Colesterol - além do bom e do mau

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Ciência e Tecnologia

e no Brasil

Março 2005 • N° 109

EFEITO ESTUFA ESQUENTA CLIMA ENTRE CIENTISTAS

PORQUE AANTÁRTICA . INTERESSA AO BRASIL

olesterol·

Além do bom edomau



A IMAGEM

DO MÊS

ORVALHO EM ÓRBITA Uma gota d'água flutua no ambiente de baixa gravidade da Estação Espacial Internacional, laboratório instalado a 400 quilômetros da Terra, e mostra o rosto do astronauta norte-americano Leroy Chiao. A imagem está de cabeça para baixo devido à mudança de direção dos raios luminosos na passagem do ar para a água.

PESQUISA FAPESP 109 • MARÇO DE 2005 • 3


Pesqerecniiisa

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FAPESP

12

ENTREVISTA O glaciólogo Jefferson (ardia Simões, que atravessou por terra a Antártica e chegou

44

CAPA

ao pólo Sul, diz que o gelo do mundo é mais

O colesterol saudável, em

importante

quantidade

que para os EUA

abaixo do normal, perde

o efeito protetor e contribui entupimento das artérias

os que duvidam e os que crêem na influência do homem no aquecimento global

38

EPIDEMIOLOGIA

RACIONALIZAÇÃO SAGe abolirá o uso

POLíTICA CIENTíFICA E TECNOLÓGICA

dos processos em papel na FAPESP

VIROLOGIA

CIÊNCIA

Empresa de biotecnologia apresenta descrição detalhada de um vírus associado

AMBIENTE Livro acirra duelo entre

para o Brasil do

para o

REPORTAGENS

24

30

à

52

GERIATRIA

morte

súbita dos citros

28

Genes e hábitos culturais

GOVERNO Projeto da Lei de Incentivo

afetam o risco de surgimento de tumores

à

de cabeça e pescoço

Inovação quer facilitar a

contratação de pesquisadores

37

60

ORÇAMENTO FAPESPfecha o ano de 2004 com superávit de

Idosos param de sentir dores e reavivam a memória

mais de R$ 98 milhões

quando põem o pé na estrada

4 • MARÇO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 109

HOMENAGEM Belita Koiller, da UFRJ, recebe Prêmio L'Oréal-Unesco por estudos sobre comportamento

dos elétrons


58

fíSICA Teoria sustenta que

86

nanotubos se formam a partir do carbono líquido, não do vapor

74

LITERATURA Crônicas de Lima Barreto revelam o poder

QUíMICA

de análise do autor de Policarpo Quaresma

Parceria entre a Unicamp e a Rhodia resulta em novas soluções para processos industriais da empresa

HUMANIDADES

TECNOLOGIA

ANÁLISES CLíNICAS

82

SEÇÕES

ESPORTES

Equipamento baseado em marcador óptico faz diagnóstico

79

3

CARTAS

6

CARTA DO EDITOR

9

de

leishmaniose, câncer de mama

MEMÓRIA

e de próstata

ESTRATÉGIAS

Tese traça radiografia do imaginário olímpico nacional

Pequena empresa medidores de corrente e de campos magnéticos

90

Simulador leva em conta o

ENGENHARIA CIVil Barreiras produzidas com sucata de pneu reduzem impactos em acidentes de trânsito

93

18

40

•.........•......•....

64 66

SCIELO NOTíCIAS LINHA DE PRODUÇÃO

URBANISMO comportamento

10

....•.....................

LABORATÓRIO

ENGENHARIA ELÉTRICA inova ao produzir

80

A IMAGEM DO MÊS ...........•........

RESENHA··························94

de motoristas

para controlar o tráfego

LlVRoS····························95

HISTÓRIA

FICÇÃO····························9

6

Livro sobre a construção da ferrovia MadeiraMamoré é relançado

Capa: Hélio de Almeida Fotos: Miguel

Boyayan

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CARTAS cartas@fapesp.br

Preguiça Quando vi a capa de Pesquisa FAPESP (edição nO 108) fiquei muito animado: havia uma linda preguiça e o título ''A preguiça começa a ser entendida" Qual não foi minha surpresa ao ver que o texto correspondente representava bem um forte paradigma científico atual: simplesmente detalhes genéticos. Com ele, é possível entender muito pouco da preguiça. Se alguns dos leitores gostariam de entender realmente algo sobre a preguiça, gostaria de recomendarlhes o artigo "What does it mean to be a sloth?", do biólogo Craig Holdrege, para verem o que outro paradigma de fazer ciência, e de escrever sobre ela, pode trazer de real compreensão de um animal e compararem com o primeiro (cuja importância não estou pondo em dúvida). Para isso, pode-se fazer uma busca com aquele título no Google. VALDEMAR

W.

SETZER

Instituto de Matemática e Estatística/USP São Paulo, SP

Adolpho tutz Em Pesquisa FAPESP de janeiro (edição nv 107), na seção Memória ("Enfim, preto no branco"), vocês nos apresentaram o extraordinário pesquisador Adolpho Lutz. Mas ficou faltando uma grande demonstração de seu valor que foi o experimento realizado em 1902 mostrando definitivamente que o mosquito era o transmissor da febre amarela. Eis como me foi contado: dr. Lutz, naquela época, procurava pacientes gravemente enfermos de febre amarela e 6 • MARÇO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 109

não tendo encontrado "nenhum caso bom" no Rio de Janeiro para contaminar seu mosquito deslocou-se para São Simão. Numa carta a Emílio Ribas dizia: ''Ainda tenho bastante estegomias de reserva. Somente fui obrigado a alimentá-Ios com o meu sangue sadio ... Alguns conservo sem alimentar. Mas sempre morrem al-

se morreu de febre amarela, quatro dias após ser picado por mosquitos con taminados. Desta maneira tiveram bases científicas para em São Paulo e no Rio de Janeiro começarem a combater os pernilongos com os "batalhões caçamosquitos" Estes relatos foram tirados do livro Emílio Ribas, o vencedor da peste, de autoria de Barros Ferreira (Edições Melhoramentos).

EMPRESA QUE APÓIA A PESQUISA BRASILEIRA

ALICE TEIXEIRA FERREIRA

Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) São Paulo, SP

Revista

lJ)

N O V AR TIS TroplNet.org

guns". Em janeiro de 1902 voltou a São Paulo radiante com seus mosquitos contaminados, pois soltara-os famintos em cima de um doente grave ("Foram escolhidos a dedo ... Não sei mesmo se o desgraçado sobreviveu."). No dia 9 de janeiro de 1902, diante de uma comissão médica, no Hospital de Isolamento de São Paulo, Emílio Ribas e Adolpho Lutz se fizeram picar pelos mosquitos contaminados juntamente com mais dois voluntários, Domingos Pereira Vaz e Oscar Marques Moreira. A moléstia se manifestou branda para ambos os médicos e mediana para os dois voluntários. Experimento este que se tornou necessário repetir em 20 de janeiro de 1903, quando o voluntário imigrante italiano [anuário Fiori qua-

Sou aluno da Universidade de São Paulo (USP), na condição de estudante carente de baixa renda no curso de ciências físicas para formação de professores. Gostei muito do artigo "Aula de física", de Roberto Salmeron (edição nO 106), e peço para que publiquem sempre um artigo de física, porque é a rainha das ciências. Tento ser professor de física e ciências, além da física médica, que gosto muito. Obrigado a vocês pela revista Pesquisa FAPESP. SILVIO MACHADO

DE BARROS JUNIOR

Campinas, SP

Reciclagem A reportagem "Reciclagem metálica", de Yuri Vasconcelos (edição n= 105), é mais uma dentre outras publicadas na revista revelando o extraordinário potencial criativo e produtivo dos pesquisadores brasileiros, voltados para aplicações práticas e empresariais. Para mim, ela foi de especial interesse pelo parale-


10 que estabeleci entre a história das pastilhas de pó de ferro e alumínio da Mextra e outra história fascinante que li numa publicação da Companhia. Brasileira de Metalurgia e Mineração sobre a utilização do nióbio produzido em Araxá, na produção de aços de qualidade. A jazida de Araxá foi descoberta na década de 1950 pelo geólogo Djalma Guimarães quando buscava urânio. Muitos anos se passaram até se encontrar aplicação para o nióbio, que precisou concorrer com o vanádio nas aplicações em metalurgia. O nióbio, desconhecido e desprezado, acabou vencendo nos Estados Unidos, na própria Pittsburgh, projetando a metalurgia e a tecnologia brasileiras internacionalmente. Aproveito a oportunidade para agradecer a menção ao meu nome, como o primeiro brasileiro no pólo Sul (página 40). RUBENS JUNQUElRA

VILLELA

Instituto de Astrofísica, Geofísica e Ciências/USP São Paulo, SP

CORREÇÕES Na edição 107, página 36, faltou dizer que a proteína extraída de sementes do pau-brasil, CeKI, inibe a liberação de bradicinina, um importante mediador no processo inflamatório. No mapa que ilustra a reportagem "Retrato do passado» (edição nv 108, página 77), onde está localizada São José do Rio Preto, leia-se São José do Rio Pardo. São José do Rio Preto está mais a oeste e não aparece no mapa.

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br. pelo fax (1~ 3838-4181 ou para a rua Pio XI. 1.500. São Paulo. SP. CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

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Papo cabeça à venda COLEÇÃO

Pesq~!sa

Humanidades Pablo Rubén Mariconda Leopoldo De Meis Muniz Sodré Leandro Konder Alfredo Bosi José Arthur Giannotti Ismail Xavier Otavio Frias Filho Roberto Schwarz

As entrevistas de Pesquisa FAPESP

Ciências biológicas

ORGANIZADO POR

MARILUCE

~

MOURA

Craig Venter Bob Waterston José Fernando Perez Andrew Simpson André Goffeau Warwick Estevam Kerr Walter Gilbert Carlos Alfredo Joly e Vanderlei Perez Canhos Chana Malogolowkin João Carlos Setúbal Carmen Martin Iván Izquierdo Fernando Reinach

D'NiEMP

Conheça o que pensam alguns dos melhores pesquisadores e intelectuais brasileiros (e, de quebra, alguns cientistas do exterior) em textos reunidos em um único livro, Prazer em conhecer. A obra traz 26 grandes entrevistas, originalmente publicadas em edições de Pesquisa FAPESP, que compõem uma amostra do conhecimento e das contribuições dadas à ciência e"à cultura por eminentes professores e cientistas.

física José Leite Lopes Luiz Davidovich Marcello Damy Roberto Salmeron

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Informações sobre onde encontrar o livro

(11) 3875-0154

pesquisa o Brasil


CARTA DO EDITOR

Pesquisa CARLOS VOGT PRESIDENTE

A relatividade necessária dos números

MARCOS MACARI VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CARLOS VOGT, CELSO LAFER, HERMANN WEVER, HORÁCIO LAFER PIVA, ]OSÉ ARANA VARELA, MARCOS MACARI, NILSON DIAS VIEIRA JÚNIOR, RICARDO RENZO BRENTANI, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO RICARDO RENZO BRENTANI DIRETOR PRESIDENTE JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTÍFICO PESQUISA FAPESP CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADORCIENTÍFICO). EDGAR DUTRA ZANOTTO. FRANCISCO ANTÔNIO BEZERRA COUTINHO. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, JOSÉ FERNANDO PEREZ, LUIZ EUGÊNIO ARAÚJO DE MORAES MELLO, PAULA MONTERO, WALTER COLLI DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS DIRETOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA), CARLOS HAAG (HUMANIDADES), CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICACST), HEITOR SHIMIZU (VERSÃOON-LINE), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) EDITORES ESPECIAIS FABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA EDITORES ASSISTENTES DINORAH ERENO, RICARDO ZORZETTO CHEFE DE AfiTE TÂNIA MARIA DOS SANTOS DIAGRAMAÇÃO JOSÉ ROBERTO MEDDA, MAYUMI OKUYAMA FOTÓGRAFOS EDUARDO CÉSAR. MIGUEL BOYAYAN COLABORADORES ANA LIMA, ALESSANDRA PEREIRA, ANDRÉ SERRADAS, BRAZ. CAROL LEFÈVRE, DANIELA MACIEL PINTO, EDUARDO GERAQUE (ON-LINE), ELY BUENO, LAURABEATRIZ, MARCELO HONÓRIO (ON-LINE). MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO, SÍRIO J. B. CANÇADO, THIAGOROMERO (ON-LINE), VERÔNICA FALCÃO, VÍCTOR HUGO DURÁN E YURI VASCONCELOS ASSINATURAS TELETARGET TEL. (n) 3038-1434 - FAX: (11) 3038-1418 e-mail: fapesp@teletarget.com.br APOIO DE MARKETING SINGULAR ARQUITETURA DE MÍDIA singular@sing.com.br PUBLICIDADE TEL: (11) 3838-4008 e-mail: publicidade@fapesp.br (PAULA ILIADIS) PRÉ-IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN IMPRESSÃO PLURAL EDITORA E GRÁFICA TIRAGEM: 44.000 EXEMPLARES DISTRIBUIÇÃO DINAP CIRCULAÇÃO E ATENDIMENTO AO JORNALEIRO LMX (ALESSANDRA MACHADO) TEL: (11) 3865-4949 atendimento@lmx.com.br GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP RUA PIO XI, NS 1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP TEL. (11) 3838-4000 - FAX: (11) 3838-4181 http://www.revistapesquisa.fapesp.br cartas@fapesp.br NÚMEROS ATRASADOS TEL. (11)3038-1438

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO SECRETARIA DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E TURISMO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Há uns poucos anos, um grupo de pesquisadores do InCor, o Instituto do Coração da Universidade de São Paulo, viu-se ante uma charada mórbida: 51 pessoas tinham morrido em decorrência, em última instância, da aterosclerose - ou, em linguagem mais chã, da obstrução de suas coronárias, responsáveis pelo transporte de nutrientes e oxigênio ao coração, por placas de gordura. As placas foram se acumulando na parede das artérias até o ponto de provocar infartos, acidentes vasculares cerebrais e outros quadros dramáticos assemelhados. Ocorre que 25 dessas pessoas cuja evolução da doença os pesquisadores acompanhavam, portanto, quase metade delas, apresentavam níveis considerados normais de colesterol. Como entender então essa aterosclerose que resultou em óbitos, se justamente a presença excessiva de colesterol no sangue, mais precisamente do LDL, o chamado mau colesterol, era o sinal indicativo de que alguém estava sob risco de apresentar o problema? E se níveis normais eram a senha para manter-se a tranqüilidade? A reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP mostra justamente como a partir de enigmas assim a pesquisa sobre indicadores orgânicos de doenças coronarianas tem avançado substancialmente no InCor. Não importa apenas a medida do HDL, mas também a razão matemática entre o HDL e o LDL, ou seja, entre o bom e o mau colesterol, as taxas de homocisteína, a medida de triglicérides etc. etc. Como em quase todos os campos, no corpo humano também raramente um indicador funciona sozinho em seus valores absolutos. Relação e interação são palavras-chave na determinação da saúde das artérias e do coração, como se pode conferir no texto da repórter Alessandra Pereira, a partir da página 44. A propósito, é para a mesma questão, de uma certa maneira, que alerta a reportagem sobre o duelo cada vez mais acirrado entre os que acreditam e os que duvidam que a fumaça dos automóveis e das indústrias é responsável pelo aquecimento progressivo deste nosso planeta Terra. Se é que o aquecimento realmente existe, diriam os céticos. Tomar, por exemplo,

os dados de temperatura da Terra em seus valores absolutos em cada caso, sem relativizá-los, sem contrapor algumas reduções efetivas a elevações constatadas, pode induzir a erro sério e cientificamente contraproducente sobre o fenômeno do aquecimento, depreende-se da narrativa do editor especial Fabrício Marques, a partir da página 30. Ele parte de um livro de ficção recém-lançado nos Estados Unidos, State of fear, que está jogando combustível na briga entre ambientalistas e céticos, para mostrar quais são os argumentos mais consistentes dos dois lados no momento em que entra em vigor o Protocolo de Kyoto. Nada melhor para esfriar ludicamente a cabeça depois disso do que mergulhar na Antártica e nas aventuras enregelantes do pesquisador Jefferson Cardia Simões, na visão de quem o vasto território branco na calota sul do planeta é mais importante para o Brasil do que para os Estados Unidos. Ele explica por que a partir da página 12, na instigante entrevista concedida ao editor especial Marcos Pivetta. Vale destacar também nesta edição a reportagem do editor de ciência, Carlos Fioravanti, a partir da página 24, sobre o primeiro artigo científico assinado pelo corpo de pesquisadores da Alellyx no respeitado periódico científico Journal of Virology. A empresa privada de biotecnologia, que tem suas raízes fincadas no Programa Genoma da FAPESP, apresenta ali a caracterização genética e molecular de um vírus que a equipe considera forte candidato a agente causador da morte súbita dos citros, doença que já se instalou em cerca de 2 milhões de pés de laranjeira em São Paulo e Minas Gerais. Para finalizar, motoristas estressados das grandes cidades certamente encontrarão méritos imensuráveis no trabalho de pesquisadores que acreditam ser possível ordenar o caos do tráfego nas metrópoles com ajuda da inteligência artificial, a partir da página 90. E o que é melhor, levando em conta a personalidade dos sujeitos por trás do volante que, no Brasil, não são exatamente iguais, por exemplo, aos da Alemanha. Boa leitura! MARILUCE MOURA

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DIRETORA DE REDAçãO

PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 9


MEMóRIA

uas domadas Há 30 anos começavam as obras de Itaipu, a maior hidrelétrica do mundo

NELDSON MARCOLIN

m janeiro de 1975, os tratores entraram no canteiro de obras e, comandados ainda por poucos homens, começaram a limpar um trecho de mata próximo à cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, na fronteira com o Paraguai. Alguns anos depois, essa obra se tornaria mundialmente conhecida como uma das sete maravilhas da engenharia moderna, a maior já construída no Brasil. A Usina Hidrelétrica de Itaipu Binacional chegou a ter 40 mil pessoas trabalhando simultaneamente para domar as águas do rio Paraná, escavar terra e rocha (8,5 vezes maior que o volume retirado do Eurotúnel) e produzir uma quantidade de concreto sem igual (suficiente para construir 250 estádios do Maracanã). Essa aventura, em que todos os números são grandes, teve também lances trágicos - muitas áreas foram inundadas 10 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

e o primoroso conjunto de pequenas cachoeiras conhecido como Salto de Sete Quedas desapareceu sob o lago da hidrelétrica. Itaipu começou a ganhar forma em 1966, quando Brasil e Paraguai decidiram, oficialmente, aproveitar os formidáveis recursos hídricos da região. Em 1970 os dois países contrataram um consórcio internacional para fazer os estudos de viabilidade e começar o projeto (a binacional Itaipu foi

criada quatro anos depois). A idéia inicial era fazer diversas usinas ao longo do rio Paraná - o problema é que, ao desviar o rio para a margem brasileira, a fronteira entre os dois países mudaria. Também; havia um outro obstáculo: o que determina a produção de energia é a queda de água no rio. O ponto de maior queda, de 120 metros, é onde foi instalada a usina, e não na área prevista inicialmente. Por fim, optou-se pela


À esquerda, o rio Paraná com a ilha da "pedra que canta" (itaipu, em tupi-guarani), em 1974, antes das obras. Acima, a usina em pleno funcionamento. Ao lado, a explosão durante a abertura do canal de desvio, em 1978

construção de uma grande hidrelétrica com potência instalada de 14 mil megawatts. Foram engenheiros, técnicos e operários brasileiros, em maior número, e paraguaios que fizeram Itaipu ("pedra que canta", em tupi-guarani) com a colaboração efetiva de um consórcio de empresas como a Siemens e a Asea Brown Boveri (ABB), que produziram os equipamentos. Um engenheiro hindu,

Gurmukh Sarkaria, criou o layout da usina, a escolha do local ideal e a fórmula mais econômica da barragem. Ele optou por usar uma técnica conhecida como gravidade aliviada (ou formato catedral), um modo de conter eficientemente o peso da água, economizando concreto. As 18 colunas que escoram o paredão da barragem são ocas, mas são tão resistentes como se fossem maciças. A diferença é que

o consumo de concreto, já colossal, cresceria significativamente. Itaipu exigiu outras soluções tecnológicas. Na época foi criado um laboratório de concreto para dar suporte aos engenheiros. Depois criou-se um software, Scada, especialmente para acompanhar a produção e operação da usina. "O nosso sistema de medição de energia possibilita a obtenção de maior quantidade de dados sobre a produção de energia

e pode interessar usinas de grande porte, como Três Gargantas, em construção na China", diz o diretor-geral brasileiro da binacional, Jorge Samek. A obra chinesa terá um reservatório maior que o do Brasil-Paraguai e maior potência instalada (18 mil megawatts em relação aos 14 mil megawatts de Itaipu). Mas, como a vazão do rio Paraná é mais estável do que a do rio Yang-tse, o rendimento chinês será menor. Três Gargantas deve produzir 84 bilhões de quilowatts (kWh)/ano. Em 2000 Itaipu produziu o recorde de 93 bilhões de kWh. Com a instalação das duas últimas turbinas (de um total de 20) essa marca deverá ser superada. E está em construção o Parque Tecnológico, investimento binacional criado para apoiar o desenvolvimento tecnológico e social das Três Fronteiras e do Mercosul.

PESQUISA FAPESP109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 11


ENTREVISTA: JEFFERSON CARDIASIMÕES

Ogelo também é nosso Pesquisador que esteve no pólo Sul diz que a Antártica é mais importante para o Brasil do que para os EUA MARCOS PIVETTA

s 4 horas da manhã de 31 de novembro passado, um dia após ter vivido a emoção (e o alívio) de chegar ao pólo Sul geográfico a bordo de um comboio motorizado puxado por um trator polar, o glaciólogo Jefferson Cardia Simões resolveu dar uma espiada, sozinho e com mais calma, na paisagem a 90° de latitude sul. Em meio ao inclemente vento cortante daquelas paragens, que provoca freqüentemente uma sensação térmica equivalente a -50°C, deixou o comboio polar e caminhou os 650 metros que o separavam do pólo, passando, no caminho, pela base Amundsen-Scott. "Hoje, atrás de mim, existe a imensa estação norte-americana, mas no mais o vazio total! Olhando para o imenso e desértico platô, onde as feições mais proeminentes são pequenas dunas (sastruguis) com 30 centímetros de altura, rapidamente compreendem-se algumas das opiniões dos exploradores do período heróico (início do século 20). Robert Scott ao chegar aqui, em 1912, exclamou 'Meu Deus, que lugar horrível'", escreveu, bem-humorado, em seu diário, que deve virar livro em breve, o pesquisador de 46 anos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 12 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

Um dos líderes do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), o gaúcho Simões é o primeiro brasileiro a chegar ao pólo por via terrestre numa expedição científica. Embarcou numa aventura de dois meses e US$ 3 milhões ao lado de 12 chilenos, que bancaram 95% dos custos da missão o Brasil entrou com 5% da verba, cedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Petrobras. A expedição percorreu cerca de 2.300 quilômetros. Foi da estação chilena Parodi, já no interior da Antártica, a 80° de latitude sul, até o pólo e voltou ao ponto de partida. No caminho, Jefferson retirou testemunhos (cilindros) de gelo e amostras de neve. "As geleiras são o melhor arquivo natural da história do ambiente", afirma Simões, que é casado e tem dois filhos adolescentes. De tanto viajar à Antártica, sempre no verão, sua família já se acostumou a não tê-lo em casa para a troca de presentes no Natal e a ceia do Ano-Novo. Nesta entrevista, o glaciólogo fala de sua experiência no mundo do gelo, explica que a Antártica não está derretendo e diz que o Brasil deveria olhar com mais atenção para o continente branco. "Noventa por cento do gelo da Terra está na Antártica. Nós somos o sétimo país mais próximo desse continente. O gelo é mais importante para o Brasil do que para os Estados Unidos ou a Suíça", diz.


jar*--.

0m

O glaciólogo recolhe amostra de neve: "Somos o sétimo país mais próximo do gelo do planeta"

■ Você já foi três vezes ao Ártico e 13 à Antártica. Qual foi a expedição mais difícil, a primeira ou a última? — A dificuldade de uma expedição é relativa. Nas primeiras viagens há a curiosidade de enfrentar um ambiente totalmente diferente, de entrar, por exemplo, numa geleira. O que era teoria de sala de aula passa a ser sua prática do dia-a-dia. Antes de ir no fim dos anos 1980 ao Ártico, onde fiz a parte do trabalho de campo de meu doutorado, só tinha visto neve na Inglaterra, que não é um bom lugar para isso. Por inexperiência, incorre-se em erros num ambiente novo e perigoso. ■ Que tipo de perigos? — Há vários: a baixa temperatura, que pode levar ao congelamento das partes expostas e freqüentemente à hipotermia (redução anormal da temperatura corporal); ventos muito fortes, de 170 quilômetros ou mais; e o risco de cair numa fenda de geleira. No Ártico, ainda corremos o risco de topar com um urso-polar. Temos de estar sempre preparados para qualquer situação e ter

em mente rotas alternativas de escape caso aconteça algum acidente. No ambiente polar comete-se às vezes erros mais de percepção do que de ação. Ali quase não há cores. Tudo é branco ou em tons de cinza. Apenas suas roupas, um trator são coloridos. Nunca me esqueço de que, quando voltei pela primeira vez do Ártico e desembarquei em Oslo, achei que a capital da Noruega era uma cidade tropical. Cheguei na primavera e Oslo estava toda verde. ■ Você já caiu numa fenda degelo? — Três vezes, mas sempre estava preso por cordas a outros colegas de expedição, um procedimento de segurança essencial. Caso contrário, se tu tiveres sorte, vais cair numa fenda e ficar quebrado, mas parado em alguma ponte de neve, lá embaixo. Em outros casos, muito comuns, o sujeito cai de cabeça, vai para o fundo e a morte pode ser instantânea. Ou pior, pode demorar alguns dias e o acidentado morre de hipotermia. Eu nunca me machuquei. Mas isso é um risco da profissão. As fendas abertas são assustadoras, mas não são um

abismo. São buracos de 20,30 ou no máximo 40 metros na geleira. Mas, como não somos suicidas, elas não são um problema. A queda acontece quando há armadilhas naturais: pontes de neve que se formam sobre as fendas e escondem o buraco. Tu estás caminhando em cima da neve, ou andando de esqui, e vupt! A ponte se rompe e o chão te engole. Tratores, como o que usamos na travessia, também podem ser engolidos pelas fendas. Para minimizar esse risco, distribuímos bem a carga no veículo e nos trenós. ■ Não há meios de detectar a priori uma ponte sobre uma fenda? — Às vezes é possível com estacas, para sondar áreas suspeitas. Mas há um problema prático. Tu fazes isso 10 ou 20 quilômetros, mas, numa longa travessia, como a que realizamos, não dá para proceder assim a viagem toda. Nesse tipo de expedição usamos um radar e aceitamos o risco. E tentamos controlar a adrenalina. ■ Você já viu alguém ser tragado por uma PESQUISA FAPESP109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 13


fenda sem estar amarrado, ou morrer durante uma expedição? — Nunca. Mas, quando estava em Cambridge, perdi um colega de sala. ■ No Ártico? — Não. Foi pior. Aconteceu quatro meses antes de eu e ele defendermos nossas teses de doutorado. Ele foi convidado pelos russos para ir à fronteira da China. Um mês e meio mais tarde, recebemos um telegrama da embaixada soviética dizendo que ele tinha caído numa fenda e morrido. Parece que ele foi dar uma voltinha ao lado das barracas do acampamento sem estar amarrado a uma corda e foi para o fundo de uma fenda. Dois meses depois, recebemos o corpo. ■ A maioria dos acidentes e mortes acontece por descuido dos exploradores ou é uma fatalidade? — Na pesquisa polar, por incrível que pareça, a maioria dos acidentes ocorre em momentos de recreação. O sujeito está distraído, não obedece as regras de sobrevivência, ou faz brincadeiras que não devia, como passear com moto de neve em cima de um lago congelado, e se machuca. Outra situação comum que causa acidentes: o sujeito toma muito álcool, sai da barraca, vai passear, dorme ao relento e, no dia seguinte, é encontrado congelado. Esse tipo de ocorrência é conhecido. Esses casos estão em todos os manuais. Como eu trabalho essa questão? Digo para as pessoas seguirem as regras e 90% dos problemas serão evitados. É claro que, ainda assim, mortes podem acontecer. É um risco da profissão, com que se deve aprender a lidar. Ao mesmo tempo, esse é o aspecto lúdico da minha profissão. Enquanto faço ciência, faço também exploração geográfica onde ninguém esteve. Isso é motivante. ■ A travessia terrestre rumo ao pólo Sul geográfico tem importância científica ou é mais um sonho pessoal? — Não posso negar o aspecto da exploração geográfica, do feito histórico. Mesmo com todo o desenvolvimento tecnológico atual, poucos países fizeram travessias do continente, e menos ainda travessias até o pólo Sul. Pegar um avião e ir ao pólo é caro, mas fácil. Ir por cima do manto de gelo é diferen14 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

te. Na América do Sul, os argentinos fizeram uma travessia terrestre até o pólo, mas era uma expedição militar, na qual perderam um trator numa fenda. A expedição chileno-brasileira foi a primeira travessia científica da Antártica feita por sul-americanos. A logística de uma expedição polar não é trivial. Aprendi muito e esse conhecimento será importante para futuras missões do Proantar no interior do continente. Mas o principal objetivo da missão era gerar conhecimento sobre a evolução do clima e a química atmosférica ao longo dos últimos 400 anos. O comboio que fez a travessia era formado por um trator polar, sueco, puxando três grandes compartimentos (contêineres) fechados. Ao trator era acoplado um compartimento que carregava todo o combustível (querosene). Em seguida, havia um trailer pequeno, onde tínhamos um laboratório de geofísica para a execução da radioecossondagem, uma técnica para determinar a espessura e a estrutura do gelo. Depois vinha um compartimento grande que servia de laboratório, acomodação, cozinha e local de convivência. No fim, lá no fundo do comboio, havia um lugar para levar caixas e um banheiro. ■ Como foi a viagem? — Fomos em aviões da Força Aérea Chilena de Punta Arenas, extremo sul da América do Sul, até a base chilena de Parodi, situada a 80° de latitude sul, ao lado das montanhas Patriot Hills. Ali desembarcamos mais de 20 toneladas de equipamento para a expedição e montamos o comboio. De Parodi percorremos com nosso comboio motorizado 2.300 quilômetros. Fomos e voltamos até o pólo Sul geográfico em 47 dias. Durante a travessia, a maioria de nós ficava nos compartimentos e alguns conduziam o trator. Houve um aspecto peculiar na expedição, que mostra a realidade latino-americana. Foi a primeira vez na história da exploração polar que a travessia terrestre até o pólo Sul foi feita com somente um trator! Quando chegamos no pólo, os americanos, que mantêm ali a estação AmundsenScott, nos perguntaram: "Cadê os outros tratores?". Dissemos que não tínhamos dinheiro para um segundo trator. A expedição foi feita no limite dos recursos financeiros. Apenas o tra-

tor, com os contêineres, saiu US$ 850 mil. O veículo, que podia puxar até 25 toneladas (nós puxamos 22 toneladas), era um beberrão. Precisava de 4 litros de combustível para rodar 1 quilômetro. O consumo excessivo quase nos deixou pelo caminho. Tivemos de pedir um pouco de combustível para os norte-americanos para garantir a nossa volta a Parodi. ■ Quais foram as atividades científicas realizadas durante a travessia? — Na ida, queríamos chegar rápido ao pólo e a viagem levou 16 dias. A única atividade científica que fizemos nesses 1.150 quilômetros foi a radioecossondagem. O radar que estava no trator emitia continuamente um pulso na freqüência FM que atravessava o gelo, batia na rocha, em sua base e retornava ao aparelho. Também colocamos estacas em alguns pontos do trajeto para medir a velocidade de descolamento do gelo. Na volta, saímos dia 9 de dezembro da estação norte-americana e chegamos na base chilena dia 31, pouco antes do Ano-Novo. Foi uma viagem um pouco mais lenta. Isso porque, a cada 10 quilômetros, parávamos para coletar amostras superficiais da neve, de 10 ou 20 centímetros de profundidade. Além das 120 amostras superficiais de neve, a cada 220 quilômetros retirávamos um testemunho de gelo de no máximo 50 metros de profundidade. Ao longo do trajeto, obtivemos seis testemunhos, totalizando 220 metros de gelo, sendo o primeiro deles, de 33 metros, originário do pólo geográfico. Testemunhos são cilindros de gelo que retiramos do manto polar com uma perfuradora eletromagnética. Apenas nós da UFRGS temos esse equipamento na América Latina. Tiramos os cilindros e os cortamos em pedaços menores, de alguns centímetros. Depois os ensacamos, ainda sólidos, para evitar contaminação. Em seguida, guardamos os testemunhos em 32 caixas de isopor reforçado, que abrigaram o material durante toda a travessia. No final da missão, os testemunhos foram transportados para um frigorífico comercial de Punta Arenas. Em maio, um avião da Força Aérea Brasileira deve trazê-los para Porto Alegre, onde vamos cortá-los em pedaços menores e mandar subamostras para laboratórios brasileiros, chilenos e europeus.


■ Que tipos de análise podem ser feitos com as amostras superficiais de neve e sobretudo com os testemunhos de gelo? — As amostras superficiais servem para determinar a variabilidade espacial de diferentes parâmetros químicos da neve. Já os testemunhos fornecem séries temporais das variações nesses parâmetros. A neve continuamente se precipita e se acumula nas geleiras. A neve precipitada carrega as características da atmosfera no momento da condensação do cristal e impurezas presentes durante a precipitação. Com o passar do tempo, a neve se transforma em gelo, num processo denominado metamorfismo. De acordo com as características de cada local, com a temperatura da neve e outros parâmetros, esse processo, complexo, pode demorar mais de um século. Temos então um arquivo natural que permite reconstituir a história da atmosfera terrestre até na escala sazonal (das estações do ano). A riqueza de detalhes provém das dezenas de análises químicas que podemos fazer com as amostras de neve e gelo. Informações sobre a temperatura da atmosfera, por exemplo, podem ser obtidas pela determinação da razão de isótopos estáveis de hidrogênio e oxigênio. A concentração de alguns íons, como os cloretos, indica a extensão do mar congelado no passado. A acidez da neve e o conteúdo de micropartícuias ajudam a identificar erupções vulcânicas de impacto global. Medições de radioatividade detectam o impacto de explosões nucleares. Variações da atividade solar podem ser estudadas por meio de medições do berílio 10. Por fim, bolhas de ar retidas no gelo permitem definir variações nas proporções e concentrações de vários gases. ■ Um testemunho de gelo da Antártica pode conter informações sobre clima de quanto tempo atrás? — Depende de quanta neve se acumula no local em que o testemunho foi retirado. Não há uma regra. No interior da Antártica, um dos lugares mais secos da Terra, os russos mantêm uma base, Vostok, onde a acumulação anual de neve é de cerca de 2 centímetros. Num lugar assim, não é preciso perfurar muito para obter testemunhos com

informações sobre o clima dos últimos 10 mil anos. O testemunho mais profundo de Vostok, com 3.623 metros de profundidade, fornece dados climáticos para os últimos 420 mil anos. O gelo mais antigo, de 720 mil anos, foi obtido num testemunho de 3.200 metros na estação franco-italiana Concórdia, também na Antártica. Agora, onde o Brasil tem a sua estação de pesquisa, na ilha Rei George, cai 1 metro de neve por ano e o gelo não ultrapassa 360 metros de espessura. Ali é impossível encontrar gelo mais velho do que 5 mil anos. ■ Fazer pesquisa na Antártica deve ser prioridade de um país como o Brasil? — Sim. A Antártica tem papel fundamental dentro da rede interligada que é o sistema ambiental. A massa de gelo do continente é o principal "sorvedouro" de energia do planeta. A maior par-

te da água do fundo dos oceanos é formada debaixo das plataformas de gelo antárticas (partes flutuantes do manto de gelo) ou sob o cinturão de mar congelado que circunda o continente. A área coberta por esse gelo marinho no hemisfério Sul oscila sazonalmente entre 3 e 19 milhões de quilômetros quadrados, alterando drasticamente o padrão de troca de energia entre o oceano e a atmosfera ao longo do ano. A inclusão desses processos nos modelos de circulação geral para o Atlântico Sul é essencial para se entender o controle antártico sobre o ambiente brasileiro e melhorar as previsões climáticas. Em suma, para entendermos o clima brasileiro temos que estudar tanto o gelo antártico como a Amazônia. Poderíamos dar vários outros exemplos da relevância da Antártica, como a questão do buraco na camada de ozônio ou o papel da biota do oceano Austral na cadeia alimentar do Atlântico Sul. Costumo dizer que o gelo da Terra é muito mais importante para o Brasil do que para os Estados Unidos ou a Suíça. Aqui muitas pessoas ainda têm aquela idéia de que gelo e neve são coisas do hemisfério Norte. Só que o Brasil é o sétimo país mais perto da maior parte do gelo do mundo. Cerca de 90% do gelo da Terra está na Antártica e os 10% restantes estão distribuídos pelo Ártico e as geleiras de montanhas. Mais próximos que o Brasil só estão Chile, Argentina, Uruguai, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Nosso país será um dos primeiros a sentir eventuais mudanças na Antártica. Talvez a principal dificuldade para o brasileiro seja entender a escala dantesca do volume de gelo antártico: chega a 25 milhões de quilômetros cúbicos. Se todo esse gelo fosse colocado sobre nosso país, cada brasileiro teria 3 quilômetros de gelo sobre a cabeça. Caso todo o gelo antártico derretesse, o nível do mar aumentaria em 60 metros. Mas não há como isso acontecer. A hipótese é uma bobagem. ■ O aquecimento global não está derretendo porções do gelo do planeta, em especial da Antártica? — O gelo da periferia do Ártico, em ilhas do norte do Canadá e da Sibéria, no sul da Groenlândia e, principalmenPESQUISA FAPESP109 • MARÇO DE 2005 ■ 15


te, da maior parte das montanhas de regiões temperadas e tropicais está derretendo rapidamente. A situação nos Andes já preocupa pelo impacto que terá nos recursos hídricos da América do Sul. Na Antártica, somente o gelo da periferia, na península Antártica (na parte mais setentrional do continente), está derretendo. Ainda não sabemos se o gelo do interior da Antártica está aumentando ou diminuindo. No entanto, todos os modelos matemáticos indicam que o aquecimento global vai elevar a umidade na Antártica e fazer com que o gelo no seu interior se torne mais espesso, em vez de reduzir de volume. Esse mesmo processo, de aumento da massa de gelo, pode ocorrer no norte da Groenlândia. Somando previsões de perda e ganho de gelo, segundo o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), o aquecimento global vai fazer o nível do mar subir entre 15 e 100 centímetros nos próximos cem anos. Um aumento de 1 metro é assustador. Teria um impacto enorme na defesa costeira e estrutura portuária. Cerca de 70% dessa elevação se deve ao derretimento de geleiras. Os outros 30%, à expansão térmica do próprio mar, outra decorrência do aumento da temperatura atmosférica. Se recebe mais calor, o mar se expande. Então, cuidado: as calotas polares não estão derretendo. Algumas partes do gelo da periferia das regiões polares e principalmente o gelo de fora das regiões polares é que estão. ■ Então é um exagero dizer que a Antártica está derretendo7. — Sim. A área da Antártica é de 13,6 milhões de quilômetros quadrados. Um continente desse tamanho não responde de forma homogênea a variações climáticas, sejam elas naturais ou artificiais. Esse é o primeiro ponto que gostaria de enfatizar. O segundo é que esse imenso manto de gelo, com espessura média de 2.120 metros, mas que pode chegar a quase 5 mil metros em alguns pontos, cobre 99,7% do território da Antártica. E ainda mais importante do que isso: a maioria desse gelo está numa temperatura muito abaixo do ponto de fusão, a -30°C, às vezes -50°C. Portanto, não vai ser um aquecimento de 2,3 ou 5°C na temperatura do planeta que vai fazer grandes modificações no gelo 16 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

da Antártica. O interior da Antártica é estável. Dados de algumas estações de pesquisa situadas no interior do continente indicam que há até um resfriamento desse gelo. O gelo da Antártica tende a aumentar de volume devido à intensificação do efeito estufa. Isso a imprensa não entende. ■ Qual o significado desses grandes icebergs que se desprenderam da Antártica nos últimos anos? — A formação de icebergs gigantes é algo normal na Antártica. Como a neve nunca derrete no interior do continente, só existe uma maneira de o enorme manto de gelo perder massa e manter seu tamanho: soltar icebergs. A questão aqui é simples. A Antártica como um todo está largando mais icebergs do que o "normal"? Ainda não sabemos. Mas isso ocorre no interior do manto de gelo, onde estão 98% do gelo antártico. Na península Antártica, a situação é diferente. Essa região é um apêndice do continente que aponta em direção à América do Sul e está a somente 900 quilômetros da Terra do Fogo. É um lugar muito mais ameno, em que o gelo está perto do ponto de fusão, do 0°C na superfície. Na estação antártica brasileira, na ilha Rei George, ao norte da península, a temperatura média do gelo é -0,3°C. Nos últimos 50 anos, todas as estações meteorológicas na península, principalmente na costa oeste, indicam um aumento na temperatura atmosférica local de 2 a 2,5°C. Na Rei George e nas Shetlands do Sul gramíneas estão aparecendo e animais que precisam de temperaturas mais baixas para viver estão indo mais para o sul. Essa elevação regional, de 2,5°C, é muito maior que a verificada na temperatura atmosférica média do planeta, que em cem anos aumentou 0,7°C. Nesses locais da periferia antártica qualquer energia aplicada faz as geleiras derreterem e provocar o colapso de plataformas costeiras de gelo. As plataformas são extensões flutuantes, que estão apoiadas na água, das geleiras do continente. Desde 1993, a área de plataforma de gelo perdida na Antártica é de quase 15 mil quilômetros quadrados. É muito gelo. Mas o gelo das plataformas estava flutuando e, pelo princípio de Arquimedes, seu derretimento não afeta o nível do mar.

■ A glaciologia produziu alguma prova de que o aquecimento global é causado pela atividade humana no planeta? — Os testemunhos de gelo mais profundos da Groenlândia e da Antártica, que ultrapassam os 3 mil metros, contam uma rica história da evolução do clima do planeta ao longo dos últimos 720 mil anos. Durante esse período, tivemos seis ciclos glacial-interglacial se repetindo de forma regular. Períodos glaciais de aproximadamente 100 mil anos, em que o clima lentamente vai esfriando, são seguidos por interglaciais com duração entre 10 e 20 mil anos, quando a temperatura média do planeta aumenta entre 6 e 8°C. Essas informações derivam de medições das razões de isótopos de hidrogênio e oxigênio que compõem a neve e o gelo. Basicamente, durante os períodos mais quentes aumenta a proporção dos isótopos mais pesados (deutério e oxigênio-18) na neve polar. Vários trabalhos de colegas meus, principalmente do laboratório de glaciologia de Grenoble, na França, que estudaram o ar retido em bolhas do gelo polar, mostram que as concentrações de dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4) aumentam nos interglaciais e diminuem nos glaciais. Ou seja, existe uma variação natural na atmosfera da concentração de gases do efeito estufa. Isso ocorre porque a atividade biológica se intensifica nos interglaciais, aumentando a produção do CO2. Mas os mesmos testemunhos de gelo revelam outro dado importante: em 720 mil anos de história climatológica do planeta, nunca a concentração de CO2 ultrapassou os 300 ppmv (partes por milhão por volume). Hoje a concentração está em 380 ppmv, indo para 400. Ainda segundo os testemunhos, desde 1780, a partir da Revolução Industrial, os níveis de CO2 aumentaram 30% e os de CH4, 100%. O que estou dizendo com isso? ■ Que o homem produz o aquecimento... — A resposta não é tão simples assim. Por um lado, temos evidências indubitáveis de que o aumento da concentração dos gases estufas nos últimos 200 anos só pode ter origem artificial. No século passado, a temperatura média do planeta subiu 0,7°C. Por outro lado, sabemos através de dados de estações meteorológicas e paleoclimáticos que o cli-


em 1982, entrei em contato com o pessoal do programa antártico e disse: "Olha, vocês vão precisar de um glaciólogo porque o gelo cobre mais de 95% da Antártica". Naquela época, ainda não estava claro para muitas pessoas que a Antártica influenciava o clima do Brasil. Mas o CNPq tinha um programa de bolsas para o Proantar, ao qual me candidatei e fui então enviado para o Instituto de Pesquisas Polares Scott, da Universidade de Cambridge, Inglaterra, um centro de excelência na área que escolhi. Lá fiz o doutorado e me tornei o primeiro glaciólogo brasileiro.

ma varia espontaneamente e em todas as escalas de tempo. Durante o interglacial em que vivemos, que começou há aproximadamente 10 mil anos, tivemos variações naturais no clima. Entre o término da Idade Média e o fim do século 19, ocorreu o que chamamos de Pequena Idade do Gelo, quando a temperatura atmosférica do planeta diminuiu naturalmente entre 1 e 1,5°C. Depois, de maneira repentina e muito rápida, a temperatura aumentou 0,7°C em cem anos. Como paleoclimatologista, aceito que parte do aquecimento global do século 20 pode ser apenas um reajuste natural da temperatura do planeta depois da Pequena Idade do Gelo. Mas as evidências de que há um componente antrópico (da atividade humana) no aquecimento são muito fortes. ■ O Protocolo de Kyoto pode frear o aquecimento global? — Kyoto não é a resposta final. É uma tentativa, um esforço diplomático. Esse problema não vai ser resolvido com uma única decisão. É infantilidade pensar assim. É preciso mudar a escala de valores, os modos de consumo e a percepção do que queremos da vida. Com o padrão atual de consumo, e as tecnologias de hoje, o planeta não agüenta muito mais tempo. Algumas pessoas estão dizendo que o protocolo não serve para nada. Mas serve sim. É um passo, um exemplo. Talvez grande parte dos norte-americanos esteja se lixando para isso, mas fica mais difícil se portar assim se todo o resto do mundo tem opinião e atitudes diferentes. ■ Os norte-americanos dizem que o custo de implantação de Kyoto é muito alto. — Não é tão grande assim se computarmos os custos dos impactos ambientais que poderão ocorrer pela falta de ação. Kyoto vai forçar o desenvolvimento de tecnologias alternativas. Elas podem não resolver todos os problemas, mas já estão sendo implementadas em alguns países. Agora também não sou a favor de uma ecologia radical, que não permita modificação alguma no ambiente. Essa visão é totalmente idealizada. ■ Por que você resolveu se especializar no estudo de neve e gelo?

a maioria dos acidentes ocorre em momentos de recreação. 0 sujeito faz uma brincadeira que não devia e cai num buraco

— Sempre me interessei pela questão ambiental e fiz geologia na UFRGS com aquela esperança de encontrar um trabalho quando formado. Acho que todo mundo que optava por essa carreira na época estava pensando num emprego na Petrobras. Durante o curso, entrei em contato com a geologia glacial, que está associada à glaciologia, mas não é a mesma coisa. A glaciologia estuda as formas de neve e gelo, principalmente a criosfera, a cobertura de gelo atual da Terra. A geologia glacial estuda os resultados da ação geológica do gelo. A glaciologia era, então, uma curiosidade para mim. Mas, quando estava para me formar, em 1982, tive a idéia certa no momento certo. Estava surgindo o Proantar, que se preparava para mandar a primeira expedição nacional para a Antártica e eu procurava emprego. ■ Você foi pedir emprego no programa? — Aquela era uma época de crise econômica no país. Meus colegas da Geologia não arrumavam trabalho. Então,

■ Como foi a volta ao Brasil? — Era o início do governo Collor e, para variar, havia uma recessão. Só tinha uma bolsa de recém-doutor do CNPq. Nessa condição, fiquei um ano no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP). Mas, infelizmente, vi logo que havia graves restrições para a contratação de pessoal na USP e eu tinha que sobreviver. Resolvi voltar para casa. Tive a felicidade de ver que, quando regressava a Porto Alegre, abriu um concurso na Geografia da UFRGS. Passei no concurso e pude deslanchar minhas pesquisas polares. Criei em 1993 um laboratório que, hoje, se tornou o Núcleo de Pesquisas Antárticas e Climáticas (Nupac), onde estão envolvidas 32 pessoas. ■ A ciência brasileira hoje feita na Antártica tem relevância internacional? — Sim, temos projetos de impacto dentro do Comitê Científico Internacional sobre Pesquisas Antárticas (SCAR). Durante os últimos quatro anos, com a implantação de duas redes de pesquisa envolvendo mais de 20 instituições nacionais, e com novos recursos financeiros do Ministério do Meio Ambiente e do CNPq, foi possível reestruturar e melhorar a qualidade dos projetos. Não há dúvida de que executamos o melhor programa científico latino-americano na Antártica. Mas a qualidade das pesquisas ainda é dispare. Temos de ter um Proantar enxuto e de alta qualidade, e que responda a questões ligadas diretamente à interação do ambiente antártico com o o nosso país. • PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 17


I PESQUISA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ESTRATéGIAS

MUNDO

Razões do fracasso em Marte

V

A Agência Espacial Européia e o governo do Reino Unido saíram chamuscados do relatório da equipe de cientistas que investigou o fracasso da missão da sonda Beagle 2, que deveria procurar vida no solo marciano mas emudeceu ao penetrar na atmosfera do planeta, no Natal de 2003. A conclusão do relatório é que a sonda

sonda espatifou-se no solo, mas não sabe por que isso aconteceu. Pode ter havido erro de cálculo sobre o impacto da Beagle 2 com a atmosfera marciana, levando a sonda a aproximar-se rá-

ço nas condições precárias em que viajou - apenas como um apêndice da nave Mars Express, por medida de economia, em vez de um projeto autônomo com fi-

■ Riqueza sob o solo africano Uma iniciativa de instituições de dois continentes batizada de AfricaArray busca impulsionar a pesquisa em geofísica no continente africano. A demanda por geofísicos na África é grande, sobretudo em países dependentes da extração de petróleo e minérios. Essa foi a razão pela qual Andrew Nyblade, da Universidade do estado da Pennsylvania, saiu em busca de verbas públicas e privadas para o programa. Nyblade, nascido na Tanzânia, diz que a idéia é combinar pesquisa de excelência com treinamento para profissionais que vão permanecer na África. A iniciativa, parceria entre a universidade norte-americana, o Conselho Sul-Africano para as Geociências e a Universidade de Wit-

nanciamento adequado, como era a proposta original. O governo britânico colocou mais de US$ 40 milhões no projeto e a iniciativa privada, outros USS 80

nos pára-quedas e nos airbags (BBC OnLine, 3 de fevereiro). •

Representação artística da Beagle 2 entrando no planeta

watersrand, em Johannesburgo, já atraiu US$ 600 mil dos US$ 2,7 milhões que espera levantar. Num primeiro momento, os pesquisadores vão debruçar-se sobre atividades

18 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

sismológicas e vulcânicas. Uma rede de sismômetros vai examinar a estrutura do magma sob o continente. "As ciências da Terra desempenham papel crucial no mapeamento

de minerais", diz o pesquisador sul-africano Gerhard Graham. "Mas a falta de conhecimentos na geologia do continente limita o desenvolvimento." (Nature, 3 de fevereiro) •

■ Fôlego privado na ciência árabe Um conglomerado da Arábia Saudita, o grupo Abdul Latif Jameel, vai destinar US$ 1 milhão anuais para patrocinar cientistas de nações árabes cujas pesquisas possam render produtos inovadores. O fundo será destinado às áreas de biotecnologia, fitoterapia, energia e telecomunicações. "É um passo na longa estrada para resolver os problemas de financiamento da pesquisa no mundo árabe", diz Tarek Saif, do Instituto de Oceanografia e Pesca do Egito. (SciDev.Net, 28 de janeiro) •


■ Yalevaia índia contra a Aids A universidade norte-americana de Yale acaba de montar na índia um centro de pesquisas interdisciplinares sobre Aids. A unidade será responsável por três iniciativas. Uma delas é o Projeto Parivartan, destinado a fazer pesquisas e implementar mudanças de comportamento em pessoas em situação de risco, como prostitutas, caminhoneiros e usuários de drogas injetáveis, em seis estados de alta prevalência do HIV, Andhra Pradesh, Karnataka, Tamil Nadu, Maharashtra, Manipur e Nagaland. O segundo projeto vai dar atendimento médico, psicológico e nutricional para as famílias de 500 crianças contaminadas pelo HIV, além de distribuir medicamentos retrovirais. Já o terceiro, com patrocínio do Fogarty International Center, é voltado para casais sorodiscordantes (o homem tem o vírus, mas a mulher não), com ênfase para a prevenção e o suporte psicológico. Segunda nação mais populosa do planeta, a índia ameaça superar a África do Sul na liderança de casos da síndrome no mundo.

Estima-se que 4,6 milhões de indianos estejam contaminados com o HIV. (Yale News, 4 de fevereiro) •

■ Ataque em mais um Manco A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) receberam US$ 10 milhões da Fundação Bill & Melinda Gates a fim de desenvolver uma nova vacina contra a poliomielite, iniciativa crucial da estratégia para deter a transmissão da doença no planeta até o final deste

ano. O imunizante será mais efetivo contra o tipo 1 do vírus da pólio em relação à vacina atual, que atua contra todas as três cepas do vírus. Epidemiologistas acreditam que o produto ajudará a erradicar rapidamente a doença por meio de campanhas de vacinação em regiões onde os vírus tipo 2 e 3 já foram eliminados, como o Egito. A Fundação Gates vai ajudar a OMS e o Unicef, juntamente com pesquisadores de uma indústria de vacinas, a desenvolver e licenciar o imunizante até o mês de maio. (OMS, 27 de janeiro) •

■ De braços cruzados

Prostitutas na índia: intervenção em populações de risco

Há "chances de que o H5N1, vírus responsável pelos surtos de gripe do frango no Sudeste Asiático, irradie-se e possa causar uma pandemia da doença. Mas pesquisadores do Vietnã dizem que a comunidade internacional subestima o perigo e não está reagindo. Eles se queixam de que cientistas estrangeiros abandonaram a região depois que o

surto do ano passado foi controlada. A pesquisa necessária para evitar uma pandemia é considerável. Amostras de sangue humano precisam ser rastreadas em busca de sinais de imunidade contra a doen-

0 vírus da gripe do frango: ameaça ça e o próprio H5N1 deve ser monitorado, para ver se está sofrendo mutações. Esse tipo de trabalho não está sendo feito. "Se não é possível prever o tamanho da próxima pandemia, pode-se afirmar que boa parte do mundo está despreparada para pandemias de qualquer tamanho", registrou um relatório da Organização Mundial da Saúde em dezembro de 2004. {Nature, 13 de fevereiro) •

PESQUISA FAPESP109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 19


ESTRATéGIAS

MUNDO

Evolução de uma teoria

Emst Mayr: resgate das idéias de Charles Darwin

Morreu aos 100 anos de idade, no dia 3 de fevereiro, o zoólogo alemão Ernst Mayr, o maior nome da biologia evolucionista no século 20. Professor da Universidade Harvard ao longo de 50 anos e ex-curador do Museu Americano de História Natural, em Nova York, liderou uma corrente, a Nova Síntese Evolucionista, que na década de 1940 uniu taxonomia, paleontologia e genética e remodelou a célebre teoria proposta no século anterior pelo naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882). Em 1942, depois de deixar a Alemanha e radicar-se nos Estados Unidos, o zoólogo publicou o livro Sistemática e a origem das espécies, no qual postulou o conceito de espécie em vigor até hoje nos livros de biologia: espécie é um conjunto de organismos que se cruzam entre si, mas estão sexualmente isolados de grupos semelhantes. Autor de 25 obras, Mayr deixou um livro inacabado. Apesar dos 100 anos e da dolorosa luta con-

Ciência na web

Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br

http://lsda.jsc.nasa.gov/ Salamandras, águas-vivas e pimenteiros foram submetidos a pesquisas no espaço. Mais de 900 desses estudos estão descritos neste arquivo on-line da Nasa.

tra o câncer que travava nos últimos tempos, não parou de escrever. •

■ Em busca do recurso perdido Pesquisadores do Equador conseguiram convencer os parlamentares do país a não reduzir a zero a fatia do orçamento destinada à pesquisa científica. O corte fora proposto pelo Ministério das Finanças e levaria ao cancelamento de 137 projetos já aprovados pela Secretaria Nacional de Ciência e Tecnologia (Senacyt). O titular da secretaria, Alfredo Valdivieso, comandou o corpo-a-corpo com os parlamentares, que garantiu um aporte de US$ 800 mil em 2005. No total, os investimentos públicos em ciência chegarão a US$ 3,3 milhões em 2005. Além do orçamento, os pesquisadores recebem verbas de um fundo público e de uma linha de crédito do Banco Interamericano de Desenvolvimento. (SciDev.Net, Io de fevereiro) •

20 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 109

http://www.elephantvoices.org/ Elefantes produzem uma variedade de sons, mas seus corpos também são expressivos. 0 site, de dois noruegueses, mostra essa linguagem de sinais.

http://webmineral.com/ 0 banco de dados traz informações científicas sobre 4.339 espécies minerais, acompanhado de uma copiosa coleção de imagens.


História franqueada na internet

■ A diversidade de um continente Uma revista voltada para grandes temas de interesse das nações sul-americanas começou a ser distribuída a institutos de pesquisa, parlamentares e diplomatas dos países da região. A revista DEP - Diplomacia, Estratégia e Política é publicada com o apoio do Ministério das Relações Exteriores brasileiro em conjunto com outros órgãos do governo federal. Com periodicidade trimestral, tem três versões, uma em português, uma em inglês e uma em espanhol, cada qual destinada a países da região onde se falam essas línguas. O primeiro número traz artigos dos 12 chanceleres de países sul-americanos. A idéia é sempre dedicar um artigo a cada país, com autores escolhidos entre acadêmicos, políticos, empresários, sindicalistas, artistas e militares. A segunda

A Universidade de São Paulo (USP) e a Secretaria de Estado da Cultura prometem divulgar na internet até o final de março as 164 mil fichas dos arquivos do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops), a polícia política paulista. A iniciativa é do Projeto Integrado Arquivo do Estado (Proin) e da Universidade de São Paulo. As fichas, que estarão disponíveis no endereço www.proin.com.br, referem-se a indivíduos investigados entre os anos de 1924 e 1983. "Trata-se de uma contribuição inédita, num momento em que o país discute o acesso a documentos do período militar", diz a professora Maria Luiza Tucci Carneiro, do Departamento de História da USP, coordenadora do projeto. Tais registros remetem ao número do prontuário de pessoas ou instituições, que de-

edição trará artigos de Tabaré Vázquez, novo presidente do Uruguai, do ex-presidente argentino Eduardo Duhalde e

trangeiros, livros proibidos, imigrantes e iconografia. Estas informações foram compiladas a partir de pesquisas desenvolvidas por bolsistas FAPESP de Iniciação Científica e Pós-graduação. Aberto ao público e a pesquisadores nos anos 1990, o arquivo do Deops tornou-se um celeiro de estudos sobre a história do Brasil no século 20. •

verão ser consultados pessoalmente na sede do Arquivo do Estado, na capital paulista, mediante assinatura de um termo de compromisso. Além das fichas, que foram digitalizadas com financiamento da FAPESP, os usuários terão acesso a outros bancos de dados específicos: como os de imprensa confiscada, panfletos políticos, expulsão de es-

do sociólogo brasileiro Hélio Jaguaribe, além de textos de um economista equatoriano sobre a questão do petróleo e

A revista: assuntos de interesse da América do Sul

de um jornalista colombiano a respeito do problema das drogas. "O objetivo é ampliar o conhecimento recíproco entre os países que cada vez mais se integram economicamente", diz o editor da revista, o diplomata Carlos Henrique Cardim. As capas vão divulgar o trabalho de artistas desses países. A edição inaugural estampa o quadro Primeiros passos, do argentino Antônio Berni. A revista tem circulação dirigida e tiragem total de 11 mil exemplares. Mais informações sobre a publicação podem ser obtidas no endereço eletrônico revistadep@yahoo.com.br. •

PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 21


Diversidade na lavoura das aldeias

■ Mobilização agora na Câmara A eleição do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) para presidir a Câmara dos Deputados reacendeu a preocupação dos cientistas com o destino da pesquisa de células-tronco no projeto de lei de Biossegurança. O texto aprovado no Senado permite a pesquisa de células de embriões congelados há mais de três anos em clínicas de reprodução humana, que acabariam descartados. Teme-se que Cavalcanti, parlamentar católico, ceda à pressão dos deputados das bancadas católica e evangélica, que se opõem à manipulação de embriões. O presidente da Câmara prometeu colocar o projeto em pauta, mas há articulações no sentido de votar em separado a questão das células-tronco. Pesquisadores e entidades civis planejam promover audiências públicas na Câmara

para mobilizar os deputados. "Vamos procurar o presidente da Câmara, apresentar nossos argumentos e mostrar as vítimas de doenças que podem se beneficiar das pesquisas", diz a geneticista Mayana Zatz, do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo, que lidera a mobilização. O deputado Severino Cavalcanti evitou alimentar a polêmica. Prometeu ouvir os cientistas antes de se posicionar. •

Uma parceria entre a Embrapa-Acre, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, e a organização não-governamental Comissão Pró-índio está impulsionando estudos genéticos de vegetais tradicionalmente cultivados pelos indígenas, além de diversificar a pro-

■ Na vanguarda do conhecimento Segue até o dia 30 de abril o prazo para apresentação de propostas para o Programa Institutos do Milênio, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O edital 2005-2008 foi lançado em fevereiro e prevê investimentos de R$ 90 milhões em redes de pesquisa que representem a vanguarda do conhecimento.

Mayana: audiências públicas para convencer os deputados

22 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

dução agrícola nas aldeias. A Embrapa tem visitado as tribos no interior do Acre e feito coletas de plantas. Em contrapartida, costuma receber grupos de representantes de diversas etnias, interessados em conhecer novas lavouras e aprender técnicas de plantio. Quem faz a ponte entre

Os interessados podem concorrer em duas modalidades. Uma é a de demanda espontânea, aberta a pesquisadores de qualquer campo. A segunda é a de áreas induzidas, destinada a 19 temas considerados estratégicos, como fármacos, violência e segurança pública, desenvolvimento de softwares, terapia gênica, energia nuclear, fontes alternativas de energia, nanotecnologia e biodiversidade amazônica. Cada grupo poderá receber financiamentos de R$ 500 mil a R$ 2 milhões anuais, por um prazo de até três anos. As propostas serão avaliadas por uma comissão designada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. O primeiro edital do Institutos do Milênio foi lançado em 2001 e contemplou 17 redes de pesquisa. O formulário de inscrição está disponível no endereço http://www.cnpq.br/ plataformalattes/formpropostaunicol.htm. •


os indígenas e a Embrapa é a Comissão Pró-índio, entidade com atuação nas áreas de educação, saúde e agricultura. A comissão reúne os índios em sua sede em Rio Branco, promove treinamentos que duram até 40 dias e forma agentes agrofiorestais. Uma visita à Embrapa é parada

■ Candidaturas lançadas Três professores titulares da área de engenharia lançaram-se candidatos a reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em substituição a Carlos Henrique de Brito Cruz, que ocupará a diretoria científica da FAPESP. Antônio Celso Arruda, ex-diretor da Faculdade de Engenharia Mecânica, Edson Moschim, do Departamento de Semicondutores, Instrumentos e Fotônica da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação, e o vice-reitor José Tadeu Jorge, da Faculdade de Engenharia Agrícola, apresentaram suas candidaturas no início de fevereiro. O primeiro turno da consulta à comunidade será realizado nos dias 16 e 17 de março. Uma lista tríplice será encaminhada ao governador de São Paulo, a quem cabe nomear o novo reitor da universidade. •

obrigatória nesses treinamentos. "Os índios às vezes nos trazem espécies nativas, por exemplo, banana e mandioca, que vão para o nosso banco de germoplasma", diz Amauri Siviero, pesquisador da Embrapa-Acre. "E costumam nos pedir sementes e mudas de plantas exóticas,

mento rápido e foram selecionadas ao longo de 15 anos entre mais de uma centena de plantas coletadas na Amazônia. Outra novidade que os indígenas levaram para casa foram as sementes de um açaí oriundo do Pará, que promete produzir a fruta na entressafra. •

como cítricos." Também recebem variedades das plantas que já cultivam. Na última visita que fizeram à Embrapa, em fevereiro, os indígenas conheceram as mandiocas manteguinha e macuxi, que acabam de ser lançadas. Elas têm baixo teor de fibra, maciez, ciclo precoce e cozi-

Proteção às florestas O Ministério do Meio Ambiente anunciou a criação de cinco novas unidades de conservação na Amazônia, num total de mais de 5 milhões de hectares, área semelhante à do Estado do Rio Grande do Norte. Duas delas ficam no Pará, numa reação aos desmatamentos no estado dias após o assassinato da freira Dorofhy Stang numa região de conflito fundiário. São elas a Estação da Terra do Meio, com quase 3,4 milhões de hectares, e o Parque Nacional da Serra do Pardo, com 445 mil hectares. As outras áreas são a Reserva Extrativista do Riozinho da Liberdade, no Acre e no Amazonas, com 325 mil hectares, as florestas de Balata-Tufari, no Amazonas, com 802

Área protegida no Pará: reação do governo

mil hectares, e de Anauá, em Roraima, com 259 mil hectares. A Estação da Terra do Meio é a segunda maior unidade de conservação do país, atrás do Parque Montanhas do Tumucumaque, no Amapá. Leva esse nome por ser cercada de terras indígenas que bloquearam o avanço das ocupações vindas do Cen-

tro-Oeste. Abrange municípios como Altamira e São Félix do Xingu, atuais fronteiras de desmatamento. A reserva cria um corredor ecológico de 25 milhões de hectares na bacia do rio Xingu, interligando o Cerrado e a Floresta Amazônica por meio de um mosaico de reservas ambientais e indígenas. •

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA VIROLOGIA

Sem segredos Equipe da Alellyx apresenta uma descrição detalhada de um vírus associado à morte súbita dos citros CARLOS FIORAVANTI

aiu o primeiro artigo científico assinado pelo corpo de pesquisadores da Alellyx Applied Genomics, empresa privada de biotecnologia nascida a partir do Programa Genoma FAPESP. Foi publicado neste mês de março na Journal of Viwlogy com a caracterização genética e molecular de um vírus que a equipe de pesquisadores da Alellyx considera um forte candidato a agente causador - ou ao menos um dos agentes causadores - da morte súbita dos citros, doença que já se instalou em cerca de 2 milhões de laranjeiras nos estados de São Paulo e Minas Gerais. De acordo com esse estudo, há 99,7% de associação entre o agora chamado Citrus sudden death-associated virus (CSDaV ou vírus associado à morte súbita dos citros) e o mal capaz de matar uma laranjeira ou uma tangerineira em poucos meses. Mesmo assim, não se pode dizer que seja realmente esse o responsável pela morte das plantas. É preciso ainda demonstrar que existe uma relação clara de causa e efeito, o chamado postulado de Koch, que consiste em inocular o suposto agente causador da doença em organismos sadios, nesse caso as laranjeiras, e verificar se elas contraem ou não a enfermidade. É um trabalho demorado, no qual é preciso ceder aos caprichos do vírus, cujo período 24 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 109

de incubação pode chegar a três anos. Só então é que aparecem os primeiros sintomas: a perda de brilho das folhas e o bloqueio dos vasos que conduzem a seiva da copa para as raízes. Então as raízes morrem e, com elas, as plantas. Os pesquisadores da Alellyx podem ainda não ter em mãos a certeza que almejam, mas nem por isso deixam de celebrar a publicação desse artigo, um marco na história dessa empresa. O estudo de dez páginas que saiu na Journal of Virology, uma revista internacional de primeira linha no campo da virologia, indica que é possível conciliar o desenvolvimento de produtos com a pesquisa científica de alta qualidade, como pretendiam os cinco fundadores da empresa - todos eles especialistas em biologia molecular e bioinformática que não queriam abdicar do rigor científico com que haviam trabalhado nas universidades de onde provinham. "A Alellyx compõe o quadro de iniciativas de sucesso em genômica", observa José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP. "O Programa Genoma FAPESP sempre teve como objetivo a formação de recursos humanos altamente qualificados tanto para a pesquisa em ambiente acadêmico quanto para a geração de empresas." No artigo sobre o vírus não faltam exemplos de carreiras acadêmicas consistentes que desaguaram em uma das raras empresas brasileiras de genômica de plan-



tas. Entre os 26 nomes que assinam o estudo, há dois professores universitários licenciados, Fernando Reinach, presidente da Alellyx e diretor executivo da Votorantim Novos Negócios, afastado temporariamente da Universidade de São Paulo (USP), e Jesus Aparecido Ferro, que deixou por uns tempos os laboratórios da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Jaboticabal para se dedicar à empresa de que é sócio. Paulo Arruda se mantém na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mas com menos atividades do que antes, enquanto Ana Cláudia Rasera da Silva, exigida também pelos cuidados com as filhas Amanda e Mariana, de 5 e 2 anos, deixou a USP. "Não dava tempo de fazer tudo direito", diz ela. Na equipe que durante dois anos e meio trabalhou nesse vírus há também dez biólogos com doutorado e outros quatro com mestrado, além de 12 estudantes de graduação em biologia. "Esse trabalho foi inteiramente financiado pela iniciativa privada, mas só foi possível porque a universidade pública formou esse pessoal", comenta Reinach. O grupo inclui ainda dois virologistas bastante experientes, que atuaram como consultores: o israelense Moshe Bar-Joseph, atualmente na Organização de Pesquisa Agrícola, em Israel, e Elliot Kitajima, da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, uma das mais respeitadas autoridades brasileiras em virologia de plantas. Produção limitada - É muito raro empresas privadas brasileiras divulgarem em revistas científicas os resultados de suas pesquisas. De modo geral, os técnicos, biólogos e engenheiros agrícolas ou veterinários que trabalham em empresas não são proibidos de divulgar suas descobertas em revistas especializadas, mas também não são estimulados a propagar seus achados, já que se busca essencialmente um produto para ser vendido ou uma patente, que num primeiro momento faz com que as informações sejam mantidas em sigilo. Nas bases de dados de publicações científicas desponta mais facilmente a produção de centros de pesquisas que 26 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 109

atendem a mais de uma empresa. É o caso do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), uma associação de citricultores e indústrias processadoras de frutas cítricas cujos especialistas assinaram 51 artigos científicos (33 em revistas nacionais e 18 em internacionais), sozinhos ou com outras instituições de pesquisa, nos últimos cinco anos. A equipe do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), de Piracicaba, controlado pela Cooperativa de Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar), publicou um artigo em uma revista internacional e participou de pelo menos outros seis trabalhos divulgados em revistas nacionais nos últimos três anos.

ão ainda mais raros artigos científicos - ou papers, como também são chamados - assinados só por pesquisadores de empresas. De uma busca não exaustiva pelo PubMed, uma base de artigos mantida pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, além do artigo da Alellyx emerge só mais um de uma empresa brasileira, assinado pela equipe da Natura Inovação e Tecnologia de Produtos. Saiu no ano passado na Journal of Cosmetic Science e apresenta um método alternativo para quantificar os danos ao cabelo resultantes do uso contínuo de escovas. A situação não muda muito quando entramos na Scielo, que congrega as melhores publicações científicas editadas no Brasil. Com a assinatura da Valleé, uma empresa de Minas que fabrica medicamentos de uso veterinário, aparecem dois artigos, um deles produzido com a USP e o Instituto Pasteur de São Paulo. A Biobrás, a única produtora nacional de insulina, comprada em 2002 pela dinamarquesa Novo Nordisk, também exibe dois trabalhos, ambos produzidos em conjunto com outros grupos de pesquisa. Patentes - A publicação desse artigo sobre o vírus é mais uma etapa da estratégia traçada por Reinach, que ha-

via participado da coordenação do seqüenciamento e da análise de genomas de bactérias causadoras de doenças em plantas, patrocinados pela FAPESP, antes de conseguir cerca de R$ 30 milhões da Votorantim para criar a Alellyx em março de 2002. Desde o início Reinach conduziu sua equipe de modo que as descobertas resultassem primeiramente em patentes, essenciais para o desenvolvimento de produtos inovadores, e em seguida em publicações capazes de reiterar a credibilidade da equipe com a exigente comunidade científica. De fato, o artigo expõe as seqüências do genoma do vírus que haviam sido objeto de três patentes concedidas em setembro de 2003 pelo governo norte-americano em nome de Walter Maccheroni e Ana Claudia Rasera da Silva, os dois autores principais do paper da Journal ofViwlogy. Essas seqüências de genes permitem a identificação do CSDaV, por meio de dois tipos de testes diagnósticos, um molecular e outro com anticorpos, e a utilização das moléculas de revestimento do vírus em plantas resistentes à morte súbita. "Como essas descobertas estão protegidas por patentes", diz Reinach, "ninguém mais pode fazer testes diagnósticos baseados nessas seqüências nos próximos 20 anos". Na Alellyx, diz Reinach, já são feitas "centenas de testes por dia", principalmente para controlar a saúde das plantas de pomares novos. "Já atendemos a grandes citricultores, responsáveis pelo cultivo de aproximadamente um quarto do total de pés de laranja do Estado de São Paulo", afirma ele. Desenvolvidos para atender inicialmente às necessidades dos pesquisadores da empresa, esses diagnósticos podem indicar até mesmo onde a doença deve aparecer, já que registram sinais do CSDaV nos insetos que o transmitem - os pulgões Aphis spiraecola e Aphis gossypii. Assim, esse tipo de teste, que outros centros de pesquisa também estão desenvolvendo, pode subsidiar medidas preventivas como a eliminação das plantas infectadas antes que outras sejam infectadas. Para a Alellyx, conquistar o mercado para esse tipo de teste a ponto de cobrir os investimentos feitos até agora na pesquisa da morte súbita - cerca de US$ 3 milhões - talvez seja uma tarefa equivalente à própria identificação do vírus. Não se trata, evidentemente, de


O CSDaV {esferas maiores), ampliado 22.700 vezes: até agora, o mais forte candidato a agente causador da morte súbita dos citros

um produto a ser usado em larga escala, no campo, como uma enxada. Para os produtores de laranjas, que vivem lutando para reduzir os custos de produção e aumentar o preço de venda, às vezes pode ser mais barato arrancar as plantas supostamente infectadas do que descobrir se estão de fato com uma doença contra a qual, por enquanto, não há remédio. Mas é certo: diagnósticos precoces da morte súbita são essenciais para o setor citrícola, que cultiva 200 milhões de pés de laranja, emprega cerca de 400 mil pessoas e gera negócios anuais da ordem de US$ 4 bilhões, de acordo com um levantamento do Programa de Estudos dos Negócios do Sistema Agroindustrial (Pensa) da USP concluído no ano passado. Morte lenta - Alguns conceitos sobre a morte súbita dos citros mudaram desde novembro de 2002, quando a equipe da Alellyx recebeu as primeiras amostras de plantas contaminadas e se pôs à caça do agente causador. No início se suspeitou que se tratava de uma mutação do vírus da tristeza dos citros, uma doença que consumiu 90% dos laranjais paulistas entre 1939 e 1949.

Depois as diferenças se impuseram e agora a equipe da Alellyx demonstra que o CSDaV é um novo membro do gênero Marafivirus, integrante da família Tymoviridae, enquanto o vírus da tristeza pertence à família Closteroviridae. Mas ainda não se descarta a possibilidade de que os dois possam atuar em conjunto como causadores da morte súbita. Também se pensou que essa doença continuaria avançando sobre os pomares a taxas de 60 quilômetros por ano, como aconteceu entre 2002 e 2003. Até janeiro de 2004, a doença havia atingido 1,5 milhão de plantas em 12 municípios do sul do Triângulo Mineiro e outras 436 mil em 18 municípios do norte, noroeste e centro do Estado de São Paulo. Mas não se propagou na velocidade imaginada. "A morte súbita está contida na região norte do Estado de São Paulo", comenta Marcos Machado, do Centro de Citros Sylvio Moreira, de Cordeirópolis, interior paulista, onde também se pesquisa o agente causador e as formas de controle da morte súbita. "Deve haver um componente ambiental muito forte, como solo, água ou clima, que a mantém confinada nesses limites." A ve-

locidade desse avanço pode ser reduzida ou acelerada também de acordo com a concentração de pomares, a erradicação de plantas doentes, o controle de insetos vetores ou o transporte de mudas contaminadas, observam Waldir Cintra de Jesus Júnior e Renato Beozzo Bossanezi, da Fundecitrus, e Armando Bergamin Filho, da USP, em um estudo veiculado na revista Visão Agrícola. Hoje se sabe como conter a morte súbita: usando-se porta-enxerto - a planta sobre a qual cresce a espécie de laranja que se deseja cultivar - resistente, embora as alternativas mais eficazes exijam um cuidado extra e caro, a irrigação. O atual centro das atenções é outra doença, a greening ou huanglongbing (HBL). Detectada em março de 2004, já se instalou em cerca de 400 mil pés de laranja de 46 municípios da região central do Estado de São Paulo. Por atacar a copa das laranjeiras, só pode ser contida por meio de uma medida radical: a eliminação das plantas sintomáticas, como já se faz com o cancro cítrico. Nas próximas semanas deve sair uma lei que autoriza os inspetores sanitários do governo a arrancar as árvores contaminadas. • PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 • 27


I POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

GOVERNO

Plano estratégico Lei de Incentivo à Inovação quer facilitar a contratação de pesquisadores CLAUDIA IZIQUE

O projeto de lei de Incentivo à Inovação que o governo enviará ao Congresso até 3 de abril proporá a desoneração de encargos sociais na folha de pagamento do pessoal qualificado para atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) contratado pelas empresas. A idéia é ampliar o número de pesquisadores nas empresas e alavancar a inovação e tem sido defendida pelo diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez. Foi bem recebida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), responsável pela elaboração de uma minuta de projeto de lei que será avalizada por outros ministérios, antes de ser encaminhada ao Legislativo. Também foi bem acolhida a sugestão de alteração na Lei 8.661, de 1993 -

/ 28 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 109

I

de estímulo à capacitação tecnológica da indústria e da agropecuária por meio dos programas de Desenvolvimento Tecnológico Industrial (PDTI) e Agropecuário (PDTA) -, apresentada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Os dois programas - que originalmente previam um incentivo de 8% no imposto devido pelas empresas inovadoras - deixaram de ser atraentes para empresas quando, em 1997, um pacote fiscal estabeleceu uma espécie de concorrência entre as deduções do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) nos investimentos em P&D com os recursos destinados pelas empresas ao Programa de Alimentação dos Trabalhadores (PAT), até um limite de 4% do imposto devido. Em 2003 e 2004, por exemplo, apenas seis empresas pleitearam os benefícios dos programas. A intenção do governo é criar novas regras para a concessão dos incentivos

da Lei 8.661 - considera-se a hipótese de extinguir o PDTA e o PDTI - que permitam melhor aplicação dos recursos. Contratação de doutores - A proposta de Perez foi apresentada ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e defendida em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, assinado em conjunto com Fernando Reinach. Prevê a desoneração de todos os encargos sociais na contratação de doutores para atividades de P&D - o projeto de lei que está sendo elaborado pelo MCT menciona pessoal qualificado para atividades de pesquisa. Essa modalidade de contrato seria válida para um intervalo de dez anos contados a partir da obtenção do título de doutor emitido por curso de pós-graduação reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC). Os salários pagos seriam considerados como despesas adicionais e um porcen-


porcentual para 2% do PIB, um patamar de investimentos semelhante ao dos demais países em desenvolvimento. "Essa estratégia exige que se tripliquem os investimentos empresariais", diz Carlos Henrique de Brito Cruz, reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor científico nomeado da FAPESP. Para isso, acrescenta, é preciso que o Estado crie um ambiente de estímulo aos investimentos empresariais, por meio de incentivos - que serão introduzidos com a aprovação da nova lei e subvenções. "Essas duas modalidades de apoio, no entanto, só darão certo se o país tiver um ambiente jurídico adequado, de respeito à propriedade intelectual, estabilidade legal e econômica", ele ressalva. A estabilidade desejada inclui ainda um Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) eficaz, institutos de tecnologia capacitados para apoiar a pesquisa e universidades qualificadas para dar retaguarda à inovação. O Brasil conta atualmente com, pelo menos, uma dezena de instrumentos de incentivo que implicam uma renúncia fiscal de R$ 2 bilhões anuais e resultam em investimentos empresariais da ordem de R$ 5 bilhões. Ou seja, para cada R$ 1 de incentivo, investem-se

tual desses gastos poderia ser abatido do lucro operacional das empresas. "O valor da renúncia é irrisório comparado com o investimento feito pelos contribuintes - mais de R$ 840 milhões anuais - na formação de doutores e com o retorno esperado", argumenta Perez. O universo de beneficiários, continua, é de fácil verificação, já que a lista de doutores formados consta de bases públicas de dados. Nas contas de Perez, o emprego de um doutor em uma empresa gera de cinco a sete outros empregos de técnicos, aumenta a sua interlocução com o sistema acadêmico, permitindo a identificação de demandas e ofertas de pesquisa a serem desenvolvidas em parceria. A contratação de pesquisadores pelas empresas deverá movimentar os indicadores de inovação. O Brasil formou, em 2003, cerca de 8 mil doutores, mais do que a Coréia do Sul. Mas o número de doutores empregados em empresas brasileiras era inferior a 29 mil, em 2001, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. No mesmo período, 94 mil pesquisadores com essa titulação estavam contratados por empresas sul-coreanas. Essa diferença ajuda a explicar o desempenho dos dois países quanto ao número de patentes depositadas nos Estados Unidos em 2001: 120 patentes brasileiras ante 3.500 sul-coreanas. Investimento empresarial - O Brasil investe 1% do Produto Interno Bruto (PIB) em P&D. A participação das empresas é de 0,4% ante 0,6% de recursos públicos. O país quer elevar esse

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R$ 2,5. Nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) a relação entre a renúncia fiscal e investimentos é de 1 para 9, o que deixa clara a baixa eficiência da política brasileira de incentivos fiscais. "A solução não está em gastar mais, mas em utilizar instrumentos adequados", sublinha Brito. Para as pequenas empresas, no entanto, a melhor política de estímulo é a subvenção, ou seja, a aplicação direta de recursos. "Neste caso, já existem alguns instrumentos, apoiados nos fundos setoriais como o Programa de Capacitação de Recursos Humanos (Rhae) e o Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe), ambos do MCT, ou o Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empreas (PIPE), da FAPESP" lembra Brito. Mas, ele ressalva, esse tipo de programa deveria se multiplicar. A própria Lei de Inovação, promulgada em 3 de dezembro do ano passado, também prevê alguns instrumentos que precisam ser regulamentados para que sejam definidos "os instrumentos práticos". Mais incentivo - O projeto de lei de Incentivo à Inovação também está sendo debatido pelo Conselho de Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A entidade também reivindica redução dos custos trabalhistas na contratação de pessoal para P&D e reformulação da atual legislação de incentivo fiscal, considerada ineficaz. Alinha-se à CNI propondo a reformulação da Lei 8.661, entre outras medidas. •

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I POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Livro apimenta briga entre os que crêem e os que duvidam da ação do homem no aquecimento global FABRICIO MARQUES

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tate offear, ficção do escritor norte-americano Michael Crichton recém-lançada nos Estados Unidos, narra uma história em que a luta entre o bem e o mal contrapõe ambientalistas radicais, no papel de terroristas dispostos a matar, e um time liderado por um misto de cientista e herói de filmes de ação chamado John Kenner, cujos argumentos põem em xeque as projeções apocalípticas sobre os efeitos das emissões de gases causadores do efeito estufa no aquecimento global. Autor do best-seller Parque dos dinossauros, Crichton avisa que escreveu uma obra de ficção, sem ligação com fatos ou pessoas de verdade. Mas faz uma ressalva: gráficos e notas de rodapé com referências a artigos científicos são verdadeiros. Ou seja: Dr. Kenner não existe, mas suas perturbadoras observações são compartilhadas por vários cientistas. Isso converteu o livro no mais recente combustível no debate sobre as mudanças climáticas, que voltou à ordem do dia com a entrada em vigor, no mês passado, do acordo diplomático que prevê a redução da emissão global de poluentes, o Protocolo de Kyoto. Quem está convencido de que o planeta vem ficando mais quente em virtude da fumaça das indústrias e dos automóveis deplorou o livro, como era de esperar. "As conclusões são total-

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mente equivocadas, assim como há má-fé em comparar ecologistas com terroristas", diz Martin Hoffert, professor de física da Universidade de Nova York, resumindo a reação da enorme maioria da comunidade científica. Já os céticos, aqueles pesquisadores que duvidam do vínculo entre aquecimento global e emissão de gases, não esconderam a satisfação. "O livro é divertido e trata a ciência com inteligência e responsabilidade", diz Richard Lindzen, professor de meteorologia do Massachusetts Institute of Technology (MIT), que lidera a caravana dos descrentes e, especula-se, serviu de inspiração do personagem principal (Dr. Kenner também é do MIT). A obra, que deve ser lançada em português pela Editora Rocco no segundo semestre, produziu calor e fumaça também na política. O senador norte-americano James Inhofe, presidente da comissão do Senado que trata de ambiente, referiu-se ao livro como "a verdadeira história" das mudanças climáticas. Os Estados Unidos, nação mais poluidora do planeta, recusam-se a ratificar o Protocolo de Kyoto e a reduzir suas emissões. Paradoxos - A ficção de Crichton incorpora argumentos dos céticos. As análises mais contundentes são as séries históricas de oscilações de temperatura ao longo das últimas décadas em cidades norte-americanas - incapazes, diz o autor, de comprovar uma tendência de aquecimento no mundo inteiro. Estatísticas do United States Historical Climatology Network mostram que na cidade de Pasadena, na Califórnia, o aumento foi de mais de 3°F (Fahrenheit). Já no desértico Death Valley, também na Califórnia, um dos lugares mais quentes do mundo, o avanço foi inferior a 1°F. E várias outras localidades ficaram mais frias, como McGill, Estado de Nevada (1°F a menos), e Truman, em Minnesota (menos 2°F). Da mesma forma, a cidade de Nova York experimentou um notável aumento de quase 5°F entre 1822 e 2000, mas em 32 • MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

Albany, a apenas 140 quilômetros dali, a temperatura caiu meio grau no período. Conclusão de Crichton e dos céticos: Nova York talvez tenha ficado mais quente apenas porque se urbanizou, fenômeno conhecido como "ilha de calor". Idêntico paradoxo desponta em gráficos de temperaturas em outros países. Dados atribuídos ao Instituto Goddard de Estudos Espaciais da Nasa apontam estabilidade nas médias de temperatura em Alice Springs, na Austrália, e Kamenskoe, na Sibéria; aquecimento em Tóquio, no Japão, e Laho-

re, no Paquistão; e esfriamento em Navacerrada, na Espanha, e Stuttgart, na Alemanha, entre outros. Para os céticos, tais dados são uma evidência de que o aquecimento não é global e pode estar associado a fatores locais, sem vínculo com as emissões de carbono. Os cientistas que enxergam a mão do homem nas mudanças climáticas têm outra interpretação. "É natural que algumas regiões esfriem e outras esquentem, uma vez que o clima é mesmo sujeito a variações regionais e temporais - na Amazônia, por exemplo,


gindo 6°C em 2004. Também faz referência a diversos artigos científicos que mostram algumas regiões do continente antártico mais quentes e outras mais frias. Outro prato de resistência do autor é o degelo da neve do Kilimanjaro, na Tanzânia. Crichton cita artigos sugerindo que o derretimento é causado pela devastação na base das montanhas, não pelo aquecimento global, tanto que começou a ser observado no início do século 19. A crítica que se faz a Crichton, nesse caso, é que ele se esqueceu de citar registros que apontam o derretimento nos Alpes, nos Andes ou no Ártico, onde a população de esquimós do norte do Canadá reporta um degelo sem precedentes na história. Uma seleção da literatura científica, argumentam cientistas, pode produzir resultados que parecem corretos, mas contam apenas uma parte da história.

nós observamos alterações regionais no padrão de precipitação", afirma Paulo Artaxo, pesquisador do Instituto de Física da Universidade de São Paulo. "Mas essa variabilidade natural não ofusca as evidências cada vez maiores de que, na média, o planeta está aquecendo." Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), completa: "É possível, inclusive, que algumas regiões do planeta esfriem como conseqüência do aquecimento global. Num dos cenários possíveis, a chamada circulação termo-ha-

lina seria interrompida em alguns locais do oceano pelo aquecimento, o que poderia transformar parte da Europa num lugar frio como o Canadá. Mas todos os modelos matemáticos apontam que a temperatura, na média, vai aumentar." Para se contrapor à idéia de que a Antártica está degelando, Crichton apresenta dados da Nasa, obtidos da estação climatológica de Punta Arenas, e mostra outro paradoxo. A temperatura média ali, pouco superior a 6,5°C (Celsius) em 1888, vem caindo, atin-

Vínculo potencial - Ninguém duvida de que a ação do homem é responsável por um aumento da concentração de carbono na atmosfera de 280 partes por milhão de carbono antes da Revolução Industrial para 370 partes por milhão atualmente - assim como é consensual a conclusão de que seria bom reduzir a emissão de gases que aumentam o efeito estufa. Também há uma coleção de evidências de que o clima no planeta vive uma fase de transformações. Publicações científicas reportam um aumento médio global na temperatura da ordem de 0,7°C. O ano de 2004 foi o quarto mais quente desde que medidas de temperatura começaram a ser realizadas no mundo no século 19. E os três anos mais quentes da história foram registrados recentemente: 1998, 2002 e 2003. Tudo isso é verdade, mas os grupos antagônicos interpretam esses dados de forma bem diferente. A maioria dos cientistas enxerga um vínculo potencial entre a poluição industrial e o aquecimento. "Nos últimos 30 anos, há uma tendência forte de aquecimento global e há cada vez mais dados sugerindo que isso tem a PESQUISA FAPESP 109 • MARÇO DE 2005 ■ 33


ver com as emissões de gases", afirma James Hansen, do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da Nasa. "Em ciência, às vezes é difícil termos 100% de certeza, mas se chegarmos a 95% podemos agir antes que seja tarde", diz Paulo Artaxo. Já o grupo dos céticos lembra que não há uma prova definitiva dessa associação. Argumentam, por exemplo, que o aquecimento recente pode ter as mesmas causas naturais que, em eras passadas, produziram ciclos de aquecimento e glaciações que varreram o planeta sem nenhuma ação humana. "Nunca se provou fora de laboratório que o aquecimento global ocorre como resultado direto do aumento do dióxido de carbono", diz Richard Lindzen, do MIT. "Cientistas têm amplas evidências fósseis mostrando que os níveis de dióxido de carbono na atmosfera cresceram quando a Terra se aqueceu. Mas ninguém até agora provou que o aumento do dióxido de carbono foi responsável por crescimentos da temperatura no passado", afirma. Os céticos ainda duvidam da acuidade das estatísticas. Boa parte das medidas de

temperatura obtidas antes da década de 1970, dizem eles, pode estar equivocada, pois foi registrada em áreas urbanas por meio de termômetros hoje considerados pouco confiáveis.

pergunta que um leigo faz nessa hora é: como visões tão divergentes podem sobreviver no ambiente científico? Dúvidas e questionamentos são naturais no mundo acadêmico e é por meio de discussões que hipóteses são postas à prova e o conhecimento avança. "Como em muitas outras questões científicas, existem evidências conflitantes e os detratores de uma ou outra posição costumam usar as evidências que mais convém aos seus argumentos", diz o epidemiologista brasileiro Ulisses Confalonieri, responsável pela comissão de saúde do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Órgão assessor das Nações Unidas para assuntos do clima

com 1.500 membros, o IPCC é composto, em sua maioria, por pesquisadores convencidos da ação do homem no aquecimento global - refletindo a opinião média da comunidade científica internacional. "O IPCC não é tão taxativo como alguns críticos colocam, apenas aponta claramente para as incertezas", diz Pedro Leite da Silva Dias, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). "Mas a cada quatro anos, quando um novo levantamento do IPCC é lançado, essas incertezas diminuem." No caso do debate do efeito estufa, a dúvida se explica por uma limitação da pesquisa em geofísica. "Uma forma definitiva de tirar a limpo seria pegar dois planetas com atmosferas idênticas, aumentar a quantidade de carbono num deles mas não no outro - e comparar os resultados", diz o astrogeofísico Luiz Gylvan Meira Filho, professor do Instituto de Estudos Avançados da USP "Como é impossível aplicar o método científico dessa forma, a solução é usar modelos matemáticos sofisticados para projetar as mudanças, que apenas sugerem tendências", afirma Meira. Os modelos climáticos, não por acaso, são outro

"Mais clareza, menos incertezas" Entre os dias Io e 3 de fevereiro, 200 cientistas de 30 países estiveram reunidos em Exeter, no Reino Unido, a convite do primeiro-ministro britânico, Tony Blair, que vai assumir a presidência do G-8 e elegeu o aquecimento global como uma das suas preocupações centrais. "A reunião teve caráter eminentemente científico, com o objetivo de gerar informações para o primeiroministro", explica Luiz Gylvan Meira Filho, professor visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e membro do comitê científico da conferência em Exeter. Os cientistas convidados tinham a tarefa de responder a três perguntas relacionadas ao impacto dos diferentes níveis de mudança climática nas diversas regiões do planeta, a sua relação

34 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 109

com a emissão de gases de efeito estufa, os esforços necessários para controlar os níveis de emissão e as opções tecnológicas disponíveis para alcançar a estabilização. Durante três dias fizeram um balanço do estado do conhecimento sobre mudança global do clima revisando os quatro relatórios - um deles ainda em fase de elaboração - do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da Organização das Nações Unidas (ONU) e analisaram uma série de artigos de especialistas reunidos pelo comitê científico. De acordo com o relatório publicado ao final do encontro, "há mais clareza e menos incertezas" sobre o impacto provocado pelas mudanças no clima.

Os cientistas concluíram que a elevação da temperatura atinge diferentemente as diversas regiões do planeta. O aumento de 1°C pode, por exemplo, ser benéfico para algumas regiões agrícolas, em áreas de média ou alta latitude. Mas, em alguns casos, os danos são mais sérios do que se considerava. Já provocaram, por exemplo, mudança na acidez dos oceanos, recentemente identificadas, o que pode reduzir a capacidade de remoção do dióxido de carbono da atmosfera e afetar a cadeia alimentar marinha. O relatório, no entanto, faz uma ressalva: a contribuição dos homens para a mudança do clima deve ser mais bem analisada. As alterações já observadas são consistentes com resultados dos modelos de clima que incluem a


Geografia da poluição: em vermelho, as regiões do planeta com maior concentração de dióxido de nitrogênio

elo frágil explorado por Michael Crichton. Ele cita um trabalho científico publicado no ano 2000 pelo pesquisador norte-americano Christopher Landsea, especialista em furacões do National Oceanic and Atmospheric Administration (Noaa), segundo o qual os modelos foram incapazes de prever o fenômeno El Nino observado entre os anos de 1997 e 1998. "Ninguém sabe quanto a temperatura vai crescer nos próximos cem anos. Os modelos computacionais têm resultados com variações de 400%,

ação do homem. Mas, detectadas as mudanças climáticas, resta avaliar o tamanho da responsabilidade humana. A resposta a essa questão, no entanto, envolve considerações "quase filosóficas", como diz Meira. O quadro, no entanto, pode se agravar. A literatura analisada sugere que uma elevação na temperatura do planeta entre 1°C e 3°C - aumento, aliás, projetado para este século - pode provocar sérios danos globais. "Concordamos que é preciso estabelecer limites para as emissões globais", diz Carlos Nobre, pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que também participou do encontro em Exeter. Os especialistas reunidos em Exeter decidiram então encampar a recomendação da União Européia - já defendida por muitos - de se fixar um limite de segurança em 2°C para o aquecimento global. Essa temperatura cor-

num sinal de que qualquer previsão é possível e ninguém sabe o que está falando", diz Crichton. "É natural que os modelos climáticos tenham resultados variados", rebate Carlos Nobre, do Inpe. "É o melhor instrumento de que dispomos. Eles são usados em meteorologia e ninguém os desqualifica porque não se consegue dizer exatamente onde a chuva vai cair. Ao contrário, estamos aprendendo a interpretar essas variações", afirma. Pedro Leite da Silva Dias, do IAG, também defende os mo-

responderia a manter os níveis de emissão de dióxido de carbono abaixo de 400 partes por milhão até 2050. "Já estamos num patamar de 380 partes por milhão", lembra Nobre. Para reverter esse quadro, seriam necessárias ações imediatas de controle de emissão. Um atraso na tomada de decisões e na adoção de medidas mitigadoras implicará um esforço três a sete vezes maior para controlar os efeitos do aquecimento global. As demandas mundiais de energia apontam que as emissões de dióxido de carbono aumentarão 63% entre 2002 e 2050. Isso significaria que, se nenhuma medida for tomada, a temperatura do planeta aumentará entre 0,5°C e 2°C. A boa notícia é que os cientistas de Exeter concluíram que o mundo não precisa esperar uma "tecnologia salvadora", conta Meira. Existe um conjunto de tecnologias disponíveis que podem promover a redução de emissão de ga-

delos: "Como conviver com a incerteza? Por exemplo, usando o que se chama hoje de previsão por conjunto, na qual um grande número de simulações, com diferentes modelos, é usado para gerar os possíveis cenários. A média desse conjunto fica muito mais próxima da realidade que qualquer modelo isolado". Na vida real, os embates entre os dois grupos são freqüentes e, às vezes, produzem golpes abaixo da cintura. Dois estatísticos australianos recente-

ses de efeito estufa e manter a temperatura do planeta dentro dos limites de segurança. Entre as novas tecnologias, Meira cita a biomassa ou o etanol para substituir os combustíveis fósseis na geração de energia. "Não há uma tecnologia única", sublinha Meira. A troca de tecnologias para produção de energia e redução de emissões também não deverá produzir o impacto econômico pelo qual temem as nações desenvolvidas, desde que os países optem por sistemas de compensação nacional ou internacional, como os mecanismos previstos no Protocolo de Kyoto. O acordo, que entrou em vigor em 16 de fevereiro último, prevê que países desenvolvidos compensem as emissões nacionais de gases de efeito estufa patrocinando a implantação de mecanismos de desenvolvimento limpo em nações em desenvolvimento. • CLAUDIA IZIQUE

PESQUISA FAPESP109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 35


mente acusaram de exagero as projeções de crescimento econômico nos países pobres que sustentam as previsões de aquecimento global. Foram acusados de pertencer aos "céticos", o que, no vocabulário dos contendores, contempla a insinuação de receber dinheiro de indústrias poluidoras para melar o debate. Em fevereiro, os céticos promoveram um encontro na Inglaterra na mesma semana em que os representantes do outro grupo se reuniam com o premiê britânico, Tony Blair. O próprio IPCC foi cenário de uma briga pública recente. Kevin Trenberth, chefe do comitê sobre furacões, sugeriu uma ligação entre as mudanças climáticas e a onda de poderosos furacões que varreu o planeta no ano passado. Christopher Landsea, o mesmo citado no livro de Crichton pela crítica aos modelos do El Nino, renunciou a seu cargo no painel, em protesto contra o que chamou de "manipulação política". "Trenberth não tem elementos para afirmar isso. Por causa de suas declarações, a neutralidade do IPCC se perdeu", disse Landsea. Trenberth acusou Landsea de perfilar-se entre os céticos. Mas se retratou entre seus pares. Explicou que as mudanças do clima poderiam ter afetado a intensidade dos furacões, devido às temperaturas oceânicas mais elevadas, mas não o número de eventos. Em State offear, Crichton mostra estatísticas sugerindo que o pico de furacões nos Estados Unidos nas últimas décadas ocorreu nos anos 1940. "Mau investimento" - O debate pega fogo quando deixa a arena científica e deriva para a discussão política das conseqüências econômicas da redução da emissão de gases. O Protocolo de Kyoto, grande conquista do movimento ambientalista e científico que entrou em 36 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

Geleiras: algumas regiões do continente antártico esquentam, outras esfriam

vigor no mês passado, é um dos focos de discórdia. Michael Crichton vocaliza um dos argumentos dos céticos. Cita como referência um artigo da revista Nature de outubro de 2003, segundo o qual o efeito do protocolo será uma redução na temperatura de 0,02°C até 2050. As estimativas do IPCC são maiores, mas nenhuma excede 0,15°C. Os dados são reais, mas não enfraquecem o ânimo dos defensores do acordo. "Kyoto pode ter efeitos imperceptíveis no clima, mas se trata do primeiro instrumento diplomático importante para reduzir as emissões de gases. É um primeiro passo, que será seguido de outras iniciativas mais abrangentes no futuro próximo" diz Paulo Artaxo, da USP. Os modelos sugerem que, para obter um efeito expressivo no clima, seria necessário reduzir em até 60% as emissões de gases, preço que nenhum país deseja pagar atualmente. "O es-

sencial no Protocolo de Kyoto é que ele está levando à criação de um novo paradigma tecnológico no mundo industrializado, que reduzirá as emissões globais de gases", diz Carlos Nobre, do Inpe. O livro de Crichton não evita a pergunta: vale a pena cercear o crescimento industrial para conseguir um efeito tão modesto no clima? Ou sairia mais barato adaptar-se às mudanças? Outro provocador do time dos céticos, o estatístico dinamarquês Bjorn Lomborg, autor do polêmico livro O ambientalista cético, afirma, com todas as letras, que não vale a pena. Recentemente Lomborg incendiou o debate ao reunir em Copenhague um grupo de proeminentes economistas, entre eles três ganhadores do Nobel, para discutir soluções para os principais problemas do planeta. Um dos resultados do encontro foi um documento que apontava como prioritárias as iniciativas para enfrentar a Aids e a malária e promover o saneamento em países pobres, em detrimento da guerra contra o aquecimento global - descrita como "um mau investimento". "O combate ao efeito estufa é uma iniciativa de alto custo e baixos benefícios", diz Lomborg. O debate poderia prosseguir com argumentos respeitáveis de parte a parte. Cientistas diriam que o investimento compensa, pois preveniria catástrofes como a extinção de espécies e evitaria que as gerações futuras pagassem o preço do descuido da saúde do nosso planeta nos últimos 150 anos. Os céticos pediriam provas. Há um ponto em que o livro de Crichton pode ser chamado de parcial. Ele apresenta os céticos como vozes sufocadas num mundo em que os ambientalistas dominam os políticos e atordoam a visão crítica dos cientistas. A vitalidade do debate mostra que esse panorama está distante da realidade. •


■ POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ORÇAMENTO

FAPESP fecha 2004 com superávit superiora R$ 98 milhões e inicia 2005 com patrimônio financeiro líquido de R$ 178,2 milhões

Evolução do patrimônio financeiro líquido (R$) 2002 a 2004 Disponibilidade ao final do exercício

514.440.716

602.461.237

703.671.312

433.828.365

414.426.876

449.934.834

Passivo financeiro (compromissos a recolher, fornecedores, provisões e outros compromissos com bolsas e auxílios) -curto prazo

16.497.640

11.379.348

12.804.477

Compromissos de longo prazo (mais de 1 ano) com bolsas e auxílios

61.114.579

59463.343

62.695.655

Patrimônio financeiro líquido

3.000.132

Compromissos de curto prazo (até 1 ano) com bolsas e auxílios

WÊÊÊRm u7.191.670

178.236.346

Equilíbrio consolidado ste ano promete ser ainda melhor para a pesquisa no Estado de São Paulo. A FAPESP fechou o ano passado com uma disponibilidade de caixa de R$ 703,6 milhões, 7,95% superior à meta inicialmente prevista. Descontados os investimentos já empenhados, de curto e longo prazo - bolsas, auxílios, pagamento de fornecedores e provisões -, a Fundação iniciou o ano com um patrimônio financeiro líquido de R$ 178,2 milhões, 52% superior ao registrado em 2004. A boa notícia é que esses números resultam de um superávit superior a R$ 98 milhões no ano passado e mostram que o reequilíbrio financeiro está consolidado. "Estamos preparados para investir em projetos especiais e de inovação, sair da rotina e até enfrentar eventuais adversidades", diz Joaquim J. de Camargo Engler, diretor administrativo. A recuperação do patrimônio já tinha tido impacto positivo no orçamento do ano passado: uma receita inicial-

mente prevista de R$ 447 milhões, em 2004, cresceu 16%, atingindo de R$ 520 milhões. Nesse total, os recursos próprios da Fundação representaram R$ 121, 9 milhões, algo em torno de 24%. A receita própria da Fundação é formada principalmente por aplicações financeiras e receitas imobiliárias. Ao longo de 2004, as receitas imobiliárias tiveram um desempenho surpreendente, 17,49% acima das previsões, e as receitas diversas - como o reembolso de registro de domínio, receita com patentes e contrapartida de auxílios - também superaram, em muito, as expectativas. Estabilidade financeira - No ano passado, as transferências do Tesouro estadual - relativas a 1% da receita tributária do Estado de São Paulo - também foram 11,27% superiores ao inicialmente estimado. E os repasses do governo federal alcançaram R$ 20,8 milhões, quase a metade relacionada aos recursos do Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe), do Ministério da Ciência e Tecnologia, para o financiamento da fase III do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empreas (PIPE). Esses resultados positivos, em conjunto, permitiram à Fundação apoiar, nas linhas de auxílio à pesquisa todos os projetos de mérito

que lhe foram apresentados e garantir um bom superávit no exercício. Em 2004 os investimentos da FAPESP foram de R$ 421 milhões. Desse total, 96% destinaram-se ao financiamento de bolsas, auxílios, apoio a programas especiais e de inovação tecnológica. A participação dos dispêndios com bolsas no conjunto dos investimentos da Fundação em atividades-fim - bolsas, auxílios, programação especial e inovação tecnológica - representou 34,7%, porcentual que tem se mantido estável nos últimos anos. Os recursos de financiamento nas linhas regulares de auxílio a pesquisa e projetos temáticos somaram R$ 167,8 milhões, 42,6% dos investimentos em atividades-fim. Os programas especiais ficaram com R$ 35,4 milhões, o que representou 9% dos investimentos. Aos programas de inovação tecnológica - entre eles o Genoma, Biota, Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) e o PIPE - a Fundação destinou R$ 53,8 milhões, ou seja, 13,7% dos investimentos. O orçamento inicialmente previsto para 2005 é de R$ 487,3 milhões. O bom desempenho da economia paulista, aliado à boa gestão do patrimônio da Fundação, permitirá fazer avançar ainda mais a pesquisa no estado. • PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 37


POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA

RACIONALIZAÇÃO

Com os dias

contados

SAGe, novo sistema informatizado de gestão, abolirá o uso dos processos em papel na Fundação

AFAPESP implantou a primeira fase do Sistema de Apoio a Gestão (SAGe), que inaugura um novo padrão de qualidade no atendimento aos pesquisadores e na administração de processos associados a projetos de pesquisa. Cadastraram-se no sistema, a partir de 3 de janeiro deste ano, 11.437 pesquisadores e, entre os dias Io e 25 de fevereiro, foram submetidas à Fundação por via eletrônica 272 propostas, com sucesso. Entretanto, em razão de alguns problemas de estabilidade do sistema informatizado, o presidente da Fundação, Carlos Vogt, decidiu enviar aos pesquisadores paulistas, no final de fevereiro, um comunicado explicando que temporariamente devem conviver os dois sistemas de submissão de propostas de bolsas e auxílios, o eletrônico e o tradicional . "Para que não haja prejuízo ao cronograma e ao planejamento de apresentação dessas propostas, a FAPESP comunica que a partir de Io de março colocará também em funcionamento o seu sistema tradicional com a utilização de formulários em papel", informou o comunicado. As duas formas, acrescentava, "conviverão até que o problema de estabilidade seja definitivamente resolvido". Isso significa que todo pesquisador que encontrar dificuldade para enviar sua proposta por via eletrônica pode, 38 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 109

por ora, valer-se dos formulários que estão novamente disponíveis no site www.fapesp.br e encaminhar sua proposta pelo método tradicional. Quando o sistema estiver estável, todos os pesquisadores estarão dispensados de comparecer pessoalmente à sede da Fundação, munidos de pastas de documentos, para pleitear novos apoios. Por meio do site www.fapesp. br/sage, eles poderão solicitar financiamento, atualizar informações pessoais e dados curriculares, anexar documentos, acompanhar o andamento de processos e até tomar conhecimento da avaliação dos assessores. A expectativa é que no final do primeiro semestre o SAGe esteja funcionando a plena carga, dando cobertura total a todos os procedimentos que envolvam a relação entre pesquisadores e a Fundação. "O SAGe representa um passo importante para a modernização da FAPESP e um salto de qualidade na administração dos projetos e pesquisa científica e tecnológica", diz Carlos Vogt, presidente da FAPESP. "É um marco fundamental na dinâmica do programa Mudança, Qualidade e Institucionalização que tem orientado os novos padrões de gestão da FAPESP." A informatização da gestão tem como objetivo racionalizar os procedimentos da Fundação, com redução de custo, e a padronização de termos e conceitos envolvidos. Permitirá à FAPESP manter a qualidade de atendimento a uma demanda crescente: entre 1994 e 2004,

as solicitações de bolsas saltaram de 4.100 para 17 mil. Além disso, garantirá maior visibilidade a todos os procedimentos - preservado, é claro, o sigilo dos processos e projetos -, reiterando a responsabilidade pública da instituição. Ambiente amigável - O SAGe é composto de cinco módulos principais: apresentação de proposta, análise e julgamento de propostas, gestão de contratos, acompanhamento físico e avaliação e gestão de programas. Num ambiente de internet amigável e de simples navegação, os pesquisadores têm acesso a formulários com todas as linhas de fomento oferecidas pela Fundação, que incluem campo para a anexação da documentação exigida em cada uma das modalidades de apoio. Em caso de dúvidas, é possível recorrer a um sistema de ajuda eficiente e de fácil compreensão. O preenchimento de formulários também não oferece dificuldades. Escolhida a modalidade de apoio, por exemplo, o próprio site apresenta aos interessados a lista de formulários a ser preenchidos. E o pesquisador é imediatamente alertado para o caso de faltarem informações ou documentos. O site permite a atualização de dados e do currículo do pesquisador. Um convênio entre a FAPESP e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) permitiu carregar o SAGe com súmulas elaboradas a partir do Currículo Lattes.


Os assessores responsáveis pelo acompanhamento dos vários projetos também utilizarão o novo sistema para enviar pareceres. E a FAPESP terá mais agilidade para acompanhar os contratos e administrar os diversos programas. O SAGe garante total segurança no tráfego de documentos. O acesso ao site é feito por meio de senha que funciona como uma espécie de assinatura do pesquisador, sendo portanto intransferível. Os pareceres dos assessores também estão protegidos por absoluto sigilo. Os projetos já em andamento, encaminhados antes da implantação do SAGe, não integrarão o novo sistema. A apresentação dos relatórios, prestação de contas etc. seguirão obedecendo ao sistema antigo. Em 2009, quando então esses processos estarão encerrados, todos os procedimentos de financiamento e gestão de contrato, acompanhamento e avaliação de programas e projetos estarão totalmente integrados ao novo sistema. "A informatização plena dos procedimentos da FAPESP, que envolvem desde as atividades-fim, passando pelo fomento até a organização administrativa que lhes dá apoio, é resultado de um esforço conjunto de todos os servidores, gestores, gerentes, diretores, pessoal técnico do Centro de Processamento de Dados e do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (César), contratado para conceber e desenvolver o sistema que hora se implanta", diz Vogt. •


CIÊNCIA

LABORATóRIO

MUNDO

Envelhecemos 35 mil anos Dois esqueletos de Homo sapiens com 195 mil anos desenterrados na Etiópia tornaram-se os mais antigos exemplares de nossa espécie. Chamados Orno I e Orno II, esses fósseis foram descobertos em 1967, mas os especialistas ainda não estavam certos se tinham a mesma idade, inicialmente estimada em 104 mil anos. Mas a datação dos cristais nas camadas de cinza vulcânica entre as quais foram encontrados mostra que os dois são de fato da mesma época e de fato representam as mais antigas relíquias da espécie humana, de acordo com um estudo coordenado por Ian McDougall, da Universidade Nacional da Austrália, publicado na Nature de 17 de fevereiro. Segundo um dos co-autores do trabalho, Frank Brown, geólogo da Universidade de Utah, Estados Unidos, o fato

■ Bem guardadas, menos acidentes Guardar as armas travadas e descarregadas e a munição em lugar separado pode reduzir o risco de acidentes e de suicídio. Com base em entrevistas com 486 adolescentes que tiveram acesso a armas de fogo e atiraram neles próprios ou em outras pessoas de modo não intencional, David Grossman, da Universidade de Washington, Estados Unidos, verificou que em 75% dos casos de suicídio as armas

A nova data coincide com os resultados de estudos genéticos sobre a origem de nossa espécie e coloca o surgimento do H. sapiens moderno na África milhares de anos antes de ter aparecido em qualquer outro continente Também indica que havia populações menos modernas, representadas pelo Orno II, quando surgiram os primeiros H. sapiens. •

de o aparecimento do H. sapiens ter passado de 160 mil para 195 mil anos torna ainda mais distantes os primeiros indícios de cultura da humanidade, que surgiram muito mais tarde, há cerca de 50 mil anos. Portanto, foram quase 150 mil anos em que a espécie humana, embora já anatomicamente definida, viveu sem usar ferramentas para se alimentar ou fazer música.

estavam guardadas nas casas da vítima, de um amigo ou de um parente. O editorial da mesma edição do Journal of

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40 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

the American Medicai Association (9 de fevereiro) lembra que não é fácil persuadir as pessoas a guardar melhor as

Desafio: convencer os donos de armas a pensar também na segurança de crianças e jovens

armas em casa com mais segurança, talvez não tenham entendido claramente o que pode acontecer. •

■ Adote uma dieta que possa cumprir Para perder peso, pare de se preocupar sobre qual dieta é mais efetiva e simplesmente adote a que pareça mais fácil de seguir. O sucesso dos regimes depende de como as pessoas os seguem, mais que os próprios regimes, segundo um estudo do Centro Médico


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Sem torcer o nariz: persistência em vez de sacrifícios

de Tufts, Estados Unidos. Durante um ano, 160 pessoas com sobrepeso (os homens pesavam em média 106 quilogramas e as mulheres, 93) seguiram uma das quatro dietas apresentadas, incluindo a controversa dieta de Atkins, que reduz o consumo de carboidratos sem restringir o de gorduras. Em cada grupo um quarto dos voluntários perdeu 5% de seu peso inicial, mas não houve diferença entre os quatro grupos. Mas um terço dos participantes, que seguiu as dietas seriamente, perdeu em média 7% do peso. Michael Dansinger, o coordenador desse estudo, queria mostrar que dietas alternativas não

são importantes e que uma única estratégia de perder peso pode funcionar bem para todo mundo. •

dos suicídios: os adolescentes poderiam estar tomando os medicamentos em doses mais baixas que o necessário ou por um período de tempo muito curto, quando seus efeitos ainda não eram notados. Pode ter ocorrido também que os remédios não tenham sido efetivos ou possam mesmo ter contribuído para reforçar o desejo de pôr fim à vida: durante o tratamento com antidepressivos, há um momento em que os portadores de depressão ainda se sentem deprimidos, mas têm mais energia, que

amplia o risco de suicídio. A depressão é, por si só, a principal causa de suicídio: estima-se que de 60 a 70% das pessoas com depressão severa tenham pensado em pôr fim à vida e que de 10 a 15% das pessoas com depressão cometam suicídio. Segundo os autores desse estudo, uma conseqüência positiva dessa polêmica é que se tornou mais claro que a depressão requer acompanhamento médico contínuo e os antidepressivos não deveriam ser vistos como formas cosméticas de tratamento. •

■ Antidepressivos absolvidos A maioria dos episódios de suicídios de adolescentes noticiados no final do ano se deve à depressão severa não tratada ou tratada inadequadamente, não a uma reação adversa aos medicamentos, de acordo com um artigo da Nature Reviews Drug Discovery. Seus autores, Júlio Licinio e Ma-Li Wong, ambos da Universidade da Califórnia, comentam as possíveis causas

Herança perdida Florestas regeneradas têm uma diversidade genética menor que as matas primárias, concluiu Uzay Sezen, da Universidade de Connecticut, Estados Unidos (Science, 11 de fevereiro). Em um levantamento feito na Estação Biológica La Selva, na Costa Rica, Sezen comparou o grau de parentesco entre as palmeiras-barrigudas {Iriartea deltoidea) de uma floresta primária e as de uma floresta que ocupou

uma pastagem abandonada anexa. A conclusão impressiona. Das 66 árvores da mata mais antiga, duas árvores contribuíram com 56% dos genes da população da mata secundária, 23 contribuíram com os 44% restantes e 41 não deixaram descendentes. Devido ao desmatamento, matas de segunda geração cobrem uma área maior que as matas originais em muitos países tropicais. •

Palmeira de Costa Rica: poucas deixam descendentes

PESQUISA FAPESP109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 41


LABORATóRIO

BRASIL

Os oásis da Caatinga Parecem pedaços da Amazônia ou da Mata Atlântica no meio da Caatinga. Pedaços cada vez menores: já desapareceram quase 90% da área ocupada por essas ilhas de floresta, os brejos de altitude, dos quais restam 2,5 mil quilômetros quadrados. "Ainda que encontrados mais comumente de forma fragmentada, em propriedades privadas, os brejos de altitude constituem-se em áreas prioritárias para o estabelecimento de unidades de conservação, especialmente de potencial integral e, preferencialmente, com um planejamento integrado", alerta a engenheira florestal Verônica Theulen, em um dos capítulos do livro Brejos de altitude em Pernambuco e Paraíba História natural, ecologia e conservação, editado pelo Ministério do Meio Ambiente e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Organizada por Kátia Porto,

■ Metade das crianças com anemia Quase metade das crianças brasileiras com idade entre 6 meses e 5 anos tem a forma mais comum de anemia - a anemia ferropriva, causada pela redução da quantidade de hemoglobina no sangue em decorrência da deficiência de ferro -, concluíram Renata Levy-Costa, do Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Pau-

Mata do Bitury, a 200 km de Recife: típico brejo de altitude, com algumas aves exclusivas

Jaime Cabral e Marcelo Tabarelli, da UFPE, a obra detalha a riqueza biológica desses ambientes e os perigos por que passam. Os 43 brejos pontuam terrenos altos, como os das chapadas da Borborema e Ibiapaba,

lo, e Carlos Augusto Monteiro, da Universidade de São Paulo. Das 584 crianças examinadas, todas da cidade de São Paulo, 45% estavam com anemia. Esse índice chega a 71% entre meninos e meninas com menos de 1 ano, quando o crescimento é acelerado e a necessidade de ferro, maior. Um dos fatores que contribuíram para esse resultado foi o elevado consumo de leite de vaca, em geral um dos principais ingredientes

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Tatac

recebem chuvas abundantes e abrigam espécies únicas de plantas e animais, além de algumas encontradas também na Amazônia e nas matas do sul. Tabarelli teme que esses oásis do Nordeste possam desapare-

da dieta infantil após a fase de aleitamento materno. De acordo com esse estudo, publicado na Revista de Saúde Pública, o leite de vaca corresponde em média a pouco mais de um quinto (22%) das calorias ingeridas diariamente por garotos e garotas. O problema é que o leite de vaca - natural, pasteurizado, longa-vida ou em pó - contém apenas um quarto da taxa de ferro necessária ao organismo infantil. Ainda

Verdelim

cer em poucos anos caso uma política de conservação não seja implantada. As condições privilegiadas de umidade fazem dos brejos espaços disputados para a criação de gado e plantações de café, banana e milho. •

assim, a maior parte do ferro do leite de vaca não é absorvida pelo organismo humano. "Até o quarto mês, a criança utiliza o ferro que acumulou no fígado durante a gestação", diz Renata. "Depois tem de extrair dos alimentos que consome." Os elevados índices de anemia infantil não são problema exclusivo de São Paulo. Estudos realizados em Salvador, Recife, Porto Alegre e Criciúma exibiram resultados seme-


■ Um anel onde os átomos colidem

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lhantes. "Esses dados não significam que as crianças devam tomar menos leite, que é uma fonte importante do cálcio necessário ao desenvolvimento dos ossos", diz Renata. Uma alternativa recomendada pela Organização Mundial da Saúde é a ingestão do leite bem antes ou muito depois das refeições principais para não interferir na absorção do ferro de outros alimentos. Há outras medidas, como não substituir as refeições principais pelo leite e, durante o almoço ou jantar,

0 leite das crianças: é essencial, sim, mas não deve ser a principal fonte de ferro

beber sucos de frutas mais ácidas, como a laranja, que facilita a absorção do ferro. Diante da elevada freqüência de anemia, o governo brasileiro publicou em 2003 uma portaria que determina o acréscimo de ferro à farinha de trigo e de milho. Se falta ferro, falta hemoglobina, a molécula que transporta oxigênio pelo corpo. A escassez de oxigênio pode prejudicar o desenvolvimento físico e mental, principalmente na infância, além de reduzir a resistência a doenças infecciosas. •

Pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Universidade de São Paulo (USP), criaram o Atomotron, uma armadilha de átomos resfriados formada por um anel gasoso com milhões de partículas frias de rubídio que se movem muito lentamente, em fila. De maneira controlada, cada átomo se choca contra a partícula se-

direção tangente ao anel. "Em outros tipos de armadilha, os encontrões entre os átomos acontecem de todas as maneiras possíveis", explica o físico Vanderlei Salvador Bagnato, pesquisador da USP de São Carlos e coordenador dos experimentos com o anel de rubídio. "Em aprisionamento de átomos convencionais, não é possível estudar efeitos associados aos ângulos de colisão", diz Luis Marcassa, do IFSC. O anel de átomos frios,

guinte. No interior do anel, produzido pela ação de um campo magnético e de laseres que incidem sobre a nuvem de rubídio, todos os esbarrões entre os átomos apresentam o mesmo eixo de colisão. Os choques sempre ocorrem na

cuja temperatura se aproxima do zero absoluto, apresenta raio de cerca de 0,5 milímetro. Segundo Bagnato, o Atomotron é o menor colisor de partículas do mundo e o que funciona com menos energia. •

O escorpião translúcido Mais uma razão para manter os olhos abertos ao entrar em uma caverna. Há um escorpião que só vive nesses lugares escuros e úmidos: é o Troglorhopalurus translucidus. Tem 3,8 centímetros de comprimento e é translúcido, como o próprio nome indica. A carapaça é tão despigmentada que, posto contra a luz, podem-se ver sua musculatura e as vísceras. "É um novo gênero, uma nova espécie e o primeiro caso confirmado de escorpião troglóbio (cavernícola) no Brasil", afirma Wilson

Lourenço, especialista em escorpiões do Museu Nacional de História Natural, de Paris. Até agora foram identificados apenas 15 escorpiões troglóbios no mundo, dos quais 12 no México. A

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espécie brasileira foi encontrada na gruta do Lapão, em Lençóis, na Bahia. "Provavelmente, esse escorpião vivia em cavidades entre blocos de rochas sobre um rio subterrâneo", diz Alessandra Habitante das cavernas: pernas longas e pêlos sensitivos

Giupponi, que assina com Lourenço um artigo na Current Research Biology com a descrição desse animal. O T. translucidus apresenta algumas adaptações que o habilitam a sobreviver nas cavernas, como a perda de pigmentação, o corpo achatado, as pernas e os pedipalpos bastante alongados e pêlos sensitivos, que facilitam a captura de insetos. Das 1.500 a 1.600 espécies conhecidas de escorpiões, o Brasil abriga 120, das quais pelo menos cinco podem causar acidentes fatais. •

PESQUISA FAPESP109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 43


CAPA CARDIOLOGIA

*

As relações entre

obomeo

mau

O colesterol saudável, em quantidade abaixo do normal, perde o efeito protetor e contribui para o entupimento da artérias ALESSANDRA PEREIRA

á cerca de quatro anos uma série de mortes por problemas cardíacos intrigou a equipe da Unidade de Aterosclerose do Instituto do Coração (InCor), ligado à Universidade de São Paulo. Em todos esses casos o coração havia parado de bater porque as artérias que levam oxigênio e nutrientes até esse órgão estavam obstruídas por placas de gordura, impedindo a passagem de sangue. Um ponto em especial atraiu a atenção dos médicos: das 51 pessoas que morreram em decorrência da aterosclerose - o acúmulo de gordura na parede das artérias -, 25 não apresentavam um dos principais sinais desse problema, já que os níveis de colesterol no sangue eram considerados saudáveis. A equipe chefiada pelo cardiologista Protásio Lemos da Luz decidiu então investigar a composição das placas de aterosclerose e, diferentemente do esperado, constatou que tanto em pacientes com colesterol alto quanto nas pessoas com taxas dentro dos níveis normais a quantidade de gordura na parede das artérias coronárias era a mesma. O resultado desse estudo, conduzido por Délio Braz Júnior, ajuda a redefinir a importância de um dos testes mais


Os riscos do prazer: alimentos que dão água na boca às vezes são ricos nas formas prejudiciais de gorduras


usados pelos médicos para determinar o risco de uma pessoa desenvolver aterosclerose, causa mais comum de doenças cardíacas como o infarto ou de problemas vasculares, a exemplo do acidente vascular cerebral, que matam a cada ano cerca de 17 milhões de pessoas no mundo, 300 mil delas no Brasil. "A doença se desenvolve independentemente dos níveis de colesterol", afirma Braz Júnior. Protásio completa: "A premissa anterior era que quanto mais elevado o nível de colesterol no sangue, mais gordura deveria haver na parede das artérias coronárias". Inflamação vascular - Mas não foi o que encontraram. O trabalho da equipe do InCor sugere que o colesterol é decisivo na formação da placa, porém há outros fatores que pesam nesse processo. Um deles - pouco considerado pelos médicos até então - é a concentração elevada no sangue de uma proteína chamada homocisteína, que o grupo demonstrou estar relacionada também ao desenvolvimento da aterosclerose. Ao analisar 236 pessoas atendidas no InCor, o cardiologista José Rocha Faria Neto, hoje na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, verificou que o nível de homocisteína no sangue era mais alto entre os indivíduos com placas de gordura nas coronárias que entre aqueles com o coração saudável, como já haviam sugerido outras pesquisas. 46 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 109

ária Neto descobriu também que quanto maior a taxa de homocisteína - o normal é entre 5 e 15 micromols por litro de sangue - mais comprometidas estavam as artérias coronárias. É que a concentração elevada de homocisteína altera o endotélio e, conseqüentemente, lesa os vasos sangüíneos, provocando o surgimento de uma inflamação e favorecendo a formação das placas gordurosas. Protásio alerta: "Esse não é um fator de risco clássico, mas pode desencadear ou agravar a doença coronariana". Com base nesses resultados, a determinação da taxa de homocisteína começa aos poucos a integrar os rotineiros exames cardiovasculares, ao lado dos testes dos níveis sangüíneos de outras proteínas como a apolipoproteína B e a proteína C reativa, também associadas à inflama-

ção. É que estudos realizados na última década sugerem que uma inflamação disseminada nos vasos sangüíneos acelera a formação de placas de gorduras no interior de veias e artérias. O novo achado da equipe do InCor tem importância prática: indica que, se uma pessoa não apresentar os fatores de risco típicos da doença, vale a pena verificar suas taxas de homocisteína. O tratamento é simples: 5 miligramas diários de uma vitamina do complexo B chamada ácido fólico são suficientes para baixar a taxa de homocisteína para valores próximos aos normais e restaurar a capacidade de as artérias se dilatarem. Essas descobertas levaram a equipe a reavaliar o peso dos fatores de risco considerados clássicos para a formação das placas gordurosas - entre eles colesterol alto, hipertensão arterial, sedentarismo, tabagismo, obesidade e diabetes - e a buscar formas não-inva-


... e bloqueado

Artéria com placa de gordura: paredes espessas e rígidas. 0 coração recebe menos sangue e risco de infarto é maior

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sivas de detectar precocemente e tratar as doenças das artérias do coração. "A prevenção da aterosclerose é baseada no combate a esses fatores de risco. Só que 35% das pessoas com doença das artérias coronárias não apresentam nenhum deles, por isso precisávamos entender quais outros mecanismos estão envolvidos", explica Protásio, cujo livro Endotélio e doenças carâiovasculares, assinado em conjunto com Rafael Laurindo e Antônio Carlos Chagas, recebeu o Prêmio Jabuti 2004, instituído pela Câmara Brasileira do Livro, na categoria Ciências Naturais e da Saúde. Se alguns fatores passaram a ser relativizados, outros ganharam importância. A simples diminuição dos níveis de HDL (lipoproteína de alta densidade) - o colesterol bom, como também é chamado - já é suficiente para disparar o sinal de alerta do organismo e induzir a formação das placas de gordura

características da aterosclerose. A HDL não participa do processo de entupimento das artérias e, na verdade, protege o coração contra a doença. Em quantidades normais (acima de 40 miligramas por decilitro de sangue), essas lipoproteínas impedem a lenta e silenciosa invasão das gorduras, pois retiram o colesterol do sangue e o levam para o fígado, onde é eliminado ou reaproveitado. Em quantidades reduzidas, no entanto, seu efeito protetor diminui, como atesta a pesquisa realizada por Carlos Magalhães, Antônio Carlos Chagas e Desiderio Favarato, sob a coordenação de Protásio, diretor da Unidade de Aterosclerose do InCor. Durante seis anos e três meses, 165 pessoas com entupimento parcial das coronárias (insuficiência coronariana) submetidas à cirurgia no InCor para colocação de ponte de safena foram acompanhadas pela equipe e divididas

em dois grupos. O que os diferenciava era a taxa de HDL. O colesterol bom estava abaixo de 35 miligramas por decilitro (mg/dL) de sangue em 101 homens e mulheres, e acima desse valor em 64 pessoas operadas. Após esse período, 20,7% das pessoas com HDL inferior a 35 mg/dL haviam morrido, ante 6,25% do segundo grupo. Entre todos os fatores de risco avaliados - diabetes, hipertensão arterial, triglicérides alterado, tabagismo e taxa de colesterol -, o nível baixo de HDL foi o único capaz de predizer se uma pessoa com aterosclerose tinha chance maior ou menor de sobreviver. Sinal de que a HDL em quantidades reduzidas merecia mais atenção do que vinha recebendo. Um outro achado - resultado da avaliação de 494 pessoas submetidas à operação no InCor - fornece mais uma boa razão para os médicos reverem suas rotinas em consultórios e hospitais: a relação entre triglicérides e HDL. Alguns estudos indicavam que quanto mais elevada a taxa de triglicérides e mais reduzido o nível do bom colesterol, maior a probabilidade de desenvolver aterosclerose. Ao avaliar esses 494 pacientes, a equipe de Protásio verificou que essa relação é eficiente, em especial, para indicar o risco de desenvolver a doença precocemente, por volta dos 50 anos. Relação perigosa - A conta é simples: ao dividir os valores considerados normais de triglicérides (150 mg/dL) pelos de HDL (40 mg/dL) se obtém o número 3,75 - o resultado desse cálculo é a PESQUISA FAPESP109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 47


chamada relação triglicérides/HDL, atualmente utilizada na avaliação dos pacientes da Unidade de Aterosclerose. Não é preciso entender de matemática para saber que quando a concentração dos triglicérides aumenta ou a da HDL diminui ou ambos ocorrem ao mesmo tempo o resultado da divisão também cresce. E junto com ele cresce o risco de desenvolver aterosclerose. Os pesquisadores do InCor constataram ainda que existe uma proporção direta entre a relação triglicérides/HDL e a extensão da placa de gordura nas artérias do coração: quanto maior o valor da relação, mais grave o dano às coronárias, principalmente entre as pessoas com menos de 60 anos. O bom colesterol teria então se tornado um vilão nessa história? Na verdade, não. Mesmo em níveis baixos, a HDL continua a extrair a gordura do sangue. O problema é que se torna insuficiente a coleta das substâncias gordurosas não utilizadas pelas células para a formação de hormônios, ácidos biliares e vitamina D. E, assim como os alimentos que consumimos, a gordura também tem prazo de validade. Quando circula por muito tempo no sangue, torna-se velha e mais propensa a aderir nas veias e artérias. Questão de nível - Ao perceber o quanto o nível baixo de HDL foi capaz de interferir na capacidade de sobrevivência de 101 pessoas que haviam recebido o implante de pontes de safena, cirurgia destinada a restabelecer a irrigação sangüínea do coração, a equipe do InCor levantou uma nova hipótese: em quantidade baixa, o colesterol bom poderia favorecer o surgimento de alterações no endotélio e o desenvolvimento da aterosclerose. Dito e feito. Novamente foi possível comprovar que basta apenas ter o colesterol bom em quantidades inadequadas - problema que afeta de 4% a 8% da população - para que a doença se desenvolva ou sua evolução seja mais desfavorável. E, dessa vez, as pessoas avaliadas não apresentavam nenhum outro fator de risco associado à aterosclerose. 48 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 109

Em seu doutorado, Alexandre Benjó mostra que pessoas com o nível de HDL abaixo de 40 mg/dL de sangue apresentam menor capacidade de dilatação dos vasos sangüíneos. Utilizando ultra-som, ele avaliou a variação do diâmetro da artéria do braço de 30 pessoas com taxa reduzida do colesterol bom e comparou com a de 11 indivíduos saudáveis. Constatou que a dilatação da artéria foi inferior ao normal (8% ou mais) em 22 das 30 pessoas que tinham nível baixo de HDL, sinal de que o endotélio estava alterado.

taxa baixa dessa lipoproteína também torna mais demorada a remoção de um tipo de gordura conhecida por quilomícron - essa partícula dá origem, em parte, ao colesterol e seu excesso no sangue facilita a formação das placas características da aterosclerose. Para entender esse mecanismo, os pesquisadores introduziram no plasma sangüíneo uma partícula artificial de quilomícron, desenvolvida por Raul Maranhão, chefe do setor de lípides do InCor, e observaram a retirada de triglicérides e de colesterol. Diante da constatação de que a quantidade pequena de HDL estava associada à alteração no endotélio e à retirada mais lenta dos quilomícrons excedentes no sangue, decidiram testar um tratamento à base de uma vitamina do complexo B chamada niacina - já utilizada com o objetivo de aumentar as taxas do colesterol bom, porém sem muita comprovação. Ao longo de três meses, metade das 22 pessoas que apresentavam nível baixo de HDL recebeu doses diárias de 1,5 grama da vitamina liberada lentamente no organismo - um dos efeitos indesejáveis da terapia atual com niacina, ou ácido nicotínico, é a vermelhidão causada na pele - e a outra metade foi medicada com placebo. Não houve melhora no grupo que recebeu placebo, mas a disfunção no endotélio foi corrigida com o uso da niacina, embora a ação sobre a HDL te-

nha sido mínima. A vitamina também não provocou mudanças significativas na remoção de quilomícrons. "As pessoas tomam niacina esperando que a HDL suba, no entanto não existe uma demonstração clara do efeito sobre os vasos sangüíneos", conta Protásio. "Mostramos que a vitamina melhora a capacidade de dilatação das artérias, mesmo sem aumentar a HDL." Os resultados não permitem ainda à equipe afirmar que a melhora no funcionamento do endotélio basta para diminuir o risco de doenças cardiovasculares. Mas os pesquisadores imaginam que, no longo prazo, o efeito seja benéfico. A confirmação de que fatores de risco tradicionais nem sempre serviam para indicar os danos nas artérias motivou a equipe do InCor a investigar alternativas mais eficientes e, se possível, menos incômodas que a técnica mais usada atualmente: o cateterismo, que consiste em inserir um tubo plástico no interior do vaso sangüíneo para avaliar seu diâmetro. Em outro estudo, Paulo Bertini analisou a eficácia da ressonância magnética para identificar sinais da aterosclerose nas artérias do coração. Capaz de produzir imagens dos órgãos internos do corpo sem o expor a doses elevadas de radiação, a ressonância não é invasiva e permite medir tanto o calibre interno como a espessura da parede das coronárias. Ao comparar as coronárias de sete pessoas saudáveis com as de 23 indivíduos com aterosclerose, Bertini observou que a parede das artérias eram bem mais espessas e rígidas entre os membros do segundo grupo, como revela esOS PROJETOS Ação do vinho tinto sobre o sistema nervoso simpático e Avaliação do papel da homocisteína como fator de risco coronário em uma população brasileira MODALIDADE

Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa COORDENADOR

PROTáSIO LEMOS DA LUZ

- USP

INVESTIMENTO R$ 99-199.31 e R$ 133-354.98 (FAPESP)


tudo a ser publicado no Brazilian Journal of Medicai and Biológica! Research. Mais importante: as imagens de ressonância magnética mostraram que essas alterações nas paredes do vaso, nem sempre identificadas no cateterismo e na cinecoronariografia, surgem antes mesmo de as placas de gordura se formarem e atrapalharem a passagem do sangue. "Essa técnica pode auxiliar na identificação do problema em uma fase bastante inicial", explica o coordenador do grupo, "quando o paciente ainda não apresenta sinais clínicos de insuficiência coronária como dor no peito". Na tentativa de identificar os exames mais eficazes e menos incômodos, a equipe do InCor avalia atualmente a eficiência da tomografia computadorizada de múltiplos cortes, técnica capaz de detectar a presença de cálcio nas placas de gordura, uma indicação de que a aterosclerose já se instalou e coCoração protegido: meça a avançar. "A frutas, verduras detecção precoce e legumes ricos em permitiria frear a flavonóides evitam evolução da atea formação de placas rosclerose e evitar e favorecem a suas conseqüêncirculação sangüínea cias mais graves, como o infarto", diz Protásio. A uva e o vinho - A mais nova aposta da equipe do InCor para proteger o coração é o suco de uva, rico em flavonóides. Assim como a niacina, o suco também foi capaz de melhorar a capacidade de dilatação das artérias. Já se sabia que os flavonóides - encontrados na casca da uva, no vinho tinto, no chocolate, em chás, castanhas, frutas e verduras verde-escuras como o agrião - fazem bem porque favorecem a produção de oxido nítrico, que aumenta a dilatação de veias e artérias, e também reduzem a produção de endotelina, substância no endotélio capaz de diminuir o calibre dos vasos sangüíneos e induzir a formação das placas de gordura na parede das artérias, como detalham Protásio e Silmara Regina Coimbra em um artigo publicado no Brazilian Journal of Medicai and Biological Research em setembro de 2004. O que um estudo conduzido por Silmara comparando a ingestão de vinho tinto e suco de uva demonstrou


agora é que o efeito benéfico sobre o endotélio se deve aos flavonóides da própria fruta, e não apenas no componente alcoólico da bebida. Ela separou em dois grupos 16 pessoas com nível elevado de colesterol e sem nenhum outro fator de risco. O primeiro recebeu, ao longo de duas semanas, 250 mililitros de vinho tinto por dia. Depois de outras duas semanas, nas quais não foi submetido a tratamento, esse grupo tomou diariamente 500 mililitros de suco de uva por mais 14 dias. O mesmo aconteceu com as demais pessoas que começaram ingerindo suco de uva e depois passaram a consumir vinho tinto. Em todos os casos, mediu-se a dilatação da artéria do braço por meio de ultra-som. Função restaurada - Resultado: os níveis de colesterol continuaram iguais, mas ainda assim a função do endotélio foi restabelecida. "Esse resultado é especialmente relevante para as pessoas às quais se desaconselha até mesmo a ingestão moderada de álcool, como aquelas com arritmia (alterações no ritmo de batimento do coração) ou insuficiência cardíaca (quando o coração perde a capacidade de bombear sangue com eficiência)", afirma Silmara. O curto período de observação, porém, não permite à equipe da Unidade de Aterosclerose assegurar se os benefícios persistirão no futuro. Os resultados animadores da ingestão do suco de uva e do vinho tinto já haviam sido observados por Protásio em coelhos submetidos à dieta rica em gordura: por serem herbívoros, esses animais não têm como digerir gorduras, que se acumulam facilmente nos vasos sangüíneos. Ao final de três meses, a placa de gordura ocupava 69% da área total da artéria aorta dos animais tratados com a dieta gordurosa e água. A placa se estendeu por 47% da aorta dos coelhos que consumiram essa mesma ração e em vez de água beberam suco de uva. E foi ainda menor entre os animais que receberam vinho: atingiu 38% da área desse vaso sangüíneo. Adepta de soluções simples e eficientes, a equipe do InCor segue em busca de formas de detectar a aterosclerose o mais cedo possível, a tempo de evitar conseqüências graves como o infarto. • 50 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

Assinatura de luz Feixes de laser diferenciam formas normais e alteradas do mau colesterol

o encontro de um bioquímico e de um físico surgiu o desenvolvimento de um teste rápido que, caso se comprove eficaz e de fácil aplicação, pode aperfeiçoar os exames de colesterol, alterar a interpretação das taxas dessa gordura no sangue e até evitar tratamentos desnecessários. Usando luz, por meio de uma técnica chamada varredura Z, foi possível distinguir a estrutura normal de uma forma de colesterol chamada LDL (lipoproteína de baixa densidade) da estrutura danosa e alterada: enquanto a LDL sadia se parece com uma esfera perfeita, a outra lembra uma esfera amassada. O bioquímico Magnus Gidlund e o físico Antônio Martins Figueiredo Neto, ambos da Universidade de São Paulo (USP), os responsáveis pela aplicação original dessa técnica, conheceramse no final de 2003 durante o planejamento de um curso para professores de ciências. Gidlund contou a Figueiredo seus experimentos com a LDL e as limitações das técnicas bioquímicas usuais para analisar essa lipoproteína. Mais conhecida como colesterol ruim, a LDL não é na realidade de todo indesejável. É, na verdade, essencial à vida, por entrar na composição de hormônios e das membranas das células. O problema surge quando essas lipoproteínas perdem partículas atômicas de carga negativa (elétrons) - ou sofrem oxidação, como dizem físicos e químicos - e sua estrutura fica leve-

mente deformada. A forma oxidada da lipoproteína de baixa densidade - não detectada nos exames de sangue tradicionais - causa lesões na parede interna dos vasos sangüíneos. Em conseqüência, essa molécula origina uma inflamação que aos poucos aumenta a espessura da parede das veias e das artérias e obstrui a passagem do sangue, elevando o risco de infarto ou acidente vascular cerebral. Essa razão explica o interesse de médicos, bioquímicos e, claro, de todos nós em saber se a LDL do sangue é a normal ou se uma fração dela está oxidada. Dupla camada - A saída surgiu quando Gidlund descreveu para o físico a estrutura da LDL. Trata-se de uma esfera de gordura formada por duas camadas com propriedades físicas e químicas diferentes: o núcleo da LDL repele as moléculas de água e é classificado como hidrofóbico, enquanto sua superfície atrai a água - é hidrofílica. Figueiredo reconheceu nessa explicação uma proximidade surpreendente com seu próprio trabalho: as moléculas de alguns cristais líquidos também têm uma região hidrofílica e outra hidrofóbica, embora se aglomerem em uma estrutura um pouco diferente, parecida com uma bola de futebol americano. Figueiredo e um dos membros de sua equipe, o físico Sérgio Gomez, dispuseram-se a analisar a LDL com uma técnica chamada varredura Z, usada rotineiramente para medir uma propriedade associada ao desvio da luz - o índice de refração não-linear - de ma-


teriais como o cristal líquido, usado nas telas de computadores. Os físicos valeram-se do mesmo princípio de funcionamento: em vez de cristal líquido, armazenaram uma fina camada de LDL entre lâminas de vidro. Depois submeteram a amostra da LDL à luz de um laser de baixa potência. Ao atravessar a camada de LDL, a luz se desvia, como os raios de sol que incidem em uma piscina. Avaliando esse desvio, os físicos elaboraram um gráfico - uma assinatura óptica - de cada material estudado. A estratégia funcionou. Gidlund e Figueiredo observaram uma grande di-

ferença entre esse índice de refração da LDL normal e o da oxidada. "A varredura Z é uma das técnicas mais simples da física usada no estudo de fluidos complexos e permite fazer essas medições em cerca de meia hora", explica Figueiredo. Os resultados foram publicados em dezembro de 2004 em um artigo da Chemistry and Physics ofLipids, feito em colaboração com Paulo Boschcov, da Universidade Federal de São Paulo, Rozane Turchiello, do Instituto de Química da USP, e Maria Cristina Jurado, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.

Gidlund e Figueiredo estão verificando se existem variações na assinatura óptica da LDL de pessoas com perfis de colesterol diferentes. Também trabalham na identificação da assinatura óptica do colesterol bom - a HDL ou lipoproteína de alta densidade, que elimina as gorduras do sangue. "Se os resultados comprovarem a eficácia na diferenciação da LDL normal da oxidada", diz Figueiredo, "esse teste pode complementar o exame de sangue tradicional". • RICARDO ZORZETTO PESQUISA FAPESP109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 51


CIÊNCIA

Idosos param de sentir dores, dormem melhor e têm a memória reavivada quando viajam

na estrada

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Ia adora bater per■ na. De fato, é difícil localizá-la. A Rebeca esteve re__JHL_——a^fli centemente em Molina, na Sétima Região do Chile (a 300 quilômetros de Santiago), para conhecer o parque Las Siete Tasas. Chegou a Santiago, arrumou outra mala e viajou para Quintero, a uma hora da capital chilena, mostrando como lidar com liderança, auto-estima e cuidados de si. Aos 73 anos, a chilena Rebeca Mondaca pode perfeitamente escrever um livro sobre suas histórias de viagens, aproveitando o auge do turismo para a terceira idade no país. Ela faz parte dos quase 80 mil idosos que nos últimos quatro anos participaram da iniciativa liderada pelo Serviço Nacional de Tu* Víctor Hugo Durán é jornalista, especializado em saúde do jornal chileno El Mercúrio, no qual esta reportagem foi originalmente publicada. Reprodução autorizada. Tradução: Damian Kraus.

<\RÇ0 DE 2005 ■ PESQUISAfAPESPÍ09

VíCTOR HUGO DURáN, DE SANTIAGO"

rismo do Chile (Sernatur), já seguida por muitos municípios. O diário de bordo de Rebeca Mondaca já contém suas andanças pelas cidades de Arica, Iquique, Villarrica e Pucón, no Chile, e Tacna, no Peru, fronteira com o Chile. Em dezembro de 2004, ela fez mais uma viagem, desta vez para Mendoza, na Argentina; no próximo verão deve ir para La Serena e, sabe-se lá, talvez faça outra viagem internacional. "Sempre que a saúde acompanhe", comenta Rebeca. De volta das viagens, Rebeca diz sentir-se muito bem. Realizada. Feliz. A artrose e a osteoporose passam a segundo plano. Esquece da dor. "Fico melhor, mais animada. Minha saúde melhora muito", diz. É um fenômeno biológico que a maioria dos idosos confirma, de acordo com um estudo realizado da Faculdade de Medicina da Universidade Católica do Chile. A pesquisa, publicada na Revista Médica de Chile, conclui que patologias como a insônia, a falta de apetite, a depressão, a incontinência urinaria e, inclusive, as dores articulares amenizam após viajar.

Economia e saúde - O médico Pedro Paulo Marín, coordenador da pesquisa, explica que na Europa é consenso que os idosos representam um nicho de mercado importante, para o qual não havia ofertas até algum tempo atrás. "Isso mostra que os idosos não são um peso morto, eles geram renda. E, mais, podem usufruir instalações ociosas, como hotéis ou restaurantes, que, em geral, não são utilizadas pelo fato de as pessoas estarem trabalhando nessa época." Apesar dos ganhos econômicos, até agora não se havia medido o impacto das viagens sobre a saúde dos homens e mulheres da terceira idade. E os resultados surpreenderam, reconhece Marín. Do total de entrevistados, 85,4% disseram ter mais disposição; 78% tornaram-se mais sociáveis; 58% acabaram com os problemas de insônia; e 42% sentiram uma melhora digestiva, entre outros benefícios. Da pesquisa participaram 4.200 idosos, que passaram por duas sondagens, ambas voluntárias: uma antes da viagem e a outra na volta. Foi detectado que 45,4% dos turistas eram idosos


de 70 anos; 66,2% do total eram mulheres; 60,5% beneficiários do sistema público de saúde; e 22,9% tinham planos de saúde particulares. Por sua vez, 20% têm educação básica, outros 47% segundo grau completo e 21% ensino superior completo. Desse total, 15,8% viviam sozinhos, e dentro desse grupo 82% eram mulheres. Com relação às condições sociais, 7,7% admitiram que seus recursos financeiros não lhes permitiam cobrir as necessidades básicas, 43,1% disseram que seus recursos apenas cobriam essas necessidades e 49,2% responderam que não tinham problemas econômicos. Com medo de voar -"Não devemos ter medo de viajar. O impacto das viagens é muito bom, sobretudo no aspecto psicológico, porque as pessoas passam a dormir melhor e se sentem mais dispostas. Há muito tempo se diz que as pessoas devem viajar quando ficam estressadas ou deprimidas", comenta Marín. Rebeca confirma que o médico diz. A pri meira vez que ela viajo' de avião foi dois am atrás. "Foi novidade pai mim. Fomos a Arica, tivemos que ir de avião, e eu nunca havia viajado de avião, pois tinha medo. Fui com meu companheiro. Foi uma experiência nova, compartilhada com pessoas de vários lugares", conta. Viajar, quebrar a rotina, confraternizar-se com outras pessoas, tudo isso implica esforços mentais e de renovação. As pessoas passam a fazer parte de um grupo e a se enturmarem, ressalta Marín. "Aqueles que sofrem de dores articulares se vêem livres desses problemas quando viajam, enquanto outros melho-

ram da incontinência, não sabemos por quê. Já a memória melhora porque as pessoas se distraem, combatem o estresse, se concentram e aprendem coisas novas como nomes, lugares, datas e horários", afirma. Um dos desafios pendentes é saber se esses resultados são duradouros ou desaparecem com o tempo. O único indicador de que Marín dispõe é aquele que é medido quando os idosos retornam das viagens: dão dicas de viagens aos amigos ou voltam a viajar. Quer dizer, as viagens lhes fazem bem e, por isso, querem continuar viajando. Capital social - Manuel Pereira, diretor do Serviço Nacional do Idoso (Senama) do Chile, diz que essas viagens significam investir em saúde, o que confi-

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gura um tremendo capital social. "Fa- | zendo turismo", diz ele, "os idosos dei- g xam para trás as pílulas para combater ã o desânimo e a depressão". Pereira explica que há um ganho | nas relações humanas e no fortalecimento das redes de apoio social, pois há visitas e contatos, evitando-se assim que os idosos caiam na solidão. Além disso, ampliam-se os conhecimentos culturais. Rebeca Mondaca se lembra com carinho das pessoas que conheceu em Arica. Ainda se convidam por telefone para as festas que realizam. Ou seja, há uma ampliação das redes sociais para além do círculo familiar. Entretanto, Manuel Pereira afirma que ainda falta muito para o setor turístico se adaptar à nova realidade do envelhecimento da população chilena. Muitos hotéis têm acessos pouco adequados e perigosos; não há adaptações nos banheiros e quartos nem há preocupação em preparar pratos especiais, sem sal ou com pouco açúcar, já que muitos ou diabetes. "Contudo, se está avançando" diz. Rebeca reivindica que as viagens realizadas por meio do Sernatur sejam diferentes daquelas que ela já fez por conta própria. Nas viagens exclusivas para a terceira idade há cuidados especiais, atendimento médico personalizado, controles constantes e indicações alimentares. O próximo passo que deve dar o setor turístico, de acordo com o diretor do Senama, será começar a proporcionar umaj oferta segmentada, direcionada para idosos com problemas específicos de saúde'. •

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Região deAntofagasta,norte do Chile: liberdade serrrdor -


CIÊNCIA EPIDEMIOLOGIA

Traços definidos Genes e hábitos culturais afetam o risco de surgimento de tumores de cabeça e pescoço RICARDO ZORZETTO ILUSTRAçõES ELY BUENO

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stá um pouco mais fácil entender como surgem os tumores malignos de boca, faringe, laringe e tireóide, quatro formas de câncer mais freqüentes em países em desenvolvimento como o Brasil e a índia. Uma extensa análise genética realizada por 65 pesquisadores paulistas revelou cerca de 950 genes que, ora mais ativos que o normal, ora menos, atrapalham o funcionamento regular das células e favorecem o aparecimento desses problemas, quase sempre curáveis se identificados nas fases iniciais. O próximo passo desse estudo, publicado neste mês na Câncer Research, é verificar o grau de atividade de cada um dos genes relacionados a esses tumores, que a cada ano atingem cerca de 22 mil pessoas no país e nos casos mais graves deformam o rosto e dificultam a fala e a alimentação (os tumores de cérebro são tratados à parte). Da análise mais apurada dos genes, que consumirá alguns anos, podem surgir novas formas de tratamento e testes que detectem precocemente os tumores de boca, faringe, laringe e tireóide, hoje reconhecidos apenas por exames clínicos. Em paralelo, grupos de pesquisa formados essencialmente por médicos, em três instituições brasileiras e uma canadense, relacionaram o local dos tumores com os hábitos e a história de vida das pessoas, mostrando as principais razões que aumentam a probabilidade de surgimento de câncer de cabeça e pescoço na população brasileira, com um dos mais altos índices desses tipos de câncer no mundo, com cerca de dez casos em cada 100 mil

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homens e três em cada 100 mil mulheres. Além da por ora incontrolável herança genética, que amplia de 1,2 a 8,5 vezes o risco de desenvolver um câncer, dependendo da relação de parentesco e da localização do tumor, fatores relativamente controláveis se mostraram importantes como causas desses problemas. Exceder-se na cerveja, no vinho ou em bebidas com teor alcoólico mais elevado aumenta entre 2 e 12 vezes o risco de desenvolver um câncer, especificamente na boca e na faringe, que se manifesta na forma de feridas indolores que não cicatrizam. Estudos recentes dimensionaram os riscos de câncer, evidentemente mais elevados, para quem fuma muito, segue uma alimentação pobre em frutas e legumes ou mesmo quem não escova os dentes pelo menos uma vez ao dia. São números que preocupam, mas não devem alarmar porque indicam probabilidades, não certezas. Quem consome bebida alcoólica ou fuma corre maior risco de desenvolver câncer assim como uma pessoa que sai à rua todos os dias está mais sujeita a ser atropelada do que outra que passa o tempo todo em casa. Garimpagem - A análise genética é uma conseqüência do projeto Genoma Humano do Câncer, financiado pela FAPESP e pelo Instituto Ludwig para a Pesquisa do Câncer. Em março de 2001, o Genoma Câncer entrava em sua última etapa, com a publicação na internet de um banco de dados com 1,2 milhão de fragmentos de material genético de tumores de sete regiões do corpo. Um sexto desses fragmentos - ou 213 mil trechos desconexos de DNA - estava relacionado aos cânceres de


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boca, faringe, laringe e tireóide. Era um volume de informação 35 vezes superior ao produzido no mundo todo até aquele momento. "Diante de tanta informação, decidimos analisar esse rico material antes que surgisse algum grupo do exterior interessado nesses dados", conta a bióloga Eloiza Tajara, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em São José do Rio Preto, que coordenou o estudo em parceria com o geneticista Emmanuel Dias Neto, da Universidade de São Paulo (USP). "Em 2001, quando trabalhava no Hospital do Câncer, eu desejava produzir resultados com maior possibilidade de aplicação prática", afirma Dias Neto, um dos criadores de um método de seqüenciamento de DNA chamado Crestes, que permite encontrar genes ativos e se mostrou bastante útil para selecionar os genes desse estudo. Dias Neto transferiuse para o Instituto de Psiquiatria da USP no ano seguinte, envolveu-se em outras pesquisas, mas não deixou de lado o trabalho que havia iniciado. Durante quase três anos, a equipe sob sua coordenação esquadrinhou os 213 mil fragmentos de DNA de tecidos da cabeça,

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do pescoço e da tireóide. Desses, cerca de 190 mil eram de tumores de boca, faringe, laringe e tireóide, coletados pela equipe do cirurgião Luiz Paulo Kowalski, do Hospital do Câncer A. C. Camargo. A essas amostras de tecidos anormais se somaram os 23 mil fragmentos de genes de células saudáveis, que serviram como padrão de comparação. Depois de eliminar os trechos de genes repetidos ou duplicados, os pesquisadores chegaram a 4.100 genes ativos apenas nesses quatro tumores. Entre eles, há quase 950 genes com alguma forma nova de alteração capaz de modificar o comportamento das células e fazer com que se multipliquem descontroladamente, originando um tumor. Foram também encontrados outros 500 genes de função desconhecida, metade deles localizada em um trecho do material genético no qual se acreditava que não houvesse genes. Uma análise mais detalhada desses 950 genes deve apontar aqueles característicos de determinadas formas de câncer: são os oncogenes, que podem funcionar como marcadores biológicos da doença, a exemplo do gene responsável pela produção do fator relacionado à zuotina 1 (ZRF1), proteína envolvida no controle da multiplicação celular. A equipe paulista verificou que em geral esse gene é cerca de duas vezes mais abundante nos tumores de boca e até 13 vezes no câncer de laringe, o tubo cartilaginoso que permite a passagem do ar aos pulmões. A identificação dos oncogenes é importante porque as proteínas produzidas por eles, quando encontradas no sangue, podem indicar o espalhamento do câncer pelo corpo. Segundo Dias Neto, desse levantamento também devem emergir genes ativos apenas nas células sadias desses órgãos, que poderiam ser utilizados em terapias gênicas para combater os tumores. Hábitos e riscos - A essas descobertas acrescentamse as que chegaram as equipes de Kowalski, do Hospital do Câncer A. C. Camargo, e do epidemiologista brasileiro Eduardo Franco, atualmente na Universidade McGill, no Canadá. Após entrevistarem 1.568 pessoas sem câncer e outras 784 com tumores de cabeça e pescoço atendidas em três capitais brasileiras - São Paulo, Curitiba e Goiânia -, eles tornaram mais claros os fatores de risco genéticos e ambientais associados ao surgimento dos tumores de boca, faringe, laringe e tireóide, em particular de um tipo bastante agressivo, o carcinoma de células escamosas, responsável por 90% dos casos de câncer de cabeça e pescoço. Os achados - feitos em colaboração com Benedito Oliveira, do Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba, e Maria Curado, do Hospital Araújo Jorge, em Goiâ56 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

nia - resultaram em dez artigos científicos publicados nos últimos 15 anos em revistas internacionais especializadas.

e todos os fatores de risco avaliados, um não pode ser evitado: a hereditariedade. Quem tem um parente de primeiro grau - pais, irmãos ou filhos - com um tumor maligno em qualquer parte do corpo corre risco de 1,2 a 2,4 vezes maior de desenvolver câncer de cabeça e pescoço. Essa possibilidade varia bastante dependendo da localização do tumor e da relação de parentesco: se o familiar tiver um câncer de cabeça e pescoço, o risco é 3,7 vezes maior e pode chegar a 8,5 vezes caso a pessoa afetada seja um irmão ou uma irmã, segundo uma análise desses pesquisadores publicada no International Journal of Câncer. Mas é preciso mesmo dedicar uma atenção especial aos outros fatores, muitas vezes controláveis. Ingerir quantidades elevadas de álcool, hábito de 13% dos homens e 3% das mulheres no Brasil, aumenta o risco de desenvolver câncer, especificamente na boca e na faringe, possivelmente por causa da ação do próprio álcool ou de seus subprodutos sobre a camada de células que reveste esses órgãos. De acordo com outro artigo desse grupo de médicos, publicado em 2001 na Câncer Causes and Control, a probabilidade de desenvolver algum desses cânceres cresce ao menos 4 vezes para quem bebe um copo de cerveja por semana durante um a quinze anos. Esse risco é 6 vezes maior para a pessoa que bebe até dez doses de cachaça por semana ou 10 vezes mais elevado para quem, em vez de cachaça, prefere um bom uísque. Já a probabilidade de desenvolver tumor na laringe, que se manifesta na forma de dor de garganta e rouquidão duradouras, sobe ao menos 5 vezes para as pessoas que fumam qualquer tipo de tabaco - hábito mantido por um terço da população adulta - e fica entre 8 e 11 vezes maior para quem fuma cigarro industrializado, cigarro de palha ou cachimbo. Os resultados publicados em 1999 na Epidemiology mostraram ainda que esse risco diminui pronunciadamente entre cinco e dez anos depois de parar de fumar (cigarro industrializado ou de palha). Associada aos danos físicos e funcionais, surge uma complicação adicional: a queda da auto-estima, que leva quase metade das pessoas com tumores de cabeça e pescoço a sofrer de depressão - e uma em cada cem a tirar a própria vida, a segunda maior taxa de suicídio entre os portadores de câncer.


* * Alguns hábitos culturais brasileiros também se mostram danosos. O uso de fogão a lenha, ainda comum no interior do país, eleva em 2,7 vezes a probabilidade de uma pessoa ter uma dessas quatro formas de câncer, relatam os pesquisadores no International Journal of Epidemiology. É que a queima de lenha ou carvão libera gases e partículas suspeitos de provocarem câncer em quem os inala. índices semelhantes foram observados entre as pessoas que não mantêm uma boa higiene bucal. Não escovar os dentes pelo menos uma vez ao dia dobra o risco de ter câncer na língua e aumenta em 2,4 vezes o de tumor na faringe, o tubo muscular que conecta a boca ao sistema digestivo e à laringe. O uso de dentaduras inadequadas, que incomodam e machucam as gengivas, multiplica por nove a ocorrência de câncer na língua, segundo artigo da Oral Oncology. A desinformação agrava esse quadro, por si só preocupante. Em geral, as pessoas não conhecem os sinais iniciais do câncer - lesões na boca ou dor de garganta persistente e demoram a procurar o médico ou o dentista. Muitos profissionais da saúde, por sua vez, levam cerca de três meses para fechar o diagnóstico. É muito tempo. Principal razão do insucesso da terapia de câncer de cabeça e pescoço no país, essa lentidão produz conseqüências graves: quando o paciente é encaminhado ao especialista em câncer, sua doença já está em fase tão avançada que não há muito a fazer. Numa análise mais recente, publicada em janeiro de 2004 na Head and Neck, a equipe de Kowalski constatou que as terapias utilizadas no Hospital do Câncer de São Paulo são tão eficientes quanto as aplicadas num dos mais importantes centros de tratamento do câncer do mundo, o Memorial Sloan Kettering, nos Estados Unidos. "A diferença é que aqui dois terços das pessoas chegam ao hospital com o tumor em estágio avançado, enquanto lá o diagnóstico em fase avançada ocorre com apenas um terço dos pacientes", explica Kowalski. Soluções? "Realizar campanhas públicas para alertar as pessoas para os fatores de risco associados a essas formas de câncer e os sinais iniciais da doença, além de, claro, melhorar a formação de médicos e dentistas." •

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CIÊNCIA FÍSICA

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gotas Teoria sustenta que nanotubos se formam num processo que lembra a produção de orvalho

ilindros formados por uma camada enrolada de grafite com apenas um átomo de espessura, os nanotubos de carbono podem ser a matéria-prima para a criação de uma nova geração de componentes eletrônicos mais eficientes. Aparentemente versáteis como nenhuma outra estrutura física, podem atuar como condutor, semicondutor ou isolante elétrico. Para mudar suas propriedades, bastaria alterar a geometria das lâminas atômicas. Parece simples, mas ninguém sabe como nascem e crescem os nanotubos, tampouco como se controla a sua produção. Na edição de 11 de fevereiro da revista norte-americana Science, uma equipe de pesquisadores dos Estados Unidos, França e Brasil formulou uma teoria para explicar o surgimento de tais estruturas quando criadas pelo método do arco elétrico, o mesmo empregado para produzir os primeiros nanotubos de carbono em 1991. Teoria líquida - e certa, acreditam eles. Em vez de se edificar a partir do carbono gasoso, como até agora se pensava, os nanocilindros de grafite, estruturas sólidas, apesar das dimensões infinitesimais, são filhos de gotas de carbono geradas a temperaturas de alguns milhares de graus Celsius. Pelo menos é o que propõem os autores do artigo científico. A idéia é controversa, como os próprios pesquisadores admitem. "Não há provas de que o carbono em sua fase líquida exista, embora nós acreditemos que sim", explica o físico Daniel Ugarte, do Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um dos autores do trabalho (seu colega Jefferson Bettini, do LNLS, também participou do estudo). Como a temperatura de fusão do elemento químico mais abundante na Terra é superior a 4.000°C, alguns cientistas acreditam que o carbono evapora antes de fundir. De sólido, vira gás sem passar pela 58 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

fase líquida, num fenômeno chamado sublimação, que acontece à temperatura ambiente com a naftalina colocada no armário. Então os pesquisadores formularam uma teoria para explicar a origem dos nanotubos a partir de uma forma de carbono cuja existência ainda não é totalmente aceita pela comunidade científica? Exatamente. E ainda publicaram o texto que apresenta a estranha tese numa das mais importantes revistas científicas. "Há dois anos, fizemos uma primeira versão do artigo, mas não estava bom. Jogamos o escrito fora e fizemos outro", diz Ugarte. Apesar de questionável, a nova explicação para a formação dos nanotubos agradou. A teoria se aplica apenas às fibras de moléculas de carbono produzidas pelo antigo método do arco elétrico, hoje pouco utilizado pelos grupos de pesquisa, que preferem recorrer a técnicas de menor custo para gerar seu material de estudo. Por esse método, os nanotubos surgem, misteriosamente, após a aplicação de uma alta descarga elétrica em eletrodos de grafite, a forma de carbono que recheia os lápis de escrever, mantidos numa atmosfera de hélio, um gás inerte. As hipóteses mais difundidas atribuem o aparecimento dos nanotubos ao rearranjo sólido, na forma de cilindros, de átomos de carbono que se evaporaram ao atingir temperaturas da ordem de 5.000°C. Mas, ao examinar em detalhes os nanotubos gerados em seus experimentos, a equipe de pesquisadores norte-americanos, franceses e brasileiros viu algo que ninguém tinha percebido ou dado importância: imagens de microscopia eletrônica revelaram a ocorrência de esferas sobre alguns nanotubos. Bolhas que lembram as gotas de orvalho que se formam sobre os fios de uma teia de aranha. Era a pista de que precisavam para formular a sua teoria. "Apenas olhando as gotas percebemos que tinham alguma coisa a ver com líquido", afirma o físico Walt A. de Heer, do Instituto de Tecnologia da Geórgia, Estados Unidos, principal autor


Teia de aranha com orvalho e duas imagens de bolhas de carbono viscoso sobre nanotubos: cenários semelhantes

do trabalho. "Então fizemos a seguinte pergunta: se as gotas foram um dia carbono líquido, e os nanotubos aos quais elas estão ligadas também são carbono, por que o carbono líquido não dissolveu o nanotubo? A resposta é que o líquido deve ter sido vidro de carbono a uma temperatura menor do que a do nanotubo." Segundo os pesquisadores, a seqüência de eventos que levam ao surgimento dos nanotubos pode ser assim resumida. Primeiro, formam-se as gotas de carbono, resultado da liquefação desse elemento quando submetido a altíssimas temperaturas. Em seguida, devido à evaporação de átomos, a porção mais externa de cada gota se esfria muito rapidamente. Tal resfriamento, violento, cria na superfície da gota um revestimento de um líquido viscoso. De vidro de carbono. No interior da crosta vítrea, no entanto, ainda há carbono líquido e quente. "O resfriamento da parte interna da gota se dá por condução de calor, num processo mais lento do que a evaporação de átomos da superfície", explica Ugarte. À medida que a temperatura cai dentro da gota, os nanotubos se cristalizam. Por fim, a gota se parte e os nanotubos atravessam o líquido viscoso que os revestia, restando sobre os nanocilindros porções de esferas vítreas. O resultado final é uma imagem de nanotubos com bolinhas, um cenário semelhante ao de uma teia de aranha pontilhada pelo orvalho. • MARCOS PIVETTA PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 59


CIÊNCIA

HOMENAGEM

No universo da física Belita Koiller recebe o Prêmio Mulheres na Ciência por estudos sobre comportamento dos elétrons

elita Koiller, professora e pesquisadora do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi uma das cinco escolhidas para receber o Prêmio L'OréalUnesco para Mulheres na Ciência de 2005, em Paris. "Foi uma surpresa", diz Belita, que sabia ter sido indicada por colegas da comunidade científica, mas não oficialmente. "É o reconhecimento da maturidade da física brasileira, porque não basta ter muitas mulheres fazendo física, é preciso que a infra-estrutura de trabalho esteja madura e desenvolvida", ressalta. Premiada por seus "estudos teóricos de elétrons em meios desordenados", a pesquisadora explica que essa frase resume vários trabalhos realizados ao longo dos anos, incluindo aplicações recentes na computação quântica e na nanociência. As outras quatro contempladas com o prêmio 60 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

neste ano foram Zohra Ben LakhdarAkrout, da Tunísia, na África, Fumiko Yonezawa, do Japão, Dominique Langevin, da França, e Myriam Sarachik, dos Estados Unidos. Incentivo familiar - Nascida no Rio de Janeiro, filha de pai advogado e mãe dentista e a mais nova de uma família de quatro irmãs, Belita conta que sempre foi incentivada a ter uma profissão. Durante uma certa fase da vida pensou em ser professora secundária, mas, após muita hesitação, resolveu seguir carreira como física, que lhe permitiria conciliar o desejo de ensinar e fazer pesquisa. Após terminar o curso na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, ela morou durante um período nos Estados Unidos, onde obteve em 1976 o doutorado na Universidade de Berkeley, na Califórnia. Uma das lembranças que Belita tem dessa época é que ela era a única mulher da turma de física na universi-

dade norte-americana. E não havia nenhuma professora no departamento de física. Isso em uma época em que o movimento feminista norte-americano estava em plena efervescência. Traçando um paralelo entre a situação das mulheres nas universidades norteamericana e brasileira naquele período, ela conta que quando fazia a graduação na PUC dividia a sala de aula com várias estudantes, mas apenas uma professora. Passados quase 30 anos, a participação das mulheres no campo da física ainda é bastante restrita nos Estados Unidos, diz a pesquisadora. "O problema é mais gritante lá do que no Brasil." Ela cita uma pesquisa que lista as posições de emprego nas 50 maiores universidades norte-americanas, publicada pelo jornal The Washington Post. "Na área de física, as mulheres professoras ou pesquisadoras são apenas 6,6% do total empregado", relata. "Já em química e astronomia, esse patamar sobe para 12% e 12,6%, respectivamente."


Depois de terminar o doutorado voltou para trabalhar na PUC do Rio de Janeiro, onde ficou até transferir-se para a UFRJ, em 1994. Sua trajetória profissional a levou para a física de materiais, uma área que trata com produtos que têm impacto no nosso dia-a-dia, como, por exemplo, os chips de computador. "Trabalho mais com o comportamento dos elétrons nos diferentes materiais", diz Belita. "Estudo as propriedades de materiais semicondutores que seriam mais apropriados para a fabricação de um computador quântico." Ela ressalta que as pesquisas são ainda especulativas, porque, embora matematicamente já tenha sido demonstrado que é possível desenvolver um equipamento desse tipo, até agora ainda não foi fabricado nenhum protótipo. A etapa atual da pesquisa é investigar os diferentes sistemas físicos para implementar o computador quântico. Belita diz que é preciso ter muita perseverança para não desanimar e en-

frentar os desafios do dia-a-dia da pesquisa. "Às vezes tomamos caminhos equivocados que nos levam a pequenas derrotas e precisamos começar tudo de novo", diz. "Mas é preciso manter uma atitude de otimismo." Uma por continente - A pesquisadora é a terceira brasileira a receber o prêmio concedido pela empresa de cosméticos francesa L'Oréal e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), desde que começou a ser concedido em 1988. As outras duas foram a geneticista Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo, premiada em 2001, e a bióloga Lúcia Mendonça Previato, também da UFRJ, no ano passado. O prêmio, no valor de US$ 100 mil, é concedido todos os anos a cinco mulheres cientistas, uma por continente. Nesta edição, a sétima, a escolha das vencedoras coube a um júri formado por um grupo interdisciplinar composto por 14 cientistas, presi-

dido pelo francês Pierre-Gilles de Genes, prêmio Nobel de física de 1991. Outra brasileira, a médica paraense Michelle de Oliveira, foi uma das 15 escolhidas para receber o Prêmio Jovem Mulher Cientista, também concedido pela UOréal-Unesco, no valor de US$ 20 mil. Nessa categoria só podem concorrer mulheres até 35 anos que estejam cursando doutorado ou pós-doutorado. Michelle faz pós-graduação na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Na pesquisa clínica meu interesse está mais focado no diagnóstico e tratamento dos tumores que acometem o fígado", diz Michelle. "O prêmio estimula o potencial científico ao patrocinar a realização do aprimoramento em localidades renomadas no exterior." Michelle escolheu o Hospital Universitário de Zurique, na Suíça, para investigar o crescimento e o tratamento dos tumores hepáticos. • DlNORAH ERENO PESQUISA FAPESP109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 61


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'política' absorvia te da vida dos'chemüias (...). Consmente em rivali5, com apelo cora, entre fam{[ias e iaslocais". inua: "Essemundo que poder e arbivam sempre mais rados, compunlJp a circundante um ioso. O clima da amente peculiar: '. em quantidade re- . 'ande (para uma, 'da) e em épocii.

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Criticas Ao fazer a defesa da g locei, não faltaram crítica vemos passados. «Em nro cruciais, em que o gover ria tomar decisões muit duras, vacilou. Ou porqu velmente tivesse uma elei xima, ou porque a seus rios não interessava do vista ,.,~. . " complet


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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org

A revista Arquivos Brasileiros de Oftalmologia foi aprovada no processo de seleção do Medline/PubMed e tornou-se a única publicação latino-americana de sua especialidade nessa base de dados. De acordo com o editor-chefe Harley Bicas, sua prévia indexação na coleção SciELO Brasil foi decisiva para essa aprovação.

64 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

■ Energia

Otimização hidroelétrica Desenvolver uma metodologia flexível de dimensionamento de usinas hidroelétricas para que os diversos parâmetros que podem influenciar o processo de geração energética sejam considerados. Este é o objetivo do estudo "Dimensionamento evolutivo de usinas hidroelétricas", de Donato da Silva Filho e Adriano Carneiro, pesquisadores da Escola de Engenharia da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos. Segundo o artigo, o dimensionamento de uma usina hidroelétrica consiste na especificação das principais características físicas da usina que determinarão sua capacidade de geração de energia. "Estas características são os volumes mínimo e máximo do reservatório, a potência instalada e as quedas de projeto e de referência das turbinas", especificam os autores. Por conta disso, os pesquisadores apresentam uma técnica de otimização resultante da combinação entre algoritmos genéticos e um modelo de simulação da operação de sistemas hidroelétricos de potência. Além da combinação destas técnicas, a metodologia possui um esquema flexível para valorização econômica da energia gerada, capacidade de simular a operação do sistema hidroelétrico segundo diferentes políticas de operação e a opção de serem utilizadas diferentes séries de vazões afluentes. "Através desta metodologia as possíveis soluções podem ser exploradas com maior eficiência que nas buscas tradicionalmente utilizadas", apostam os autores do estudo. "Além disso, a ferramenta de simulação permite a utilização de diferentes políticas de operação para as usinas, viabilizando assim o dimensionamento de aproveitamentos segundo diferentes formas de operar o sistema." Os pesquisadores explicam que a construção de uma usina hidroelétrica traduz-se na realização de um grande investimento e, a partir do capital utilizado para custear a construção da usina, deseja-se que as receitas operacionais, obtidas com a venda da energia gerada ao longo da vida útil do empreendimento, proporcionem lucros. Com o estudo de caso apresentado no artigo, os pesquisadores mostraram que os benefícios energéticos de uma usina são influenciados pela política de operação utilizada nas simulações.

SBA: CONTROLE & AUTOMAçãO SOCIEDADE BRASILEIRA DE AUTOMáTICA - VOL. 15 - N° 4 - CAMPINAS - OUT./DEZ. 2004

www.scielo.br/scielo.php7scrlpt-sci_arttext8ipid-Soio3i7592004000400007&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Cardiologia

Peso pressiona pressão Existe uma forte associação entre massa corporal e pressão arterial, independentemente do sexo, idade, renda familiar, escolaridade e ocupação. Esta é a principal conclusão do artigo "Prevalência de excesso de peso e hipertensão arterial em população urbana de baixa renda", escrito por pesquisadores da Fundação Nacional de Saúde e da Universidade Estadual do Ceará (Uece). Com o objetivo de estudar a relação entre estas duas variáveis, os pesquisadores das duas instituições fizeram um estudo transversal, por meio de um questionário, com uma população de baixo nível socioeconômico. De acordo com o levantamento realizado em 958 domicílios do município de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, foram obtidas informações completas de 1.032 pessoas com mais de 30 anos de idade. A prevalência de hipertensão arterial e de excesso de peso foi 22,5% e 51,2%, respectivamente. Para os pesquisadores, levando-se em conta que o aumento da massa corporal está fortemente associado à elevação da pressão arterial, informação que vale tanto para os países ricos como para aqueles menos desenvolvidos, "podemos considerar o excesso de peso como o principal determinante que pode ser prevenido da ocorrência de hipertensão arterial". ARQUIVOS BRASILEIROS DE CARDIOLOGIA 84 - N° 1 - SãO PAULO - JAN. 2005

VOL.

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=Soo66782X2oo50ooioooo7&lng=pt&nrm=isoStlng=pt


■ Fisiologia

Perfil da baixa estatura A cidade de Itabaianinha, no Sergipe, abriga o maior grupo de habitantes com o fenótipo associado à deficiência isolada do hormônio do crescimento (DIGH). Por conta disso, a região serviu para que pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) descrevessem o fenótipo clínico e laboratorial dos pacientes da cidade para descobrir as causas da baixa estatura da população. Os resultados da pesquisa estão descritos no artigo "Diagnóstico clínico e laboratorial da deficiência isolada do hormônio do crescimento em crianças e adolescentes portadores da mutação no gene do receptor do hormônio liberador do hormônio do crescimento em Itabaianinha, Sergipe". Foram selecionados 12 indivíduos com fenótipo clínico de DIGH e 10 voluntários controles que não apresentavam esta deficiência, ambos com idade inferior a 20 anos. "Os achados encontrados assinalam que os pacientes de Itabaianinha apresentavam fenótipo clínico clássico e o padrão hormonal característico da deficiência isolada de DIGH tipo IB", concluem os pesquisadores. O estudo mostrou também não haver alterações de função tireoidiana, níveis de hormônios gonadais, cortisol e no estudo da sela túrcica nessa população. Os indivíduos de Itabaianinha apresentam maior número de características fenotípicas (baixa estatura proporcionada, fácies típica, adiposidade central etc.) quando comparados aos grupos descritos na literatura com outras mutações no GHRH-R. JORNAL BRASILEIRO DE PATOLOGIA E MEDICINA LABORATORIAL - VOL. 40 - N° 6 - Rio DE JANEIRO - DEZ. 2004 www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=Si6762444200400o6oooo3&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Psicologia

Ansiedade estratégica "Um bom desempenho escolar envolve o uso eficiente de estratégias de aprendizagem e o controle de variáveis psicológicas do aluno." Com base nesta premissa, o artigo "Compreendendo relações entre estratégias de aprendizagem e a ansiedade de alunos do ensino fundamental de Campinas" procurou verificar as relações entre o uso de estratégias de aprendizagem e a ansiedade de 155 alunos do ensino fundamental de uma escola pública de Campinas. O estudo, que tem autoria de Elis Regina da Costa e Evely Boruchovitch, pesquisadoras da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), teve como base teórica a Psicologia Cognitiva baseada na Teoria do Processamento da Informação. A coleta de dados foi feita a partir de entrevistas estruturadas sobre estratégias de aprendizagem e uma escala de ansiedade. Participaram do estudo alunos do ensino fundamental, entre 6 e 18 anos. "A ansiedade, a mo-

tivação, as crenças sobre inteligência, a auto-eficácia e as atribuições de causalidade influenciam na utilização das estratégias de aprendizagem por parte dos alunos", dizem as pesquisadoras. Os resultados indicaram que a ansiedade pode favorecer ou interferir no uso adequado de estratégias de aprendizagem. PSICOLOGIA: REFLEXãO E CRíTICA PORTO ALEGRE - 2004

- VOL. 17

1

www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=Soio279722004000ioooo4&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Agronomia

Crescimento cítrico Pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) comprovaram que as rizobactérias podem ser uma ferramenta eficiente para o crescimento de plantas cítricas. Os resultados dos experimentos desenvolvidos no interior de São Paulo estão no artigo "Rizobactérias e promoção do crescimento de plantas cítricas". As rizobactérias têm sido citadas numa série de trabalhos como beneficiadoras de uma gama de espécies vegetais, dentre elas a abóbora, alface, feijão e trigo. A citricultura, em São Paulo, se estende por 770 mil hectares, mais de 70% da área ocupada por essa atividade no país. Com base nessas informações, o objetivo do estudo foi verificar a ocorrência e a densidade de bactérias do grupo fluorescente do gênero Pseudomonas na rizosfera de diferentes espécies de plantas cítricas mantidas em condições de viveiro e de campo, além de selecionar isolados bacterianos como promotores de crescimento de citros. Ao todo, foram testados dez isolados de Pseudomonas do grupo fluorescente, 13 de Bacillus e sete de outras bactérias rizosféricas em porta-enxertos utilizados na citricultura: tangerineira-cleópatra (Citrus reshní), limoeiro-cravo (Citruslimonia) e limoeiro-volcameriano (Citrus volkameriana). As Pseudomonas fluorescentes apresentaram comportamento instável quanto à promoção do crescimento de plantas cítricas. Porém, dependendo do porta-enxerto, sete isolados de Pseudomonas, um de Bacillus e um de outra bactéria rizosférica tiveram efeito benéfico sobre a matéria seca de raízes e da parte aérea das plantas. A conclusão: isolados bacterianos de Pseudomonas fluorescentes, Bacillus e outras bactérias rizosféricas podem agir como promotores do crescimento de plantas cítricas. REVISTA BRASILEIRA DE CIêNCIA DO SOLO - VOL.

28 - N° 6

- VIçOSA - NOV./DEZ. 2004 ww w. scielo.br/ scie Io. php?sc ri pt=sci_arttext& pid=Soiooo6832004ooo6oooo7&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

PESQUISA FAPESP109 ■ MARÇO DE 2005 • 65


I TECNOLOGIA

LINHA DE PRODUçãO

MUNDO

A salvação de Hermes

Plataforma

protege estátua dos terremotos

■ Blade Runner no trilho e no asfalto Um veículo que possui a capacidade de percorrer rodovias e trilhos de uma estrada de ferro levando passageiros e carga é a mais recente novidade inglesa na área de transporte. Com rodas de aço retrateis entre os pneus, ele permite ao motorista passar suavemente de uma rodovia para os trilhos por meio de apenas um botão. O projeto foi mostrado no ano passado no Museu da Ciência, em Londres, pela empresa Silvertip Design, que desenvolveu o novo meio de transporte em cola-

boração com as universidades de Lancaster e Norfhumbria, além da participação financeira do Departamento de Comércio e Desenvolvimento da Grã-Bretanha. Meio caminhão, meio trem, ele foi chamado de Blade Runner, Rodas de aço retrateis entre os pneus

66 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

Terremotos podem provocar mortes, danos materiais e também atingir obras de arte. Uma delas, a do deus grego Hermes, com o pequeno Dionísio no colo, exposta no Museu Arqueológico de Olímpia, na Grécia, que foi esculpida, provavelmente, no ano de 340 a.C. por Praxíteles, já está protegida contra terremotos que atinjam até 8 na escala Richter (o terremoto que provocou, por exemplo, os maremotos na Ásia em dezembro passado atin-

nome tirado do filme produzido em 1982, com direção de Ridley Scott, que trata de andróides, meio máquinas, meio humanos. Os Blade Runners poderão carregar automóveis com passageiros e carga a 160 quilômetros por

giu a escala 9). A proteção está num mecanismo instalado em uma plataforma que permite a estátua de mármore, com quase 2 metros de altura, balançar como um pêndulo sem cair ao solo durante um abalo sísmico. O sistema foi desenvolvido pelos pesquisadores Michael Constantinou e Andrew Whittaker, da Universidade de Buffalo, dos Estados Unidos, e Vlassis Koumousis, da Universidade Técnica de Atenas. Eles fizeram simulações em computador do comportamento da estátua num terremoto e estabeleceram as especificações do mecanismo fabricado pela empresa norte-americana Earthquake Protection Systems. •

hora, consumindo menos combustível e poluindo menos que caminhões e carros de passeio juntos, por meio da construção de linhas especiais ao lado de rodovias, mas sem grandes gastos com infra-estrutura. •


Tela Produtor de imagens

Sensor Bateria

■ Recorde em energia solar

■ Atletas ganham óculos eletrônicos

Diminuir a poluição de gases oriundos da queima de derivados do petróleo e aproveitar a energia gratuita e farta do Sol são dois dos princípios que regem o desenvolvimento da energia solar. Nesse sentido, já está em pleno funcionamento a maior usina geradora de energia elétrica a partir dos raios solares do mundo. Inaugurada no ano passado no local de uma antiga mina de carvão, perto da cidade de Leipzig, uma das áreas mais poluídas do leste da Alemanha, a usina foi construída pelas empresas Shell Solar e Geosol. Ela possui 33.500 módulos solares e gera 5 megawatts (MW) de energia, suficientes para a demanda de 1.800 casas. A planta solar compreende uma área de 16 hectares (1 hectare é igual a 10 mil metros quadrados). Segundo os construtores, a nova usina evitará que 3.700 toneladas de dióxido de carbono sejam jogadas na atmosfera por meio de motores e termoelétricas. •

Informações biomédicas como batimentos cardíacos e nível de oxigênio no sangue são preocupações importantes para atletas que querem melhorar o desempenho esportivo e quebrar recordes. Obter essas informações em tempo real tanto para o atleta como para seu treinador deverá ficar mais fácil com os óculos que a empresa britânica Cambridge Consultants está finalizando. Chamados de Technospecs, os óculos terão sensores que vão informar as medidas biomédicas, durante os treinos, ao atleta de atletismo, por exemplo, por meio de uma tela projetada nas lentes, técnica usada para pilotos de jatos de caça. A empresa vai desenvolver óculos semelhantes para nadadores e ciclistas e espera incorporar a comunicação sem fio para facilitar a análise de dados em um computador. Além de miniaturizar peças e sensores, a empresa está colocando todo o processamento eletrô- * nico em apenas um chip. •

Produção de módulos solares na Alemanha

BRASIL Autonomia e visão panorâmica

Desenvolvimento de robô industrial via internet

Um robô que trabalha com visão de 360 graus e ainda consegue andar sozinho em um ambiente sem colidir com obstáculos está sendo criado no Departamento de Engenharia Mecatrônica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), sob a coordenação do professor Jun Okamoto Júnior. No futuro, esses robôs poderão ser usados para supervisionar tarefas em indústrias automatizadas, movimentar cadeiras de rodas ou servir como babá eletrônica. O equipamento possui uma câmera de vídeo preto-e-branco e um espelho hiperbólico que lhe permite ter uma visão completa do ambiente. A partir das imagens o robô consegue calcular o caminho a ser percorrido. Para programar as tarefas que devem ser executadas pelo robô foi utilizado o software Power Designer, da em-

presa Sybase. "Essa é uma aplicação inédita para o software, utilizado para modelar processos industriais dentro de empresas", diz Okamoto. O prazo previsto para o desenvolvimento do novo robô autônomo, que faz parte do programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia), da FAPESP, é de três anos. São três laboratórios em rede {weblabs), dois deles com máquinas-ferramenta e o terceiro com o robô andando dentro de um ambiente industrial em uma trajetória pré-programada. "Será possível ver pela internet imagens do que o robô está observando, como, por exemplo, detalhes da produção de uma peça", diz Okamoto. Se for necessário, o operador poderá comandar o robô para que ele pare em algum ponto, antes de retomar sua rota autônoma. •

PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 67


Tela Produtor de imagens

Sensor Bateria

■ Recorde em energia solar

■ Atletas ganham óculos eletrônicos

Diminuir a poluição de gases oriundos da queima de derivados do petróleo e aproveitar a energia gratuita e farta do Sol são dois dos princípios que regem o desenvolvimento da energia solar. Nesse sentido, já está em pleno funcionamento a maior usina geradora de energia elétrica a partir dos raios solares do mundo. Inaugurada no ano passado no local de uma antiga mina de carvão, perto da cidade de Leipzig, uma das áreas mais poluídas do leste da Alemanha, a usina foi construída pelas empresas Shell Solar e Geosol. Ela possui 33.500 módulos solares e gera 5 megawatts (MW) de energia, suficientes para a demanda de 1.800 casas. A planta solar compreende uma área de 16 hectares (1 hectare é igual a 10 mil metros quadrados). Segundo os construtores, a nova usina evitará que 3.700 toneladas de dióxido de carbono sejam jogadas na atmosfera por meio de motores e termoelétricas. •

Informações biomédicas como batimentos cardíacos e nível de oxigênio no sangue são preocupações importantes para atletas que querem melhorar o desempenho esportivo e quebrar recordes. Obter essas informações em tempo real tanto para o atleta como para seu treinador deverá ficar mais fácil com os óculos que a empresa britânica Cambridge Consultants está finalizando. Chamados de Technospecs, os óculos terão sensores que vão informar as medidas biomédicas, durante os treinos, ao atleta de atletismo, por exemplo, por meio de uma tela projetada nas lentes, técnica usada para pilotos de jatos de caça. A empresa vai desenvolver óculos semelhantes para nadadores e ciclistas e espera incorporar a comunicação sem fio para facilitar a análise de dados em um computador. Além de miniaturizar peças e sensores, a empresa está colocando todo o processamento eletrô- * nico em apenas um chip. •

Produção de módulos solares na Alemanha

BRASIL Autonomia e visão panorâmica

Desenvolvimento de robô industrial via internet

Um robô que trabalha com visão de 360 graus e ainda consegue andar sozinho em um ambiente sem colidir com obstáculos está sendo criado no Departamento de Engenharia Mecatrônica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), sob a coordenação do professor Jun Okamoto Júnior. No futuro, esses robôs poderão ser usados para supervisionar tarefas em indústrias automatizadas, movimentar cadeiras de rodas ou servir como babá eletrônica. O equipamento possui uma câmera de vídeo preto-e-branco e um espelho hiperbólico que lhe permite ter uma visão completa do ambiente. A partir das imagens o robô consegue calcular o caminho a ser percorrido. Para programar as tarefas que devem ser executadas pelo robô foi utilizado o software Power Designer, da em-

presa Sybase. "Essa é uma aplicação inédita para o software, utilizado para modelar processos industriais dentro de empresas", diz Okamoto. O prazo previsto para o desenvolvimento do novo robô autônomo, que faz parte do programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia), da FAPESP, é de três anos. São três laboratórios em rede {weblabs), dois deles com máquinas-ferramenta e o terceiro com o robô andando dentro de um ambiente industrial em uma trajetória pré-programada. "Será possível ver pela internet imagens do que o robô está observando, como, por exemplo, detalhes da produção de uma peça", diz Okamoto. Se for necessário, o operador poderá comandar o robô para que ele pare em algum ponto, antes de retomar sua rota autônoma. •

PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 67


Vegetação de mangue, salinas e dunas no Rio Grande do Norte

■ Biodiesel na matriz energética Dentro de três anos, todo o diesel vendido no Brasil terá, pelo menos, 2% de biodiesel, combustível à base de óleo vegetal, em sua composição. A lei que trata do estabelecimento do biodiesel na matriz energética brasileira prevê ainda que até 2012 será obrigatória a adição de um porcentual mínimo de 5% de óleo vegetal. Os prazos poderão ser reduzidos pelo Conselho Nacional de Política Energética, de acordo com critérios como aumento da oferta de matéria-prima e da capacidade industrial para produção do biocombustível. Várias instituições de pesquisa do país colaboraram para que o biodiesel se tornasse realidade (veja Pesquisa FAPESP n° 94), principalmente em relação às opções regionais de produtos agrícolas. Para dar mais suporte tecnológico à produção do novo combustível, os ministérios da Agricultura e de Minas e Energia cria-

A indústria espacial brasileira ganha novo impulso com um contrato de US$ 125 milhões para a construção dos satélites CBERS3 e 4, que fazem parte do programa de cooperação Brasil-China para o desenvolvimento de satélites de observação da Terra. São

ram o Pólo Nacional de Biocombustível em Piracicaba, que será gerenciado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo. •

seis empresas, Fibraforte, Cenic e Neuron, de São José dos Campos, Omnisys, de São Paulo, Opto Eletrônica, de São Carlos, e Aeroeletrônica, de Porto Alegre. Sob a coordenação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), elas vão fornecer a estrutura

■ Bambu e areia na limpeza de esgoto Um sistema de tratamento de esgoto barato e eficaz que utiliza areia e bambu e pode ser

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68 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 109

Diesel

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dos satélites, os sistemas de geração de energia e coleta de dados, além dos equipamentos de telecomunicações, computadores de bordo e duas câmeras fotográficas. "Assim, a participação da indústria nacional chega a 83%", diz Luiz Carlos Miranda, diretor do

instalado em cidades pequenas, áreas rurais e condomínios foi desenvolvido na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O principal equipamento do sistema é um cilindro preenchido com bambus cortados em pequenos pedaços. Nesse reator ocorre o metabolismo anaeróbio (sem oxigênio) de degradação, um sistema que propicia a ação de bactérias que consomem a matéria orgânica presente no esgoto. Associados ao reator estão os filtros de areia que complementam a limpeza de compostos poluentes. A análise da


Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: nuplitec@fapesp.br

Representação gráfica do satélite CBERS-3

Inpe. Na construção dos satélites CBERS-1 e 2, essa participação não ultrapassou os 50%. O lançamento do CBERS-3 está previsto para 2008 eo4para2011.0 primeiro, lançado em outubro de 1999, operou até agosto de 2003. O segundo, lançado em outubro de 2003,

água resultante do sistema indicou que ela não é potável, mas pode ser empregada em hortas e na lavagem de carros e de pisos. Ela também pode ser despejada nos rios sem problemas de poluição. "As vantagens do bambu são a leveza e a resistência. Depois de três ou quatro anos, ele se mantém intacto e serve de suporte para as bactérias que atuam no sistema", diz Adriano Tonetti, um dos pesquisadores que estudou o sistema em conjunto com a doutoranda Sandra Camargo, sob a orientação dos professores Bruno Coraucci Filho, Edson Aparecido Abdul Nour e Roberto Feijó de Figueiredo. •

continua na ativa. As imagens têm aplicação nas áreas de monitoramento ambiental, defesa, previsão de safras, uso do solo e planejamento urbano. Desde junho de 2004 algumas imagens estão disponíveis, gratuitamente, no site www.cbers. inpe.br. Até janeiro de 2005 foram solicitadas 57.268 imagens. As empresas privadas, principalmente Região Centro-Oeste, lie ram os pedidos.

■ Software para os Estados Unidos Dez empresas do setor de software criaram uma holding, a Nextpar, para exportar programas e serviços para os Estados Unidos, principalmente para bancos de pequeno e médio porte. O investimento inicial é de US$ 4 milhões. A meta é alcançar um faturamento de US$ 200 milhões até 2008. Esse valor representa 10% da receita projetada pelo governo, de US$ 2 bilhões anuais em exportação até 2008, para o setor de software. Atualmente, a receita de exportações não atinge US$ 200 milhões por ano. •

Cana-de-açúcar: planta fornece o próprio promotor

Método regula a expressão de genes Pesquisadores do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB/USP) desenvolveram uma estratégia para isolar um tipo de promotor, uma seqüência de nucleotídeos (as unidades químicas que compõem o genoma) necessária para regular a expressão de um gene em tecidos vegetais. Denominado retroprom, por corresponder a região promotora de um retrotransposom, o promotor serve para controlar a produção de uma proteína associada ao gene e é útil na produção de plantas geneticamente modificadas. A patente cobre não só o uso do promotor em produtos biotecnológicos, mas também o emprego do método, criado no Brasil, para obtê-lo. A vantagem do retroprom, em relação a outros promotores, é a sua

origem: ele pode ser obtido da própria planta que se deseja modificar geneticamente. Atualmente a maioria dos promotores de uso corrente em biotecnologia é de origem viral e está sob proteção de patentes. Dessa forma, com a adoção do retroprom, não é necessário introduzir no vegetal que se deseja modificar um promotor originário de outro organismo. A utilização do retroprom está em testes com espécies de cana-de-açúcar, tomate e tabaco. Título: Retroprom, método de obtenção de retroprom e uso de retroprom Inventoras: Marie-Anne Van Sluys, Maria Magdalena Rossi e Paula Gonçalves Araújo Titularidade: USP/FAPESP

PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 69


TECNOLOGIA

ANALISES CLINICAS

Sem marcas no anticorpo Equipamento faz diagnóstico de câncer de mama, de próstata e de leishmaniose com base nos antígenos VERôNICA FALCãO

Um novo equipamento para diagnóstico de câncer de próstata e de mama, capaz também de detectar a leishmaniose, uma doença infecciosa que atinge as áreas mais pobres do país, está sendo concluído por um grupo de pesquisadores da Rede de Nanotecnologia Molecular e de Interfaces (Renami), sob a coordenação de Oscar Malta, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A utilização do protótipo em fase experimental já se mostrou mais barata que outros testes similares e importados. Ele recebeu o nome de Fluorim 1.0 e se baseia nas propriedades ópticas de um composto desenvolvido pelos pesquisadores que ainda não pode ter seu segredo revelado, enquanto não for patenteado no Brasil e no exterior. Um pedido de patente da substância deverá ser brevemente depositado no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). Segundo os pesquisadores, é possível dizer que ela funciona como um marcador óptico da doença e é sintetizada a partir do oxido de európio. "Entre os lantanídeos, que na Tabela Periódica se encontram no grupo das terras-raras, o európio é o mais luminescen70 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109



te", justifica Malta, professor do Departamento de Química Fundamental da UFPE e coordenador nacional da Renami, uma rede formada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia que reúne 60 pesquisadores em 17 instituições de todo o país. "Esse oxido é um pó branco obtido do európio extraído da areia monazítica (encontrada em algumas praias), onde se concentram as maiores reservas do elemento químico", completa Malta. O composto desenvolvido pelos pesquisadores possui pequenas diferenças na formulação para detectar cada uma das três doenças. Ele é acondicionado em kits e possui dimensões nanométricas (em que 1 milímetro é dividido por 1 milhão de partes). Sua função é se ligar ao antígeno produzido pela doença a ser diagnosticada. Antígeno é a substância, normalmente uma proteína, produzida por vírus ou bactéria, por exemplo. No corpo humano, cada antígeno ganha um anticorpo específico produzido pelo sistema imunológico para combater cada doença. Eles se juntam como uma chave em uma fechadura. Quando uma gota de sangue ou um pedaço de tecido celular de um paciente é colocado no kit, o antígeno ligado ao anticorpo se fixa ao composto criado pelos pesquisadores. Depois, dentro do equipamento, a amostra recebe um feixe de luz ultravioleta com um comprimento de onda específico. O resultado é identificado no sinal luminoso refletido pelo composto. Além da presença da doença, o exame informa também o grau de infecção do paciente. "No caso da análise em tecidos originários de biópsia (imobilizados numa lâmina de microscópio), a idéia é mapear toda a sua superfície e, posteriormente, reconstituí-la por meio de um gráfico que deverá representar os diferentes graus de infecção", diz Jaílson Vieira de Melo, do Departamento de Química da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que também participa do projeto. Dosar o avanço da enfermidade é uma das vantagens importantes desse equipamento. "Quanto mais avançada a doença, mais intensa será a luz emitida", explica Malta. Por esse método, os pesquisadores evitam marcar diretamente o anticorpo, como em outros tipos de exame, o que poderia levar o 72 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

dispositivo a cometer erros. Isso porque o organismo freqüentemente produz anticorpos. Identificando o antígeno e sua quantidade, os pesquisadores podem ter certeza da doença. O método usado é do tipo fluoroimunoensaio, que serve para análise de uma série de doenças como vários tipos de câncer e sífilis. O problema é que os equipamentos que usam esse método são importados e caros. "Estamos fazendo um aparelho com os mesmos princípios, porém com adaptações tanto em relação à forma da medida, que será feita no tecido, e ao kit, que está sendo empregado, quanto, principalmente, em relação aos custos", diz Melo. "É um aparelho baseado nos já existentes e adaptado para as doenças que queremos diagnosticar, sobretudo para o teste inédito da leishmaniose." O protótipo é uma caixa com meio metro quadrado de superfície e custou R$ 30 mil - cerca de 10% do valor dos dispositivos para fluoroimunoensaio similares importados pelos hemocentros, laboratórios de análises clínicas e hospitais do país. O equipamento é resultado de um ano e meio de pesquisas da Renami, uma das quatro redes nacionais de pesquisadores que se dedicam ao estudo de materiais em escala nanométrica. Ligados ao projeto da Renami, além da UFPE e da UFRN, estão o Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista, e o Departamento de Química da USP de Ribeirão Preto. A fase de testes envolverá ainda a unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Recife, chamada de Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CPqAM). Diagnóstico certeiro - Uma das doenças a serem diagnosticadas pelo novo dispositivo é a leishmaniose tegumentar americana, com 1,5 milhão de novos casos por ano no mundo. No Brasil, segundo dados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), são notificados anualmente 35 mil casos. A pesquisadora da Fiocruz do Recife, Luiza de Campos Reis, explica que os profissionais da saúde enfrentam dificuldades para diagnosticar a doença, também chamada de

leishmaniose cutânea: "Atualmente não existe um teste padrão para o diagnóstico da leishmaniose e, muitas vezes, só uma combinação de técnicas diagnosticas oferece resultados exatos e precisos". O médico associa aspectos clínicos, epidemiológicos e laboratoriais. Luíza espera que o dispositivo seja um meio eficaz de identificação da doença.

leishmaniose é transmitida pela picada de fêmeas hematófagas de mosquitos chamados de flebótomos, encontrados em áreas rurais. O protozoário causador da doença, a Leishmania, se aloja no homem e outros mamíferos, provocando lesões nas mucosas e cartilagens. No caso do câncer de mama, que no Brasil é o que mais causa mortes entre as mulheres, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o dispositivo se propõe ao diagnóstico precoce da doença, depois de ter sido feita a descoberta de alguma anomalia em exames de mamografia. Quanto mais cedo for identificada, maiores as chances de cura. No Brasil são registradas cerca de 10 mil mortes anuais por câncer de mama. Mais da metade dos óbitos ocorre em mulheres de 40 a 69 anos. O uso do Fluorim 1.0 para diagnóstico de câncer de próstata, segunda causa de óbitos por esse tipo de doença em homens, de acordo com o Inca, vai baratear os custos do exame. O dispositivo analisará no tecido celular da biópsia os níveis do antígeno prostático específico (PSA, na sigla em inglês). O Fluorim identificará apenas se o paciente tem ou não PSA. "Vamos fazer PSA porque é um exame relativamente fácil. É uma maneira também de, rapidamente, testar o protótipo", explica Malta. Após a etapa de calibração concluída, a equipe pretende validar o equipamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e no Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). A expectativa dos pesquisadores é que o dispositivo reduza em até 30% o custo


Interior da câmera do equipamento de fluoroimunoensaio: a lâmina de vidro vai receber o material a ser analisado e a luz ultravioleta

do exame para diagnóstico de câncer de próstata. O teste deverá ser mais barato que o realizado atualmente, com custo girando em torno de R$ 70. Concluídas as etapas de testes e validação, que devem durar um ano, a equipe partirá para a comercialização do produto. A fase, última e mais longa de um projeto desse tipo, é considerada a mais difícil pelo físico Cylon Gonçalves da Silva, secretário de Política e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento

do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). "Da bancada do laboratório à produção industrial, às prateleiras das lojas e aos consultórios e laboratórios, esses equipamentos percorrem um longo caminho", avisa. "É um processo demorado e custa muito mais que desenvolver um protótipo." O projeto, no entanto, já tem duas sinalizações positivas que podem encurtar esse caminho. Uma é do próprio MCT. "Com a disposição do Ministério

da Saúde de financiar pesquisa e desenvolvimento de equipamentos médicoodontológicos e laboratoriais, obviamente um projeto como esse parece ser candidato natural para apoio", adianta Gonçalves da Silva. A outra é da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa). Oscar Malta adianta que manteve contatos com dirigentes da estatal. "Eles me sinalizaram com a possibilidade de produzir o Fluorim 1.0 numa empresa incubada da Suframa." • PESQUISA FAPESP109 • MARÇO DE 2005 ■ 73


I TECNOLOGIA

QUÍMICA

Caminho mais curto Parceria entre aUnicampeaRhodia encontra novas soluções para processos industriais da empresa

DlNORAH ERENO

m novo processo produtivo na indústria química começa, quase sempre, pela escolha do solvente mais apropriado para a formulação de um novo medicamento, uma tinta com secagem mais rápida ou mesmo um xampu que ajuda a desembaraçar o cabelo. Selecionando o solvente adequado, que nada mais é do que um líquido, como a acetona, o benzeno, o álcool e muitos outros, é possível separar um ingrediente de uma substância complexa. Mesmo que o produto final seja um sólido, os processos de fabricação industrial em suas etapas iniciais geralmente partem de bases líquidas. Em testes tradicionais nos laboratórios, a fase de experimentação para identificar os solventes mais indicados para um novo produto, ou mesmo para modificar formulações que já se encontram no mercado, pode demorar vá-


Pedras de ácido benzóico em teste de solvente: experimento ganhou software que agiliza o processo

rios dias e até semanas. Agora um software desenvolvido em parceria entre a Rhodia Brasil e a Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) permite tornar esse processo mais rápido, com grande economia de tempo. Resposta rápida - "A ferramenta trouxe um grande benefício para nós, que é a velocidade de resposta aos problemas dos nossos clientes e agilidade no desenvolvimento de novos processos produtivos", diz Richard Macret, diretor de pesquisa e desenvolvimento da empresa para a América Latina. A empresa é subsidiária do grupo Rhodia, com sede na França e unidades industriais em quase cem países, que tem como foco química fina, fibras e polímeros. Anteriormente, a Rhodia já havia desenvolvido outro software para procurar a melhor mistura de sol-

ventes para polímeros. Mas ele não conseguia prever a solubilidade - a quantidade máxima de um sólido que pode ser dissolvido em um solvente - de uma grande classe de produtos, que são os sólidos cristalinos. Nessa categoria química, assim chamada por conta da arrumação molecular, que segue sempre um padrão regular de distribuição, encontram-se, por exemplo, os princípios ativos dos medicamentos. Antes de começar a utilizar o novo software, resultado de um projeto de pesquisa financiado pela FAPESP no âmbito do programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE), a Rhodia trabalhava com uma lista padrão de cerca de 90 solventes, tanto para produzir seus produtos como para atender aos pedidos dos clientes. "Eles faziam experimentos com cada um deles, um processo lento, caro e não muito apropriado", conta o professor Martin Aznar, coordenaPESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 75


dor do projeto. "Desenvolvemos uma ferramenta que permite restringir essa lista a apenas seis ou sete solventes, mas que ainda assim é representativa", diz. Para criar o software, os pesquisadores tomaram como base um modelo teórico, chamado de metodologia de Hansen, utilizado na indústria química desde a década de 1970 para formulação de produtos com polímeros, que são os plásticos, as borrachas e os silicones, e solventes orgânicos, especialmente tintas. Mas esse método ainda não havia sido usado para os sólidos cristalinos. Fase de equilíbrio - O modelo empregado para determinar os valores de solubilidade utiliza três parâmetros, chamados de força de dispersão, força polar e ligações de hidrogênio. Essas três variáveis atuam na interação das moléculas do reagente e do sólido. Ao utilizar essa metodologia é possível identificar solventes ou misturas de solventes mais apropriados para dissolver polímeros. Os pesquisadores estenderam a aplicação dessa técnica para os sólidos cristalinos. E foram além. "Antes do nosso trabalho, os parâmetros de solubilidade eram determinados a partir de informações quantitativas", diz Aznar. Esse tipo de informação é obtido pela avaliação do equilíbrio de fases entre sólido e líquido. Para entender como funciona, basta recorrer a uma imagem simples: o ponto de dissolução do açúcar na água. Em determinado volume, a água é capaz de dissolver o açúcar. Mas quando o açúcar começa a se depositar no fundo do recipiente a solução está saturada, ou seja, atingiu o ponto de equilíbrio. Para chegar ao resultado procurado usando essa metodologia é necessário utilizar uma grande quantidade de reagentes. Uma das mudanças propostas pelo projeto é o uso de dados qualitativos. Por esse método, basta pegar um tubo de ensaio, colocar uma quantidade padrão de solvente puro, estipulada em 0,9 grama para 0,1 grama de sólido, e deixar agitando durante 24 horas em uma máquina que faz a mistura na posição vertical. 76 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

essa forma, tanto o sólido como o solvente ficam em contato o tempo todo. Para fazer o teste, são utilizados 47 frascos com diferentes solventes. "É um método mais rápido e barato que o quantitativo, porque é só olhar se o sólido dissolveu ou não", diz Marlus Pinheiro Rolemberg, que também participou da pesquisa como bolsista de pós-doutorado. No laboratório da FEQ, na Unicamp, por causa do tamanho do agitador, os frascos utilizados são os tradicionais tubos de ensaio. Já na Rhodia os recipientes de vidro são minúsculos e não chegam a 5 centímetros de comprimento. Dessa forma, há uma diminuição nos gastos com os reagentes para fazer os testes de solubilida-

de e no tempo de resposta. Com as informações qualitativas e a metodologia de Hansen, o programa desenvolvido na Unicamp indica quais os solventes mais indicados para trabalhar com sólidos cristalinos e também com polímeros. Os mais apropriados aparecem indicados na tela do computador. As pesquisas que levaram ao desenvolvimento do software foram feitas em parceria com o Centro de Pesquisas de Paulínia, um dos cinco do grupo francês no mundo, responsáveis pelo desenvolvimento de aplicações e de novos produtos e processos. Outros dois estão instalados em Lyon e Aubervilliers, na França, um em Cranbury, nos Estados Unidos, e o último em Xangai, na China. Eles funcionam interligados, como uma rede. "Quando há um problema de solvência na França, nos Estados Unidos ou na China, eles nos procuram para saber qual o solvente recomendado para determinada aplicação", diz Macret. No final do ano pas-


pas iniciais do processo industrial. "Ela permite entrar em um ângulo que outros softwares não conseguem", diz Macret. Para os pesquisadores, o caminho para chegar ao software e a aplicação da metodologia de Hansen para sólidos cristalinos resultaram em artigos científicos que estão em fase de preparação.

sado, o software foi utilizado para solucionar um problema detectado em um produto desenvolvido em um dos centros de pesquisa da França. Por questão de sigilo industrial, os pesquisadores disseram apenas tratar-se de um catalisador (substância utilizada para modificar a velocidade de uma reação química), que, testado em escala piloto em laboratório, estava reagindo com um solvente. "Eles queriam ter opções de outros solventes", conta Rolemberg. "Fizemos os testes e apontamos quais os mais adequados para aquela molécula que eles estavam trabalhando." Além de fabricar solventes, a empresa também atende a solicitações de clientes que necessitam mudar algo em suas fórmulas por conta de problemas ambientais, de legislação ou até porque o solvente usado reage com o produto. "A demanda pela troca por solventes mais eficazes tem aumentado tanto na Europa como nos Estados Unidos e está vindo para o Brasil", diz Macret. "O

software nos dá a indicação de quais solventes podemos utilizar nessa troca. Em vez de testar seis, vamos diretamente para dois ou três."" A ferramenta é tratada pela Rhodia como uma peça importante porque auxilia os projetos desenvolvidos no laboratório nas eta0 PROJETO Predição da solubilidade de polímeros polares e sólidos cristalinos em misturas de solventes MODALIDADE

Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) COORDENADOR

- Faculdade de Engenharia Química da Unicamp MARTíN AZNAR

INVESTIMENTO

R$ 50.505,00 (Rhodia) e R$ 15.997,00 (FAPESP)

Lança-perfume - O centro de pesquisas da Rhodia localizado em Paulínia, cidade vizinha de Campinas, encontra-se dentro de uma antiga fazenda comprada pela empresa em 1944 para plantar cana-de-açúcar e produzir álcool. Foi nesse centro que foi criada uma nova linha de produtos para tratamento de couro e estudos de utilização de polímeros em xampus que têm a função de domar cabelos crespos. De origem francesa, a empresa instalou-se no Brasil em dezembro de 1919 para fabricar o cloreto de etila, principal componente do lança-perfume, produto que foi um grande sucesso de vendas da empresa no país em antigos Carnavais. A primeira fábrica foi instalada em Santo André, no Grande ABC paulista, destinada à produção de produtos químicos e farmacêuticos. Com o passar do tempo ampliou seu campo de atuação e começou a trabalhar no desenvolvimento de fios têxteis sintéticos. O primeiro foi a poliamida, usada na confecção de meias e maios, que depois passou a ser utilizada para outras aplicações também fora do setor têxtil, como na produção de pneus. A empresa brasileira emprega cerca de 3 mil pessoas e, em 2003, teve faturamento da ordem de R$ 1,8 bilhão. No mundo, o grupo possui 23 mil funcionários e faturou em torno de € 5,4 bilhões em 2003. Os investimentos anuais em pesquisa e desenvolvimento, que englobam os centros de pesquisa e laboratórios espalhados pelo mundo, são de cerca de € 180 milhões. No Brasil ficam em torno de R$ 30 milhões por ano. Os investimentos nesse setor incluem também o estreitamento das parcerias com as universidades. Para o professor Aznar, essa interação é importante e útil para as duas partes. "A empresa consegue resolver um problema prático usando o conhecimento acadêmico e a universidade pode aplicar o seu conhecimento e gerar um resultado valioso para a sociedade." • PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 • 77


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I TECNOLOGIA ENGENHARIA ELÉTRICA

Ligada nos fios Pequena empresa inova e produz medidores de corrente e de campos magnéticos MARCOS DE OLIVEIRA

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letromagnetismo é a matériaI prima que uniu à o engenheiro _flH_____a^rifl eletrônico Carlos Shiniti Muranaka, a física Marília Emura e o engenheiro mecânico Marcelo Lancarotte na empresa Globalmag, produtora de equipamentos de medida de campos magnéticos e de correntes elétricas. Os três sócios que fundaram a empresa em 2001 no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), em São Paulo, inauguraram em fevereiro a sede própria no município de Cotia. É um percurso que levou para o mercado de instrumentos de precisão a experiência dos três, acadêmica e profissional, formada na Universidade de São Paulo e no Instituto de Pesquisas Tecnológicas. O principal feito dessa pequena empresa que ainda não tem funcionários foi o desenvolvimento de aparelhos chamados de transdutores. "Eles transformam uma grandeza elétrica (amperes, por exemplo) em tensão (volts) com base em princípios magnéticos", diz Muranaka. A Globalmag já possui uma série de dispositivos que medem a corrente sem precisar interromper o fio medido ou desligar equipamentos. "Por meio de transdutores flexíveis ou alicates de corrente é possível medir correntes elétricas sem paralisar uma fábrica." O maior desafio foi construir transdutores para uma siderúrgica, que eles preferem não revelar o nome. "Foram 48 medidores de condutores usados nos fornos da usina para correntes de 5 a 9

res semelhantes são subprodutos de um projeto financiado pelo Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP. "A nossa intenção inicial era produzir um transdutor que medisse a corrente contínua (usada pelos equipamentos elétricos) e alternada (que está nos fios e torres de transmissão)", diz Lancarotte. "Chegamos a vender 12 unidades, mas o merMedidor de campo cado prefere os fabricados na magnético China, quase um terço mais ba(acima) e um ratos." Embora mais sofisticado, dos medidores o produto brasileiro não tem a de corrente s escala de produção dos chineses. elétrica • Além dos transdutores, eles produzem um medidor de campo magnético que testa a qualidade de ímãs de alto-falantes de caixas mil amperes (como comparação, um acústicas e das chamadas armadilhas fusível que temos no quadro de luz em magnéticas, usadas nas esteiras induscasa tem 60 amperes)", conta Muranatriais de cereais e outros alimentos, que ka. "Eles não tinham como medir essa eliminam possíveis contaminações por corrente sem paralisar a produção", diz materiais ferrosos. O aparelho é portáLancarotte. Esse uso e outros medidotil e mede também o magnetismo residual de ferramentas que precisam estar O PROJETO desmagnetizadas. "Nesse caso, disputamos mercado com um equipamento Desenvolvimento de transdutores de mais barato, robusto e preciso." Com a corrente de alta precisão com malha produção e venda de medidores de camde realimentação microprocessada po magnético e transdutores a empresa MODALIDADE faturou no ano passado R$ 150 mil, com Programa Inovação Tecnológica crescimento anual de 30%. em Pequenas Empresas (PIPE) Outro campo de atuação da empresa foi um contrato firmado em 2003 COORDENADOR para representar a empresa Lake Shore, CARLOS SHINITI MURANAKAGlobalmag com sede nos Estados Unidos, produtora de equipamentos para uso científiINVESTIMENTO co e industrial na área de magnetismo e R$ 93.250,00 e US$ 3.85630 (FAPESP) de baixas temperaturas. • PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 79


I TECNOLOGIA ENGENHARIA CIVIL

Bon^fàu reta Barreiras produzidas com pedaços de pneus reduzem impactos nos acidentes de trânsito YURI VASCONCELOS

econhecidos como causadores de um problema ambiental, os pneus velhos, que costumam ser jogados em rios ou descartados irregularmente em lixões a céu aberto, agora têm uma destinação nobre: a construção de barreiras rodoviárias. Essas muretas, normalmente erguidas no centro ou nas laterais das pistas, continuarão a ser feitas de concreto, mas parte das pequenas pedras, chamadas de brita, usadas na sua composição, será substituída por borracha triturada proveniente de pneus que não têm mais utilidade. Dois trechos dessas barreiras encontram-se em fase de testes, um no quilômetro 27,3 da rodovia Raposo Tavares, sentido interior, que liga a capital paulista à região oeste do Estado de São Paulo, e outro na marginal do rio Tietê, próximo da ponte Júlio de Mesquita Neto, na cidade de São Paulo. "A principal vantagem da nova barreira rodoviária é a capacidade de absorver o impacto dos veículos desgovernados", diz o engenheiro Paulo Bina, vice-presidente do Instituto Via Viva e diretor da Monobeton Soluções Tecnológicas, organizações responsáveis por esse desenvolvimento. A empresa é especializada em novas tecnologias no ramo da construção civil e a Via Viva é uma entidade sem fins lucrativos instalada em São Paulo, criada a partir da parceria entre a Monobeton e a Associação para 80 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 109

Valorização e Promoção de Excepcionais (Avape), com sede na cidade de Santo André, na Região Metropolitana de São Paulo, Testes estáticos - "Com a adição de borracha em sua estrutura, a barreira deixa de ser um bloco rígido para ser uma estrutura semideformável. O grau de deformabilidade irá variar de acordo com a quantidade e o tamanho dos pedaços de borracha usados na preparação do concreto", explica Bina. Segundo o engenheiro, o porcentual exato de absorção de energia das novas barreiras ainda não é conhecido porque não foram feitos testes dinâmicos (também chamados de crash tests, em que um carro, por controle remoto, é levado a bater numa estrutura rígida), que estão previstos para os próximos meses. Até o momento, foram realizados testes estáticos que verificam propriedades mecânicas como resistência à compressão, à tração e à deformação. Para realizar esses testes, a empresa contou com a colaboração da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Sob a coordenação da professora Ana Elisabete Paganelli, os pesquisadores usaram prensas hidráulicas em que um pistão exerce uma força variável sobre o concreto. Os ensaios mostraram que as barreiras absorvem e dissipam a energia do impacto, reduzindo a velocidade do veículo após a colisão. "Ao reduzir a

desaceleração dos carros, diminui também a probabilidade de traumas em seus ocupantes", afirma Paulo Bina. Os resultados dos testes realizados na Unicamp também foram analisados pelo engenheiro Fernando Rebouças Stucchi, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). O relatório técnico elaborado por ele está sendo examinado pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER) de São Paulo, órgão que fornece os parâmetros para a construção de barreiras rodoviárias no estado. "O DER, um dos nossos parceiros no projeto, prevê que nos próximos três anos haverá uma demanda de 900 quilômetros do próprio DER, além de 2.300 quilômetros de barreiras nas rodovias paulistas operadas por concessionárias", conta Bina. Caso elas sejam construídas com o concreto com borracha, serão utilizados 32 milhões de pneus usados, também chamados de inservíveis porque não servem mais para recauchutagem. Destino legal - Em cinco anos, a Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip) recolheu 70 milhões de pneus usados, atendendo à resolução 258 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), de 26 de agosto de 1999, que indica, para 2005, o recolhimento de cinco pneus para cada quatro fabricados ou importados. Assim, o uso de pneus picados na construção das barreiras se encaixa perfeitamente na destinação final dos resíduos que é


Barreira de concreto com borracha na marginal do Tietê, em São Paulo. Ao lado, pedaços de pneu incorporados ao cimento

de responsabilidade legal dos fabricantes. Por isso, a Anip está envolvida no desenvolvimento do sistema de barreiras de concreto com borracha, sendo responsável pela contratação de empresas que fazem a trituração dos pneus. Atualmente os usados são, em grande parte, destinados à queima em caldeiras. "Além das vertentes técnica e ecológica, o projeto tem um cunho social relevante", explica Jorge Gonçalves dos Santos, coordenador do Instituto Via Viva. "O recolhimento dos pneus inservíveis será feito em estações de coleta, batizadas de Ecopontos Via Viva, gerenciadas pelo instituto e operadas por portadores de deficiência mental, pessoas cuja empregabilidade é altamente limitada, e seus familiares", diz ele. Sob coordenação de técnicos da Avape, as pessoas com deficiência farão o recebimento, a lavagem, o armazenamento e o envio dos pneus aos locais de tritura-

ção. O projeto prevê a instalação de 60 Ecopontos no estado, situados em locais de fácil acesso e boa. visibilidade. O primeiro deles deverá ser construído na região do ABC. Cada Ecoponto empregará 12 pessoas com deficiência e terá custo de R$ 30 mil por mês. Como a borracha picada será, num primeiro momento, entregue sem custo às empresas de concretagem, os recursos para financiar os Ecopontos serão obtidos por meio de patrocinadores, como fabricantes de pneus, montadoras de automóveis, fornecedores de insumos para pneus, concessionárias, transportadoras, concreteiras e seguradoras. Forte ligação - O processo de produção do concreto com borracha, batizado de Concreto Dl (de deformável e isolante), é similar ao convencional. O porcentual de pneu usado picado é variável e depende das características de desempenho desejadas do concreto e das di-

mensões do agregado de borracha que, no caso, deve ter até 2,5 centímetros de comprimento. Nas duas barreiras já construídas um quarto do volume de concreto, o equivalente à metade do agregado graúdo, é de borracha. Outra inovação no processo de fabricação do concreto Dl é a adição de fibra de vidro, que serve para evitar a segregação da borracha, misturada homogeneamente. A fibra de vidro funciona como uma trama ou ninho de passarinho, fazendo a ligação entre a borracha e o concreto. Segundo os responsáveis pela Via Viva, o concreto Dl levou quatro anos para ser desenvolvido e seu custo é comparável ao do convencional. O produto bem como a barreira feita a partir dele já foram patenteados no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). Em breve, será depositado um pedido de patente nos Estados Unidos. Além da fabricação de barreiras rodoviárias, o concreto Dl poderá ser usado para construção de contrapiso de apartamentos e pavimentação rodoviária ou urbana. A vantagem, nesse caso, é a redução de ruídos no pavimento inferior, porque a borracha funciona como isolante acústico. Seu uso em pavimentação também traz benefícios, uma vez que o concreto Dl tem grande resistência à tração - ou seja, quando submetido a um esforço - como o peso dos carros, por exemplo, suportando uma maior deformação sem se romper. • PESQUISA FAPESP109 ■ MARÇO DE 2005 • 81


HUMANIDADES

ESPORTES

Olimpo terrestre Entrevistando atletas, pesquisa faz um retrato do imaginário olímpico brasileiro CARLOS HAAG

e dois em dois anos, a frase de Brecht, "infeliz do país que precisa de heróis", perde a sua validade. Entre Copas e Olimpíadas, o esporte reina soberano e os atletas se transformam em protagonistas de um dos maiores espetáculos sociais do mundo contemporâneo, exibidos como grandes heróis, capazes de proezas vetadas aos mortais comuns que os vêem pela TV. No Brasil, país do anti-herói, essa condição heróica do esportista ganha contornos próprios. "Para pobres e negros, a prática esportiva permitiu que pudessem conquistar a liberdade que possivelmente em outras atividades não teriam. No Brasil, por influência da mídia, a população passou a crer na vitória esportiva como afirmação de uma identidade nacional, de igualdade ou superioridade, perante aqueles que detêm a hegemonia pela força ou poder econômico", explica Kátia Rubio, cuja tese de livre-docência, Do atleta à instituição esportiva: o imaginário esportivo brasileiro (apoiada 82 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 109

pela FAPESP), traz uma radiografia do imaginário olímpico nacional a partir das histórias de vida dos atletas, segundo a autora, "um mosaico de lembranças e imagens para chegar à representação que a participação olímpica pode ter para um atleta competitivo". Para tanto, a pesquisadora foi em busca dos responsáveis pelas 67 medalhas olímpicas brasileiras, a primeira delas conquistada em 1920 por Guilherme Parense, na Antuérpia, na modalidade tiro. Curiosamente, dentre essas, apenas cinco foram ganhas em modalidades coletivas. "Essa é uma indicação do quanto o esporte nacional sobrevive à custa de esforços individuais, uma vez que o processo de formação de equipes é complexo e envolve mais do que a soma de valores individuais", observa Kátia. "Daí a importância do registro da memória individual como forma de preservar não apenas as lembranças das conquistas pessoais, mas, por meio delas, recuperar a memória do esporte brasileiro", avalia a autora. Historicamente, a relação do Brasil e dos brasileiros seguiu de perto a trajetória burgue-


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sa do esporte europeu da era moderna, em que a prática esportiva era uma atividade de uma elite que podia se dar ao luxo de praticar o esporte como amador, virtude preconizada pelo olimpismo nascente do Barão de Coubertin. "Não por acaso, o primeiro participante brasileiro no Comitê Olímpico Internacional, em 1910, foi um diplomata, Raul do Rio Branco (filho do Barão do Rio Branco), descendente da restrita aristocracia brasileira, bem como os atletas que debutaram nos Jogos da Antuérpia pertenciam à burguesia dos centros urbanos", observa Kátia. Filhos da aristocracia paulista ecarioca iam para a Europa estudar e voltavam "impregnados" do esporte europeu, entusiasmo nacional que se somava ao dos imigrantes que, no Brasil, reproduziam a cultura de movimento de seus países de origem. Essa cultura preconizava o esporte como impulso civilizador, ainda que, em quase todos os países civilizados, a sua prática estivesse associada a processos de afirmação da nacionalidade e a preparação para a guerra e defesa do Estado. O Barão de Coubertin quis

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reformar esse estado de coisas criando um olimpismo baseado na reforma social feita a partir da educação e do esporte, vistos numa perspectiva pacifista e internacionalista. Mas, bom filho do século 19, o movimento olímpico incipiente trazia armadilhas para a entrada das massas trabalhadoras nos Jogos. O esporte "nobre" deveria ser uma atividade de poucos para poucos. As travas eram o amadorismo ("a prática do esporte por prazer sem ganho material de nenhuma natureza") e o fair play, o cavalheirismo esportivo que vetava ao atleta explorar o limite das possibilidades numa competição, em nome do bom-tom. "O amadorismo foi aos poucos sendo esquecido como um dos elementos fundamentais do olimpismo na década de 1970, emergindo um movimento de disfarce de atletas em funcionários de empresas para que escapassem à condição de profissionais do esporte. Esse esforço foi substituído, com sucesso, pelos contratos com patrocinadores, surgindo daí outros tipos de problema", explica a pesquisadora. PESQUISA FAPESP 109 • MARÇO DE 2005 ■ 83


A partir de 1960, nos Jogos de Roma, a mídia adentrou os estádios e o olimpismo desinteressado de Coubertin se transformou em negócio milionário. Se em 1980 as televisões pagaram US$ 100 milhões para a transmissão dos jogos, em 2008 esse valor chegará a US$ 1,7 bilhões. "O esporte espetáculo, midiatizado, representa para a sociedade uma espécie de alvo de projeção social, porque anônimos ganham o estrelato ao se destacarem em uma modalidade, conquistando contratos milionários e fama mundial. Muitos garotos, hoje, não desejam ser grandes futebolistas, mas o Ronaldinho, com seus contratos, mulheres e fama", nota Kátia. "Para um sujeito habilidoso, o esporte acaba sendo uma das poucas oportunidades de ascensão social no mundo contemporâneo", avalia. No Brasil, para tanto é preciso superar o acesso difícil aos equipamentos públicos e privados, locais ideais para o desenvolvimento das atividades esportivas. "Não é de estranhar que justamente no atletismo, modalidade que não requer nenhum equipamento especial, se concentre o grupo de indivíduos de origem mais pobre e que também trouxe o maior número de medalhas para o 84 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

país." A entrada de grandes empresas patrocinadoras ampliou a condição de espetáculo dos jogos e, por aqui, foi um modelo rapidamente assimilado pelo voleibol. "Para outras modalidades esse modelo ainda busca fórmulas e identidade, prevalecendo uma prática amadora no gerenciamento do esporte, o que leva ao improviso e a crenças fantasiosas nos momentos que antecedem as grandes competições", diz Kátia. Ou seja, falta ao esporte brasileiro um planejamento de longo prazo, fundamental para criar atletas.

Essa falta de organização se refletiu, por anos, na incapacidade de se massificar junto à população o esporte olímpico brasileiro. "Embora modalidades como o basquete masculino fosse bicampeão mundial na década de 1960, conquistasse três medalhas de bronze olímpicas e fosse a segunda modalidade mais praticada e prestigiada no Brasil, políticas institucionais e incapacidade de gerenciamento tiraram a seleção brasileira das duas últimas edições dos Jogos Olímpicos", observa a pesquisadora. "Isso afugenta a mídia, que passa


a não mais prestigiar a modalidade, que deixa de ser divulgada e, logo, leva menos pessoas a se interessar por ela, em uma espiral inversa." Assim, nota Kátia, o esporte brasileiro sobrevive mais de esforços individuais do que de políticas que favoreçam o surgimento e sustentação de atletas vitoriosos. "Por isso, as empresas patrocinadoras são hoje o mal necessário do esporte. O problema é o limite a que essa relação pode chegar. Há casos em que não se tem clareza até onde é domínio do técnico e até onde é domínio da empresa. Assistimos a campeonatos com calendários e horários inaceitáveis 0 PROJETO Do atleta à instituição esportiva: o imaginário esportivo brasileiro MODALIDADE Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADORA KáTIA RUBIO-EEFE/USP

INVESTIMENTO R$ 60.450,03 (FAPESP)

Cenas das Olimpíadas de 2004, em Atenas: mídia faz com que atletas lutem menos pelo esporte e mais pelo dinheiro e pela fama

do ponto de vista da fisiologia do atleta, mas altamente rentável para as empresas", afirma. "É hora de uma avaliação não apenas técnica dessa situação, mas também ética sobre o espetáculo esportivo." Em meio a tudo isso, o atleta ainda tem que enfrentar o estigma da derrota. "Embora seja uma das condições do esporte e uma situação inevitável para o esportista, a derrota, no Ocidente, passou a representar não estar no topo, no lugar de maior destaque, de projeção para outros saltos. Ou seja, é a som-

bra da sociedade contemporânea", observa. "Os desdobramentos disso levam a situações extremas em que feitos dignos de destaque são depreciados por aqueles que sabem de seu valor. É o caso das medalhas de prata e bronze que perdem valor por serem consideradas derrotas, e não conquistas. A medalha passa a ser a afirmação de impotência, embora seja o privilégio de um grupo extremamente restrito de pessoas que habitam o planeta." Mas há os Vanderlei Cordeiro. Para eles, prata e bronze valem ouro. • PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 85


I HUMANIDADES

LITERATURA

Libertário itinerante Em dois volumes, o total das crônicas de Lima Barreto revela o poder de análise do autor de Policarpo Quaresma

filósofo Walter Benjamin entupiu-se de haxixe para provar que aquela era a fonte da genialidade de Baudelaire. Além da indisposição, descobriu que a droga não lhe dava talento algum. Já o genial Lima Barreto (1881-1922) encharcava-se de parati a ponto de, no trem da Central, aporrinhar os passageiros dizendo-se um grão-duque exilado da Rússia que iria mandar seus desafetos (entre eles o bem-sucedido Machado de Assis) para a Sibéria. Sóbrio era capaz de escrever obras-primas, mesmo no formato efêmero das crônicas, como revelam os dois volumes de Lima Barreto: toda crônica (Editora Agir), com edição de Beatriz Resende, reunião de seus escritos para "jornalecos", de 1890 até sua morte, em 1922. Algo, porém, reúne os dois escritores. "Nas crônicas de Lima temos registro da 'história dos vencidos', para usar a expressão de Benjamin, história construída não por vozes oficiais, mas por aqueles que não tinham voz própria. São a voz de alguém à margem, de um membro da marginália, fora do eixo, do poder, bagatelas que foram esta história, testemunhos do cotidiano carioca dos primeiros anos da República e referências de uma vida literária que não consta das 'histórias da literatura brasileira"', fala Beatriz. "Completando o que já fizera com seus romances, colo86 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

ca a vida dos subúrbios, da baixa classe média e do operariado como tema dos comentários diários que só a crônica é capaz de suscitar." Nos textos jornalísticos, pregará o anarquismo, o bolchevismo, a crítica à "voracidade insaciável dos políticos de São Paulo, cujo desenvolvimento econômico é guiado pela seguinte lei: tornar mais ricos os ricos e fazer mais pobres os pobres", como escreveu numa de suas crônicas. Acima de tudo, defenderá, um pioneiro, o direito de todos à cidadania. "Ele tinha grande confiança nas mudanças sociais e uma espécie de fé num mundo melhor. Não tinha nenhum medo e não fazia concessões aos poderosos, optando por dizer o que pensava, relatar o que via, combater pelos excluídos e dar voz aos marginalizados", explica a organizadora. "Não sou patriota, querendo mesmo o enfraquecimento do sentimento de pátria, sentimento exclusivista e mesmo agressivo, para permitir o fortalecimento de um maior, que abrangesse, com a Terra, toda a espécie humana", escreve em meio ao ufanismo de 1914. Sintomaticamente, o homem que sonhava com a união de todos era um pária e foi essa condição que o levou à crônica. Após as alfinetadas feitas a Edmundo Bittencourt, dono do Correio da Manhã, em Recordações do escrivão Isaías Caminha, os grandes jornais cariocas fecham as portas aos seus textos. "É esta exclusão que irá determinar sua vida como cronista, garantindo sua in-



dependência e tornando-o um especial intérprete da cidade, imune à freqüente cooptação que ocorria com os intelectuais", explica Beatriz. Sobrará a ele a imprensa alternativa, que lhe dará liberdade de forma e conteúdo. Enquanto a República era inundada por elogios de literatos e intelectuais, Lima, ao lado de Euclides da Cunha, teve coragem de ser a voz distoante, o desmancha-prazeres do novo regime. "Poucas vezes a criação literária esteve tão presa à própria epiderme da história tout courf, nota Nicolau Sevcenko, um dos primeiros a reconhecer o caráter de "missão" da obra do escritor. "Vale notar que assumiu essa luta que toma a literatura como arma num tempo em que seus contemporâneos não poderiam aceitar um autor tomado assim por uma 'missão'. Lima confiou no futuro e, assim, mesmo 80 anos após escritas, a leitura de suas crônicas revela a persistência de vários dos problemas apontados por ele no Rio e no país, desde os temas como o racismo, o favor como forma de acesso a postos políticos até a violência cotidiana contra as mulheres", lembra a organizadora. O grande crítico da República era, ele mesmo, um republicano de primeira hora e de carteirinha. Afinal, para Lima, o novo regime significaria a construção de uma sociedade mais igualitária que repararia os horrores gerados pelo colonialismo e pela escravidão imperiais. Para ele, o movimento era sinônimo de um país com homens e mulheres em igualdade. Dolorosamente, Lima descobriu que a novidade política podia ser mais repressiva e reacionária do que a monarquia conservadora e arcaica de que o país se livrara. Em particular, odiava o nacionalismo ufanista e cego que tomara conta dos intelectuais da Primeira República, criticando com veemência o patriotismo. Numa crônica inédita, publicada pela primeira vez nesta coletânea, e batizada de A minha Alemanha (escrita em 1919, no pós-guerra imediato), declara: "Não sou nacionalista". Frase temerária para aqueles dias de entusiasmo. "Só hoje, com o debate em torno dos perigos do nacionalismo excludente e do fundamentalismo, é que podemos compreender completamente a frase", nota Beatriz. "Alemães, negros, caboclos, italianos, portugueses, 88 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP109

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OBSERVAÇÃO — Estado actual do doente

Prontuário clínico de sua internação no hospício: literatura deixa de ser missão para virar salvação

gregos e vagabundos, nós todos somos homens e nos devemos entender na vasta e ampla terra do Brasil", é como termina a crônica proibida. Ainda mais ousada é outra crônica, escrita em 1918, inspirada na vitória bolchevique russa, em que se professa "contra a voracidade insaciável dos políticos de São Paulo, contra o aumento de impostos, contra a propriedade imóvel, contra o capital imobilizado que não concorre para a riqueza do país", dizendo-se a favor do "confisco dos bens de certas ordens religiosas, do divórcio e do direito de as mulheres soberanamente disporem de seus bens". No fim do texto outra "bomba": "Ave Rússia!" Se nos romances faz a paródia da história oficial do momento, nas crônicas Lima Barreto pretende "fazer história", mudar a cidade e o país. E tem a cora-

gem de o fazer usando um "gênero menor" como a crônica. "O cronista é um artista perseguido por chronos, acuado pela necessidade de seguir sempre adiante, sem tempo de ficar olhando para trás. Essas contingências levam à opção por uma coloquialidade agradável, que faz do leitor um cúmplice. Daí as imperfeições, eventuais incorreções e a presença de contradições", nota Beatriz. Entre elas, o desprezo pelo feminismo e o protesto contra os "matadores de mulheres". Em As mulheres na academia, ironiza: "Essa academia deve ser composta só de mulheres e ela não deve ter mais biblioteca, arquivo, nem cousas parecidas. O que ela deve ter são jóias montadas, alfinetes e grampos para chapéus. Dessa forma, ela pode muito concorrer para o progresso das letras pátrias". As sufra-


Cena do filme Policarpo Quaresma: nas crônicas e nos romances, escritor desafiava ufanismo republicano

gistas e a feminista Bertha Lutz são igualmente vítimas de seu veneno. O mesmo homem é capaz de uma defesa enfática das mulheres, numa crônica de 1915, em que, comentando crimes passionais ocorridos na capital federal, tenta "convencer os homens de que eles não têm sobre as mulheres outro domínio que não aquele que venha da afeição. Deixem as mulheres amar à vontade. Não as matem, pelo amor de Deus!". São dignas de nota, pela curiosidade, suas crônicas em que revela sua aversão pelo football. "O papel do football é, repito, causar dissensões no seio da nossa vida nacional. É a sua alta função social. Os maiores déspotas e os mais cruéis selvagens martirizam, torturam as suas vítimas, mas as matam afinal. Matem logo os de cor. E viva o football, que tem dado tantos homens eminentes ao Brasil. Viva!" "Dos princípios anarquistas da juventude, guarda a implicância com o football, naquele momento esporte de elite, que excluía os negros de seus times ou disfarçava a cor escura com pó-de-arroz, e com o Carnaval, as duas práticas consideradas 'ópios do povo"', explica Beatriz. Em 1921, na contramão, já era antiamericano. "Outro produto descoberto pelo senhor Hernández, como dissemos, é o chicle ou goma de mascar,

cujo consumo se verifica em larga escala na América do Norte. Eis como são as cousas: com a árvore que fornece material para isolar cabos submarinos, vamos ganhar dinheiro; e, ainda por cima, podemos fornecer aos americanos goma para fabricar confeitos com que lhes adocem a boca e 'cavemnos algum.'" Irritou-se, no fim da vida, com os modernistas paulistas, a quem julgava imitadores do futurismo de Marinetti, que, dizia, conhecia de longa data. "Recebi uma revista de São Paulo que se intitula Klaxon. Em começo, pensei que se tratasse de propaganda de alguma marca de automóvel. Foi então que descobri que se tratava de uma revista de Arte, de Arte transcendente, destinada a revolucionar a literatura nacional e de outros países, inclusive a Judéia e a Bessarábia." Em troca, os modernos se recusaram a lhe dar um lugar de direito como modernista. Mas as ironias tiveram um preço pesado e humilhante, que se pode ler em outro lançamento de escritos de Lima, O cemitério dos vivos, da

coleção Biblioteca Invisível da Editora Planeta, que reúne O diário do hospício, narrativa personalíssima de sua internação numa instituição mental, e o romance inacabado O cemitério dos vivos, iniciado durante o seu segundo internamente, no Natal de 1919. "Perfeitamente orientado no tempo, lugar e meio, confessa desde logo fazer uso, em larga escala, de parati; compreende ser um vício muito prejudicial, porém, apesar de enormes esforços, não consegue deixar a bebida. Indivíduo de cultura intelectual, diz-se escritor, tendo já quatro romances editados", anotam em seu prontuário. Por três dias fica trancado no pavilhão dos indigentes, com capacidade para 200 internos, mas habitado pelo dobro disso. Sofre horrores nas mãos dos enfermeiros. "Ele me fez baldear a varanda, lavar o banheiro, onde me deu um excelente banho de ducha de chicote. Todos estávamos nus e eu tive muito pudor. Eu me lembrei do banho de vapor de Dostoiévski na Casa dos mortos. Chorei, mas me lembrei de Cervantes e de Dostoiévski, que pior deveriam ter sofrido." Escreve, então, em folhas de almaço, de início suas experiências biográficas e, depois, um romance. A literatura deixa de ser missão para virar tábua de salvação. Escrever se transforma numa maneira de se manter são, de não sucumbir à humilhação e manter a cidadania e a identidade de escritor. No romance, atos falhos: por duas vezes ao falar do personagem, Vicente Mascarenhas, um fucionário público bêbado e frustrado, usa o próprio nome. Mais uma vez ele e Benjamin cruzam caminhos. Narrar passa a ser viver a experiência, forma de passar de participante a observador, sem perder a capacidade de comunicar a Erfahrung. Como observa Arnoni Prado, era o fim do "libertário itine- s rante que o destino apagou sob | a barbárie dos trópicos". • i CARLOS HAAG PESQUISA FAPESP109 ■ MARçO DE 2005 ■ 89


I HUMANIDADES

URBANISMO

no fim da pista Simulador leva em conta a personalidade dos motoristas para controlar o tráfego FABRíCIO MARQUES

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forte conexão entre homens e automóveis indica que os congestionamentos de trânsito vieram para ficar. Mas há pesquisadores que acreditam ser possível ordenar o caos no tráfego das grandes cidades com a ajuda da inteligência artificial. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o grupo da pesquisadora Ana Lúcia Bazzan, professora do Instituto de Informática, desenvolveu um simulador de tráfego utilizando um software livre, que será colocado à disposição de prefeituras e da comunidade acadêmica. A tecnologia está sendo testada em Porto Alegre. Alguns dados sobre o trânsito da cidade - topografia e contagem de veículos - foram usados para testar a ferramenta. Primeiro se coletam dados, como o fluxo de automóveis, o traçado das pistas e a localização de semáforos, assim como seus planos de operação. O trabalho do simulador depende, em primeiro lugar, de selecionar elementos de pontos específicos e calcular qual é a distribuição de veículos na malha viária. Isso não é novidade: muitos municípios dispõem de instrumentos para obter tais informações. O passo seguinte é utilizar recursos da inteligência artificial, úteis tanto para coordenar os semáforos de acordo com o fluxo as conhecidas "ondas verdes" - como para identificar os modelos de tomada de decisão que os motoristas utilizam e levá-los em conta na hora de prever o tráfego. É a parte mais complicada, uma vez que os condutores não se comportam todos do mesmo modo,

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como supõem muitos dos sistemas comerciais disponíveis. Os modelos de simulação e controle utilizados em grandes cidades não levam isso em conta. "Analisam, em geral, apenas os veículos em movimento, e não os seres humanos que os conduzem. Isso porque os modelos existentes costumam ser muito pesados para fazer simulações desse nível em tempo real", diz Ana Lúcia. Sistemas de controle de tráfego em tempo real existem desde a década de 1970, mas só recentemente a redução dos custos permitiu sua disseminação. No Brasil, os avanços da última década foram alcançados com sistemas caros e importados, como os das cidades de São Paulo e Fortaleza. Teoria dos jogos - As pesquisas de que Ana Lúcia participou na Alemanha entre 1999 e 2002 foram a chave para compreender essa equação. Graças a uma parceria entre a UFRGS e o Instituto de Física da Universidade de Duisburg-Essen, no âmbito do projeto Simulation of Social Agents in Traffic (Sociat), Ana Lúcia uniu-se ao grupo do professor M. Schreckenberg, co-autor de um modelo de microssimulação de trânsito, para introduzir a variável do comportamento dos motoristas nesse modelo. A colaboração envolveu vários projetos. Na Alemanha surgiu o projeto tripartite Survive, que teve a participação de Reinhard Selten, da Universidade de Bonn, vencedor do Nobel em 1994 por sua contribuição na área de teoria dos jogos. O projeto conduziu experimentos com cobaias humanas em situações de escolha de rota com o objetivo de extrair padrões de comportamento. O resultado, além


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do desenvolvimento do simulador, contemplou o estudo de diversos tipos de personalidade dos motoristas no cenário de escolha de rota. No Brasil surgiu o Sistema Integrado de Simulação, Controle e Otimização de Tráfego (Siscot), projeto voltado para desenvolver a infraestrutura básica de simulação, prevendo a extensão das regras do autômato para acomodar motoristas de diversos tipos. A partir de 2003, com o fim do Siscot, as atividades continuaram no Sistema de Informação e Controle para Mobilidade Urbana (SincMobil), coordenado por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina. O Sociat, o Siscot e o SincMobil foram apoiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o CNPq. A tecnologia vem sendo utilizada com sucesso na previsão de engarrafamentos em auto-estradas da Alemanha, nos arredores da cidade de Colônia. Os engenheiros de tráfego costumam classificar as condições de tráfego em categorias como fluido, congestionado e um estágio intermediário conhecido como fluxo sincronizado. A novidade no modelo foi considerar as nuances de personalidade, que incluem desde motoristas agressivos, que mudam constantemente de faixa, até aqueles excessivamente defensivos ou que freiam por qualquer motivo - acelerações e desacelerações, como se sabe, interferem na fluidez. O modelo inclui a variável de comportamento em seus cálculos e isso é feito por meio de tecnologias da área de agentes e sistemas multiagentes - campo da inteligência artificial que busca, entre outras coisas, coordenar agentes autônomos que possuem conhecimento e perícia limitados. No caso do modelo de simulação, os agentes são tanto os motoristas quanto outros elementos do cenário - em particular os semáforos que devem ser coordenados para formar ondas verdes ou outras formas de controle. Esses modelos funcionam tanto em áreas urbanas quanto em auto-estradas. Em rodovias, como não há semáforos, o objetivo é não tanto o controle mas sim a previsão: o sistema em Colô92 ■ MARÇO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 109

nia informa pela internet as condições de tráfego na próxima hora com 90% de acerto. A experiência começa a ser vítima do próprio sucesso. Como milhares de pessoas visitam o site todos os dias, notam-se mudanças no padrão do comportamento dos motoristas, com risco de comprometer as previsões.

ssa é a principal limitação de qualquer sistema de ordenamento de trânsito. "Eles param de dar certo quando alguém tenta burlá-los", diz Ana Lúcia. "É aquela história dos engarrafamentos nas estradas na madrugada da véspera de um feriado, porque muitos motoristas tiveram uma mesma idéia na esperança de fugir do engarrafamento no dia seguinte", ela afirma. Desde a década de 1970, as emissoras de rádio começaram a prestar informações sobre o trânsito para os motoristas. Com todos tendo acesso à mesma informação, sua capacidade de ajudar foi sendo neutralizada. O número cada vez maior de carros, que é a origem dos problemas de trânsito, neutralizou grandes reformas viárias nas metrópoles feitas entre os anos 1960 e 1980 e conspira contra a eficiência de qualquer tentativa de ordenamento. A frota nacional de automóveis é estimada em 29 milhões de veículos. Em 1970 era de 3,1 milhões. Multidisciplinar - "No universo urbano ou nas estradas, um sistema absolutamente impessoal de sinalizações só pode operar eficientemente se os seus usuários seguem a norma da igualdade perante a lei e, com isso, respeitam os movimentos uns dos outros. A gramática do trânsito, como toda regra fundada no individualismo igualitário, é um código que privilegia o direito de quem chega primeiro", observou o antropólogo Roberto da Matta, no artigo "Trânsito, igualdade e hierarquia" publicado no jornal O Estado de S. Paulo. Para Da Matta, os índices de morte no trânsito no país resultam, em boa medida, de um costume nacional de desa-

fiar essas regras. "No Brasil, obedecer às regras nessa competição cotidiana é algo incômodo e quase sempre ofensivo." Este comportamento agressivo, que não é exclusividade brasileira, vem sendo levado em conta. É por isso que o trânsito é tratado como questão multidisciplinar. Principalmente na Europa, diversas medidas têm sido propostas sob a forma de sistemas inteligentes de transporte (ITS ou Intelligent Transportation Systems) e sistemas avançados de informação ao usuário (Atis ou Advanced Traveler Information System). "Eles buscam fornecer ao usuário de sistemas de transporte informações dinâmicas a respeito de rotas, estacionamentos, acidentes, o que ajudaria a diminuir os congestionamentos e a agressividade", diz Ana Lúcia. "Estas medidas se somam aos métodos tradicionais com os quais o engenheiro de transporte já vem lidando, mas não dispensam uma equipe multidisciplinar como a do projeto Survive, em que físicos, cientistas da computação e economistas ligados à área de comportamento individual atuaram juntos para lidar com a questão de escolha de rota." Código aberto - O intercâmbio entre Brasil e Alemanha rendeu outros frutos, como a vinda de pesquisadores do grupo do professor Schreckenberg e da Universidade de Würzburg ao Brasil, uma tese de doutoramento na Alemanha e duas dissertações de mestrado por alunos da UFRGS. Estes últimos estão iniciando o doutorado neste semestre - uma aluna na UFRGS e outro na Alemanha. O simulador está sendo licenciado como código aberto para distribuição a outros grupos de pesquisa. Graduada na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, mestre em ciência da computação pela UFRGS e doutora na área de sistemas multiagentes pela Universitãt Karlsruhe, da Alemanha, Ana Lúcia lamenta que não existam, fora da engenharia, muitos pesquisadores no país interessados nesse campo do conhecimento. "Pouca gente das áreas de psicologia e sociologia se interessa pelo assunto", diz Ana Lúcia, que trabalha também com outras aplicações de inteligência artificial e sistemas multiagentes, como em bioinformática, para anotação de genomas. •


I HUMANIDADES HISTORIA

A modernidade fantasma Fotógrafo da Madeira-Mamoré é a novidade do relançamento de livro sobre a "ferrovia da morte"

onge de ser um livro narrativo sobre o drama da construção da ferrovia Madeira-Mamoré, tema da atual minissérie da TV Globo, o Trem-fantasma, estudo de Francisco Foot Hardman, é um belo e poético (mesmo na sua linguagem, em geral, pouco "acadêmica") exemplo do esforço de sua geração intelectual em mudar os rumos do fazer história dentro das universidades. Antes de ser um livro de história, é sobretudo um estudo literário sobre o imaginário nacional e mundial sobre a força do progresso diante da natureza. Um grupo de pesquisadores resolveu recuperar o "apagamento de rastros" efetivado pela cultura brasileira em eventos importantes, como a funesta ferrovia que, entre 1907 e 1912, mobilizou 20 mil trabalhadores de diversos países e custou a vida, inutilmente, de 6 mil dentre eles. O que se pretendia era a ligação entre a Amazônia e uma região da Bolívia, rica em látex. Era o desejo de construir um acesso ao oceano Atlântico e competir com o canal do Panamá. Plena de contratos comerciais duvidosos que resultou num fracasso estrondoso, a Madeira-Mamoré foi convenientemente esquecida pelas elites, apesar do tamanho da saga. Hardman, professor de teoria e história literária da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), viu nela o exemplo perfeito da nova historiografia que ele e seus colegas desejavam implementar. Com sucesso. O livro

Foto de Dana Merrill, de 1910, mostra deslizamento durante a construção da chamada Ferrovia da Morte

inicia-se com uma análise sobre a ligação entre progresso e espetáculo, refletida, em especial, nas ferrovias, com seus trens soltando vapor e civilizando o mundo, levando a modernidade para todos os recantos. Não sem razão, o primeiro filme dos Tumiére mostrava a chegada de um trem. Era ele, ao lado dos navios, o responsável por espalhar pelo globo a chance do consumo de mercadorias. O cenário ideal dessa nova mentalidade, diz Hardman, foram as exposições universais, inclusive as brasileiras, prova inconteste da reunião entre progresso e espetáculo para as massas. Nelas também se dizimavam, com elegância, as culturas "menos avançadas", que deveriam ser renovadas pela moder-

nidade. Nesse modelo, o pesquisador afirma que o mesmo princípio de "vertigem fantasmagórica" afetava o homem nas cidades e nas selvas, o meio natural a ser domado. A atualidade do estudo repousa sobretudo na permanência do modelo de ocupação predatória do país, cujo resultado é uma unidade imaginária da nação, vista pelo pesquisador como uma comédia ideológica restrita a uma minoria da população. Revisado, o livro, dos anos 1980, traz um capítulo novo (em verdade, um artigo de 1988) sobre o fotógrafo Dana Merrill, responsável pelas fotos dramáticas da ferrovia. • CARLOS HAAG PESQUISA FAPESP109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 93


RESENHA

Gigantes da gravitação Livro organizado por Stephen Hawking traz clássicos da física mento dos projéteis. A partir da página 220, podemse acompanhar os arguDe tão pesado, esmentos de Salviati de que te é um livro que no movimento dos corpos distorce o espaem queda "sua velocidade ço à sua volta. Para en[accelerazione] continue a autender por que, bastaria Organizado por Stephen Hawking mentar na mesma medida ler os dificílimos artigos que o tempo", e não, como de Einstein presentes no Campus / Elsevier crê seus dois interlocutores, livro, escritos sobre os 1.056 páginas / R$ 175,00 que "sua velocidade aumenta ombros da obra de Newem proporção com o espaço ton (e Maxwell), que por percorrido" {pág. 226). sua vez partiu de GaliNa tradução de Johannes Kepler, apenas uma leu e Kepler, que estavam sobre os ombros de Coparte do Harmonias do mundo (1618) é apresenpérnico. tada, ao passo que a edição em inglês traz também Stephen Hawking, o famoso astrofísico inglês duas outras obras importantes de Kepler. Na vere sucesso editorial, assina a organização da obra e são em português, faltam várias figuras e trechos os bem escritos esboços biográficos. Apesar da falsão suprimidos. O texto é fascinante por misturar ta de explicações na maioria dos textos e de algunumerologia, análise musical e astronomia. Em mas partes mal traduzidas, a edição brasileira coormeio a essa sinfonia de idéias, Kepler apresenta o denada pelo físico Marco Moriconi é uma boa que seria posteriormente chamado de sua terceira compra para quem quiser decorar sua estante com lei: "A razão que existe entre os períodos de quaisclássicos da ciência moderna. Porém, nenhuma quer dois planetas é precisamente a razão da poinformação é dada sobre as edições que serviram tência de 3/2 das distâncias médias, ou seja, das de base para a tradução: talvez a editora Elsevier próprias esferas" (pág. 357). Brasil possa corrigir esta deficiência quando lanA tradução menos confiável é a do fundamental çar a versão resumida e ilustrada do livro, o IllusPrincípios matemáticos de filosofia natural (1687), trated On the Shoulders ofGiants. de Isaac Newton. Há erros de tradução, de transNo livro de Nicolau Copérnico (1543), a introcrição de fórmulas e omissões de texto. Um trecho dução feita pelo teólogo Andreas Osiander é fanotável está no escólio geral adicionado em 1713, mosa por apresentar uma visão "instrumentalisem que afirma que "não faço nenhuma hipótese; ta" da teoria copernicana. Com respeito às teses [...] e hipóteses, sejam metafísicas ou físicas, sejam associadas ao movimento da Terra em torno do de qualidades ocultas ou mecânicas, não têm neSol, "não é necessário que essas hipóteses sejam nhum lugar na filosofia experimental" (pág. 908). verdadeiras, ou mesmo que haja grande probabiHá uma boa tradução do Livro I do Principia relidade de que o sejam; basta que elas forneçam lançada pela Edusp, em 2002. um cálculo adequado às observações" (pág. 9). O A parte final do volume apresenta sete artigos Livro I de Copérnico é bem escrito e sua primeira bastante difíceis, escritos por Albert Einstein entre metade pode ser lida sem muita dificuldade. O 1905 e 1919, sobre as teorias da relatividade restrirestante da obra foi omitido, mas há uma traduta e geral. O começo de seu primeiro artigo mosção integral sob o título Revoluções dos orbes celestra seus dois geniais postulados, o da relatividade tes, lançada em Portugal em 1984 pela Fundação e o de que a velocidade da luz independe do moGulbenkian. vimento da fonte (pág. 920). O melhor resumo de O título do livro de Galileu Galilei (1638), Diásuas teorias, em meio ao mar de tensores matemálogo sobre duas novas ciências, deveria ser traduziticos, começa na página 959. do como Discursos, como na versão brasileira feita por L. & RR. Mariconda diretamente do original italiano. As duas ciências mencionadas são a resisOSVALDO PESSOA JR. é professor do Depto. de Filosofia tência dos materiais e a cinemática, que envolve a da USP e trabalha com história e filosofia da ciência. descrição da queda livre dos corpos e do movi-

OSVALDO PESSOA JR.

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Os gênios da ciência: sobre os ombros de gigantes: Copérnico, Galileu, Kepler, Newton e Einstein


LIVROS

Retratos da juventude brasileira

Mário Pedrosa: itinerário crítico Otília Beatriz Arantes Cosac Naify 192 páginas / R$ 48,00

Um livro importante que estava esgotado havia anos e agora volta ao catálogo. Mário Pedrosa foi, sem dúvida, um dos mais importantes críticos de arte do Brasil moderno. O estudo aborda justamente o caráter politizado de suas análises com sua discussão sobre a dimensão social da arte, as disputas sobre arte figurativa e abstrata, suas avaliações sobre os salões de arte e, acima de tudo, suas idéias sobre Brasília, vista por ele como uma síntese de todas as artes. Cosacnaify (11) 3218-1444 www.cosacnaify.com.br

0 que é pesquisa em direito? Editora Quartier Latin Vários autores 208 páginas / R$ 45,00

Fruto de um seminário ocorrido em 2002, este livro traz uma reunião de artigos escritos por especialistas no tema. O seu tema é dos mais pertinentes, mas pouco estudado: a pesquisa em direito. No bojo das discussões, uma reflexão sobre o formalismo jurídico, sobre o sentido do ensino meramente profissionalizante e sobre a pesquisa jurídica limitada apenas a aspectos de decibilidade. Editora Quartier Latin (11) 3101-5780 www.quartierlatin.art.br

Linhas de montagem Antônio Luigi Negro Boitempo Editorial / FAPESP 332 páginas / R$ 39,00

BRASILEIRA Análises de uma pesquisa racicraí

Helena Wendel Abramo e Pedro Martoni Branco (organizadores) Editora Fundação Perseu Abramo 448 páginas / R$ 44,00

O livro é o segundo volume do Projeto Juventude, dando continuidade à pesquisa levantada em Juventude e sociedade, primeiro tomo do estudo. Neste novo vemos a relação de aspectos diferentes da realidade dos jovens colocados em confronto com seus valores e opiniões. Dessa maneira, o leitor toma contato com o pensamento do jovem brasileiro do presente, onde mora, o que faz, como usa seu lazer, o que acha da política, do trabalho e da educação, entre outros tópicos. As análises são feitas por Paul Singer, Paulo Carrano, Nadya Guimarães etc. Editora Fundação Perseu Abramo (11) 5571-4299 www.fpabramo.org.br

Ensaios sobre o capitalismo no século XX Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo Editora Unesp 240 páginas / R$ 25,00

Reunião de vários artigos publicados pelo economista na imprensa nos últimos anos. Dividido em quatro partes (inflexões na história do capitalismo, reflexões sobre as reformas recentes do sistema, notas sobre seus críticos e mesmo artigos sobre futebol), o livro é uma boa forma de entender debates atuais. Editora Unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.br

Bruxaria e história: as práticas mágicas no Ocidente cristão

Partindo de um estudo de caso, a fábrica Willys-Overland, o pesquisador traz uma importante contribuição a como o Brasil foi se construindo como uma nação industrial. A análise parte do pós-guerra, com o dilema da substituição de importações, e se estende até as célebres greves do ABC, em 1978. Segundo Negro, a modernidade empresarial se baseava em atitudes arcaicas que pretendiam tolher os esforços de criação de um sindicalismo independente, nos moldes internacionais. Para o autor, as conquistas operárias foram fruto exclusivo de sua luta interna nas fábricas.

As bruxas e suas artes vistas pelo prisma acadêmico e explicadas nas suas raízes. O professor titular de história medieval da USP revela como essas práticas mágicas foram um fator de equilíbrio mental que aliviava as angústias sentidas por um mundo dividido entre a existência e o possível. Segundo o autor, as bruxas são execradas por uma sociedade que projeta sobre elas as desgraças coletivas.

Boitempo Editorial (11) 3875-7250 www.boitempo.com

Edusc (14) 3235-7111 e-mail:edusc@edusc.com.br

Carlos Roberto Figueiredo Nogueira Edusc 312 páginas / R$ 41,00

PESQUISA FAPESP 109 ■ MARÇO DE 2005 ■ 95


Manchas roxas com bordas verdes RODRIGO LACERDA

Na cabine dos pesquisadores, fui apresentado a todos e tive direito a uma aula rápida sobre os equipamentos disponíveis. O voluntário n° 7 apareceu em seguida. Manuseava cuidadosamente o envelope com as duas fotos solicitadas: a da moça por quem estava apaixonado e outra, de uma amiga. Fazia parte da experiência. Todos os voluntários recrutados, lá mesmo no campus, atenderam devidamente ao único pré-requisito, o de sentirem-se apaixonados. Apenas um dera negativo, o do quinto voluntário. E só o n° 7 fez jus àquela nova rodada. O Instituto Tecnológico reservara uma de suas novas salas para o projeto. Uma parede envidraçada dividia o espaço. Equipamentos maiores, tomógrafo inclusive, de um lado, e, do outro, na tal cabine, os dois técnicos, três cientistas, eu, e ainda mais equipamentos. O n° 7 foi recebido com descontração. Todos agradeceram por haver aceito um segundo teste. Ele entregou o envelope a um neurologista, que o repassou a um dos técnicos. Outro neurologista acompanhou o n° 7 até a mesa, onde ele deitou meio sem jeito, precisando relaxar. Enquanto outro técnico posicionava o scanner ao redor de sua cabeça, fomos para a cabine. De lá, as máquinas foram acionadas. No monitor principal, apareceu um cérebro 3-D, girando sobre fundo preto. As luzes baixaram, lentamente. Pelo sistema de comunicação, os neurologistas prepararam o n° 7 para as preliminares. Deram a partida no gravador e nas duas câmeras de vídeo. Peguei lápis e papel. Ele repetiu sua história, a da namorada e a do namoro. Então, após uma ligeira pausa, acendeu diante dele a fotografia de sua amiga. Os cientistas perguntaram sobre a garota, sobre o que sentia por ela. Havia premeditação na ordem em que as imagens lhe seriam projetadas. A resposta do n° 7 foi morna. A julgar pela reação dos neurologistas, sua namorada teria gostado do que apareceu em nosso monitor. Eu, o que vi, foram manchas pálidas sobre o cérebro digital. O rosto da namorada do n° 7 chegou num retrato simples; cabeça, pescoço, ombros. Nenhuma sugestão 96 ■ MARÇO DE 2005 • PESQUISA FAPESP109

mais forte. A beleza dos traços por excelência; um sorriso, um olhar alongado, um pescoço esguio, ombros largos e suaves ao mesmo tempo. À flor da pele, os aparelhos registraram uma sutil transpiração no n° 7. Então, bem no meio daquele cérebro real e virtual ao mesmo tempo, quatro pequenas áreas se iluminaram. — Confirmado: amor à primeira vista — disse um pesquisador. Embora fosse piada, me pareceu a conclusão lógica. Os neurocientistas, em seguida, estimulariam o n° 7 a pensar em sua namorada, nos momentos que tiveram juntos, nos prazeres comuns. E com isso aqueles sinais, sem dúvida, se transformaram em evidências. Mas o registro da atividade cerebral já tinha se alterado na largada. Foi o rosto dela aparecer. Um segundo neurologista observou que a parte responsável pela visão, o "cérebro visual", não havia se iluminado. Aparentemente não sentia, apenas repassava as informações às tais quatro áreas iluminadas, o "cérebro emotivo". O terceiro neurologista, e autor do convite para eu estar ali, apontando outra área apagada no cérebro do monitor, disse: — De novo algumas regiões do desejo sexual não se alteraram. — Quer dizer que ele não sente desejo pela garota? — perguntei, espantado. — Quer dizer que o cérebro distingue, sim, o amor romântico do desejo sexual... Olhei incrédulo. Isso era uma novidade? — ... mas não inteiramente — completou. — Essas áreas aqui também se ligam ao desejo sexual, e estão ativadas. É um equilíbrio que pode variar. — A voluntária n° 3 teve todas as áreas ligadas ao sexo ativadas... — comentou outro neurologista. — Já o n° 4, além das áreas do amor romântico, teve a metade direita do cérebro tão ativada quanto a esquerda — disse outro ainda. Os pesquisadores riram. — Pau pequeno. Ou pai autoritário. Ou os dois — divertiram-se todos.


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Não entendi. Por um instante, fiquei perdido. — O lado direito do cérebro está mais ligado às situações negativas. Entre elas, o medo — explicou o neurologista amigo. Olhei de novo para o menino do outro lado do vidro. E se fosse eu deitado ali? Eu, pensando na minha mulher? Sem racionalizar, com meu próprio órgão da razão me expondo completamente? No monitor, o cérebro 3-D evoluía nos ângulos de interesse. Descobrimos novas manchas iluminadas, na altura da testa do n° 7. Ao que parece, onde fica a estrutura cerebral que nos ajuda a reconhecer nossas emoções e as dos outros. Uma espécie de classificador de sentimentos. As manchas cresceram mais, e suas cores ganharam força. Eram roxas com bordas verdes. Entendi de repente o que meu anfitrião tentara me dizer, quando mencionou que o cérebro do n° 7 separava amor de estímulo sexual. Era o contrário do suposto. Não os separava para manipulá-los, e sim porque nele o amor romântico predominava. Nele, a iluminação das áreas ligadas ao sexo era parcial, até residual. No primeiro teste, os cientistas hesitaram em aceitar semelhante diagnóstico, que lhes soou inverossímil. Daí a segunda rodada. Tive sentimentos dúbios em relação ao menino. Tentei lembrar como era a sensação de ter um amor generoso, uma pessoa por quem eu dava tudo, uma pessoa a quem eu, sem piscar, estava disposto a entregar, como entreguei, a melhor parte da minha vida. Talvez, combinando metafísica e psicanálise, materialismo histórico e, dali em diante, a neurociência, eu entendesse meu destino com a mulher que... Cientificamente falando, quando o amor é estimulado, nossa atividade cerebral comporta milhares de variações. E, cientificamente falando também, o amor não existe numa região cerebral única. Ativa sobretudo pequenas áreas bem-definidas, mas conectadas a muitas outras regiões. Depende de um equilíbrio sutil entre pontos ativados e desativados, que varia infinitamente de acordo com cada um.

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Mas existe sim um mapeamento neurológico geral que caracteriza este ou aquele amor, sua composição, nível de intensidade e fusão com o desejo sexual. As máquinas provaram isso. No futuro, psicanalistas, juizes de conciliação e terapeutas conjugais farão tomografias do nosso amor, a partir das quais começará a conversa. É. Beirava o ridículo eu já querer tudo organizado na minha cabeça, na vida. Euzinho, decifrando a natureza sem a bioquímica, a neurociência e a computação. As manchas no monitor, sua infinita variação em cada voluntário, eram um novo caminho. Um enigma científico, que explicava tudo e nada ao mesmo tempo. Mas era a chance de ter uma imagem palpável do sentimento, uma que eu pudesse colocar num envelope, levar de um lado para o outro, mostrar para os amigos, ou mirar com olhos vidrados, em horas escuras e de silêncio. Estávamos na era do visual?, eu queria ver. Atentei de novo para o retrato da namorada do n° 7.0 rosto anguloso, mas feminino, muito feminino, e o olhar de sol nascente. Atentei de novo para o garoto, de sentimentos tão férteis. Nos últimos tempos, ao ver casais se beijando na rua, nos bares, nos clubes, eu os encarava exibindo sua felicidade, a ponto de me tornar inconveniente. Morto de pena do meu espírito hípercrítico. Nem todos os amantes, afinal, viviam querendo explicar a entrega. Eu desconstruíra o sentimento no cotidiano, para tentar prolongá-lo ao máximo. Acho que foi. No entanto, eu já mal conseguia lamentar que meus filhos estivessem crescendo. Nem conseguia imaginar a velhice naquela vida... Não senti inveja do n° 7 e de sua namorada, eu juro; nem raiva, nem ressentimento, nada condenável. Pelo contrário.

35 anos, é escritor. Seu último romance, Vista do Rio (2004), foi publicado pela editora Cosac & Naify.

RODRIGO LACERDA,

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