; e • a política federal para o setor.

Primeiramente, devemos entender a quem se aplica essa lei. Quando estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, estas são válidas para a União, o Distrito Federal, os estados e os municípios.

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Por outro lado, a política federal deve ser seguida pela União. Em geral, a União não organiza nem opera o serviço28; na maioria das vezes, a União desenvolve programas, articulada com estados e municípios, por meio do repasse de recursos para o financiamento de ações em saneamento. Dessa forma, a política federal é implementada pela União, mas tem reflexos para estados e municípios. A Lei nº 11.445 está em vigor desde 22 de fevereiro de 2007. Neste momento, podemos nos perguntar: de que trata essa lei, e como encontrar os assuntos no corpo do texto legal? A Lei nº 11.445/2007 está organizada em dez capítulos, que tratam especificamente dos seguintes assuntos:

Capítulo I – Dos princípios fundamentais Capítulo II – Do exercício da titularidade Capítulo III – Da prestação regionalizada de serviços públicos de saneamento básico Capítulo IV – Do planejamento Capítulo V – Da regulação Capítulo VI – Dos aspectos econômicos e sociais Capítulo VII – Dos aspectos técnicos Capítulo VIII – Da participação de órgãos colegiados no controle social Capítulo IX – Da política federal de saneamento básico Capítulo X – Disposições finais A partir daqui, vamos analisar os principais pontos de cada um desses capítulos. No entanto, antes disso, propomos que a turma retome os grupos organizados por município para realizar mais uma dinâmica.

Dinâmica 5: A água que chega na torneira da sua casa depende de como o saneamento está organizado no seu município Objetivos: • Elaborar um panorama da forma como os serviços estão organizados atualmente no município – o painel ajudará o grupo a pensar nos vários aspectos da gestão. • Refletir sobre os desafios que estão colocados para a municipalidade, visando não apenas à conformidade legal, mas, sobretudo, ao que deve ser alterado no campo da gestão para a obtenção da universalização e da melhoria da qualidade dos serviços prestados à população. Material de apoio: Tarjetas, pincéis atômicos, papel para colar tarjetas. Orientação sobre como organizar e conduzir a dinâmica: Com base na experiência e no conhecimento dos participantes, e considerando o que foi refletido nas dinâmicas anteriores, o grupo deverá construir um quadro sobre as condições atuais de organização dos serviços de saneamento básico em seu

A despeito de algumas experiências no passado, quando a Funasa e a então Fundação SESP operavam alguns serviços de água e esgotos em municípios de pequeno e médio porte.

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município. Para ajudar na atividade em grupo, a moderação do curso vai disponibilizar um painel contemplando as questões que sistematizam as principais funções da gestão dos serviços. Ressaltamos que esse painel poderá ser complementado com outras questões que o grupo entenda serem relevantes para a realidade do seu município.

Organização dos serviços

Abastecimento de água

Esgotamento sanitário

Resíduos sólidos

Drenagem urbana

Quem presta o serviço? Existe contrato? De que tipo? O serviço é cobrado? De que forma? Existe um plano? Quem fiscaliza? Quem define quem tem acesso? Quem define as metas de expansão? Quem define se e como os serviços serão cobrados? Onde e como o morador faz as suas reclamações? Existe um conselho para discutir o assunto? Ocorreu uma conferência de saneamento na sua cidade? Existe uma entidade de regulação? A quem o grupo atribui a principal responsabilidade quanto ao serviço?

4. A Lei Nacional de Saneamento Básico: desafios e oportunidades Antes de se passar à apresentação dos grupos em sessão plenária, vamos voltar ao texto da Lei nº 11.445/2007, para comparar o quadro atual com os desafios que estão colocados para a municipalidade.

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Os princípios estabelecidos na Lei nº 11.445 são todos eles fundamentais para o saneamento básico. Não caberia, portanto, destacar um ou outro aleatoriamente. Contudo, sob o prisma da novidade, podemos realizar esse exercício, sem incorrer em grandes imprecisões. O princípio que define saneamento básico é inovador: em primeiro lugar, porque apresenta ao setor uma definição, e sob o aspecto legal preenche o vazio ou encerra a polêmica a respeito disso; em segundo lugar, porque é uma definição precisa e que representa um avanço. Nessa lei, o saneamento básico compreende abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo das águas pluviais, todos realizados de forma adequada à saúde pública, à proteção do meio ambiente, à segurança da vida e do patrimônio público e privado. Nos termos da própria lei: Art. 2º Os serviços públicos de saneamento básico serão prestados com base nos seguintes princípios fundamentais: [...] III – abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente; IV – disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de drenagem e de manejo das águas pluviais adequados à saúde pública e à segurança da vida e do patrimônio público e privado; [...]

A lei não inclui aqui a atividade de controle de vetores, que figura em alguns textos técnicos, mas tampouco impede que um determinado serviço de saneamento a inclua entre as suas atribuições. A leitura cuidadosa desse artigo também revela algumas nuances sobre o conceito de saneamento. Com respeito a isso, podemos dizer que: • legalmente, foi superada a discussão sobre o que significa saneamento básico. Pode haver outras leituras, dos pontos de vista conceitual ou acadêmico, que agreguem outros significados ao conceito; • contudo, para o professor, o gestor, ou qualquer pessoa do povo que deseje se apoiar no texto legal, a referência está estabelecida; • sobre o conceito de saneamento ambiental, a discussão ainda está em aberto. Devemos observar também a terminologia adotada, pela lei, para resíduos e águas pluviais: • comparativamente em relação a projetos de lei anteriores29, esses dois componentes são definidos como “limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos” e “drenagem e manejo de águas pluviais”; • contudo, o que importa, para o objetivo da nossa capacitação, é o conhecimento sobre a definição adotada e a sua aplicação na nossa atividade como gestores públicos, técnicos, conselheiros municipais e lideranças comunitárias, que trabalham com a agenda do saneamento. Para finalizar, podemos observar que, comparativamente em relação ao Planasa e a alguns projetos de lei que restringiam o conceito de saneamento básico aos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, não há nenhum exagero em reconhecer que a Lei nº 11.445/2007 é melhor; isso porque adota um conceito mais integral de saneamento, abrindo possibilidades para a universalização e a melhoria da qualidade dos serviços prestados no setor, sobretudo pelo caráter da integralidade entre os quatro componentes e pelo princípio da articulação do saneamento com outras políticas públicas. Esses são avanços, porque fomentam ações integradas no território, que certamente potencializam os recursos mobilizados e aumentam os benefícios para a população. O artigo 3º, que trata especificamente das definições, considera: A exemplo do PL nº 5.296/2005, que constituiu a proposta original elaborada pela SNSA/MCidades e foi amplamente discutida com a sociedade. Enviado à Câmara de Deputados, onde recebeu cerca de 800 emendas, esse PL foi alterado nas comissões por onde tramitou nas duas Casas (Câmara e Senado), até se chegar ao texto do PL nº 7.361/2006 aprovado no Congresso Nacional e sancionado pelo presidente da República, e que passou a ser a Lei nº 11.445/2007. Apenas um trabalho aprofundado de investigação seria capaz de revelar a intenção do legislador com essas alterações consolidadas na Lei nº 11.445/2007.

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I – saneamento básico: conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais de: a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição; b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente; c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas; d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas; [...] [grifos nossos]

Aliás, esse é um bom “gancho” para retomarmos o significado do princípio fundamental da integralidade. Nos termos da lei, em seu artigo 2º, inciso II:

II – integralidade, compreendida como o conjunto de todas as atividades e componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico, propiciando à população o acesso na conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia das ações e dos resultados; [...]

Seria no mínimo difícil falarmos de integralidade fora do contexto do saneamento básico definido de forma abrangente. Como vimos anteriormente, o conceito de saneamento básico adotado no Planasa, e estabelecido em alguns projetos anteriores (a exemplo do PL nº 4.147, do PLS nº 266 e do PLS nº 155 em sua forma original), restringia o setor aos componentes de abastecimento de água e esgotamento sanitário.

Como tratar do esgotamento sanitário sem considerar as implicações que esse serviço tem no manejo de resíduos sólidos? Como tratar do aspecto da qualidade da água sem considerar os efeitos de um solo urbano praticamente impermeabilizado e sob o impacto de inundações e cheias recorrentes? Ou, ainda, como dissociar os serviços de esgotamento sanitário e os de drenagem?

É dessa forma que o conceito de integralidade se associa necessariamente ao conceito mais amplo de saneamento básico, e propicia as condições para o acesso universalizado, em conformidade com as necessidades da população. Outras definições também merecem destaque, por sua relevância ou por oferecerem uma chave de leitura e de análise para o conjunto do texto legal, que nem sempre se apoia na própria definição adotada. Esse é, por exemplo, o caso do controle social. Vejamos: a definição de controle social estabelecida no artigo 3º da lei é ampla e abrangente o suficiente para um diálogo proveitoso com a realidade democrática em que vivemos. Trata-se do controle social como direito à informação e à participação no processo de planejamento, formulação e avaliação da política pública: Art. 3º [...] IV – controle social: conjunto de mecanismos e procedimentos que garantem à sociedade informações, representações técnicas e participações nos processos de formulação de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços de saneamento básico; [grifo nosso]

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Portanto, estamos diante de um conceito que envolve a democratização das relações de poder na arena política em que se define como os serviços públicos de saneamento devem ser planejados, organizados e prestados à sociedade. E ainda mais: é um conceito que garante o acesso irrestrito à informação, como estratégia de qualificação dessa participação (técnica ou social). Contudo, esse conceito amplo e abrangente não é operacionalizado em toda as suas dimensões. No entanto, para aqueles que acreditam que o caminho da universalização do saneamento passa necessariamente pela democratização do processo decisório do setor, o artigo 3º da lei oferece as “armas” necessárias para se travar essa boa luta. Contudo, o mesmo não ocorre, por exemplo, com a definição de universalização. Sem sombra de dúvidas, a universalização é o princípio mais fundamental para o saneamento, sem o qual a realização dos demais nunca ocorrerá de forma plena. No texto legal, a universalização do acesso aparece como princípio fundamental, e sua definição é fornecida no artigo 3º, nos seguintes termos: III – universalização: ampliação progressiva do acesso de todos os domicílios ocupados ao saneamento básico; [grifo nosso]

Esse conceito de universalização não é o universal. Como chamar de “universal” aquilo que está condicionado a uma perspectiva de progressividade, não vinculada às necessidades das pessoas? Como não associar a universalização à noção de direito? Com isso, podemos dizer que o conceito de universalização, tal como estabelecido na Lei nº 11.445/2007, é um exemplo de retrocesso. Poderíamos trazer diversas fontes nas quais são encontrados conceitos mais criteriosos e fidedignos de universalização. Para não fugirmos da fonte baseada em textos legais, optamos por trazer a definição de universalização estabelecida pelo Projeto de Lei nº 5.296/2005, proposta original do Executivo federal para a Política Nacional de Saneamento Básico. Art. 6º. São diretrizes básicas dos serviços públicos de saneamento básico: I – a universalização, consistente na garantia a todos de acesso aos serviços, indistintamente e em menor prazo, observado o gradualismo planejado da eficácia das soluções, sem prejuízo da adequação às características locais, da saúde pública e de outros interesses coletivos; [...] [grifos nossos].

Perguntamos: e para você? Qual é a principal diferença que se pode extrair dessas duas formas de se conceituar universalização? O Capítulo II da Lei nº 11.445/2007 trata da titularidade. Para o saneamento brasileiro, a titularidade deixou de ser um conceito ou um tema, e se tornou a grande questão polêmica do setor, tendo constituído um campo de conflitos entre diferentes segmentos. A maneira como, historicamente, o setor discutiu a questão da titularidade não foi propositiva. Podemos dizer que esse debate, tal como realizado, em um ambiente de disputa e de concorrência, impediu o setor de avançar mais rápido e de forma construtiva. Somente a partir da decisão de se excluir essa questão da pauta político-institucional do setor e remetê-la para a instância do Supremo Tribunal Federal (STF), foi possível avançar na regulamentação do nível infralegal, adequado para que sejam estabelecidas diretrizes nacionais para o setor e a política federal para o saneamento básico. Não é demais reafirmar que uma lei complementar, como é o caso da Lei nº 11.445/2007, não pode interpretar a Constituição Federal. Apenas o STF ou uma emenda constitucional pode fazê-lo. Sob essa ótica, a Lei nº 11.445/2007 não trata da titularidade em regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerados urbanos, espaços nos quais se trava uma acirrada e histórica disputa entre estados e municípios.

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Essa matéria estava sob julgamento no STF até o início deste ano, materializando-se em dois processos de ação direta de inconstitucionalidade (ADI ou ADIn). Muito recentemente, em fevereiro de 2013, o STF decidiu que não há preponderância, nem do estado, nem do município. Contudo, é importante informarmos que, fora do contexto de regiões metropolitanas, não existem dúvidas e disputas em torno da titularidade: o município é o titular dos serviços de saneamento básico. Extraímos a notícia que repercutiu a matéria:

Saneamento em área metropolitana é dever de estado e municípios, diz STF Ação começou há 12 anos e questionou gestão no Rio de Janeiro Serviço deve ser gerido por entidade com integrantes das duas esferas O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu nesta quinta-feira (28), por maioria de votos, que a gestão do serviço de saneamento básico em regiões metropolitanas ou microrregiões deve ser feita em parceria entre município e estado, não somente por um ou outro. Para os ministros, devem ser criadas entidades que reúnam integrantes de prefeituras e do governo estadual para tratar questões sobre serviços públicos integrados, como saneamento e transporte. A decisão foi tomada em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de 1998, cujo autor foi o PDT. O partido questionou uma lei estadual do Rio de Janeiro que autorizou a criação da região metropolitana do Rio e da microrregião dos Lagos. A ação questionou a lei por considerar que a competência do saneamento seria do estado, quando, na avaliação do partido, a responsabilidade pelo serviço deveria ser do município. No entendimento da corte, não se pode delegar a gestão nem ao município e nem ao estado. Além disso, os ministros entenderam que em regiões, a má prestação do serviço em uma cidade pode prejudicar as demais. Por isso entenderam que é válida a criação de entidades para atuação em conjunto. Uma corrente do tribunal entendia que a competência era do estado e outra do município. A proposta da gestão compartilhada partiu do ministro Gilmar Mendes, em voto proferido em 2008. A tese foi acompanhada pela maioria do tribunal. Os ministros, porém, deixaram para depois a decisão sobre a partir de quando vale a regra no caso específico do Rio. Gilmar Mendes havia proposto o prazo de 24 meses para que o estado do Rio se adequasse. Após a sessão desta quinta, o presidente do tribunal, ministro Joaquim Barbosa, afirmou que, como a Constituição autoriza a criação de regiões para que a gestão dos serviços públicos se torne mais fácil. Ele afirmou que a decisão pela gestão compartilhada será parâmetro para outras regiões. “O tribunal decidiu, o que há de essencial em todos os votos que prevaleceram, é que não pode haver [na gestão] preponderância nem do estado e nem do município. A criação da região metropolitana não pode significar usurpação de competências de poderes dos municípios. Autonomia municipal é uma pedra fundamental do nosso sistema de organização federativa. Não se pode fazer a balança pender para um município. Não pode pinçar um município e dizer que todas as competências que comungam nessa região vão ser deste município. Qual é solução? Criar-se uma entidade com personalidade jurídica própria, mas que não seja política.” (Fonte: REDE GLOBO. Saneamento em área metropolitana é dever de estado e municípios, diz STF. G1: O Portal de Notícias da Globo, 28 fev. 2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/ noticia/2013/02/saneamento-em-area-metropolitana-e-dever-de-estado-e-municipios-diz-stf.html>).

No entanto, a lei não se furtou de tratar das responsabilidades do titular, ou seja, do poder público que tem a competência de organizar e prestar os serviços de saneamento básico, indiferentemente de qual ente federativo assuma essa posição. Vamos, então, conhecer essas responsabilidades e nos concentrar no entendimento de quais são as responsabilidades do titular, com quem os demais entes federados devem cooperar, assim como em relação a quem a população deve reivindicar e colaborar, cumprindo com os seus deveres.

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A lei impõe, como primeira responsabilidade do titular, a competência de estabelecer uma política e o seu principal instrumento, que é o Plano de Saneamento Básico. Ao tratar da prestação dos serviços como responsabilidade originária do titular, a lei estabelece que: a) o titular pode prestar os serviços diretamente (de forma centralizada ou descentralizada, como vimos no início desta unidade), ou; b) o titular pode delegar a prestação dos serviços, por meio de um contrato de concessão, necessariamente precedido de licitação, ou por meio de um contrato de programa, no ambiente da gestão associada (consórcio público ou convênio de cooperação). O ponto principal que devemos assimilar disso, o qual a lei deixa explícito, é que a delegação exige contrato, sendo este um contrato de concessão ou de programa. De acordo com a Lei nº 11.445/2007, os convênios estão vedados, e os chamados contratos precários (ou seja, os que não se enquadram nas duas situações relatadas) somente terão validade até a data de seu término. Nos casos de convênios – também entendidos como instrumentos precários, porque podem ser rescindidos unilateralmente –, a lei admite apenas duas exceções: a) para usuários organizados em cooperativas e associações, desde que se limite a: • determinado condomínio; e • localidade de pequeno porte, predominantemente ocupada por população de baixa renda, onde outras formas de prestação apresentem custos de operação e manutenção incompatíveis com a capacidade de pagamento dos usuários. b) para os casos de convênios e outros atos de delegação celebrados até o dia 6 de abril de 2005. No primeiro caso, podemos observar que se trata de um serviço de pequeno porte e em situações com características especiais. No segundo caso, a lei autoriza a prestação de serviços públicos de saneamento básico por uma entidade que não integre a administração do titular por meio de um instrumento de natureza precária, apenas para atos de delegação celebrados até o dia 6 de abril de 2005. Também nesses casos, a autorização para usuários organizados em cooperativas ou associações prestarem os serviços públicos de saneamento básico – desde que se limitem a determinado condomínio ou localidade de pequeno porte (inciso I do parágrafo 1º do artigo 10) – deverá prever a obrigação de transferir ao titular os bens vinculados aos serviços por meio de termo específico, com os respectivos cadastros técnicos. Dessa forma, ficam asseguradas as condições para que o titular possa exercer sua responsabilidade sobre o planejamento, a organização e a prestação dos serviços públicos de saneamento básico.

Se a obrigatoriedade do Plano de Saneamento Básico é a “pedra de toque” da Lei nº 11.445/2007, a exigência de firmar contrato no caso de delegação dos serviços é o mote para a regulação apropriada dos serviços prestados à população.

O artigo 11 da lei elenca uma série de exigências que devem ser cumpridas pelo titular e pelo prestador, para validar os contratos de delegação. Destacamos alguns pontos fundamentais: a) os contratos que regulamentam a delegação dos serviços devem se apoiar no Plano, preparado previamente – de forma bastante clara, é como se o titular falasse ao prestador: “estou delegando a prestação dos serviços para a execução/implementação deste Plano”; b) a lei se apoia no pressuposto de que o Plano deve ser preparado de forma democrática, com participação da sociedade, por meio da realização de consultas e audiências públicas.

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Além do Plano, a lei estabelece como condições de validade dos contratos: a) a existência de um estudo que comprove a viabilidade técnica e econômico-financeira da prestação universal e integral dos serviços, nos termos do respectivo Plano; b) a existência de normas de regulação e de fiscalização, incluindo a designação da entidade responsável para execução dessas atividades; c) a realização prévia de audiência e de consulta públicas sobre o edital de licitação, no caso de concessão, e sobre a minuta do contrato. Nos casos de serviços prestados por meio de contratos de concessão ou de programa, as normas de regulação deverão prever: a) a autorização para a contratação dos serviços, indicando os respectivos prazos e a área a ser atendida; b) a inclusão das metas progressivas e graduais de expansão dos serviços, de qualidade, de eficiência e de uso racional da água e energia e de outros recursos naturais, em conformidade com os serviços a serem prestados; c) as prioridades de ação, compatíveis com as metas estabelecidas; d) as condições de sustentabilidade econômico-financeira da prestação dos serviços, em regime de eficiência, incluindo: o sistema de cobrança e a composição de taxas e tarifas; a sistemática de reajustes e de revisões; a política de subsídios; e) os mecanismos de controle social nas atividades de planejamento, regulação, fiscalização e prestação dos serviços; f ) as hipóteses de intervenção e de retomada dos serviços. Ainda sobre os tipos de contratos, a lei prevê ainda um terceiro tipo (além do contrato de concessão e de programa): trata-se do contrato firmado em um ambiente de prestação regionalizada dos serviços públicos de saneamento básico. Nos termos do artigo 14 da Lei nº 11.445/2007, os requisitos para configurar uma situação de prestação regionalizada são definidos da seguinte forma:

I – um único prestador do serviço para vários Municípios, contíguos ou não; II – uniformidade de fiscalização e regulação dos serviços, inclusive de sua remuneração; III – compatibilidade de planejamento.

O inciso I contempla a situação encontrada em vários municípios brasileiros, em que os serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário são prestados por uma CESB. O que a lei traz de novidade para esse quadro é a necessidade de se regular os serviços, inclusive atribuindo transparência e contabilidade própria a cada sistema atendido e, sobretudo, a necessidade de se compatibilizar o planejamento. Sobre esse último quesito, a lei prevê, para os casos em que mais de um prestador executar atividade interdependente de outra, que a relação entre elas deverá ser regulada por contrato. Ou seja, o titular deverá celebrar um contrato regulamentando as interfaces que existam na prestação desses serviços, executadas por agentes diferentes; ou ainda: a lei permite ao titular operar segundo o princípio da integralidade, mesmo quando os serviços são delegados a diferentes prestadores de serviços. Pode ser o caso, por exemplo, de um prestador X, que realiza a coleta de esgotos no município A, e de um prestador Y, que realiza o tratamento dos esgotos nesse mesmo município. Ou ainda, um prestador W, que fornece água no atacado para o abastecimento de um município B, e um prestador Z, que realiza a distribuição local. O Plano de Saneamento Básico, em situações de prestação regionalizada, pode ser regional, e o órgão regulador pode ser vinculado ao estado, a um dos municípios atendidos pelo prestador regional, ou ainda a um consórcio público. O prestador regional poderá ser um órgão público, uma empresa pública, ou ainda uma empresa privada. Em qualquer dessas situações, a relação entre o prestador regional e os municípios para os quais ele presta os serviços deverá ser estabelecida com base em um contrato, sob a forma de concessão ou de programa.

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Se comparada a prestação regionalizada com o que existiu até os dias de hoje, o que diferencia as suas situações é a exigência legal de que a contabilidade e a apropriação de custos, receitas e despesas sejam necessariamente individualizadas por município. Vale lembrar que essa é uma prática pouco usual no sistema atual que caracteriza a relação entre município e CESB. Recapitulando os três tipos de contratos estabelecidos pelo novo arcabouço legal do saneamento brasileiro, podemos afirmar, sem exagero, que estão dadas as condições para qualificar a relação entre município e CESB, tão desgastada desde os tempos do Planasa. O estudo minucioso e o aprofundamento dessa sistemática de gestão oferecida na Lei nº 11.107/2005, em seu respectivo Decreto nº 6.017/2007 e na Lei nº 11.445/2007, deve ocorrer apoiando-se nos conceitos que fundamentam o planejamento, a regulação, a fiscalização, a prestação dos serviços e o exercício democrático do controle social. A lei traz ainda um capítulo específico sobre o planejamento. Anteriormente, comentamos que o Plano é a “pedra de toque” dessa lei. Assim, não é demais reafirmar que ele constitui o principal instrumento do planejamento. Além da obrigatoriedade de o titular formular o Plano, para balizar a própria organização e a prestação dos serviços públicos de saneamento básico, e particularmente para, se for o caso, validar a delegação, a lei trabalha com a intencionalidade de se promover um planejamento integrado e pautado na participação popular e no controle social. Antes de partirmos para um maior aprofundamento, devemos deixar claro que o planejamento é uma função indelegável. Segundo a lei, somente o titular dos serviços públicos de saneamento básico pode e deve exercer essa função, sendo o Plano parte substancial de tal responsabilidade. A perspectiva do planejamento integrado e participativo se revela principalmente no escopo mínimo do Plano, conforme definido no artigo 19 da Lei nº 11.445/2007. Entretanto, a lei oferece a possibilidade de que a prestação de serviços ocorra com base em um plano específico, ou seja, para o serviço de água e esgoto, por exemplo, ou apenas para o de manejo de resíduos sólidos. Porém, essa possibilidade, se não for bem administrada para o conjunto dos serviços de saneamento básico, pode comprometer a integralidade, tão importante para se romper com a lógica do planejamento fragmentado por tipo de serviço. Existe, contudo, uma ressalva. Segundo a lei, a consolidação e a compatibilização dos planos, quando específicos para cada serviço, serão realizadas pelos respectivos titulares. Em outras palavras, se há um quadro de urgência para se delegar a prestação dos serviços de abastecimento de água, elabora-se o plano específico com a perspectiva de integrá-lo depois ao Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB). Cabe destacar que essa não era a tônica do projeto original preparado pela Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (SNSA), o PL nº 5.296/2005, aprovado no Conselho Nacional das Cidades (ConCidades) e no Conselho Nacional de Saúde (CNS), e pactuado com diversas entidades do setor. Nesse projeto, trabalhava-se com a ideia de um Plano (Municipal) de Saneamento Básico, no qual a abordagem integrada entre os quatro componentes era imprescindível, tanto quanto o seu caráter participativo nas etapas de formulação, implementação e revisão. Outras características do Plano, tal como estabelecidas na Lei nº 11.445/2007, dizem respeito a: • o titular tem a responsabilidade de editar o Plano, e poderá se apoiar em estudos fornecidos pelos prestadores de cada serviço; • o Plano deverá ser revisado a cada quatro anos, anteriormente à elaboração do Plano Plurianual (PPA) e coincidente com a mudança de governo, também a cada 4 anos); • a possibilidade de o Plano ter abrangência regional, nos casos, por exemplo, de prestação regionalizada ou em um ambiente de gestão associada, o que não retira a possibilidade de cada município e estado terem seus próprios plano na abrangência estrita dos seus territórios, mas balizados por um olhar regional ou supralocal; • nessa mesma linha, o Plano deverá ser compatível com os planos das bacias hidrográficas em que o município estiver inserido;

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• o Plano deverá ter abrangência do território do ente que o elaborou e, se municipal, deverá abranger a sede e os distritos, a área urbana e a área rural; • será assegurada ampla divulgação das propostas do Plano e dos estudos que o fundamentam, inclusive com a realização de audiências ou consultas públicas. Lembramos que a Unidade III deste guia trata particularmente do tema dos Planos Municipais de Saneamento Básico, sob a ótica dos seus processos e dos seus conteúdos. O Capítulo V da Lei nº 11.445/2007 trata da regulação. De acordo com o Decreto nº 6.017/2007, a regulação é definida como:

Art. 2º. [...] XI – todo e qualquer ato, normativo ou não, que discipline ou organize um determinado serviço público, incluindo suas características, padrões de qualidade, impacto socioambiental, direitos e obrigações dos usuários e dos responsáveis por sua oferta ou prestação e fixação e revisão do valor de tarifas e outros preços públicos; [...]

Ao órgão de regulação, a lei impõe as características de: a) independência decisória, incluindo autonomia administrativa, orçamentária e financeira; b) transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade nas decisões. No entanto, essas características são questionáveis principalmente com relação à tecnicidade, que pode afastar da atividade regulatória as necessidades de quem mais interessa: os moradores com ou sem saneamento. Assim, a tecnicidade deve ser vista como um suporte especializado à gestão dos serviços, mas não pode se fechar em si mesma, negando outros saberes e mecanismos que devem, de forma complementar, orientar a atividade de regulação. Por outro lado, a objetividade nas decisões também deve ser relativizada. A regulação deve existir para fazer cumprir o Plano, plano este que também deve orientar os contratos a serem firmados, desde que sejam antes minimamente informados e debatidos em audiências públicas, como prevê a lei. Por fim, se por um lado a regulação surgiu como a grande novidade da Lei nº 11.445/2007 para melhorar a efetividade, a eficácia e a eficiência das ações de saneamento no município, por outro, ela não pode se tornar uma atividade acima da política, do Plano e das decisões tomadas pelo titular dos serviços em conjunto com o órgão colegiado de controle social, tal como estabelece a lei. De positivo, a lei faz uma exigência fundamental: a regulação deve ser exercida obrigatoriamente por um órgão público. Além disso, esse órgão público deve necessariamente integrar o estado em que o município titular se localiza. Ou seja, uma agência de um estado X não pode assumir a regulação de um município que integre o estado Y. Em linhas gerais, a lei define que o órgão regulador pode pertencer ao próprio município, ou a um município vizinho ou do estado ao qual pertence como ente da federação. Ainda com base no texto da lei, o artigo 9º – que trata do papel do titular na formulação da política pública de saneamento básico – estabelece entre essas responsabilidades a de definir as normas de regulação, e constituir ou designar o ente responsável e os meios para sua atuação. Reafirmamos que a regulação deve observar a política e o Plano e, da mesma forma, configura-se como uma boa oportunidade de cooperação por meio de gestão associada, na medida em que seria praticamente inviável cada município estruturar uma entidade de regulação, pois trata-se esta de uma estrutura que requer profissionais especializados e logística operacional para trabalho de campo e laboratório, entre outros recursos. Retomando o texto da Lei nº 11.445/2007, a regulação pode ser delegada – diferentemente do planejamento, que é indelegável –, sendo inerente à responsabilidade do titular pela organização dos serviços públicos de saneamento básico.

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O Capítulo VI da Lei nº 11.445/2007 dedica-se a tratar dos aspectos econômicos e sociais, relativos à remuneração dos serviços prestados. Recomendamos uma leitura comentada desse capítulo, mas adiantamos alguns pontos que nos parecem fundamentais para a compreensão da política tarifária definida na lei. O artigo 29 estabelece as condições de sustentabilidade econômico-financeira dos serviços (o sistema de cobrança, a composição e a estrutura das taxas e tarifas, a sistemática de reajustes e revisões e a política de subsídios). Queremos destacar aqui que o conceito de sustentabilidade econômico-financeira, estabelecido na lei, possibilita a adoção de subsídios para quem não pode pagar pelos serviços. Observe, no texto da lei, a expressão “sempre que possível”. Com isso, os serviços públicos de saneamento básico terão a sustentabilidade econômico-financeira assegurada, sempre que possível, mediante remuneração por sua cobrança: Portanto, cabem subsídios (tarifários e não tarifários) para usuários e localidades que não tenham capacidade de pagamento, ou escala econômica suficiente para cobrir o custo integral dos serviços. A estrutura de remuneração dos serviços a ser adotada pode, então, combinar mecanismos de tarifas, taxas e subsídios, segundo o tipo de beneficiário (diretos, quando destinados a usuários determinados, ou indiretos, quando destinados ao prestador de serviços) e segundo a origem dos recursos (se orçamentários, inclusive por meio de subvenções, e se tarifários, quando decorrem da aplicação do subsídio “cruzado”). O que não está explícito na lei, mas que se encontra cada vez mais presente na agenda de debates sobre a universalização, é a necessidade de se associar à política de saneamento básico níveis de desmercantilização da água. Sabemos que, mesmo subsidiadas em parte do valor da tarifa cobrada, muitas famílias brasileiras em situação de vulnerabilidade social não têm condições de pagar pelo serviço. Trata-se, portanto, de uma responsabilidade pública, do Estado e da sociedade, criar as condições para que o acesso dessas pessoas também seja garantido. Essa decisão não retira do governo a responsabilidade de instituir um cadastro estruturado dos moradores, para que se tenha clareza de quais e quantas são as famílias que se encontram nessa situação. O CadÚnico é um bom instrumento para isso, porque permite mapear as famílias que convivem com diversos níveis de iniquidades e que são aptas a integrar outros programas governamentais de inclusão social. Além do cadastro, também é necessário criar um sistema de acompanhamento e de monitoramento, para avaliar a evolução dessas famílias e as possibilidades de elas passarem a integrar da forma mais adequada a estrutura de remuneração dos serviços de saneamento básico. Segundo a lei, para os serviços de água e esgotos, a cobrança será realizada, preferencialmente, por meio de tarifa ou outro preço público. A lei estabelece “preferencialmente”, porque cabe ao titular definir a forma de cobrança e porque também abre a possibilidade de se cobrar via taxa: Art. 29. Os serviços públicos de saneamento básico terão a sustentabilidade econômico-financeira assegurada, sempre que possível, mediante remuneração pela cobrança dos serviços: [...] §2º Poderão ser adotados subsídios tarifários e não tarifários para os usuários e localidades que não tenham capacidade de pagamento ou escala econômica suficiente para cobrir o custo integral dos serviços. [...] Art. 31. Os subsídios necessários ao atendimento de usuários e localidades de baixa renda serão, dependendo das características dos beneficiários e da origem dos recursos: I – diretos, quando destinados a usuários determinados, ou indiretos, quando destinados ao prestador dos serviços; II – tarifários, quando integrarem a estrutura tarifária, ou fiscais, quando decorrerem da alocação de recursos orçamentários, inclusive por meio de subvenções; III – internos a cada titular ou entre localidades, nas hipóteses de gestão associada e de prestação regional.

Para não restar nenhuma dúvida sobre essa matéria, é bom lembrarmos os conceitos de tarifa, preço público, taxa e outras formas de tributo. A administração pública trabalha com dois conceitos para a recuperação dos custos com a prestação de determinado serviço. São eles:

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• tributo – que é sempre matéria de lei, e pode ser alterado somente mediante lei; e • preço público – é competência do Executivo, e pode ser alterado por decreto. A taxa corresponde a uma espécie de tributo – como normalmente a que se aplica para a cobrança dos serviços de limpeza urbana –, bem como a denominada contribuição de melhoria, adotada recentemente por alguns municípios para a remuneração dos serviços de manejo de águas pluviais urbanas. Por outro lado, a tarifa é uma forma de preço público. Relembrados esses conceitos, voltemos ao texto legal. A remuneração dos serviços de limpeza pública e de manejo de resíduos sólidos pode ser realizada por meio da cobrança de taxa ou de tarifa, ou mesmo de outro preço público. A novidade da lei nesse campo consiste na possibilidade de generalizar, para o conjunto dos municípios brasileiros, a cobrança pelo serviço de manejo de águas pluviais urbanas, por meio de tributo – inclusive por taxa –, que poderá ser lançada com base no índice de impermeabilização do solo urbano e considerada a existência no imóvel de dispositivo de amortecimento e retenção. Sobre os aspectos técnicos tratados na Lei nº 11.445/2007, temos a destacar: a) quanto à qualidade da água e dos impactos para a saúde pública A regulamentação sobre a potabilidade da água para consumo humano continua sob a responsabilidade da União, sendo mantido o enfoque de saúde pública. b) quanto ao licenciamento ambiental de empreendimentos em saneamento A lei trata do licenciamento ambiental de estação de tratamento de água (ETA), para resíduos do processo de tratamento da água, e de estação de tratamento de esgoto (ETE), que inclui o processo em si do tratamento de esgotos e também dos lodos. A lei considera ainda etapas de eficiência, a fim de alcançar progressivamente os padrões estabelecidos pela legislação ambiental, em função da capacidade de pagamento dos usuários. Um exemplo para se compreender melhor a chamada progressividade, tal como prevista na lei: o licenciamento admitiria que um corpo receptor classificado para receber efluentes decorrentes do tratamento terciário, durante a primeira etapa de funcionamento de uma ETE, receba efluentes correspondentes ao tratamento primário, em seguida do tratamento secundário, até que se alcancem os parâmetros exigidos em lei, por etapas sucessivas, estabelecidas previamente no projeto do empreendimento e, sobretudo, no licenciamento ambiental deferido. Esse é o chamado gradualismo de ações. Contudo, esse dispositivo legal depende ainda da compatibilização com a legislação ambiental e da concordância do Ministério do Meio Ambiente (MMA), sobretudo do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Com isso, a intenção da lei consiste em evitar o não licenciamento dos empreendimentos de saneamento, quando ainda não estiverem em sua etapa final. c) quanto à interligação à rede pública e quanto aos casos de interrupção do fornecimento do serviço A lei determina a exigência de conexão à rede pública de água e de esgoto, sempre que estas estejam disponíveis para o usuário. Além disso, somente uma lei local poderá determinar exceções. As instalações hidráulicas prediais ligadas à rede pública não podem ser abastecidas por outras fontes de água, como, por exemplo, poços. Se água de outra fonte abastece o mesmo reservatório domiciliar – seja de uma residência ou de um condomínio – que recebe água da rede pública, não será possível avaliar a qualidade do recurso hídrico oferecido pelo serviço público. Esse dispositivo legal provocará impactos nas diversas cidades que desenvolveram esse sistema paralelo por motivos de escassez e, por isso, talvez venha a ser objeto de regulamentação pela legislação local. No entanto, devemos considerar que, muitas vezes, o sistema paralelo de abastecimento por poços compete com o serviço público por mera prática de inadimplência, ou ainda pela insistência de alguns moradores em ter o poço para não pagar pela água consumida, mesmo que essa opção inviabilize o efetivo controle da potabilidade dessa água.

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Unidade II: Política, marco legal e instrumentos de gestão dos serviços

Para que os municípios adotem as melhores medidas, é necessário compreender que a intencionalidade da lei federal nesse aspecto se refere, sobretudo, ao controle da qualidade da água. Para isso, sempre devemos ter o cuidado de não misturar em um mesmo reservatório águas de fontes diversas. Por outro lado, essas medidas não podem inibir iniciativas sustentáveis, como a de reaproveitamento da água da chuva para fins adequados. A lei também trata das situações nas quais se aplicam tarifas de contingência: contextos de escassez ou de contaminação da água para gerenciar a demanda. A Lei nº 11.445/2007 foi bastante tímida no que se refere à participação dos órgãos colegiados no controle social. A despeito da adequada definição de controle social, a nosso ver, a lei não operacionaliza bem esse conceito, ao determinar que o controle social pode incluir a participação de órgãos colegiados, quando deveria garantir esse exercício pelos conselhos, conferências e outras instâncias coletivas. Além dessa limitação, o artigo 47 da lei faz referência ao caráter consultivo dos órgãos colegiados. Contudo, cabe aqui a leitura de que a lei não proíbe que esses órgãos venham a ser deliberativos. Portanto, os gestores, os profissionais e os militantes que desejam um saneamento participativo e democrático não podem ser restringir ao texto da lei, mas ao contrário, apoiar-se nele e insistir na luta social que se trava nas diversas arenas políticas para transformar as possibilidades em realidade. A segunda parte da Lei nº 1.445/2007 trata da Política Federal de Saneamento Básico. Recapitulando: no início desta unidade, esclarecemos que a lei determina a política federal e as diretrizes nacionais para os serviços públicos de saneamento básico. A política federal é de responsabilidade da União, e as diretrizes nacionais se aplicam a todos os entes federados (governo federal, Distrito Federal, estados e municípios) envolvidos com os serviços públicos de saneamento básico. As diretrizes e os objetivos que norteiam a política da União para o saneamento básico interessam muito aos que desenvolvem programas do governo federal. Apresentamos, a seguir, as diretrizes definidas no artigo 48 da lei, destacando a ideia central de cada uma delas:

I – prioridade para as ações que promovam a equidade social e territorial no acesso ao saneamento básico; II – aplicação dos recursos financeiros por ela administrados de modo a promover o desenvolvimento sustentável, a eficiência e a eficácia; III – estímulo ao estabelecimento de adequada regulação dos serviços; IV – utilização de indicadores epidemiológicos e de desenvolvimento social no planejamento, implementação e avaliação das suas ações de saneamento básico; V – melhoria da qualidade de vida e das condições ambientais e de saúde pública; VI – colaboração para o desenvolvimento urbano e regional; VII – garantia de meios adequados para o atendimento da população rural dispersa, inclusive mediante a utilização de soluções compatíveis com suas características econômicas e sociais peculiares; VIII – fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico, à adoção de tecnologias apropriadas e à difusão dos conhecimentos gerados; IX – adoção de critérios objetivos de elegibilidade e prioridade, levando em consideração fatores como nível de renda e cobertura, grau de urbanização, concentração populacional, disponibilidade hídrica, riscos sanitários, epidemiológicos e ambientais; X – adoção da bacia hidrográfica como unidade de referência para o planejamento de suas ações; XI – estímulo à implementação de infraestruturas e serviços comuns a Municípios, mediante mecanismos de cooperação entre entes federados. Parágrafo único. As políticas e ações da União de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate e erradicação da pobreza, de proteção ambiental, de promoção da saúde e outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida devem considerar a necessária articulação, inclusive no que se refere ao financiamento, com o saneamento básico. [grifos nossos]

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Sob a observância dessas diretrizes, a lei determina a necessidade de ser elaborado um Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). O Plansab tem a função de explicitar a estratégia da União para que o país avance quanto às meta da universalização e da melhoria da qualidade dos serviços prestados à população. Assim, a elaboração do Plano Nacional é de responsabilidade da União. O governo federal e o ConCidades estão trabalhando em conjunto na condução do processo de elaboração do Plansab, sob a coordenação da SNSA/MCidades, conforme determina a Lei nº 11.445/2007 e a Resolução Recomendada nº 33, de 1º de março de 2007, do ConCidades. O Plansab, quando aprovado em sua etapa final, constituirá o eixo central da Política Federal de Saneamento Básico, de forma a promover a articulação nacional dos entes da federação para a implementação das diretrizes da Lei nº 11.445/2007. Ele será um instrumento fundamental para a retomada da capacidade orientadora do Estado na condução da política pública de saneamento básico e, consequentemente, da consecução das metas e estratégias de governo para o setor no horizonte dos próximos 20 anos, com vistas à universalização do acesso aos serviços de saneamento básico como um direito social, contemplando os componentes de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. A elaboração do Plansab iniciou-se com a construção coletiva do Pacto pelo Saneamento Básico: Mais Saúde, Qualidade de Vida e Cidadania, que congregou os múltiplos agentes que atuam no setor e em políticas correlatas, e propôs os eixos, os pressupostos e os objetivos do Plansab. Essa tarefa ficou a cargo do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), formado por representantes de órgãos federais que atuam ou que tenham interface com o saneamento, e pelo Grupo de Acompanhamento do Comitê Técnico de Saneamento Ambiental (CTSA) do CoCidades, que acompanha todo o processo de elaboração do Plansab e subsidia o próprio ConCidades, responsável por sua aprovação final. Com a finalização do texto da proposta preliminar do Plansab em abril de 201130, ela foi apresentada e debatida em cinco seminários regionais – em Belém (PA), Salvador (BA), Brasília (DF), Rio de Janeiro (RJ) e Florianópolis (SC) – e em duas audiências públicas – ambas em Brasília –, além da realização da consulta pública pela internet. O debate com a sociedade continuou com a avaliação do documento pelos conselhos nacionais de Saúde, do Meio Ambiente, de Recursos Hídricos e das Cidades, sendo que, posteriormente, a proposta será apreciada e deliberada pelo ministro das Cidades e pela Presidência da República. Na página eletrônica do MCidades31, você encontra os documentos e as notícias mais recentes sobre o Plansab, já aprovado pelos conselhos nacionais e que atualmente se encontra na fase final de aprovação pela Presidência da República. Como instrumento da Política Federal de Saneamento Básico, o atual Sistema Nacional de Informações de Saneamento (SNIS) passa a ser denominado Sinisa, ainda em processo de reestruturação. Por fim, em relação às disposições finais da Lei nº 11.445, queremos dar destaque no que se refere aos catadores de materiais recicláveis. Dentro da perspectiva da inclusão social, essa lei altera a Lei nº 8.666/1993, para incluir a dispensa de licitação para que municípios contratem associações ou cooperativas de catadores que trabalham em programas de coleta seletiva.

Esta proposta foi elaborada por um consórcio de universidades federais – a de Minas Gerais (UFMG), a da (UFBA) e a do Rio de Janeiro (UFRJ) –, que, além da minuta do Plansab, elaborou também um documento de grande relevância acadêmica para o setor, denominado “Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab)”, disponível em: <http://www.cidades.gov.br/index.php/plano-nacional-de-saneamento-basico-plansab>. 31 Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/index.php/plano-nacional-de-saneamento-basico-plansab>. 30

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Unidade II: Política, marco legal e instrumentos de gestão dos serviços

Dinâmica 6: Como aproveitar as oportunidades da nova legislação para avançar na universalização do acesso e na melhoria da qualidade do saneamento Objetivos: • Apropriar os princípios e as diretrizes da lei que podem auxiliar os municípios a universalizar o acesso e a melhorar a qualidade dos serviços de saneamento. • Analisar os níveis de conformidade legal e avaliar os problemas a serem enfrentados para reorganizar a gestão e melhorar os serviços no município. Material de apoio: Painel sobre o panorama atual de organização dos serviços (elaborado na Dinâmica 5); tarjetas, pincéis atômicos, papel para colar tarjetas e fita adesiva. Orientações para organizar e apoiar os grupos na condução da dinâmica: Agora, com uma melhor compreensão da nova legislação que regulamenta o setor de saneamento básico no Brasil, a turma voltará a ser organizar nos grupos de trabalho, segundo o recorte dos municípios. A proposta nesta atividade consiste em retomar o painel elaborado na Dinâmica 5, para analisar a atual organização dos serviços de saneamento básico, dentro da perspectiva dos princípios e diretrizes estabelecidos nas leis estudadas e discutidas. Para orientar a tarefa em grupo, sugerimos o uso do painel apresentado a seguir. A cada princípio ou diretriz elencado, o grupo deverá indicar o grau de conformidade legal da atual organização dos serviços de saneamento em seu município. Para isso, o grupo pode usar as tarjetas das seguintes cores: • Verde = satisfatório • Amarelo = deficiente • Vermelho = insuficiente Nas próprias tarjetas, o grupo poderá registrar os motivos da avaliação feita, para explicar os problemas a serem enfrentados, assim como as oportunidades que identificadas na legislação que podem promover a melhoria da forma como o saneamento é praticado em seus municípios.

Princípio/diretriz legal

Grau de conformidade legal

Integralidade entre os quatro serviços Articulação com outras políticas Planejamento: política pública/plano Regulação e fiscalização Contratualização dos serviços (continua)

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(continuação) Princípio/diretriz legal

Grau de conformidade legal

Segurança, qualidade e regularidade Estrutura adequada de remuneração dos serviços Controle social e participação nos processos decisórios Transparência e acesso à informação Possibilidades de gestão associada Universalização do acesso aos serviços

O estudo das alternativas de gestão para organizar os serviços de saneamento básico é uma das principais tarefas colocadas para o PMSB. Não se trata apenas de atender à lei: trata-se, sobretudo, de analisar, entre os modelos de gestão permitidos na legislação, os que são mais adequados para contribuir para a universalização do acesso, otimizar o uso da infraestrutura instalada, melhorar a qualidade dos serviços prestados, além de resgatar o papel do município como titular dos serviços. A contratualização da prestação dos serviços é uma medida importante para esse processo. Contudo, são decisões que devem ser tomadas pela Prefeitura com a participação da sociedade. Assim, não existe uma receita única: a lei oferece uma gama de alternativas que podem atender adequadamente a cada um dos serviços. O momento de elaboração do PMSB é a oportunidade para aprofundar o estudo dessas alternativas e de tomar as decisões mais apropriadas para a população. A seguir, apresentamos um quadro32 que resume as características de cada uma das funções de gestão, de acordo com o que estabelece a Lei nº 11.445/2007. Na sequência, apresentamos um resumo dos tipos de contratos que podem ser firmados pelo município.

Funções da gestão dos serviços públicos de saneamento básico Serviços públicos de saneamento básico Gestão Abastecimento de água

Esgotamento sanitário

Planejamento

Manejo de resíduos sólidos

Manejo das águas pluviais

Indelegável

Regulação

Direta ou delegável à entidade reguladora constituída dentro dos limites do respectivo Estado

Fiscalização

Direta ou delegável a órgão ou ente público

Prestação

Direta (Lei nº 8.666, no caso de terceirização) ou delegada (Leis nos 8.987, 11.079 e 11.107)

Controle social

Indelegável

Inspirado em palestra ministrada por Marcos Helano Montenegro.

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Unidade II: Política, marco legal e instrumentos de gestão dos serviços

Tipos de contratos e respectivas referências legais: • contrato de programa – quando prestado por entidade ou órgão de um dos entes federados consorciados, nos termos Lei nº 11.107/2005; • contrato de concessão precedido de licitação – firmado pelo consórcio público ou pelo município, nos termos da Lei nº 8.987/1995; • contrato de prestação de serviços – nos termos da Lei nº 8.666/1993; • contrato de parceria público-privada – precedido de licitação, firmado com agentes privados pelo consórcio público ou pelo município consorciado, nos termos da Lei nº 11.079/2004; • contrato com dispensa de licitação – nos termos do inciso XXVII do artigo 24 da Lei nº 8.666/1993, modificado pelo artigo 57 da Lei nº 11.445/2007, firmado com organizações de catadores pelo consórcio público ou pelo município; • termo de parceria ou convênio – excepcionalmente nos casos de prestação dos serviços por usuários organizados em cooperativas ou associações, nos casos previstos no artigo 10, parágrafo 1º, inciso I, da Lei nº 11.445/2007.

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UnidadeIII II Unidade

Plano Municipal de Saneamento BĂĄsico: processos e conteĂşdos


Unidade III: O Plano Municipal de Saneamento Básico – processos e conteúdos

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Fotos: © Fundação Vale


Unidade III: Plano Municipal de Saneamento Básico – processos e conteúdos Independentemente de qualquer requisito legal, o Plano, desde que integrado e participativo e, sobretudo, que objetive, de fato, transformar para melhor a realidade das pessoas, é um instrumento de gestão indispensável para organizar a vida na cidade. Particularmente, a abordagem que realizamos neste guia sobre o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) tem visa a contribuir para a compreensão da política e da gestão dos serviços de saneamento básico, na medida em que sua elaboração pode promover um processo de reflexão, discussão e decisão sobre os problemas a serem enfrentados e as ações a serem empreendidas para transformar essa realidade. Nesse sentido, deixamos claro que a pretensão deste guia consiste em sensibilizar os municípios para que conduzam os processos dos Planos de Saneamento Básico, assim como instituam os demais instrumentos de gestão dos serviços. Secundariamente, buscamos propiciar o alinhamento dos municípios às diretrizes nacionais do saneamento básico e à Política Nacional de Resíduos Sólidos. Nesse alinhamento, o acesso aos recursos administrados pela União impõe dois condicionantes que se atendidos, a nosso ver, ajudam a avançar quanto à organização dos serviços de saneamento básico nos municípios: a) elaboração do PMSB, por meio de um processo integrado e participativo; e b) constituição de órgão colegiado de controle social, que atenda minimamente aos requisitos estabelecidos pela lei.

Requisitos legais para acesso aos recursos administrados pela União A partir do exercício financeiro de 2014, a existência de um Plano de Saneamento Básico, elaborado pelo titular dos serviços, será condição para o acesso a recursos orçamentários da União ou a recursos de financiamentos gerenciados ou administrados por órgão ou entidade da administração pública federal, quando destinados a serviços de saneamento básico (art. 26, §2o, Decreto nº 7.217/2010). Será vedado, a partir do exercício financeiro de 2014, acesso aos recursos federais [...] àqueles titulares de serviços públicos de saneamento básico que não instituírem, por meio de legislação específica, o controle social realizado por órgão colegiado (art. 34, §6o, Decreto nº 7.217/2010).

1. PMSB: conteúdos e olhares sobre o território Para introduzir o assunto, podemos afirmar que o PMSB é, no mínimo, um instrumento indispensável para: a) identificar a demanda por infraestrutura e serviços; b) decidir sobre os investimentos necessários, apoiados em metas e prioridades de atendimento em face dos indicadores epidemiológicos e ambientais; c) analisar as alternativas viáveis, considerando estudos de cenários futuros baseados na dinâmica demográfica, na capacidade de suporte dos recursos ambientais e nas condições de remuneração dos serviços prestados, incluindo mecanismos de subsídios e subvenções de acordo com a capacidade diferenciada de pagamento da população beneficiada; d) mobilizar a participação da sociedade nos processos de formulação de políticas públicas e de tomada de decisões sobre as questões relacionadas ao saneamento no município. Esse Plano deve, portanto, estar fundamentado na realidade territorial (urbana e rural), ambiental e social do município. Dessa forma, as diretrizes estabelecidas no Plano Diretor Municipal (PDM) devem constituir a principal referência do Plano de Saneamento. Vejamos alguns exemplos de como isso pode ocorrer:

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Unidade III: O Plano Municipal de Saneamento Básico – processos e conteúdos

Antes de estimular novas pressões em áreas ambientalmente vulneráveis ou em áreas muito afastadas dos centros urbanos, é necessário que o poder público incentive e viabilize a ocupação das áreas que já apresentem infraestrutura de saneamento, preferencialmente para o uso de moradia, ampliando assim os benefícios produzidos com os recursos públicos investidos;

O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) prevê instrumentos que, se aplicados de forma apropriada, podem aperfeiçoar a gestão urbana municipal. Um exemplo disso é o adensamento de áreas com infraestrutura adequada já instalada e provida de serviços públicos, de forma a direcionar o uso dessas áreas para a moradia. Outra estratégia nessa direção é a revitalização dos grandes centros urbanos.

A recuperação de fundos de vale, visando à renaturalização dos cursos d’água que atravessam as cidades, com atribuição de uso de espaços de convivência e de prática de esporte e lazer, associada à implementação de interceptores de esgoto sanitário, tem se mostrado uma estratégia sustentável de intervenção no território para a realidade atual das cidades brasileiras;

Uma relação direta entre a forma de uso e de ocupação do solo, com a infraestrutura de saneamento, remete ao que denominamos de “manejo das águas pluviais urbanas”.

A impermeabilização do solo como resultado de empreendimentos imobiliários e viários, públicos e privados, associada à prática tão difundida de canalizar rios e córregos, é certamente um dos mais nefastos impactos da urbanização. As enchentes e as inundações ribeirinhas – inclusive com perdas humanas – têm nos alertado insistentemente para o fato de que a canalização artificial de cursos d’água não assegura o controle sobre as cheias, nem mesmo sobre as condições sanitárias, como se apregoou por tanto tempo. Ao contrário, esse tipo de intervenção física tem resultado no aumento da gravidade dos alagamentos e das inundações, dessa forma, intensificando ainda mais os processos erosivos do solo, com consequências desastrosas para as populações e para a salubridade ambiental e sanitária das cidades.

Assim, fica claro que as opções de desenvolvimento urbano e econômico de uma região, definidas no Plano Diretor, podem ter influência negativa sobre o padrão de urbanização, principalmente para os grupos sociais de baixa renda e, também, sobre o meio ambiente – mais incisivamente sobre os cursos d’água, que interferem no espaço e na vida, tanto da própria cidade quanto à jusante desta. Vimos na Unidade II como os Planos de Saneamento são tratados pela Lei nº 11.445/2007. Apesar de essa lei permitir a elaboração de planos específicos para cada serviço (art. 19), o titular será responsável por compatibilizá-los e consolidá-los no Plano Municipal de Saneamento Básico. Além disso, deverá ser observada nessa tarefa a compatibilidade do Plano de Saneamento com o Plano de Bacia Hidrográfica – que pode ser mais de uma –, em que o município estiver inserido (§§2º e 3º, art. 19). Muitas vezes, os diagnósticos são elaborados para cada serviço específico, pois também dependem dos dados e das informações fornecidas pelos respectivos prestadores, os que, na maioria das vezes, são distintos. Aliás, como também vimos na Unidade II, a Lei nº 11.445/07 estabelece que “os planos de saneamento básico serão editados pelos titulares, podendo ser elaborados com base em estudos fornecidos pelos prestadores de cada serviço” (§1º, art. 19). Os diagnósticos setoriais incluem dados provenientes do monitoramento hidrológico e da qualidade dos meios receptores, em uma espécie de inventário da infraestrutura existente, referente ao sistema de abastecimento de água (mananciais, faixas de adutoras, reservatórios, redes de distribuição, condições de acesso, ligações domiciliares etc.); ao sistema de esgotamento sanitário (redes de coleta, interceptores, estações elevatórias, ETEs, pontos e condições de lançamento dos efluentes nos corpos

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receptores, lançamentos irregulares de esgotos no sistema de drenagem etc.); ao sistema de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos (níveis de geração de resíduos, formas de acondicionamento, rotas de coleta, transporte e transbordo dos resíduos e alternativas de tratamento, incluindo a coleta seletiva realizada pelos catadores, e equipamentos de disposição final); à infraestrutura de drenagem existente e, se for o caso, a medidas de manejo das águas pluviais urbanas (redes, canalizações, bacias de amortecimento, áreas de inundação, áreas de desmoronamento, níveis de impermeabilização etc.). Contudo, entendemos que o esforço do município deve ocorrer no sentido de elaborar o PMSB que, à luz do PDM, estabelecerá as diretrizes para a organização dos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e de águas pluviais urbanas, tendo como principal fio condutor a integralidade das ações de saneamento e a intersetorialidade com as outras políticas. Dentro dessa perspectiva, outros dados importantes podem ser obtidos por meio de estudos de identificação das áreas ambientalmente sensíveis, a exemplo das áreas de mananciais, ou de risco de inundação e risco geotécnico e geológico. Outras áreas podem sofrer restrições relativas ao processo de ocupação e uso do solo, no sentido de constituir reservas fundiárias para a implementação de equipamentos e infraestrutura para disposição final adequada de resíduos sólidos, como os aterros sanitários, ou de amortecimento e armazenamento de cheias, a exemplo das bacias de detenção e as trincheiras de infiltração. A gestão urbana sustentável, sob a perspectiva ambiental e da inclusão social, não depende apenas da implementação de infraestrutura. Muitas vezes, os conflitos socioambientais no espaço urbano são equacionados por meio da decisão governamental de investir em medidas estruturantes e da postura proativa dos moradores. Nesse campo, encontram-se iniciativas voltadas para a redução de perdas no sistema de abastecimento de água, que, no caso brasileiro, situam-se em patamares bastante elevados. No manejo de resíduos sólidos, o incentivo à minimização da sua geração e à maximização da sua reutilização, da reciclagem e do reaproveitamento, é capaz de aliviar a pressão por novas e maiores áreas de destinação final o que, na etapa do tratamento, cria oportunidades de inclusão social dos catadores como agentes de serviços ambientais. No sistema de esgotamento sanitário, ainda há muito que se fazer, principalmente em termos da implementação de infraestrutura de redes coletoras, interceptores e estações de tratamento. No entanto, em vários municípios observa-se um baixo índice de ligação dos domicílios à rede existente. Nesses casos, a ação governamental deve privilegiar campanhas de informação voltadas para fomentar a adesão dos moradores aos sistemas, ao mesmo tempo esclarecendo os benefícios de proteção à saúde pública e ao meio ambiente. Além da leitura dos tecidos urbano, ambiental e social, a equipe responsável pela elaboração do Plano deve procurar elaborar uma síntese dos demais planos e programas prioritários do Executivo municipal, correlatos ao saneamento, possibilitando assim uma análise mais abrangente da realidade do município. Sendo assim, o PMSB é muito mais do que uma simples lista de empreendimentos33. A sua concepção, elaboração e etapas de implementação, avaliação e revisão devem estar fundamentadas em uma metodologia capaz de promover ações interdisciplinares, que articulem os diversos órgãos públicos que atuam no saneamento e assegurem o direito da população à participação e ao efetivo exercício do controle social durante todo esse processo. Antes de nos determos um pouco mais nos conteúdos do PMSB, propomos uma breve análise das diversas formas de se pensar o planejamento, em particular, aplicado às políticas públicas e dentro de uma perspectiva histórica.

2. Planejamento: escolas e escolhas Ao analisar as diferentes escolas de planejamento, podemos observar que a forma como se realiza o planejamento no Brasil está menos relacionada aos períodos da história que desenharam a cronologia dessa evolução. As experiências de planejamento vivenciadas em nosso país foram mais influenciadas por fatores que determinaram a formação social brasileira, a exemplo da Relatório Síntese do Plano Municipal de Saneamento da Cidade de Belo Horizonte (MINAS GERAIS, 2004).

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Unidade III: O Plano Municipal de Saneamento Básico – processos e conteúdos

problemática regional e nacional, bem como da orientação política e técnica que se imprimiu ao planejamento no âmbito do projeto nacional de desenvolvimento predominante em cada época. A associação intrínseca entre planejamento e plano, como uma peça meramente técnica, predominou em grande parte da história da administração pública no Brasil. Nessa vertente, o planejamento é visto como um processo estritamente tecnicista, dominado por especialistas e burocratas. Acreditava-se que o plano certo seria suficiente para atingir os resultados esperados. Porém, são inúmeros os exemplos de experiências de planejamento fracassadas, que se pautaram em planos que na teoria se mostravam perfeitos, mas que na prática produziram resultados decepcionantes, e até mesmo desastrosos. De forma geral, vocês seria capaz de dar exemplos de planos que ficaram no papel? Essa reflexão nos leva a outra. Algumas visões da prática do planejamento falharam por não considerar uma relação muito importante para o campo das políticas públicas, a que existe entre planejamento e implementação. Essa associação nos leva a conceber o planejamento como processo, e não como uma sequência linear de fases e etapas. Ao se conceber o planejamento como processo, a ideia de interação se faz indispensável: interação de quem planeja (sujeito) com o que se planeja (objeto). E quando se fala em sujeito no campo do planejamento como processo, a referência imediata é a de Carlos Matus.

O chileno Carlos Matus, nascido en 1931, foi o maior estudioso da América Latina sobre planejamento estratégico de governo. Ministro do governo chileno de Salvador Allende, desenvolveu diversas pesquisas e experiências que resultaram no modelo de planejamento denominado Planejamento Estratégico Situacional (PES). Ele deixou uma grande obra e influenciou centenas de administradores públicos, especialmente no Brasil.

Para Matus, o indivíduo não é uma força poderosa o suficiente para produzir mudanças. Apenas quando o indivíduo se reconhece coletivo é que passa a reunir as condições para atuar no sentido de provocar mudanças na direção desejada, em um processo social e historicamente dado. O chamado “homem coletivo” constitui o que chamamos de sujeito social. Contudo, ele não é homogêneo, nem mesmo um ser único, que não apresentar contradições diante da vida. Dessa forma, o planejamento não se reduz simplesmente à relação desse ser coletivo com a realidade ao seu redor. Quando o sujeito olha ou deseja uma coisa (o objeto), há nesse olhar uma multiplicidade de visões, de como ele vê e interpreta a coisa, a qual em si não é estática ou imutável. Isso faz com que o objeto do planejamento seja um elemento em constante mudança porque, sejamos ou não o sujeito social dessa mudança, sempre haverá um outro agente atuando na determinação do objeto. Na construção de sua teoria do planejamento, Matus aborda a relação entre o sujeito que planeja e o objeto planejado. Essa relação tem sido vista de diversas formas ao longo da história do planejamento. De uma forma ou de outra, podemos dizer que dois paradigmas são fundamentais para a compreensão das especificidades e das diferenças de cada uma dessas formas de planejar (as chamadas teorias ou escolas do planejamento): a) um paradigma concebe o sujeito fora do objeto planejado – aqui, entre o sujeito e o objeto existe apenas uma interpretação unilateral do sujeito – que olha apenas do seu lugar – em relação ao objeto; e b) o outro paradigma concebe o sujeito como parte do objeto planejado – a figura do sujeito aqui é condicionada pelos vários lugares sociais que determinam o olhar, que interage e influencia o desenvolvimento do objeto, portanto, do fenômeno. Segundo Matus, a abordagem “do sujeito fora do objeto planejado” advém do chamado planejamento normativo ou tradicional. Nessa abordagem, o sujeito possui uma visão única do objeto, sendo possível apenas essa interpretação deste último. Nessa concepção, a relação é grandemente assimétrica, pois o objeto pode ser completamente apreendido e compreendido pelo sujeito. Ou seja, tendo conhecido o objeto, o sujeito passa a conhecer todas as leis e os códigos que o regem, tornando-o altamente previsível e se afastando totalmente da noção de processo. Esse tipo de abordagem se aproxima muito do

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planejamento normativo, em sua vertente tecnocrática, na qual a formulação de políticas está a cargo de planejadores que detêm o domínio da técnica. A segunda abordagem (“o sujeito como parte do objeto planejado”) caracteriza o que denominamos planejamento estratégico situacional. De acordo com essa visão, o sujeito não está sozinho, mas convive com outros sujeitos em constante relacionamento com o objeto planejado. Isso equivale a dizer que cada sujeito observa o objeto do seu próprio lugar, por meio de uma lente, de um filtro particular, mas nenhum dos sujeitos é capaz de ver o objeto de imediato e por inteiro, em sua plenitude e complexidade. São necessárias aproximações sucessivas do sujeito em direção ao objeto, bem como a diversas leituras realizadas pelos diferentes sujeitos, para se chegar a uma interpretação mais fidedigna do objeto em seu contexto histórico e social. Portanto, estamos nos referindo a uma visão plural do mesmo objeto, como pressuposto para planejá-lo dentro da concepção de processo. Assim, retomando o tema específico do PMSB, agora mais bem embasados sobre o significado de plano como processo, remetemo-nos às formas de participação dos agentes públicos, privados e sociais, nos mecanismos de interação dos processos específicos do Plano de Saneamento e os demais planos que o tangenciam tematicamente (Plano Diretor, Planos de Bacia, de Recursos Hídricos, Planos Regionais, Estaduais etc.). Além do caráter participativo, a visão de plano como processo requer igualmente a incorporação da perspectiva estratégica, por meio da qual o plano se transforma em ação efetiva. Sobre isso, vejamos algumas recomendações importantes: • ao definir as formas de interação e de participação dos agentes locais, é indispensável o reconhecimento das instâncias colegiadas existentes e os mecanismos de articulação institucional, instituídos e que podem ser fortalecidos; • os processos de interlocução e de participação devem criar um ambiente que promova um espaço de aproximação e complementaridade entre o “saber técnico” e o “saber popular”; • nas diversas etapas do Plano, desde a sua formulação, passando –pela aprovação, implementação, avaliação até a sua revisão, devem ser pactuadas as formas de participação dos diversos agentes sociais (locais e regionais) e os mecanismos para a tomada de decisões; • deve-se estruturar um arranjo institucional para o desenvolvimento do Plano, que pode ser uma instância colegiada (fórum, conselho, grupo de trabalho ou comitê34) de dinâmica de trabalho, que contemple o envolvimento de todos os agentes com atuação no setor do saneamento, nos níveis local, regional e estadual, com divisão de atribuições de acordo com as competências e habilidades de cada agente; • não se esquecer de trabalhar algum mecanismo que assegure a participação de representantes do Legislativo municipal no processo; • a tomada de decisões sobre os investimentos a serem priorizados deve estar fundamentada em um conjunto de critérios, que associem aspectos não apenas de presença – ou ausência – de infraestrutura e serviços de saneamento, mas também com relação à qualidade, à segurança e regularidade, ao nível de adensamento populacional, ao tipo de uso e ocupação do solo, às condições de integridade dos recursos ambientais, ao quadro de saúde pública segundo indicadores epidemiológicos, além do cenário institucional e social da comunidade a ser atendida e os benefícios produzidos; • a sustentabilidade do Plano depende, em larga medida, da existência ou do fortalecimento de uma institucionalidade que o abrigue, ou seja, o Plano deve ser definido como um dos instrumentos da política de saneamento, que também deve contar com um conselho, com um fundo e com outros atributos que garantam a perenidade e a legitimidade dos processos de planejamento e aprimoramento da gestão; • prever mecanismos para a avaliação, a revisão e a atualização do Plano, por meio da utilização de índices setoriais e de indicadores (produção e difusão de dados e informações), além da definição de uma instância de avaliação e tomada de decisões, que pode ser, preferencialmente, a mesma em que se deu o processo de formulação do Plano. Sobre a territorialidade do Plano, fazemos três considerações: i) o Plano pode ser municipal – quando não houver perspectiva de gestão associada –, o que não inviabiliza que o Plano Municipal seja desenvolvido com uma visão supralocal, não apenas para a melhor compreensão dos problemas Como recomendam as diretrizes da SNSA/MCidades: o Comitê Executivo (composição governamental, de caráter multidisciplinar) e o Comitê de Coordenação (instância colegiada com participação ativa de representantes da sociedade).

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diagnosticados, como também para identificar, mesmo que futuramente, oportunidades de atuação conjunta com outros municípios; ii) o Plano pode ser regional, com derivação para os Planos Municipais, quando houver perspectiva concreta de gestão associada dos serviços, por meio da formação de consórcios públicos; iii) a unidade territorial de análise pode coincidir com os contornos de uma sub-bacia, de uma área de planejamento, de um distrito censitário ou outra configuração espacial que melhor represente a realidade local estudada. Devemos ser bastante criteriosos em relação ao conceito de participação e quanto às formas de operacionalizá-lo no processo de gestão. O box a seguir apresenta uma hierarquização dos níveis de participação que podem ocorrer nos processos de formulação de políticas públicas e de planejamento setorial, do qual o Plano é o principal instrumento.

Níveis de participação na formulação de um Plano Nível 0 (nenhuma): a comunidade não participa da elaboração nem do acompanhamento do Plano. Nível 1 (a comunidade recebe informação): a comunidade é informada do Plano e espera a sua conformidade. Nível 2 (a comunidade é consultada): para promover o Plano, a administração busca apoios que facilitem a sua aceitação e o cumprimento das formalidades que possibilitem a sua aprovação. Nível 3 (a comunidade opina): a administração apresenta à comunidade o Plano já elaborado, e a convida para que ele seja questionado, esperando modificá-lo somente o estritamente necessário. Nível 4 (elaboração conjunta): a administração apresenta à comunidade uma primeira versão do Plano aberta a modificações, esperando que ele seja alterado em certa medida. Nível 5 (a comunidade tem poder delegado para elaborar): a administração apresenta as informações à comunidade, junto com um contexto de soluções possíveis, convidando-a a tomar decisões que possam ser incorporadas ao Plano. Nível 6 (a comunidade controla o processo): a administração procura a comunidade para que ela participe ativamente da elaboração do diagnóstico e da tomada de decisões sobre objetivos e metas que o Plano visa a alcançar. Fonte: Escala de Participação elaborada por Sherry Arnstein (1969).

Sugerimos que essa escala seja entendida como uma referência para organizar as várias etapas do processo de elaboração do Plano. Não se trata, portanto, de se optar por um único nível. Se a escolha fosse dessa natureza, obviamente recomendaríamos que se optasse pelo nível 6 e que se descartasse os níveis 0, 1 e 2. Entretanto, não se trata disso. O processo abrange a combinação entre os vários mecanismos e sua aplicação, de acordo com a capacidade de organização social da população. Assim, nas instâncias institucionalizadas de participação e de controle social (como as conferências, os comitês e os conselhos), nas quais a participação sociopolítica é mais qualificada e representativa, o poder é delegado sem se perder o suporte técnico para melhor fundamentar as decisões a serem tomadas. Nos eventos mais amplos do processo, que objetivam dar maior visibilidade ao Plano, a sensibilização e a mobilização de parcelas maiores da população, a difusão de informações, a realização de campanhas e de debates, ajudam a “oxigenar” o processo, construindo aos poucos a adesão à agenda de um saneamento saudável e acessível a todos, no município.

3. Outras referências de apoio aos municípios para a elaboração do PMSB A partir do processo de discussão que precedeu a edição da Lei Nacional do Saneamento Básico, foram desenvolvidas diversas iniciativas de produção de conhecimento especializado e de capacitação, com o propósito de disponibilizar informações para o aperfeiçoamento e a qualificação do processo de planejamento e de formulação das políticas de saneamento nas cidades brasileiras.

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No período entre 2005 e 2007, a SNSA/MCidades, em várias parcerias com a Funasa, promoveu ações de apoio à formulação de PMSBs. Mais recentemente, em 2012, a Funasa firmou um acordo de cooperação técnica com a Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae), para implementar um agenda robusta de cursos sobre Planos de Saneamento Básico e consórcios públicos. Outras fontes de consulta são: • “Política e Plano Municipal de Saneamento Ambiental: experiências e recomendações” (MORAES; BORJA, 2005); • “Guia para a elaboração de Planos Municipais de Saneamento” (BERNARDES; SCÁRDUA; CAMPANA, 2006); • “Diretrizes para a definição da Política e para a elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico” (BRASIL. Ministério das Cidades, 2010); • “Caderno de subsídios para elaboração dos Planos Municipais de Saneamento Ambiental” (SANTOS; FERREIRA, 2010); • “Coletânea sobre a Lei Nacional de Saneamento Básico. Perspectivas para as políticas e a gestão dos serviços de saneamento básico, livros I, II e III” (CORDEIRO, 2009). Outra referência importante são as resoluções do ConCidades. O Pleno do ConCidades aprovou resoluções de recomendação, orientadoras para: a) a definição dos prazos para a formulação dos Planos; b) a organização e a realização de campanha nacional de mobilização e sensibilização sobre a importância dos PMSBs; c) a definição da forma de apoio e de assistência técnica da União aos municípios; e d) a constituição de um grupo de trabalho para a definição dos conteúdos do Plansab. Algumas dessas resoluções foram efetivadas, a exemplo do Plansab. Outras figuram ainda no campo das demandas legítimas, como recentemente apresentadas durante o IV Seminário Internacional de Saúde Pública, promovido pela Funasa, quanto à necessidade de o governo federal disponibilizar aos municípios um programa nacional de capacitação e de assistência técnica, para a implementação dos instrumentos de gestão dos serviços de saneamento básico previstos na legislação. Do documento das diretrizes elaborado pela SNSA/MCidades (BRASIL. Ministério das Cidades, 2010), extraímos um resumo do conteúdo mínimo do PMSB, da metodologia proposta e das etapas que compõem a elaboração do Plano. Esse resumo é apresentado nos boxes a seguir.

Conteúdos do PMSB, de acordo com a Lei nº 11.445 e com a Resolução nº 75/2009 do ConCidades

• Diagnóstico integrado dos quatro serviços: identificação das condições de acesso aos serviços e dos impactos nas condições de vida da população/uso de indicadores sanitários, epidemiológicos, ambientais e socioeconômicos disponíveis; avaliação da realidade atual na perspectiva da bacia hidrográfica e da região na qual o município está inserido; estimativa da demanda e das necessidades de investimentos, situação institucional da gestão dos serviços.

• Definição de objetivos e metas, e análise de cenários: análise de modelos de gestão dos instrumentos para a regulação/ fiscalização, prestação dos serviços e controle social.

• Proposição de programas, projetos e ações para os quatro serviços, indicação das fontes de financiamento compatíveis com o PPA e outros planos governamentais: plano diretor, planos habitacionais, de bacias hidrográficas, de gerenciamento de resíduos sólidos; ações para emergências e contingências; mecanismos e procedimentos para avaliação sistemática da eficiência e da eficácia das ações programadas; estabelecimento de índices mínimos para desempenho técnico, econômico e financeiro dos prestadores.

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Metodologia: fases e etapas do PMSB Fase I – planejamento do processo de elaboração da política e do Plano: projeto do Plano; organização institucional do processo, instituição das instâncias e dos mecanismos de participação popular/conselhos, comitês, grupos de trabalho multidisciplinares; oficinas, consulta pública, conferências etc.; estratégias de comunicação e meios para disseminação da informação; ajuste do termo de referência para a contratação de serviços e estudos; questões mais gerais da política: formulação preliminar dos princípios e diretrizes. Fase II – elaboração do PMSB: diagnóstico; prognósticos e alternativas para universalização, condicionantes, diretrizes, objetivos, metas e cenários; programas, projetos e ações; monitoramento e avaliação sistemática; sistema municipal de informações. Fase III – aprovação do PMSB: decreto do Executivo municipal ou projeto de lei a ser aprovado no Legislativo municipal, associado à lei da Política Municipal de Saneamento Básico.

Na Fase I, que contempla o planejamento do processo de elaboração da política e do Plano – denominada pelas diretrizes da SNSA/MCidades como Projeto do Plano –, os municípios podem se inspirar no arranjo proposto para abrigar o processo. Nessa proposta, recomendamos a constituição de dois comitês, sendo um de natureza governamental, com perfil técnico e composição multidisciplinar; e outro de natureza colegiada, com a participação de representantes das organizações sociais, sindicatos, entidades de classe, empresários e lideranças comunitárias, além da representação do Ministério Público e do Legislativo municipal.

Arranjo institucional para elaboração do PMSB – Projeto do Plano Comitê de Coordenação: instância deliberativa, formalmente institucionalizada, responsável pela coordenação, pela condução e pelo acompanhamento da elaboração do PMSB. Deve ser constituído por representantes, com função dirigente, das instituições públicas e organizações sociais relacionadas ao saneamento básico. É recomendável que inclua representantes do Conselho Municipal da Cidade, de Saneamento, de Saúde, de Meio Ambiente, caso existam, da Câmara de Vereadores e do Ministério Público e, por fim, de organizações da sociedade civil (entidades profissionais, empresariais, movimentos sociais, ONGs etc.). Comitê Executivo: instância responsável pela operacionalização do processo de elaboração do PMSB. Deve ter composição multidisciplinar e incluir técnicos dos órgãos e entidades municipais, bem como dos prestadores de serviços da área de saneamento básico e de áreas afins ao tema, sendo desejável a participação ou o acompanhamento de representantes dos conselhos, dos prestadores de serviços e organizações da sociedade civil.

Dinâmica 7: Construindo uma proposta participativa e integrada para o processo de elaboração do PMSB Objetivos: • Consolidar o conhecimento adquirido, com a troca de experiências propiciada ao longo do curso, em uma leitura-síntese do território. • Interferir na realidade para construir o cenário desejado para o saneamento nos municípios. • Propor um esboço geral do processo de elaboração do PMSB.

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Material de apoio: • Mapas e painéis construídos ao longo do curso em todas as dinâmicas. • Documento da SNSA/MCidades intitulado “Diretrizes para a definição da política e elaboração do plano de saneamento básico” (BRASIL. Ministério das Cidades, 2010). • Papel para colar tarjetas, pincéis atômicos, fita adesiva.

Orientações para organizar e apoiar os grupos na condução da dinâmica: Nesta dinâmica, que sintetiza toda a reflexão e o conhecimento compartilhados durante o curso, os grupos de trabalho, organizados por municípios, devem retomar os painéis e os mapas elaborados nas atividades anteriores. Revisitando a reflexão feita pelos grupos sobre: a) os diferentes padrões dos serviços de saneamento prestados à população (Dinâmica 1); b) a leitura que o grupo realizou do território (Dinâmica 2), sob o ponto de vista da lógica de ocupação da cidade (quem mora onde e por que, lugares onde ninguém mora e por que); c) a reflexão sobre o papel da mulher como agente político relevante na luta pelo direito à cidade (Dinâmica 3); d) o ensaio sobre as possibilidades de formação de um consórcio intermunicipal, para melhorar a situação dos serviços de saneamento básico por meio de gestão associada, adotando-se o instrumento de contrato de programa (Dinâmica 4); e) a atual forma pela qual os serviços de saneamento básico estão organizados nos municípios (Dinâmica 5); e, por fim, f ) as mudanças esperadas na gestão dos serviços (Dinâmica 6), visando a melhorar o saneamento no município e aproveitando as oportunidades colocadas pela nova legislação em âmbito nacional. Agora, cada grupo é convidado a interferir nessa realidade, de forma a construir o cenário desejado para o saneamento básico em seu município. Esta dinâmica, amparada no acúmulo de reflexões, estudos e conhecimentos construídos ao longo do curso, tem como objetivo principal auxiliar o grupo a planejar o esboço geral do processo de elaboração do PMSB do seu município. Para ajudar nessa última tarefa, que deixará como legado uma espécie de projeto para a elaboração do PMSB, sugerimos que o grupo adote como referência o roteiro da SNSA/MCidades. O “passo a passo” de como construir um PMSB encontra-se no Quadro 1 do documento de Diretrizes da SNSA/MCidades (BRASIL. Ministério das Cidades, 2010). Para que o exercício se aproxime mais da realidade dos municípios, recomendamos que o grupo tome como diagnóstico os quatro problemas elencados na Dinâmica 1, que refletem melhor a visão da integralidade dos serviços e da intersetorialidade das políticas públicas. Assim, torna-se mais crível pensar no processo de elaboração do PMSB, de forma a identificar melhor os agentes a serem mobilizados e a natureza das ações propostas. Das três fases recomendadas para a elaboração do PMSB, descritas anteriormente nesta unidade, sugerimos que o grupo se ocupe de desenvolver as etapas estruturantes da fase correspondente ao Projeto do Plano. Assim, o grupo pode contribuir com a municipalidade, apresentando à Prefeitura uma proposta da forma como poderia ser estruturado o processo para a elaboração do PMSB. A proposta pode contemplar minimamente: • as instâncias de participação popular e de integração setorial que serão criadas ou consolidadas para basear todo o processo de elaboração do Plano; • a forma de assessoramento a ser adotada, com a finalidade de apoiar tecnicamente o processo de planejamento: convênio com universidade, contratação de empresa de consultoria especializada, ou execução direta pelo quadro de técnicos servidores do município; seja qual for a forma escolhida, é indispensável o termo de referência, discutido e validado nas instâncias colegiadas instituídas para a elaboração do Plano;

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• os mecanismos de divulgação e comunicação para o acesso e a disseminação das informações que subsidiarão o diagnóstico e a proposição de ações do Plano; • canais alternativos às instâncias de participação para o recebimento de críticas e sugestões, como consulta pública, entre outros; • os eventos mais ampliados para debates sobre o Plano, como seminários, audiências públicas e conferências municipais, que podem ser regionais ou setoriais, culminando com uma conferência deliberativa para validar o Plano ao final do processo; • outras atividades que o grupo entenda serem relevantes para a realidade do seu município. Como mencionado anteriormente, a SNSA/MCidades recomenda a instituição de dois comitês: um Comitê Executivo e um Comitê de Coordenação. Contudo, recomendamos a adoção desse arranjo apenas se ajudar a reforçar instâncias colegiadas existentes no município, a exemplo de conselhos municipais ou fóruns locais que tenham interface com o saneamento, além de consolidar grupos de trabalho interdisciplinares, formados por gestores e técnicos da administração municipal que trabalham com a agenda do saneamento básico.

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Foto: © Prefeitura Municipal de Jacuí

Foto: © Prefeitura Municipal de Taboão da Serra

Foto: © Fundação Vale

Foto: © Fundação Vale

Foto: © SNSA/MCidades

Foto: © Fundação Vale

Foto: © Fundação Vale

Foto: © Fundação Vale


Dinâmica de encerramento do curso A dinâmica de encerramento do curso tem como objetivo principal simular um ambiente de deliberação em torno da política de saneamento básico, no qual os participantes atuem como representantes dos diversos agentes públicos, sociais e privados, e verbalizem suas demandas e suas opiniões, conferindo visibilidade às situações de embate de interesses, comuns ao jogo político e societário. Considerando o contexto que ainda vigora nos municípios brasileiros, a organização dos serviços de saneamento básico decorre, em larga medida, do fato de ser o prestador dos serviços de água e de esgotos uma autarquia municipal (SAAE) ou uma concessionária estadual (CESB). Nesse sentido, recomendamos que nesta dinâmica de encerramento seja escolhido o município que melhor represente a maioria dos outros membros do grupo. Na maioria dos municípios brasileiros, os serviços de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos são prestados diretamente por uma das secretarias da Prefeitura (de Serviços Urbanos, de Obras etc.), ou são contratados por meio de licitação e prestados por uma empresa privada. Os serviços de drenagem, via de regra, são de responsabilidade de uma secretaria municipal. Para simular o exercício, propomos que os serviços de limpeza urbana/resíduos sólidos sejam prestados por uma empresa privada, e os serviços de drenagem sejam prestados pela Secretaria Municipal de Obras. Para organizar a dinâmica, propomos o seguinte roteiro: 1. Escalação dos atores que participarão da reunião A turma indicará os participantes que representarão os seguintes atores: a) Públicos (8): o(a) prefeito(a); o(a) secretário(a) de Planejamento; o(a) diretor(a) do SAAE ou da CESB; o(a) secretário(a) municipal de Obras; o(a) representante técnico da empresa privada que presta os serviços de limpeza urbana/resíduos sólidos; o(a) vereador(a), preferencialmente da Comissão de Meio Ambiente; o(a) promotor(a), representante do Ministério Público; o(a) professor(a) da universidade pública, que representa a academia e/ou os centros de pesquisa. b) Sociais (7): conselheiros(as) municipais – um da Política Urbana/Cidades e Habitação, e outro da Saúde; dirigente sindical dos trabalhadores em saneamento; um(a) representante de ONG ambientalista; um(a) representante do movimento social de luta pela moradia ou equivalente; uma liderança comunitária; um(a) morador(a) não organizado. c) Privados (4): representante do segmento empresarial (Associação Comercial ou Associação da Construção Civil, por exemplo); representante de uma concessionária privada que atua no setor de saneamento em outras cidades; representante de um banco de investimentos. 2. O passo a passo da dinâmica: a) Escolhido o município, a turma decide as pessoas que irão representar os diferentes papéis indicados para os atores públicos, sociais e privados. b) Para uma melhor condução da dinâmica, recomendamos que os atores públicos sejam representados, preferencialmente, por participantes do município escolhido. c) Os atores sociais e privados podem ser representados pelos participantes dos outros municípios, mesmo porque, durante as sessões plenárias realizadas durante o curso, a turma teve a oportunidade de conhecer um pouco sobre a realidade de cada município presente na capacitação. d) Definidos os papéis, vamos ao script de cada ator: (i) O(A) prefeito(a) anuncia a decisão de elaborar o PMSB, tendo em vista o panorama que recebeu quanto aos serviços de saneamento básico no município. Em sua fala, o(a) prefeito(a) poderá pontuar: os principais problemas vivenciados pela população, devido à falta de acesso ou à precariedade da qualidade dos serviços prestados (painel da Dinâmica 1); as desigualdades intermunicipais verificadas no acesso ao saneamento e à cidade, e no exercício do direito à cidade, relacionadas sobretudo ao local de moradia e à renda das famílias (Dinâmica 2); (ii) O(A) vereador(a), em princípio a maior autoridade quanto ao conhecimento das leis, fará uma análise dos níveis de desconformidade observados na comparação entre a forma atual de organização dos serviços e o que estabelece a legislação vigente para o setor (Dinâmicas 4 e 6).

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Dinâmica de encerramento do curso

(iii) Diante desse quadro, o(a) secretário(a) de Planejamento proporá a construção coletiva de um Plano de Ação para organizar e conduzir o processo de elaboração do PMSB daquele município. (iv) Para isso, o(a) secretário(a) de Planejamento apresentará a estrutura do Plano de Ação, para que os demais atores possam realizar suas contribuições de forma sistematizada, de forma que, no final da reunião, seja obtida uma proposta de como o município poderá atuar.

3. Estrutura básica do Plano de Ação: • Arranjo institucional para a elaboração, a implementação, o monitoramento e a avaliação do PMSB – para isso, é necessário analisar o resultado da Dinâmica 7. • Análise dos cenários de gestão, para a reorganização da política e dos serviços de saneamento básico naquele município.

4. A partir deste momento, a moderação do curso oferecerá a palavra para os outros participantes da reunião, que representam os outros atores. Além da construção coletiva de uma proposta de Plano de Ação para a elaboração do PMSB, o que esperamos do debate entre os diversos atores públicos, sociais e privados, é a identificação dos conflitos de interesses, principalmente com relação ao item que tratará dos cenários de gestão a serem analisados para reorganizar os serviços de saneamento básico naquele município. Esperamos que, desse exame dos cenários de gestão, os atores manifestem as suas posições, principalmente sobre os seguintes aspectos: • natureza da entidade de regulação e das normas que ela virá a editar, sobretudo para a estrutura de remuneração dos serviços e para a política de subsídios, de forma a equacionar a complexa relação entre sustentabilidade econômicofinanceira e universalização do acesso aos serviços; • revisão dos atuais contratos de prestação dos serviços, visando a, gradativamente, obedecer às condições de validade dos contratos, estabelecidas no artigo 11 da Lei nº 11.445/2007, entre eles: as metas a serem atingidas quanto à expansão da cobertura, da qualidade, da eficiência e do uso racional da água, da energia e de outros recursos naturais e ambientais, assim como as prioridades de ação, compatíveis com as metas estabelecidas; • as medidas (estruturantes e não estruturantes) que podem ser adotadas para promover a inclusão social dos catadores de materiais recicláveis como agentes ambientais da gestão integrada de resíduos sólidos; • as alternativas vislumbradas em relação aos consórcios intermunicipais como forma de gestão associada dos serviços, de forma a atribuir ganhos de escala e de escopo no âmbito supralocal; • a sistemática a ser adotada para instituir e/ou fortalecer o sistema municipal de informações em saneamento, incluindo indicadores sanitários, epidemiológicos, ambientais e socioeconômicos; • a existência e as formas de funcionamento das instâncias institucionalizadas de controle social, da igualdade de condições para a efetiva participação dos diferentes atores sociais, e do nível de deliberação sobre o processo decisório, que envolve todas as etapas da política municipal de saneamento básico; • o potencial que tem o PMSB para fortalecer o saneamento como um direito, como um serviço estruturante para promover o desenvolvimento urbano com inclusão social.

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