Inovação em mão dupla

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Movimentação dos centros multinacionais de P&D

a

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Astrônomos procuram um novo Sol

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Institutos • • nacionais sob avaliação

As fotos racistas de um zoólogo


Mais saúde, mais qualidade de vida, mais alegria. É, realmente merece um prêmio .

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e

POSITIVAMENTE


IMAGEM DO MÊS

Queimada

do bem Algumas consequências dos incêndios florestais ainda são pouco conhecidas. Não se sabe exatamente quanto de CO2 é liberado com a queima, como a mata nativa resiste e depois se recompõe e quais as alterações que ocorrem no microclima de uma floresta queimada. Para responder a essas questões, pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) em parceria com o norte-americano Centro de Pesquisa Woods Hole (WHRC, na sigla em inglês) realizaram em agosto uma queimada controlada no nordeste de Mato Grosso. "Queremos entender qual a intensidade e a frequência de incêndios que poderiam causar transformações severas em florestas da Amazônia e utilizar essas informações para gerar cenários futuros para florestas da região", diz Paulo Brando, do Ipam. O experimento foi provocado em 150 hectares de uma floresta de transição entre o Cerrado e a mata amazônica. Parte da área foi mantida intocada, um terço vem sendo queimado anualmente desde 2004 (ver Pesquisa FAPESP nO 103) e outro teve queimadas controladas a cada três anos. Agora, até 2013 os pesquisadores acompanharão a recuperação da floresta. Nas fotos, a maior mostra o início do fogo experimental e a menor o funcionário do Ipam incendiando a borda da floresta.

PESQUISA FAPESP 175 • SETEMBRO DE 2010 • 3


l75

SETEMBRO 2010

SEÇÕES 3 IMAGEM

DO MÊS

CARTAS 7 CARTA DA EDITORA

8

MEMÓRIA

24 ESTRATÉGIAS 46 LABORATÓRIO 68 SCIELO NOTíCIAS LINHA DE PRODUÇÃO 94 RESENHA 95 LIVROS 96 FiCÇÃO 98 CLASSIFICADOS

36 WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR

POLíTICA C1E1YIíFlCA E TECNOLÓGlCA CAPA

30 AVALIAÇÃO

16 Empresas

Simpósio

vai

analisar

multinacionais instalam centros

os primeiros

dos 122 lhstltutos

um trio de físicos se

de P&D no

Nacionais de Ciência e Tecnologia

dedicou a combater

Brasil para ganhar mercado

resultados

36 INTERNACIONALlZAÇÃO ENTREVISTA

Grupo do Instituto

10 Para a romancista Nélida Pifíon,

de Física da Unicamp se destaca por atrair

a imaginação

pesquisadores

impulsiona

de outros países

a

história humana 40 FAPESP lança mão de um conjunto de iniciativas

para tornar

a pesquisa paulista mais competitiva no exterior CAPA

42 MUDANÇAS CLIMÁTICAS

ILUSTRAÇÃO

DANILO

ZAMBONI

Livro mostra como

a ideia do aquecimento global nos EUA

50 ASTROFíSICA Equipes brasileiras identificam estrelas semelhantes ao Sol

54 FíSICA Técnica simples mede propriedade de feixe luminoso útil para a computação

quântica


S6

LECNO~O~G,",-,-IL...LA 64 NUTRIGENÔMICA

56 MEDICINA Especialistas rastreiam no país síndrome genética que

Consórcios internacionais

dão

_

80HISTÓRIA

74 ENGENHARIA FLORESTAL De crescimento

rápido,

corpo a pesquisas

o bambu ganha novas

pode causar

sobre a relação entre

formas e usos no Brasil

sucessivos cânceres

genes e nutrição

61 Infecções e consumo de carne vermelha podem facilitar o surgimento

de tumores

66Z00LOGIA Livro reúne estudos de Paulo Vanzolini,

Exposição e livro trazem à luz fotos polêmicas

feitas

por Louis Agassiz, rival de Darwin

78 ENGENHARIA QUíMICA Como são os novos

autor da teoria

plásticos que têm maior resistência ao impacto

dos refúgios

e menor combustão

86CINEMA Estudo mostra a longa ligação entre a sétima arte e o Estado no Brasil

90 ECONOMIA

62 PARASITOLOGIA Equipe da Unicamp

/:LUMAN1I2A DES-'---_

79 HOMENAGEM

derruba a ideia de que

Alberto

existe uma forma

Castro, conhecedor

branda da malária

do desenvolvimento tecnológico, foi

Pereira de

importante

para o IPT

Governo eletrônico cresce no país, mas estudo aponta carências


rUNDAçÃ.O DE AMPARO À PESQUISADO ESTADODE SÃ.OPAULO

CELSO LAFER PRESIDENTE

EMPRESA QUE APOIA A CIÊNCIA BRASILEIRA

CONSELHO SUPERIOR CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO lAFER PIVA, HERMAN JACOBUS CORNELlS VOORWALD, MARIA JOSÉ SOARES MENDES GIANNINI, JOSÉ DE SOUZA MARTINS, JOSÉ TADEU JORGE, LUIZ GONZAGA BELLUZZO, SEOI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO

CONSELHO TÉCNICO-AOMINISTRATIVO

BiOLAB

RICARDO RENZO BRENTANI DIRETOR PRESIDENTE CARLOS HENRIDUE DE BRITO CRUZ DIRETOR CIENTfFlCO JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO

FARMACÊUTICA

CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENT{nCO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CYLON GONÇALVES DA SILVA, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAOUIM J. DE CAMARGO ENGLER, JOÃO FURTADO, JOSÉ ROBERTO PARRA, uns AUGUSTO BARBOSA CORTH, LUfs FERNANDES lOPEZ. MARIE'ANNE VAN SlUYS, MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERD, RICARDO RENZO BRENTANI, SÉRGIO OUEIROZ, WAGNER 00 AMARAl, WALTER COlll DIRETORA DE REDAÇÃO MARllUCE MOURA

CARTAS

EDITOR CHEFE NElDSON MARCOLlN

cartas@fapesp.br

EDITORES EXECUTIVOS CARLOS HAAG (HUMANIDADES), FABRfcIO MARQUES (POL{T/CA), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA). RICARDO ZORZETTO (C/tNCIA) EDITORES ESPECIAIS CARlOS FIORAVANTI, MARCOS PIVETTA ([D/çÃO

QN-L/N[)

Divulgação

Minilaboratórios

A reportagem sobre a expansão da divulgação científica no Brasil é estimulante (''A ciência compreendida", edição 174). Chamo a atenção para uma experiência editorial especialmente ousada. No início do milênio, Stylianos Tsirakis, brasileiro dono da Odysseus Editora, lançou a série Imortais da ciência. Coordenada por Marcelo Gleiser,cada volume é dedicado a um grande cientista, às vezes dois - Watson e Crick, Schrõdinger e Heisenberg são duplas naturais. Com uma única exceção, todos os textos são redigidos por autores brasileiros.

Parabéns pela reportagem "Laboratório de papel", de Pesquisa FAPESP (edição 174). Os minilaboratórios de análises clínicas são práticos e baratos, ideais para zonas de pobreza por possibilitarem uma maior rapidez no diagnóstico. Também gostei de saber que o professor Georges Whitesides continua pesquisando o assunto. Assim, o acesso à tecnologia nos lugares mais distantes será mais fácil.

EDITORAS ASSISTENTES OINORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES REVISÃO MÁRClO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGO NEGRO EDITORA DE ARTE LAURA DAVINA E MAYUMI OKUYAMA (COORDENAÇAO) ARTE MARIA CECILIA FElU

E JÚLlA CHEREM RODRIGUES

FOTÓGRAFO EDUARDO CESAR WEBMASTER SOlON MACEDONIA SOARES SECRETARIA DA REDAÇÃO ANDRESSA MATlAS COLABORADORES ANA LIMA, ANDRÉ CATOTO. ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), OANIElLE MACIEL, OANllO ZAMBONI, GABRIEL BITAR, GUILHERME LEPCA. FRANCISCO BICUOO. JOSE LIA AGUIAR, LAURABEATRIZ. LEO RAMOS, LUIZ RUFFATO, NANA LAHOZ. NELSON PROVAZI. SALVADOR NOGUEIRA, UVA COSTRIUBA E YURI VASCONCELOS OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRtVIA AUTORIZAÇÃO

PARA FALAR COM A REDAÇÃO (11)3087-4210 cartas@fapesp.br PARA ANUNCIAR (11)3087-4212 mpiliadis~fapesp.br PARA ASSINAR 3038-1434

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SECRETARIA DO ENSINO SUPERIOR GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

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6 • SETEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 175

Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) São Paulo, SP

CARLOS TOMEI

Departamento de Matemática, PUC-Rio Rio de Janeiro, RJ

PESQUISA FAPESP RUA JOAQUIM ANTUNES, NO 727 - 100 ANDAR, CEP 05415-012 PINHEIROS - SÃO PAULO - SP FAPESP RUA PIO XI, NO 1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP

TERESA DALTRO

Ácidos graxos Quero parabenizar Carlos Fioravanti e demais integrantes da revista Pesquisa FAPESPpela reportagem "Insulina e glicose bem reguladas" (edição 173). Além do texto, a apresentação ficou benfeita. RUI CURI

ICB/USP São Paulo, SP

Correção Na reportagem ''A contribuição de São Paulo" (edição 171), onde se lê "O número de cientistas por mil habitantes em São Paulo é cerca de l.100 ...'', leia-se "O número de cientistas por milhão de habitantes em São Paulo é cerca de l.100 ...''.

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mai! cartas@fapesp.br ou para a rua Joaquim Antunes. 727 - 10° andar - CEP 05415·012 - Pinheiros São Paulo. SP. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.


carta da editora

A paixão pela palavra Mariluce Moura - Diretora de Redação

A

o longo da semana de fechamento da revista, enquanto leio todos os textos que logo serão publicados, tarefa intrínseca à minha função, observo também se algum deles me toca de uma forma especial, para além de sua intensidade informativa – de seu peso jornalístico/científico, digamos. E, sem prejuízo das três ou quatro reportagens que necessariamente recomendo neste espaço por sua importância no conjunto da edição, pinço às vezes justo aquele texto que entre outras coisas me provocou alguma ideia nova e muito estimulante ou alguma particular sensação de prazer estético para, de cara, partilhar com o leitor as possibilidades de fruição que ali encontrei. Desta vez, o que se impôs com força à minha sensibilidade (ainda que não só a ela) foi a bela entrevista pingue-pongue da escritora Nélida Piñon concedida ao editor de humanidades, Carlos Haag. Devo dizer que concordo inteiramente com ele, quando puxou para a abertura da entrevista essa declaração: “Sempre quis ser uma peregrina andando pelo mundo; as geografias para mim nunca me assustaram. Por isso fui uma leitora das grandes histórias – com ‘H’ – desde pequena”. Ou esta outra: “O escritor não deve apenas criar, mas deve também emprestar a sua consciência à consciência dos seus leitores, sobretudo num país como o Brasil”. Confesso, entretanto, que para mim teria sido muito difícil escolher entre tantas afirmações primorosas e poderosas da romancista ao longo da conversa o que destacar de saída. Veja-se, por exemplo, algo que diz comentando os vários e excepcionais riscos que o ato de escrever envolve: o último deles “é quando você (...) não tratou seu texto com deferência até o final (...) e por preguiça ou por ambição ou pressa em ser aplaudida publicou cedo, antes do tempo, porque aquele livro requeria mais tempo, precisava vir a obter um outro rosto, o rosto final que lhe cabia”. Não devo me estender mais e deixo aqui o convite para uma calma leitura, a partir da página 10, do que é, em síntese, uma longa e despudorada declaração da paixão de Nélida Piñon pela palavra e pela escrita. É tempo de saltar para o chão bem mais duro e prosaico da economia e da inovação tecnológica,

mas perpassado ele também por desafios e questões instigantes. Assim, a reportagem de capa desta edição aborda os atuais efeitos no Brasil do movimento mundial de internacionalização das atividades de pesquisa e desenvolvimento de empresas multinacionais. Conforme relato do editor de tecnologia, Marcos de Oliveira, a partir da página 16, tudo indica que esse movimento registrado desde meados da década de 1990, vigorosamente continuado ao longo dos anos 2000 e direcionado originalmente para a China, Índia e Leste Europeu, começa a ganhar espaço também em nosso país, em parte graças a seu crescente mercado interno e boas perspectivas econômicas. Como uma espécie de contraparte nessa dinâmica, emerge um movimento inverso, ou seja, a implantação de centros de P&D de empresas brasileiras no exterior, de acordo com relato do jornalista Yuri Vasconcelos (página 21). Entre as reportagens de ciência, quero destacar aquela que enfoca, a partir da página 50, a participação de cientistas brasileiros no trabalho de busca e identificação de estrelas semelhantes a nosso Sol, nas vizinhanças da Via Láctea ou nem tanto. O autor do texto é nosso editor de ciência, Ricardo Zorzetto. Na área de política científica e tecnológica quero recomendar a primeira de uma série de reportagens elaborada pelo editor Fabrício Marques sobre a trajetória de grupos que refletem a saudável internacionalização da pesquisa científica no estado de São Paulo (página 36), apoiada por uma série de iniciativas que vêm sendo implementadas de forma decisiva pela FAPESP desde o ano passado. Para concluir, chamo a atenção para o texto de abertura da seção de humanidades, motivada pela exposição Rastros e raças de Louis Agassiz: fotografia, corpo e ciência, ontem e hoje, na 29ª Bienal de Arte em São Paulo. A reportagem elaborada por Carlos Haag (página 80) desnuda as experiências – racistas e repulsivas – feitas com escravos negros no Brasil por Agassiz, rival de Darwin, segundo o qual o colega “coletava dados para provar uma teoria em vez de observar esses dados para desenvolver uma teoria”. Aqui entramos no reino das paixões tristes. PESQUISA FAPESP 175

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Há 128 anos, grupos de índios eram expostos na Exposição antropológica brasileira Neldson Marcolin

fotos museu nacional

Selvagens no museu

O

dia 29 de julho de 1882 prometia ser diferente na cidade do Rio de Janeiro. O feriado e os fogos de artifício anunciavam o aniversário de 36 anos da princesa Isabel e convidavam para um evento raro na cidade. Naquele dia o Museu Nacional abriu a Exposição antropológica brasileira com a presença das principais personalidades da sociedade carioca e de toda a Corte. Além da princesa, o imperador dom Pedro II e a imperatriz Teresa Cristina visitaram a exposição, amplamente coberta pela imprensa. Também participaram da cerimônia de inauguração alguns índios Botocudo – de Goiás e do Espírito Santo – e Xerente – de Minas Gerais. A diferença é que os indígenas foram trazidos para serem expostos, e não para visitá-la.


memória O evento de 1882 foi um dos acontecimentos científicos mais importantes do final do século XIX no Brasil. Mostras semelhantes às do Rio estavam em voga em outros países da América Latina, Europa e nos Estados Unidos. O desejo de popularizar a ciência, as polêmicas sobre a teoria da evolução proposta por Charles Darwin, o anseio de conhecer o passado do Brasil e o fascínio provocado pelos índios motivaram o diretor do Museu Nacional, Ladislau Netto, a organizar a exposição. As coleções foram dispostas em oito salas que ganharam nomes em homenagem a figuras da história e da ciência: Vaz de Caminha, Léry, Rodrigues Ferreira, Hartt, Lund, Martius, Gabriel Soares e Anchieta. Todos escreveram relatos que ajudavam a tornar conhecido o Brasil de períodos anteriores, desde a descoberta da nova terra no século XVI. As oito salas mostravam peças arqueológicas descobertas no país, como restos humanos fossilizados, conchas de sambaquis e objetos indígenas de etnias diferentes. Também foi editada a Revista da Exposição Anthropologica Brazileira, com artigos que tentavam dar um significado científico ao conjunto apresentado no museu. Os “selvagens”, como eram chamados, faziam parte da exposição em grupos vivos, compondo um cenário que simulava seu cotidiano. Os artigos

Ao lado, objetos de rituais usados pelos índios Mahué

da revista, dirigida por Mello Moraes Filho e escritos por especialistas brasileiros, sempre se referiam aos indígenas como representantes dos mais primitivos estágios da evolução humana em contraposição aos evoluídos homens brancos caucasianos. O evento era uma oportunidade para observá-los como se fossem fósseis vivos, na argumentação tão científica quanto possível para aquele período. As medidas dos índios, sua forma muscular, o formato do crânio, os hábitos sociais e morais foram analisados e comparados com mestiços e brancos. “Era uma antropologia física, completamente diferente da antropologia do século XX”, diz o biólogo Charbel Niño El-Hani, coordenador do Grupo de Pesquisa em História, Filosofia e Ensino de Ciências Biológicas da Universidade Federal da Bahia, que estudou o tema. “Havia um olhar sobre os indígenas diferente do que viria a ter Claude Lévi-Strauss várias décadas depois.”

A ideia do índio como fóssil vivo era considerada útil para estudar o passado do homem no Brasil e não causava a mesma repulsa provocada hoje, avalia a historiadora Márcia Ferraz, do Centro Simão Mathias de Estudos de História da Ciência

da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Cesima/PUC-SP). “Aquela era a forma como se fazia ciência em todo o mundo, não só no Brasil”, explica Márcia. Os critérios científicos utilizados eram os da história natural, e não aqueles que as ciências sociais viriam a usar mais tarde. A exposição ficou em cartaz durante três meses e foi considerada bem-sucedida por ter atraído mais de mil visitantes e causado alguma repercussão internacional. “Quem a visitou, no entanto, foi apenas a pequena elite do Rio daquele tempo, que era alfabetizada e interessada pelas novidades científicas”, conclui El-Hani.

Ilustração de índio Tembé. Na outra página, capa da revista com desenho de índia Botocudo PESQUISA FAPESP 175

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entrevista

Nélida Piñon

Um coração andarilho

fotos leo ramos

A

té no nome a escritora Nélida Piñon é invenção e imaginação: seu nome é um anagrama de Daniel, seu avô, imigrante galego que, como ela diz, “se aventurou cedo a cruzar o Atlântico, obedecendo ao gosto da aventura e à necessidade de instalar-se numa terra que lhe ofertasse horizontes mais amplos”. De quebra, Nélida ainda ganhou do ancestral uma comichão constante que a leva viajar sempre, seja nas letras, seja literalmente. “Sempre quis ser uma peregrina andando pelo mundo; as geografias para mim nunca me assustaram”, conta. Quando criança, ganhou dos pais dois presentes: uma conta na floricultura de Vila Isabel, onde passou a infância, para que pudesse presentear os amigos; e outra na livraria do bairro. Usou as duas sem parcimônia e, em 1961, estreou na literatura com Guia – Mapa de Gabriel Arcanjo, onde, afirma, venceu a luta que teve, desde menina, contra a sintaxe bem-comportada. Estudou jornalismo, foi professora, mas a literatura se transformou em sua vida, ou vice-versa. “O escritor não deve apenas criar, mas deve também emprestar a sua consciência à consciência dos seus leitores, sobretudo num país como o Brasil.” Ficou conhecida como defensora dos direitos humanos durante a ditadura militar e também, mais tarde, dos direitos das mulheres. Foi a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras, em 1989, em pleno centenário da instituição. Ganhou vários prêmios, como Juan Rulfo (1995), o Menéndez Pelayo (2003), o Príncipe de Astúrias (2005) e o Jabuti (2005). Entre seus livros, destacam-se A república dos sonhos (1984), A doce canção de Caetana (1987), Vozes do deserto (2005), O aprendiz de Homero (2008) e Coração andarilho (2009). Está escrevendo um novo livro, mas prefere não falar sobre isso. Tudo bem, pois na entrevista que se segue ela tem muito que contar sobre literatura, criação e vida.

Para a romancista, a imaginação impulsiona a história humana

Carlos Haag

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■■Como a literatura entrou em sua vida? ——Entrou através de um fio muito tênue, que talvez tenha sido o primeiro fio narrativo da minha vida, minha própria história. Percebi que os livros, as páginas que eu lia, qualquer coisa que eu sorvesse em termos de papel, me traziam uma emoção extraordinária. Estava convencida de que não havia um ficcionista atrás daquelas histórias, mas alguém que vivera aquelas histórias, era como se fosse um diário, uma memória, e o narrador tivesse contando aquilo que ele vivera. Os escritores eram aventureiros. De modo que pensei: quero ser aventureira, quero ter as mesmas emoções que eles tiveram. O que me atraiu na literatura inicialmente foi o espírito das peripécias – palavra que ninguém mais usa, como se o ser humano não fosse destinado às grandes peripécias, daí a vida inerme, muito passiva que temos hoje vendo televisão, vendo as imagens que traduzem a nossa realidade, pois nós já não forjamos a nossa realidade. Eu queria ser aventureira, vivia todos os personagens e pensei: “Vou ser escritora”. Falei para meus pais: “Eu adoraria” – observe o espírito da narrativa – “jamais dormir uma segunda noite sob o mesmo teto”. Eu queria peregrinar, ser itinerante, andarilha. Sempre quis ser uma peregrina andando pelo mundo; as geografias para mim nunca me assustaram. Por isso fui uma leitora das grandes histórias – com “H” – desde pequena. ■■A senhora afirmou que “se vive e se escreve sem rede de segurança”. ——Acredito nisso. É um risco imenso. Acho até que muitas das minhas audácias pessoais, existenciais, eram bem-educadas aparentemente, mas acho que muito delas e do ato de escrever, tudo isso veio de eu saber que escrever é um risco excepcional. De repente, usando uma frase bem popular, você cai na boca do povo. Cai, porque tudo o que você escreve, mesmo que esteja ficcionalizando, ganha uma legitimidade atribuída a você. Você é a matriz de tudo, então tudo sai de você; o pensamento é seu, podem atribuir algum traço biográfico e, além do mais, o fracasso estético, que também é um risco. Outra coisa que também é um risco excepcional é quando você se dá 12

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PESQUISA FAPESP 175

Sempre quis ser uma peregrina andando pelo mundo; as geografias para mim nunca me assustaram. Por isso fui uma leitora das grandes histórias – com “H” – desde pequena

conta de que errou na feitura do texto, escolheu o caminho equivocado, o tempo errado, a linguagem inadequada, ficou nervosa, não tratou seu texto com deferência até o final, deveria ter lhe dado mais algumas versões e por preguiça ou por ambição ou pressa em ser aplaudida publicou cedo, antes do tempo, porque aquele livro requeria mais tempo, precisava vir a obter um outro rosto, o rosto final que lhe cabia. ■■Como é a busca pelo rosto da frase? ——Tenho paixão pela palavra e também a suspeita de que a palavra me inspira; como ela é insidiosa, traiçoeira, ela induz você ao erro, à vaidade; você está crente que está dominando a frase, a palavra, a semântica, a sintaxe, que seja, e, de repente, sai tudo arrumadinho, mas uma bobagem, não tem a menor transcendência. O seu texto tem que ter uma transcendência, não cósmica, mas uma transcendência da sua vo-

cação poética. Eu me lembro quando voltei dos meus dois anos na Europa, com meus 10 anos. Meu tio Manolo e sua família moravam na Bahia e meus pais me mandaram passar umas férias lá. Adorei, e pedi ao meu primo, éramos da mesma idade: “Serafim, me leva na zona, quero muito conhecer a zona”. Imagina, uma menina de família! Ele ficou horrorizado. Mas de tanto eu pedir nós visitamos a zona. Achei uma maravilha, com aquelas ladeiras, aquelas mulheres na porta. Cheguei ao Rio de Janeiro e resolvi fazer um conto, uma história de um personagem masculino que se apaixona por uma prostituta, vai atrás dela para declarar o amor, solicitar retribuição amorosa e ela não gosta, ela foge. Daí eu escrevo que ele está subindo “a ladeira íngreme”. Foi um horror. O que me chocou não foi a redundância, mas eu pensei: “Não vou passar minha vida escrevendo ‘ladeira íngreme’, isso eu não quero, é tão convencional, tão óbvio”. Enfim, foi um afã poético de minha parte buscar zonas misteriosas, zonas relativamente obscuras que a linguagem tem que ter, porque senão é uma tradução literal da linguagem. O efeito foi tão devastador na minha pessoa que deixei de escrever contos. É como se eu tivesse considerado a narrativa óbvia e eu corria o risco de repetir o que se fazia. Resolvi fazer exercícios poéticos durante uns quatro anos. Eu me sentava e escrevia desobedecendo qualquer plano, qualquer projeto. Era como se eu fosse uma comporta: a represa liberava, e as águas vinham com ímpeto, o que me ocorresse. Foram exercícios maravilhosos e por isso tenho uma audácia metafórica, porque me habituei a dizer o que eu quisesse, sem temor, sem medir consequências e sem exigir benefícios, coisa que faço até hoje. Não tenho o menor medo do leitor, o leitor não me interessa, o que interessa é a literatura, e a literatura é o leitor. Meu processo de criação nasce de toda uma relação profunda que estabeleço com a vida e a vida para mim já é literatura também. Vou dizer que não tenho compartimentos estanques, está tudo associado, uma coisa associada à outra. Estou com você e sou a Nélida, mas a Nélida escritora, nunca sou a Nélida sozinha. Sou escritora 24 horas por dia.


■■A senhora morou em Vila Isabel e passou dois anos numa aldeia da Galícia: como foram suas experiências com a cultura popular? ——Gostei que você tivesse dito isso, porque nunca ninguém falou dessa forma tão nítida. Você percebe que nos meus livros eu sempre homenageio o contador popular, sempre dou espaço à história dos vencidos. Isso já é uma coisa entranhada em mim desde pequena. Até hoje as pessoas com quem adoro conversar são os que trabalham comigo. Os porteiros me contam coisas impressionantes, não tanto no sentido episódico, mas me deixam ver a riqueza da vida de cada qual, desde que você tenha coragem de se debruçar sobre a vida do outro. Essa cultura popular, essa cultura talvez mais medieval, é minha grande paixão; tenho a sensação de que estou nas feiras medievais, adoro ir ao mercado. Sinto que minha imaginação é febricitante. Mas é uma imaginação também culta; vou incorporando a ela tudo o que eu sei e que o pensamento me ensejou. Realmente essa cultura popular está presente quase assim, na medida das grandes feiras medievais. Ainda acredito que somos filhos do medievo em muitos aspectos e talvez seja o nosso lado mais encantador, mais brutal, como comer com as mãos, ou seja, tudo o que nos torna imortais.

alvoroços da humanidade. Você pode imaginar o que terá sido o ser humano em meio ao caos – e por isso mesmo ele teve que inventar deuses para que eles pudessem lhe dizer do que se trata tudo isso. A literatura não está isenta dessa genealogia, desse nascimento que veio de longe e as pessoas em nome de uma falsa modernidade querem se despojar disso. Nós temos maravilhas tenebrosas dentro de nós – eu digo, o escritor – e então temos que ouvir as vozes vencidas do passado. Para meu juízo não tem sociologia, não tem história, não tem mundo documental, não tem nada que explique o intraduzível que somos nós. Acho o ser humano de uma complexidade excepcional, por isso me insurjo quando as pessoas dizem que é uma “literatura de elite”. É uma tolice tão grande e que exprime uma má-fé quando dizem que um escritor é de elite, porque a literatura não é de elite, ela é um espelho da complexidade humana – e eu não conheço gente mais complexa do que nós. ■■Escrever, então, é um ato de rebelião? ——Sim, porque você não é mimético, não copia o que você vê; o que você vê aparentemente é uma superfície que se alarga, com volumes e formas, mas você sabe que tudo isso é mentira, tu-

do isso é uma fraude. Atrás da forma, do volume, há um universo humano. O simples fato de você contrariar os ditames públicos, institucionalizados e canônicos já está propondo uma postura contrária, insubordinada e de rebelião. Não é uma rebelião das massas. Acho que as histórias que são contadas e que não são aprovadas no cotidiano dão prova de que há em pauta na coletividade humana uma imensa rebelião controlada pelas convenções sociais. Só que o escritor ignora as convenções sociais e conta a história nas suas cruezas, com a carnadura exposta. É inevitável, pois o que você conta não é o que está se vendo; só aí já é uma postura contrária, insubordinada. Se a literatura fosse mimética, não haveria rebelião, você só daria para o leitor o que é visível, ou seja, o que está alheio às profundezas humanas. Mil frases que governam o pensamento ocidental perderiam a razão de ser. ■■Qual é o papel de um escritor numa sociedade? ——O que me preocupa mais é por que é que ele escreve. Que extravagância é essa, por que ele decide ser um criador? Isso a mim impressiona mais até. A sociedade até hoje não se desvinculou do ofício de narrar, todos nós estamos

■■É por isso que a senhora descreve a literatura como “geologia, trabalho sobre entranhas”? ——Em algum lugar houve a primeira camada, a primeira poeira da qual vieram outras poeiras que foram se juntando, formando uma pedrinha, e assim foi o mundo surgindo. E as camadas se acomodam aparentemente, porque elas têm a paixão dentro delas, porque as camadas, de repente, podem originar vulcão, terremoto, tsunami. Como escritora eu lido com palavras e essas têm uma origem espúria. Felizmente não sofreram expurgo, vieram de tempos remotos, foram obedecendo a uma necessidade que cobrava a sua existência; cada palavra foi se acomodando à outra para prestar serviço, para que se pedisse o que cada qual carecia. A literatura tem esse lado de geologia porque é capaz de pôr em prática ou de traduzir o possível mistério humano que está no fundo das pedras, das montanhas, dos primeiros PESQUISA FAPESP 175

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sempre narrando. Somos todos prisioneiros da intriga, da urdidura humana. Então, não é tanto que o escritor revele o que ele está contando, o que ocorre é que os grandes sentimentos, as grandes perplexidades humanas estão na literatura e não em outro lugar. Estão nesse universo sombrio e luminoso e, ao mesmo tempo, secreto, enigmático. Essa é a visão poética traduzida da realidade. A sociedade, se tem a coragem de se ver, se quer botar as mãos nas suas funduras, tem que ler os grandes textos. A literatura é quem vai lhe dar uma pálida ou portentosa resposta. Agora, se a barbárie predominar, se os seres humanos se satisfizerem com frases curtinhas, que podem ser repetidas em massa, aí é o fim de uma civilização. Penso que quanto mais você ler, enveredar pelas grandes criações, mais terá chance de se prevenir de regimes fortes. ■■Já houve uma literatura de preocupação social. Para onde ela foi? ——Pergunta muito boa. Uma das coisas que poderíamos já de saída dizer é que mudou o país. O Brasil hoje é um país urbano e então o drama que antes estava no campo e que foi tão bem retratado por muitos da geração de 1930 deslocou-se para o mundo urbano. Então essas preocupações sociais se dissolvem hoje na mitologia urbana. Mas não havia utopia: a Baleia, cachorrinha do Graciliano Ramos, não tem utopia nenhuma. Nada era uma utopia, mas uma narrativa localizada na geografia e só persistiu – alguns desses livros persistiram porque narravam, contavam os pequenos dramas: solidão humana, desespero e, por acaso, mostravam cenas miseráveis. Mas há outras cenas menos ou mais miseráveis que desapareceram porque não tinham grandeza literária. Porque o que faz predominar e prevalecer uma literatura é o poder estético, a beleza do texto, da linguagem, porque contar a história de um fulano que perdeu a filha e come feijão com farinha com a mão infelizmente não diz muito e, no entanto, você pode contar uma história da alta burguesia como O grande Gatsby que vale pelo que está contando e como conta. Tenho a impressão de que o que podemos ver numa literatura é o país de uma pessoa; uma pessoa é um país, ou o país de uma coletividade, mas mesmo o país 14

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A imaginação é uma maneira de alargar as fronteiras do mundo. Ela impulsiona tudo, passa em revista o saber humano

de uma só pessoa é o país de todos. De repente, mesmo um personagem dentro de um quarto, dependendo do que conta, você pode enxergar aquele país. Ao mesmo tempo, não precisa enxergar um país, a geografia, precisa enxergar o continente humano; um homem é um continente. ■■Como foi a sua passagem pela presidência da Academia Brasileira de Letras? ——Acho que me fez um bem imenso pondo à parte gloriazinhas, repercussões imensas na imprensa brasileira e internacional. Digo em relação à minha pessoa. Eu trabalhava oito a 10 horas e não ganhava nada. Eu disse no meu discurso de posse: “Sou brasileira recente”. Começava assim e eu explicava o quanto era recente, que eu não podia tanto escrever pelo Brasil, mas ao mesmo tempo vou justificando, faço todo um jogo que, pelo fato de ser recente eu tive que buscar ao longo da minha vida a contrafação da identidade brasileira e olhava os brasileiros antigos, descobrindo neles o que os distinguia de mim e que isso me deu uma liberdade, uma independência de análise do Brasil que talvez um “quatrocentão” não pudesse ter, porque

ele estava demais envolvido nessa teia de aranha. Eu não, eu era uma cristã-nova e não sofri os horrores de ter sido obrigada a abjurar a fé. Não. Eu era uma brasileira recente. Quando me dei conta, após a presidência: “Eu não sou mais brasileira recente”. Enveredei por todos os percursos do Brasil, não há nada desse país que eu não tenha visitado na minha cabeça, inclusive a fonte, esse berço, um dos berços mais importantes da cultura brasileira, do pensamento brasileiro, da língua portuguesa, que é a Academia. Vejo a instituição, a nossa Academia, como uma grande instituição brasileira. A mim impressiona muito como eles conceberam essa casa num Brasil tão pequeno, tão pobre, onde só o imperador era ilustrado. Em meio a tudo isso surge esse projeto de uma instituição que deveria imitar a francesa de 400 anos, e acho que é uma beleza como temos sido fiéis às cláusulas pétreas dessa instituição, de como nós nascemos grandes: Machado e Joaquim Nabuco, e os outros brasileiros excepcionais que passaram por essa casa como Rio Branco, Euclides, Rui Barbosa – cabeças maravilhosas, tudo “vivinho”, gravitando em torno dessa casinha que era tão pobrezinha, sem ter sede própria. Afirmei num discurso: “Nós nascemos pobres, mas com ilusões”. ■■A imaginação pode conviver com o excesso atual de informações? ——Essas informações também vão precisar de um pouco de imaginação, mas temo uma imaginação domada. A imaginação é uma maneira de você traduzir ou alargar as fronteiras do mundo. Ela impulsiona tudo, passa em revista todas as enciclopédias, todo o saber humano, como que vai além do que já foi registrado. Além do mais, é capaz de pegar um pouquinho de fragmento de cada livro humano e misturar, amalgamar e dessa imaginação saem milagres, elementos feéricos. A imaginação dita o novo, não o novo inaugural porque não acredito nesse, mas o novo como se fosse uma semântica, uma maneira de “semantizar” a língua. Eu vejo as pessoas tão fascinadas com a tecnologia, como se ela fosse resolver os grandes dramas ontológicos, as urgências cósmicas do ser humano. É uma maravi-


lha, não estou dizendo que não, mas não tem nada a ver com humanismo. O que nós vamos fazer com a tecnologia a serviço do humanismo, essa é a grande questão: de que forma essa tecnologia poderá servir ao homem – um homem melhor, mais generoso, um homem mais crítico, capaz de entender todas as passagens do tempo, as elaborações da linguagem, do pensamento, que não empobreça nada do que foi arregimentado até hoje. O que eu temo é que germine também uma pobreza, a reflexão rápida demais, um traço rápido no ar. ■■A ciência pode influenciar a criação? ——Diria que sim também, porque a imaginação do criador afetou grandes cientistas – Oppenheimer, Fermi etc. Todos os grandes cientistas ao longo da história sempre foram afetados pela imaginação. A imaginação está muito associada à intuição e a intuição é muito alimentada pela imaginação. A intuição não é alguma coisa menor, ao contrário. No meu juízo, ela expressa o saber mais avançado, porque acho que todo o saber está defasado, tudo o que você sabe em cinco minutos já está atrasado e você tem que adicionar mais um saber. Mas se você recorre à intuição ela dita aquilo que você ainda não sabe ou pensa não saber, ela te atualiza. As pessoas dizem: “Os cientistas descobriram a pólvora com a intuição”. Não, senhor. A intuição era o saber último que ele tinha e não sabia que tinha. A intuição é um saber que ainda não foi oficializado pelo dono do saber. Ela é o último, uma alavanca excepcional. Sou atentíssima, ela às vezes é quem me dita. Outro dia pensei durante uma viagem: “O que está acontecendo com o Brasil? As pessoas acaso se dão conta de que há um hiato profundo entre um Brasil que é escassamente filho de Gutenberg, mas que não se dedicou a Gutenberg, aos livros, nessas décadas todas, séculos, e um Brasil que agora, de repente, tem livros, tem mais escolas, mais universidades, resolveu ser tecnológico, tudo isso, Google; e esse hiato todo no nosso inconsciente?” É um vazio imenso e as pessoas não sabem que temos vazios terríveis na nossa consciência geradora de saber e de pensar. Poucos brasileiros terão conseguido recuperar o que não tive-

mos, o que deixamos para trás num determinado momento e que quase não chegamos a ter. O Brasil tem vazios tremendos. ■■A mulher é uma criadora? ——O que eu sempre critico é quando dizem “literatura feminina”, porque isso é um horror. Eu acho que existe a grande literatura, a boa literatura, e sendo feita por mulher, uma literatura que poderá registrar tonalidades femininas, de uma mulher, como também poderá registrar toques masculinos, fortes, contundentes, nessa mesma mulher. Eu acho que as vozes se confundem e pode haver uma voz muito forte num livro de mulher que revele essas percepções femininas. Acho natural que possa parecer que a mulher não é criadora, porque foi discriminada ao longo de milênios. Isso você guarda no seu coração, nos intestinos, no inconsciente remoto, são traços da sua natureza dominada. Se você for uma escritora forte, tem que ser crítica, irônica, do que nos tocou como mulhe-

res. É como num escritor negro: você vai ver nele até mais do que numa escritora mulher os traços da escravidão que ele sofreu e que não podia aceitar de modo algum. São traços de ressentimento, de nostalgia de um passado que elas não tiveram, de uma sensibilidade que domina os mistérios do seu gênero ou de sua origem social. Agora, mulher na literatura houve muitas, mas não tantas como poderia ter havido se ela tivesse tido acesso ao conhecimento. A mulher é um ser absolutamente recente na cultura, mas esse fato não significa que ela não interferiu ao longo dos séculos no processo criador, pois foi uma formadora de opinião dos escritores, dos homens, que ouviram seus suspiros, seus gritos, seus prazeres. A mulher foi dona dos sentimentos mais vitais da humanidade. No meu discurso ao receber o Prêmio Rulfo eu coloco a mulher cobrando a coautoria de Shakespeare, de Cervantes etc. Porque se ela não tivesse suprido esses grandes criadores com as informações que tinha sobre o amor, o nascimento, o sangue que sai entre as pernas, sobre a morte eles não poderiam falar dessas matérias vitais das quais a mulher se ocupava. Então, a mulher esteve presente nas grandes criações e por isso ela poderia, sim, exigir coautoria. ■■A senhora pensa na morte? ——A morte física? Você não tem mais nada a fazer, você acabou e não pode defender mais os seus despojos, o que você deixa. É como diz a personagem do Tennessee Williams em Um bonde chamado desejo: “Eu sempre dependi da bondade de estranhos”. Pessoalmente, gostaria que nossos trabalhos estivessem não só nas estantes, mas nas mãos das pessoas e que elas fossem descobrindo as filigranas do seu trabalho. A única coisa que você pode fazer é a sua obra. Faça sua obra com convicção, com coragem, sem medo, sem temor, sem compromisso com falsas gloriazinhas, sem se preocupar com os aplausos, porque o mais importante é a liberdade de escrever, a que preço seja. ■■O que diria um miniconto sobre a sua vida? ——“Nasceu escritora e morreu acreditando que foi escritora ao longo da vida.” Fim. n PESQUISA FAPESP 175

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capa

Investimento emergente

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internacionalização de centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de grandes empresas começa a ser acelerada e ganhar um espaço maior no Brasil. São amplos laboratórios multinacionais que têm o objetivo de gerar conhecimento e desenvolver tecnologia para produtos inovadores destinados ao mercado ou a clientes específicos. Exemplos maiores foram os anúncios neste ano de dois centros de pesquisa e desenvolvimento, um da IBM e outro da General Electric (GE), que vão ser instalados no país em locais ainda indeterminados porque são objeto de negociações com parceiros empresariais e governos federal, estaduais e municipais. Pesam na decisão da escolha da cidade ou região a oferta de incentivos fiscais, tanto na isenção de impostos como em financiamentos de agências governamentais, e a existência de profissionais qualificados para exercer a função de pesquisadores dentro das empresas. Os representantes das duas multinacionais não falam em valores, mas notícias veiculadas na imprensa indicam um investimento de US$ 250 milhões da IBM e US$ 120 milhões da GE, totalizando US$ 370 milhões. Esse movimento mundial de internacionalização de atividades de P&D de empresas multinacionais fora do país de origem acelerou-se fortemente em meados da década de 1990 e nos anos 2000, como mostrou um estudo de 2005 da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad, na sigla em inglês). A busca de novos mercados emergentes primeiro focou a China, a Índia e países do Leste Europeu, e agora se volta para o Brasil, com mercado interno crescente e boas perspectivas econômicas. A empresa Du Pont, também de origem norte-americana, que está no Brasil há 73 anos, inaugurou em 2009 um Centro de Inovação e Tecnologia (CIT) na cidade de Paulínia, no interior paulista, próxima de Campinas. “Nos últimos 10 anos a matriz tem direcionado capital de investimento para construção de centros de pesquisa corporativa em regiões emergentes e o Brasil faz parte desse grupo”, diz Ariana Bottura, gerente do CIT da Du Pont. O novo centro, que recebeu

investimentos de R$ 4,5 milhões, tem o objetivo de desenvolver novas soluções, de forma mais rápida, para clientes da empresa detentora de um amplo leque de atividades industriais nas áreas alimentícia, biotecnológica, de polímeros, química e de tintas. Atualmente 42 profissionais trabalham diretamente em atividades de P&D no centro. A importância desses centros para o Brasil está no crescimento do nível da


Empresas instalam centros de P&D no Brasil para ganhar mercado Marcos de Oliveira | Ilustrações Danilo Zamboni

tecnologia produzida por empresas aqui e na contratação de centenas de pesquisadores brasileiros, em grande parte com doutorado. “Em ordem crescente de complexidade das atividades tecnológicas das empresas multinacionais instaladas no Brasil, numa escala de 1 a 5, a grande parte está concentrada nas faixas 3 e 4, poucas na 1 e 2, e raras na 5”, diz o professor Sérgio Robles Reis Queiroz, do Departamento de Política Científica e

Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ex-secretário adjunto de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo. Ele coordenou ao longo de seis anos, de 2004 a 2009, com pesquisadores tanto da Unicamp como da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual Paulista (Unesp), dois estudos sobre as atividades tecnológicas de filiais brapESQUISA FAPESP 175

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laboratórios de grande porte são instalados para realizar pesquisas ligadas ao desenvolvimento

sileiras de multinacionais, um projeto financiado pela FAPESP, dentro do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas, e outro, na forma de subprojeto, dentro do programa Projetos Estruturantes, para os sistemas estaduais de Ciência e Tecnologia, financiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), e FAPESP. “Analisamos principalmente o que atrai as subsidiárias a trazer para o Brasil investimentos em P&D”, diz Queiroz. Nos estudos, o grupo do professor desenvolveu um questionário eletrônico respondido por 89 empresas e um levantamento por meio de entrevistas com 55 empresas filiais de multinacio-

nais durante o ano de 2007. O nome das empresas, por acordo mútuo, não pode ser revelado. Os resultados indicaram que o fator mais decisivo para uma empresa se instalar no Brasil é a boa oferta de mão de obra qualificada, que tenha competência técnica, capacidade criativa e flexibilidade. Para a IBM, o fator “disponibilidade de doutores” pesou favoravelmente na aprovação do centro de P&D no Brasil. “A concentração de doutores no país é realmente importante. Vamos precisar de pessoal que saiba fazer pesquisa”, diz Claudio Pinhanez, pesquisador que está trabalhando diretamente na consolidação do IBM Research-Brasil. Formado na USP em matemática e ciência da com-

Facilidades para realizar P&D no Brasil 21%

Mão de obra Custo

15%

Ambiente / Infraestrutura P&D

13%

Atender mercado / adaptação

13%

Especificidade do Brasil e região

10%

Competências internas já instaladas na filial

7%

Fuso horário

5%

Estabilidade / pacificidade do país

5%

Retorno financeiro Obrigação de legislação

3% 2%

Outros 0%

5% 5%

10%

15%

20%

25%

putação e com doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), ele trabalhou nove anos no Centro de Pesquisa Watson, que é o principal centro de pesquisas da IBM nos Estados Unidos. A empresa ainda tem mais dois centros nesse país, além de outros cinco distribuídos entre China, Israel, Índia, Japão e Suíça. Por enquanto, as atividades do centro da IBM no Brasil estão sendo realizadas nas sedes da empresa em São Paulo e no Rio de Janeiro. Ainda sem especificar quantos pesquisadores serão contratados, Pinhanez diz que o laboratório será de grande porte no Brasil e vai se estruturar em pesquisas ligadas ao desenvolvimento de tecnologias e sistemas para processar informações e dar apoio logístico à área de recursos naturais com prioridades na exploração de petróleo e mineração e ao que ele chama de sistemas humanos em áreas de apoio logístico para enfrentar desafios nos setores de tráfego aéreo, trânsito nas grandes cidades, medicina, finanças, além de soluções para grandes eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas a serem realizadas no Brasil. Outra área é o estudo de semicondutores para sensores e dispositivos que auxiliem esses sistemas. “Para isso vamos atrair os melhores profissionais”, garante Pinhanez. Até o mês de agosto, os dirigentes da GE no Brasil ainda não comentavam os detalhes de seu primeiro centro de tecnologia na América Latina. A empresa atua nos setores de eletrodomésticos, motores de avião e equipamentos médicos e, por meio de um comunicado, revelou

Fonte dos gráficos: sérgio queiroz - Entrevistas presenciais multinacionais estrangeiras no Brasil (2007)

de tecnologias


Dificuldades para realizar P&D no Brasil Mão de obra

32,7%

Importacão, custo e burocracia

23,5%

Instabilidade das políticas/ Ambiente regulatório

21,8%

Internas à empresa

20%

Cooperacão com universidades e institutos de pesquisa

12,73%

Infraestrutura

9,1%

Incentivo/Financiamento e instabilidade econômica

9,1%

Imagem Brasil

7,3%

Custo

5,5%

Propriedade intelectual

7,3%

Mercado

3,6% 0%

5%

10%

que o centro no Brasil será o quinto do mundo, além dos existentes nos Estados Unidos, Alemanha, Índia e China, que somam ao todo mais de 2.500 pesquisadores. No comunicado, a GE indica que o Brasil foi escolhido porque possui uma forte base industrial, universidades de primeira linha e importantes clientes na indústria. GE, IBM e Du Pont são exemplos do alto investimento de P&D de empresas norte-americanas em suas filiais no exterior. O Brasil está em 16° lugar nesses investimentos, entre 2002 e 2006, como mostra o relatório Science and Engineering Indicators 2010, da Fundação Nacional de Ciência (NSF). Profissionais relevantes - Embora

exista o atrativo da existência de grande número de doutores formados no Brasil, mais de 10 mil por ano, a resposta encontrada pelos estudos do professor Queiroz indica que a mão de obra especializada também é o primeiro fator de restrição à instalação de unidades avançadas de pesquisa no Brasil. “Pela relevância da mão de obra para atração de P&D não surpreende verificar que esse tema aparece também como fator mais citado pelas empresas quando questionadas sobre a dificuldade para atrair investimento estrangeiro”, escreveu o professor Queiroz. “Muitas companhias indicam que há falta de mão de obra específica, principalmente engenheiros”, diz. “Há uma escassez de engenheiros provocada pelo crescimento da economia. Formam-se cerca de 40 mil engenheiros por ano no Brasil e ainda é pouco. Existem empre-

15%

20%

25%

30%

35%

Os Projetos 1. Políticas de desenvolvimento de atividades tecnológicas em filiais brasileiras de multinacionais – nº 2003/06388-9 2. Estratégia para CT&I em São Paulo: universidades, institutos de pesquisa e empresas – nº 2006/50409-9 modalidade

1. Programa de Pesquisa em Políticas Públicas 2. Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa e Projetos Estruturantes Co­or­de­na­dor

1 e 2. Sérgio Robles Reis de Queiroz – Unicamp investimento

1. R$ 172.215,00 (FAPESP) 2. R$ 2.250.140,00 (FAPESP e Finep)

sas que têm 100 engenheiros atualmente, mas vão precisar de 500 daqui a três anos”, aponta Queiroz. A propósito da demanda de engenheiros no país, um estudo divulgado em julho deste ano pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), coordenado pelo professor Carlos Américo Pacheco, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mostra que o problema não é simples e requer tempo. Além das atividades de P&D a que os engenheiros estão associados em conjunto com outros profissionais, eles também atuam nos processos de melhoria contínua dos produtos e dos sistemas de produção. Segundo o estudo, quando comparado com outros 35 países, o Brasil tem o mais baixo percentual de engenheiros entre os egressos da graduação do ensino superior, com 5% em 2007, enquanto a China está em primeiro lugar, com 35,6%, seguida da Coreia do Sul, com 25%. Segundo o estudo do Iedi, “há uma forte e crescente demanda por profissionais de engenharia no Brasil que é detectada não pelos estudos econômicos, mas pelo dia a dia das empresas”. Outro aspecto apontado pelas empresas nos estudos de Queiroz em relação à mão de obra foi a falta de fluência em língua inglesa por parte da grande maioria dos profissionais, mesmo entre os melhores qualificados tecnicamente. “Empresas de TIC [Tecnologia da Informação e Comunicação] citaram que isso já impediu a ampliação de atividades locais, enquanto empresas do setor automotivo afirmaram existir vagas em aberto para contratação que não são preen­

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Investimentos em P&D de empresas norte-americanas no exterior entre 2002 e 2006 - Em milhões de US$ País

valor

País

valor

Reino Unido

24.369

Irlanda

3.066

Alemanha

21.217

Cingapura

3.042

Canadá

12.383

Austrália

2.356

França

8.983

Holanda

2.252

Japão

8.273

Brasil

1.947

Suécia

7.354

Coreia do Sul

1.833

Israel

3.908

Espanha

1.356

Suiça

3.486

Índia

906

China

3.257

Malásia

862

Belgica

3.206

Hong Kong

643

Itália

3.149

Taiwan

640

Fonte: Science and Engineering Indicators 2010/NSF (tabela 4-34)

chidas pela dificuldade em encontrar profissionais fluentes na língua.” Entre as dificuldades comentadas pelos dirigentes das empresas estão, em segundo lugar, a burocracia e os custos altos para importação de equipamentos ou insumos relacionados à P&D. No quesito cooperação com universidade e institutos de pesquisa, 8% das entrevistas apontaram maus resultados de parceria e a falta de um mapa das competências nacionais nas instituições de pesquisa. Incentivo fiscal - Na outra ponta, nas

entrevistas feitas pessoalmente pelos pesquisadores com dirigentes de filiais de multinacionais instaladas aqui, apareceu entre os atrativos para convencer as matrizes a trazer investimentos de P&D para o país o baixo custo desse tipo de atividade no Brasil em comparação com outros países. Um fator que não interessa e não pesa muito nas decisões são os incentivos fiscais. “O incentivo fiscal na forma de isenção de impostos, por exemplo, é um elemento que faz a diferença nos custos, mas não é por causa dele que uma empresa vai eleger o Brasil”, diz Queiroz. Para ele, o segmento no país que apresenta mais atividades em P&D ao longo de sua industrialização é o automotivo. “Esses investimentos estão mais relacionados ao D (desenvolvimento) do que ao P (pesquisa). O que se faz no Brasil em grande parte das indústrias automotivas é a criação do produto, e não a elaboração de conhecimento para gerar aquele produto. É, por exemplo, a adaptação de 20

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veículos. São atividades que necessitam de muitos engenheiros”, diz. Para Queiroz, a atração de investimentos em pesquisa e tecnologia exige uma estrutura institucional, como ocorre em outros países, com agências de promoção ou departamentos governamentais especializados. O foco dessas agências não é exclusivo para P&D, mas elas têm se mostrado eficientes na verdadeira competição entre países para alocar esses investimentos. Em São Paulo, a Investe SP, Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade do estado, desde 2009 trabalha na atração desses investimentos, da mesma forma que a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex). “Fazemos a articulação de negócios, ajudando a filial no Brasil a demonstrar para a matriz a viabilidade de instalar ou ampliar a empresa no estado. São informações sobre os institutos e universidades, parceiros empresariais, parques tecnológicos e linhas de fomento, por exemplo”, diz João Emílio, gerente-geral de investimento e negócios da Investe SP. A atração de investimentos em P&D agrega outro tipo de ganho para o crescimento tecnológico e social do país. Para Queiroz, os centros de tecnologia também trazem o chamado efeito de transbordamento de conhecimento em que um profissional, quando sai desse tipo de ambiente de trabalho, leva conhecimentos com ele, dentro de uma trajetória normal e comum, para outra empresa, muitas vezes menor, ou para um empreendimento próprio. n


Centros multinacionais brasileiros Yuri Vasconcelos

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e as multinacionais estrangeiras têm trazido seus centros de pesquisa e desenvolvimento para o Brasil, o caminho inverso também está sendo trilhado, embora ainda de maneira tímida e limitada, por multinacionais brasileiras que abrem unidades de P&D no exterior. Para compreender as dimensões desse fenômeno, é preciso recordar que o processo de internacionalização de empresas brasileiras é recente. Ele ganhou impulso nos anos 1990 com a abertura do mercado brasileiro aos produtos importados entre 1990 e 1992 e intensificou-se na atual década, conforme explica Afonso Fleury, professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do projeto temático Gestão empresarial para internacionalização das empresas brasileiras, financiado pela FAPESP e finalizado em maio deste ano. “Historicamente, nossa indústria cresceu sob o paradigma da substituição de importação. A partir da década de 1990, com a abertura do mercado, houve uma intensificação da entrada de subsidiárias de multinacionais no país, o que causou uma depuração das companhias nacionais. Quem tinha competência se manteve e tornou-se competitivo”, diz ele. “Mais competitivas, elas tiveram que jo-

gar com as multinacionais nos mercados globais e, assim, ocorreu uma intensificação do processo de internacionalização de nossas empresas.” Esse processo, destaca o pesquisador, começou pelos países do Mercosul e da América Latina. Na década de 1990, por exemplo, cerca de 300 empresas brasileiras operavam na Argentina. Depois elas se espalharam para outros mercados como o asiático e o norte-americano, onde as possibilidades de aprendizado são grandes. “Poucas multinacionais brasileiras vão para a Europa por causa de sua postura mais protecionista”, afirma Fleury. A ida de empresas brasileiras para o exterior foi acompanhada em alguns casos com a internacionalização de suas áreas de pesquisa e desenvolvimento. Uma particularidade desse processo, ressalta Simone Galina, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da USP, é que as multinacionais brasileiras, de forma regular, se instalam no exterior apenas com unidades de desenvolvimento de produtos (DP) – e não propriamente centros de P&D. “A pesquisa, quando existe, se mantém centralizada nas matrizes. Esse movimento – de colocar o desenvolvimento de produtos no exterior – ainda é repESQUISA FAPESP 175

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cente, até porque o processo de internacionalização das companhias brasileiras também tem pouco tempo”, destaca a pesquisadora. Para compreender esse cenário, é preciso considerar que, no geral, as empresas brasileiras, mesmo as internacionalizadas, são provenientes de setores em que a inovação tecnológica não é prioridade. “Elas não se caracterizam como empresas inovadoras em tecnologia. Assim, centros de P&D são poucos mesmo no Brasil”, afirma. Simone e a professora Geciane Porto, também da USP de Ribeirão Preto, foram responsáveis por um dos sete subprojetos, chamado de “Internacionalização de P&D”, no projeto temático coor­denado pelo professor Fleury. Elas investigaram em detalhes o processo de internacionalização de P&D de multinacionais brasileiras, entre elas a fabricante de carrocerias de ônibus Marcopolo, a indústria de motores elétricos WEG, a siderúrgica Gerdau, a fabricante de tubos e conexões Tigre, a empresa de automação industrial Smar e a produtora de compressores Embraco, que recentemente foi adquirida pela norte-americana Whirlpool, fabricante dos produtos Brastemp e Consul. A partir dessa amostragem, ela buscou delinear os fatores que mais influenciam empresas brasileiras a internacionalizarem suas unidades de desenvolvimento de produtos e as vantagens que adquirem ao concretizar tal iniciativa.

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A Compra de empresas estrangeiras e a adaptação de produtos levam as multinacionais brasileiras a ter centros de P&D no exterior

Posto avançado - Um dos principais motivos para a abertura de centros de P&D lá fora é a possibilidade de ter acesso a recursos tecnológicos inexistentes ou de difícil aquisição no Brasil. Esse foi o objetivo da Smar, fornecedora de equipamentos de automação para a indústria de açúcar e álcool, cuja matriz fica em Sertãozinho, interior de São Paulo, que decidiu abrir um centro

de P&D nos Estados Unidos. A demora na aquisição de componentes eletrônicos necessários para a montagem de seus protótipos era um obstáculo encontrado pela empresa em território nacional. A internacionalização, iniciada em meados dos anos 1980, quando um de seus pesquisadores se mudou para Nova York, permitiu que a empresa adquirisse componentes no país e fabricasse protótipos lá mesmo. “Naquela ocasião, percebemos que tínhamos necessidade de ter um posto avançado de pesquisa para ter acesso a novas tecnologias. Ele foi aberto para desenvolver a atividade de P&D junto aos escritórios comerciais e de produção da empresa nos Estados Unidos”, ressalta Libânio Carlos de Souza, diretor da Divisão de Desenvolvimento da Smar, empresa que teve um faturamento de US$ 80 milhões em 2009. Segundo ele, as tecnologias criadas no exterior são incorporadas nos projetos da empresa. “Por exemplo, utilizamos os chips controladores de comunicação desenvolvidos em Nova York na linha de transmissores e nos controladores da empresa. Já fornecemos mais de 2 milhões desses controladores de comunicação ao mercado mundial”, afirma. A experiência em Nova York foi tão positiva que a empresa abriu outra unidade de P&D em Houston, no Texas. Nos últimos 15 anos foram investidos cerca de US$ 10 milhões na manutenção dos dois centros, que possuem oito funcionários, todos brasileiros. “A empresa é um dos melhores exemplos de internacionalização de P&D de multinacionais brasileiras”, aponta Simone. Outra situação que leva uma multinacional brasileira a ter um setor de pesquisa e desenvolvimento no exterior é quando ela compra uma subsidiária estrangeira possuidora de uma área de P&D. Isso aconteceu com a fabricante de aços Gerdau, empresa líder na producão de aços longos no Brasil e presente com unidades de produção em 14 países, com um faturamento de R$ 30 bilhões em 2009. Em 2006, ela comprou uma fábrica na Espanha, que tinha um departamento de pesquisa e desenvolvimento com cerca de 30 funcionários. Para Simone, a existência do centro de P&D pesou favoravelmente para a rea­lização do negócio. “Esse centro da


subsidiária espanhola acumula conhecimento em todas as etapas do processo produtivo e, além disso, mantém parcerias, na Europa, com montadoras ou fornecedores da indústria automotiva para desenvolvimento e fornecimento de produtos especiais”, assinalaram Simone Galina e Paulo Guilherme Moura no livro Multinacionais brasileiras, publicado pela Artmed Editora. Situação parecida ocorreu com a Marcopolo, que manteve em atividade na sua subsidiá­ ria na Colômbia o setor de engenharia de desenvolvimento para criação de novos produtos e aperfeiçoamento dos existentes. A empresa faturou R$ 2 bilhões em 2009, e a produção em suas unidades no Brasil e no exterior resultou em 13.007 ônibus. Trabalho conjunto - A adaptação de

produtos para mercados no exterior nos quais as subsidiárias atuam também é um motivo relevante para o investimento numa área de P&D lá fora. Foi o que ocorreu com a fabricante de motores elétricos WEG, cuja sede fica em Jaraguá do Sul, em Santa Catarina, e conta com uma subsidiária em Portugal. Essa unidade não apenas adapta os produtos para suprir melhor a demanda local, mas também atende às necessidades de adequações a normas do mercado europeu. O foco da subsidiária é uma linha especial de motores, de maior valor agregado. “A nossa unidade portuguesa detinha a competência de fabricar esse tipo de produto e cooperou com a matriz no desenvolvimento

O Projeto Gestão empresarial para internacionalização das empresas brasileiras (organizado em 7 subprojetos) – nº 2004/10231-0 modalidade

Projeto Temático Co­or­de­na­dor

Afonso Carlos Fleury – USP investimento

R$ 491.098,42 (FAPESP)

de uma nova linha de produtos para áreas de risco”, informou a empresa por meio de um comunicado. De acordo com a professora Simone, é vantajoso para a WEG, uma empresa com faturamento de R$ 5 bilhões em 2009, manter uma unidade de P&D na Europa porque os produtos comercializados

no continente precisam ter certificação de laboratórios da região. “Em vez de desenvolver o produto no Brasil e enviá-lo para ser certificado na Europa, a subsidiária da WEG fica responsável por sua adequação, fabricação e posterior certificação”, comenta. A busca por mão de obra especializada, escassa ou inexistente no Brasil, é também motivação para a internacionalização da atividade de P&D por parte de multinacionais brasileiras. Um bom exemplo ocorre com a Embraco, que está estruturando sua área de P&D na China para se valer do grande número de graduandos e pós-graduandos em engenharia existentes naquele país. Segundo a pesquisadora da USP, a tendência percebida nas multinacionais brasileiras analisadas em seu estudo é centralizar a maioria absoluta das atividades de desenvolvimento, delegando às unidades no exterior tarefas específicas, sob coordenação da matriz. Mesmo assim, a pesquisadora vê com bons olhos o movimento de internacionalização de P&D por parte de nossas multinacionais. “É fundamental que essas empresas estejam preocupadas com a inovação tecnológica para que possam manter competitividade no mercado global”, diz ela. “Como qualquer outra operação da empresa, a internacionalização de P&D – ou de parte dela – deve fazer parte do planejamento estratégico da companhia. Se para a empresa ser mais competitiva internacionalmente precisa internacionalizar seu centro de P&D, ela o deve fazer. As multinacionais de países desenvolvidos já descobriram isso há algum tempo e tomam partido dessa possibilidade para obter vantagens n comparativas”, conclui.


ESTRATÉGIAS

MUNDO

LIBERDADE CERCEADA Cientistas e professores da Argélia agora precisam pedir autorização oficial para participar de conferências e congressos no exterior. O Ministério da Educação Superior e Pesquisa Científica divulgou uma carta circular expressando preocupação

de que os acadêmicos

sejam levados em tais reuniões a "tomar posições contrárias aos interesses nacionais". Por isso, anunciou, os cientistas serão autorizados a participar de conferências "em coordenação com o Ministério de Relações Exteriores". A circular seguiu-se à participação de pesquisadores

argelinos numa con-

ferência no Marrocos que discutiu questões

I

UM DIA A CASA CAI

A Universidade Harvard reconheceu ter encontrado oito evidências de má conduta científica em três artigos científicos do pesquisador Marc Hauser, especialista em psicologia e biologia evolutiva que ficou conhecido por suas descobertas no campo da linguagem. "Com grande tristeza, confirmo que o professor Marc Hauser foi considerado o único responsável, segundo apurou um comitê de investigação, por casos de má conduta científica", anunciou Michael Srnith, diretor da Faculdade de Artes e Ciências, segundo o blogThe Great Beyond, da revista Nature. O anúncio surgiu depois de a universidade ter sido criticada por manter reservas sobre a investigação, enquanto se espalharam boatos que colocavam sob suspeita estudantes e colegas de Hauser. Os problemas

se relacionam à aquisição e à análise de dados e à descrição de metodologias e resultados. De acordo com o jornal The Boston Globe, as suspeitas despontaram em 2002 com um artigo científico publicado no jornal Cognition, no qual Hauser sustentava que macacos seriam capazes de identificar padrões em sequências de sílabas.

CENT,ROS CONTRA

I MALARIA

Os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos vão investir US$ 106 milhões em 10 novos centros de pesquisa sobre malária, a fim de fortalecer a pesquisa e a capacidade de treinamento em regiões endêmicas. Os Centros Internacionais de Excelência para a Pesquisa da Malária são uma iniciativa de sete anos que busca criar uma rede de colaboração entre universidades

24 • SETEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 175

relacionadas ao conflito do Saara Ocidental, território

que faz

fronteira com Marrocos e Argélia, tópico sensível que inflamou

as relações entre os dois países por décadas. "A decisão diz respeito a poucos eventos", afirma Rabia Saray, responsável de junho, três professores da Mouloud Mammeri University

te dê In

também foram demitidos após participar de duas conferências

cr

científicas no Marrocos. "Trata-se de uma séria violação da li-

qu

berdade de movimento e de expressão", disse à revista Nature

fu

Daho Djerbal, professor de história moderna da Universidade

os án

pela área de treinamento

de Argel-Bouzaréah.

e integração do ministério. No final

Djerbal é um dos 350 acadêmicos que

assinaram.uma petição on-Iine em repúdio à circular.

norte-americanas e instituições de localidades da África, Ásia, América Latina e ilhas do Pacífico. Os centros vão fazer pesquisas em tópicos como biologia do mosquito, comportamento de parasitas e mudanças ambientais. Segundo Ian Boulton, diretor da empresa de consultoria TropMed Pharrna, a abordagem global do programa é bem-vinda. "Ela contraria o hábito de dar ênfase à África em prejuízo de áreas endêrnicas, como a Amazônia, a Índia e a Oceania", disse. •••

co

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m: 01 01 Mosquito: regiões endêmicas

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I

Doze pesquisadores do Instituto Karolinska, entre os quais 10 que participam da seleção dos ganhadores do Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia, publicaram uma carta num jornal da Suécia afirmando que a instituição está ameaçada. Eles apontam o dedo para a presidente Harriet Wallberg- Henriksson, acusando-a de concentrar poder, aumentar a burocracia e suprimir vozes críticas. A carta foi uma resposta ao plano de reorganização do instituto feita por Harriet. Ela propôs um redesenho dos atuais três comitês acadêmicos e a criação de um comitê de coordenação acima deles,

lorapresrticipar terior. o 'esquisa .expresíêrnlcos

_I

Pesquisadora afegã: agenda comum

'mar po:ionais". !rão au-

ias "em 'elações

srticlpa-

ALIANÇA ENTRE I VIZINHOS

ma con-

uestões )quefaz nflamou

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a Nature srsidade icos que

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Pesquisadores do Afeganistão e do Paquistão vão trabalhar juntos na solução de entraves tecnológicos. Por intermédio da Global Knowledge Initiative (GKI), aliança criada nos Estados Unidos que reúne universidades, fundações e empresas, os vizinhos vão identificar áreas em que queiram construir capacidade científica. "A ideia é estimular a cooperação por meio de treinamento e pesquisa", disse à agência SciDev.Net Amanda Lilley Rose, coordenadora do programa. A agenda deve incluir tópicos como culturas tolerantes à seca, produção de energia e tecnologias de informação. Espera-se que especialistas paquistaneses treinem seus colegas afegãos e distribuam material educativo para o país vizinho. Até agora o projeto recebeu recursos da Fundação Richard Lounsbery, sediada em Washington. Entre os parceiros há instituições

KAROLlNSKA EM CHAMAS

como a Comissão de Educação Superior do Paquistão, a Universidade Lahore de Ciências Empresariais, a Universidade de Cabul e a American University do Afeganistão.

comandado por ela própria. Mas, segundo a revista Nature, o estranhamento começou em março, quando ela afastou o decano de pesquisa Karl Tryggvason sem consultar os colegas, com base nas conclusões de uma investigação segundo a qual ele tentou influenciar um comitê de seleção de projetos de pesquisa. Tryggvason argumenta que só quis ajudar, indicando nomes com os quais não tem conexão para substituir candidatos desclassificados. A presidente diz que há um mal-entendido e que não perseguiu ninguém. Mas o nível de hostilidades chegou a tal ponto que parte dos professores da instituição decidiu boicotar um banquete oferecido ao rei Carlos Gustavo.

ARROZ PARA A ÁFRICA Uganda espera tornar-se

líder reqiortal em

pesquisas sobre arroz com a criação um centro de pesquisa e treinamento

de para

agrônomos e fazendeiros. A instituição, que r~cebeu US$ 6 milhões em investimentos do Japão, deve começar a funcionar em dezembro. O investimento

é parte da estratégia

nipônica de fazer parcerias com países do Leste africano investindo em infraestrutura, produção de alimentos e comércio exterior, no âmbito da iniciativa Tokyo International Conference on African Development. tro dessa plataforma,

Den-

o Japão lançou uma

iniciativa cujo objetivo é dobrar a produção de arroz no continente entre 2008 e 2018. "O Japão tem expertise e tradição na cultura de arroz. Começamos a ajudar a África depois de descobrir que o consumo de arroz

é escasso e o continente perde muitas divisas importando o alimento", disse à agência SciDev.Net Goto Akio, da Agência de Cooperação Internacional

do Japão (Jica). O projeto em

Cultura do arroz: novas variedades e transferência de tecnologia

Uganda é uma das principais iniciativas da Jíca na África e busca desenvolver novas variedades de arroz.

PESQUISA FAPESP 175 • SETEMBRO DE 2010 • 25


ANDROIDE EM ÓRBITA Um robô humanoide estará a bordo do próximo voo do ônibus espacial Discovery rumo à Estação Espacial Internacional,

em novembro.

O Robonaut 2, de 136 quilos, foi

J.

F

desenvolvido graças a uma parceria entre a Nasa, agência espacial

o

norte-americana, e a fabricante de

s e E

carros General Motors. Sem perRobonaut 2: no espaço e nas linhas de montagem

nas, ele possui dois braços dotados de capacidade motora para ope-

U

rar as mesmas ferramentas

U ti

os astronautas primeira

que

utilizam. Mas, na

experiência,

trabalhará

apenas no módulo do laboratório

TRANSiÇÃO LUSITANA Cerca de 45% da eletricidade produzida em Portugal já provém de fontes renováveis, ante 17% há cinco anos, e o país está se tornando um exemplo de transição rápida rumo à energia limpa, destacou reportagem publicada no jornal The New York Times. Segundo o diário, a conquista é resultado de políticas agressivas para acelerar a utilização de fontes renováveis. A quantidade de energia eólica produzida no país multiplicou-se sete vezes e Portugal espera, em 2011,

tornar-se um dos primeiros a ina ugurar uma rede de abastecimento de carros elétricos. Para estimular a transição, o governo do premiê José Sócrates reestruturou e privatizou concessionárias de energia do estado. E para atrair as empresas privadas para esse novo mercado o governo garantiu contratos com preços estáveis por 15 anos. "Ouvi todo o tipo de comentários: que era um sonho, que é muito caro", disse Sócrates ao jornal. "Mas a experiência portuguesa mostra que é possível mudar num curto período de tempo."

26 • SETEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 175

Destiny. A ideia, contudo, é que futuramente

possa se movi-

mentar por toda a estação e até participar

de reparos fora

dela. O Robonaut 2 foi desenvolvido para ter grande precisão

ir

nos movimentos e também muita força. A tecnologia servirá

à Nasa, no trabalho pesado da estação, e à GM, em linhas de montagem de carros. "O R2 pode operar com segurança ao

á

lado de pessoas, uma necessidade tanto no espaço quanto na

E

Terra", diz um comunicado da Nasa. A agência e a montadora têm uma antiga parceria, que resultou no desenvolvimento dos sistemas de navegação das missões Apollo, nos anos 1960. A GM também participou da construção do primeiro jipe lunar.

PETRÓLEO INTOCADO O governo do Equador celebrou um acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) em que se compromete a não explorar reservas petrolíferas nos limites do Parque Nacional de Yasuní, na Amazônia equatoriana. Em troca, receberá de um fundo patrocinado por nações desenvolvidas cerca de US$ 3,6 bilhões. O valor é equivalente à metade do que renderia a exploração dos campos, com capacidade de 840 milhões de barris de petróleo. ''A assinatura deste acordo é

uma medida audaciosa e histórica. Este é o primeiro país do mundo a fazê-lo, mantendo permanentemente a fonte de carbono embaixo da terra, com um mecanismo efetivo e verificável", disse, segundo a agência BBC, Rebeca Grynspan, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). De acordo com ela, o acordo não tem precedente. Com uma área de 10 mil quilômetros quadrados, a reserva de Yasuní tem biodiversidade muito rica e também abriga grupos indígenas. A ONU deverá propor acordos do tipo a países como Guaternala, Vietnã e Nigéria.


ESTRATÉGIAS

'do :ial laro. foi

BRASIL

AS BRASILEIRAS NO RANKING CHINÊS

:e:ial

o Academic Ranking of World Univer-

de

sities (ARWU), ranking

ar-

elaborado pelo Institute

of Higher

los

Education da Shanghai

Jiao Tong

ie-

University,

ue na

Universidade de São Paulo (USP) en-

internacional

da China, classificou

a

tre as 150 melhores universidades do

Irá

mundo. O levantamento, divulgado no

rio vi-

dia 12 de agosto, mostra que a USP é

Ira

na e no Brasil. Ela também é a única

a primeira colocada na América Lati-

ão

instituição brasileira a figurar entre as

irá

100 melhores do mundo num dos le-

de

vantamentos setoriais do ranking, o da

ao

área de medicina clínica e de farmácia.

na Ira

Está entre a 76a e 100a posição. Além da USP,aparecem no ranking

os

brasileiras Universidade Estadual de

geral as

.A

Campinas (Unicamp), no pelotão en-

ar.

tre as 201 e 250 melhores; Federal de

USP (alto), Unicamp e Unesp: destaques

Minas Gerais (UFMG), Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Estadual Paulista (Unesp), entre as 400 melhores; e a Federal do Rio Grande do Sul (UFR'O

GS), entre as 500 melhores. No caso da Unesp, houve um salto em relação a 2009, quando aparecia entre as 401 e

nte

500 melhores. Como acontece desde a criação do ranking,

[O

em 2003, a Universidade

mo

a líder, mas a Universidade da Califórnia, Berkeley tomou a

Harvard, nos Estados Unidos, foi

segunda posição de Stanford. Os Estados Unidos ocupam 17 dos19primeiros postos. As britânicas Cambridge (5a) e Oxford (10a)são as únicas não norte-americanas entre as 10 melhores.

das

A Alemanha ocupa a segunda posição entre as 500, com 39 universidades, atrás dos Estados Unidos, com 154 instituições.

a, ate,

Grã-Bretanha, com 38 universidades, e Japão, 25, aparecem à frente da França, que com 22 instituições caiu da quinta para a sexta posição, empatada com Itália e China. Na América Latina, as universidades

Autônoma do México (Unam) e de

Buenos Aires (UBA) figuram no pelotão entre as 151 e 200 melhores, atrás da USP. A metodologia

utiliza indicadores

como o número de alunos e docentes vencedores do Prêmio Nobelou da Medalha Fields (prêmio da área de matemática); o número de pesquisadores com artigos altamente citados na base Thomson Scientific; e o número de artigos publicados nas revistas Nature

e Science; entre outros.

PREMIADA NA FLÓRIDA A pós-doutoranda Lydia Fumiko Yamaguchi, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), foi premiada no 2010 Ioint Annual Meeting da American Society of Pharmacognosy e da Phytochemical Society of North America, ocorrido em julho, na Flórida, nos Estados Unidos. O estudo "Biflavonoids biosynthesis in leaves and cell cultures of Araucaria angustifolia" que envolveu a participação de outros pesquisadores busca desvéndar os

mecanismos bioquímicos e fisiológicos que levam à produção de substâncias conhecidas como biflavonoides na araucária. O trabalho foi o vencedor na categoria pôster para pós-doutorandos. O resultado envolveu pesquisas realizadas no Laboratório de Produtos Naturais (IQ) e no Laboratório de Biologia Celular (Biocel), do Instituto de Biociências da USP. O projeto de Lydia, com bolsa da FAPESP, está vinculado a projetos do Programa Biota-FAPESP e teve supervisão do professor Massuo Jorge Kato, do IQ.

PESQUISA FAPESP 175 • SETEMBRO DE 2010 • 27


INTERCÂMBIO

RETOMADO

Representantes de institutos de pesquisa e programas de biodiversidade de países da América Latina e Caribe se reuniram em agosto, em Buenos Aires, para um workshop cujo objetivo era estreitar

o diálogo entre as bases de da-

dos de biodiversidade internacionais.

nacionais, regionais e

a c ti

d

O evento foi uma iniciativa do

e do

a d p

Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e

d

Programa Biota-FAPESP, do Escritório

Regio-

nal para América Latina e Caribe do Conselho Internacional

para a Ciência (lcsu-LAC)

Tecnológicas (Conicet, na sigla em espanhol), da Argentina. A reunião também contou com representantes

da Comissão Nacional para o

Conhecimento

e Uso da Biodiversidade

nabio), do México, do Instituto

(Co-

Hurnboldt, da

Colômbia, e do Sistema de Informação em Biodiversidade (SIB), da Argentina, entre outros.

I

CYLON GONÇALVES ASSUME CEITEC

Cylon Gonçalves da Silva, professor emérito do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), assumiu em Porto Alegre a presidência da Ceitec S.A., fabricante de semicondutores ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Surgida em 2000 como Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada, somente em 2008 a Ceitec foi transformada em empresa. Seu principal objetivo é desenvolver a indústria eletrônica brasileira por meio da implantação de uma base sólida no setor de semicondutores. "O Brasil já fez várias tentativas de implantar uma indústria de microeletrônica, mas, por razões econômicas e de mercado, nenhuma delas teve muito êxito. Agora há uma janela de oportunidades. O país vive uma demanda por

desenvolvimento de tecnologias em várias áreas, como em telecomunicações", disse Cylon, que nos anos 1980 comandou a implantação do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas e, em 2000, foi um dos organizadores da Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada no ano seguinte. Nos últimos tempos, Cylon Gonçalves era coordenador adjunto da FAPESP para pro&ramas especiais.

o físico: "Janela de oportunidades"

28 • SETEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 175

Carlos Alfredo .Jolv, coordenador

do Biota-FAPESP, disse

que, quando o programa estava sendo planejado em 1997, as lideranças do Conabio e do Instituto Nacional de Biodiversidade (InBio), da Costa Rica, colaboraram apresentando num workshop os erros e acertos de seus programas. "Mas desde então o contato tem sido pequeno", afirmou. co

de de

I

GAtJHADORES DO PREMIO BUNGE

Isaías Raw, pesquisador do Institutó Butantan e professor aposentado da Universidade de São Paulo; Guilherme de Sousa Ribeiro, epidemiologista na Universidade Federal da Bahia; Niro Higuchi, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), e Alexandre Fadigas de Souza, professor de ecologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, foram os ganhadores da 55a edição do Prêmio Fundação Bunge. Na área de Saúde Pública/Medicina Preventiva, Raw foi o contemplado na categoria "Vida e Obra" e Ribeiro em "Juventude". Na área de Ciências Florestais,

Higuchi foi agraciado na categoria "Vida e Obra" e Souza na "Juventude". Para a categoria "Vida e Obra" são escolhidas obras de especialistas já reconhecidos, e na "Juventude", pesquisadores de até 35 anos que tenham defendido teses de mestrado ou doutorado ou sobressaído com algum trabalho nos ramos de premiações. Os prêmios são de R$ 100 mil ("Vida e Obra") e R$ 40 mil ("Juventude"). A cerimônia de entrega dos prêmios será realizada no dia 13 de outubro na Sala São Paulo. No dia seguinte será realizado o Seminário Internacional FAPESP-Fundação Bunge, na sede da FAPESP, com a participação de especialistas nos temas do prêmio.


I e pro-

mérío,em jetivo e daais e iva do egioselho e do icas e nhol), com ara o (C 0-

t, da Biotros. disse 1997, lodiando "Mas

DETALHES FINOS DOS RAIOS

Uma rede formada por câmeras de vídeo de alta resolução entrará em atividade até o início de 2011 para filmar tempestades em São José dos Campos (SP). Os equipamentos estão sendo adquiridos com o apoio da FAPESP por meio do projeto temático Impacto

das mudanças climáticas sobre a incidência de descargas atmosféricas no Brasil; coordenado por Osmar Pinto Iúnior, do Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). As câmeras integrarão o projeto Rammer (Rede Automatizada Multicâmeras para o Monitoramento e Estudo de Raios), conduzido como trabalho de pós-doutoramento do engenheiro eletricista

Antonio Carlos Varela Saraiva, com bolsa da FAPESP. As três câmeras que darão início à rede contam com duas características fundamentais para o estudo de raios: alta velocidade de gravação e boa qualidade de imagem. Elas são capazes de registrar

até 2 mil quadros por segundo com resolução de 1.280 por 720 pixels. A ideia é que registrem diferentes ângulos de uma mesma tempestade, aumentando a qualidade das informações. "Será possível observar detalhes finos do raio", disse Saraiva à Agência FAPESP.

Ia

CHAMADA

DE PROPOSTAS

IA FAPESP e a Braskem/ldeom lançaram nova chamada de propostas de pesquisa a serem desenvolvidas

(lido

por pesquisadores de instituições

no estado de São

Paulo. Os projetos selecionados deverão contribuir

o

para o avanço do conhecimento e da tecnologia nas áreas de: 1) processos de síntese de intermediários, monômeros e polfrneros a partir de matérias-primas renováveis; 2) captura, armazenamento e conversão de CO2; 3) estudos e desenvolvimento

de materiais

que atribuam aos polímeros as propriedades físico-

ttuodia

Polímero: avanço do conhecimento

-químicas que possibilitem

em apli-

cações demandadas pelo mercado; 4) poliolefinas (catálise, modificação química, outros); 5) formação de recursos humanos altamente qualificados

e, ,a stas

sua utilização

nos itens descritos. O total de

recursos é de R$10 milhões, sendo R$ 5 milhões da FAPESP e R$ 5 milhões da Braskem/ldeom.

o Instituto de Física da Universidade de São Paulo sediará, de 10 a 30 de setembro, a mostra itinerante que homenageia o italiano Giuseppe Occhialini (1907-1993), pioneiro da física no Brasil. A exposição Giuseppe Occhialini, um cientista dedicado à descoberta do universo invisível, que já

Para a" :idos,

I

UNIVERSO INViSíVEL

As propostas serão recebidas até o

dia 16 de novembro. A Ideom Tecnologia foi criada em dezembro de 2008 para ser a empresa de inovação e tecnologia da Braskem.

passou por Roma, Milão e outras cidades italianas, foi organizada pelo Departamento de Comunicação do Instituto Nacional de Astrofísica da Itália. Occhialini foi um dos responsáveis por liderar na USP, na década de 1930, atividades pioneiras de pesquisa em física. Ajudou a formar os primeiros grupos de físicos brasileiros, tendo entre seus alunos Mario Schõnberg (1914-1990) e Cesar Lattes (1924-2005). A exposição poderá ser vista no Instituto de Física, na rua do Matão, 187, na Cidade Universitária.

PESQUISA FAPESP 175 • SETEMBRO DE 2010 • 29


política científica e tecnológica

[ Avaliação ]

As redes na berlinda Simpósio vai analisar os primeiros resultados dos 122 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia

U

Fabrício Marques

m simpósio de três dias, previsto para acontecer em Brasília no mês de novembro, fará a primeira avaliação dos 122 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), redes virtuais de pesquisadores criadas em áreas estratégicas ou em temas de fronteira, formadas graças a uma parceria entre o governo federal e as fundações estaduais de amparo à pesquisa (FAPs) – a FAPESP financia 50% dos recursos destinados aos 44 institutos sediados no estado de São Paulo. A avaliação estava prevista no edital de lançamento, em 2008, e constituirá um primeiro parâmetro sobre o funcionamento do programa. Os contratos com os institutos têm duração de cinco anos, mas há garantia de financiamento apenas para os três primeiros. A prorrogação por mais dois anos dependerá do desempenho dos 122 institutos. Há a possibilidade de lançar um novo edital no próximo ano. “É o momento de ver se todos estão correspondendo e se não houve algum artificialismo na formação das redes”, diz Eduardo Moacyr Krieger, membro do Conselho Superior da FAPESP e presidente da Academia Brasileira de Ciências entre 1993 e 2004, que integra o comitê gestor do programa. O seminário em Brasília terá 11 grupos de trabalho distribuídos por grandes temas. Cada coordenador de projeto apresentará os resultados parciais em sessões de 30 minutos, seguidas por 15 minutos de debates com consultores incumbidos da avaliação. Cada INCT poderá montar um estande mostrando os frutos de sua pesquisa. Krieger lembra que a meta inicial do programa era lançar 45 institutos, mas esse número chegou a 122 depois que as FAPs se prontificaram a investir pesadamente no programa, dando contrapartidas vultosas para as redes sediadas em

30

n

setembro DE 2010

n

PESQUISA FAPESP 175


seus estados. “A seleção de propostas foi feita da melhor forma possível, mas num tempo relativamente curto. Foram avaliados a qualidade das propostas e o interesse das FAPs. Agora teremos a visão do conjunto”, afirma. Krieger diz que é o momento também de discutir que outras áreas não contempladas na primeira chamada precisam sê-lo – e corrigir o rumo no próximo edital. “Foram contemplados projetos de demanda espontânea e em áreas estratégicas induzidas, mas não houve uma indução muito detalhada. Numa próxima chamada será o caso de discutir outras necessidades”, diz. Para o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o físico Carlos Aragão, a percepção é que o programa decolou. Segundo ele, os INCTs são o mais abrangente programa com redes temáticas já feito e seu objetivo principal é gerar sinergia entre bons grupos de pesquisadores para dar mais qualidade e projeção internacional à ciência e à tecnologia do país. “Mas ainda é cedo para poder afirmar até que ponto a articulação dos grupos está mesmo potencializando a qualidade da pesquisa ou se, em algumas redes, os membros estão produzindo juntos o mesmo que fariam de maneira isolada”, afirma. “A avaliação em novembro nos dará um primeiro panorama”, diz Aragão.

Os institutos começaram a funcionar entre dezembro de 2008 e fevereiro de 2010. Dos R$ 607 milhões comprometidos no projeto, a FAPESP é responsável por R$ 113,4 milhões. A Fundação, que oferece a metade dos recursos que abastecem os 44 institutos do estado de São Paulo, só fica atrás do FNDCT (R$ 190 milhões) no ranking das fontes financiadoras, seguida pelo CNPq (R$ 110 milhões), a Fapemig (R$ 36 milhões), a Faperj (R$ 35,8 milhões), a Capes (R$ 30 milhões), o BNDES (R$ 22,4 milhões), a Petrobras (R$ 21,4 milhões) e o Ministério da Saúde (R$ 17,5 milhões). As FAPs do Amazonas (R$ 10,4 milhões), do Pará (R$ 8 milhões), de Santa Catarina (R$ 7,5 milhões), do Rio Grande do Norte (R$ 2,1 milhões) e do Piauí (R$ 1,5 milhão), além do Ministério da Educação (R$ 1 milhão), completam a lista dos financiadores. “A FAPESP contribui decididamente para o Programa INCT, sendo o segundo maior financiador. Fizemos isso pois o programa tem qualidades importantes, entre as quais facilitar a interação em redes de pesquisadores em todo o país, o que traz importante contribuição aos mais de 400 projetos temáticos que a FAPESP apoia”, diz Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP. De acordo com o ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, a participação da FAPESP foi funda-

Recursos para os institutos Órgãos e agências que financiam o programa (em milhões de reais) MEC Fapepi Fapern Fapesc Fapespa Fapeam MS Petrobras BNDES

ilustração uva costriuba

Capes Faperj Fapemig CNPq FAPESP FNDCT 0,0

50,0

100,0

150,0

PESQUISA FAPESP 175

n

200,0

setembro DE 2010

n

31


mental para o programa, uma vez que São Paulo concentra a maior parte dos estudantes e dos grupos de pesquisa qualificados do país. “São Paulo refletiu sua capacidade científica no programa e deixou um exemplo bom para o futuro. As FAPs que ficaram de fora estão arrependidas”, diz Rezende. Segundo o ministro, os coordenadores dos institutos já começaram a apresentar relatórios em inglês para mostrar de maneira clara os resultados de pesquisa. “Eu já li três ou quatro relatórios e os resultados estão aparecendo”, afirma. Ele admite que algumas áreas foram contempladas de modo insuficiente no programa: “Há muitos institutos na área da saúde, mas apenas 10% na área de engenharia. As ciências exatas também ficaram sub-representadas”. Dos 122 institutos, 39 são da área da saúde, 14 estão em engenharias, física e matemática, 11 em biotecnologia e nanotecnologia, 9 em ciências sociais, 9 em agronegócio, 7 em tecnologias da informação e comunicação, 7 em estudos sobre a Amazônia, 7 em biodiversidade e meio ambiente, 7 em energia, 3 em Antártida, 2 em energia nuclear e 7 em outros temas. Em julho, o MCT anunciou a intenção de criar dois novos institutos na área de ciências do mar, campo do conhecimento que ficara de fora dos projetos contemplados. “O Brasil tem 8 mil quilômetros de costa e não podíamos deixar de ter institutos nessa área”, diz Rezende. A ideia é que um deles realize estudos na costa litorânea do Norte e do Nordeste e o outro no Sul e no Sudeste. “Espero que haja capacidade de organização dos pesquisadores. Se vierem duas propostas para uma mesma região, quem perder ficará de fora da rede, o que será uma pena.”

R

ezende ressalta que a seleção dos institutos foi rigorosa. “Em estados que disponibilizaram mais dinheiro pode ter acontecido de haver institutos aprovados com nota menor do que os de outros estados. Mas todos passaram por uma avaliação e eram projetos de grande qualidade”, afirma o ministro. Para Rezende, os INCTs terão o dom de potencializar os resultados dos grupos de pesquisa do país. “Embora o Brasil forme cer-

32

n

setembro DE 2010

n

PESQUISA FAPESP 175

O modelo dos INCTs é inspirado no sucesso dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), da FAPESP

ca de 12 mil doutores por ano, ainda há falta de densidade em certas áreas. Com as pessoas trabalhando em rede e um financiamento que é razoável, estão melhorando a infraestrutura e a troca de informações”, completa. Segundo Glaucius Oliva, professor do Instituto de Física de São Carlos, da USP, e coordenador do INCT de Biotecnologia Estrutural e Química Medicinal em Doenças Infecciosas (INBEQMeDI), os institutos já estão cumprindo um papel importante na aproximação de pesquisadores brasileiros com parceiros de outros países. Oliva, que desde fevereiro responde pela diretoria de Engenharias, Ciências Exatas, Humanas e Sociais do CNPq, diz que os institutos são uma boa plataforma para acordos de cooperação. “Estamos recebendo instituições e agências de vários países, como Alemanha, França, Holanda, Canadá e Espanha, em busca de acordos de coo­peração. Os INCTs são uma porta de entrada para colaborações internacionais, que não só promovem a integração dos pesquisadores como ajudam a criar massa crítica, a dar visibilidade para nossa pesquisa e a abrir canais para captação de recursos”, afirma. Um edital de cooperação com a Suíça em áreas como neurociên­ cias, saúde, energia e meio ambiente contemplou parcerias entre 10 INCTs

e instituições suíças, num valor total recomendado de 2,7 milhões. O INBEQMeDI tem como missão realizar estudos estruturais e biológicos em alvos moleculares específicos de micror­ganismos associados com doenças infecciosas, particularmente doenças tropicais negligenciadas. “Nossa meta é o desenvolvimento de novos fármacos para o tratamento das doenças endêmicas, como leishmaniose, esquistossomose, doença de Chagas, malária e leptospirose”, diz o professor. Ele ressalta que o modelo dos INCTs é claramente inspirado no sucesso dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), criados pela FAPESP em 2000 – um deles, o Centro de Biotecnologia Molecular Estrutural, é comandado pelo próprio Oliva e vem se dedicando a projetos inovadores em biotecnologia estrutural e química medicinal. “Os Institutos do Milênio, antecessores dos INCTs, já haviam se inspirado nos Cepid. Também buscavam a formação de redes, mas eram mais fragmentados e tinham menos foco”, diz Oliva. “O Programa INCT assemelha-se ao programa FAPESP de Projetos Te­ máticos e por isso a Fundação usou essa modalidade para participar da parceria com o CNPq”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, da FAPESP. Segundo Oliva, já foi possível detectar um crescimento da produção científica entre os membros da rede. No ano passado eles publicaram 86 artigos em revistas indexadas, cinco a mais do que em 2008 e 19 a mais do que em 2007. No caso do INCT coordenado por Oliva, a ênfase do grupo consiste em obter novas tecnologias e aperfeiçoar os recursos humanos. “Isso porque já tínhamos investido bastante em equipamentos, por conta de 10 anos de atividade do Cepid, da FAPESP”, afirma. Sete grupos da USP participam da rede, além de pesquisadores da Federal de São Carlos, da Federal de Viçosa e da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

O

impacto dos INCTs na produção científica assume configurações peculiares em cada grupo. O INCT de Técnicas Analíticas Aplicadas à Exploração de Petróleo e Gás, por exemplo, está permitindo a formação de uma rede de pesquisadores que já existia no papel há algum tempo, mas não


conseguia efetivamente estabelecer-se. Coordenado por Colombo Celso Gaeta Tassinari, professor do Instituto de Geo­ ciências da USP, o instituto tem como missão desenvolver técnicas de análise da composição isotópica em minerais e rochas, para auxiliar na análise de riscos exploratórios e nos estudos de reservatórios de óleo e gás. “A meta é formar massa crítica significativa e de alta qualificação para dar sustentação às próximas décadas nas atividades ligadas aos estudos exploratórios e de reservatórios de óleo e gás”, diz Tassinari. Além da FAPESP e do CNPq, o instituto também conta com recursos da Petrobras, grande interessada em suas pesquisas.

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o Brasil existem quatro grandes laboratórios que se dedicam a esse tipo de investigação, na USP, na Universidade de Brasília e nas federais do Pará e do Rio Grande do Sul. “A rede com essas instituições foi criada em 2004, mas não havia se tornado efetiva. Os laboratórios conversavam entre si, mas continuavam trabalhando segundo seus interesses, sem uma coordenação e com superposição de pesquisas”, diz Tassinari. A aquisição

conjunta de material de consumo, o intercâmbio de peças de equipamentos de grande porte e as reuniões periódicas propiciaram o início da colaboração. Uma das principais metas do instituto é trazer para o Brasil, por meio do treinamento de pesquisadores no exterior, novas técnicas de análise. “O parque de equipamentos é satisfatório, pois fomos fortemente apoiados tanto pela FAPESP como pela Petrobras, e a Finep ajudou nossos parceiros”, afirma. “Só pelo fato de formarmos uma rede já se tornou possível captar recursos com mais facilidade. Não mudamos as linhas de trabalho, mas a colaboração em rede permitiu que participássemos de um edital da Finep para laboratórios de geologia isotópica, que beneficiou grupos como o da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e das federais da Bahia e de Sergipe e de Mato Grosso. Sem a rede, esse edital não teria saído”, afirma Tassinari. No INCT de Obesidade e Diabetes, o impacto na produção científica resultará, em boa medida, na compra por US$ 950 mil de um grande equipamento, um espectrômetro de massas, equipamento que permite identificar

Campos do conhecimento As áreas das 122 redes temáticas Outras Nuclear Antártica e Mar

7

Energia Biodiversidade e Meio Ambiente

Agronegócio

Amazônia

3

7

2

Saúde

39

7 9 7 14

TICs

7 9

Ciências Sociais

11

Engenharias, Física e Matemática Biotecnologia e Nanotecnologia

os diferentes átomos que compõem uma substância, que será instalado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. “Esse equipamento permitirá fazer análise do metabolismo dos obesos e diabéticos como nunca se fez não só no Brasil, mas inclusive no exterior”, diz Mario Saad, professor da Unicamp e coordenador do instituto. “Será um upgrade importantíssimo em termos de química analítica no meu laboratório”, diz Aníbal Vercesi, professor do Departamento de Patologia Clínica da FCM, que integra a rede do instituto. Segundo ele, nos Estados Unidos os pesquisadores encomendam estudos desse tipo a empresas e recebem o resultado em um prazo curto. “Meu plano é propor um novo projeto temático para analisar as propriedades do proteoma das mitocôndrias de animais transgênicos”, diz Vercesi, que pretende, para isso, encontrar um estudante de pós-doutorado treinado na área para fazer análise proteômica. Mas mesmo antes da chegada do equipamento o grupo já observa uma influência positiva da produção. Segundo ele, já se vê uma tendência de publicar artigos em revistas de maior impacto, como resultado do adensamento da pesquisa feita em rede. Um exemplo recente é um artigo de capa da revista PLoS Biology, de autoria de José Barreto Campello Carvalheira, que encontrou benefícios gerados pelo exercício físico no controle da ingestão alimentar.

O

INCT de Células-Tronco em Doen­ ças Genéticas Humanas, coordenado pela professora da USP Mayana Zatz, com pesquisadores de cinco estados, busca associar os estudos de genômica com a pesquisa de células-tronco no Brasil. Uma das metas é criar um banco de células-tronco que contenha amostras derivadas de ampla variedade de indivíduos com doenças genéticas para o desenvolvimento de projetos de pesquisa e a busca de novos tratamentos. O instituto também é tributário de um Cepid da FAPESP, o Centro de Estudos do Genoma Humano, liderado por Mayana. “O grande salto do nosso grupo se deu com o Cepid. Agora, com o INCT, além das pesquisas visando à terapia celular com células-tronco, queremos fazer uma coisa nova, que é

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associar os estudos de genômica com a pesquisa de células-tronco no Brasil”, afirma Mayana. Entre os objetivos do instituto busca-se, utilizando as células-tronco de pacientes afetados, criar linhagens celulares que permitam desenvolver diferentes estratégias de terapia gênica e agentes farmacológicos para corrigir defeitos genéticos específicos. No escopo do instituto figura um projeto, o 80 mais, que vai coletar amostras de DNA de mil pessoas com mais de 80 anos, as quais serão submetidas a ressonância magnética do cérebro em busca de marcadores genéticos ligados ao envelhecimento saudável. “No futuro, esses genomas servirão para entender o significado de mutações encontradas em pessoas mais jovens, isto é, se causam ou não doenças. Hoje já é possível fazer o sequenciamento genético de uma pessoa por cerca de US$ 1.000, mas teremos muito mais informação do que conhecimento. Queremos sa-

ber o significado. Se uma mutação for prevalente em idosos saudáveis, saberemos que ela não causa prejuízo”, diz Mayana. Com recursos da Finep, um novo prédio vai multiplicar por dois o espaço para pesquisa do Centro de Estudos do Genoma Humano.

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o caso do INCT para Mudanças Climáticas, coordenado por Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o investimento está permitindo estimular a formação de uma ampla rede de 250 pesquisadores espalhados por 70 instituições brasileiras e 10 internacionais e patrocinar estudos que vão além da tradicional pesquisa sobre o clima, abordando aspectos como a adaptação às mudanças climáticas, a mitigação de seus efeitos, além de avançar na determinação das causas do aquecimento global. “Observar as mudanças climáticas não nos dá o direito de afirmar que todas

as causas são antropogênicas. Temos alterações de vegetação muito significativas que nos levam a mudanças de caráter regional. Para entendermos, é importante ter pesquisa de caráter interdisciplinar, que envolva não só o climatologista, mas também o agrônomo, o biólogo e o cientista social”, afirma Nobre. Segundo ele, o escopo do INCT se aproxima ao de outras iniciativas como o Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e a Rede Clima, do governo federal. “Essencialmente, o instituto está ajudando a aumentar os investimentos na pesquisa em mudanças climáticas, que ainda é baixo. O INCT atualmente é responsável por 40% dos recursos para pesquisa em mudanças climáticas”, diz Nobre, que também coordena o programa da FAPESP. A meta do INCT Semioquímicos na Agricultura, coordenado por José

Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia sediados em São Paulo Instituto

coordenador

Instituição

Análise Integrada do Risco Ambiental

Paulo Hilário Nascimento Saldiva

USP

Astrofísica

João Evangelista Steiner

USP

Bioanalítica

Lauro Tatsuo Kubota

Unicamp

Biofabricação

Rubens Maciel Filho

Unicamp

Biotecnologia Estrutural e Química Medicinal em Doenças Infecciosas

Glaucius Oliva

USP

Biotecnologia para o Bioetanol

Marcos Silveira Buckeridge

USP

Células-Tronco em Doenças Genéticas Humanas

Mayana Zatz

USP

Células-Tronco e Terapia Celular

Roberto Passetto Falcão

USP

Ciências dos Materiais em Nanotecnologia

Elson Longo

Unesp

Comportamento, Cognição e Ensino

Deisy das Graças de Souza

UFSCar

Controle Biorracional de Insetos Pragas

Maria Fátima das Graças Fernandes da Silva

UFSCar

Eletrônica Orgânica

Roberto Mendonça Faria

USP

Engenharia da Irrigação

José Antonio Frizzone

USP

Estudos da Metrópole

Nadya Araújo Guimarães

Cebrap

Estudos do Espaço

Sergio Frascino Muller de Almeida e José Renan de Medeiros

ITA/UFRN

Estudos do Meio Ambiente

Claudio Augusto Oller do Nascimento

USP

Estudos sobre os Estados Unidos

Tullo Vigevani

Unesp

Fotônica Aplicada à Biologia Celular

Hernandes Faustino de Carvalho

Unicamp

Fluidos Complexos

Antonio Martins Figueiredo Neto

USP

Fotônica para Comunicações Ópticas

Hugo Luis Fragnito

Unicamp

Genômica para Melhoramento de Citros

Marcos Antonio Machado

Instituto Agronômico

HPV

Luisa Lina Villa

Santa Casa de São Paulo

Hymenoptera Parasitoides da Região Sudeste Brasileira

Angélica Maria Penteado Martins Dias

UFSCar

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Roberto Postali Parra, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, é reduzir ou substituir o uso de agroquímicos na agricultura, desenvolvendo bases tecnológicas para a identificação, síntese e uso de semioquímicos na agricultura brasileira. Semioquímicos são substâncias utilizadas na comunicação entre os seres vivos na natureza, no caso insetos e plantas. “Nosso objetivo é formar massa crítica para reduzir nossa dependência externa nessa área. Hoje a identificação e a síntese desses produtos químicos são feitas no exterior. Temos de mandar feromônios para serem sintetizados no Japão ou nos Estados Unidos”, afirma. Além da Esalq, que coordena o instituto, há participantes das universidades federais do Paraná, de Viçosa e de Alagoas. “Estamos colocando entomologistas e químicos para trabalhar juntos e queremos atrair pesquisadores estran-

geiros para fazer pós-doutorado no Brasil e nos ajudar a desenvolver essa expertise”, diz José Maurício Simões Bento, professor da Esalq-USP e subcoordenador do instituto.

pois o financiamento dos institutos é elevado e sua administração sobrecarrega a rotina dos coordenadores. “Uma coisa é administrar um projeto de R$ 100 mil, outra é cuidar de R$ 7,2 milhões ao longo de três anos. E o dinheiro entra numa conta com o meu CPF”, diz Nobre. “Como não há hipótese além de tratar o dinheiro com padrões éticos muito rígidos, acabo destinando muito tempo para cuidar disso”, completa. Outra queixa refere-se à regulação tardia do uso dos recursos. Os grupos já haviam combinado uma partilha dos recursos entre os membros da rede quando saiu uma norma estabelecendo que os recursos das FAPs só poderiam ser utilizados em grupos dos respectivos estados – a mobilidade de recursos só seria possível com o dinheiro federal. “Tivemos de fazer rearranjos, o que trouxe alguma frustração de grupos de outros estados”, diz Colombo Tassinari. n

A

experiência do primeiro edital dos INCTs sugere algumas correções de rumo para as próximas iniciativas, de acordo com coordenadores dos institutos. Carlos Aragão, o presidente da CNPq, diz que um dos desafios é que a gestão das redes seja feita de maneira eficiente. “É preciso assegurar que o trabalho em rede, que é a forma moderna de fazer pesquisa, está gerando benefícios”, diz. Segundo ele, alguns grupos têm relatado dificuldades e há coordenadores trabalhando numa carta de sugestões que apontará entraves e maneiras de superá-los. O climatologista Carlos Nobre afirma que é necessário instituir a figura do gestor de recursos,

Instituto

coordenador

Instituição

Informação Quântica

Amir Ordacgi Caldeira

Unicamp

Investigação em Imunologia

Jorge Elias Kalil Filho

USP

Materiais Complexos Funcionais

Fernando Galembeck

Unicamp

Metrologia das Radiações na Medicina

Linda Viola Ehlin Caldas

Ipen

Mudanças Climáticas

Carlos Afonso Nobre

Inpe

Obesidade e Diabetes

Mário José Abdalla Saad

Unicamp

Oncogenômica

Luiz Paulo Kowalski

Hospital do Câncer A. C. Camargo

Óptica e Fotônica

Vanderlei Salvador Bagnato

USP

Neurociência Translacional

Esper Abrão Cavalheiro

Unifesp

Pesquisas em Fisiologia Comparada

Augusto Shinya Abe

Unesp

Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas

Ronaldo Ramos Laranjeira

Unifesp

Processos Redox em Biomedicina

Ohara Augusto

USP

Psiquiatria do Desenvolvimento para Crianças e Adolescentes

Euripedes Constantino Miguel

USP

Sangue

Fernando Ferreira Costa

Unicamp

Semioquímicos na Agricultura

José Roberto Postali Parra

USP

Sistemas Embarcados Críticos

José Carlos Maldonado

USP

Sistemas Micro e Nanoeletrônicos

Jacobus Willibrordus Swart

Unicamp

Técnicas Analíticas Aplicadas à Exploração de Petróleo e Gás

Colombo Celso Gaeta Tassinari

USP

Tecnologias Analíticas Avançadas

Celio Pasquini

Unicamp

Toxinas

Osvaldo Augusto Brazil Esteves Sant’anna

USP

Violência, Democracia e Segurança Cidadã

Sérgio França Adorno de Abreu

USP

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[ Internacionalização ]

Atração de talentos Grupo do Instituto de Física da Unicamp se destaca por trazer pesquisadores de outros países

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um tempo em que se discute a importância de internacionalizar cada vez mais a ciência brasileira, o grupo de pesquisadores liderado pelo físico Marcelo Knobel, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mostra como o intercâmbio de experiências entre estudantes de pós-graduação de nacionalidades diferentes tem o condão de oxigenar um ambiente de pesquisa – e de atrair mais pesquisadores de fora, num círculo virtuoso. Knobel, de 42 anos, coordena desde o final dos anos 1990 um grupo dedicado à pesquisa de novos materiais magnéticos, instalado no Laboratório de Magnetismo e Baixas Temperaturas (LMBT) do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp. Como o grupo mantém colaborações com cientistas de vários países e é reconhecido internacionalmente, Knobel recebe com frequência mensagens de estudantes estrangeiros interessados em fazer mestrado, doutoramento e pós-doutoramento na Unicamp. Ele sempre avalia os pedidos com interesse e, com a ajuda da universidade e de agências de fomento à pesquisa, tem conseguido atrair gente de vários países para seu laboratório – atualmente reúne doutorandos e pós-doutorandos da Índia, Espanha, Chile, Colômbia e Canadá. “Além do interesse dos pesquisadores,

ajuda muito o fato de termos bolsas de estudo com valores bastante competitivos internacionalmente”, diz Knobel. “Eles vêm para o Brasil estimulados pela chance de trabalhar num ambiente em que é possível realizar pesquisa de ponta e até fazem um pé de meia”, afirma o professor, que agora também é pró-reitor de Graduação da Unicamp. A canadense Fanny Béron é uma das pós-doutorandas que atuam no grupo de Knobel. Ela fez graduação, mestrado e doutorado em engenharia física na École Polytechnique de Montreal e, em 2007, procurava uma universidade num país estrangeiro para fazer pós-doutorado. Foi seu orientador Arthur Yelon, que mantinha uma colaboração com Knobel, quem sugeriu a Unicamp. “Não queria ir aos Estados Unidos, porque já conheço muito bem o ritmo de vida norte-americano, e não achei lugar na Europa que tivesse um bom laboratório numa cidade interessante”, lembra Fanny, que não se arrependeu da escolha. “Tenho acesso fácil a equipamentos que não tinha em Montreal, trabalho com um bom grupo que produz muito e tenho a possibilidade de colaborar com vários pesquisadores de alto nível”, afirma. Recentemente trocou a bolsa de pós-doutoramento que recebera de uma instituição canadense por outra da FAPESP, que tem o valor de R$ 5.028,90 mensais.

Esta é a primeira reportagem de uma série sobre a internacionalização da pesquisa científica em São Paulo PESQUISA FAPESP 175

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“A quantia era semelhante, mas a FAPESP dá uma reserva técnica muito útil para ir a conferências”, explica. “Sei que as condições de pesquisa na Unicamp são melhores que em outros lugares no Brasil. O Brasil não é uma escolha tradicional para jovens pesquisadores estrangeiros, que em geral preferem Estados Unidos e Europa, mas encontrei aqui tudo o que precisei e ainda tive a oportunidade de conhecer melhor a América do Sul”, conclui. Outro pesquisador estrangeiro satisfeito com a experiência na Unicamp é o espanhol Jacob Torrejón Díaz, que acaba de concluir o pós-doutoramento de um ano no grupo de Knobel e se prepara para fazer um novo pós-doutorado, agora no Laboratoire de Physiques des Solides em Paris, do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS, na sigla em francês). Em 2009, quando acabou seu doutorado em materiais nanoestruturados na Universidade Autônoma de Madri, constatou que as alternativas para pós-doutoramento na Europa estavam limitadas. “Era o início da crise econômica e a maioria dos programas de bolsas e contratos de pesquisa foi reduzida drasticamente”, recorda-se. Conhecia o professor Kleber Pirota, do grupo de Marcelo Knobel, que lhe sugeriu a Unicamp. “Ele me falou das bolsas de pesquisa da FAPESP de fluxo aberto, as quais eram aprovadas muito rapidamente, de um a dois meses, enquanto na Europa a maioria das agências demora um ano pra conceder uma bolsa. Eu considerei muito atrativo e interessante o projeto da pesquisa, o equipamento do Laboratório de Magnetismo e Baixas Temperaturas e as condições econômicas da bolsa. E vim para o Brasil”, afirma. Às vésperas de deixar o país, considera sua passagem pela Unicamp bastante proveitosa. “Aprendi diferentes técnicas de caracterização magnética, criogenia, técnicas de medida no Síncrotron, uso de potentes aparelhos, além da língua portuguesa e a maravilhosa cultura do Brasil”, enumera. Também desenvolveu trabalhos em áreas diversas, de ressonância ferromagnética a nanofios isolados, que estão sendo publicados em revistas internacionais. “Estou feliz 38

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Os alunos brasileiros se beneficiam do conhecimento e da experiência partilhados e se familiarizam com um ambiente internacional

por contribuir para melhorar o equipamento do laboratório. Participei ativamente da montagem do laboratório de fabricação de nanoestruturas. Minha passagem serviu para o estabelecimento de uma colaboração que espero seja duradoura”, afirma. Segundo Marcelo Knobel, a concentração de estudantes da América Latina fez com que dois idiomas fossem adotados no laboratório: além do inglês, que é a língua franca da ciência, também o portunhol pode ser ouvido. Fanny e Torrejón Díaz trabalharam em conjunto com pesquisadores como o indiano Surender Kumar Sharma, que fez graduação, mestrado e doutorado em física na Universidade Himachal Pradesh e, desde 2007, está na Unicamp, com bolsa da FAPESP. “Comecei a colaborar com o Surender durante o seu doutoramento e depois ele decidiu vir”, lembra Knobel. “No caso dele, há um aspecto interessante. Ele acaba de conseguir trazer a sua esposa, que também conseguiu uma bolsa de pós-doc na biologia, também da FAPESP”, afirma. O grupo tem ainda estudantes como a chilena Lenina Valenzuela, li-

cenciada em física pela Universidade de Santiago do Chile, que desde 2007 se dedica, sob orientação de Knobel, a um doutoramento em magnetoimpedância, com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Todos os estrangeiros trabalham com alunos de mestrado e de iniciação científica brasileiros, que, de acordo com Knobel, se beneficiam não só do conhecimento e da experiên­ cia partilhados como também da oportunidade de se familiarizarem com outros idiomas e com um ambiente de pesquisa internacional. Tarefas burocráticas - Knobel conta

que não basta disposição para trazer os pesquisadores estrangeiros – o apoio institucional também é fundamental. “Em outros países, o líder de um grupo de pesquisa recebe um grant e tem autonomia para gerenciar os recursos e trazer gente de fora. Aqui no Brasil não é assim que acontece. Só tem funcionado porque a Unicamp tem metas fortes para a internacionalização e busca ativamente novas parcerias para intercâmbios de estudantes”, afirma. O pesquisador adverte, contudo, que ainda há vários empecilhos a resolver, que, não raro, acabam sobrecarregando o líder do grupo com tarefas burocráticas, tais como obter visto e até ajudar o aluno convidado a obter moradia. O pró-reitor de Pesquisa da Unicamp, Ronaldo Pilli, confirma que ainda há dificuldades. “Tive de ser fiador do aluguel de um pesquisador estrangeiro convidado que trouxe para o meu grupo”, afirmou. O grupo de Knobel chama a atenção pela diversidade de pesquisadores estrangeiros, mas está longe de ser um exemplo isolado na Unicamp. Um programa de bolsas de doutorado estabelecido pelo CNPq em parceria com a Academia de Ciências do Mundo em Desenvolvimento (TWAS) já trouxe algumas levas de estudantes paquistaneses interessados em fazer doutorado no Instituto de Química (IQ) da universidade. “O interessante é que isso se retroalimenta e recebo pedidos de cada vez mais paquistaneses interessados em vir para o Brasil”, diz Pilli, que é professor do IQ. Há outro


exemplo bem-sucedido no campo da iniciação científica, também na área de química. Trata-se de um programa piloto da FAPESP e da National Science Foundation (NSF) que promove intercâmbio de alunos de graduação de química de universidades paulistas e norte-americanas. A oportunidade, no caso, é de mão dupla: tanto os alunos da Unicamp fazem estágio nos Estados Unidos quanto os alunos norte-americanos vêm estagiar no Brasil. Um dos alunos da Unicamp que participaram do programa, Ricardo Barroso Ferreira, de 21 anos, recentemente foi coautor de um artigo na revista Science. Por conta do estágio que realizou na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, ele participou de um projeto que resultou na criação de um cristal sintético tridimensional capaz de capturar emissões de dióxido de carbono – tema do artigo da Science. A Unicamp tem uma estratégia para ampliar sua internacionalização. Segundo o pró-reitor Ronaldo Pilli, teve início em 2009 um projeto voltado a atrair professores visitantes estrangeiros para ministrar cursos de curta duração. Um edital lançado no ano passado em parceria com a Pró-Reitoria de Pós-Graduação recebeu 60 propostas de departamentos interessados em trazer professores visitantes para ministrar cursos de pós-gradua-

Não basta ter disposição para trazer pesquisadores estrangeiros. O apoio institucional é fundamental

ção de no máximo dois meses. Vinte e sete propostas foram selecionadas e a Unicamp vai investir R$ 400 mil no primeiro ano. Também há um esforço para atrair pesquisadores visitantes por perío­dos maiores. A meta é oferecer bolsas de um a dois anos para nomes de interesse dos departamentos com a chance de prestar um concurso para docente ao final do período da bolsa. Anúncios em revistas científicas internacionais, como Nature e Science, atraíram mais de 50 interessados, que

enviaram seus currículos para a Unicamp e foram submetidos ao escrutínio dos departamentos. Os selecionados foram convidados a visitar a universidade e já há dois deles, um canadense e um francês, que virão passar até dois anos na Unicamp a partir de março. “Nosso interesse não é apenas trazer estrangeiros, mas também repatriar pesquisadores brasileiros estabelecidos no exterior”, diz Pilli. Para facilitar a incorporação desses pesquisadores, a Unicamp planeja mudar as regras de concursos de certas categorias de docentes, permitindo que as provas sejam feitas em idiomas estrangeiros. Também no campo do ensino a Unicamp tem um trabalho forte pela internacionalização. A cada semestre a instituição recebe cerca de 100 estudantes estrangeiros de graduação e de pós-graduação, na maioria de países da América Latina com quem a universidade mantém convênios – o total de estrangeiros estudando na Unicamp oscila entre 800 e mil alunos. “A procura é grande por estudantes de países como o Peru e a Colômbia, que veem a Unicamp como referência em ciências exatas e engenharias”, diz o físico Leandro Tessler, responsável pela Coor­ denadoria de Relações Institucionais e Internacionais (Cori). Segundo ele, a universidade tem se esforçado em fazer convênios com universidades norte-americanas e europeias. “Há espaço para crescer, principalmente com os Estados Unidos”, diz. A ideia, segundo Tessler, é aplicar no ensino a mesma estratégia da pesquisa. “A universidade se qualifica quando se expõe ao exterior. Na pesquisa, usamos parâmetros internacionais e nos tornamos reconhecidos. Estamos fazendo o mesmo agora com o ensino”, afirma. Uma das vantagens é fazer com que os estudantes da Unicamp tenham contato com ideias diferentes. “Os grupos universitários brasileiros são muito homogêneos e é bom conhecer mais diversidade”, afirma. Mas o objetivo fundamental é garantir uma formação superior internacionalizada. “O aluno se torna mais competitivo quando tem vivência internacional”, afirma Tessler. n

Fabrício Marques PESQUISA FAPESP 175

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Esforços articulados FAPESP lança mão de um conjunto de iniciativas para tornar a pesquisa paulista mais competitiva no exterior

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internacionalização da pesquisa no estado de São Paulo vem sendo alvo de um conjunto de iniciativas da FAPESP. Um dos exemplos dessa estratégia pode ser visto em São Paulo, no início de agosto, quando 350 estudantes de pós-graduação brasileiros e estrangeiros e 20 especialistas de diversas nacionalidades reuniram-se para homenagear o matemático norte-americano John Nash e celebrar o 60º aniversário do Equilíbrio de Nash, teorema que dá sustentação à teoria dos jogos. Entre os palestrantes havia quatro ganhadores do Prêmio Nobel, o próprio John Nash, laureado em 1994, o alemão Robert Aumann, ganhador em 2005, e os norte-americanos Eric Maskin e Roger Myerson, premiados em 2007. O evento foi o quarto realizado no âmbito do programa Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA), modalidade de apoio da FAPESP que busca aumentar a exposição internacional de áreas de pesquisa de São Paulo que já são competitivas mundialmente. Lançado no ano passado, o programa oferece oportunidades para que pesquisadores paulistas organizem cursos de curta duração, de uma ou duas semanas, para os quais devem convidar professores de vários lugares do mundo e do estado de São Paulo. A audiência dos cursos deve ser formada por certa quantidade de estudantes, sendo que pelo menos a metade forçosamente deve ser recrutada fora do Brasil. “Com isso, nós queremos fazer uma exposição mundial destas áreas de

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pesquisa e despertar o interesse de estudantes estrangeiros de vários lugares em trabalhar como cientistas aqui em São Paulo”, disse o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, em entrevista ao Pesquisa Brasil, programa de rádio de Pesquisa FAPESP. “Queremos mostrar a eles o que há de melhor aqui em São Paulo. Está previsto no edital que cada evento tem uma sessão reservada, na qual alguém da FAPESP vai apresentar a Fundação e as oportunidades de pesquisa no estado de São Paulo. Fui fazer essa apresentação em três dos eventos e a receptividade foi ótima. Houve muitas perguntas e interesse genuíno de estudantes de vários lugares do mundo, como Chile, Estados Unidos, França, China e Índia”, afirmou. O programa tem dois editais por ano – a terceira chamada deverá ser lançada em breve. A estratégia de internacionalização da Fundação articula um conjunto de outros esforços, como acordos de coo­peração com agências, empresas e/ ou instituições científicas da Alemanha, do Canadá, dos Estados Unidos, da França, do México, de Portugal, do Reino Unido e da Suíça (ver lista de convênios em www.fapesp.br/ materia/102/a-instituicao/convenios-e-acordos-de-cooperacao-da-fapesp. htm). Um exemplo é o acordo de cooperação firmado em 2004 com o Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) da França, voltado para estimular o intercâmbio de cientistas

Há interesse crescente de instituições estrangeiras de celebrar parcerias com pesquisadores paulistas

e a submissão de projetos conjuntos envolvendo pesquisadores de instituições paulistas e colegas franceses, que já geraram quatro chamadas de propostas e contemplaram 27 projetos. Em moldes semelhantes, a FAPESP mantém um convênio com o DFG (Deutsche Forschungsgemeinschaft), principal agência de fomento à pesquisa da Alemanha. No ano passado, a Fundação estabeleceu uma ponte com a pesquisa britânica, ao firmar acordos de cooperação com os Conselhos de Pesquisa do Reino Unido (RCUK, na sigla em inglês) e com o King’s College London, que se tornou a primeira universidade britânica parceira da FAPESP.

Há um interesse crescente de instituições estrangeiras de celebrar parcerias com pesquisadores paulistas. No mês passado, por exemplo, seis representantes da Academia Chinesa de Ciências (CAS, na sigla em inglês) estiveram na sede da FAPESP, em São Paulo, com o propósito de iniciar colaborações científicas. “Queríamos saber como agências como a FAPESP funcionam”, comentou Pan Jiaofeng, secretário-geral da CAS. “Temos interesse especialmente em biomassa, biodiversidade e neurociências.” Segundo ele, essa foi a primeira visita ao Brasil. “Há uma preocupação sobre como selecionamos as áreas prioritárias”, disse Celso Lafer, presidente da FAPESP. “Falamos sobre as possibilidades de cooperação futura e ficamos de explorar isso mais tarde.” Para atrair pesquisadores de fora, oportunidades de bolsas de pós-doutorado da FAPESP são oferecidas em anúncios mensais na revista Nature e também no site da Fundação, em português e em inglês. Grandes iniciativas da Fundação, como os programas Biota, que estuda a biodiversidade do estado de São Paulo, o Bioen, de pesquisa em bioenergia, e o Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, vêm promovendo workshops e seminários com a participação de pesquisadores estrangeiros, a fim de estimular a participação dos pesquisadores paulistas em redes internacionais e mantê-los em contato com o estado da arte em seus campos do conhecimento. “Não há bala de prata para solucionar problemas complicados, pois eles requerem muitas ações para serem resolvidos. É por isso que nesse assunto, de tornar mais internacional a pesquisa que se faz em São Paulo, é importante termos várias iniciativas articuladas”, disse Brito Cruz. n PESQUISA FAPESP 175

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[ Mudanças climáticas ]

Negar para não mudar Livro mostra como um trio de físicos se dedicou a combater a ideia do aquecimento global nos EUA

Marcos Pivet ta, de San Diego* Ilustrações Nelson Provazi

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os tribunais, quando as evidências são enormes contra o réu e a condenação parece questão de tempo, os advogados de defesa sempre podem recorrer a uma derradeira tática: fomentar uma dúvida qualquer, às vezes sobre um aspecto secundário do delito, para turvar o raciocínio dos membros do júri e, assim, evitar ou ao menos postergar o quanto for possível a sentença. A partir do final dos anos 1980, uma versão desse clássico estratagema judicial – que, dentro e fora das cortes, fora usado eficazmente pela indústria do cigarro durante décadas para negar e minimizar os conhecidos malefícios do tabagismo – passou a ser empregada nos Estados Unidos para questionar a existência do aquecimento global e a contribuição das atividades humanas, em especial a queima de combustíveis fósseis emissores de gases de efeito estufa, no desencadeamento das mudanças climáticas. Sempre que era divulgado um novo estudo de peso sobre a natureza do aquecimento global, três veteranos pesquisadores de enorme prestígio, abrigados numa entidade privada em Washington, o George C. Marshall Ins-

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titute, saíam a campo para questionar os novos dados. “Primeiro, eles disseram que as mudanças climáticas não existiam, depois afirmaram que as variações de temperatura eram um fenômeno natural (tentaram atribuir a culpa a alterações na atividade solar) e então passaram a argumentar que, havendo as mudanças e mesmo sendo culpa nossa, isso não importava porque nós sempre poderíamos nos adaptar a elas”, afirmou a historiadora da ciência Naomi Oreskes, da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), numa palestra realizada para jornalistas latino-americanos durante o 7o Taller Jack F. Ealy de Periodismo Científico, que ocorreu em julho nessa universidade. “Em todos os casos, eles negavam que havia um consenso científico sobre a questão, apesar de serem essencialmente eles mesmos os únicos que estavam contra.” Ao lado do também historiador da ciência Erik Conway, que trabalha no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), Naomi lançou em maio nos Estados Unidos o livro Merchants of doubt – How a handful of scientists obscured the thuth on issues from tobacco smoke to global warming (“Mercadores da dúvida – Como uns


poucos cientistas ocultaram a verdade em temas que vão do cigarro ao aquecimento global”, numa tradução livre para o português). Na obra, muito bem documentada e que recebeu elogios na imprensa leiga e nas revistas científicas, Naomi e Conway, um especialista na história da exploração do espaço, mostram que já existe, e não é de hoje, um consenso científico sobre o aquecimento global, detalham a trajetória dos líderes do instituto e suas táticas de negação das mudanças climáticas. Nos Estados Unidos, país que historicamente é o maior emissor de gases de efeito estufa e também o maior refratário a adotar políticas para mitigar as mudanças climáticas, a ação dos céticos do aquecimento global foi encabeçada nas duas últimas décadas por uma trinca de influentes físicos aposentados ou semiaposentados, todos hoje mortos: o especialista em física da matéria sólida Frederick Seitz (1911-2008), que participou do projeto da construção da bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial e foi presidente da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos na década de 1960; o astrofísico Robert Jastrow (1925-2008), fundador e diretor do God-

dard Institute for Space Studies da Nasa nos anos 1960 e uma figura importante na condução de vários projetos da agência espacial; e William Nierenberg (1919-2000), pesquisador apaixonado pelo mar que foi durante mais de 20 anos diretor do prestigioso Scripps Institution of Oceanography. Nenhum deles era um especialista em modelos climáticos, mas esse detalhe não diminuía sua influência na mídia e na administração norte-americana, sobretudo em governos republicanos. Em 1984 os três fundaram o George C. Marshall Institute, cujo slogan era (e é) “ciência para uma política pública melhor”. O think tank, expressão em inglês usada para denominar esse tipo de instituto, tinha como objetivo original fazer lobby a favor do polêmico projeto de construção de um escudo espacial capaz de defender os Estados Unidos de um eventual ataque de mísseis balísticos disparados pela União Soviética. Apelidada de Guerra nas Estrelas, a iniciativa de defesa, concebida durante a administração de Ronald Reagan, nunca saiu do papel. Com a derrocada do império soviético entre o fim dos anos 1980 e o início dos 1990, o projeto do escudo espacial foi PESQUISA FAPESP 175

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divulgação

Merchants of doubt: táticas da indústria do cigarro para negar o aquecimento global

arquivado e Seitz, Jastrow e Nierenberg redirecionaram a atuação do instituto para um tema mais atual: o combate ao ambientalismo em geral e à negação do aquecimento global. “Eles tinham aquela ideia de que os ambientalistas eram como melancias: verdes por fora e vermelhos por dentro”, disse Naomi. Ozônio e DDT - A dupla que escreveu

o livro se conheceu numa conferência sobre história da meteorologia em 2004 na Alemanha e logo ambos perceberam que haviam chegado à mesma constatação: os cientistas que mais ativamente combatiam nos Estados Unidos a ideia de que a temperatura global do planeta estava aumentando eram os mesmos que, no passado recente, tinham negado ou ainda negavam a existência do buraco na camada de ozônio, os perigos da chuva ácida, os malefícios do pesticida DDT e os problemas de saúde causados pelo tabaco em fumantes passivos. “Em todos esses temas científicos, eles sempre estiveram do lado errado”, afirmou Naomi, que já deu aulas em Harvard, em Stanford, na New York University e hoje dirige o Sixth College da UCSD. “Quando descobrimos que Seitz tinha coordenado entre 1979 e 1985 o programa de pesquisa da R.J. Reynolds Tobacco Company, que investiu US$ 45 milhões em estudos científicos, vimos que tínhamos uma boa história.” 44

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A atuação dos membros do instituto visava (e visa) mostrar que não havia consenso científico sobre a existência das mudanças climáticas e muito menos certeza sobre quais seriam as suas causas. Logo, diziam os cientistas do George C. Marshall Institute, o debate nesse campo da ciência estava totalmente aberto e não fazia sentido os Estados Unidos adotarem qualquer medida legal ou prática para diminuir o consumo de combustíveis fósseis. Exatamente a mesma tática foi empregada durante décadas por pesquisadores e médicos ligados ou patrocinados pela indústria do cigarro, que, a despeito das crescentes evidências dos malefícios do tabaco, negavam e minimizavam as conclusões dos estudos científicos. Posta dessa maneira, a negação do aquecimento global parece ter sido alvo de uma conspiração encabeçada por um grupo de cientistas conservadores. Os autores do livro, no entanto, se apressam em descartar qualquer insinuação nessa linha. Eles dizem que não encontraram nada de ilegal na atuação de Seitz, Jastrow e Nierenberg e que tudo foi feito mais ou menos às claras. Entre os estratagemas do instituto, estava o de invocar um princípio clássico da imprensa norte-americana e ocidental: lembrar os jornalistas de que eles sempre têm de ouvir e dar espaço equivalente a visões contrárias às dominantes. Nas reportagens sobre mudanças climáticas, os dirigentes do George C. Marshall Institute e outros céticos do aquecimento global eram com frequência o outro lado.

Merchants of doubt apresenta Seitz, Jastrow e Nierenberg como fervorosos defensores da desregulamentação da economia, anticomunistas convictos, “falcões” a serviço da indústria dos combustíveis fósseis e de interesses conservadores. “O lobby deles foi muito eficiente porque a cultura americana da finada Guerra Fria era permeada pela crença no fundamentalismo dos mercados, na ideia de que os mercados eram, sempre e em todo o lugar, bons e que a regulamentação é sempre ruim”, diz Conway. “Essa ideia permitiu que a negação do aquecimento global funcionasse tão bem. A propaganda é mais eficiente quando se assenta em algo que as pessoas já acreditam.”


Usar a imprensa para negar o consenso científico sobre o aquecimento era uma tática usada pelos céticos do clima

Reação ao livro - A publicação do livro

levou a uma reação dos atuais comandantes do George C. Marshall Institute. Num artigo divulgado em junho no site do think tank, William O’Keefe e Jeff Kueter, respectivamente CEO e presidente do instituto, dizem que a obra carece de fundamentação científica e distorce a realidade. Eles defendem os bons serviços prestados à ciência pelos fundadores do instituto, dizem que Seitz, Jastrow e Nierenberg sempre foram anticomunistas e defensores do livre mercado – e que isso está longe de ser um defeito nos Estados Unidos. De concreto, a resposta não desmente nenhum dos fatos centrais relatados

no livro. Por exempo, O’ Keefe e Kueter admitem que Seitz realmente chefiou o programa de pesquisas da R.J. Reynolds depois de ter se aposentado do cargo de presidente da Universidade Rockefeller, algo que, segundo eles, não era segredo e estava na autobiografia do físico. Mas dizem que o intuito do programa não era gerar dados que questionassem os malefícios do cigarro. Pelo menos esse não era o objetivo de Seitz, ainda que pudesse ser o da indústria do tabaco. Sobre a questão das mudanças climáticas, as respostas dos atuais dirigentes do instituto parecem dar mais razão a Naomi e Conway do que contradizê-los. “Na verdade, o único consenso (sobre o aquecimento global) que existe é entre aqueles que escrevem (o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o IPCC, na sigla em inglês)”, afirmam O’Keefe, ex-vice presidente do Instituto Americano do Petróleo, e Kueter. Por isso, eles advogam mais pesquisas científicas sobre o tema e nenhuma ação imediata para diminuir as emissões de gases de efeito estufa: “Somos contra as políticas de reduções das emissões de poluentes e de mecanismos semelhantes ao Protocolo de Kyoto? Sim. Elas são caras e vão trazer pouco retorno ambiental”. Para o climatologista Carlos Nobre, coordenador do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais e do Centro de

Ciência do Sistema Terrestre (CCST) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a atuação de lobbies conservadores ligados à indústria dos combustíveis fósseis, como o realizado pelo George C. Marshall Institute, atrasa a obtenção de um grande acordo mundial para a redução das emissões de gases de efeito estufa. “Eles sabem que estão numa batalha perdida, a exemplo do que ocorreu com o debate em torno dos malefícios do tabaco”, argumenta Nobre, que faz parte do time de 600 cientistas de mais de 40 países que compõem o IPCC. “O que eles querem é atrasar o máximo possível a adoção de medidas que forcem a indústria americana a reduzir suas emissões de poluentes.” O físico Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo (USP), outro representante do Brasil no IPCC, pensa de forma semelhante. “Eles querem ganhar tempo”, afirma Artaxo. “Em ciência, nunca há 100% de certeza. Mas os dados compilados pelo IPCC representam a melhor ciência disponível sobre a questão do aquecimento global.” Em seu último relatório, o IPCC atribuiu, com um grau de 95% de confiabilidade, as mudanças climáticas ao aumento das atividades humanas no planeta. Criado em 1988, o IPPC não é perfeito e está corrigindo suas imprecisões e a forma de trabalhar. Mas seus dados, diz a maior parte dos pesquisadores, são uma razão para agir – e não para o imobilismo como defendem os céticos das mudanças climáticas. A visão de Washington sobre o aque­cimento global mudou com a chegada do democrata Barack Obama à Casa Branca? Para Conway, a atual administração parece aceitar a realidade de que as mudanças climáticas são reais e decorrem essencialmente das atividades humanas. “Mas os Estados Unidos não têm sido muito pró-ativos nessa questão”, reconhece Conway. “Somos os líderes mundiais em ciência do clima. No entanto, em termos práticos, de medidas mitigadoras do aquecimento, os países escandinavos estão muito na nossa frente.” n * O jornalista Marcos Pivetta participou do 7o Taller Jack F. Ealy de Periodismo Científico a convite do Institute of the Americas PESQUISA FAPESP 175

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LABORATÓRIO

MUNDO

PARA UMA VIDA MAIS LONGA Se quiser viver mais, faça amigos. E se empenhe em manter esses laços sociais por toda a vida. Integrar uma rede social ampla e sólida permite viver mais e melhor, segundo estudo conduzido por Julianne Holt-Lunstad e Timothy

Smith, da Universidade

Brigham Young, e J. Bradley Layton, da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Eles vasculharam diferentes bases de dados em busca de estudos sobre a influência das relações sociais na saúde e identificaram 148 estudos, feitos com 309 mil pessoas que tinham em média 64 anos no início do acompanhamento, que durou em média sete anos. Analisando esses trabalhos, os pesquisadores verificaram que a participação

em grupos

sociais permite prever o risco de morrer. Quem conserva um bom relacionamento

social tem uma chance 50% maior de

AS FLORESTAS

I EOCLlMA

sobreviver do que as pessoas que se mantêm isoladas. "A magnitude desse efeito é comparável à de parar de fumar e superior à de fatores de risco como a obesidade e o sedentarisrno", escreveram os autores na PIos Medicine.

I

PARA DORMIR NA FESTA

Por que algumas pessoas conseguem dormir com a maior barulheira, enquanto outras precisam de silêncio absoluto? Porque o cérebro de algumas pessoas, as que dormem com a TV ligada, detecta menos sons que o de outras, que acordam quando um carro passa na rua em meio à noite. Ieffrey Ellenbogen, da Faculdade de Medicina de Harvard, coordenou uma equipe que mediu as ondas cerebrais

de um grupo de indivíduos submetidos a três noites de testes, com intensidade crescente de ruídos telefone tocando, pessoas conversando, máquinas do hospital. O estudo mostra como uma região do cérebro, o tálamo, bloqueia a propagação de informações, como os sons, que possam atrapalhar o sono (Current Biology). O desafio agora é descobrir como integrar sono e ruídos - ou como dormir quando a festa do vizinho segue incontrolável noite afora.

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Um estudo conduzido por pesquisadores da Austrália reacende o debate sobre as formas de reflorestamento mais eficientes para extrair da atmosfera o gás carbônico, associado ao efeito estufa e às alterações

Monoculturas: baixa absorção de gás carbônico

do clima. Avança na Austrália o plantio de vastas áreas com apenas uma espécie de árvore, em geral de crescimento rápido como o eucalipto ou alguns tipos de pinheiro. Preocupados com a perda de biodiversidade causada pela expansão das monoculturas, Iohn Kanowski, da Conservação da Vida Selvagem Australiana, e Carla Catterall, da Universidade Griffith, decidiram avaliar qual estratégia de reflorestamento retiraria mais carbono do ar. Durante alguns anos, eles compararam três tipos de reflorestamento: monoculturas; culturas mistas, com até 10 espécies de valor comercial; e plantações com mais de 20 espécies de árvores e arbustos da flora nativa. Cada hectare de mata original recuperada extraiu em média 106 toneladas de carbono da atmosfera, enquanto as culturas mistas retiraram 86 e as áreas de mono cultura 62 (Ecological


astas -ral uns

Management & Restoration). Essa informação, porém, não é suficiente para estimular o reflorestamento com espécies originais, bem mais caro que o plantio de monoculturas. Os pesquisadores sabem que será preciso criar novas estratégias caso se queira conservar o ambiente e armazenar carbono a custo mais competitivo.

A COLA DOS VíRUS Os mecanismos

pelos quais

o vírus tipo 1 da leucemia da célula T humana (HTLV-1) se instalam

e se espalham

organismo

no

estão um pouco

mais claros. Uma equipe do Instituto

Pasteur

de Paris

coordenada por Ana-Monica Pais-Correia verificou que os vírus HTLV-1 se aglomeram

ão

I e Ir

:s

IS

RNA CONTRA A HEPATITE B

Vem da China uma nova estratégia para combater o vírus da hepatite B, que atualmente vive no organismo de cerca de 350 milhões de pessoas e pode causar cirrose e câncer no fígado. Pesquisadores da Universidade Xiamen construíram e testaram 40 plasmídeos (DNA circular) que codificavam tipos variados de RNA de interferência (RNAi), que ativa ou silencia genes. Quatro plasmídeos se mostraram capazes de reduzir em até 90% a ação de quatro formas (genótipos) desse vírus in vitro e em camundongos

na superfície

de uma célula,

infectando-a.

Depois formam

uma película que adere à superfície da célula infectada e facilita a transmissão rápida dos vírus para outras células. Proteínas e outras substâncias que compõem o ambiente

que desenvolveram uma forma severa de hepatite, sem sinais de toxicidade para as células, como descrito em um artigo publicado em agosto na BMC Microbiology. Diante dos resultados, a equipe liderada por Ning-Shao Xia cogitou a possibilidade de combinar vários tipos de RNAi para ampliar a eficácia também contra outras formas do mesmo vírus.

MONTANHAS EM MOVIMENTO O sapo ao lado é ainda mais poderoso do que parece: ajudou a desvendar como aconteceu o soerguimento do Himalaia, a cadeia de montanhas que inclui o pico mais alto do mundo. Os sapos da tribo Paini, que inclui os gêneros Nanorana e Quasipaa, ficaram no mesmo lugar enquanto as rochas embaixo deles se chocavam, dobravam

extracelular facilitam a formação dessa película, que permite aos vírus passar despercebido diante das defesas do organismo, como detalhado em um estudo publicado em agosto na Nature Medicine. Esse trabalho pode favorecer a busca de novas formas de combater o HTLV-1. Dos cerca de 20 milhões de pessoas infectadas por esse vírus, de 5% a 10% desenvolvem leucemia ou doenças inflamatórias.

e formavam montanhas. Um grupo de pesquisadores de Kunming, na China, e da Universidade da Califórnia em Berkeley, fez análises genéticas em 24 espécies desses sapos que ao longo do tempo desenvolveram braços fortes e espinhudos, essenciais para segurar as fêmeas nos rios caudalosos das montanhas. A sequência das mudanças evolutivas por que passaram nos últimos 55 milhões de anos - enquanto se adaptavam ao frio, aos baixos teores de oxigênio e aos rios de águas rápidas - indica a ordem em que montanhas e sistemas de rios surgiram. As conclusões apoiam a teoria pouco

O sapo Quasipaa bou/engeri

difundida de que a índia não empurrou a Ásia aos poucos, mas colidiu uma série de vezes, deslocando o que hoje é o sudeste da Ásia para o lado, em seguida o sul da China para leste e por fim a China central para nordeste (PNAS).

PESQUISA FAPESP 175 • SETEMBRO DE 2010 • 47


LABORATÓRIO

BRASIL

MAIS ATENÇÃO AOS RIOS As redes de rios da Amazônia deveriam ser mais protegidas, já que o desmatamento nas bacias hidrográficas tem se intensificado, apesar da criação de áreas destinadas à conservação ou à ocupação por povos indígenas.

Pesquisadores

do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (lnpa), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (lnpe), do Instituto

Socioambien-

tal (ISA) e da Fundação Nacional do índio (Funai) dividiram

as 10

grandes bacias da Amazônia Legal brasileira em 927 sub-bacias: 21% delas apresentavam mais de 20% de desmatamento,

I

CHUVA NO SERTÃO

Chove pouco no Polígono das Secas, região de clima semiárido que abrange 1.133 municípios do Nordeste brasileiro habitados por mais de 40 milhões de pessoas. E o pouco de chuva que cai por ali se concentra em poucos meses, de março a maio, tornando a região propensa a secas drásticas. Com equipes da Espanha e de Portugal, os meteorologistas Tercio Ambrizzi, da Universidade de São Paulo, e Everaldo Souza, da Universidade Federal do Pará, alimentaram um modelo computacional com informações sobre a umidade do ar de um período de cinco anos a fim de identificar a origem da água das chuvas na região. Analisando o caminho 48

• SETEMBRO DE 2010 • PESQUISA

percorrido por partículas da atmosfera, concluíram que a maior parte da água que chega ao Polígono das Secas vem do Atlântico Sul, carregada pelos ventos. Apesar de vizinha, a superúmida Amazônia não contribui para as chuvas da região. Eles verificaram ainda qpe o vapor-d'água do oceano influencia principalmente as chuvas que ocorrem de janeiro a março, antes do período mais chuvoso, embora um volume de água maior do Atlântico entre no continente no mês de abril (PlosOne). Ventos que carregam a chuva para a Amazônia e para o sul do litoral nordestino parecem causar esse descompasso entre a entrada de mais umidade e a ocorrência de índices mais elevados de precipitação, afirmam os autores. FAPESP 175

que pode aumentar a vazão dos rios, e

27% não tinham área de conservação (Environmental

Con-

servation). Segundo Ralph Trancoso, pesquisador do Inpa que coordenou o trabalho, a área total protegida na Amazônia é mais de três vezes superior à desmatada. O problema é que as áreas protegidas não reduzem o desmatamento,

apenas

direcionam o processo de ocupação. Ele sugere: "É preciso invest~r em mecanismos de pagamento pelos serviços arnbientais prestados pelas áreas protegidas para gerar algum benefício para os indígenas e as populações tradicionais e fortalecer os investimentos do governo nos métodos de Iicenciamento, monitoramento

Semiá rido: regado por nuvens vindas do Atlântico

e fiscalização".


I

UM JARDIM DIGITAL Um batalhão de 400 taxonomistas conseguiu em dois anos transformar em realidade um sonho antigo dos botânicos brasileiros: criar uma lista única com informações sobre de-

a origem, a distribuição

que

sificação de todas as espécies de

e a clas-

íro-

plantas, algas e fungos encontra-

pe-

dos no país. Construída com o apoio

das

do Ministério do Meio Ambiente e

por

coordenação do Jardim Botânico

res

do Rio de Janeiro, essa fonte pre-

sas rto

espécies da flora brasileira - agora

ais

existe e, melhor, qualquer um pode

ln-

ciosa de informação

- a Lista de

consultá-Ia no site http://floradobrasil.jbrj.gov.br/2010.

Ali estão

Ilal

dados sobre 40.988 espécies (3.608 de fungos, 3.495 de algas,

10

1.521de briófitas, 1.176de pteridófitas,

lal

31.162de angiospermas). É o mais completo catálogo de plantas

b/0

Mimosa sp: leguminosa comum no Cerrado

26 de gimnospermas e

do país desde a Flora brasiliensis, obra produzida entre 1840 e 1906 pelo naturalista Carl Friederich von Martius que reúne informações de 23 mil espécies. A nova lista deverá ser atualizada periodicamente, segundo seus organizadores.

I

DIETA TÓXICA

A alimentação à base de peixe e farinha de mandioca das populações ribeirinhas do rio Tapajós, no Pará, parece estar longe do saudável. O químico Fernando Barbosa, da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, analisou amostras de sangue de 453 moradores de 13 comunidades ribeirinhas e detectou teores de chumbo até 10 vezes superiores ao limite considerado aceitável. Ao buscar a origem da contaminação, o pesquisador descobriu que praticamente todas as comunidades torram a farinha de mandioca em chapas metálicas que a contaminam.

"Chegamos a identificar farinha com 1 micrograma por grama de chumbo", disse Barbosa à EcoAgência. No Brasil não há legislação que regule a concentração de chumbo na farinha de mandioca, mas para alimentos similares em outros países a concentração máxima permitida é 0,1

micrograma de chumbo por grama do produto. Outros estudos já haviam mostrado que també:n os peixes, muitas vezes, estão contaminados por mercúrio. O consumo desse metal pode prejudicar a capacidade intelectual, o crescimento das crianças e gerar outros problemas neurológicos.

O REFORÇO DE UMA VACINA

Formular e produzir uma vacina eficiente contra o HIV, o vírus causador da Aids, tem sido um desafio há quase 30 anos. Quando estiver pronta, porém, uma vacina eficiente pode ser valiosa em termos de saúde pública, mesmo em países com estratégias de tratamento de amplo alcance como o Brasil. Por meio de modelagens matemáticas, pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, do Ministério da Saúde e de centros de pesquisa dos Estados Unidos mostraram que uma vacina capaz de prevenir de 40% a 70% das infecções, se aplicada em 80% dos integrantes dos grupos mais propensos a contrair o vírus, poderia reduzir até 2050 o número de novos casos em até 73% e o de mortes em 30%. Segundo o estudo publicado em julho na PlosOne, estratégias de vacinação mais dirigidas poderiam ser altamente efetivas. Mesmo o tratamento gratuito oferecido à população não é suficiente para deter o vírus. O Ministério da Saúde registrou mais de 500 mil casos de Aids e 200 mil mortes no país até 2008.

No Tapajós, peixes e farinha com metais pesados

PESQUISA fAPESP 175 • SETEMBRO DE 2010 • 49


[ Astrofísica ]

O Sol e suas irmãs

P

Brasileiros identificam estrelas semelhantes à que aquece e ilumina a Terra Ricard o Zorzet to

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rocura-se um novo Sol. De preferência, aqui mesmo pela vizinhança. Não que este não sirva mais. O Sol, que nos últimos 4,6 bilhões de anos tem se apresentado invariavelmente todas as manhãs e se recolhido no final do dia, está apenas em sua meia-idade. Ainda deve viver outros 5 bilhões de anos iluminando e aquecendo a Terra e os planetas próximos. É verdade que nem tudo será sombra e água fresca. Daqui a uns 300 milhões ou 1 bilhão de anos, no máximo, o Sol passará a brilhar mais intensamente, aumentando a temperatura na Terra e tornando inviável a vida como se conhece hoje. Até lá, muitos dirão, há tempo de sobra. Mas há quem já comece a pensar no que fazer. Afinal, segundo os astrônomos, no longuíssimo prazo a humanidade terá de deixar a Terra caso queira continuar a existir. Os quase 50 grupos internacionais que se dedicam a vasculhar os céus atrás de uma estrela como a nossa, é claro, não esperam encontrar um lar para os tataranetos de seus tataranetos. Estão mais interessados em saber se o Sol é mesmo uma estrela sem par entre as centenas de bilhões de estrelas do Cosmo, ou se, ao contrário, é um astro banal, encontrado aos montes nesta e em outras galáxias. Essa dúvida vem acompanhada de outra: estamos sozinhos no Universo ou há vida em outros mundos?


nasa

Ciência

Enquanto aguardam essa era de luz e calor excessivos, equipes do Brasil e de outros países investem mais do que nunca na busca de outro Sol. Alguns candidatos não muito distantes até surgiram nos últimos anos. Dos 10 que têm idade próxima à do Sol, ao menos quatro foram identificados por pesquisadores que atuam no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Outros mais devem aparecer à medida que se tornem públicos os dados de amplos levantamentos estelares e de trabalhos encaminhados para publicação. Ao menos uma nova estrela semelhante ao Sol deverá ser apresentada pelos astrofísicos José Renan de Medeiros e José Dias do Nascimento Júnior, ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), na reunião anual da Sociedade Astronômica Brasileira, no início de setembro em Passa Quatro, Minas Gerais. Essa estrela, cujo nome e localização no céu ainda são mantidos em sigi-

lo, foi identificada entre as quase 10 mil que o telescópio espacial Corot, satélite franco-europeu-brasileiro lançado em 2006, observou nos primeiros anos de operação. Como ela, deve haver ao menos outras 20 nas proximidades do Sol, calculam os pesquisadores da UFRN com base em dados do Corot. Elas se somam a outras dezenas de estrelas semelhantes ao Sol mapeadas nos últimos anos por outros telescópios. Apesar de parecer um número elevado, não é. Pouquíssimas dessas estrelas têm todas as características idênticas às do Sol e são o que a astrofísica francesa Giusa Cayrel de Strobel chamou no fim dos anos 1980 de gêmeas solares. Só 7% das estrelas que se encontram a até 33 anos-luz do Sistema Solar são parecidas com o Sol a ponto de proporcionarem a existência de condições necessárias ao surgimento da vida como conhecemos na Terra, segundo levantamento publicado em 2006 na Astrobiology pelos

astrofísicos Gustavo Porto de Mello, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Eduardo Del Peloso e Luan Ghezi, do Observatório Nacional. Foi Mello, aliás, quem encontrou anos antes a estrela que por uma década foi considerada a melhor candidata a gêmea do Sol: a 18 Scorpii. Descrita em 1997 por Mello e Lício da Silva, seu orientador no doutorado, a 18 Scorpii é uma estrela de brilho sutil, praticamente invisível a olho nu, que aparece no alto da constelação de Escorpião. Ela está a 46 anos-luz da Terra – distância que poderia ser percorrida durante a vida de um ser humano, caso surja tecnologia para viajar a velocidades próximas à da luz – e foi identificada entre 118 mil estrelas observadas pela sonda espacial Hipparcos, da Agência Espacial Europeia (ESA). A 18 Scorpii é só 5% mais luminosa que o Sol e um pouco mais nova, com idade calculada em 4,2 bilhões de anos.

Passado e futuro: outras estrelas ajudam a entender a evolução do Sol

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Sua superfície é 12 graus mais quente que a solar, onde a temperatura é de 5.507 graus Celsius ou 5.780 Kelvin (K), a escala de temperatura preferida dos físicos. A massa da 18 Scorpii é 1% maior que a do Sol e sua velocidade de rotação 17% mais elevada: ela leva 23 dias terrestres para completar uma volta em torno de seu eixo enquanto o Sol precisa de 28.

M

as nem toda essa semelhança garantiu à 18 Scorpii o título de gêmea solar. Sua composição química é um pouco diferente da do Sol, constataram Nascimento e Mello. Eles compararam a concentração do elemento químico lítio, um dos mais simples da natureza, em cinco candidatas a gêmea solar e notaram que a quantidade de lítio da 18 Scorpii é dezenas de vezes superior à do Sol, segundo artigo publicado em 2009 na Astronomy and Astrophysics. É uma diferença considerável, uma vez que, além de indicar a idade da estrela, a abundância desse elemento químico permite ter uma ideia do que se passa em seu interior. Essas colossais bolas de gás não são tranquilas como parece a distância. O interior de uma estrela é extremamente turbulento. Da superfície para o centro, o gás eletricamente carregado (plasma) se torna mais denso e quente. Os 5.780 K medidos na superfície solar – a camada mais externa visível do Sol, responsável por sua cor amarela – sobem gradativamente até atingir 15 milhões de graus no coração da estrela, onde núcleos do elemento químico hidrogênio (o mais simples e abundante do Universo) se combinam produzindo hélio e liberando energia na forma de partículas de luz (fótons) altamente energéticas. Os fótons produzidos por fusão nuclear seguem um caminho tortuoso em que são absorvidos e reemitidos inúmeras vezes por outros elementos químicos até que conseguem atravessar os 700 mil quilômetros de espessura do Sol

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e escapar para o espaço quase 200 mil anos depois de terem sido criados. Sabe-se hoje que os níveis de lítio de estrelas como o Sol diminuem com o tempo. Alguns estudos vêm mostrando que estrelas com pouco lítio são menos ativas que aquelas com níveis elevados e sofrem menos explosões, que lançam altos índices de radiação muito energética sobre os planetas ao redor. Por essa razão, concluíram os pesquisadores, a 18 Scorpii, rica em lítio, dificilmente abrigaria um sistema planetário favorável à vida – por ser realmente distinta do Sol ou apenas encontrar-se em um estágio evolutivo diferente. O trabalho que desbancou a 18 Scorpii como gêmea solar ajudou a consolidar o favoritismo de outra estrela, a HIP 56948. Identificada em 2007 pelo astrofísico peruano Jorge Meléndez, atualmente professor da Universidade de São Paulo, essa estrela da constelação do Dragão é 47 graus mais fria que o Sol e 14% maior. Distante da Terra 220 anos-luz, a HIP 56948 tem a mesma massa e composição química solar e é apenas 100 milhões de anos mais velha. “Hoje essa estrela é a número 1 entre as 10 principais candidatas a gêmea solar e

A estrela HIP 56948 é a candidata número 1 entre as 10 principais concorrentes ao posto de gêmea solar

deverá ser investigada pelo projeto Seti [Search for Extraterrestrial Inteligence], que procura sinais de vida em outras partes do Universo”, diz Nascimento. A busca por um novo Sol ganhou fôlego em 1995 depois que os astrônomos suíços Michel Mayor e Didier Queloz anunciaram ter detectado o primeiro planeta orbitando uma estrela parecida com o Sol fora do Sistema Solar (ver Pesquisa FAPESP nº 104). Quinze anos mais tarde são 479 os planetas extrassolares conhecidos e 43 as estrelas que têm mais de um planeta por companhia. Nenhuma delas, porém, idêntica ao Sol. Enquanto não encontram um gêmeo solar ideal, o alvo mais natural para a procura de planetas habitáveis, os pesquisadores aproveitam estrelas chamadas de análogas solares – semelhantes, mas não idênticas ao Sol – para construir um perfil evolutivo do astro que tornou possível a vida na Terra. Assim, esperam conhecer melhor como foi seu passado e como deve ser seu futuro. “A tentativa de construir um perfil evolutivo de estrelas como o Sol recebeu prioridade na missão Corot”, diz José Renan de Medeiros, um dos coordenadores da participação brasileira no projeto. Em abril deste ano Mello, Nascimento e Medeiros encaixaram uma peça importante nesse mapa. Em parceria com pesquisadores da Espanha, da Inglaterra e da França, descreveram no Astrophysical Journal um Sol muito jovem. É a estrela kappa1 Ceti, da constelação da Baleia, que tem tamanho, massa e temperatura próximos aos do Sol, mas é bilhões de anos mais nova. A kappa1 Ceti tem entre 400 milhões e 800 milhões de anos, a idade do Sol no período em que surgiu a vida na Terra e os oceanos de Marte evaporaram.

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e no passado distante o Sol de fato se pareceu com essa estrela, os modelos de evolução da atmosfera terrestre podem precisar de alguns ajustes. A kappa1 Ceti emite de duas a sete vezes mais radiação ultravioleta altamente energética e 35% menos raios ultravioleta de menor energia do que o Sol produz hoje. Essa forma de radiação é importante por controlar as reações químicas que permitiram o aumento da concentração de gás carbônico


nasa

Fornalha estelar Como toda estrela, o Sol é uma imensa esfera de plasma, gás eletricamente carregado. Em sua região central, o núcleo, a temperatura é de 15 milhões de graus e a cada segundo 4,5 milhões de toneladas de matéria são convertidos em energia. Na fotosfera, camada que emite a maior parte da luz visível, a temperatura baixa para cerca de 5.000 graus. Campos magnéticos ajudam a aquecer a camada mais baixa da atmosfera, a cromosfera, e a mais alta, a coroa, que está a 2 milhões de graus e origina os ventos solares.

(CO2) na atmosfera da Terra primitiva e o aquecimento do planeta. A produção de energia das estrelas oscila com o tempo e depende de dois fenômenos interligados: a velocidade de rotação e a geração de campos magnéticos. Como as estrelas não são esferas rígidas, a superfície delas se move mais rapidamente na região do equador e mais lentamente nos polos. E quanto maior a velocidade do plasma, mais intensos são os campos magnéticos gerados, que, por sua vez, influenciam o tipo de radiação emitida. De tempos em tempos esses campos ficam retorcidos e emaranhados em áreas de intensa atividade e emissão de energia, vistas como manchas escuras na superfície das estrelas (ver www. revistapesquisa.fapesp.br). Segundo os modelos de evolução estelar, quando surgiu o Sol devia ter uma taxa de rotação muito alta, completando um giro em torno de si mesmo a cada três dias e emitindo de centenas a milhares de vezes mais radiação altamente energética. Com o tempo, ele passou a girar mais devagar e a produzir mais radiação na faixa da luz visível. “Sabemos que isso parece ser verdade a partir da análise de estrelas mais jovens e mais velhas que o Sol”, conta Mello, que em alguns meses deve publicar

Núcleo Fotosfera

Cromosfera Coroa

um trabalho com dados de três estrelas semelhantes à que o Sol foi na infância e dados de estrelas com as quais ele deverá se parecer em bilhões de anos.

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os últimos anos a astrofísica Adriana Válio, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, vem analisando a atividade na superfície de estrelas análogas ao Sol usando uma técnica inovadora que ela própria criou. Quando começou a participar do projeto Corot em 2002, Adriana tentou imaginar uma forma de usar a luminosidade medida pelo satélite para ter uma ideia do que se passava na superfície das estrelas. Propôs então que aproveitassem o eclipse de planetas, companheiros de 20% das estrelas com planetas observadas até hoje, para medir o tamanho das manchas escuras em sua superfície e outros indicadores de atividade estelar. Adotando o planeta como uma espécie de régua astronômica, Adriana vem conseguindo medir com precisão jamais alcançada o tamanho, a temperatura, a localização e o tempo de vida das manchas estelares. Também calculou o período de rotação das estrelas e quanto elas giram mais rápido no equa-

dor do que nos polos. Com o italiano Antonino Lanza, ela testou a estratégia com a Corot 2, estrela semelhante ao que deve ter sido o Sol aos 500 milhões de anos, e mostrou que funciona. Em agosto, Adriana apresentou a análise da estrela Corot 6, semelhante ao Sol aos 3 bilhões de anos, em um simpósio da União Astronômica Internacional. A partir de dados do campo magnético e da rotação de estrelas semelhantes ao Sol, Nascimento, Meléndez e Mello pretendem investigar o que ocorre abaixo da superfície estelar. “Estamos passando dos quantificadores externos, como a luminosidade e a temperatura, para os internos, como a zona convectiva e o campo magnético”, conta Nascimento, que está otimista com a qualidade e a quantidade de dados sobre análogas solares obtidos pelo Corot e outros programas. “Nos próximos 10 anos”, calcula, “deveremos encontrar uma estrela idêntica ao Sol”. n Artigo científico RIBAS, I. et al. Evolution of the solar activity over time and effects on planetary atmospheres. ii. κ1 Ceti, an analog of the Sun when life arose on Earth. The Astrophysical Journal. v. 714. 1o mai. 2010. PESQUISA FAPESP 175

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[ Física ]

O giro da luz

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e tem uma coisa que os físicos apreciam é a simplicidade. Para a maioria deles, a noção de que tudo – até mesmo o Universo – pode ser resumido num punhado de equações é charmosa demais para ser desprezada. Às vezes, as tentativas de traduzir a natureza em números exigem a construção de caros e complexos aceleradores de partículas. Mas não foi o caso do trabalho feito pelo grupo de Jandir Hickmann, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), publicado no final de julho na Physical Review Letters. Com ferramentas bem mais modestas (uma fonte de laser, algumas lentes e tiras de fita isolante), ele e três colaboradores criaram uma estratégia bastante simples de medir uma propriedade da luz que talvez possa ser usada para manipular informação em um computador quântico. A propriedade medida é o chamado momento angular orbital. Visualizar mentalmente essas propriedades, como praticamente tudo no mundo quântico, é bastante complicado. Mas o físico da Ufal usa uma metáfora a partir da física clássica para explicar. Imagine que a Terra seja um feixe de luz. Nosso planeta executa, tendo o Sol como referencial, dois movimentos distintos. Um deles, em torno de seu próprio eixo, é a rotação, que induz a ocorrência de dias e noites. O equivalente desse movimento no feixe de luz seria o momento angular de spin. O outro movimento da Terra é ao redor do Sol, a translação, que produz os anos. Seu equivalente quântico seria o momento angular orbital. Combinados, os dois movimentos fazem a energia da luz se concentrar em determinadas regiões do feixe. À medida que a luz avança

Técnica simples mede propriedade de feixe luminoso útil para a computação quântica Salvad or No gueira


Jandir Hickmann/UFAL

em uma direção, essa área de concentração de energia se desloca em espiral ao longo do eixo do feixe luminoso – se fosse visível, formaria uma imagem que lembra um saca-rolhas. Há muito tempo os cientistas sabem mensurar as propriedades de spin, mas o momento angular orbital é bem mais difícil de medir. Usando uma mesa óptica, Hickmann e seus colegas dispararam um laser de argônio na direção de um detector. No caminho, a luz tinha de passar por um holograma, uma espécie de filtro em que adquiria momento angular orbital, antes de atravessar uma abertura em forma de triângulo equilátero feita em uma tira de fita isolante. Por que esse material? “Só para demonstrar a facilidade de execução”, diz o físico brasileiro.

ilustração uva costriuba

Desvios - O laser, ao atravessar a aber-

tura, interage com as bordas do triângulo e sofre um desvio (difração). O que se vê no detector é um triângulo diferente, formado por um conjunto de discos luminosos. Basta contar o número desses discos que formam um dos lados do triângulo para saber o valor do momento angular orbital. Ele será proporcional ao número de discos. Essa constatação animou os físicos. “Foi uma surpresa, pelo menos para mim, que houvesse uma relação tão simples e bonita”, disse Miles Padgett, da Universidade de Glasgow, na Escócia, ao Physical Review Focus, veículo de divulgação científica da Sociedade Física Americana, que apresentou com destaque a pesquisa brasileira. A razão para excitação é que há esperança de que o momento angular orbital possa ser usado como base para a chamada computação quântica.

Discos coloridos: resultado do desvio da luz

A ideia por trás dessa tecnologia nascente é usar as interações e propriedades da luz e das partículas atômicas para efetuar cálculos que dificilmente poderiam ser feitos de outro modo. Isso porque uma das características mais estranhas do mundo quântico é o fato de que uma partícula, até que seja observada, pode conter todas as configurações possíveis para ela. Por exemplo, uma partícula de luz pode ter simultaneamente spin -1 ou 1, antes de ser detectada. Com isso, ela poderia, em princípio, ser usada para fazer duas operações a um só tempo. Os experimentos que usam o spin para o processamento quântico têm obtido algum sucesso, mas Hickmann enxerga um potencial ainda maior para o uso do momento angular orbital. “Isso porque ele não tem um limite para a quantidade de estados que pode assumir. Enquanto o momento angular de spin só pode ser 1 ou -1, o momento angular orbital pode ter qualquer valor, contanto que seja um número inteiro, positivo ou negativo”, explica o físico. Com isso, ao menos em princípio, a quantidade de cálculos simultâneos que podem ser feitos por um proces-

sador quântico baseado em momento angular orbital passa a ser muito maior. À medida que se desenvolvam técnicas eficientes de medição, essa ideia pode ficar um pouco mais próxima da realidade. Mas só um pouco. “O maior problema da computação quântica é a decoerência”, diz Hickmann. Esse é o nome dado à perda dessa delicada condição em que as partículas são mantidas apresentando todos os estados ao mesmo tempo e, portanto, útil para o processamento de informações. “O difícil é gerar estados quânticos robustos o suficiente para não se perderem”, afirma. Segundo o físico, até hoje os únicos processadores quânticos testados têm baixíssima capacidade de processamento. “É como se eu tivesse um processador capaz de contar só até 16 bits quânticos. Ele tem poucos dedos, não consegue contar muito”, explica, “por isso ainda não tem aplicação prática”. n Artigo científico HICKMANN, J. et al. Unveiling a truncated optical lattice associated with a triangular aperture using light’s orbital angular momentum. PRL. v. 105. 30 jul. 2010.



[ Medicina ]

Histórias de família Especialistas rastreiam no país síndrome genética que pode causar sucessivos cânceres Carlos Fioravanti | Fotos Gabriel Bitar

Em 1998, no quinto ano do curso de medicina, Maria Isabel Achatz atendeu uma mulher de 65 anos que já tinha tido três cânceres – um no seio, o segundo no peritônio, a membrana que reveste o abdômen, e o terceiro em outro seio – e naquele momento apresentava outro, no pulmão. “Ela contou que os médicos tinham falado que um câncer não tinha nada a ver com outro”, retoma Maria Isabel. Intrigada, já que não era mesmo um só tumor que havia se espalhado por outros órgãos, ela começou a puxar o fio de uma síndrome rara, marcada pela predisposição ao câncer e expressa por meio de tumores independentes e sucessivos em idade precoce – antes dos 30 anos e mesmo na infância. À medida que apareciam outras pessoas com relatos semelhantes aos daquela mulher, Maria Isabel, em São Paulo, e logo depois outros pesquisadores de outros estados concluíram que essa doença de origem genética – a síndrome de Li-Fraumeni, que aumenta em até 90% o risco de desenvolver câncer ao longo da vida –, embora fosse descrita como rara, não era rara no Brasil. Se a frequência dessa doença na população for confirmada, poderão surgir sérios problemas de saúde pública, na medida em que os hospitais públicos, ao menos de imediato, dificilmente terão laboratórios e equipes para acompanhar as pessoas com esse problema. “Em um ano encontramos 28 famílias com casos muito semelhantes”, espantou-se a médica, pesquisadora no Hospital do Câncer A.C. Camargo desde 2001. Trabalhando em conjunto, as

equipes de Maria Isabel, de Fernando Vargas, do Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Rio de Janeiro, e de Patricia Ashton-Prolla, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), identificaram até agora 325 pessoas de 132 famílias com a síndrome de Li-Fraumeni. Em nenhum outro país apareceram tantos portadores dessa doença, até hoje encontrada em 560 famílias no mundo todo (o conceito de família, aqui, inclui tios e primos, não só pais e filhos). A maioria das pessoas com essa doença já diagnosticadas no Brasil descende de imigrantes portugueses e mora nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Porém, como há décadas os moradores desses estados migram para outras regiões, moradores de outras regiões podem ter essa doença e nunca terem sido diagnosticados. Uma das linhas de trabalho em andamento examina essa possibilidade, em busca de uma delimitação precisa do alcance geográfico e populacional dessa forma hereditária de câncer. A origem dessa doença já está definida. A sucessão de tumores independentes que caracteriza a síndrome de Li-Fraumeni resulta de alterações – ou mutações – no gene TP53, localizado no cromossomo 17. Cada célula humana contém duas cópias desse gene. Uma mutação que surja em uma das cópias nas células sexuais (nos testículos ou nos ovários) pode ser transmitida aos filhos, cada um com 50% de chance de herdar a mutação. O gene TP53 aciona a produção de PESQUISA FAPESP 175

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proteínas de reparo do DNA, que a cada dia sofre cerca de 7 mil danos resultantes da radiação solar ou do ataque de agentes químicos. “Quando o gene está mutado”, diz Patricia, “os mecanismos de reparo funcionam de forma deficitária e a célula fica mais propensa a sofrer uma transformação maligna”. Em 2006, as equipes de Maria Isabel, Patricia e Vargas, em colaboração com o grupo de Pierre Hainaut, da Agência Internacional para Pesquisa em Câncer, apresentaram a mutação predominante nas pessoas com Li-Fraumeni no Brasil. Chamada de R337H, essa alteração encontra-se em uma das extremidades do gene, enquanto em outros países outras mutações responsáveis pela síndrome estão na região central do gene. Na trilha do gene – As equipes de São

Paulo, Rio e Porto Alegre, em conjunto com colegas da França e da Itália, verificaram que as cidades com maior número de pessoas com essa mutação coincidiam com os pontos de parada dos tropeiros, como eram chamados os comerciantes portugueses que percorriam o Sul e o Sudeste nos séculos XVII e XVIII. A análise de 29 trechos de DNA de 12 pessoas não aparentadas portadoras da mutação indicou que todas essas pessoas tinham um ancestral comum europeu, como detalhado na Human Mutation de fevereiro de 2010. “É uma hipótese de trabalho a ser testada”, diz 58

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Nem todos da mesma família, mesmo com a mutação, desenvolvem câncer

Vargas. “Ainda não investigamos outras regiões do país.” Maria Isabel acrescenta: “Estamos abertos a novas colaborações que possam nos ajudar a delimitar o alcance geográfico dessa síndrome”. Outra possibilidade é que a mutação R337H não seja exclusivamente brasileira, mas tenha sido subdiagnosticada em outros países. Por enquanto emergiram apenas dois casos, um português que morava na França e um brasileiro no Canadá. A mutação R337H tem se mostrado bastante prejudicial: as mulheres que a têm estão sujeitas a um risco de até 97% – e os homens, de 73% – de desenvolver câncer ao longo da vida. Enquanto na população em geral o ris-

co de apresentar um tumor antes dos 30 anos é de 1%, nos portadores dessa mutação pode ser de 50%. Descrita em 1969 pelos médicos Frederick Li e Joseph Fraumeni, essa síndrome pode se manifestar na infância por meio de tumores no cérebro, em glândulas como as adrenais, no sangue (leucemia) ou nos ossos e em tecidos moles como o músculo. Nos adultos, os tumores mais frequentes associados a essa síndrome são os de mama, intestino, ossos, sistema nervoso central e pulmão, leucemia, estômago, próstata e pâncreas. A frequência dessa mutação na população, de tão elevada, surpreendeu os pesquisadores. Em um grupo de 160 mil recém-nascidos testados em Curitiba, no Paraná, 455 – uma em cada 300 crianças – tinham a mutação causadora dessa síndrome no Brasil. “É um valor muito mais alto do que está nos livros”, diz Vargas. Em outros países, essa síndrome acomete uma em cada 5 mil pessoas. Se confirmado por levantamentos mais amplos, esse resultado torna a síndrome a forma mais comum de câncer hereditário, ao menos no Brasil. De origens distintas, tumores hereditários de mama, ovário, intestino, tireoide, próstata e pele entre adultos e de retina entre crianças respondem por 5 a 10% do total de casos de câncer. Vargas observa que a frequência dessa mutação na população – ou prevalência –, se confirmada, pode superar a de outras deficiências genéticas, como o hipotireoidismo congênito, encontrado em uma em cada grupo de 4 mil pessoas, a fenilcetonúria, encontrada em um em cada 10 mil recém-nascidos, ou uma das formas de nanismo, que acomete uma em cada 15 mil pessoas. Duas mulheres – Essa prevalência, se

for mesmo tão alta, pode trazer um sério problema de saúde pública: “As pessoas com essa mutação, por estarem em risco para diferentes tumores, em diferentes idades, precisam ser acompanhadas por toda a vida, mas no momento não temos hospitais públicos e equipes preparadas para atender um problema dessa magnitude”, diz Patricia. Sua equipe encontrou a mutação em duas mulheres de um grupo de 750 sem câncer de mama que faziam mamografias anuais. As duas pertenciam a uma mesma família, até então apenas com casos esparsos de tipos


diferentes de câncer, não uma história clara de câncer hereditário. A perspectiva de ter câncer não inquietava as duas mulheres, mas em dois anos um tumor de útero manifestou-se em uma delas e outros tumores foram diagnosticados em outras pessoas da mesma família, incluindo uma criança de 4 meses. Patricia conta que os pais dessa criança de 4 meses procuraram os médicos porque não entendiam por que a filha ganhava peso em excesso, mesmo que recebesse apenas leite materno. O problema não era tendência à obesidade, como pensavam, mas um tumor nas glândulas adrenais que causou um desequilíbrio hormonal cujo resultado mais visível era o sobrepeso. Os médicos retiraram o tumor e aos poucos o bebê voltou ao peso normal. A equipe do hospital pediu que outras pessoas dessa mesma família, com ou sem câncer, fizessem o teste genético, que identificou a mutação em várias delas. “Ao menos nessa família”, diz ela, “nem todas as pessoas que nascem com a mutação desenvolvem câncer, que pode ser de diferentes tipos e se manifestar em idades também diferentes”. Esta é uma característica intrigante desta síndrome: por que uma criança com a mutação pode ter um tumor agressivo e outra pessoa da mesma família, com a mesma mutação, pode chegar aos 60 anos sem ter nada? Uma das explicações é que o DNA de algumas pessoas com essa mutação pode abrigar também outras alterações genéticas, dessa vez protetoras. Um exemplo é uma duplicação de 16 pares de bases nitrogenadas, as unidades do DNA, em meio a outro trecho do gene TP53. À frente desse trabalho, Virginie Marcel, da Agência Internacional para Pesquisa em Câncer, de Lyon, França, em colaboração com as equipes de São Paulo e do Sul, verificou que nas pessoas que tinham esse trecho duplicado os primeiros sinais de câncer apareciam quase 20 anos depois do que nas pessoas que não o tinham. “Deve haver outros mecanismos genéticos que ajudam a proteger as pessoas que carregam essa mutação”, diz Maria Isabel. Ainda há muitas outras dúvidas. “O que desencadeia os tumores? Que tipo de câncer vai aparecer primeiro? Não sabemos. Não temos todas as respostas”, observa Patricia. Atualmente ela

pais de crianças que tiveram câncer não sabem que outros familiares podem carregar a mutação

coordena um estudo para identificar essa mutação em 1.500 mulheres e 500 crianças que apresentaram tumores típicos dessa síndrome. As equipes do Hospital das Clínicas e do Instituto do Câncer Infantil de Porto Alegre já verificaram que uma em cada quatro das primeiras 150 crianças avaliadas tinha história familiar de câncer. “Entre as crianças com carcinoma adrenocortical [na glândula adrenal], a maioria tem a mutação R337H”, conta ela. “Há casos isolados de crianças com a mutação que tiveram algum tipo de câncer, mas não têm história familiar da doença. Seus pais provavelmente não sabem que outras pessoas da família podem carregar a mutação e desenvolver tumores.” Volte sempre – “Ainda não temos co-

mo impedir o aparecimento de tumores, mas podemos fazer o diagnóstico precoce”, diz Maria Isabel. Os médicos pedem para que as pessoas com essa mutação voltem aos hospitais a cada seis ou 12 meses para fazer os exames que detectam tumores – todo câncer pode ter alto grau de remissão ou até mesmo cura quando tratado no início. Às mulheres com essa alteração genética, pedem que

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façam mamografia a partir dos 25 anos, não dos 50, como indicado às mulheres sem essa mutação. “Se encontramos um pólipo, retiramos logo”, conta ela. Por vezes, quem pede para fazer os testes genéticos não tem câncer, mas teme a doença que marcou a história da família. “Muitos se sentem como se tivessem uma espada sobre a cabeça, que pode cair sobre eles a qualquer momento”, comenta Vargas. Saber que cada célula do corpo contém uma falha genética com consequências possivelmente trágicas pode trazer inicialmente um alívio, porque o fato de muitos familiares terem câncer ganha finalmente uma explicação. Com o tempo, porém, afloram ansiedade, medo, forças, fragilidades, desejos, frustrações e dúvidas sobre a própria vida e as relações familiares. “Muitas vezes as mulheres, ao terem conhecimento que têm a mutação, não sabem mais se querem mesmo ter filhos, com medo de transmitir essa alteração, QUEM descobre que não tem a mutação ou se devem casar ou contar para o marido, que às vezes as abandona quanpode se sentir culpado e excluído da família do sabe que elas têm essa predisposição genética”, conta Christina Tarabay, psicóloga lado, as outras 21 anularam a alegria “O teste genético muda a noção de do Hospital do Câncer A.C. Camarque poderiam sentir por não terem a privacidade, porque vai além do prógo. “Quem tem essa mutação às vezes mutação, às vezes se sentiam culpadas prio indivíduo”, diz Goldim. Enquanto tem medo de ser identificado pelo conpor não terem o mesmo gene defeituoos resultados de um exame de sangue vênio médico, de contar para a família so dos irmãos e se tornavam solícitas diz respeito apenas a quem o faz, os de ou de perder o controle sobre a vida. para fazer os familiares com a mutação um teste genético pode se estender a Algumas pessoas aceitam fazer o teste se sentirem confortáveis.” toda a família e revelar parentes desgenético, mas não querem saber do reO biólogo José Roberto Goldim conhecidos, casamentos encobertos e casos de falsa paternidade. “Temos de sultado. Temos de respeitar as escolhas convive com esse drama no Hospital e decisões das pessoas a quem oferede Clínicas de Porto Alegre, onde chefia ter muita cautela e muita discrição”, o serviço de bioética. “Aparentemente, recomenda. “Não podemos simplescemos tratamento, sempre.” “O teste genético é um pedaço de mente fazer o teste, dar o resultado e vamos dar uma boa notícia para quem papel com uma carga simbólica imensa, não tem a mutação e vemos a pessoa depedir para chamar a família. Temos de que pode mudar profundamente a vida sabar, porque sente que, a partir daquele pensar, a todo momento, até que ponto das pessoas, independentemente do remomento, não pertence mais à família podemos expor os problemas de uma sultado encontrado”, diz Christina. Ela e que perdeu uma característica que n pessoa a seus familiares.” se surpreendeu ao ver como 35 pessoas dá identidade à família. As pessoas em de uma mesma família, com idade méfamílias com doenças genéticas crescedia de 47 anos, reagiam ao fato de terem ram vendo doentes e pensando que um Artigos científicos feito o teste genético, um ano antes, e dia também vão ficar doentes. A doen­ saberem que tinham a alteração genéça faz parte da herança familiar.” Toda 1. Achatz, M.I.W. et al. Highly prevalent TP53 mutation predisposing to many cantarde de segunda-feira, ele conta, sua tica que poderia causar um câncer decers in the Brazilian population: a case for pois do outro. “As 14 que souberam que equipe se reúne com Patricia e outros newborn screening? Lancet Oncology. tinham a mutação adotaram o humor médicos para acertarem o que e quando v. 10, n. 9, p. 920-5. set. 2010. como mecanismo de defesa psíquica, contar a quem fez os testes genéticos 2. Palmero, E.I. et al. Tumor protein 53 tratavam o problema abertamente e e a seus familiares, evitando impactos mutations and inherited cancer: beyond negativos ao comunicar os diagnósticos aderiram ao acompanhamento méLi-Fraumeni syndrome. Current opinion in oncology. v. 22, n. 1, p. 64-9. jan. 2010. dico e psicológico”, diz ela. “Por outro nos dias seguintes. 60

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Bem antes do câncer Infecções e consumo excessivo de carne vermelha podem facilitar o surgimento de tumores

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pisódios banais da vida como um herpes labial ou os sábados de comilança na churrascaria podem ter sérias consequências décadas mais tarde. Infecções causadas por vírus, bactérias ou parasitas, tanto quanto o consumo elevado de carnes vermelhas, podem favorecer o desenvolvimento de tumores, às vezes por mecanismos ainda não conhecidos. O virologista alemão Harald zur Hausen fez esse alerta com a autoridade de quem descobriu a ligação entre a infecção causada pelo papiloma vírus humano (HPV) e o câncer de colo de útero e, por essa razão, recebeu o Prêmio Nobel de Medicina em 2008. Sua apresentação marcou o início do funcionamento do Centro Internacional de Pesquisa e Ensino (Cipe) do Hospital do Câncer A. C. Camargo, em São Paulo, no dia 5 de agosto. Zur Hausen reiterou a associação entre infecções e câncer. Os vírus causadores do herpes estão ligados a tumores de pele e outros; o HPV a câncer cervical, no ânus, nos genitais, na boca ou na faringe; o HIV, causador da Aids, a câncer de pele como o sarcoma de Kaposi; e os vírus das hepatites B ou C a câncer de fígado. A bactéria Helicobacter pylori pode causar úlcera e induzir a formação de tumores de estômago, enquanto a Mycobacteria tuberculosis, além da tuberculose, pode causar tumores em células de revestimento (epiteliais) ou de glândulas como a adrenal. Entre os vermes, Zur Hausen lembrou do Schistosoma haemotobium, causador da esquistossomose, principalmente na África, associado ao câncer de bexiga, e do Schistosoma mansoni, que provoca esquistossomose no Brasil e pode levar ao câncer retal. Uma das razões pelas quais uma infecção pode favorecer a formação de tumores, ele explicou, é o fato de o material genético dos vírus interagir com genes das células humanas. Uma vez alterados, os genes podem mudar os mecanismos de duplicação ou de reparo do DNA e facilitar a proliferação de células anormais. Vírus, bactérias e parasitas podem também gerar inflamações crônicas, que desregulam as defesas do organismo.

“Aproximadamente 21% dos casos de câncer no mundo inteiro são causados por infecções”, disse Zur Hausen. Desse total, 71% poderiam ser evitados por meio de vacinas, antibióticos ou antivermífugos. No Brasil, 26% dos casos de câncer poderiam ser evitados por meio da prevenção de infecções, de acordo com um estudo recente do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Por sorte, a evolução de uma infecção para um câncer geralmente é lenta. Um câncer cervical aparece depois de 15 a 20 anos de o HPV ter se manifestado e o câncer de fígado depois de 30 a 60 anos após o início da hepatite B ou C. Uma exceção é o vírus Epstein-Barr, que pode acionar a formação de tumores na faringe em menos de um ano depois de o vírus ter se instalado no organismo. Inversamente, infecções podem às vezes evitar o câncer, como no caso da leucemia. “Os fatores de risco para leucemias na infância são infecções raras e status socioeconômico alto”, disse. A alimentação também pode acelerar ou adiar o desenvolvimento de tumores. “Argentina, Uruguai, Nova Zelândia e Estados Unidos são os países que mais consomem carne vermelha e os que apresentam o maior número de casos de câncer colorretal, de mama e de pulmão em não fumantes”, comentou Zur Hausen, que expôs em gráficos e tabelas como a carne vermelha ou a carne industrializada ampliam a incidência de câncer e como o consumo de frutas e legumes a detém. A hipótese dele é que uma infecção causada por um vírus que ele chama de TT estaria diretamente relacionada ao câncer colorretal. Nem tudo está claro. Segundo ele, cozinhar ou fritar carne vermelha pode liberar substâncias ainda pouco conhecidas que se combinam com compostos do organismo, formando moléculas que beneficiam os tumores. “A carne de frango frita ou grelhada parece não liberar esses compostos”, disse. “Existem suspeitas de que o leite de vaca pode transmitir agentes causadores de câncer da vaca para os seres humanos.” Mesmo assim, Zur Hausen não se tornou vegetariano. “Ainda como carne vermelha. Tenho 74 anos, estou na fase final de minha vida e sei dos meus riscos.” n

Carlos Fioravanti PESQUISA FAPESP 175

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[ Parasitologia ]

Agressividade oculta

Equipe da Unicamp derruba a ideia de que existe uma forma branda da malária

P

or muito tempo considerado um parasita pouco agressivo, o Plasmodium vivax na verdade pode causar complicações graves, além dos violentos acessos de febre que caracterizam todos os tipos de malária. À frente de uma equipe internacional, o parasitologista Fabio Trindade Maranhão Costa, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), agora explica por quê. Os plasmódios vivax têm a capacidade de aderir às células do doente, causando danos até agora imputados apenas a seu parente mais mal-afamado, o Plasmodium falciparum. A equipe identificou essa característica usando parasitas recém-retirados do sangue de pacientes do hospital da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, em Manaus, e fez testes usando células de pulmão humano e de cérebro de macacos-de-cheiro, ambas mantidas em cultura, além de cortes de placenta humana recolhida depois do parto. Os resultados desses experimentos, publicados no Journal of Infectious Diseases, mostram que os parasitas P. vivax aderem às células mesmo quando submetidos a um fluxo de líquido, simulando a situação que enfrentam dentro de um vaso sanguíneo. É provavelmente essa a explicação para as notificações, cada vez mais comuns nos últimos 10 anos, de complicações – como problemas pulmonares ou convulsões – em casos de infecção por vivax. “Não existe parasita benigno”, sentencia Costa. Embora faça sentido pensar que um organismo que infeste outro cause sempre algum efeito nocivo, até pouco tempo atrás o Plasmodium vivax não era levado muito a sério. Ele não tem em sua superfície as estruturas, chamadas knobs, características de P. falciparum e consideradas essenciais para que o microinvasor se ancore às células humanas e dê origem a um processo inflamatório que danifica os tecidos e pode levar à morte, ou a um aborto quando a infectada é uma mulher grávida.

Havia também outro motivo para os pesquisadores não suspeitarem que o Plasmodium vivax aderisse às células. É que não observavam o fenômeno chamado sequestro – o desaparecimento dos parasitas adultos durante a segunda metade de seu ciclo de vida. O sequestro já é bem conhecido em falciparum: os parasitas não aparecem no sangue porque estão agarrados ao revestimento interno dos vasos sanguíneos, o endotélio. Como o sangue dos infectados com vivax apresentam parasitas adultos em qualquer fase do ciclo de vida, até agora se considerava que ele fosse menos agressivo. Os pesquisadores se conformaram com esses indícios indiretos por causa de uma dificuldade técnica nada trivial. Desde os anos 1970 os parasitologistas conseguem cultivar, em hemácias humanas no laboratório, colônias de P. falciparum, que se reproduzem e mantêm a capacidade de infectar. Mas o vivax é mais exigente e se recusa, ainda hoje, a viver em condições artificiais. Costa superou essa adversidade usando parasitas recém-colhidos de pacientes e descobriu que os plasmódios vivax aderem às células endoteliais, porém cerca de 10 vezes menos do que os falciparum. Mas, uma vez aderidos, ambos os tipos de plasmódio têm a mesma capacidade de se manter colados às células. “Ainda não sabemos exatamente como os vivax aderem, mas parece ter relação com genes chamados vir, uma família gênica muito variável nos plasmódios”, conta o parasitologista da Unicamp. Como o parasita não se adapta às condições de laboratório, só é possível fazer esse trabalho nas regiões endêmicas – no Brasil, o ideal é Manaus, onde é tratada boa parte


Fabio costa/unicamp

Plasmodium vivax infecta células do sangue

dos pacientes da região amazônica. Para esse trabalho, Costa contou com a colaboração de dois colegas locais: o médico Marcos Lacerda, da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, e Paulo Nogueira, da Fundação Oswaldo Cruz. “Sem eles, o trabalho não teria sido possível”, afirma o pesquisador da Unicamp, que pretende investir seu financiamento de pesquisa para aprimorar as condições de trabalho em Manaus. Os próximos passos da

Os Projetos 1. Avaliação dos mecanismos protetores da oxigenação hiperbárica (HBO) na malária cerebral experimental e na citoaderência parasitária – nº 2009/08728-8 2. Dinâmica populacional de polimorfismos de Plasmodium vivax na Amazônia rural brasileira – nº 2010/50333-8 modalidade

1 e 2. Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa Co­or­de­na­dores

1. Fabio Trindade Maranhão Costa – IB-Unicamp 2. Marcelo Urbano Ferreira – USP investimento

R$ 345.124,00 (FAPESP) R$ 347.436,27 (FAPESP)

pesquisa exigirão uma infraestrutura adequada para ensaios biológicos mais sofisticados. Costa também espera, em Manaus, examinar amostras de tecidos de pacientes que morreram por causa da malária e desenvolver métodos para estudar in vitro os processos inflamatórios desencadea­dos por vivax. Impacto – Entender o funcionamento

do Plasmodium vivax tem um enorme impacto potencial em saúde pública. No mundo todo 2,85 bilhões de pessoas – a maior parte na Ásia – correm risco de serem infectadas por essa espécie do parasita, responsável por 85% dos casos de malária no Brasil. “E essa proporção vem aumentando”, acrescenta Costa. O mais preocupante é que a variedade de vivax predominante no país já começa a demonstrar sinais de resistência aos medicamentos contra a malária, como a cloroquina. Analisando o sangue de pessoas com malária na Amazônia, a equipe do médico Marcelo Urbano Ferreira, da Universidade de São Paulo (USP), verificou que existe grande diversidade entre as variantes de vivax existentes no Brasil, que são claramente distintas daquelas encontradas, por exemplo, na Ásia. Esses achados podem ajudar a explicar a resistência aos antimaláricos em algumas das áreas em que ocorre essa forma de malária. Por enquanto, pelo menos, a descoberta do grupo de Campinas não aponta diretamente para novos fármacos. E não existem medicamentos eficientes que atuem diretamente contra a adesão em falciparum, apesar de o processo já ser bem conhecido. Mas o pesquisador não descarta que estudar esses mecanismos em vivax, sobretudo quando for possível estudá-los in vivo,

talvez em macacos, deve levar a um conhecimento que ajudará no combate à doença. “É uma quebra de paradigma que vai abrir possibilidades gigantes de pesquisa, passamos a ver a patogênese provocada por esse parasita de maneira diferente”, prevê Costa. Enquanto não se descobre como evitar a adesão dos plasmódios às células do endotélio e da placenta, a saída é buscar estratégias mais eficientes de combater os insetos que os transmitem para os seres humanos, como a elaborada recentemente pelo grupo de Marcelo Ferreira. Ao longo de alguns anos a equipe de Ferreira examinou todas as casas da comunidade de Granada, no leste do Acre, e constatou que apenas 22% delas concentravam 70% dos casos da doença. A aplicação de inseticidas em 25% das casas, em especial as que funcionam como foco de transmissão, já permitiria reduzir em dois terços os casos de malária, segundo estudo realizado pelo médico Natal Santos da Silva, da equipe de Ferreira, e publicado em maio na Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene. “Esperamos ter contribuído com evidências que ajudem a planejar novas intervenções de controle do mosquito transmissor da malária”, diz Ferreira. n Artigos científicos 1. CARVALHO, B.O. et al. On the cytoadhesion of Plasmodium vivax-infected erythrocytes. Journal of Infectious Diseases. no prelo. 2. DA SILVA, N.S. et al. Epidemiology and control of frontier malaria in Brazil: lessons from community-based studies in rural Amazonia. Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene. v. 104 (5), p. 343-350. mai. 2010. PESQUISA FAPESP 175

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[ Nutrigenômica ]

Saúde

à mesa Consórcios internacionais dão corpo a pesquisas sobre a relação entre genes e nutrição Maria Guimarães

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ilustração nana lahoz

U

ma dieta personalizada pode equilibrar o funcionamento dos genes e reduzir propensões naturais a certas doenças com base genética, como o diabetes. Na verdade ainda não pode, mas alguns pesquisadores acreditam que, com financiamento adequado e esforços coordenados, em cerca de uma década a nutrigenômica será uma realidade. É como parte desse esforço concertado que cerca de 600 pesquisadores se reúnem no Guarujá, litoral paulista, entre os dias 26 e 29 deste mês, para a Conferência Internacional de Nutrigenômica. Uma vertente da nutrigenômica investiga como os nutrientes afetam diretamente a ação dos genes. É o caso da ação de gorduras, ou ácidos graxos, sobre genes que controlam células do sistema imunológico, estudada pela farmacêutica Renata Gorjão, da Universidade Cruzeiro do Sul, em colaboração com o grupo coordenado por Rui Curi, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP). Eles descobriram que o DHA e o EPA – os dois tipos mais comuns de ômega-3, uma gordura comum no óleo de peixes de águas frias – reduzem a atividade de genes envolvidos com a proliferação dos linfócitos, as células que funcionam como a


Hipócrates, memória do sistema imunológico. “Se essas células se multiplicam demais, o resultado é uma doen­ça inflamatória”, explica Renata. Daí a necessidade de dosar o consumo de ômega-3 conforme as necessidades individuais. O efeito das gorduras parece ser bem disseminado. A alemã Hannelore Daniel, da Universidade Técnica de Munique, uma das convidadas de destaque no congresso, vem mostrando em camundongos que dietas com diferentes teores de carboidratos e gorduras afetam a expressão de genes em vários órgãos e tecidos. A nutricionista Sophie Deram, da Faculdade de Medicina da USP, trilha outra vertente da nutrigenômica, a nutrigenética, que examina como a composição genética de cada pessoa interage com os alimentos na propensão a doenças. A pesquisadora de origem francesa, que já se considera brasileira, estuda crianças que chegam ao ambulatório de obesidade infantil do Hospital das Clínicas. Ela descobriu que variações no gene da perilipina (Plin), uma proteína das células de gordura, afetam a tendência à obesidade. Crianças com a variante Plin-4 têm mais risco de, se ficarem acima do peso, desenvolver a síndrome metabólica: resistência à insulina, pressão arterial aumentada e baixos teores do colesterol HDL – aquele que traz mais benefícios ao organismo. “O curioso”, explica Sophie, “é que o Plin-4 acelera a quebra de gorduras e por isso é considerado protetor contra a obesidade”. Esse é um lembrete eloquente de que os genes atuam em conjunto com o ambiente: crianças portadoras do Plin-4 que têm uma dieta muito inadequada acabam tendo problemas justamente por causa da grande quantidade de fragmentos de gordura livres no sangue, com efeito tóxico. Sophie verificou também que crianças portadoras da variante Plin-6 respondem muito bem ao tratamento com dieta e exercício. Esse enfoque também tem sido promissor na luta contra o câncer, tema da Conferência Internacional sobre Mecanismos de Antimutagênese e Anticarcinogênese, que acontece em paralelo com a de nutrigenômica. O farmacêutico bioquímico Thomas

há 2.500 anos, já disse: “Que o alimento seja seu remédio, e o remédio sua comida” Ong, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, vem mostrando, em trabalho coordenado pelo médico Fernando Moreno, do mesmo laboratório, que uma molécula comum no mel e em derivados do leite – a tributirina – pode ajudar a prevenir o câncer hepático. Em experimentos com ratos, o grupo mostrou que o tratamento com tributirina reduz lesões pré-cancerígenas no fígado. Ela modifica a cromatina, estrutura que empacota o DNA, e com isso ativa genes ligados à morte celular. Por isso, os ratos tratados desenvolveram menos lesões no fígado, e as que surgiram eram menores do que nos não tratados. “Esses estudos mostram como processos epigenéticos, que modulam a expressão dos genes sem modificar a sequência do DNA, podem ser instrumentos importantes contra o câncer”, frisa Ong. Esforço conjunto – Pesquisas como

essas são iniciativas importantes, mas para que entrem em prática é preciso juntar esforços. “A ciência está se tornando tão complexa que simplesmente não dá para fazer sozinho”, comenta Chris Evelo, chefe do Departamento de Bioinformática da Universidade de Maastricht, na Holanda. “Boa parte da genômica e da genética em ampla escala é na verdade bem nova e estamos aprendendo como aplicar essas ferramentas”, completa, o que torna a bioinformática central no estágio atual das pesquisas. É imprescindível por isso a iniciativa de redes internacionais, como a Rede Europeia de Nutrigenômica, coordenada pelo holandês Ben van Ommen, que estabelece colaborações com vários países fora da Europa, inclusive o Brasil.

A maior parte dos pesquisadores à frente da nutrigenômica faz questão de frisar que o conhecimento ainda não é suficiente para gerar aplicações práticas. Como a nutrigenômica exige um conhecimento da variação genética na população inteira, um grupo brasileiro liderado pelo biólogo Carlos Menck, do ICB-USP, busca agora fincar as bases para um projeto varioma humano. “As recomendações nutricionais que vêm nas embalagens de alimentos e suplementos se baseiam em estudos norte-americanos e europeus”, alerta a bióloga Lucia Ribeiro, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu. Ela é coordenadora da Rede Brasileira e da Rede Latino-Americana de Nutrigenômica e preside a comissão organizadora da Conferência Internacional de Nutrigenômica. Ela está à frente de estudos sobre a vitamina D e se prepara para iniciar um trabalho sobre vitamina A, importante para o crescimento, a visão e o desenvolvimento embrionário. “Algumas pessoas são capazes de transformar o betacaroteno da dieta em vitamina A, outras precisam de suplementação direta”, explica. E isso depende de genes, daí a necessidade de entender as características genéticas da população brasileira para chegar a recomendações adequadas. O trabalho está no começo. “Na minha opinião, a nutrição personalizada ainda está distante e não será amplamente usada por um bom tempo”, relativiza John Hesketh, coordenador do Projeto Internacional de Genômica de Micronutrientes, de que Lucia faz parte. Ele vem estudando, entre outras coisas, como o consumo de selênio afeta genes que podem interferir no desenvolvimento de câncer colorretal. Para Jim Kaput, diretor da Divisão de Nutrição e Medicina Personalizadas, da Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, o grande feito até agora da nutrigenômica foi enfatizar a importância de analisar genes e ingestão de nutrientes no mesmo experimento. Ele diz que o campo, impulsionado pelos resultados do Projeto Genoma Humano, na verdade tem raízes antigas. “Muitas vezes citamos Hipócrates, 2.500 anos atrás: ‘Que o alimento seja seu remédio, e o remédio sua comida’.” n PESQUISA FAPESP 175

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[ Zoologia ]

A obra de

uma vida

A

os 10 anos, Paulo Emílio Vanzolini conseguiu a aprovação no exame de admissão para o curso ginasial e, como prêmio, ganhou do pai uma bicicleta. Com sua bicicleta, o garoto foi passear no Instituto Butantan, zona oeste da capital paulista, onde se encantou com as cobras e decidiu que seria pesquisador. Aos 14 anos, Vanzolini já era estagiário no Instituto Biológico de São Paulo e aos 23 formou-se em medicina pela Universidade de São Paulo (USP). No doutorado, concluído em 1951 na Universidade Harvard, Estados Unidos, decidiu enveredar pela herpetologia, o estudo de répteis e anfíbios. Depois de mais de seis décadas dedicadas à ciên­ cia, Paulo Vanzolini, hoje com 86 anos, faz chegar às prateleiras das livrarias a obra Evolução ao nível de espécie – Répteis da América do Sul. Com mais de 700 páginas, o livro lançado pela editora Beca com apoio da FAPESP é uma coletânea com 47 dos principais artigos publicados pelo pesquisador, entre 1945 e 2004. “Juntamos em um único documento o que estava disperso. Essa articulação facilita a consulta. É uma obra bastante representativa da minha carreira”, resume Vanzolini. “Sempre trabalhei com a mesma linha de pesquisa, procurando explicar como teria surgido a grande diversidade da fauna sul-americana. O que fiz nesses estudos pode agora ser encontrado no livro”, completa o pesquisador, premiado em 2008 pela Fundação Guggenheim, de Nova York, como reconhecimento por suas contribuições à ciência. “A publicação dessa coletânea tem um especial significado para a FAPESP”, afirma Celso Lafer, presidente da Fundação, no prefácio do livro. “É, em primeiro lugar, um reconhecimento da contribuição de Vanzolini para o desenvolvimento da zoologia e, em segundo lugar, uma maneira de sublinhar como sua história de vida está ligada de maneira tão construtiva à da FAPESP.” Miguel Trefaut Rodrigues, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB/ USP), conta que os trabalhos de Vanzolini ajuda-

Livro reúne estudos de Vanzolini, autor da teoria dos refúgios Francisco Bicud o

ram a mudar a zoologia brasileira, que até meados do século XX se dedicava principalmente à descrição pontual e isolada de animais. “Ele reorienta esses estudos e passa a se preocupar com os mecanismos de especiação, com a perspectiva evolutiva, reunindo conhecimentos biológicos e geomorfológicos e avaliando os bichos em função das paisagens que habitavam”, diz. “Em sua obra, o estudo sistemático dos répteis e


desenhos de paulo emílio vanzolini

Detalhes de répteis e anfíbios, desenhados pelo pesquisador

a busca por um modelo evolutivo capaz de explicar a sua diversidade correspondem a pontos indissociáveis de um mesmo processo mental”, completa Hussam Zaher, atual diretor do Museu de Zoologia da USP. Trefaut lembra que, por muito tempo, a explicação cientificamente mais aceita para justificar a biodiversidade de biomas como a Mata Atlântica estabelecia que o grande número de espécies era resultado de longos períodos de estabilidade climática e geológica, que teriam representado ambiente propício para cruzamentos e reprodução. No final da década de 1960, Vanzolini resgatou conceitos inicialmente formulados para explicar a diferenciação de aves na Europa para apresentar a teoria dos refúgios, proposta simultânea e independentemente pelo alemão Jurgen Haffer. Nessa tarefa, contou com o auxílio do geógrafo brasileiro Aziz Ab’Saber. Segundo essa interpretação, a América do Sul teria passado, especificamente no último 1,6 milhão de anos, por ciclos de variações climáticas intensas. Entre 18 mil e 14 mil anos, quando o continente enfrentou a última glaciação, teriam se formado por conta do frio nichos geográficos com florestas tropicais – os refúgios –, que garantiram a sobrevivência de espécies menos acostumadas ao frio. Quando a temperatura voltou a esquentar, esses animais puderam abandonar os refúgios e voltaram a se encontrar. “Vanzolini mostra que a diversidade e a especiação surgiram graças à formação das ilhas de isolamento e a mudanças frequentes, e não em consequência de evolução lenta e estável”, diz Trefaut. Ele cita os artigos “Zoologia sistemática, geografia e origem das espécies”, de 1970, e “The vanishing refuge: a mechanism for ecogeographic speciation”, de 1981, como dois dos trabalhos de destaque da coletânea. Ambos estão diretamente re­lacionados à teoria dos refúgios. “O primeiro é um estudo multidisciplinar, escrito em português, tornando acessível uma linha de pesquisa até então

restrita aos poucos que naquela época falavam inglês. É fundamental também por lidar com exemplos práticos, apontando como foram identificados esses refúgios”, conta Trefaut. O segundo propõe um mecanismo novo para explicar como surgem novas espécies, com adaptações ecológicas diferentes das apresentadas por seus ancestrais. “Vanzolini foi inovador ao introduzir e divulgar no Brasil, por meio de seus alunos, uma visão moderna e centrada no estudo da variação geográfica, usando para tanto ferramentas estatísticas”, detalha Zaher. Ponto de partida – As polêmicas fazem

também parte da trajetória de Vanzolini. Estudos brasileiros e internacionais que avaliaram grãos de pólen, sedimentos de rios e de bacias hidrográficas tentam não só contestar, mas negar a teoria dos refúgios (ver Pesquisa FAPESP nº 129). Vanzolini rebate e afirma que até agora nenhuma outra explicação cientificamente convincente foi apresentada em substituição à tese que formulou. “Não há como negar que os refúgios existiram como mecanismo climático e ecológico”, diz Trefaut. “O fato é que a ciência faz o melhor possível a todo instante. Talvez em 10 ou 15 anos a teoria

seja repensada e revista. Ainda assim, as contribuições de Vanzolini terão sido o ponto de partida”, completa. Trefaut lembra ainda o papel relevante de Vanzolini, diretor do Museu de Zoologia da USP de 1962 a 1993, na organização da coleção do museu. “Quando ele assumiu a direção havia pouco mais de mil exemplares catalogados. Hoje são mais de 300 mil”, conta. Segundo Trefaut, o próprio Vanzolini muitas vezes se dedicava a datilograr rótulos e fichas de identificação dos bichos guardados. “A vida dele foi dedicada às coleções”, reforça. Zaher concorda e afirma que Vanzolini “liderou uma equipe de zoólogos que construiu, ao longo de décadas, uma das maiores e mais importantes coleções zoológicas neotropicais”. Ao comentar o que mudou em seis décadas na ciência nacional, Vanzolini, que também é um consagrado compositor de música popular brasileira, não hesita: a consolidação do sistema de pós-graduação, que na época dele não existia e ajudou a colocar o Brasil em posição de destaque no cenário internacional. “Reverencio a natureza. E tive uma carreira gratificante”, diz. “Posso dizer que sou um pesquisador n completamente realizado.” PESQUISA FAPESP 175

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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org

Sei

Notícias • Políticas públicas

Planejamento

para a Amazônia

o ensaio "Novas territorialidades na Amazônia: desafio às políticas públicas", de Bertha Koiffmann Becker, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apresenta os conceitos de territorialidade e gestão do território, propondo estudos que aprofundem o conhecimento sobre o processo de transformação territorial contemporâneo na Amazônia, questionando o planejamento governamental com base no conceito de macrorregião e argumentando a respeito da necessidade de serem formuladas políticas públicas para escalas geográficas adequadas aos processos sociais territorializados. No caso da Amazônia, as políticas e o planejamento governamental devem levar em consideração dois vetores de transformação regional, que expressam a estrutura transicional do Estado e do território contemporâneos, o vetor tecnoindustrial e o vetor tecnoecológico. BOLETIM

DO MusEU

CIAS HUMANAS

PARANAENSE

- VOL.

5-

NO 1-

EMÍLIO BELÉM

-

GOELDI.

para aplicação via sementes e via foliar não diferiram entre si. Na produtividade de grãos, o tratamento com bioestimulante proporcionou aumento de 37% em relação à testemunha. O bioestimulante aumentou o número de vagens por planta e produtividade de grãos tanto em aplicação via sementes quanto via foliar, confirmando a hipótese desse estudo. Todavia, a maior produtividade não está relacionada ao maior crescimento da parte aérea, considerando-se a altura das plantas, ramos por planta, altura de inserção da primeira vagem. Em relação ao aumento da produtividade, o bioestimulante é mais efetivo quando aplicado na fase reprodutiva. O experimento está relatado no artigo ''Aumento da produtividade de soja com a aplicação de bioestimulantes", de Danila Comelis Bertolin, Marco Eustáquio de Sá, Orivaldo Arf, Enes Furlani Iunior, Adriana de Souza Colombo, Francielle Louise Bueno Meio de Carvalho, da Universidade Estadual Paulista, campus de Ilha Solteira. BRAGANTIA

- VOL.

69 -

NO 2 -

CAMPINAS

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2010

CIÊN-

)AN./ ABR. 2010

• Nutrição

Chá-verde

brasileiro

• Agricultura

Bioestimulantes

na soja

A utilização de biodtimulantes proporciona incrementos no desenvolvimento vegetal, embora poucos estudos tenham abordado aspectos fisiológicos da soja (foto) relacionados à aplicação desses produtos. Um experimento com a cultura da soja foi instalado com o objetivo de avaliar o uso de um bioestimulante composto por citocinina, ácido indolbutírico e ácido giberélico via sementes ou via foliar em diferentes estádios fenológicos de duas cultivares, sendo uma cultivar convencional e outra geneticamente modificada. A cultivar convencional proporcionou maior produção de grãos do que a cultivar transgênica. A utilização do bioestimulante incrementou o número de vagens por planta e a produtividade de grãos, e os resultados

68 • SETEMBRO DE 2010 • PESQUISA F"APESP 175

Os estudos do chá-verde brasileiro ainda são escassos quando comparados aos realizados com chás-verdes produzidos em outros países. No trabalho "Chá-verde brasileiro (Camellia sinensis var. assamica): efeitos do tempo de infusão, acondicionamento da erva e forma de preparo sobre a eficiência de extração dos bioativos e sobre a estabilidade da bebida" foram avaliados os parâmetros sólidos solúveis e compostos fenólicos extraídos, bem como as propriedades antioxidantes da bebida. Os dados evidenciam que o uso da erva a granel sob agitação e tempo de infusão de cinco minutos foi a condição mais propícia para a extração dos bioativos. As bebidas obtidas foram estáveis por 24 horas em temperatura ambiente e em geladeira, visto não terem sido detectadas redução das propriedades antioxidantes e variações significativas dos seus principais bioativos. O estudo foi realizado por Márcia Fernandes Nishiyama, Maria Aparecida Ferreira Costa, Andréa Miura da Costa, Cristina Giatti Marques de Souza, Cinthia Gandolfi Bôer, Cissa Kelmer Bracht e Rosane Marina Peralta, da Universidade Estadual de Maringá. CIÊNCIA E TECNOLOGIA CAMPINAS

-

MAl.

2010

DE ALIMENTOS

- VOL. 30 - SUPL.1-


• Divulgação científica

A fraude dos embriões clonados o

estudo ''A incrível história da fraude dos embriões donados e o que ela nos diz sobre ciência, tecnologia e mídia', de Iara Maria de Almeida Souza e Amanda Muniz Logeto Caitité, da Universidade Federal da Bahia, analisa, a partir de notícias em jornais brasileiros, o caso da fraude científica dos embriões donados, cometida pelo sul-coreano Woo Suk Hwang. A exposição da ciência pela mídia costuma destacar aspectos intelectuais, descobertas e promessas de aplicação. Nesse caso, a ciência é mostrada em seu avesso, e desvela-se a trama de fios que ligam elementos diferentes: governo coreano, pesquisadores, instrumentos, fundos para pesquisa, óvulos e fungos e revistas científicas, entre outros. HISTÓRIA, NO 2 -

RIO

CIÊNCIA, DE JANEIRO

SAÚDE -

- MANGUINHOS

ABR.!jUN.

- VOL. 17-

2010

• Mudanças climáticas

o efeito

estufa e as batatas

forme o hábito de comunicação de seus médicos assistentes com os médicos rotineiros: comunicação diária da conduta, comunicação eventual e rara comunicação. Foram analisadas as consequências da falha na comunicação entre os profissionais médicos (atraso na realização de procedimentos, na realização de exames diagnósticos, no início de antibioticoterapia, no desmame do suporte ventilatório e no uso de vasopressores) e inadequações de prescrição médica (ausência de cabeceira elevada, ausência de profilaxia medicamentosa para úlcera de estresse e para trombose venosa profunda) relacionando-as com o desfecho dos pacientes. No total, havia 792 pacientes no estudo. A mortalidade foi maior nos pacientes pertencentes ao grupo de rara comunicação (26,3%) comparada aos demais (comunicação diária, l3,6%, e comunicação eventual, 7,1%). Os detalhes estão no artigo "A adequada comunicação entre os profissionais médicos reduz a mortalidade no centro de tratamento intensivo'; de Cassiano Teixeira, Eubrando Silvestre Oliveira, Sérgio Fernando Monteiro Brodt, Roselaine Pinheiro Oliveira, Felippe Leopoldo Dexheimer Neto e Cíntia Roehrig, do Hospital Moinhos de Vento de Porto Alegre, e Terezinha Marlene Lopes Teixeira, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. REVISTA NO 2 -

A concentração atmosférica dos gases do efeito estufa, principalmente o COz, tem aumentado nas últimas décadas em razão das atividades antrópicas. A concentração de COz aumentou de aproximadamente 280 partes por milhão por volume (ppmv) no período pré-industrial para a atual concentração de 380 ppmv. Há registros de que, durante o século XX, houve um aumento da temperatura média da superfície global de 0,6 °C, e projeções indicam um provável aumento de 1,1 a 6,4 °C na temperatura média global até o final do século XXI, dependendo da região do planeta. O aumento da concentração de COz e da temperatura poderá alterar o desempenho das culturas, incluindo a batata. O objetivo da revisão "Aquecimento global: efeitos no crescimento, no desenvolvimento e na produtividade de batata'; de Ioelma Dutra Fagundes, Gizelli Moiano de Paula, Isabel Lago, Nereu Augusto Streck e Dilson Antônio Bisognin, da Universidade Federal de Santa Maria, foi reunir informações da literatura sobre os possíveis efeitos do aumento na concentração de COz e da temperatura do ar no crescimento, no desenvolvimento e na produtividade da cultura de batata. O aumento do COz, seguido de aumento na temperatura do ar, de maneira geral, resultará em menor crescimento, redução na duração do cido de desenvolvimento, menor produtividade e aumento da incidência de doenças da batata. CIÊNCIA RURAL - VOL. 40 - NO 6 - SANTA MARIA

- jUN. 2010

• Medicina

Falta de comunicação

na UTI

BRASILEIRA

SÃO PAULO

• Antropologia

DE TERAPIA ABR.!jUN.

INTENSIVA

- VOL. 22 -

2010

urbana

Pichadores

de São Paulo

O artigo "As marcas da cidade: a dinâmica da pichação em São Paulo'; de Alexandre Barbosa Pereira, da Universidade de São Paulo, tem como centro os pichadores na cidade de São Paulo. Trata-se de jovens que inscrevem sua marca em muros, prédios e viadutos da cidade. Tal prática não é apreciada pela população, que vê na pichação uma forma de degradação da paisagem urbana. O estudo aborda o modo particular com que esses jovens se apropriam do espaço urbano pelo estabelecimento de pontos de encontro. Os pichadores têm uma maneira de conceber o centro e a periferia de São Paulo que dialoga com a dinâmica da metrópole. Embora se identifiquem com a periferia de onde são oriundos, eles têm o centro como importante local de atuação. A pesquisa revela como se estabelecem relações de troca, aliança e conflito entre si na cidade. LUA NOVA - NO 79

A falha de comunicação entre os profissionais da saúde em centros de tratamento intensivo pode estar relacionada ao aumento de mortalidade dos pacientes criticamente doentes. Os doentes foram divididos em três grupos con-

-

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SÃo

PAULO

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2010

> O link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão cisponíveis no site de Pesquisa FAPESP, www.revislapesquisa.fapesp.br

PESQUISA FAPESP 175 • SETEMBRO DE 2010 • 69


LINHA Df PRODUÇÃO

MUNDO

I

ÁGUA LIVRE DE ARSÊNICO Em vários países subdesenvolvidos,

um

importante problema de saúde pública é o consumo de água contaminada por arsênico, substância nociva ao organismo presente naturalmente no solo e em rochas. Duas novas tecnologias mostraram-se eficazes no processo de descontaminação.

A primeira

delas, criada na Universidade de Ciência e Tecnologia de Pohang, na Coreia do Sul, é fruto da combinação de nanocristais magnéticos com materiais baseados em grafeno, formado apenas com átomos de carbono. O compósito resultante é adicionado na água e em apenas 10 minutos remove as partículas de arsênico. Em seguida, o líquido passa por um processo simples de filtragem e está pronto para o consumo humano. O outro método emprega um sistema de tubos de vidro

e plástico que, submetido à luz solar durante algumas horas, faz a purificação da água. A desinfecção é feita pela radiação solar. Desenvolvido pelas universidades de Tarapacá, do Chile, e Nacional de Engenharia, do Peru, o protótipo foi capaz de reduzir o nível de contaminação por arsênico de 500 partes por bilhão (ppb) para 30 ppb. A tecnologia foi projetada para funcionar em áreas isoladas. A água tratada é própria para a irrigação, mas, dependendo do índice de purificação, pode tornar-se potável. I

MAGNÉTICAS E SENSíVEIS Quase não há na natureza materiais que possuam simultaneamente as propriedades ferroelétrica (eletricamente polarizado e sem condução de corrente) e ferro magnética (com campo magnético permanente). Um material com essas características está em alta porque poderia revolucionar a indústria

ao fatiarnentoem camadas nanométricas, esticado e posicionado sobre um composto de disprósio elemento químico do grupo dos lantanídeos, da mesma forma que o európio -, apresenta propriedades ferro magnética e ferro elétrica melhores que as conhecidas atualmente.

eletrônica para o desenvolvimento de memórias magnéticas altamente sensíveis, sensores· magnéticos e dispositivos de micro-ondas. A boa notícia é que pesquisadores da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, conseguiram criar um filme de titânio de európio ao mesmo tempo ferromagnético e ferro elétrico. O titânio de európio, quando submetido .•••

70 • SETEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 175

Novas memórias: polarizadas e permanentes

BATERIA FEITA ~ DE CERA E SABAO

As recarregáveis baterias de íon de lítio são um dispositivo obrigatório em diversos equipamentos eletrônicos portáteis, como telefones celulares e tocadores de mp3, e estão na mira da indústria automobilística, que pretende utilizá-Ias em carros elétricos. Para torná-Ias mais baratas e acessíveis, um grupo de pesquisadores da Universidade do Estado de Nova York, em Binghamton, e do Departamento de Energia do Laboratório Nacional Pacific Northwest (PNLL, na sigla em inglês), nos Estados Unidos, conseguiu criar eletrodos para essas baterias que utilizam cera e sabão como ingredientes em seu processo produtivo. O segredo está na parafina e nos ácidos oleicos presentes nessas substâncias, que, conforme os pesquisadores, melhoraram a síntese de fosfato de manganês nos eletrodos de lítio processo fundamental para a bateria gerar carga.


I

ALGAS CRESCEM COM LUZ AZUL

Produzir biocombustíveis, como o biodiesel, a partir de algas é uma possibilidade já comprovada por muitos pesquisadores e anunciada por empresas. Busca-se uma produção mais eficiente economicamente e sustentável. Para isso um grupo de pesquisadores da Universidade Syracuse, dos Estados Unidos, inovou ao desenvolver um sistema que faz as algas crescerem mais rápido por meio da manipulação de partículas de luz e do uso de técnicas de nanobiotecnologia. A equipe do professor Radhakrishna Sureshkumar construiu um pequeno biorreator que usa uma solução de nanopartículas de prata que refletem e dispersam melhor a luz azul promotora do crescimento das algas como uma

Microalgas: maior produção resulta em mais biodiesel

fotossíntese acelerada. Quando a combinação ideal entre a luz e as nanopartículas se estabelece dentro do reator, as microalgas verdes, da espécie Chlamydomonas reinhardtii, crescem 30% a mais que um grupo estabelecido para controle. O que as nanopartículas fazem é controlar, refletindo e espalhando, a intensidade e a frequência de luz azul favorecendo o crescimento das algas (Nature, 12 de agosto).

FRUTA REFORÇADA Bananas transgênicas

biofortificadas

são a nova esperança

no combate a casos de anemia, diarreia le cegueira em países pobres. É o que indicam os resultados

preliminares

de um

I

GLlCEMIA SEM PICADA

Qualquer possibilidade que evite as picadas de agulha é bem-vinda nos exames de rotina, por exemplo. Tanto pela dor da invasão que se faz na pele e nos vasos sanguíneos como pela economia proporcionada pela eliminação das injeções usadas uma única vez. Uma esperança que ainda engatinha no Laboratório de Espectroscopia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, é o uso da espectroscopia de Raman para verificação do nível de glicose por meio de um escaneamento com uma pequena sonda emissora de luz infravermelha sobre a pele do braço ou do dedo.

estudo realizado por pesquisadores da Austrália e Uganda, na África. O melhoramento genético buscou criar frutas com teores mais elevados de vitamina A e ferro. O estudo teve início no ano passado e a primeira colheita foi feita recentemente. Apesar dos bons resultados, os pesquisadores da Organização Nacional de Pesquisa Agrícola, de Uganda, e da Universidade de Tecnologia de Queensland, na Austrália, acreditam que serão necessários mais cinco anos até que os primeiros cultivares comerciais possam ser colocados no mercado. Os pesquisadores inseriram nas células da banana um gene de soja para estimular a produção e armazenamento ferro na polpa da fruta. Também foram inseridos genes de milho e de um cultivar de banana do Sudeste Asiático, que são muito ricos em carotenoides pró-vitamínico

A.

de

Banana contra anemia com genes de milho e soja

A Raman é um método usado para identificar compostos químicos pela frequência de vibrações das moléculas. A sonda serve para medir os níveis de glicose eliminando a extração de sangue. Imaginada há 15 anos pelo professor Michael Feld, diretor do laboratório, a técnica está em desenvolvimento. Em julho deste ano, o grupo do professor Feld apresentou na Analytical Chemistry um artigo com um novo método de calibração do sistema que permite maior grau de acerto dos níveis de glicemia no sangue. A dificuldade era medir o nível dessa substância no líquido intersticiallogo abaixo da pele. O novo sistema de calibração aumentou a precisão da análise da glicose e, mesmo necessitando de ajustes para ir ao mercado, ajudou os pesquisadores a desenvolver um pequeno equipamento com espectros copia de Raman, do tamanho de um notebook, que poderá ser usado nos consultórios médicos e nas residências, principalmente de pacientes com diabetes do tipo 1, que, muitas vezes, necessitam medir várias vezes no dia o nível de glicemia.

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LINHA Df PRODUÇÃO

BRASIL

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TRANSPORTE DE CARGA PESADA

~ ~

Um avião para transporte militar é

i

~ ;:

o mais recente projeto da Embraer aprovado para entrar em fase de protótipo

e produção. O KC-390

está com quase todas as configurações prontas para voar pela primeira vez em 2014 e ser produzido em série nos anos seguintes. A empresa já firmou um acordo com a Força Aérea Brasileira (FAB) para a venda de 28 aeronaves. São aviões que vão levar tropas e cargas varia-

Projeto do KC-390: avião militar deve voar em 2014

das, no total de 23 toneladas, como veículos e armamentos, pessoas em operações de busca e salvamento, além de combustível para reabas-

Brasil, isolada pela pesquisadora no início da década de 1990. A SM 14 foi um dos seis antígenos prioritários selecionados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em testes feitos em camundongos, a taxa de imunização atingiu 70%. O início dos testes em pessoas depende apenas da autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A Ouro fino planeja lançar outra vacina com a mesma

tecer aeronaves em voo. Poderá operar em pistas curtas e semipreparadas

em ambientes que variam da Antártida

à

Amazônia. Terá sistemas de visão noturna e de autodefesa como despistadores de mísseis. O KC-390 terá 33 metros em) de comprimento, 35 m de uma ponta a outra da asa e altura de 10 m, medidas aproximadas do maior jato da companhia, o EMB-195, que possui 38 m de comprimento, 10 m de altura e 28 m entre as pontas das asas. Um modelo em tamanho real do compartimento

de carga foi a primeira estrutura construí-

da do futuro avião. Ele demonstrou com cargas reais o bom espaço interno e a versatilidade da aeronave.

VACINA CONTRA A

I ESQUISTOSSOMOSE A primeira vacina contra a esquistossomose - doença que atinge cerca de 200 milhões de pessoas no mundo e causa uma inflamação severa no intestino e fígado deverá ser testada ainda este ano pela empresa Ouro fino, de Cravinhos, no interior paulista. A empresa comprou a licença de produção da tecnologia, desenvolvida pela médica Miriam Tendler,

pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro. A vacina usa um antígeno - substância que estimula a produção de anticorpos - para preparar o sistema imunológico contra um ataque do parasita, impedindo que ele se instale no organismo. No caso, a substância utilizada é a proteína SM 14, um antígeno contra o verme Schistossoma mansoni, o principal causador da doença no

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proteína SM 14, destinada a proteger animais contra a fasciolose hepática, parasitose que provoca perda de peso, entre outros sintomas, e atinge 300 milhões de bovinos e ovinos no mundo. A expectativa é que em dois anos o produto esteja no mercado.

I

~IOMATERIAL OSSEO

Um novo biomaterial com estrutura nanométrica para regeneração óssea foi desenvolvido no Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara, pela doutoranda Sybele Saska, com apoio da FAPESP. A base do biomaterial são bactérias do gênero

Gluconacetobacter, S. mansoni: <11II

'--_---'o

antígeno contra parasita

que produzem fibras de celulose durante o seu crescimento. A partir


dessas fibras em escala nanométrica foram inseridos na estrutura do material elementos como colágeno e hidroxiapatita componentes encontrados nos ossos -, além de peptídeos (fragmentos de proteína) sintetizados em laboratório que tornaram o material osteoindutor estimulante da regeneração óssea, promovendo maior proliferação e diferenciação celular. O estudo, orientado pelo professor Reinaldo Marchetto, foi um dos cinco premiados na 88a Reunião Geral da Associação Internacional de Pesquisa Odontológica (IADR), realizada em julho em Barcelona, na Espanha.

MERCÚRIO TRATADO Um novo sistema para remoção do mercúrio de efluentes líquidos e do petróleo, sem geração de resíduos tóxicos, foi desenvolvido por

DESCONTAMINAÇÃO SIMPLES Técnica para remover

metal não deixa resíduos

pesquisadores do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/ UFRJ), com apoio da Petrobras. Pelo método, o mercúrio passa por um tratamento de adsorção - processo em que as moléculas ou íons ficam retidos na superfície dos sólidos por meio de interações químicas ou físicas - com um composto à base de fosfato de cálcio. Como esse fosfato teve a composição modificada, o metal fica fixado na sua estrutura de maneira segura, evitando

o armazenamento e o tratamento pós-remoção. A pesquisa, conduzida no Programa de Engenharia Química sob a coordenação das professoras Vera Salim e Neuman Resende, resultou em dois pedidos de patente. As atividades industriais e a queima de combustíveis fósseis são responsáveis pela emissão de mercúrio no ambiente. O processamento de petróleo gera resíduos tóxicos que contêm mercúrio, já que esse elemento metálico e seus compostos encontram-se presentes naturalmente no carvão, no gás natural e no óleo cru.

A junção de dois métodos um bem simples chamado Sodis, que utiliza garrafas plásticas do tipo PET e radiação solar como fonte de energia, e o outro conhecido como fotocatálise heterogênea, em que é preciso usar um semicondutor, no caso o dióxido de titânio em pó misturado ao oxigênio apresentou bons resultados no tratamento de efluentes. "O tratamento atingiu eficiência média de remoção de 99% das bactérias do grupo Escherichia coli", diz Adriana Ribeiro Francisco, que fez o estudo durante a sua pesquisa de mestrado na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Universidade Estadual de Campinas, sob orientação do professor José Euclides Paterniani. "Conseguimos também reduzir os poluentes orgânicos presentes na água, com remoção da cor e da turbidez." Os resultados indicam seu uso em pequenas comunidades.

JOGO EDUCATIVO ON-LINE Um videogame on-iine. desenvolvido com base no conteúdo de quatro disciplinas do ensino médio - química, física, matemática e biologia -, foi lançado em agosto pelos pesquisadores do Centro Multldisciplinar

para o Desenvolvimento

de Materiais

Cerâmicas (CMDMC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP.O ludo educativo (www.ludoeducativo. com.br) é composto de 2 mil questões, 500 de cada disciplina, que seguem os parâmetros curriculares

do ensino médio. O sistema

alterna as perguntas e as respostas para que o jogador enfrente sempre um novo desafio e permite que sejam feitos comentários sobre as questões. O ludo, terceiro jogo desenvolvido pelo grupo de pesquisa coordenado pelo professor Elson Longo, diretor do CMDMC e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Materiais, foi produzido pela Aptor Software.

PESQUISA

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tecnologia

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[ Engenharia florestal ]

ANATOMIA

FLEXÍVEL De crescimento rápido, o bambu ganha novas formas e usos no Brasil Dinorah Ereno

Kris arnold/www.flickr.com/photos/wka/4610770284/in/set-72157624068821508

L

eve, flexível e ao mesmo tempo muito resistente, o bambu começa a ganhar cada vez mais espaço como um material que pode substituir em aplicações industriais a madeira usada na construção de móveis, entrar na composição da argamassa de cimento no lugar da areia ou, ainda, como elemento estrutural na construção civil. Além de ser um excelente sequestrador de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera, que usa para a formação do seu tecido lenhoso, o bambu é um material renovável que, após a poda, continua a brotar anualmente sem necessidade de um novo plantio. Para cada hectare plantado, quase 10 toneladas de gás carbônico são absorvidas por ano. Entre as cerca de 1.300 espécies de bambu existentes no mundo, 19 são consideradas prioritárias, ou seja, efetivamente úteis para empregos diversos e com comprovado valor econômico. No Brasil foram identificadas até agora 232 espécies nativas, das quais cerca de 80 são endêmicas – existentes apenas no país. Cada uma delas possui características químicas e físicas como diâmetro, espessura de parede e altura distintas, o que resulta em usos diferenciados. “De maneira incrivelmente rápida, a planta passa do estágio de broto comestível para alcançar, em poucos meses, até 30 metros de altura”, diz o professor Marco Antônio dos Reis Pereira, da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru, no interior de São Paulo, que desde a década de 1990, no seu projeto de mestrado, se dedica a estudar essa gramínea gigante. Pereira escolheu como tema de estudo a utilização do bambu em um sistema de irrigação para pequenas áreas.


A partir daí começou a plantar a gramínea no campus da Unesp e hoje possui uma coleção de 25 espécies, das quais 11 com valor econômico. “Todo ano consigo retirar mais de 400 colmos de bambu para utilização nas pesquisas”, diz Pereira, autor do livro Bambu de corpo e alma, escrito em parceria com o professor Antonio Ludovico Beraldo, da Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lançado em 2007. O colmo é o caule cilíndrico característico das gramíneas, com nós e entrenós bastante visíveis, como no bambu e na cana-de-açúcar. Além de usar a matéria-prima na forma natural para construção de galpões e outras aplicações, as varas também são cortadas em pequenas ripas, coladas lateralmente, destinadas à fabricação de chapas utilizadas na construção de móveis, objetos de decoração, placas e pisos. Anatomia da planta - “Nossos estu-

dos são na área de design de produtos e também na parte de características física e mecânica das espécies, como tração, compressão, flexão, retração e inchamento”, diz Pereira, que também dá aulas no curso de design na pós-graduação da universidade. Em parceria com o professor Mário Tomazello Filho, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba, no interior

studio 25

Mesa Demoiselle da Oré Brasil: estrutura leve e resistente

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paulista, Pereira desenvolve um dos 12 projetos financiados desde 2008 pelo Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica (CNPq) que têm como foco o estudo do bambu em suas mais diversas facetas. Tomazello, coordenador do projeto, dedica-se a pesquisas relacionadas à anatomia da planta. “O Brasil não tem mais madeira de lei para fazer mobiliário, porque já avançamos sobre todos os biomas onde ela existia em grandes quantidades”, diz Pereira. A madeira de reflorestamento, proveniente de plantações de pinus e eucalipto, é a mais utilizada atualmente para essa finalidade. “Tudo o que se faz com a madeira é possível fazer com o bambu, porque os dois são parecidos quimicamente.” O que diferencia as duas matérias-primas é a anatomia – porque o bambu é oco. “Embora seja usado há milênios, o bambu é considerado o material do futuro, porque é uma planta de crescimento rápido e sequestra muito CO2 da atmosfera”, ressalta. Para transformar o eucalipto em produtos e estruturas é preciso esperar entre 20 e 30 anos, ante quatro anos necessários para o colmo da gramínea gigante ser considerado adulto – ou maduro –, com adequada resistência mecânica. Para o estabelecimento da cultura, uma moita de bambu leva de oito a 10 anos para se tornar adulta, conforme as condições de clima e solo. Nos países orientais, como China, Índia e Japão, a planta tem mais de 5 mil usos catalogados, que vão do broto comestível, produção de vinagre e cestos, até pontes, templos e prédios de cinco andares. A estrutura da cúpula do monumento indiano Taj Mahal,

Planta tem mais de 5 mil usos catalogados nos países orientais, que vão do broto comestível até pontes e prédios por exemplo, construído há quase 400 anos, foi feita de bambu. Uma das particularidades dessa planta é o fato de já nascer com o diâmetro que apresentará quando adulta. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o grupo de pesquisa liderado pelo professor Carlos Alberto Szücs, do Departamento de Engenharia Civil, também desenvolve um projeto com bambu laminado colado e tem como parceiros a empresa catarinense Oré Brasil, de Campo Alegre, e a Associação Catarinense do Bambu (BambuSC). A empresa, antes mesmo de o projeto ter início, fabricava móveis feitos com esse material, mas sentia necessidade de conhecer em detalhes o comportamento físico e mecânico do bambu gigante (Dendrocalamus giganteus) e do bambu-mossô (Phyllostachys pubescens) usado nas mesas e cadeiras que produzia. “Nós fazemos a parte de caracterização do bambu sob o ponto de vista do seu comportamento mecânico, ou seja, quanto o conjunto de lâminas coladas resiste em função dos diversos esforços a que a peça final possa ser submetida”, diz Szücs. A empresa trabalha com finas lâminas, que passam por um processo de transformação até estarem prontas para uso. Depois de serem fatiadas e aplainadas longitudinalmente, são tratadas com ácido pirolenhoso – obtido pela condensação da fumaça proveniente da carbonização da madeira durante a produção de carvão vegetal – e, posteriormente, secas em uma estufa espe-


Carlos Szücs/UFSC

cial, de alto rendimento. “As lâminas são coladas umas às outras para produção do mobiliário”, diz Szücs. Esse processo permite a criação de peças leves e delgadas, bem diferentes dos móveis rústicos fabricados com as varas de bambu cortadas e amarradas. Em novembro do ano passado, três peças assinadas pelo arquiteto e diretor de design da empresa, Paulo Foggiato, conquistaram o primeiro lugar na categoria mobiliário no 23o Prêmio Design Museu da Casa Brasileira, em São Paulo. Entre elas a mesa Demoiselle, inspirada nas estruturas dos primeiros aviões criados por Santos-Dumont, um dos precursores no uso estrutural do bambu.

Lâminas de bambu após tratamento

Norma técnica - Após os ensaios feitos

na UFSC, os móveis são testados em um laboratório do Serviço Nacional da Aprendizagem Industrial (Senai) com base em normas internacionais, porque no Brasil ainda não há uma norma técnica para mobiliários feitos com bambu. Esse é um tema que esteve na pauta de discussão do 2º Seminário da Rede Nacional de Pesquisa do Bambu, realizado em agosto em Rio Branco, no Acre, que reuniu pesquisadores envolvidos com os 12 projetos de diferentes instituições e

Os Projetos 1. Projeto Bambu: manejo do bambu-gigante (Dendrocalamus giganteus) cultivado na Unesp/ campus de Bauru e determinação das características físicas e de resistência mecânica do bambu laminado colado – nº 2003/04323-7 2. Tratamento químico de colmos de bambu pelo método Boucherie modificado – nº 2001/12700-0 modalidade

1 e 2. Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa Co­or­de­na­dores

1. Marco Antonio dos Reis Pereira – Unesp 2. Antonio Ludovico Beraldo – Unicamp investimento

1. R$ 45.989,40 (FAPESP) 2. R$ 12.065,00 (FAPESP)

universidades financiados pelo CNPq. O programa é coordenado pelo professor Jaime Almeida, do Centro de Pesquisa e Aplicações de Bambu e Fibras Naturais da Universidade de Brasília. “Queremos estabelecer uma norma técnica específica para o bambu, da mesma forma que existe uma para a madeira”, diz Szücs, que há 27 anos trabalha com madeiras de florestas plantadas. No encontro, Beraldo apresentou os resultados do seu projeto, focado na utilização de resíduos da planta em compósitos destinados à construção civil. Todo processamento de bambu gera pequenos pedaços que podem substituir a brita ou a areia na produção de argamassas e concretos alternativos. Com esse agregado de origem renovável é possível fazer um concreto mais leve, que funciona como isolante térmico, indicado para uso em pisos, blocos vazados e telhas onduladas. “Como qualquer material vegetal, os resíduos do bambu contêm substâncias, como taninos e açúcares, que interferem nas reações de hidratação do cimento”, diz Beraldo, que desde meados da década de 1980, quando descobriu as várias possibilidades de aplicação do bambu, começou a se interessar pelo tema. Para neutralizar essas substâncias, que dão cor e odor às plantas, basta ferver os resíduos do bambu em água quente ou em solução diluída de cal. Em seguida eles são secos e estão prontos para o uso. O mesmo material pode ser usado na composição do gesso, após tratamento das partículas.

“O bambu tem também grande potencial de uso na geração de energia, com poder calorífico similar ao do eucalipto”, diz Beraldo. Em apenas quatro anos de plantio pode ser usado para fazer carvão, diante de 10 anos do eucalipto e de 30 de árvores nativas. “Todas as aplicações dessa gramínea gigante, no entanto, vão esbarrar na produção em pequena escala para pequenos usos que se faz no Brasil há séculos”, diz Beraldo. “É preciso um suporte para a produção de mudas de forma científica.” A produção de mudas de forma sistematizada é um dos grandes entraves para o cultivo em larga escala da planta. Pesquisadores do Laboratório de Bio­logia Celular e Molecular do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), no campus da USP em Piracicaba, têm se dedicado a superar esse obstáculo. “Embora cresçam naturalmente no campo, é bastante complicado fazer a multiplicação de mudas das espécies de interesse, como a do bambu-gigante”, diz a pesquisadora Siu Mui Tsai, coordenadora de um dos projetos apoiados pelo CNPq. Após conseguir bons resultados com a primeira e segunda geração, o rendimento começa a decair e, ao chegar à quinta geração, as mudas morrem. “Isso ocorre porque existe naturalmente uma interação grande da planta com microrganismos benéficos denominados endofíticos, que são eliminados no cultivo in vitro”, diz. Os pesquisadores querem entender melhor como funciona essa relação para avançar na produção em larga escala. n PESQUISA FAPESP 175

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UFRGS

[ engenharia química ]

Plástico avançado Material ganha resistência ao impacto e menor combustão

Microscopia: polipropileno e borracha

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busca por plásticos mais resistentes e que liberam menos fumaça quando expostos ao fogo está no foco de dois projetos de pesquisa conduzidos em universidades brasileiras em parceria com a empresa Braskem, gigante brasileira da área petroquímica com sede na cidade gaúcha de Triunfo. Um dos estudos, desenvolvido na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), teve como objetivo transformar o polipropileno – usado em embalagens de biscoito, carpetes, frascos e em peças do setor automotivo – em um material com maior resistência ao impacto, mas que mantivesse suas qualidades estruturais. “Adicionamos à resina termoplástica materiais como borracha e argila, controlando a estrutura em escala nanométrica”, diz o professor Ricardo Oliveira, do Instituto de Química da UFRGS. “Com esse controle, distribuímos a argila na interface entre a borracha e o polipropileno, o que resultou em ganhos significativos de resistência ao impacto sem perda de rigidez do material.” A escolha da argila foi feita em função da sua constituição química, que possibilita a separação das suas camadas de silicato, onde são intercaladas as cadeias poliméricas. A pesquisa, que teve início em 2007 como tema de doutorado da aluna Patrícia da Silva, produziu um depósito de patente e um artigo científico publicado este ano. “Nosso interesse está voltado agora para a aplicação do mesmo conceito de estrutura usado na composição do polipropileno para outros materiais, como poliéster e polietileno”, diz Oliveira. Ele ressalta que a parceria da universidade com a Braskem envolve cerca de 10 projetos. “São duas grandes linhas de pesquisa envolvendo nanotecnologia e aproveitamento de recursos a partir de fontes renováveis.”

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Um outro estudo, conduzido durante o doutorado de Antônio Rodolfo Junior na Faculdade de Engenharia Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob orientação da professora Lucia Helena Innocentini Mei, avaliou o comportamento de nanocompósitos de PVC (policloreto de vinila) misturados à argila e óxidos metálicos para retardar a liberação de calor e a emissão de fumaça em caso de exposição do material ao fogo. A importância do estudo deve-se ao fato de essa resina termoplástica – assim chamada porque amolece quando aquecida, permitindo que seja fundida e moldada inúmeras vezes – ser usada em uma ampla gama de aplicações, que englobam desde materiais médico-hospitalares e embalagens para alimentos até produtos usados na construção civil. O PVC é o único material plástico que não é totalmente originário do petróleo porque desse óleo usa o eteno em 43% da sua composição e o restante 57% de cloro, proveniente do cloreto de sódio. A presença do cloro em sua estrutura química faz com que o produto resultante seja pouco inflamável, mas quando ele entra em combustão esse elemento é o principal responsável pela produção de uma fumaça densa e escura. A pesquisa demonstrou bons resultados com a adição de óxidos. “Nas amostras analisadas, foi observado um evidente controle da fumaça emitida por compostos de PVC com a adição de óxidos metálicos como zinco, cobre e molibdênio”, relata Rodolfo, gerente de engenharia de n aplicação na área de PVC da Braskem.

Dinorah Ereno Artigos científicos 1. DA SILVA, P.A.; JACOBI, M.M. et al. SBS nanocomposites as toughening agent for polypropylene. Polymer Bulletin. v. 64, v. 3, p. 245-57. fev. 2010. 2. RODOLFO, A.; MEI, L.H.I. Poly(vinyl chloride)/metallic oxides/organically modified motmorillonite nanocomposites: fire and smoke behavior. Journal of Applied Polymer Science. v. 116, n. 2, p. 946-58. 15 abr. 2010.


[ homenagem ]

Senhor IPT ipt

Alberto de Castro, conhecedor do desenvolvimento tecnológico, foi importante para o instituto

O

engenheiro Alberto Pereira de Castro tinha uma identificação tão grande com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) que, quando a instituição completou 100 anos, em 1999, passou a ser chamado de “Senhor IPT”. Não foi uma homenagem à toa – Castro trabalhou como superintendente por 18 anos ininterruptos naquele que é um dos principais centros de pesquisa tecnológica do país e deu sua contribuição para o avanço tecnológico brasileiro. No dia 13 de agosto morreu em consequência de parada cardíaca, aos 95 anos. Deixou a mulher, 3 filhos, 9 netos e 11 bisnetos. Doutor Alberto, como era conhecido no IPT, nasceu na cidade goiana de Mineiros em 1915. Aos 11 anos a família mudou-se para Uberlândia, em Minas Gerais, que ele deixou quando foi para São Paulo cursar engenharia civil na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). No terceiro ano do curso, em 1936, entrou para o IPT como assistente-aluno. Formou-se em 1938, especializou-se em metalurgia e foi contratado pelo instituto no ano seguinte como engenheiro auxiliar na seção de metais. Trabalhou em análises e prestação de serviços às empresas até 1944, quando pediu demissão e foi para uma empresa de metalurgia, e depois atuou como consultor. Em 1968 voltou ao instituto como superintendente, cargo que exerceu até 1985. Entre 1995 e 1996 foi diretor vice-presidente e presidente de 1996 a 2005, data em que se aposentou, aos 90 anos. “O doutor Alberto era uma referência para todos nós no IPT e, em 18 anos de trabalho intenso, esteve sempre no centro das decisões que marcaram os grandes processos de transformação e de crescimento do instituto”, disse João Fernando Gomes de Oliveira, atual presidente do instituto. “Os diretores do IPT continuavam indo, sempre que possível, à sua casa para pedir conselhos e aprender com sua sabedoria.” Além da carreira no instituto e como consultor de empresas, Castro foi diretor da Companhia Brasileira de Materiais Ferroviários (Cobrasma) por 20 anos. Foi um dos fundadores da Associação Brasileira das

Dr. Alberto: contribuição reconhecida

Instituições de Pesquisa (Abipti), em 1980. Em 2005 a Abipti criou dentro da associação a Universidade Corporativa Alberto Pereira de Castro, em sua homenagem, com o objetivo de promover a educação com ênfase na gestão da inovação tecnológica. Castro teve sua contribuição à pesquisa tecnológica reconhecida. “O doutor Alberto foi por décadas a referência mais influente para o IPT. Conhecedor como poucos das forças e fraquezas do desenvolvimento tecnológico e da engenharia no Brasil, ele sempre foi determinante para a qualidade de decisões”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP. A necessidade de saber o momento certo para realizar mudanças foi uma das lições que deixou. “A tecnologia precisa de delivery mechanisms [mecanismos de entrega], que pressupõem relações multiplicadoras envolvendo institutos de pesquisa, indústrias, escritórios de engenharia, governo e escolas. Quando percebemos que os delivery mechanisms não estão funcionando, é hora de agir n diferente”, dizia Castro. PESQUISA FAPESP 175

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[ História ]

As fotos secretas do professor Agassiz

Carlos Haag

fotos divulgacão

Exposição e livro trazem à luz imagens polêmicas feitas por rival de Darwin


humanidades

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As três poses típicas das fotos de Agassiz

queles que põem em dúvida os efeitos perniciosos da mistura de raça e são levados por falsa filantropia a romper todas as barreiras colocadas entre elas deveriam vir ao Brasil”, afirmou o zoólogo suíço Louis Agassiz (1807-1873) em seu livro A journey to Brazil (1867), escrito a quatro mãos com a mulher, a americana Elizabeth Cary, resultado da visita ao país como líder da Expedição Thayer, entre 1865 e 1866, da qual fizeram parte, entre outros, o futuro filósofo William James (1842-1910) e o geólogo Charles Frederick Hartt, indo do Rio de Janeiro ao Amazonas. Professor da Lawrence School, ramo da Universidade Harvard, e fundador do Museu de Zoologia Comparada da mesma universidade, Agassiz era o mais notável e popular cientista da América do Norte, defensor do criacionismo, do poligenismo, adepto da teoria da degeneração das raças e um opositor feroz do evolucionismo. Após a publicação de A origem das espécies (1859), de Darwin, porém, seu prestígio passou a ser questionado por jovens naturalistas americanos que rejeitavam suas interpretações teológicas e racistas. Ele então abraçou com entusiasmo a chance de vir ao Brasil com o objetivo de pesquisar os peixes da bacia amazônica para provar a “falácia” das teses darwinistas. Não menos importante, a viagem era a oportunidade de visitar um “paraíso racialista”. Agassiz aproveitou a sua estada para recolher provas materiais da “degeneração racial” provocada pelo “mulatismo”, comum na população brasileira, fortemente miscigenada. O resultado foi uma série de 200 imagens, conservadas no Museu Peabody de Harvard, em sua maioria inéditas devido ao seu conteúdo polêmico: retratos nus da população africana do Rio e dos tipos mestiços de Manaus. Um grupo de 40 dessas fotografias está sendo exibido pela primeira vez PESQUISA FAPESP 175

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Imagens iriam servir de argumento racialista

na exposição Rastros e raças de Louis Agassiz: fotografia, corpo e ciência, ontem e hoje, mostra que faz parte da 29ª Bienal de Artes de São Paulo e está em cartaz no Teatro de Arena até o final do mês. Ao mesmo tempo, acaba de ser lançado o catálogo homônimo da exibição, editado por sua curadora, Maria Helena Machado, professora do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP). A pesquisadora também é a organizadora do livro O Brasil no olhar de William James (pela Edusp, a ser lançado até o final do ano), que traz cartas, diários e desenhos do filósofo americano, irmão do escritor Henry James, como integrante da Expedição Thayer. Então um jovem de 23 anos, estudante de medicina em Harvard, James era admirador do suíço, mas a estada brasileira mudou sua visão sobre o “Professor” (como se refere a Agassiz), bem como, nota Maria Helena, foi um ponto decisivo na vida do filósofo do pragmatismo, pois teria sido aqui que ele decidira se dedicar à filosofia. “Indo contra a corrente do momento, seus registros do Brasil são peculiarmente empáticos, apesar de ter contraído va82

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ríola, que o deixou temporariamente cego, colidindo com a visão do mentor da viagem, Agassiz, cuja posição política e ideológica o vinculava aos defensores do racismo e das teorias da degeneração pelo hibridismo”, fala a professora.

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asseando pelo éden amazônico, a Expedição Thayer, com apoio dos governos americano e brasileiro, devassaria a Amazônia, apropriando-se dos peixes, das rochas e capturando imagens dos mestiços e mestiças da região, fotografados nus em poses dúbias, congelados como exemplos da degeneração racial, em nome da construção de um inventário dos perigos da miscigenação”, continua Maria Helena. Agassiz havia se tornado o principal divulgador de uma ciência idealista e cristã, que reafirmava o criacionismo ao mesmo tempo que usava uma linguagem “vanguardista”, cheia de nomes técnicos e alusões a procedimentos científicos. “Se por um lado ele se alinhava no campo dos adeptos da ciência empírica como chave do conhecimento, ao mesmo tempo se reconciliava com as visões metafísicas e religiosas que buscavam interpretar, no

livro da natureza, os desígnios divinos.” O zoólogo fora discípulo do naturalista francês Georges Cuvier, que negava a interconexão genética das diferentes espécies, cuja análise pressupunha uma descrição empírica minuciosa dos seres observados, já que cada espécie era única em si mesma. Além disso, Cuvier acreditava que o mundo havia sofrido inúmeras catástrofes que teriam dizimado as espécies que o povoavam, sendo em seguida outras criadas pela mão divina. Assim, os animais que conhecemos teriam sido originados por uma criação recente, hipótese que daria conta do grande problema para os não evolucionistas: a diferença entre os animais fósseis e os atuais. “Agassiz também preconizava que todos os seres organizados foram criados para pertencer a uma determinada ‘pátria’, ou seja, existiria uma ligação entre os seres e seus hábitats. As diferenças de clima não bastavam para explicar a distribuição das espécies. A lógica do povoamento saíra diretamente de Deus”, explica a historiadora Lorelai Kury, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Segundo o suíço, existiriam “províncias zoológicas”, já que Deus, depois de ter criado novas espécies em diferentes épocas, teria designado a cada uma a sua “pátria”. “O cientista, para Agassiz, era um ser privilegiado que saberia desvendar o plano divino por meio da observação científica da natureza, ocupando o lugar tradicionalmente reservado aos teólogos. Sua visão se ligava a uma perspectiva platônica e estática da vida e da ciência, cujas diretrizes se reportavam a certezas como a existência de tipos ideais e, sobretudo, a reafirmação da precedência do plano divino sobre a realidade do mundo natural”, diz Maria Helena. Ainda segundo o zoólogo, haveria uma hierarquia natural na escala dos seres, de animais para humanos, assim como entre as raças humanas, fruto da intenção divina de impor uma ordem ao mundo. “Cabia aos homens entender e respeitar isso. Os negros, que teriam sido criados por Deus expressamente para habitar os cinturões tropicais, provinham de uma espécie humana inferior, cuja virtude seria a força física e a capacidade de servir. Ante os brancos, superiores, eles abdicavam de


Expedição, além da ciência, queria a abertura do Amazonas à navegação internacional

sua autonomia em nome da segurança do comando e da proteção de seus mestres. Essas ideias eram comungadas por pró-escravistas e por abolicionistas como Agassiz.” Tal concepção de mundo tinha ampla aceitação, em especial pelo público leigo americano, acalmando suas angústias num mundo em rápida transformação. “Agassiz, durante esse período, estava mais interessado em se dirigir às preocupações do público do que à comunidade científica. Ele ignorava solenemente o número crescente de intelectuais que haviam perdido o interesse na ideia de criações separadas, continuando a dar palestras abertas em defesa do poligenismo e do pluralismo”, observa a antropóloga Gwyniera Isaac, curadora de etnologia americana do Smithsonian’s National Museum of Natural History e autora do artigo “Louis Agassiz’s Photographs in Brazil.” A viagem ao Brasil era, então, uma necessidade, pois, com a publicidade da expedição, ele acreditava que conseguiria aliados para rebater o evolucionismo e defender a fixidez das espécies e as criações sucessivas. “Na região amazônica, Agassiz dedicou-se a buscar provas de uma recente glaciação que teria marcado uma ruptura entre as espécies atuais e as extintas (o que levou Hartt a se afastar dele), dentro do espírito das catástrofes naturais como responsáveis pela geração de novas espécies, isoladas e sem ligação com outras. Com relação aos peixes, ele acreditava que as espécies encontradas variavam ao longo do

Foto de negro: tentativa de criar tipos puros raciais

Amazonas e eram diferentes para cada afluente”, afirma Lorelai. Contrário a Darwin, Agassiz pensava que a variabilidade em cada espécie era nula e o que hoje se considera uma variedade o zoólogo tomava por uma espécie nova.

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suíço também tinha outros interesses, menos científicos. Desde a sua chegada aos Estados Unidos, em 1840, havia se envolvido no debate norte-americano sobre as raças, abraçando a teoria da degeneração, que afirmava ser a miscigenação ou hibridismo o caminho certo para a degenerescência social. Afinal, se Deus criara a flora, a fauna e o homem em nichos precisos, como o ser humano afrontava esses desígnios misturando climas e raças e, pior, fazendo-as interagir? “Para alguns dos abolicionistas e pensadores racialistas do século XIX, além do mal dos deslocamentos de negros, resultante do tráfico, outro erro, ainda pior, seria o ‘mulatismo’, a conspurcação do sangue ocasionada pela mestiçagem. A solução seria a emigração coletiva ou, pelo me-

nos, a segregação dos afro-americanos em um cinturão de clima quente no Sul, no qual eles viveriam o mais apartado possível, sob a tutela dos brancos”, conta Maria Helena. “Com isso os defensores da incompatibilidade da convivência da raça negra com a civilização acreditavam que os negros seriam impedidos de cometer danos irreparáveis ao corpo da nação.” Em meio à Guerra de Secessão, circulavam, no Norte e no Sul dos Estados Unidos, propostas de “repatriação” dos ex-escravos, inclusive para o Brasil (ver “O dia em que o Brasil disse não aos Estados Unidos”, na edição 156 de Pesquisa FAPESP). Os argumentos de Agassiz sobre as províncias zoológicas, que destinavam as áreas tropicais para a raça negra, tingiam essas propostas com a aura de filantropia. Por isso, observa a pesquisadora, os interesses da Expedição Thayer iam além da ciência. “Por trás do discurso público do cientista-viajante havia outro que ligava Agassiz aos interesses norte-americanos na Amazônia, conectado a duas linhas de ação diplomática: a abertura do PESQUISA FAPESP 175

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Nesta e na próxima página: mestiços do Amazonas

Muitas das mulheres

Amazonas à navegação internacional e aos projetos de assentamento de negros americanos como colonos ou aprendizes na várzea amazônica, vista como extensão natural do ‘Destino Manifesto’ dos EUA.” O governo norte-americano sabia da ligação entre Agassiz e Dom Pedro II, que trocavam correspondência desde 1863, e o suíço veio ao Brasil para pressionar o imperador a abrir a navegação da Amazônia, no que teve sucesso, e também para ajudar a promover a imigração de negros.

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esse sentido, o Brasil era visto como lugar ideal para recolher provas dos perigos da degeneração, que seriam veiculados em sua volta aos EUA. Para isso pensou em fazer uma expressiva coleção de fotografias que documentaria as mazelas da mistura de raças puras e híbridas, tudo com caráter abertamente racialista”, nota Maria Helena. “A consequência natural de alianças entre pessoas de sangue misturado é uma classe de indivíduos em que o tipo puro desaparece assim como todas as qualidades físicas e morais das raças primitivas, produzindo mestiços tão repulsivos como cachorros vira-latas”, anotou Agassiz. Daí a observação precisa de Darwin sobre o rival: “Ele coleta

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fotografadas passaram por constrangimentos no Bureau d’Antropologie de Agassiz em Manaus dados para provar uma teoria em vez de observar esses dados para desenvolver uma teoria”. Esse é o princípio que explica as fotografias brasileiras. “Para demonstrar sua tese, ele coletou imagens sobre a classe ‘híbrida’ das populações que, acreditava, eram aparentes no Brasil. Humanos, como qualquer outra espécie, requeriam análise por meio de métodos empíricos e ‘frios’ como a fotografia”, nota Gwyniera Isaac. Com o objetivo de ilustrar o perfil dos brasileiros, Agassiz encomendou ao fotógrafo profissional Augusto Stahl uma série de daguerreótipos de

africanos, que classificou como “tipos raciais puros”, gerando duas séries de fotografias, uma em forma de portraits e outra de caráter científico e fisionômico de tipos étnicos de negros e negras do Rio de Janeiro, incluindo alguns chineses que viviam na cidade. Os retratados aparecem nus e em três posições fixas: de frente, de costas e de perfil. Em Manaus, foi ainda mais longe e criou um Bureau d’Antropologie para documentar as diferenças entre as raças puras e mistas, contando com a ajuda do fotógrafo improvisado Walter Hunnewell na feitura de retratos dos tipos híbridos amazônicos. Agassiz já fizera antes, em 1850, uma série semelhante, com escravos americanos da Carolina do Sul, experiência que, afirma, teria consolidado suas ideias racistas. “Usando novos recursos técnicos, como a fotografia, surgiram teorias sobre as novas formas de capturar o corpo humano, visto como veículo de traços raciais a serem revelados pela capacidade do naturalista de ‘ler corpos’. Ele inaugurou uma representação somatológica e frenológica do outro africano que iria se generalizar nas décadas seguintes e povoaria os nascentes museus antropológicos”, avalia Maria Helena. “A antropologia havia se transformado, naquela época, na ciência do visível, do corpo físico com suas marcas de distinção racial e, assim, as representações visuais eram cruciais. Nos EUA, isso era obtido por meio da contraposição da cor da pele, o que fazia da raça um conceito baseado no contraste. Ver a imagem de um negro ao lado da de um branco imediatamente provocaria no público a ideia da suposta diferença ‘inerente’ entre as raças. Agassiz, para reforçar isso, interpolou na sua coleção de fotos de negros imagens de estátuas clássicas gregas, versão idealizada dos brancos”, explica a antropóloga Nancy Stepan, da Universidade Columbia, e autora do livro Picturing tropical nature. “A fotografia aparecia como a certeza de verdade para os cientistas, em vez dos antigos desenhos, que seriam limitadores. Foi assim usada na psiquiatria, na medicina, na categorização de criminosos e, no final do século XIX, era uma parte essencial da administração do Estado moderno.” Agassiz, sem treino nas complicadas mensurações antropométricas, viu


na fotografia uma saída, atribuindo à invenção uma “importância de época”. “Ele buscava, porém, o tipo estável que comprovasse a sua noção da fixidez das espécies. Essa procura de um tipo ao qual os indivíduos poderiam teoricamente ser reduzidos, contramão do fluxo contínuo dos seres, cegou Agassiz para a evidência que levou Darwin e Wallace a propor a teoria da evolução. A mesma falácia fez com que suas fotografias, ao final, fossem tão confusas e inesperadas para ele”, afirma a antropóloga. Eram também polêmicas. “Fui para o estabelecimento e lá cautelosamente admitido por Hunnewell com suas mãos negras. Na sala estava o Professor ocupado em persuadir três moças, às quais ele se referia como índias puras, mas, como se confirmou depois, tinham sangue branco. Estavam muito bem vestidas e eram aparentemente refinadas, de qualquer modo não libertinas. Elas consentiram que se tomassem com elas as maiores liberdades e foram induzidas a se despir e posar nuas. Então chegou o sr. Tavares Bastos e me perguntou ironicamente se eu estava vinculado ao Bureau d’Antropologie”, descreveu William James. “Na tradição europeia, da qual Agassiz fazia parte, estar vestido era sinal de civilização e as roupas eram um símbolo de status e gênero. Deixar pessoas nuas roubava delas a dignidade e a humanidade. Para ele, isso era possível porque muitas eram escravas”, observa Nancy.

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uitas das mulheres fotografadas, porém, eram da boa sociedade de Manaus e o clima no Bureau não era dos mais respeitosos. As fotos se situam numa zona desconfortável entre o científico e o erótico, gêneros que se cruzavam com frequência no século XIX. As observações de James revelam o clima de segredo, o que contrasta com as afirmações de Agassiz sobre a natureza abertamente científica das fotos. Além disso, a menção de James sobre as ‘mãos negras’ de Hunnewell tem um duplo sentido que vai além da sujeira dos produtos químicos”, analisa o antropólogo John Monteiro, da Universidade Estadual de Campinas. Ao mesmo tempo as fotos se enquadravam na convenção etnográfica de introduzir o confortável espectador branco àquilo que é não apenas exóti-

co, e está em distância segura, como também invisível. O resultado das imagens coletadas, porém, não era o esperado por Agassiz. “O livro do casal e os diários de James estão cheios de exemplos frustrados de encontrar tipos ‘puros’. O Brasil conseguiu confundir Agassiz, que acreditava estar num país com exemplos definidos das três raças ‘puras’. Ele se deparou, porém, com ‘hí­ bridos’ que cruzaram com outros ‘híbri­ dos’ e assim por diante, gerando uma realidade complexa que não poderia ser apreendida em suas fotografias”, diz Nancy. “Isso era impossível sem lançar mão de outros recursos, como legendas, o que ia de encontro ao seu método científico em que as ‘raças falavam por si mesmas’. Paradoxalmente, ao despir seus modelos, Agassiz removeu alguns dos poucos signos que poderia ter usado para assegurar as identidades raciais dos tipos.”

A coleção brasileira nunca foi divulgada e em A journey to Brazil aparecem apenas algumas delas como base para xilogravuras. “Para isso contribuiu uma série de razões políticas e acadêmicas que acabaram por inviabilizar o seu projeto de estudo das raças. Há que se considerar também o ambiente moral rígido da Nova Inglaterra e a perda da credibilidade científica de Agassiz. As fotos guardam, no entanto, uma atua­ lidade, ao evocar os rostos e vidas de pes­soas que foram anuladas não apenas pela ‘objetificação’ da ciência, mas pelas políticas de esquecimento”, diz Maria Helena. William James resume bem a questão: “Tenho me beneficiado em ouvir Agassiz falar, não tanto pelo que ele diz, pois nunca ouvi ninguém pôr para fora uma quantidade maior de bobagens, mas por aprender a forma de funcionar desta vasta e prática máquina que ele é”. n PESQUISA FAPESP 175

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[ cinema ]

A história no escurinho do cinema

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primeiro grande evento do recém-implantado Estado Novo foi a criação, em novembro de 1937, do Altar da Pátria, cenário em que se acendeu uma pira para a queima das bandeiras estaduais, demonstração de que o poder, agora, estava nas mãos de Vargas. Uma semana depois estreava o filme O descobrimento do Brasil, do cineasta Humberto Mauro (1897-1983). “Não foi por acaso, porque ele reúne simbolicamente os laços entre política, história, educação, religião e arte (cinema e música), como se encenasse novamente no momento da descoberta essa comunhão, mostrando aos espectadores de então que o que viram e viveram em 1937 tinha sua origem em 1500”, analisa o historiador Eduardo Morettin, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) e autor de Humberto Mauro, cinema e história, a ser lançado em 2011 pela Cosac & Naify. “A ideia de nação nos filmes daquela época se relacionava com a supressão dos direitos civis e de tudo o que representasse o regional ou visões particulares, que o regime via como divergentes do interesse nacional”, explica. Ciente desse imenso poder do cinema, Vargas batizou-o de “livro de imagens luminosas”. “O cinema se transformou em propaganda dos sím­ bolos nacionais do Estado e das suas instituições de cultura. As imagens cinematográficas ganharam um estatuto igual ao das artes plásticas e dos livros didáticos.” Dentre os vários produtos dessa visão destacam-se O descobrimento

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Estudo mostra a longa ligação entre a sétima arte e o Estado no Brasil

e Os ban­deirantes (1940), ambos de Mauro, mas pouco associados ao cineasta de Cataguases. “Esses filmes produzidos em pleno Estado Novo e totalmente em sintonia com a sua ideologia foram esquecidos pela crítica, porque, comparativamente, são precários e destoam do que o diretor mineiro fez antes e depois. Esquecê-los, porém, é deixar de lado a faceta conservadora da produção de Mauro”, diz o pesquisador. Afinal, será o movimento feito pelo Estado e pelos intelectuais conservadores entre os anos 1920 e 1930, observa Morettin, em que os dois filmes tiveram função exemplar, que acabará por dar ao cinema brasileiro a sua legitimação cultural. “Ambos estão inseridos num projeto mais amplo de discussão do uso do cinema para fins educativos em que era importante validar o discurso cinematográfico. Para isso, usavam estratégias de autenticação para diferenciar o filme educativo do melodrama da época, em que não havia preocupação com a verdade


fotos Acervo Cinemateca Brasileira

histórica.” O cinema nacional, então, deu seus zadores da exposição o cinema dava o necessário Caravela primeiros passos de mãos dadas com o Estado. aggiornamento com o mundo contemporâneo.” reconstruída para dar “A década de 1930 pode ter sido o momento em Segundo a crítica da época, a dificuldade de aceitaveracidade ção do cinema no Brasil derivaria de uma suposta que se criou a política cultural para consolidar o cinema brasileiro, mas foi antes, nos anos 1920, insistência do meio em fazer visível a desigualdade que se iniciou a ligação entre ele e o Estado.” e a falta de harmonia, como nos populares “filmes O evento fundador da união ocorreu durante a naturais”, dedicados à exuberância da natureza e Exposição internacional do centenário da Independência, no à vida no campo, “oportunidade” de se visualizar o indeRio de Janeiro, entre 1922 e 1923, quando o governo adotou sejável. Educadores pediam a criação de um cinema que diferentes iniciativas de apoio à produção: contratação de fosse digno do país idealizado pela elite e que representasse cinegrafistas e produtores; subvenção à realização de filmes, suas “qualidades”. Esse discurso moralizador alinhava-se com a isenção da taxa de importação de negativos; compra ao movimento dos anos 1920 e 30 de intelectuais como e produção de documentários etc. Tudo para que o país Edgar Roquette-Pinto e Fernando de Azevedo em torno tivesse fitas que revelassem aos brasileiros e aos estrangeiros dos educadores da Escola Nova, que exigiam a inclusão do o “nosso progresso”. “Isso mostra que havia uma sintonia cinema no currículo escolar. entre o Brasil e os EUA ou os países europeus, onde as fitas “Nesse contexto destaca-se a ação de Roquette-Pinto, eram usadas como veículo de propaganda. Para os organique foi o grande pensador do uso dos meios de comunicaPESQUISA FAPESP 175

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vantagens para a instrução do público e da propaganda do país, dentro e fora de suas fronteiras”, atingindo a todos: “A escola dos que não têm escola”. Em 1936, o governo foi além e resolveu ele mesmo produzir seus filmes com a criação do Instituto Nacional de Cinema Educativo (Ince). Roquette-Pinto, diretor do órgão, chamou Humberto Mauro para ser o diretor técnico e o cineasta produziu, em apenas 11 anos, cerca de 300 filmes sobre zoologia, educação artística, física, literatura, dança, geografia e história, além de reportagens exaltando a figura de Vargas. Hollywood - Mauro era um diretor de

Cartaz de estreia do filme em 1937

ção de massa, como o rádio e o cinema, no desenvolvimento da transformação da sociedade e, já em 1910, criou o nosso primeiro acervo de fitas científicas no Museu Nacional, afirmando que o cinema estenderia o conhecimento a todos os cidadãos”, afirma a historiadora Sheila Schvarzman, professora de comunicação contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, autora do livro Humberto Mauro e as imagens do Brasil (Editora Unesp). “Ele reconhecia o potencial educativo do cinema, mas negava que este tivesse um estatuto artístico. Chegava a chamar o cinema de ficção de ‘agitador de almas’. Afinal, para Roquette-Pinto e Vargas o cinema era um instrumento que atingia o povo diretamente, ‘ensinando independentemente da vontade de aprender e que chegava muito longe no espaço’, por causa de sua linguagem visual, que até crianças e analfabetos compreendiam.” Suas imagens seriam a expressão de progresso, já que capazes de reproduzir fielmente o real, tendo a possibilidade de “gerar progresso” pelos exemplos que veiculariam. Com seu caráter de espetáculo, avisavam, o 88

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cinema era eficaz na transmissão das mensagens e, logo, capaz de vencer as “resistências da ignorância, do poder local e do atraso”. Isso, é claro, se colocado em “mãos conscientes e competentes”: urgia “salvar o cinema do próprio cinema”, afastando-o da ficção e colocando seu poder a serviço da educação. “As pessoas, porém, seriam obrigadas a ter com o cinema uma relação pautada pela razão fria, não pelo sentimento. O que se queria era formar um público, visto como um todo homogêneo, que não iria sofrer a influência ‘negativa’ das fitas ditas comerciais. Eles se preocupavam muito com as crianças, para os educadores ‘presas fáceis’. Bastava ver as ‘manifestações descontroladas durante as matinês’: ‘é uma gritaria ensurdecedora na sala, uma exaltação desvairada dos jovens, presos de intensa emoção’.” O Estado foi chamado a tomar a si a questão. Inicialmente por meio do decreto nº 2.140, de 1932, que, entre outras medidas, criou a obrigatoriedade da exibição de um curta-metragem nacional antes da projeção de um longa de ficção. No texto destacava-se a importância do filme educativo, “instrumento de grandes

prestígio, tendo criado obras como O tesouro perdido (1927), Brasa dormida (1929) e Ganga bruta (1933). “Eram filmes com a linguagem do cinema narrativo de Hollywood, mas no espírito ideológico da revista Cinearte, de Adhemar Gonzaga, que privilegiava temas ligados às ‘qualidades nacionais’, escondendo a pobreza. O que se deveria fazer era mostrar um Brasil ‘civilizado’ como os EUA e Europa, distante de tudo aquilo que, para as elites, era a cara do nosso atraso”, observa Morettin. “Alguns anos mais tarde, Mauro optou por uma nova visão onde o cinema era uma via de modernização por meio da educação, já que não seria suficiente nem possível criar imagens modernas numa sociedade arcaica, como queria Gonzaga. No projeto do Ince, o cinema não é um fim em si mesmo ou forma de expressão; é, antes, um meio”, nota Sheila. “A partir do trabalho em conjunto com Roquette-Pinto, o diretor tomou contato com o projeto salvacionista de chegar à modernidade pela educação. Mauro imbuiu-se da ideia de que a nação e seus valores eram capazes de redimir o homem corrompido pelo pecado original.” A primeira grande exibição do novo ideal não veio do Ince, mas de um pedido do Instituto do Cacau da Bahia, que convidou Mauro a produzir um curta de propaganda que acabou se transformando em O descobrimento do Brasil. “A obra era parte de um projeto de se encontrar a maneira correta e científica de retratar a história, ou seja, pela visualização do fato histórico. Para validar a inserção no mercado, dentro do conceito do cinema com fins educativos, o filme contou com as con-


sultorias de Afonso de Taunay, diretor do Museu Paulista, e Roquette-Pinto. Villa-Lobos foi autor da trilha sonora.” Referenciais iconográficos de quadros como A primeira missa (1861), de Victor Meirelles, ou o uso da carta de Caminha como referência primordial do roteiro (chega mesmo a aparecer literalmente na tela) foram resgatados para garantir autenticidade e valor educativo à produção. “O que se queria era tirar da fita qualquer traço do entretenimento do melodrama. Os filmes históricos, segundo seus idealizadores, deveriam ser encenações de documentos, colocando os espectadores em contato com a história ‘como ela foi’.” Para Taunay, por exemplo, bastava animar pinturas de vultos históricos para conferir veracidade às imagens em movimento. Isso explica a composição estática, em tableaux, dos filmes, amarrados a referências pictóricas. “Não era simplesmente uma obra de propaganda, mas a produção de Mauro e a música de Villa-Lobos se encaixavam perfeitamente na ideia de formação de um corpo unido em torno de objetivos comuns, tendo um líder acima das divergências sociais.” Seria Mauro uma versão nacional de Leni Riefenstahl? Villa-Lobos - “Há semelhanças, mas,

ao contrário da cineasta alemã, ele era apenas um técnico, com autonomia restrita, alguém capaz de transformar em imagens as teorias dos intelectuais, sem grandes autorias.Villa-Lobos, sim, foi um artista que mitificava o papel do Estado como sendo o sujeito da história, mas Mauro não via no seu trabalho junto ao Ince uma identidade entre a sua criação como cineasta e a ideologia do regime”, acredita Morettin. Além disso, nos dois filmes, o diretor, ainda que de forma inconsciente, se revelaria adepto incerto do projeto ideológico. “Isso aparece em alguns poucos traços autorais que se pode ver na fita, como a melancolia e a ausência de finais felizes, coisas que são típicas de seu estilo. Essas interferências impediram os filmes de ser o meio apropriado para o sentido épico que os intelectuais do regime queriam ver retratado.” Em O descobrimento, continua, há efetivamente uma leitura harmoniosa do momento fundador da nação: basta ver a cena da recepção feita pelos portugueses aos índios, em que

Filmes trazem traços autorais de Mauro, como a melancolia, que o afastam do oficial Cabral e frei Henrique de Coimbra parecem embalar o sono dos nativos. Ou, em Os bandeirantes, em que a ideologia varguista se manifesta no discurso de Fernão Dias Paes ao enforcar o filho para manter a disciplina e a ordem da expedição, como fazia Vargas, o “pai” da sociedade brasileira. Na contramão, o diretor enfatizou inesperadamente o custo da empreitada dos bandeirantes (doenças, mortes, fome), e mesmo o momento da descoberta das pedras preciosas, o suposto clímax, recebe dois meros planos a distância. A morte

melancólica de Fernão Dias Paes igualmente não se enquadra numa esperada apologia histórica. Isso se repete no final ambíguo de O descobrimento, quando, no contratempo da música ufanista de Villa-Lobos (com coros de “Brasil! Brasil!”), o público vê a imagem da cruz com três desolados degredados ao seu redor. São dissonâncias fortes. “Não acho, no entanto, que fosse uma crítica consciente ou uma sabotagem do projeto ideológico, mas reforça a ideia de que o cinema é polissêmico e não pode ser amordaçado.” Depois que RoquettePinto saiu do Ince, em 1947, Mauro conseguiu novamente filmar coisas notáveis como Canto da saudade (1952), e reforça a ideia de que os filmes históricos foram só um interregno na sua carreira. A ambivalência desses filmes impediu que se identificassem totalmente com o Estado Novo. Tardou para que o mundo evocado em filmes como Ganga bruta ressurgisse e o Cinema Novo retomasse Mauro como “pai fundador do cinema brasileiro”. Leni Riefenstahl, nos trópin cos, recebeu o perdão.

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[ ECONOMIA ]

A cidadania no tempo digital

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té a década de 1970, quatro serviços públicos eram oferecidos aos brasileiros com a ajuda de novas tecnologias, representadas, na época, pelo telefone. Eram os números de emergência de três dígitos: 190, da Polícia Militar;192, do Pronto Socorro; 195, para a falta ou vazamento de água; e 199, da Defesa Civil. Nos últimos 15 anos, porém, a informatização da máquina pública acelerou: o país é, hoje, pioneiro em diversas áreas do chamado governo eletrônico, ou e-Gov. Entre os grandes avanços brasileiros, há a entrega de 98% das declarações de Imposto de Renda pela internet e o voto eletrônico. Apesar de ser referência em inovação nas áreas eleitoral e tributária, o país precisa informatizar diversos setores da administração pública. Na maioria dos municípios o atraso é grande. A avaliação é de Florencia Ferrer, doutora em sociologia econômica pela USP, que coordenou o Núcleo de Estudos e Desenvolvimento em Governo Eletrônico (Ned-Gov), na Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap), com apoio da FAPESP, e hoje dirige uma empresa que funciona como um think tank sobre o tema, a e-Estratégia Pública. A socióloga desenvolveu metodologias para medir a economia e a eficiência que as novas tecno-


Governo eletrônico cresce no país, mas estudo aponta carências Joselia Aguiar | Ilustrações Guilherme Lep ca

logias possibilitam em administrações públicas como a do estado de São Paulo, projeto que contou com uma Bolsa Jovem Pesquisador da FAPESP. A área de compras públicas é uma das que mais têm a avançar no uso de meios eletrônicos, como afirma a especialista. Se todas as aquisições de produtos e serviços realizados pelos governos federal, estadual e municipal ocorressem de forma eletrônica, o Brasil economizaria R$ 23 bilhões por ano, segundo seus cálculos. “Não há dúvidas quanto à redução de custos e de burocracia possibilitada pelo e-Gov, o que o torna mais necessário para economias emergentes”, diz. O governo eletrônico ajuda a reduzir preços nas compras públicas porque permite não só aumento da concorrência como maior integração com a cadeia de fornecedores. “Empresas de todo o país, independentemente do

porte, podem disputar a preferência, em igualdade de condições, desse que é o maior consumidor de produtos e serviços: o governo”, diz a socióloga, que aborda o tema em livros como Gestão pública eficiente – Impactos econômicos de governos inovadores (Editora Campus) e e-Government – O governo eletrônico no Brasil (Editora Saraiva). A automação da administração pública pode contribuir para eliminar deficiências que favorecem a corrupção, segundo a pesquisadora. Calcula­-se que, ao fechar as vias pelas quais a fraude faz escoar dos cofres públicos algumas dezenas de milhares de reais por dia, a economia representaria 10% daquilo que o Fisco arrecada por ano. “O governo eletrônico deve ser visto como sinônimo de democracia e transparência”, acrescenta. No Brasil, a chamada informática pública começou já na década de 1970.

Os primeiros a fazer grandes incorporações de tecnologia da informação foram o governo federal e os estaduais de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará e Pernambuco. A partir dos anos 1990, gestões como as de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), em escala nacional, de Mario Covas (1995-2001), Geraldo Alckmin (20012006) e Aécio Neves (2003-2010), nos seus respectivos estados, foram algumas das que implantaram como prioridade uma agenda de e-Gov, como explica Florencia Ferrer. “As primeiras experiências ocorrem no que se refere às obrigações do cidadão com o Estado”, como explica a pesquisadora. No âmbito tributário, as mudanças começaram há mais de uma década. O Brasil foi um dos primeiros países do mundo a ter declaração de IR por internet. Quando era obrigatória a declaPESQUISA FAPESP 175

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ração de isentos de CPF, apesar de esta fatia da população ser considerada de “excluídos digitais”, quase 70% declararam pela web. Esse modo se tornou o preferido por ser gratuito; opções como correio e casas lotéricas representavam custo. O pagamento de impostos de veí­ culos foi um dos primeiros processos a migrar ao meio eletrônico. “Nota-se uma grande mudança na relação do cidadão com o poder público, uma vez que o e-Gov facilita a realização de tarefas que devem cruzar as estruturas burocráticas de vários departamentos”, observa a especialista. A entrega de serviços e a realização de trâmites ao cidadão são áreas onde há pouco uso de novas tecnologias, avalia a pesquisadora. Em âmbito municipal, também é raro encontrar tecnologia de ponta. “A maioria dos municípios não possui investimentos nem políticas direcionadas nesse sentido.” Porém, segundo diz, é cada vez maior o entendimento de que o acesso à internet e o ingresso na economia digital devem ser políticas públicas. Como exemplos, destaca, em âmbito federal, a Política Nacional de Banda Larga (PNBL) e, no estadual, o recente caso do Acre, que oferece internet gratuita em boa parte da capital. 92

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studos realizados pela equipe de Florencia Ferrer avaliaram, a partir de metodologias próprias, a economia feita no estado de São Paulo com o uso de meios eletrônicos. Com a Bolsa Eletrônica de Compras (BEC), implantada em 2000, por exemplo, houve uma queda de 25% nos preços e de 51% no custo do processo de compras. Para as empresas fornecedoras, o custo de participar de licitações caiu mais: 93%. Em termos absolutos, a economia anual é de cerca de R$ 94 milhões. A versão eletrônica do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) levou o Estado a uma economia

O Projeto O governo eletrônico no Brasil nº 03/10454-7 modalidade

Programa Jovem Pesquisador Co­or­de­na­dora

Maria Florencia Ferrer – Fundap/USP investimento

R$ 130.036,80

de R$ 20 por processo – caiu de R$ 22 para R$ 2. Para o cidadão, o diferencial é maior: antes da modernização, era preciso pagar, para licenciar o veículo, R$ 68 a um despachante ou ir pessoalmente ao Detran, o que o fazia ter despesas que, na média, somavam R$ 56. Esse trâmite hoje não é mais necessário, pois é possível que o pagamento seja realizado pela internet. O custo é apenas o da postagem do documento, de R$ 10, enviado para a casa do contribuinte. A mudança permitiu uma economia de R$ 715 milhões em termos absolutos. Ao mesmo tempo, houve aumento de 300% dessa arrecadação. Com a adoção de meios eletrônicos, houve grande economia na emissão de documentos como carteira de identidade e certificação de antecedentes criminais. O custo médio total ponderado para todos os trâmites analisados é de R$ 47,08 para o processo tradicional, na Polícia Civil, e de R$ 34 para os postos do Poupatempo, uma redução de 29%: uma queda de R$ 50 milhões por ano nesses custos. A emissão de um boletim de ocorrência (BO) pode ser realizada hoje pela internet. A economia é grande, em comparação com o método antigo, que exigia ida às delegacias: para o cidadão, a redução de custos é de 88%, para o Estado, de 67%. “Da mesma forma como os setores produtivo e bancário já fazem há algum tempo, os governos, como prestadores de serviço, precisam adotar as novas tecnologias de forma intensiva e irreversível”, defende a especialista.

F

lorencia Ferrer ressalta que, para reestruturar a máquina pública – reduzir as despesas (custos de produção) e aumentar os financiamentos de capital (poupança) –, deve-se combinar não só a incorporação do governo eletrônico como a adoção de um novo tipo de gestão. “A tecnologia é um fator que facilita, acelera e melhora processos, mas não os determina”, ressalva. Ou


seja, o governo eletrônico é um meio de modernização da gestão pública, mas depende fundamentalmente da mudança de gestão. “O governo eletrônico deve ser inserido numa política mais ampla de reforma do Estado, que contemple a análise e a reformulação de processos, de estrutura administrativa, de marco regulatório, do relacionamento entre os agentes, das funções do próprio Estado e do relacionamento do Estado com a sociedade civil.” Entre as metodologias desenvolvidas para calcular a economia e a eficiência que as novas tecnologias possibilitam em administrações públicas, um dos destaques é o Binps (Benefícios sobre Investimentos Públicos). O índice apura e quantifica economicamente a redução de custos para o governo como consequência da inovação. Há outro índice, chamado Medidor de Benefícios Públicos, que compara custos de processos de gestão entre suas formas tradicional e inovada. Há o índice eLicitações, que mensura o aumento de eficiência de compras públicas negociadas em licitações realizadas por meio de processos inovados. Seu objetivo é demonstrar os avanços que es-

ses procedimentos acarretam na forma de executar o gasto público. O índice de Aderência a Governo Eletrônico (IA e-gov) foi criado para ir além de mensurações subjetivas e pesquisas de percepção sobre o fenômeno da corrupção. Demonstra o grau de eficiência decorrente do uso de meios eletrônicos em qualquer processo inerente à gestão pública, além do desvio do nível máximo de maturidade de e-Gov que esse processo pode atingir. O líder mundial em serviços de eGoverno e inclusão digital é o Canadá. Outros países fizeram nos últimos anos esforços expressivos: Cingapura, por exemplo, chegou ao topo dos rankings internacionais sobre o setor ao executar com sucesso cinco planos nacionais de informática. Para sair da crise provocada pelo colapso da antiga União Soviética, a Finlândia passou de exportador de matérias-primas a exportador de tecnologia e tornou-se modelo de economia do conhecimento. O Sri Lanka foi o primeiro a adotar no mundo um programa nacional de e-Desenvolvimento com o apoio do Banco Mundial. “Esses são países que aproveitaram bem as TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) em

A tecnologia é um fator que facilita, acelera e melhora processos, mas não os determina

suas estratégias de desenvolvimento socioeconômico”, afirma Peter Titcomb Knight, Ph.D. em economia por Stanford (EUA) e coordenador do projeto e-Brasil, organizador de e-Desenvolvimento no Brasil e no mundo (volume editado pela Yendis/ Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico).

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e antes era o líder em governo eletrônico entre os países da América Latina, o Brasil perdeu o posto para o Chile. Após o período militar, o primeiro governo democrático, de Patrício Aylwin (1990-1994), concentrou-se inicialmente na reestruturação política, constitucional e institucional. Foi apenas no governo de Eduardo Frei (19942000) que se iniciou a modernização da gestão pública, como explica Patricio Gutiérrez, coordenador para e-Gov na Secretaria Geral da Presidência no Chile. Com Ricardo Lagos (2000-2006), o governo eletrônico se tornou concreto. A administração chilena passou a incluir, sistematicamente, iniciativas para diminuir a brecha digital. Há aquelas destinadas à gestão dos centros de acesso comunitários, como infocentros, telecentros, bibliotecas públicas etc. E há outras orientadas para a oferta de conteúdos e serviços na internet. “Nos últimos 10 anos, o uso das novas tecnologias na administração pública levou a mudanças extraordinárias no Chile”, avalia o especialista, num dos capítulos de e-Desenvolvimento no Brasil e no mundo. Os grandes custos acarretados pela implementação de softwares e construção da infraestrutura tecnológica podem ser transferidos, segundo Florencia Ferrer, para o setor privado. Ou ao menos parte deles. Ela dá como exemplo o governo do Arizona, nos Estados Unidos, que criou um sistema para licenciamento de carros feito pela internet. O site foi construído e é mantido pela IBM, que passou a receber 2% do valor de cada transação efetuada. O processamento on-line custa só US$ 1,60 – no processamento antigo custava US$ 6,60. Com isso, o Estado poupa dinheiro. “O fornecimento de serviços governamentais pode contribuir na eficiência do setor empresarial com informação e simplificação dos procedimentos burocráticos, e melhorar o custo país.” n

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resenha

Quem confia no governo? Estudo mostra ceticismo político dos brasileiros Marcello Barquero

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ual o impacto da confiança que os cidadãos têm nas instituições políticas para o fortalecimento democrático? Esta é a questão central que preside o livro Democracia e confiança: por que os cidadãos desconfiam das instituições públicas?, organizado por José A. Moisés. O livro se estrutura tendo como pano de fundo a argumentação de Moisés de que a confiança é um recurso central para o bom funcionamento de sociedades complexas, desiguais e diferenciadas. A confiança produz uma democracia com mais qualidade, promovendo uma fiscalização mais efetiva das instituições políticas e dos governantes, por parte dos cidadãos. A ausência da confiança gera desafeição política. Assume, como segunda premissa, a “defesa”, de Morlino, da criação de uma “única mesa” de diálogo entre culturalistas e institucionalistas, e do uso da pesquisa survey, no desenvolvimento da teoria da democratização. Tendo como eixo tais premissas, são apresentados no livro estudos sobre o caso do Brasil, do México, das novas democracias na Europa e da Coreia do Sul. Focalizando o Brasil, Moisés destaca que o amplo apoio dos cidadãos, no sentido difuso, à democracia e seus valores coexiste com elevados índices de desconfiança nas instituições políticas. Para superar esse dilema seria necessário que as pessoas acreditassem e obedecessem às normas que regulamentam as relações sociais, com base na previsibilidade das ações das instituições. A cultura política brasileira desvaloriza as instituições e os gestores públicos, produzindo, nesse contexto, a institucionalização da “falácia eleitoralista” como único requisito da democracia. Moisés constata, no cenário político brasileiro, a predominância do que denomina de “cidadãos ambivalentes”, o que constitui, segundo o autor, uma

Democracia e confiança: por que os cidadãos desconfiam das instituições públicas? José Álvaro Moisés (org.) Edusp 304 páginas R$ 42,00

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potencial ameaça à democracia no futuro, na medida em que essas pessoas preferem alternativas não democráticas para resolver os problemas do país. Resultados similares são constatados por Raquel Meneguello, que identifica um elevado grau de insatisfação com o funcionamento da democracia brasileira. No entanto, segundo a autora, a construção da legitimidade política se daria com base em concepções idealistas, independentemente do desempenho das instituições. Problematizando esta questão, Moisés e Carneiro desenvolvem estudo que aborda a relação entre adesão à democracia e satisfação com a mesma e a confiança nas instituições. Resultados dessa pesquisa revelam que, embora o Brasil pareça ter entrado num círculo democrático virtuoso, convive com a desconfiança nas instituições e ceticismo político. Os meios de comunicação também teriam papel relevante no fortalecimento democrático. A despeito das críticas do caráter antipolítico do papel da mídia, Mesquita, em análise do Jornal Nacional, por meio da construção de uma escala de taxa de consumo do telejornal, constata que os brasileiros que mais assistem ao telejornal e são mais escolarizados tendem a mostrar mais satisfação com a democracia. Em estudo comparativo das novas democracias na Europa, Mariano Torcal e Lorenzo Brusattin constatam que desconfiança política é um sintoma de um processo mais amplo de desafeição institucional, exigindo, portanto, um tratamento multidimensional do conceito de apoio político. No caso mexicano, Victor M. D. Ponte observa a inexistência de confiança interpessoal e institucional, resultado de uma organização vertical e um regime autoritário, em que a desconfiança se impôs como relação social. Para o autor não há relação entre confiança social e institucional e o aumento da confiança, mais do que produto de maiores índices de escolaridade ou renda, exigirá um processo de reformulação estrutural das instituições. No caso da Coreia do Sul, Chong Ming Park e Doh Chull Shin argumentam que o país institucionalizou a democracia representativa tornando eficientes os procedimentos poliárquicos. No entanto, no que diz respeito à cultura política, os coreanos têm preferência pela democracia-princípio, a qual depende, preponderantemente, do desempenho político, e não econômico, das instituições. Marcello Barquero é professor do Departamento de Ciências Políticas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).


livros

A revolta da vacina

Intelectuais e modernidades

Nicolau Sevcenko Cosac Naify 144 páginas, R$ 37,00

Daniel Aarão Reis e Denis Rolland (orgs.) FGV Editora 348 páginas, R$ 61,00

A 2a edição de A revolta da vacina reconstitui os episódios da maior convulsão social da cidade do Rio de Janeiro, a campanha de vacinação contra a varíola (1904). Sevcenko analisa a modernidade por trás da reforma urbana promovida pelo prefeito Pereira Passos, identificando o processo de especulação imobiliária e a situação de exclusão social. Segundo o autor, a saúde pública se une ao uso autoritário da ciência. E a República promove a “democratização da senzala”.

A relação dos intelectuais com o conceito de modernidade é e sempre foi complexa. Neste livro, as modernidades são concebidas como processos históricos singulares, que combinados com tradições específicas resultam em situações e contextos únicos, no tempo e no espaço. Essa coletânea traz diferentes abordagens e visões sobre o tema, rompendo com as polarizações tradicionais prejudiciais à história.

Cosac Naify (11) 3218-1444 www.cosacnaify.com.br

Deus e o diabo na terra do sol: Estado e economia no Brasil Angelita Matos Souza AnnaBlume 162 páginas, R$ 23,25

Este livro busca unir teoria de Estado e análise da política macroeconômica à compreensão dos avanços e limites no processo de desenvolvimento capitalista no país. E centra o foco de análise no governo Geisel (1974-1978), sobretudo a criação da “ciranda financeira”, que abriria caminho à transformação do padrão de acumulação vigente desde meados dos anos 1950 até se consolidar nos anos 1990, com a privatização de empresas estatais e abertura da economia brasileira. AnnaBlume (11) 3031-1754 www.annablume.com.br

A Marinha brasileira na era dos encouraçados, 1895-1910

Negros no estúdio do fotógrafo Sandra Sofia Machado Koutsoukos Editora Unicamp 360 páginas, R$ 48,00

Os estúdios fotográficos do Brasil no século XIX eram frequentados por pessoas de todas as camadas sociais. Este livro retrata negros livres, libertos, escravos domésticos ou presos no Brasil daquele período. A autora traça o caminho da produção daqueles retratos, sua significação, sua circulação e seu armazenamento em álbuns. Ao explorar as histórias por trás das imagens, o livro confere vida àquelas personagens. Editora Unicamp (19) 3799-4427 www.editora.unicamp.br

Dependência de drogas Sergio D. Seibel Editora Atheneu 1.192 páginas, R$ 204,30

O autor analisa, a partir das revoluções que movimentaram a indústria naval mundial até a primeira década do século XX, os diferentes projetos de modernização concebidos pela Marinha brasileira.

A 2a edição de Dependência de drogas, reescrita e atualizada, se faz útil pela universalidade do problema da dependência que a cada dia apresenta novas progressões e aspectos, exigindo, consequentemente, constantes revisões de conceitos e conhecimentos. O livro mantém uma abordagem multidisciplinar e contou com 106 colaboradores, 11 seções e 81 capítulos e subcapítulos.

FGV Editora (21) 3799-4427 www.fgv.br/editora

Editora Atheneu (11) 2858-8750 www.atheneu.com.br

João Roberto Martins Filho FGV Editora
 224 páginas, R$ 46,00

fotos Eduardo Cesar

FGV Editora (21) 2223-1010 www.fgv.br/editora

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ficção

A menina

Luiz Ruffato

O

homem apeou na Estação Clínicas do metrô e, sonambúlico, as pernas arrastaram-no ao longo do subterrâneo que conduz ao hospital. A sexta-feira desmoronava aflita na tarde quente daquele começo de janeiro, gordas nuvens inertes no céu, centenas de vestimentas urgentes se acotovelando, anônimos e determinados, Seu Guilherme, Seu Guilherme, ligaram pro senhor, a vizinha esgoelava da janela. Na recepção, o barulho dos ventiladores embaralhava o odor ácido de suor, o enjoativo cheiro doce de balas e biscoitos e chocolates. As crianças, lambuzadas, desfilavam envergonhados risos, correrias impertinentes. As mulheres aliviavam-se com improvisados abanadores. Os homens, entediados, acabrunhavam-se. Guilherme, enfiado numa roupa domingueira, driblou zonzo o povaréu, encaminhando-se ao setor de informações. A vizinha se prontificara a ceder o número do telefone, “Pralgum recado, qualquer coisa”, e agora explanava, debruçada à janela, Seu Guilherme, é pro senhor ir lá pegar as coisas da, e calou-se, talvez comovida com a menina, que, no colo, agarrava-se ferozmente ao pescoço do pai, os olhos encovados, assustados. Há dois dias homiziara-se, junto com a filha, no compadre, três ruas abaixo, sem coragem de tornar à casa, as paredes externas por rebocar, a porta da cozinha provisória, o chão de cimento grosso, quanto a mulher se empenhara na compra daquele terreno!, “Aqui vai ser a sala, ali o quarto das crianças, lá o quintal”, adivinhava cômodos onde outros vislumbravam apenas touceiras de mato enfezado, quanto economizara para adquirir o material de construção, quanta alegria ao acompanhar, tijolo a tijolo, o lar eclodindo, “É um sonho, Gui, um sonho!”, murmurava, orgulhosa. Autômata, a atendente recitou, “Quarto andar. Fim do corredor, elevador à esquerda. Próximo!”. Mais de um mês, a agonia: deixava o Jardim Reni escuro ainda para pegar no batente, ajudante de pedreiro numa obra na Vila Formosa


andre catoto

que um irmão da Igreja Quadrangular arrumara, de lá cruzava a cidade até o Hospital das Clínicas para colher notícias, “Melhorou?”, indagava ansioso, contrariando a desesperança do médico, que avisara, “Seu Guilherme, o quadro é muito grave”, agarrando-se à misericórdia divina, a um senso de justiça, afinal, a mulher sempre boa para com todos, preocupada em fazer o bem, voltada para a família, as orações, o culto dominical, a casa... Então, devagar, caminhou para a rua Cornélio de Arzão, o sol sapecando a calva, aguardou resignado o ônibus, desceu na Estação Itaim Paulista, tomou o trem até o Tatuapé, baldeou para o metrô, apeou na Sé, trocou de linha, saiu na Estação Clínicas, mais de duas horas de condução apertada. No quarto andar, a moça, inteirada do problema, “Ah, sim”, gritou para o colega, consultando uma lista, “Armário vinte e sete!”. A luz fria das lâmpadas fluorescentes banhava o chão limpíssimo; no relógio de parede o tempo, impaciente, velava. O rapaz depositou a bolsa de napa, judiada, sobre o balcão, a moça falou, “Tem que conferir, senhor”, e ele, submisso, abriu o zíper, passou os olhos, “Está certo”. Ela, no entanto, redarguiu, “Não, senhor, tem que verificar item por item... É praxe”. O rapaz, condoído com o embaraço do homem, esvaziou a bolsa, contou: “Um par de sapatos de salto alto preto; um vestido de alça azul-marinho; três calcinhas; dois sutiãs; um pijama; uma camisola; uma camisa de malha; uma bata; uma calça jeans; escova, pasta de dente, chinelo, e, ahn!?, uma... prótese dentária...”. Esquivo, Guilherme balançou a cabeça, a mulher não gostaria nada nada de saber-se exposta assim, a ponte móvel talvez sua única vaidade, nunca falou daquele assunto com as amigas, nem os parentes próximos, irmãos, irmãs, pai, mãe, ninguém tinha ciência, mesmo com ele, seu marido, demorou a confessar, a contragosto, uma vez, no banheiro, quando havia tirado para assear, esqueceu de passar o

trinco na porta, ele entrou, sem querer flagrando a peça na palma da mão, ela, uma vergonha danada, chorou duas horas seguidas, “Eu não tinha dinheiro pra ir ao dentista”, soluçava, sofrida, “Perdi uns dentes”, ele tentou acalmá-la, “Meu bem, eu também tenho falhas, isso aqui, ó, é um pivô”, sem adianto. E ver revelado, desta maneira, a olhos alheios, desrespeitosos, aquele segredo que acoitara por toda a sua curta vida... “É, é isso”, reafirmou, deslizando o zíper e tentando se livrar logo daquele incômodo. Mas a moça ainda disse, “Senhor, tem que dar baixa. Assine aqui, nesta linha”, e ele, trêmulo, garranchou a sua melhor letra. Quando cruzava outra vez o nó daquele povo todo que lotava o salão de recepção, sentiu as pernas escurecerem, a vista fraquejar, e, não fosse uma senhora gorda, teria desabado no chão imundo. Logo, entretanto, alguém franqueou um lugar entre as cadeiras de plástico vermelho, surgiu um copo d’água, o segurança, autoritário, aproximou-se, espalhando o bolo que se formara, “Desafasta, gente, pro homem respirar”. Ainda aturdido, Guilherme minimizou, encabulado, “Foi só uma bobagem, desculpem... está tudo bem agora... desculpem”, e buscou forçar o corpo a erguer-se, mas este, estúpido, desobedeceu, arriando de novo... Então, vencido, levou as mãos ao rosto e, agitado, desatou, “Ai, meu deus, o que vai ser da menina, o que vai ser? Eu já estou acabado... não valho nada mesmo... nada me afeta mais... mas, e a menina?, coitadinha... o que vai ser dela, agora?, tão pequenininha, tão inocentezinha... ai, meu deus, o que vai ser dela, gente, o que vai ser?” Luiz Ruffato publicou Eles eram muitos cavalos (em 6ª edição, lançado também na Itália, Portugal, França e Argentina) e Estive em Lisboa e lembrei de você (lançado também em Portugal e no prelo na Itália e Argentina), entre outros. PESQUISA FAPESP 175

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