PESQUISA E EDUCAÇÃO vol.2

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PESQUISA &

EDUCAÇÃO

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Organizadora: Profª Drª Marcia Cristina Argenti Perez - PET Pedagogia Faculdade de Ciências e Letras - Câmpus – Araraquara Diretor: Prof. Dr. Cláudio César de Paiva Vice-Diretora: Profª. Drª. Rosa Fátima de Souza Chaloba Programa de Educação Tutorial – Ministério da Educação Tutora: Prof.ª Dr.ª Marcia Cristina Argenti Perez Comissão Editorial (Orientadores) Profª Drª Alessandra Aparecida Viveiro Profª Drª Claudia Dias Prioste Profª Drª Marcia Cristina Argenti Perez Profª Drª Relma Urel Carbone Carneiro Profª Drª Suselaine Aparecida Zaniolo Mascioli Comissão Técnico Administrativa Sylvia Regina de Oliveira Rodrigues Arte e Editoração Eletrônica Carina Teles de Souza Mariana Jardim Tarozzo Apoio: MEC/Secretária do Ensino Superior

Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara


Marcia Cristina Argenti Perez (Org.)

PESQUISA E EDUCAÇÃO PET PEDAGOGIA - Volume 2

Araraquara FCL-UNESP 2018


UNESP – Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras - Câmpus de Araraquara PET PEDAGOGIA UNESP MEC SESu Rodovia Araraquara-Jaú, km 1 14800-901 – Araraquara – SP

Pesquisa e educação: PET Pedagogia / Organizadora: Marcia Cristina Argenti Perez. – Araraquara : FCL-UNESP, 2018. E-book ; 110 p. ; v. 2. Modo de acesso: http://www.fclar.unesp.br/#!/graduacao/espaco-do-aluno/pet ---programa-de-educacao-tutorial/pedagogia/e-book-pesquisa-e-edu cacao-volume-2-2018/ ISBN 978-85-8359-054-5 1.Educação. 2. Pesquisa. 3. Educação -- Estudo e ensino. I. Perez, Marcia Cristina Argenti Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da FCLAr – UNESP.


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................05 1. APROPRIAÇÃO DOCENTE DAS TIC EM SALA DE AULA: PRINCIPAIS DESAFIOS Leticia Karoline Ferreira e Cláudia Dias Prioste ...........................................................................07 2. A COMPREENSÃO DOS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO NA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL Ludynnylla Paiva Botta dos Passos e Marcia Cristina Argenti Perez ....................................19 3. EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ARTE: INTERLOCUÇÕES A PARTIR DE UMA PROPOSTA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL Carina Teles de Souza e Alessandra Aparecida Viveiro .............................................................29 4. REVISITANDO A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL: UMA LEITURA PARA A COMPREENSÃO DO BRINCAR Letícia Joia de Nois e Marcia Cristina Argenti Perez ..................................................................45 5. A AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA (LIBRAS) POR ALUNOS SURDOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Bianca Aparecida Medeiros e Relma Urel Carbone Carneiro .................................................57 6. A DANÇA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL Natália Mazzilli Dias e Suselaine Aparecida Zaniolo Mascioli ................................................77 7. INFÂNCIAS CONTEMPORÂNEAS: UM PROCESSO HISTÓRICO COM MUITAS SINGULARIDADES Ana Cláudia Magnani Delle Piagge e Marcia Cristina Argenti Perez ...................................93 SOBRE OS AUTORES ............................................................................................................................107


APRESENTAÇÃO

O PET - Programa de Educação Tutorial é

SESu), constatamos que a proposta acadêmica

vinculado ao Ministério de Educação e Cultura/-

do PET é pensada no interior dos contornos do

Secretaria de Educação Superior (MEC/ SESu),

currículo do Curso de Graduação, que trabalha

subvencionado pelo Fundo Nacional do Desen-

questões acadêmicas de natureza geral básica,

volvimento da Educação (FNDE) no que tange

de natureza específica integrada e de natureza

ao pagamento das bolsas de estudo responsável

especializada, ou seja, constitui-se como propos-

pelo provimento dos recursos para o custeio das

ta de ampliação, aperfeiçoamento e aprofunda-

atividades de cada grupo.

mento de estudo e formação. Assim, qualifica-se

O Programa de Educação Tutorial (PET)

como proposta comprometida em evitar temáti-

foi criado para apoiar atividades acadêmicas

cas prematuramente especializadas que podem

que integram ensino, pesquisa e extensão, em

propiciar a fragmentação e a tecnificação do

caráter extracurricular, que complementem a

conhecimento, bem como temáticas profissiona-

formação acadêmica do estudante e atendam às

lizantes que podem, desde muito cedo, direcio-

necessidades do próprio curso de graduação.

nar a preocupação de estudos para o mercado

Tem como principal objetivo garantir aos alunos

de trabalho. Ao mesmo tempo, também se quali-

oportunidades de vivenciar experiências não

fica como proposta comprometida com a forma-

presentes em estruturas curriculares convencio-

ção humana dos petianos e graduandos na

nais visando a sua formação global e acadêmica,

medida em que assume a responsabilidade de

de modo a contribuir para a constituição da

favorecer o seu cultivo como pessoas humanas

pessoa humana, membro atuante da sociedade.

globalmente compreendidas. Desse modo, o

Considerando a argumentação presente

Programa de Educação Tutorial configura-se

no Manual de orientações básicas do PET (MEC/

como empreitada comprometida com a forma-


ção do indivíduo acadêmico-profissional-cida-

3o ano de PET: Finalização e sistematizado da

dão situado na sociedade brasileira contempo-

pesquisa, na forma de artigo científico, a ser

rânea.

publicado com a co-autoria dos professores O PET se organiza academicamente

mediante a constituição de grupos de estudan-

orientadores na presente publicação, E-book Pesquisa e Educação PET PEDAGOGIA.

tes em nível de graduação sob a orientação de

Bem vindos à leitura do segundo volume

um professor tutor. O PET - Pedagogia foi criado

do E-book Pesquisa e Educação PET PEDAGOGIA.

em 1988 na Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara por iniciativa da Profª. Drª. Maria Aparecida Lima Grande. Atualmente conta com a coordenação da Profª Drª Marcia Cristina Argenti Perez, docente do Departamento de Psicologia da Educação, responsável pelo planejamento e supervisão das atividades. A proposta de iniciação científica do PET PEDAGOGIA (UNESP/FCLAr- MEC/ SESu ) tem uma duração de 3 anos, na qual o petiano desenvolve sua formação como pesquisador a partir da seguinte estrutura: 1o ano de PET: Desenvolvimento do projeto de pesquisa; 2o ano de PET: Desenvolvimento da pesquisa;

Marcia Cristina Argenti Perez TUTORA PET PEDAGOGIA FCLAr/ UNESP


APROPRIAÇÃO DOCENTE DAS TIC EM SALA DE AULA: PRINCIPAIS DESAFIOS Leticia Karoline FERREIRA Cláudia Dias PRIOSTE

Introdução

As transformações das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) impõem novos desafios tanto à escola quanto aos educadores. A necessidade de compreender quais são as contribuições que as TIC podem oferecer ao processo ensino-aprendizagem, bem como quais seriam as dificuldades e barreiras que os professores enfrentam no uso dos dispositivos tecnológicos em sala de aula, são importantes aspectos a serem investigados. O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), em sua pesquisa sobre as TIC nos domicílios brasileiros, revelou que nas últimas décadas tem ocorrido ampliação de acesso aos dispositivos tecnológicos por parte da população. Em 2015 metade dos domicílios no Brasil já possuíam computador e 51% tinham acesso à internet

A pesquisa destaca o aumento do uso de

por meio de computador, tablets ou por apare-

aparelhos celulares pela população, tornando-se

lhos celulares.

o principal dispositivo para o acesso à rede, ultrapassando o computador. Aproximadamente

As conexões WiFi estão presentes em 79% dos domicílios brasileiros com acesso àInternet, o que representa um crescimento de 13 pontos percentuais em relação à edição de 2014. Além disso, 56% dos usuários afirmam ter utilizado a internet na casa de outra pessoa (amigo, vizinho ou familiar), fazendo deste local de acesso o segundo mais popular. (COMITÊ GESTOR DA INTERNET, 2016, p. 129)

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89% da população acessa a internet pelo telefone celular e 65% por meio de computador de mesa, portátil ou tablet. Por outro lado, os dados também revelam desigualdades de acesso.


Os motivos pelos quais as crianças não A penetração de computadores nos domicílios ainda é desigualmente distribuída, especialmente no que diz respeito às distâncias relativas observadas entre regiões e diferentes classes sociais.As maiores proporções de presença de computadores nos domicílios seguem sendo verificadas no Sudeste (59%) e no Sul (54%). Enquanto nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte essas proporções são de 44%, 38% e 30%, respectivamente. (COMITÊ GESTOR DA INTERNET, 2016, p.130)

utilizavam a internet segundo o CGI foram os seguintes: falta de disponibilidade de internet em outros locais que frequentam (10%), falta de habilidade para o uso da rede

(9%), falta de

permissão para usar a Internet na escola (8%), percepção de que a internet não é destinada ou

A partir dos dados apresentados, constata-se que a presença de computadores em domicílios é maior na região Sudeste e Sul, enquanto

que

nas

regiões

Centro-Oeste,

Nordeste e Norte são menores, e essas desigualdades podem afetar o acesso das crianças às TIC. Segundo dados da pesquisa TIC Kids on-line Brasil identificou-se que, em 2015, aproximadamente 23 milhões de crianças e adolescentes eram usuários da internet, o que correspondia a 79% da população incluída na faixa etária entre 9 e 17 anos. Porém, a mesma pesquisa revelou que havia por volta de 6,3 milhões em situação de exclusão digital, sendo que destes, 3,6 milhões nunca haviam acessado a rede, o que representava 12% das crianças e jovens brasileiros. A falta de internet nos domicílios era o principal motivo para esse público não acessar a internet. (COMITÊ GESTOR DA INTERNET, 2016)

adequada às crianças e jovens (7%), falta de permissão dos pais ou responsáveis para usara internet (6%), porque os amigos não utilizam a Internet (4%), experiências on-line negativas no passado (3%) e devido à religião à qual pertencem (3%). Atualmente, ao pensar em inclusão social precisa ser considerada a dimensão do acesso e do aproveitamento dos dispositivos digitais em prol da cidadania. Prioste (2017) analisa os desafios da inclusão digital na educação brasileira e se reporta aos níveis de apropriações tecnológicas elaboradas por Sorj (2003), a primeira refere-se à forma passiva na qual o usuário apenas navega sem criação ou elaboração do que acessa. As formas ativas são divididas em três aspectos: o primeiro refere-se à alfabetização digital, ou seja, ao uso dos aplicativos básicos; o segundo aspecto refere-se à capacidade de usar

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APROPRIAÇÃO DOCENTE DAS TIC EM SALA DE AULA: PRINCIPAIS DESAFIOS

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a informática como meio de desenvolvimento

econômicas e educacionais eram mais ativas,

intelectual e profissional, e por último envolve a

utilizando a internet não apenas para a diversão,

produção de conteúdo, isto é, o uso das TIC para

mas também para adquirir saberes a partir de

resolução de problemas.

suas navegações virtuais.

Os estudos de Prioste (2016a) com ado-

Além da falta de capacitação, os professo-

lescentes estudantes do último ano do ensino

res destacavam a falta de condições de trabalho

médio, de uma escola pública e de uma escola

adequada, de tempo para preparar aulas, tendo

particular, revelou que o simples uso diário das

em vista que muitos docentes eram obrigados a

TIC não garantia o desenvolvimento de habilida-

acumularem cargos devido aos baixos salários

des que de fato pudessem ampliar o universo de

recebidos.

conhecimentos e perspectivas futuras de

Na perspectiva de Silva (2011), um dos

empregabilidade e de participação social dos

principais motivos do fracasso das políticas

adolescentes provenientes de família de baixa

públicas de inclusão digital no Brasil refere-se ao

renda, uma vez que imperava um condiciona-

baixo investimento no professor, não somente

mento, por parte da indústria audiovisual, para

no que tange à capacitação no uso das tecnolo-

que eles permanecessem em atividades repetiti-

gias, mas sobretudo em melhores condições de

vas de diversão.

trabalho, melhores salários e formação continua-

Auvertlotet al.(2011) fala sobre a apro-

da. Portanto, para que ocorra uma efetiva apro-

priação das TIC por parte de crianças e jovens

priação das TIC nas práticas pedagógicas é

revelam que as dificuldades na leitura e na escri-

necessário investir na melhoria da escola como

ta eram obstáculos para realização de pesquisas

um todo.

na internet. Ressaltam que as crianças socioeco-

Bizzeli (2016) se apoiando na perspectiva

nomicamente desfavorecidas e com problemas

de Valente (1993) sobre o uso do computador

escolares demonstravam uma tendência em se

nas escolas, defende que esse dispositivo pode

contentar apenas com as atividades de diversão,

ser considerado a ferramenta mais presente no

enquanto, crianças com melhores condições

cotidiano dos alunos, por isso, não deve ser


Leticia Karoline FERREIRA Cláudia Dias PRIOSTE

excluído da escola. Porém, sua inserção exige

estrutura escolar, tais como o número de compu-

uma mudança no paradigma educacional,

tadores por aluno ou conectados à Internet, a

promovendo aprendizagem ao invés de ensino,

baixa velocidade de conexão, a ausência de

saindo da pedagogia instrucionista para cons-

suporte técnico, assim como a falta de atualiza-

trucionista. Considera importante que o aluno

ção dos dispositivos. Os aspectos mais relaciona-

construa o conhecimento por meio das tecnolo-

dos ao processo de ensino e aprendizagem

gias ao invés de ser apenas um consumidor ou

foram menos citados pelos educadores. Mesmo

usuário passivo.

assim, chama a atenção o percentual de direto-

Diante desse contexto, o presente artigo

res de escolas públicas que citaram a falta de

tem como objetivo discutir as principais barrei-

apoio aos professores para uso da Internet como

ras encontradas pelos professores frente ao

um aspecto que dificulta muito o uso da rede

âmbito educacional.

para fins pedagógicos (47%). Em 2015, a pesquisa TIC Educação indica

O uso das TIC pelos professores

que 83% das escolas públicas pesquisadas possuem laboratório de informática, dentre as

A Cultura Digital vem afetando a vida dos

quais, 79% têm instalados em seus laboratórios

nossos alunos de todas as classes sociais do terri-

computadores de mesa. Por outro lado, em 40%

tório nacional, e com isso sendo transportada

das escolas que possuem laboratórios de infor-

para o ambiente escolar, cabe então à escola e

mática também são utilizados computadores

aos professores adaptarem os novos processos

portáteis e tablets.

de ensino/aprendizagem, e com isso ver se essas

Segundo dados do CGI TIC Educação, os

práticas pedagógicas estão preparadas para

professores estão começando a incorporar as

incorporar a tecnologia e como a escola pode

tecnologias móveis para auxiliar as atividades

desenvolver essa cultura digital.

pedagógicas. Em 2015, o percentual de professo-

Percebe-se em todos os públicos uma

res que também utilizaram o celular para acessar

grande ênfase nos aspectos relacionados à infra-

a Internet subiu em relação ao último ano da

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APROPRIAÇÃO DOCENTE DAS TIC EM SALA DE AULA: PRINCIPAIS DESAFIOS

pesquisa: passou de 66%, em 2014, para 85%,

privadas. O número de professores de escolas

em 2015. Esse aumento no acesso à Internet

públicas que utilizaram o laboratório de informá-

pelo telefone celular tem sido apontado como

tica foi maior (35%) do que o daqueles que

uma tendência tanto na TIC Educação como em

usaram a Internet na sala de aula (23%). Entre os

outras pesquisas do CGI.br sobre hábitos de uso

professores de escolas privadas, há uma situação

das tecnologias pelos diversos públicos.Também

inversa: a utilização da Internet na sala (50%)

houve um crescimento de estudantes que

superou o uso no laboratório de informática

afirmaram utilizar o celular como um dos meios

(29%).Um dos motivos pelo aumento do uso da

para acessar a Internet:de 72% para 78% (COMI-

internet foi por conta das redes sem fio (WiFi),

TÊ GESTOR DA INTERNET, 2016)

84% em escolas públicas e 94% em escolas priva-

A mesma pesquisa aponta os números

das. Ainda existem obstáculos para o acesso à

do uso de outros dispositivos móveis: 46% dos

internet pelos alunos, e na maioria dos casos a

professores levaram o próprio computador

escola não permite que os alunos tenham acesso

portátil à escola para a realização de atividades

a essa rede. Dentre as escolas públicas apenas

de gestão escolar e pedagógicas, enquanto 14%

22% permitiram o uso da rede sem fio pelos

deslocaram seu próprio tablet.

alunos, enquanto 62% restringiram o seu uso. Já nas escolas privadas apenas 58% das escolas

Com relação ao uso do computador e da Internet para ações pedagógicas, a pesquisa mostra que 73% dos professores o fizeram em ao menos uma das atividades com os alunos que são investigadas pela pesquisa (resultado que foi de 70% entre professores das escolas públicas e 84% das escolas privadas). As práticas mais citadas foram: pedir aos alunos a realização de trabalhos sobre temas específicos (59%), solicitar trabalhos em grupo (54%), dar aulas expositivas (52%) e solicitar a realização de exercícios (50%).(COMITÊ GESTOR DA INTERNET,2016, p.32)

restringem o uso da rede sem fio (WiFi) e 35% permite o acesso da rede aos alunos. Gautier e Vergner (2012) consideram que trocar os cadernos por computadores, por si só não tem um impacto tão grande na educação, mas defendem que se a escola dispor de um computador por sala de aula com acesso perma-

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O acesso à internet estava disponível em

nente produz efeitos pedagógicos mais interes-

43% nas escolas públicas e em 72% nas escolas

santes, mas isso levando em conta que os dispo-


Leticia Karoline FERREIRA Cláudia Dias PRIOSTE

sitivos tecnológicos devem ser usados de manei-

média de 22 computadores por escola, sendo

ra complementar e não substitutiva.

que, apenas 19 em funcionamento, era insignifi-

Outro resultado interessante se refere ao

cante em face do excessivo número de alunos, o

meio de acesso à Internet, em que 64% dos

que dificultava o uso das TIC nas atividades

professores (79% dos alunos) informam terem

pedagógicas do cotidiano.

usado a Internet via celular nos últimos três

Bizelli (2013) mostra que as TICS ocupam

meses, resultados com forte crescimento em

um espaço significativo dentro dessa nova

relação à pesquisa anterior do Cetic.br (CGI.br,

ordem social, criando diferentes maneiras de se

2014), quando tal uso era de 36% dos professo-

comunicar, interagir, permeando ambientes

res. Evidencia-se assim um potencial a ser explo-

cada vez mais diversificados. Em relação à utiliza-

rado com o uso pedagógico dos telefones

ção da tecnologia nos ambientes escolares,

móveis, cabendo às escolas e principalmente às

surgem debates sobre as dificuldades em que

redes de ensino prover a conexão em banda

professores encontram para utilizar no contexto

larga, conforme preconiza o Programa Banda

pedagógico. As tecnologias nas escolas não vêm

Larga nas Escolas. Devido à dispersão que esse

acompanhando o mesmo ritmo que as demais

recurso causa aos alunos, ele permanece censu-

instituições sociais. Porém, não basta apenas as

rado em muitas redes de ensino e escolas, mas

TICS serem inseridas nas escolas, mas também é

seu uso é inerente à cultura digital e para liberá-

necessário que haja investimentos, de acordo

-lo é importante que regras sejam acordadas

com a citação a seguir:

coletivamente. Uma pesquisa realizada pelo CGI (COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL, 2013ª, apud Prioste, 2017, p. 992) revelou que, segundo a opinião dos professores, o principal limitador do uso do computador e da internet nas escolas

Muitos acreditam que TIC são necessárias para uma educação de qualidade, porém, se a melhoria do ensino dependesse apenas da introdução das TIC nas escolas, melhores soluções teriam sido encontra das há algum tempo considerando os investimentos realizados em diferentes nações. Deve-se pensar como inseri-las de maneira efetiva na escola para proporcionar aos alunos uma aprendizagem significativa. (BIZELLI, HEREDERO, 2016 apud BIZELLI, 2016, p. 285).

públicas ainda era a falta de infraestrutura. A

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APROPRIAÇÃO DOCENTE DAS TIC EM SALA DE AULA: PRINCIPAIS DESAFIOS

Os altos gastos com programas que

mudanças, vantagens e desvantagens de TIC em

visam à inserção de TIC nas escolas, muitas vezes,

sala de aula. As TIC estão apenas sendo inseridas

se mostram pouco eficientes, já que não vêm

na escola, mas no cotidiano das pessoas de uma

acompanhados de medidas que melhorem as

forma geral, como mostra a citação a seguir:

condições de trabalho do professor, infraestrutura das escolas, formação continuada dos professores e diferentes metodologias utilizadas no processo de ensino/aprendizagem. Segundo Bizelli (2016), os professores

Entende-se que TIC dominam o cotidiano de pessoas de diferentes idades, principalmente dos jovens, dos diversos níveis de escolaridade e classes sociais. São utilizadas no trabalho, nos serviços domésticos, na comunicação, no lazer e na educação (MORAN, 1995, apud BIZZELI, 2016, p.286).

questionados sobre a importância do uso de TIC, 49% acreditam que o uso de TIC nos espaços escolares é muito importante, 39% acha importante, 11% julga pouco importante e 1% acredita que o uso de TIC nas escolas é irrelevante. De acordo com isso, se os dados dos professores forem agrupados, com os que julgam muito importante ou importante o uso de TIC no contexto escolar, o total é de 88% dos professores, já os que acham pouco importante ou irrelevante somam 12%. O processo de inserção de TIC na escola gera transformações na prática docente e na revisão de metodologias do processo de ensino-aprendizagem. Esse novo processo interfere diretamente na relação professor/aluno, fomentando a necessidade de reflexão sobre as

Bizelli (2016) 90% dos professores acreditam que há muitas mudanças ou que há mudanças em uma aula com o uso de TIC e 10% acreditam que há poucas mudanças ou que não há nenhuma mudança. E, ainda, apenas 15% dos professores apontam se sentirem preparados para utilizar TIC na sala de aula, enquanto 79% deles afirmam não estarem preparados e 6% apontam estarem preparados parcialmente. Dos entrevistados, 45% dos docentes apontaram que usam quando possível; 23%, que usam raramente; 17%, que usam muito; 8%, que nunca usam e 7% diz não usar por não ter acesso na escola. Dado relevante é o fato de que 88% dos professores apontaram achar importante o uso de TIC em sala de aula e apenas 62% apontarem que usam muito ou quando possível.

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Leticia Karoline FERREIRA Cláudia Dias PRIOSTE

Apenas 17% dos professores apontaram que

dificuldades enfrentadas; d) quais os pontos

usam muito TIC em sala de aula e 45% usa

positivos do trabalho desenvolvido; e) para

quando possível.

aqueles que nunca tinham usado, solicitamos os motivos desse impedimento.

As principais barreiras para o uso das TIC

O segundo bloco referia-se sobre as expectativas em relação à utilização pedagógica dessa tecnologia: a) se os professores achavam

O artigo de Vilarinho (2006) mostra como

importante o uso pedagógico do computador e

os professores do ensino fundamental analisam

internet, o que implicou em responder aos

a inserção do computador em sala de aula,em

seguintes desdobramentos: para que servem,

sua pesquisa um total de dez docentes participa-

como podem ser usados, em que momentos

ram da investigação levantada, os profissionais

devem ser utilizados; b) que contribuições

atuam em uma escola estadual localizada em um

podem trazer ao ensino de sua disciplina.

bairro da zona oeste no município do Rio de

No terceiro e último bloco, foram apre-

Janeiro e ministram aulas distintas no ensino

sentadas mais três perguntas dirigidas à incorpo-

fundamental. A escola possui uma “Sala de Aula

ração das tecnologias no espaço escolar: a) como

Interativa” que tem como intuito integrar dife-

a escola deve se organizar para trabalhar peda-

rentes mídias e atender a propósitos educacio-

gogicamente com as tecnologias; b) o que

nais de docentes e do currículo escolar.

entendiam por “sala de aula interativa” e c) que

Trata-se de uma análise qualitativa e foi utilizado um questionário com treze perguntas

propostas gostariam de apresentar para o projeto iniciado nesta sala.

abertas, divididas em três blocos, o primeiro

Todos os dez professores responderam o

bloco tratava-se do uso pessoal do computados

questionário, dentro deles quatro nunca tinham

e rede da escola: a) se já tinham trabalhado com

usado o computador na sala de aula, e os outros

esta tecnologia em sala de aula; b) em caso posi-

já possuíam alguma experiência (alguns profes-

tivo, como tinha sido este trabalho; c) quais as

sores integraram duas mídias- vídeo e internet;

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APROPRIAÇÃO DOCENTE DAS TIC EM SALA DE AULA: PRINCIPAIS DESAFIOS

pesquisas em sites; computação gráfica para

que a culpa de não utilizarem as tecnologias no

estudar gráficos). Com isso os dados apontados

dia a dia, é da gestão, pois muitas vezes a escola

por Vilarinho foram:

não investe em materiais tecnológicos que

Dificuldades do professor ao acesso à

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possam ser utilizados com os alunos.

internet, o que acaba exigindo o acompanha-

De acordo com Couto (2014) em seu

mento de um especialista; as turmas de alunos

texto “Jovens professores no contexto da prática

muito numerosas acabam comprometendo a

e as tecnologias de informação e comunicação

qualidade do trabalho; a experiência de alguns

(TIC)”, possibilitou que professores pudessem

alunos com o uso da informática acaba disper-

defender a melhoria do processo ensino-apren-

sando o aluno, levando ao acesso de sites que

dizagem, não no sentido de sua eficiência, mas

não são do interesse da aula; indisciplina provo-

de desenvolvimento crítico, dando voz ao aluno

cada por conta de um trabalho que rompe com a

sujeito de produção de conhecimento. A autora

rotina; falta de máquinas de computadores nas

traz um documentário, para discutir através

escolas;laboratórios com poucos computadores.

disso a produção e ressignificação de políticas

Pontos positivos do uso do computador/ inter-

curriculares que jovens professores constituem

net à prática pedagógica foram: Maior atenção;

no cotidiano de uma escola pública, de ensino

mais memorização; melhor rendimento na aula;

fundamental, na região do Recife.

ampliação da auto-estima; a aula rende mais; sai

Segundo a autora, a introdução das TIC

da rotina; proporciona o contato do aluno com a

em sala de aula é tratada de forma bastante

informática; mais interesse por parte dos alunos;

simples, sendo uma inovação educacional

trabalho colaborativo.

dependente de fatores estruturais decorrentes

Motivo pelo qual os professores não utili-

de políticas que incentivem uma reorganização

zam as tecnologias em sala de aula: Falta de

da infraestrutura escolar, com a disponibilização

oportunidade; inexistência de tecnologia na

de equipamentos, sua necessária manutenção e

escola; pouco interesse em função do tempo

qualificação. E, por outro lado dependente de

disponível; e além de tudo os professores dizem

fatores relacionados aos professores, decorren-


Leticia Karoline FERREIRA Cláudia Dias PRIOSTE

tes do seu conhecimento profissional, seus valo-

e também os celulares, os quais se tornaram o

res e suas crenças. Na pesquisa foram realizadas

meio predileto das crianças e adolescentes aces-

entrevistas semiestruturadas com os professores

sarem a internet.

responsáveis pelo projeto da produção audiovi-

O uso de TIC sugere uma nova lógica no

sual e foi realizada a análise fílmica do documen-

modelo de aulas, planejamento, currículos e até

tário resultante do projeto.

na comunicação e organização escolar. O proces-

As mudanças nas políticas curriculares

so de inserção de TIC na escola extrapola a ques-

têm assumido centralidade nas políticas educa-

tão da infraestrutura e caminha para uma refle-

cionais, quase se tornando o correlato da refor-

xão sobre o choque cultural promovido pela

ma educacional, é através da educação, e especi-

convivência e mudanças geracionais. A inserção

ficamente da organização curricular, que se

de TIC no ambiente escolar é também inserção

busca formar jovens com competências próprias

na vida dos professores, que, por vezes, não as

aos novos modos de produção vigentes e de

usam frequentemente, ou não as usam tanto

maneira articulada às mudanças técnico-econô-

quanto seus alunos. Para que ocorra uma efetiva

micas e culturais do mundo global.

apropriação das TIC nas práticas pedagógicas é necessário investir na melhoria da escola como

Conclusões

um todo, na infraestrutura da escola, não somente na capacitação das tecnologias, mas em

O uso das tecnologias da informação e

melhores condições de trabalho, como por

comunicação (TIC) tem implicações sociais

exemplo o uso do WIFI, que pode auxiliar muito

importantes para a vida das crianças, podendo

durante as aulas, tornando elas mais expositivas,

afetar a maneira como se relacionam com seus

mas como vemos nos dados apresentados no

pares, famílias e professores, e até mesmo a

artigo acima, muitas escolas possuem WIFI mas

construção de suas identidades. No cenário

na maioria dos casos os únicos que possuem

brasileiro, os dispositivos digitais portáteis mais

acesso a rede são os diretores e coordenadores.

utilizados são: tablets, computadores, notebooks

Sendo assim, o uso das TIC deve ser utili-

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APROPRIAÇÃO DOCENTE DAS TIC EM SALA DE AULA: PRINCIPAIS DESAFIOS

zado de maneira adequada no cotidiano das aulas, podendo ser futuramente um valioso

COUTO, H. H. O. M. Jovens professores no con-

agente de mudança para a melhoria do processo

texto da prática e as tecnologias de informa-

de ensino/aprendizagem dos nossos alunos.

ção e comunicação (TIC). Educ, Soc., Campinas,

Levando em conta não somente a formação do

v. 35, n. 126, p. 257-272, jan-mar. 2014. Disponí-

aluno, mas que possam ser futuramente medi-

vel em: <http://www.cedes.unicamp.br>

das que possam melhorar as condições de trabalho do professor e a partir disso elaborarem dife-

CUNHA, M. D.; BIZZELI, J. L. Caminhos para TIC

rentes metodologias para que possam ser utili-

em sala de aula sob a perspectiva dos profes-

zadas no processo de ensino/aprendizagem.

sores. Revista online de Políticas e Gestão Educacional, Araraquara/SP, v.20. n.2, p.282-300,

Referência Bibliográfica:

2016. Disponível em: DOI: http://seer.fclar.unesp.br/rpge/issue/view/593/showToc. ISSN: 1519-

COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. TIC E

-9020.

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nas escolas brasileiras. São Paulo: CGI, 2016.

putador e Rede na Prática Pedagógica: Uma visão de Docentes do Ensino Estadual. Revista

__________. TIC DOMICÍLIOS 2015: pesquisa

E-Curriculum, v.2, n.3, dezembro 2006. Disponí-

sobre o uso das tecnologias de informação e

vel em: http://www.pucsp.br/ecurriculum.

comunicação nos domicílios brasileiros. São Paulo: CGI, 2016.

__________. TIC KIDS ONLINE BRASIL 2015: pesquisa sobre o uso da internet por crianças e adolescentes no Brasil. São Paulo: CGI, 2016.

17


Leticia Karoline FERREIRA Clรกudia Dias PRIOSTE

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A COMPREENSÃO DOS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO NA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL Ludynnyla Paiva Botta dos PASSOS Marcia Cristina Argenti PEREZ

Diferentemente de outras teorias que viam o processo de humanização como um produto da herança genética, a Psicologia Histórico-Cultural defende o ser humano e sua humanidade como produtos da história elaborada pelos próprios seres humanos ao longo da história. Neste estudo apresentamos a sistematização de uma pesquisa bibliográfica, na qual o objetivo foi sistematizar alguns conceitos da Psicologia Histórico-Cultural para a compreensão dos processos de aprendizagem e desenvolvimento. No processo de promover e desenvolver a cultura, o ser humano formou um conjunto de objetos e de instrumentos e desenvolveu também as funções intelectuais envolvidas nesse processo. Ao produzir a cultura humana, desenvolvemos nossa humanidade, ou seja, o conjunto das características e das qualidades humanas refletidas pelas habilidades e capacidades que foram se formando ao longo da história por meio da própria atividade humana. Os estudos de Souza (2007) destacam o quanto Vigotski foi o primeiro pesquisador, na área da Psicologia, a trazer, de fato, para os estudos acerca do desenvolvimento humano, os fundamentos do Materialismo Dialético da

19


teoria Marxista, a qual compreende o fato de

De acordo com Leontiev (1978a) os seres

que as mudanças históricas na sociedade e na

humanos se distinguem dos animais somente

vida material provocam transformações na natu-

quando começam a produzir os seus meios de

reza humana. Nas palavras do autor:

vida, quando ele começa a modificar a natureza, por exemplo, instrumentos para caçar animais,

A abordagem dialética, admitindo a influência da natureza sobre o homem, afirma que o homem, por sua vez, age sobre a natureza e cria, através das mudanças nela provocadas, novas condições naturais para sua existência. Essa posição representa o elemento-chave de nossa abordagem do estudo e interpretação das funções psicológicas superiores do homem e serve como base dos novos métodos de experimentação e análise que defendemos. (VIGOTSKI, 2007, p.63).

ele transforma a natureza através do trabalho. O trabalho é a atividade que impulsiona o desenvolvimento humano, o trabalho é o núcleo da atividade criadora do sujeito humano. De acordo com a perspectiva marxista, o autor destaca que os homens se formam no processo de trabalho, no qual produzem os meios neces-

Vigotski(2007) defende que o desenvolvi-

sários para a satisfação de suas necessidades,

mento do psiquismo é cultural e histórico, pois

biológicas e outras mais complexas geradas nas

se encontra estruturado na atividade social dos

relações sociais.

indivíduos e se dá pelos processos de objetiva-

No

Materialismo

Histórico-Dialético,

ção e apropriação da cultura humana que corro-

fundamentado em Marx e Engels (1998), o

boram na formação da consciência e das capaci-

conceito ou a concepção de homem supõe a

dades humanas. Esse desenvolvimento psíquico

superação da condição animal, ou seja, supera-

só é possível no processo social do trabalho, na

ção de um ser irracional, no qual age em função

relação com os outros homens e com o uso de

das necessidades imediatas e se guia pelos

instrumentosmateriais e psicológicos.

instintos, passando para um ser (homem) capaz

O conhecimento e a realidade social são

de antecipar, planejar em sua mente os resulta-

compreendidos no Materialismo Histórico-

dos de suas ações, é capaz de escolher os cami-

-Dialético por meio da razão humana, ou seja,

nhos que vai seguir para alcançar seus fins.

são produtos da práxis humana objetivada.

20


A COMPREENSÃO DOS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO NA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL

Assim, o modo de produção é o modo como os humanos produzem e reproduzem seus meios de sobrevivência, através do trabalho e da cooperação. Estes se tornam necessidades humanas com o desenvolvimento histórico da sociedade. Porém, a forma de organização do trabalho e da cooperação nas sociedades divididas em classes é feita por meio da divisão social do trabalho. (MARX; ENGELS, 1998).

ta para a Psicologia. Além dos indivíduos se objetivarem nos objetos materiais e não materiais através de sua atividade social e histórica, os indivíduos têm que se apropriar da cultura já acumulada. O desenvolvimento cultural constitui-se

Leontiev (1978b) afirma que o psiquismo

na atividade humana mediada pelas relações e

humano é determinado pelas relações do

pelas objetivações humanas, social e historica-

homem com o mundo, e essa por sua vez,

mente produzidas. Portanto, a criança é sujeito

dependem das condições objetivas da vida.

do conhecimento, considerando sua atividade

Buscou entender o desenvolvimento histórico

na cultura, dadas as condições objetivas deste

do psiquismo humano, tentando entender a

mundo que a permite interiorizar as qualidades

reorganização dos processos psíquicos no

humanas ali presentes.

decorrer da evolução histórica e ontogênica e

Para a Psicologia Histórico-Cultural a

destacou que as condições que deram forma ao

apropriação é o principal mecanismo determi-

processo de hominização e a passagem à consci-

nante do desenvolvimento do psiquismo

ência foram às relações da ação do homem

humano. Como afirma Leontiev (1978b) diferen-

sobre a natureza.

te dos animais o homem garante suas aquisi-

De acordo com a perspectiva marxista, Leontiev(1978b) destaca que os homens se

21

ções, não adaptando se ao mundo dos objetos já existentes, mas sim se apropriando deles.

formam no processo de trabalho, no qual produ-

Na vida psíquica todas as fases se desen-

zem os meios necessários para a satisfação de

volvem no processo de estreita interação, consi-

suas necessidades, biológicas e outras mais com-

derando o desenvolvimento da atividade da

plexas geradas nas relações sociais. Na obra de

criança pelo processo de apropriação cultural,

Leontiev (1978b) seu ponto central é a atividade

constituída nas condições concretas de sua exis-

de trabalho, trazendo assim a concepção marxis-

tência.


Ludynnyla Paiva Botta dos PASSOS Marcia Cristina Argenti PEREZ

possível na relação com outros homens, pois Pela sua actividade, os homens não fazem senão adaptar-se à natureza. Eles modificam-na em função do desenvolvimento das suas necessidades. Criam objectos que devem satisfazer as suas necessidades e igualmente os meios de produção destes objectos, dos instrumentos às maquinas mais complexa. (LEONTIEV, 1978b, p.265).

para vivermos precisamos nos relacionar com outros seres, com a natureza, e com a cultura acumulada para que nossas necessidades sejam atendidas. Esta relação com o mundo é mediada por instrumentos e sistemas de signo que só os

Sobre o conceito de apropriação cultural,

homens são capazes de criar.

Leontiev (1978b) o descreve como um processo

No estudo de Passos e Perez (2016) cons-

sempre ativo no homem, incorporado ao uso de

tatamos que o processo de objetivação e apro-

instrumentos (atividade de trabalho) historica-

priação das qualidades humanas pressupõe uma

mente criados. Todo objeto presente em cada

mediação entre o sujeito e a cultura. O desenvol-

cultura tem uma função social. Os objetos ou

vimento cultural do homem acredita na sua inte-

instrumentos são utilizados quando apropriados

ração constante com o meio natural, uma troca

pela criança ou pelo homem, de acordo com a

entre eles. Dessa forma, a interação permite que

função social para a qual o objeto ou instrumen-

o homem transforme a natureza, ou seja:

to foi criado. Leontiev (1978b) não descartava a dimensão biológica, mais a considerava como primeira condição para que o indivíduo se colo-

A educação orientada à criança modifica seu psiquismo e cria nela possibilidades de aprendizagens, primeiro por meio das relações e atividades mediadas com o mundo que a rodeia, e segundo, como atividade interna, psíquica, que o processo de apropriação adquire. (PASSOS; PEREZ, 2016, p.4).

que como um “candidato” à humanidade, pois este só se concretiza em contato com o mundo objetivo e humanizado, transformado pela apropriação de outras gerações e através da relação com outros homens, aprendendo assim ser homem também. Esse processo de humanização só é

Segundo Vigotski (2007) na atividade psicológica o signo atua como instrumento psicológico de maneira semelhante a um instrumento de trabalho, o que permite aos indivíduos controlar suas atividades voluntárias e ampliar suas capacidades. 22


A COMPREENSÃO DOS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO NA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL

til, voltou-se para o estudo da infância buscando O controle da natureza e o controle do comportamento estão mutuamente ligados, assim como a alteração provocada pelo homem sobre a natureza altera a própria natureza do homem. Na filogênese, podemos reconstruir uma ligação através de evidências documentais fragmentadas, porém convincentes, enquanto na ontogênese podemos traça-la experimentalmente. (VIGOTSKI, 2007, p.55).

entender a pré-história desse processo. Encontrou em seus estudos que no início da vida os fatores biológicos desempenham um papel mais marcante, porém na medida em que esta criança intensificava suas relações com o mundo, à cultura adquiria este lugar mais marcante, se

Meira e Facci(2007) destaca que para a Psicologia Histórico-cultural o indivíduo interio-

tornava elemento decisivo na definição dos caminhos do desenvolvimento.

riza determinadas formas de fundamento dadas pela cultura, mas quando se apropriam delas e as transformam em instrumentos de pensamento e ação. Por este mesmo motivo que não pode

A complexidade crescente do comportamento das crianças reflete-se na mudança dos meios que elas usam para realizar novas tarefas e na correspondente reconstrução de seus processos psicológicos. (VIGOTSKI, 2007, p.80).

ser entendido como objeto e produto já que, ao mesmo tempo, é sujeito e produtor das relações

Segundo Leontiev (1978b) o desenvolvi-

atuais. Deve se compreender a relação entre o

mento é o processo do qual uma criança trans-

sujeito psicológico e o contexto histórico, resga-

forma-se em um membro da espécie através de

tando o sentido subjetivo e pessoal do homem,

estágios sucessivos. Cada um deles é definido

mas situando-o na trama complexa das relações

por um tipo dominante de atividade que ele

sociais.

denominou de atividade principal. Para a perspectiva Histórico-Cultural o

Atividade dominante é caracterizada por

desenvolvimento humano não deve ser tratado

três aspectos principais: é nela que surgem

como fenômeno universal, visto que é determi-

novos tipos de atividades, onde os processos

nado pelo contexto sócio histórico na qual nos

psicológicos particulares tomam forma ou são

encontramos inserido.

reorganizados e da qual dependem as principais

Vigotski (2007) não tinha como alvo formular uma teoria do desenvolvimento infan23

mudanças psicológicas na personalidade infan-


Ludynnyla Paiva Botta dos PASSOS Marcia Cristina Argenti PEREZ

til. A passagem de uma etapa para outra é organizada por modificações na atividade principal.

Para Vigotski (2007), um fato empirica-

Essa atividade dominante não significa que seja

mente estabelecido e bem conhecido é que o

aquela que ocupa a maior parte do tempo e sim

aprendizado dever ser combinado de alguma

aquela que coloca a criança em um novo nível de

maneira com o nível de desenvolvimento da

desenvolvimento, em uma nova esfera de

criança. A criança aprende primeiro por imitação.

relações sociais, ou seja, uma atividade domi-

Com o auxílio da imitação na atividade coletiva

nante é a que amplia o mundo dessa criança.

mediada pelos adultos, a criança pode fazer

O desenvolvimento cultural constitui-se

muito mais do que sozinha. Para Vigotski (2007),

na atividade humana mediada pelas relações e

isso determina dois níveis de desenvolvimento,o

pelas objetivações humanas, social e historica-

nível de desenvolvimento real e o proximal. Essa

mente produzidas. Portanto, para na Psicologia

nova concepção nos mostra que no contato com

Histórico-Cultural a criança é sujeito do conheci-

o outro mais experiente, ou seja, mediadores

mento, considerando sua atividade na cultura,

dessa interação, a criança revela e interage com

dadas as condições objetivas deste mundo que a

conhecimentos potenciais que se tornam reais

permite interiorizar as qualidades humanas ali

na interação com os outros.

presentes. Em Passos e Perez (2016, p.4) aponta-se que: Ao reconhecermos o conceito de mediação em Vigotski fortalecemos o entendimento de que tudo que aprendemos, desde a nomeação dada a um conceito matemático, o domínio do código lingüístico, o conceito em si, até as suas diferentes representações, depende das relações de mediação, já que os conceitos, inclusive os matemáticos e os linguísticos, são, por natureza, construtos sociais, históricos e culturais e, como tal, precisam ser apropriados nas relações sociais para ser internalizados.

A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas “brotos” ou “flores” do desenvolvimento em vez de “frutos” do desenvolvimento. O nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente. (VIGOTSKI, 2007, p.98).

O primeiro é o nível desenvolvimento real, isto é, nível de desenvolvimento das

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A COMPREENSÃO DOS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO NA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL

funções mentais da criança que se determina-

também o que está em processo de internaliza-

ram como resultado de certos ciclos de desen-

ção. Para que o estado de desenvolvimento

volvimento já completados. Quando determina-

mental de uma criança seja determinado são

mos a idade mental de uma criança, estamos

necessários ser descoberto os seus dois níveis.

usando testes, e sempre considerando o que elas fazem por si mesma. No entanto essas expressões não são capazes de explicar completamente o seu processo de desenvolvimento. É necessário que busque aprender o que

[...] para demonstrar que aquilo que é a zona de desenvolvimento proximal hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã – ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã. (VIGOTSKI, 2007, p.98).

a criança é capaz de fazer com ajuda de adultos, das funções que ainda não desenvolveram, mas que estão em processo de evolução, este processo é o que Vigotski denomina de zona de desenvolvimento proximal. Conceito que representa uma sensível transformação em relação à compreensão da função social da prática pedagógica, e mais ainda ao do papel do professor, já que pode contribuir para o rompimento com a perspectiva tradicional que a coloca em uma situação de dependência em relação ao desenvolvimento. A zona de desenvolvimento proximal nos permite traçar o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento, possibilitando o acesso não somente ao que já foi atingindo através do desenvolvimento, como

25

Segundo Vigotski (2007) um aspecto essencial do aprendizado é o fato de ele criar a zona de desenvolvimento proximal, portanto, o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. Quando internalizados esses processos eles se tornam parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança. Desse ponto de vista, aprendizado não é desenvolvimento, entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer. (VIGOTSKI, 2007, p.103).


Ludynnyla Paiva Botta dos PASSOS Marcia Cristina Argenti PEREZ

O processo de desenvolvimento avança de forma mais lenta e atrás do processo de

psiquismo.Lisboa;

Editora

Livros

Horizon-

te,1978a. p.286 – 313.

aprendizado; desta sequência resultam, então, as zonas de desenvolvimento proximal. Em

______. O homem e a cultura. In: O desenvolvi-

Passos e Perez (2016, p.4) temos a afirmação de

mento do psiquismo. Lisboa; Editora Livros Hori-

que:

zonte, 1978b. p. 262-284.

A zona de desenvolvimento proximal nos permite traçar o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento, possibilitando o acesso não somente ao que já foi atingindo através do desenvolvimento, como também o que está em processo de internalização. Para que o estado de desenvolvimento mental de uma criança seja determinado são necessários ser descoberto os seus dois níveis.

MEIRA, M.E. M.; FACCI, M. G. D. Psicologia histórico-cultural: Contribuições para o encontro entre a subjetividade e a educação. São Paulo; Casa Psi Livraria, 2007.

PASSOS, L. P. B., PEREZ, M. C. A. Discutindo a Esta análise muda à visão tradicional que quando a criança assimila o significado da palavra ou outras operações os seus processos de desenvolvimento estão basicamente completos, porém naquele momento eles estejam apenas

aprendizagem escolar por meio do conceito de mediação. COLÓQUIO DE PRÁTICAS LETRADAS, III e ENCONTRO DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS, 4. São Carlos, 2016. Anais...São Carlos, UFSCar, 2016, p. 1-6.

começando. Dessa forma, o aprendizado é um aspecto necessário do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas.

SOUZA, M. C. B. R.A concepção de criança para o enfoque Histórico-Cultural. Marilia,154 f. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade deFilosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulis-

Referência

ta,Marília,2007.

LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo na criança. In:O desenvolvimento do

VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente: O

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A COMPREENSÃO DOS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO NA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL

desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda., 2007.

27


Ludynnyla Paiva Botta dos PASSOS Marcia Cristina Argenti PEREZ

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ARTE: INTERLOCUÇÕES A PARTIR DE UMA PROPOSTA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL Carina Teles de SOUZA Alessandra Aparecida VIVEIRO

Introdução A

contemporaneidade

se

constitui

de(re)estruturações de pensamentos, de saberes e posturas desenvolvidas em meio à nossa historicidade. As questões que perpassam a formação humana se intensificaram diante da necessidade do desenvolvimento da visão crítica de mundo, como salienta Carvalho (2012): Nossos conceitos são assim como lentes em nossa visão da realidade. Tão habituados ficamos com os nomes e as imagens por meio das quais nos acostumamos a pensar as coisas do mundo, que esquecemos que esses conceitos não são a única tradução do mundo, mas apenas modos de recortá-lo, enquadrá-lo e, assim, tentar compreendê-lo, deixando sempre algo de fora ou que pode ser recortado por outro ângulo, apreendido por outro conceito. Os conceitos não esgotam o mundo, não abarcam nunca a totalidade do real. (CARVALHO, 2012, p.33)

Nessa perspectiva, a sociedade e o ambiente acentuam uma complexa discussão, envolvendo a importância dos impactos dessa relação na nossa própria constituição. Para tanto, se torna indispensável à formação e desenvolvimento do sujeito ecológico, constituído por movimentos ecológicos, ou seja, através da consciência formada a partir do crescimento, legitimidade e alcance que a ecologia adquire no transcorrer da história do ser humano (CARVALHO, 2012). 29


O mundo contra o qual a crítica ecológica se levanta é aquele organizado sobre a acumulação de bens materiais, no qual vale mais ter do que ser, no qual a crença na aceleração, na velocidade e na competividade sem limites tem sido o preço da infelicidade humana, da desqualificação e do abandono de milhões de pessoas, grupos e sociedades que não satisfazem esse modelo de eficácia. (CARVALHO, 2012, p.68)

sua origem na necessidade de se pensar a relação sociedade-natureza na constituição da nossa própria condição de vida. Resultante das transformações históricas vivenciadas e incorporadas em nossa civilização, à postura antropocêntrica da sociedade contemporânea, valoriza os privilégios do lucro em

Desse modo, esta pesquisa abrange a

detrimento das questões ambientais, essas que

Educação Ambiental (EA) por meio da Arte,

não são vistas como complementares a nossa

sendo o espaço escolar público o ambiente de

existência, e sim como meios domináveis, como

discussão e desdobramento dos estudos desen-

ressalta Guimarães (1995, p. 2).

volvidos. A proposta da mesma articula a necessidade de se pensar as questões ambientais na atualidade, compreendendo as percepções e entendimentos de crianças, com média de oito anos de idade, sobre o assunto. A partir dela, desenvolvendo e ampliando a sensibilização ambiental crítica das mesmas, por meio de propostas utilizando diferentes linguagens artís-

Com o passar do tempo a humanidade vai afirmando uma consciência individual. Paralelamente, cada vez mais vai deixando de se sentir integrada com o todo e assumindo a noção de parte da natureza. Nas sociedades atuais o ser humano afasta-se da natureza. A individualização chegou ao extremo do individualismo. O ser humano, totalmente desintegrado do todo, não percebe mais as relações de equilíbrio da natureza. Age de forma totalmente desarmônica sobre o ambiente, causando grandes desequilíbrios ambientais.

Tendo em vista esse cenário, a formação

ticas.

do sujeito ecológico se torna essencial ao se

Dimensões da Educação Ambiental na contemporaneidade A abordagem da EA engloba discussões e fundamentos que transcorrem o tempo e se estruturam em diferentes perspectivas. A preocupação e atenção voltadas à mesma tiveram

pensar na efetivação e qualidade da relação sociedade-ambiente. Pensamos assim, que são necessárias alternativas, novas possibilidades para o trabalho com EA, principalmente no âmbito escolar. Compreendendo

essa

necessidade, 30


EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ARTE: INTERLOCUÇÕES A PARTIR DE UMA PROPOSTA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL

delimitar um público específico de trabalho se torna um fator inquietante, ao entender-se que a sensibilização ambiental se estende a todas as idades. Entretanto, a escolha dos sujeitos dessa pesquisa se deu na relação entre as metodologias pensadas e a realidade de aplicação, englo-

um papel importante e vital na educação das crianças. Desenhar, pintar, cantar, encenar, dançar constitui um processo complexo em que elas reúnem diversos elementos de sua experiência, para formar um novo e significativo todo. No processo de selecionar, interpretar e reformar esses elementos, a criança proporciona mais do que uma experiência expressiva; proporciona parte de si própria: como pensa, como sente e como vê. Para ela, a arte é atividade dinâmica e unificadora. (STORI. 2003. p.46)

bando assim alunos da rede pública de ensino de uma cidade do interior paulista, com idade média de oito anos, cursando o terceiro ano do Ensino Fundamental. Melhor dizendo, o olhar voltado aos anos iniciais do Ensino Fundamental considerou o contraste de realidades vivenciadas pelas crianças nesse período transitório. A estruturação do conhecimento, por meio das imposições obrigatórias da escrita e da leitura, se torna fortemente institucionalizada, em detrimento dos demais campos de ensino, gerando consequentemente, diversos impactos. Para tanto, entendemos que a Arte configura um caminho interessante e promissor no entendimento e construção de possibilidades diante dessas inquietações, possibilitando novas expressões, criatividade, liberdade e veracidade dos pensamentos infantis. A arte com criatividade e sentimento desempenha

31

Diante disso, optamos por utilizar a Arte em diferentes níveis dessa pesquisa, abrangendo tanto a coleta de dados como a elaboração e aplicação de uma proposta pedagógica com as crianças. Tendo esse horizonte, aos buscarmos subsídios na literatura para o trabalho, percebemos que a articulação entre Arte e EA parece pouca explorada, ao menos no que tange as pesquisas em periódicos acadêmicos, conforme levantamentos de dados realizados na plataforma Scientific Electronic Library Online (SciELO), em 2015. Com intuito de compreender os indicadores quantitativos das produções acadêmicas nacionais que o tema alcança, o levantamento estruturou-se por meio da filtragem de diferentes palavras-chaves em publicações nacionais, utilizando o Português como único idioma e,


Carina Teles de Souza Alessandra Aparecida VIVEIRO

considerando um período de busca de 10 anos

ressaltando a importância de estudos dessa

(2006 a 2015).

natureza.

A Tabela 1 apresenta a relação entre

Pensar na sensibilização ambiental no

quantidade de artigos localizados a partir de

Ensino Fundamental envolve ampliar o olhar

diferentes termos de busca e o número de traba-

sobre a realidade que o envolve,seus contextos e

lhos selecionados para análise, a partir de um

necessidades. As contribuições históricas, cultu-

filtro feito com base na leitura de títulos e resu-

rais e sociais que constroem e transformam o

mos, tomando aqueles materiais com maior

indivíduo contemporâneo devem ser considera-

proximidade com a nossa temática de estudo.

das, assim como o entendimento e leitura de mundo particular dos sujeitos.

Tabela 1 -Quantidade de artigos localizados e

Compreendendo a necessidade de se

analisados, a partir de diferentes termos de

debater as questões ambientais, assim como a

busca (2006 - 2015).

formação de sujeitos ecológicos, por meio de

Os dados dão indícios de que há poucos

novos olhares, foram desenvolvidas atividades

estudos articulando esses campos de conheci-

baseadas nas opiniões e relatos reais dos

mento na elaboração de práticas pedagógicas,

próprios sujeitos, no desenvolvimento da

32


EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ARTE: INTERLOCUÇÕES A PARTIR DE UMA PROPOSTA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL

pesquisa, assim como a articulação com a pers-

como a singularidade expressiva de cada sujeito.

pectiva artística e suas diferentes manifestações.

Percepções ambientais infantis por meio da expressão artística

A humanidade, abrangendo a complexi-

A arte pode elevar o homem de um estado de fragmentação a um estado de ser íntegro, total. A arte capacita o homem para compreender a realidade e o ajuda não só a suportá-la como a transformá-la, aumentado-lhe a determinação de torná-la mais humana e mais hospitaleira para a humanidade. (FISCHER, 2002, p. 57)

dade da sua formação, se constitui pela diversidade das interpretações e leituras de diferentes

Com suas transformações e (re)interpre-

realidades. Compreendê-las se torna assim

tações ao longo da história, a Arteque surgiu

essencial, para a efetivação da nossa própria

antigamente como meio de expressão através

existência.

de símbolos de comunicação, hoje ganha maio-

Para tanto, pensar nas questões ambien-

res proporções, abordando o desenvolvimento

tais no contexto escolar acarreta a necessidade

do sujeito em seus aspectos internos e externos.

de se compreender a realidade e veracidade da

Abrangendo inúmeras áreas e indivíduos,

constituição dos pensamentos e opiniões dos

em diferentes circunstâncias e manifestações, a

sujeitos que ocupam esses espaços. Pensando

Arte, no campo educacional, se caracterizada

em novas alternativas e possibilidades para

como fundamental ao desenvolvimento efetivo

suprir essa demanda, esta pesquisa utiliza da

do educando. No entanto, sua articulação com o

observação, relatos e, principalmente, da expres-

currículo escolar e a relação dialógica entre os

são artística infantil como meios propícios para a

conteúdos ainda sofre limitações, assim como

compreensão, formação e desenvolvimento de

discutido em relação à EA.

uma postura crítica diante das questões que englobam o contexto em que vivemos. A Arte, entendida em sua complexidade no desenvolvimento do ser humano, propicia a liberdade e flexibilidade do pensamento, assim

33

Nosso atual sistema educacional possui o defeito de enfatizar, excessivamente, o desenvolvimento intelectual. A aquisição do saber continua sendo a finalidade da educação. Pode ser muito mais importante, para a criança, adquirir liberdade de expressão do que reunir informações fatuais. O conhecimento não usado carece de significação até que a criança


Carina Teles de Souza Alessandra Aparecida VIVEIRO

adquira o anseio e a liberdade de usá-lo. (LOWENFELD; BRITTAIN, 1970, p.41)

Consequentemente é preciso pensar no equilíbrio necessário em um sistema educacional e em suas práticas pedagógicas, em que os pensamentos, sentimentos e percepções dos sujeitos são desenvolvidos igualmente, potencializando suas capacidades de criação e possibilitando o aprendizado e desenvolvimento de novos conhecimentos, como argumenta Lowenfeld e Brittain(1970). Nessa perspectiva, o entendimento e trabalho com a expressão de pensamentos dos sujeitos é uma demanda educacional, social e humana. Na abordagem com a EA e a Arte, as interpretações são distintas e variadas, por isso, esta pesquisa estrutura-se em dois momentos, que são desenvolvidos sob o embasamento artístico: (1) compreensão da importância da EA para as crianças; e (2) o desenvolvimento de práticas e reflexões na sensibilização ambiental. No primeiro aspecto, entende-se que compreender a importância da EA para as crianças vai além das referências teóricas discutidas no meio acadêmico. Com intuito de fornecer maiores indícios sobre essa compreensão acerca

de temas ambientais, utilizou-se do desenho como meio de expressão. Selecionado através de suas potencialidades de expressão livre e autêntica, o desenho se caracteriza como uma oportunidade de externar e sistematizar sentimentos e concepções singulares, possibilitando ao sujeito sua própria identificação pessoal, social e cultural. Para Lowenfeld e Brittain (1970, p.35), “cada desenho reflete os sentimentos, a capacidade intelectual, o desenvolvimento físico, a acuidade perceptiva, o envolvimento criador, o gosto estético e até a evolução social da criança, como indivíduo”. Dessa forma, foram produzidos 583 desenhos, estruturados em seis diferentes temas referentes ao meio ambiente, sendo eles: 1. Ambiente da sala de aula; 2. Ambiente do entorno da escola; 3. Ambiente em que vivem; 4. Trabalhando a observação do trajeto; 5. Problemas do mundo; 6. Desenhando a imaginação. Todo o processo de coleta de dados envolveu o posicionamento da própria pesquisa,ou seja, por meio de uma abordagem sustentável, os materiais utilizados priorizaram a reutilização, no caso das folhas de sulfites, e o uso consciente dos demais objetos, como lápis e

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ARTE: INTERLOCUÇÕES A PARTIR DE UMA PROPOSTA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL

réguas, assim como a preservação e limpeza do ambiente de sala de aula durante todo o proce-

manipulados pelo indivíduo de acordo com suas próprias experiências pessoais (STORI, 2003, p. 54).

dimento.

Sem julgamentos estéticos e/ou culturais

O envolvimento positivo dos sujeitos

estereotipados, a análise dos desenhos coleta-

contribuiu para a coleta de dados de forma efeti-

dos abordou a classificação inicial sobre aspec-

va, estabelecendo uma relação dialógica que

tos de duas dimensões: (1) aspectos sobre o

compreendia a transparência da dinâmica do

ambiente natural, considerando as representa-

processo, assim como o esclarecimento de infor-

ções referindo-se a elementos naturais; e (2)

mações e dúvidas pertinentes.

aspectos referentes à presença do ser humano e

Com a liberdade artística para expressar,

suas criações, envolvendo as relações do ser

com ou sem o auxílio da escrita, seus pensamen-

humano com o meio, por meio de processos e

tos e opiniões, as crianças foram conduzidas pelo

materiais construídos socialmente e cultural-

seu próprio ritmo temporal, intensidade expres-

mente.

siva e traços particulares. Um dos fatores básicos de qualquer criação é a verdadeira expressão do eu. Os materiais artísticos e sua forma de expressão são utilizados, controlados e

35

Quadro 1 -Elementos presentes nos desenhos produzidos, a partir dos seis temas propostos.


Carina Teles de Souza Alessandra Aparecida VIVEIRO

Cada tema possuía uma finalidade diversificada para a compreensão das percepções de

residências, elevando a presença dos elementos materiais como videogame e televisão.

meio ambiente das crianças em suas diferentes

Dando continuidade ao trabalho de

manifestações. Desse modo, o primeiro tema,

observação e memória, como também ao dos

considerando o ambiente de sala de aula, visava

sentidos humanos, como olfato e a audição, foi

o entendimento da direção e relevância de

solicitado no tema 4, “observação do trajeto”, a

aspectos rotineiros dos sujeitos por meio da

representação do percurso de casa até a escola,

observação. Segundo as análises, os aspectos

priorizando os cheiros e sons notados durante o

artificiais, ou seja, elementos construídos, como

mesmo.

móveis e livros/cadernos, se sobressaíram

Entre questionamentos e comentários

quando comparados aos aspectos naturais, indi-

das crianças, muitas enfatizaram que dormiam

cando o maior contato dos sujeitos e, justifican

e/ou jogavam durante o percurso, e por isso, não

do seus próprios comentários, que se referiam à

sabiam ou lembravam-se da confecção dos

presença quantitativa de muitos objetos, mas a

ambientes que percorriam. Consequentemente,

ausência da variedade dos mesmos.

muitos referiram as ruas, casas e à própria escola.

De acordo com o segundo tema, “ambiente do entorno da escola”, considerando o

Porém, animais, como borboletas e pássaros, tiveram presença em alguns desenhos.

mesmo objetivo do anterior, nota-se o aumento

Em relação aos sons e cheiros, muitos

da presença de elementos naturais. Porém, a

faziam referência aos veículos e construções,

realidade do ambiente e os próprios desenhos

assim como às queimadas que ocorrem frequen-

ressaltavam a presença de construções como

temente na região. Notamos que muitos relatos,

prédios, museu, coreto, casas e hospitais.

orais e por desenhos, atribuíam a essas informa-

No terceiro tema, “percepção do ambien-

ções uma conotação negativa, indicando o

te em que vivem”, além dos desenhos, os comen-

contato limitado com a natureza, e os aspectos

tários das crianças durante o processo salienta-

prejudiciais das ações humanas remetendo-se

ram a ausência de aspectos naturais em suas

aos danos causados.

36


EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ARTE: INTERLOCUÇÕES A PARTIR DE UMA PROPOSTA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL

Sendo “os problemas do mundo” o quinto tema, objetivou-se a abordagem classificatória

Aspectos emocionais e familiares foram

de acordo com a postura dos sujeitos diante do

citados, como problemas financeiros e/ou de

contexto de inserção, como também seus sabe-

saúde, que ocasionaram fatores como a fome,

res e opiniões na delimitação dessas considera-

além de ações humanas e seus impactos, como a

ções. As representações tiveram dimensões

criminalidade, considerando ainda algumas refe-

diversificadas, envolvendo situações rotineiras,

rências políticas (Figuras 3 e 4).

como as queimadas, a poluição da água e do ar, e ainda problemas urbanos, como os buracos no asfalto, por exemplo (Figuras 1 e 2).

37


Carina Teles de Souza Alessandra Aparecida VIVEIRO

Por fim, no último tema, “Desenhando a

As referências naturais tiveram uma

imaginação”, foi solicitado a representação do

aparição quantitativa elevada, porém, algumas

mundo de acordo com os ideais de vida das

abordagens sofreram distorções de significado

crianças, trabalhando assim o senso crítico, a

em seu teor qualitativo, melhor dizendo, em uma

imaginação e a criatividade. Os aspectos sociais

ocasião um sujeito desenhou desastres naturais

apareceram em grande quantidade, referindo-

e, ao ser indagado sobre os motivos de tal

-se, em sua maioria, aos alimentos, festas, produ-

expressão, o mesmo argumentou dizendo que

ção tecnológica e fictícia (Figuras 5 e 6).

tinha curiosidade em ver algo real nesse aspecto, uma vez que só presenciava por filmes, por exemplo. Observa-se, assim, a difusão de pensamentos incompletos mantidos pela Indústria Cultural (ADORNO, 2002), em que a beleza figurativa envolve o indivíduo, deixo-o desprovido do conhecimento real da complexidade do contexto. Os setores econômico, político e social também foram envolvidos em algumas produções, principalmente em desenhos voltados à problematização da existência do dinheiro enquanto base de sobrevivência. Essa situação se deu pela contrariedade de opiniões, em que uma referia-se a inexistente do dinheiro como fator positivo a humanidade, enquanto que na outra o aumento quantitativo de dinheiro seria a solução apropriada para os problemas do mundo (Figuras 7 e 8).

38


EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ARTE: INTERLOCUÇÕES A PARTIR DE UMA PROPOSTA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL

todos os temas foram ressaltados situações e contextos rotineiros como meios de impactos diretos e indiretos na formação da postura crítica dos sujeitos. Ressaltam, ainda, a necessidade de se atentar aos diferentes olhares infantis sobre a realidade da constituição de pensamentos, para que a construção e efetivação de propostas sejam coerentes em seu desenvolvimento intelectual, crítico e sensível em relação ao meio ambiente.

Uma proposta envolvendo Educação Ambiental e Arte no contexto escolar

Ao considerar os estudos e análises desenvolvidas, a elaboração e aplicação da proposta para o terceiro ano do Ensino Funda-

39

Em suma, considerando todo o processo

mental se deu sob a perspectiva do trabalho

de desenvolvimento e a produção final, perce-

com aspectos locais do convívio dos sujeitos. Ou

bem-se as potencialidades do desenho enquan-

seja, considerando como base as diferentes

to meio de compreender a expressão do outro, e

estruturações de contexto e demandas reais dos

do mesmo exteriorizar suas idéias de modo

alunos, foram elaboradas atividades utilizando

autêntico e particular. Consequentemente, tais

elementos de maior proximidade e impacto no

potencialidades revelaram a relevância dos

desenvolvimento e exploração de novas poten-

aspectos cotidianos na percepção das questões

cialidades e conhecimentos, favorecendo a

ambientais pelas crianças, uma vez que em

problematização e senso crítico dos envolvidos,


Carina Teles de Souza Alessandra Aparecida VIVEIRO

rais nesses contextos.

como refere-se Freire (2011). Tendo em vista este cenário, utilizamos

No primeiro momento, a fotografia foi

diferentes linguagens artísticas na elaboração e

utilizada como meio de expor e sistematizar

sistematização da proposta, com o intuito de

locais antigos e atuais da cidade onde moram,

desenvolver

propiciando, por meio do diálogo, a análise,

e

promover

a

sensibilização

ambiental.

identificação e reflexão de aspectos que sofreram, ou não, modificações, e seus impactos na

Por meio das artes, no processo dos trabalhos elaborados pelos alunos, podemos incentivar o desenvolvimento da criatividade e consequentemente, a imaginação, a capacidade crítica e autocrítica, além de aumentar a percepção de si mesmos e do mundo ao seu redor. (STORI, 2003, p.78)

contemporaneidade. Muitos referiram-se as mudanças como positivas nas melhorias no desenvolvimento da cidade, outras comentaram sobre o crescimento populacional na região e também sobre os malefícios que giravam em

Articulando a dimensão artística e as questões ambientais, a proposta se desenvolveu com os mesmos sujeitos envolvidos na coleta de dados. Se dividindo em dois momentos distintos, ambos analisados no decorrer do processo e nos materiais finais, englobando relatos e observações. A primeira atividade, denominada “(Re) vendo o passado e projetando o futuro”, caracterizada pela linguagem artística do desenho e fotografia, teve como objetivo o trabalho com os efeitos cronológicos em diferentes áreas historicamente e culturalmente conhecidas na região

torno da poluição (do ar, água, sonora, etc.). No desenvolvimento desses pensamentos, os sujeitos foram indagados sobre as perspectivas futuras dos contextos trabalhados, por meio da releitura dos mesmos locais visualizados e problematizados anteriormente, com uma estimativa de 70 anos. Inicialmente, a inquietação diante da proposta se deu pela dificuldade de projeção de pensamentos futuros, consequentemente, muitos desenhos não apresentaram muitas alterações. Foram 46 desenhos coletados, com as representações indicadas no Quadro 2.

e, a dimensão perceptiva dos alunos sobre os impactos e mudanças temporais, sociais e cultu40


EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ARTE: INTERLOCUÇÕES A PARTIR DE UMA PROPOSTA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL

Quadro 2 -Quantidade de aspectos menciona-

dade de possibilitar a reflexão sobre o ambiente

dos nos desenhos sobre locais da cidade onde

sonoro e suas contribuições na postura humana.

moram em uma perspectiva de 70 anos.

Abordando diferentes sons da natureza e urbanos, as crianças foram indagadas sobre as

Em comentários dos sujeitos durante o

41

características dos mesmos, identificando-os e

processo, o desenvolvimento de uma postura

categorizando-os de acordo com suas especifici-

crítica e o estabelecimento de relações efetivas

dades. Os diálogos oriundos das diferentes inter-

entre a sociedade e a natureza configuraria um

pretações favoreceram o contato com diversas

ambiente estável e de convívio harmônico, justi-

realidades e conhecimentos dos envolvidos, em

ficando as poucas mudanças nos locais. Para

que os mesmos problematizaram questões

eles, a cidade não sofre demasiadamente com as

como os aspectos de diferenciação dos sons, os

ações humanas, tendo alguns pontos que pode-

ambientes em que se manifestavam e a frequên-

riam ser trabalhados para a constituição de um

cia, por exemplo. Em seguida, foram indagados

ambiente melhor, como a resolução do proble-

sobre suas opiniões referentes ao assunto,

ma das queimadas recorrentes e do barulho

gerando discussões sobre a relação da realidade

excessivo dos meios de transporte.

em que tais sons se apresentam e o sentimento

Prosseguindo com a proposta, em um

em relação aos mesmos. Melhor dizendo, alguns

segundo momento foi desenvolvida a atividade

sons referentes a criações sociais, por exemplo,

“Articulando sons e pensamentos”, com a finali-

foram justificados como pertencentes ao meio


Carina Teles de Souza Alessandra Aparecida VIVEIRO

de inserção, porém sem muita afinidade com os gostos dos alunos. Com a colaboração de todos os envolvi-

A natureza é boa para o homem. A natureza vai voltar para o homem. A natureza faz melhor ao homem. A natureza é um ambiente bom para os homens. A natureza faz o homem crescer.

dos, a atividade demonstrou a compreensão

Tais interpretações infantis sobre a

parcial de muitos sons e, também, o desenvolvi-

relação sociedade-natureza evidenciam uma

mento de reflexões sobre a necessidade da aten-

postura em desenvolvimento sobre o assunto,

ção aos aspectos do ambiente, bem como ações

com concepções de necessidade da efetivação

sobre o mesmo.

dessa relação, como ainda, um olhar que percor-

Por fim, solicitamos às crianças que, em

re a dicotomia entre a sociedade e a natureza,

grupos, elaborassem um pequeno texto abor-

por meio da tradição naturalista. O ser humano,

dando a ligação da natureza com a cidade, e os

indicado por “homem”, representa, em alguns

aspectos estudados e observados pelas mesmas.

casos, o algoz destruidor, contrapondo-se a uma

Obtivemos respostas variadas, englobando

natureza bucólica e perfeita.

aspectos que merecem atenção. Alguns relatos exemplificam as falas:

A sensibilização ambiental se torna necessária através de um trabalho contínuo, para afirmação de uma visão socioambiental de

O humano ele tem duas mãos e o animal tem patas. A maioria das vezes o homem destrói a natureza e o animal não, eles vivem em paz. Os sons da natureza são diferentes dos sereshumanos. Os humanos são malvados com os passarinhos, coitado dos passarinhos, presos na gaiolas. As pessoas não nascem de sementes, diferentes das flores. A natureza sempre foi amiga do homem, mas ele destruiu ela. A natureza não tem poluição, não tem roubo, não tem polícia, mas tem onça, golfinho árvore e etc..ind.Lá chove e não inunda. O ser humano polui mata e faz um monte de coisa mal, ele não cuida da natureza.

relações interativas e positivas. A visão socioambiental orienta-se por uma racionalidade complexa e interdisciplinar e pensa o meio ambiente não como sinônimo de natureza intocada, mas como um campo de interações entre a cultura, a sociedade e a base física e biológica dos processos vitais, no qual todos os termos dessa relação se modificam dinamicamente e mutuamente. (CARVALHO, 2012, p.37)

Conclui-se assim, que ambas as atividades, contando com a participação cooperativa e interesse de todos os envolvidos, propiciaram o 42


EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ARTE: INTERLOCUÇÕES A PARTIR DE UMA PROPOSTA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL

desenvolvimento de reflexões e posturas sobre

utilizadas e as atividades desenvolvidas, enten-

as relações sociedade-natureza. No entanto,

demos que a sensibilização ambiental infantil se

demonstrando também a necessidade da articu-

constitui de um processo contínuo e inesgotável

lação desse assunto em todos os momentos do

de possibilidades. Ou seja, essa pesquisa não

ensino, para o desenvolvimento de olhares críti-

limita o trabalho com a EA, mas configura o

cos e sensíveis diante do mundo.

contexto de novas nuances e perspectivas mais

Considerações finais De acordo com o desenvolvimento da

sensíveis na constituição de sensibilidades e ações efetivas na relação do ser humano com o seu próprio meio.

pesquisa entende-se que as questões ambientais, assim como as diferentes linguagens artísti-

Referências bibliográficas

cas, são campos que ganham timidamente o

ADORNO, Theodor W. Indústria cultural e socie-

contexto escolar. A articulação dessas áreas

dade. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2002.

propicia trabalhos variados, com diferentes realidades, garantindo projeções e desenvolvimen-

CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação

tos de sensibilidades e conhecimentos incontá-

ambiental: a formação do sujeito ecológico.

veis.

6.ed. São Paulo: Editora Cortez, 2012. Destacamos a necessidade do embasa-

mento em dados reais, indispensável para a

FISCHER, Ernest. A necessidade da arte. 9.ed.

projeção de novos caminhos, uma vez que as

Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2002.

leituras de mundo são aspectos particulares e singulares de cada indivíduo, e as suas aborda-

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de

gens requerem a especificidade do olhar e aten-

Janeiro: Paz e Terra, 2011.

ção. Compreendendo os materiais coletados, as observações e relatos, o próprio ambiente de discussão, as diferentes linguagens artísticas 43

GUIMARÃES, Mauro. A dimensão ambiental na educação. Campinas, SP: 1995.


Carina Teles de Souza Alessandra Aparecida VIVEIRO

LOWENFELD, Viktor; BRITTAIN, W. Lambert. Desenvolvimento da capacidade criadora. São Paulo: 1970. STORI, Norberto. O despertar da sensibilidade na Educação. São Paulo: Instituto Presbiteriano Mackenzie; Cultura Acadêmica Editora, 2003.

44


REVISITANDO A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL: UMA LEITURA PARA A COMPREENSÃO DO BRINCAR Letícia Joia de NOIS Marcia Cristina Argenti PEREZ

O presente texto tem por objetivo apresentar os desdobramentos de uma investigação teórica que almejou revisitar alguns conceitos da Psicologia Histórico-cultural e relacioná-los com discussões acerca da criança e do brincar. A Psicologia Histórico-cultural apresenta como tese principal, a defesa que o ser humano desenvolve seu psiquismo por meio da relação com a sociedade. Assim, a Psicologia Histórico-cultural baseia-se nos fundamentos da concepção filosófica marxista do materialismo dialético, que pressupõe que a base da sociedade é determinada pelo o que a sociedade produz, como produz e pela maneira como troca os produtos produzidos. Leontiev (1978, p. 261) preza pela "ideia

dade caracterizada pela atividade de trabalho, e

de que o homem é um ser de natureza social,

então dependem das leis biológicas, para que os

que tudo o que ele possui de humano provém

órgãos se desenvolvam e se adaptem as necessi-

da sua vida em sociedade, no seio da cultura

dades e as condições, mas sem interferir no

criada pela humanidade", ou seja, a personalida-

desenvolvimento sócio histórico, que é respon-

de humana, as capacidades, as linguagens, entre

sável por impulsionar as relações de trabalho e a

outros pontos, são desenvolvidas a partir das

produção da sociedade (MEIRA; FACCI, 2014)

relações sociais que o sujeito tem com o meio, com a cultura e com a história.

45

Segundo Leontiev (1978), a cultura é tudo aquilo que o homem produz a partir da

A hominização se dá a partir do momen-

natureza, ou seja, todo instrumento natural

to em que o homem passa a viver em uma socie

modificado pelo homem, passa a ser um objeto


cultural. Esses objetos são produzidos por meio

A apropriação ou "a aquisição do instru-

da atividade de trabalho, que é considerado uma

mento consiste, portanto, para o homem, em se

atividade social, sendo assim, trabalho também

apropriar das operações motoras que nele

é cultura. Não o trabalho remunerado como o

[instrumento/objeto]

conhecido nos dias atuais, mas o que tem como

(LEONTIEV, 1978, p. 269). Esse processo possui

objetivo, a produção de ferramentas que auxi-

três características. A primeira define esse

liem na manutenção das necessidades humanas.

processo como ativo e para que o sujeito o reali-

Ainda segundo Leontiev (1978), os obje-

ze, é preciso que ele reproduza os traços essen-

tos produzidos pelo trabalho são instrumentos

ciais da atividade acumulada no objeto. Já a

que carregam atividade humana, portanto, tem

segunda, é a "reprodução no indivíduo das capa-

a função de transmitir novos significados, novas

cidades humanas historicamente formadas"

características que antes não possuíam e, dessa

(LEONTIEV, 1978, p. 270), ou seja, quando o indi-

forma, torna-se um objeto humano, social e

víduo reproduz as atividades que estão objetiva-

cultural. "Pela sua actividade, os homens não

das, ele está também reproduzindo as capacida-

fazem senão adaptar-se à natureza. Eles modifi-

des que foram formadas ao longo do processo

cam-na em função do desenvolvimento das suas

histórico e social e consequentemente reproduz

necessidades" (LEONTIEV, 1978, p. 265). Esse

as funções psicológicas. Por fim, a apropriação é

processo de transferência das atividades huma-

caracterizada por ser um processo educativo,

nas para o objeto é denominado de objetivação,

pois sem educação não há apropriação, não

que é o processo pelo qual as atividades do

necessariamente a educação escolar, mas

trabalho passam a ser portadoras de atividade

também a educação social.

estão

incorporadas"

humana. A objetivação possui um processo

Vigotski (1991) afirma que antes mesmo

inverso, o processo de apropriação, que se dá

da criança frequentar a escola, ela já passou por

quando os indivíduos se apropriam da atividade

processos de aprendizagem, afinal a escola irá

humana sintetizada no objeto gerado pelo

apenas ensinar os conhecimentos científicos,

trabalho.

porém, quando a criança começa a entender o

46


REVISITANDO A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL: UMA LEITURA PARA A COMPREENSÃO DO BRINCAR

nome das coisas, das pessoas, etc., ela já está

se dá de forma direta, mas ela é mediada por

passando por um processo de aprendizagem,

instrumentos e signos, produzidos pelo homem.

em que acumula a cultura do meio em que vive.

Os signos atuam como instrumentos psicológi-

A apropriação é o principal determinante

cos que permitem ao indivíduo controlar suas

do desenvolvimento psíquico do homem, pois é

atividades voluntárias e ampliar suas capacida-

por meio dela que o indivíduo se apropria de

des. A linguagem também é um signo, e para

toda atividade cultural e histórica já produzida, e

Vigotski (1984) ela é a mediadora fundamental

também pelo fato de ser o mediador entre a

para se constituir novas funções psicológicas

cultura e a formação de cada indivíduo como ser

superiores, e é essencial para a transmissão da

humano. Assim, o processo de apropriação é

cultura já produzida pelo homem. Para as crian-

responsável pela formação de novas qualidades,

ças, os signos e a linguagem são um meio de

capacidades e características humanas, e

contato social com outras pessoas. É também

também pela formação de novas aptidões e

por meio da linguagem, que se produz o pensa-

funções psíquicas.

mento e o exterioriza.

Para Leontiev (1978, p. 271), com base em

Luria (1998), com fundamento nas ideias

outros autores, o cérebro possui órgãos particu-

de Vigotski, busca saber se as pessoas que cres-

lares do sistema nervoso, que produzem novas

cem em determinadas circunstâncias culturais

conexões entre neurônios, sempre que uma

são diferentes no que diz respeito às capacida-

atividade é realizada, ou seja, sempre que se têm

des de compreensão básica do ser humano. Para

estímulos, formando assim novas funções psico-

isso, realizou uma pesquisa em locais que

lógicas, que, portanto consiste em ser "o substra-

possuem grandes diferenças nas formas de

to material das aptidões e funções específicas

cultura, e também separou os indivíduos basica-

que se formam no decurso da apropriação pelo

mente em grupos de alfabetizados e não alfabe-

homem do mundo dos objectose fenómenos

tizados. Realizou estudos com essas pessoas, e

criados pela humanidade, isto é, da cultura"

pode perceber que as respostas das pessoas

A relação do indivíduo com o mundo não

47

analfabetas que viviam nessa sociedade, só eram


Letícia Joia de NOIS Marcia Cristina Argenti PEREZ

dadas de acordo com as experiências individu-

duo nascido tivesse que construir a história

ais, ou seja, eles não eram capazes de responder

novamente. "Esse processo coloca-o, por assim

às questões que não faziam parte do seu cotidia-

dizer, aos ombros das gerações anteriores e

no ou que eles nunca haviam presenciado. Já as

eleva-o muito acima do mundo animal" (LEON-

pessoas que estavam alfabetizadas, ou passando

TIEV, 1978, p. 283).

por uma transição para esse processo, conse-

Para Leontiev (1978), é a partir do proces-

guiam responder de forma lógica às propostas e

so de desenvolvimento que a criança se transfor-

perguntas feitas pelo pesquisador. Dessa forma,

ma em membro da espécie humana, e esse

o autor conclui que, as pessoas, que possuem

processo se dá a partir de estágios de desenvol-

relações sociais mais amplas, tem maior capaci-

vimento, cada qual é definido por uma atividade

dade de reflexão e classificação, diferentemente

dominante ou principal. A atividade dominante

dos que vivem mais isolados e não são alfabeti-

não é aquela que a criança mais realiza, mas é

zados.

aquela em que desempenha a principal forma de A experiência humana acumula cultura, e

relação da criança com a realidade, e a que se

a cultura acumula experiência humana, porém, a

adéqua as três características da mesma: 1) é

atividade humana ao ser acumulada, passa por

aquela que tem a capacidade de formar novos

um processo de seleção, de síntese, passando a

tipos de atividades; 2) é também o processo que

guardar apenas aquilo que é importante para o

reorganiza as funções psíquicas; 3) é no interior

desenvolvimento social. Sendo assim, os seres

desse processo que é formada a personalidade

humanos apropriam-se apenas do melhor que já

da criança.

foi produzido durante a história, as experiências

Em síntese, a atividade dominante é

da humanidade chegam até os homens atuais

aquela cujo desenvolvimento determina as

de maneira condensada e sintetizada para que o

mudanças mais importantes nos processos

indivíduo incorpórea em sua vida. Essa é a chave

psíquicos da criança em uma determinada

do desenvolvimento da humanidade, pois tal

época de sua vida.

desenvolvimento seria impossível se cada indiví-

Segundo Elkonin (1987), os principais

48


REVISITANDO A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL: UMA LEITURA PARA A COMPREENSÃO DO BRINCAR

estágios do desenvolvimento são: comunicação

conhecimento do indivíduo em dois níveis: o

emocional do bebê; atividade objetal manipula-

nível de desenvolvimento atual, que correspon-

tória; jogo de papéis sociais, atividade de estudo;

de ao nível de desenvolvimento das funções

comunicação intima pessoal e; atividade profis-

psicológicas da criança, que são provenientes de

sional ⁄ estudo. As mudanças associadas a cada

ciclos de desenvolvimento já completos, ou seja,

estágio estão ligadas entre si e causam alteração

o que a criança é capaz de realizar independen-

no modo de se relacionar com a sociedade, são

temente, sendo que é também um indicativo da

essas modificações que fazem com que o indiví-

capacidade do sujeito. E também o nível de

duo mude de atividade dominante. Isso ocorre

desenvolvimento potencial, que determina tudo

devido ao fato da contradição entre o modo

aquilo que o indivíduo ainda é capaz de apren-

como a criança vive e as possibilidades de supe-

der, ou seja, é formado pelas funções mentais

ração, e é dessa contradição que surge a necessi-

que ainda não amadureceram.

dade de passagem para um estágio mais com-

O estado de desenvolvimento de uma

plexo. As características de cada estágio não são

criança, só pode ser analisado se for levado em

determinadas pelo biológico, mas elas são

conta os dois níveis de desenvolvimento, pois

produzidas no processo histórico e cultural.

como Vigotski (1991) afirma, as funções que estão determinadas ao nível de desenvolvimen-

A actividade dominante é, portanto, aquela cujo desenvolvimento condiciona as principais mudanças nos processos psíquicos da criança e as particularidades psicológicas da sua personalidade num dado estádio do seu desenvolvimento. (LEONTIEV, 1978, p. 293).

to potencial, poderão transformar-se em atividades do nível de desenvolvimento real, sendo assim, é preciso avaliá-los em conjunto, pois a zona de desenvolvimento potencial, mostra o que a criança ainda será capaz de aprender. "[...]

Vigotski (1984) considerava necessário que a criança possuísse certo nível de desenvolvimento para ter a capacidade de aprender algo novo, o que denominou de zona de desenvolvimento proximal, porém, era preciso distinguir o 49

Aquilo que é a zona de desenvolvimento proximal hoje, será o nível de desenvolvimento real amanhã - ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de


Letícia Joia de NOIS Marcia Cristina Argenti PEREZ

fazer sozinha amanhã." (VIGOTSKI, 1991, p. 58). O nível de desenvolvimento potencial, também tem por objetivo, a manutenção do modo de ensino dos professores, afinal, a partir dele pode-se formular o que o professor irá ensinar para o aluno, pois um conhecimento que a

Resumindo, o aspecto mais essencial de nossa hipótese é a noção de que os processos de desenvolvimento não coincidem com os processos de aprendizado. Ou melhor, o processo de desenvolvimento progride de forma mais lenta e atrás do processo de aprendizado; desta seqüenciação resultam, então, as zonas de desenvolvimento proximal. (VIGOTSKI, 1984, p. 61).

criança já adquiriu, não é mais necessário ensiná-la. O aprendizado também pode ser o gera-

A partir disso, Vigotski (1984) afirma que

dor de novos níveis de desenvolvimento poten-

o ensino para as novas gerações, não deve ser

cial, por despertar vários processos internos de

qualquer tipo de ensino. O professor deve ser um

desenvolvimento.

mediador para que o indivíduo seja orientado na direção de reestruturar as funções psicológicas,

Propomos que um aspecto essencial do aprendizado é o fato de ele criar a zona de desenvolvimento proximal; ou seja, o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em operação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança. (VIGOTSKI, 1984, p. 61-2).

também garantir que se apropriem dos conceitos historicamente acumulados e que construa e amplie a capacidade de pensamento crítico. Por fim, a Psicologia Histórico-Cultural, preza que o homem é um ser social, que se forma por meio das relações sociais e da atividade de trabalho, sendo o último, o princípio da objetiva-

A partir disso, pode-se notar que para a

ção de toda a cultura nos objetos produzidos, de

Psicologia Histórico-Cultural, o aprendizado não

modo que as próximas gerações se apropriem

é desenvolvimento, mas quando devidamente

dessa cultura acumulada no objeto e a partir

organizado, aprendizado gera desenvolvimento,

disso possa desenvolver a zona de desenvolvi-

tornando assim, o processo de aprendizagem

mento proximal, tornando-a em zona de desen-

necessário para a formação de novas funções

volvimento real. Sendo assim, para os autores

psicológicas.

histórico-culturais, o desenvolvimento se dá a partir da cultura e história já acumulada pela 50


REVISITANDO A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL: UMA LEITURA PARA A COMPREENSÃO DO BRINCAR

humanidade. A Psicologia Histórico-cultural acredita

forma, talvez a única coisa que permaneça quase que inalterável, seja o nome.

que o jogo de faz de conta é a principal atividade

Dessa forma, Rocha (2005), aponta que a

para o desenvolvimento psíquico da criança na

atividade lúdica é guiada por três fatores: obje-

sua infância, sendo Vigotski, Leontiev e Elkonin

tos, ações e mediação social. O primeiro está

os principais representantes dessa perspectiva

relacionado aos brinquedos, seja ele, usado com

que estudaram o jogo, e também seguem a ideia

o seu significado próprio ou adaptado de acordo

de que o brincar não é inato.

com a brincadeira, o segundo é usado no sentido

Segundo os estudos de Elkonin (apud

de manipular os primeiros, e o terceiro:

Rocha, 2005), o jogo do faz de contas está diretamente ligado às transformações de instrumentos e das relações de trabalho, pois essas brincadeiras afastam as crianças de atividades produtivas, mas ao mesmo tempo, adiantam sua partici-

[...] refere-se à participação do outro (entendido como todo homem que afeta a constituição do sujeito) no processo de desenvolvimento, e se opera por meio de dois processos básicos: a atividade conjunta com objetos e a comunicação, pela linguagem, que permeiam os contatos da criança com os participantes de seu grupo social. (ROCHA, 2005, p. 33).

pação nas mesmas. Para o autor, a evolução dos

51

objetos lúdicos também está ligada à evolução

É por meio da mediação social, que nas

da história humana. Primeiramente, os brinque-

relações interpessoais que o jogo estabelece, o

dos eram cópias dos instrumentos usados no

sujeito é capaz de incorporar gradualmente, os

âmbito trabalhista, mas com o tempo, esses

recursos presentes na sua cultura. Portanto, é por

objetos foram sendo divididos entre objetos de

meio das relações sociais que se constitui a capa-

trabalho e objetos para brincar, o que tornou os

cidade lúdica do indivíduo.

brinquedos cada vez mais simbólicos, favorecen-

Para Vigotski (1988), a origem do jogo se

do o surgimento do jogo de faz de conta. No

dá por três fatores, sendo o primeiro relacionado

caso dos jogos de regras, segundo o autor é

ao fato da criança buscar realizar atividades que

difícil estipular como surgiram, pois, as regras

satisfaçam suas necessidades; o segundo fator

mudam conforme o momento do jogo, e dessa

deve-se ao fato da criança ter uma tolerância


Letícia Joia de NOIS Marcia Cristina Argenti PEREZ

muito curta no que diz respeito à satisfação de

lados por adultos, mas essa apropriação não

suas necessidades, e por fim, o terceiro fator diz

pode ocorrer de forma direta, sendo assim, só

respeito à memória, pois a criança adquire meca-

pode acontecer por meio da ação lúdica. Nas

nismos que impossibilitam que ela se esqueça

palavras abaixo temos Rocha (2005) em defesa

das necessidades não satisfeitas. A junção desses

ao posicionamento de Leontiev, argumentando

três processos acaba por gerar uma tensão, que

que:

necessita de mudanças no comportamento. Essa tensão, é exposta por Vigotski (1987) em seu trabalho "La Imaginacion y el Arte em la Infancia", onde afirma que toda ação criadora surge de uma incompatibilidade com o mundo real. Para Vigotski (1984), o brincar é um espaço de crescimento de novas formas de entendimento sobre o real, que irão gerar seu

A atividade lúdica é, assim, uma das formas pelas quais a criança se apropria do mundo, e pela qual o mundo humano penetra em seu processo de constituição enquanto sujeito histórico. A teoria histórico-cultural aborda o brincar privilegiando sua participação fundamental na constituição do sujeito, orientado para o futuro. [...]. Trata-se da esfera de atividade do indivíduo que lhe permite, rompendo os limites do que ele já é, experimentar aquilo que pode ser, não num sentido restritivo e direto, mas como sujeito integrado em sua cultura. (ROCHA, 2005, p.66-7).

desenvolvimento, sendo assim, pode ser considerado como zona de desenvolvimento proximal. As ações simbólicas possibilitam assim, que a criança tenha liberdade de ultrapassar os limites do seu desenvolvimento real e constituir o seu desenvolvimento proximal. Já Leontiev (1978) acredita que o brincar surge a partir da junção da necessidade de agir da criança e do seu aumento de consciência em relação ao mundo. Esse aumento de consciência faz com que a criança comece a se apropriar dos objetos que estão a sua volta e que são manipu-

Alguns teóricos da psicologia, admitem que o brincar é a atividade em que tudo é possível, podendo assim ser entendido como um caos. Para Vigotski, Leontiev e Elkonin não é isso que ocorre. Para esses autores, o limite entre o real e o imaginário pode ser permeável, pois a relação entre essas duas esferas não se limita apenas a cultura especifica do sujeito, o que torna possível novas possibilidades de articulação entre o que é verdadeiro e o que é fantasia. Os objetos e ações que uma criança utiliza no jogo, são a base do aprendizado lúdico do 52


REVISITANDO A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL: UMA LEITURA PARA A COMPREENSÃO DO BRINCAR

53

sujeito. Essa relação entre as ações e objetos é

você é?" Ou estabelecendo o papel que a criança

reestruturada quando a criança assume um

irá assumir, e dessa forma, a criança irá aprender

papel. Esse papel que a criança assume, é muito

também a se nomear e a estipular um papel para

mais fácil de ser incorporado independente de

si mesma. Além do mais, a linguagem também

objetos ou de cenários temáticos pelas crianças

fortalece o diálogo entre os participantes do

mais velhas. A criança para se apropriar da ativi-

jogo.

dade lúdica, segue o percurso de ações – papéis

Com isso, percebe-se que, no jogo de faz

– temáticas, sendo o primeiro relacionado à

de conta, a criança pode estar se libertando do

manipulação de objetos, o segundo aos papéis

real, mas também se emergindo nele. Esses

que a criança interpreta na brincadeira, e o

movimentos vão se modificando na medida em

terceiro relacionado ao tema dessa brincadeira,

que a criança vai desenvolvendo sua capacidade

que coordena os papéis que os participantes

de brincar. Mas onde está presente o real no jogo

deverão interpretar. Esse percurso não é linear,

e onde ele de desprende?

hierárquico ou organizado cronologicamente,

No jogo, o real está presente nas ações

ou seja, não é porque a criança adquire uma

escolhidas para fazer parte da brincadeira e

forma de brincar mais complexa, que ela aban-

consequentemente nos papéis que as crianças

donará as outras.

desempenham no interior desta, também está

A linguagem tem grande influência no

presente nos objetos escolhidos para usarem,

brincar das crianças, e pode se dar de duas

sejam eles usados com sua função real ou atribu-

formas: sendo a linguagem usada pela própria

ídos à novos significados, e a sequência das

criança, e a linguagem do outro, que se dá por

ações também possui uma sequência de acordo

meio da mediação social. Na linguagem da crian-

com a realidade, dessa forma, Rocha (2005)

ça, a fala é utilizada principalmente para nomear

afirma que não existe jogos sem regras, mas

os objetos, podendo dar a ele um novo significa-

acontece que no jogo de faz de conta, essas

do. O mediador social, pode intervir com a

regras são estabelecidas antes do início da brin-

linguagem, realizando perguntas do tipo: "Quem

cadeira.


Letícia Joia de NOIS Marcia Cristina Argenti PEREZ

Por outro lado, o desprendimento da realidade no jogo de faz de conta, também está

Referências

presente no início do jogo, pois ao aprender a brincar, ela consegue se deslocar do real para a

ELKONIN, D. Problemas psicológicos del juego

fantasia, e o mesmo ocorre com a utilização de

en la edad escolar. In: SHUARE. M. (Org.), La

objetos substitutos e com a incorporação de

psicologia evolutiva e pedagógica en la URSS –

novos papéis. "O imaginário instaura-se, então, à

Antologia. Moscou: Progresso, 1987, p.83-102.

medida que a criança se torna mais capaz de lidar com o campo de significados. O imaginário

LEONTIEV, A. O Desenvolvimento do psiquis-

não é condição prévia para a criança brincar; é

mo na criança. Lisboa: Editora Livros Horizonte,

consequência das ações lúdicas." (ROCHA, 2005,

1978.

p. 84). Assim, concluímos que a atividade lúdica

LURIA, A. Diferenças culturais de pensamento.

na perspectiva da Psicologia Histórico-cultural

In: VIGOTSKI, L. S.; LURIA, A.; LEONTIEV, A. Lingua-

possui uma caracterização complexa, afinal o

gem, desenvolvimento e aprendizagem. São

brincar não é somente fantasia, mas também

Paulo: Ícone: Editora da Universidade de São

não é apenas realidade, ele dá novos significados

Paulo, 1998, p. 39-58.

à diferentes objetos, o que exige da criança deixar de lado algumas características desses

MEIRA, M. FACCI, M. Psicologia histórico-cultu-

instrumentos, mas também usar objetos de

ral: Contribuições para o encontro entre a

acordo com sua função real. Em suma, a Psicolo-

subjetividade e a educação. São Paulo: Casa do

gia Histórico-cultural vê no brincar um lugar de

Psicólogo, 2014.

emergência do desenvolvimento da criança, sendo que essa ação lúdica é estabelecida de

ROCHA, M. Não brinco mais: A (des)construção

acordo com as relações sociais que esse sujeito

do brincar no cotidiano educacional. 2 ed. Ijuí,

possui.

Rio Grande do Sul: Editora Unijuí, 2005.

54


REVISITANDO A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL: UMA LEITURA PARA A COMPREENSÃO DO BRINCAR

VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1984.

______. História del desarrollo de las funciones psíquicas superiores. In: VYGOTSKI, L. S. Obras escogidas. Tomo III. Madri: Visor/MEC, 1991.

______. La imaginación y el arte en la infância. México: Hispânicas, 1987.

______. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

55


LetĂ­cia Joia de NOIS Marcia Cristina Argenti PEREZ

56


A AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA (LIBRAS) POR ALUNOS SURDOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Bianca Aparecida MEDEIROS Relma Urel Carbone CARNEIRO

Introdução

Atualmente no Brasil, a criança a partir

como um direito essencial à criança, o que leva a

dos quatro anos de idade tem como direito o

uma preocupação em matriculá-la nas institui-

acesso à escolarização, devendo ser atendida e

ções escolares e prover a ela todos os recursos

amparada com uma educação de qualidade que

necessários ao seu pleno desenvolvimento

atenda a todas as suas especificidades. Assim,

enquanto sujeito. Assim, a educação infantil

cabe à escola ofertar a todas as crianças um

deixou ser vista apenas como um espaço para

ensino equânime o que corresponde a ofertar as

cuidado e higienização e sim, como uma etapa

crianças com deficiência, recursos que supram a

necessária para o desenvolvimento infantil.

sua necessidade.

Embora a educação infantil não seja uma etapa

Desse modo, a educação infantil é vista

57

preparatória para o ensino fundamental é de


extrema valia, pois a criança desenvolverá seus

desprovida de sua língua ou com pouca fluência

conhecimentos culturais, sociais e linguísticos

nela, dessa forma, a comunicação entre profes-

durante essa etapa.

sor-aluno e entre aluno-aluno, é prejudicada. Sendo a língua materna dos surdos, a

Os cuidados ministrados na creche e pré-escola não se reduzem ao atendimento de necessidades físicas das crianças, deixando-as confortáveis em relação ao sono, à fome, à sede e à higiene. Incluem a criação de um ambiente que garanta a segurança física e psicológica delas, que lhes assegure oportunidades de exploração e de construção de sentidos pessoais, que se preocupe com a forma pela qual elas estão se percebendo como sujeitos. (LACERDA, 2014, p.49).

LIBRAS (língua de sinais brasileira), se não adquirida logo nos primeiros anos de vida, pode afetar o desenvolvimento da criança. A língua tem essencial fator na educação infantil, pois é uma das

responsáveis

pela

atividade

psíquica

humana, desempenhando dessa maneira, um De acordo com a Lei nº 9.394/96, a educação básica é obrigatória a partir de quatro anos de idade e inerente a todas as crianças, independentemente de cor, religião ou necessidade especial. Dessa forma, as escolas de educação infantil vêm recebendo uma maior matrícula de crianças com necessidades especiais, com isso devem os professores e a escola enquanto estrutura física, se organizarem para a recepção das crianças público alvo da educação especial (crianças com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação). Em relação a criança surda, há uma grande barreira entre a escola e a criança, pois essa muitas vezes chega a instituição escolar

papel importante para a construção do conhecimento. A tardia aquisição da língua ou a sua não aquisição, compromete o desenvolvimento do indivíduo, podendo acarretar problemas emocionais, sociais e cognitivos. Assim, conforme Brasil (2002), a LIBRAS é reconhecida como meio legal de comunicação e seu ensino é garantido por lei. Porém, mesmo sendo instituída como obrigatória nas redes escolares a língua de sinais ainda não é empregada por todos os professores e equipe gestora da escola devido ao não conhecimento dela e outros fatores. Contudo, a presença de intérpretes ou instrutores de LIBRAS embora seja obrigatória nas escolas, ainda não é uma realidade em todas

58


A AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA (LIBRAS) POR ALUNOS SURDOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

elas. A criança surda tem o direito de ter um

ela, uma fluência em sua própria língua. O profis-

professor instrutor de LIBRAS e um intérprete

sional capacitado para ensinar LIBRAS para os

durante sua trajetória escolar, porém, a deman-

alunos surdos é o instrutor de LIBRAS, ele é o

da de alunos é maior do que o número de profis-

responsável por ensinara língua de sinais para os

sionais formados atuando nessa área. Compre-

alunos surdos e ouvintes. Esse profissional deve

ende-se a educação infantil como fator de essen-

atender os alunos em horários contrários aos de

cial importância para o desenvolvimento das

sua estadia na escola e oferecer a eles um ensino

crianças até cinco anos de idade, dessa forma, as

individualizado.

práticas pedagógicas empregadas nas escolas

Dessa maneira, o ensino da LIBRAS nas

de Educação Infantil devem valorizar a criança, o

escolas de educação infantil deve existir e esse se

seu conhecimento e priorizar o seu desenvolvi-

caracteriza como fator de grande importância,

mento. Dessa maneira, a escola deve ofertar

pois além de oferecer o acesso da criança surda a

condições para que as crianças se expressem,

sua língua materna, conduz a criança ao reco-

fantasiem, brinquem e experienciem diferentes

nhecimento de si como sujeito e possibilita seu

contextos, favorecendo seu desenvolvimento

desenvolvimento global. Do mesmo modo,

físico e psíquico.

professores e equipe gestora devem também

Em relação aos alunos surdos, deve a

utilizar a LIBRAS, a fim de possibilitar um ensino

escola prover a eles o Atendimento Educacional

de qualidade para a criança surda. O ensino da

Especializado (AEE) e um ensino planejado, no

língua de sinais propicia às crianças surdas um

qual sejam pensadas as particularidades deles e

desenvolvimento psicomotor e cognitivo, e às

o desenvolvimento de cada um.

crianças ouvintes conduz a um conhecimento

Embora a grande maioria das crianças

59

cultural.

surdas esteja desde seu nascimento envolvidas

Diante deste contexto nos propusemos a

pela língua oral, cabe a escola e a sua família

realizar uma pesquisa bibliográfica desenvolvida

dispor de meios para que essa tenha maior

a partir de materiais como teses, dissertações,

contato com a sua língua materna, oferecendo a

artigos e livros referentes à temática da aquisição


Bianca Aparecida MEDEIROS Relma Urel Carbone CARNEIRO

da Língua de Sinais Brasileira na Educação Infan-

que não funciona como um ‘decalque’ ou ‘rótulo’

til.

que possa ser colado e utilizado por todos os surdos de todas as sociedades de maneira uniforme e sem influências de uso” (GESSER,

LIBRAS

2009, p.11). No Brasil utilizamos a LIBRAS, reconheci-

As pesquisas realizadas no âmbito da Educação Especial são relativamente recentes

da como língua devido a sua estrutura semântica, fonológica, sintática e morfológica.

no Brasil. Podemos ligar esse fato ao passado histórico do público alvo da Educação Especial, que ao longo do tempo foram vistos de diferentes maneiras pela sociedade. A visão errônea existente contribuiu para que a interação com esses sujeitos fosse algo recente e as pesquisas sobre eles também. Apesar de algumas correntes teóricas considerarem que a surdez não é

Ao descrever os níveis fonológicos e morfológicos da língua americana de sinais, Stoko e apontou três parâmetros que constituem os sinais e nomeou-os: configuração de mão (CM); ponto de articulação (PA) ou locação (L) e movimento (M) [...]. Os linguistas Robbin Battison (1974), Edward S. Klima & Ursulla Bellugi (1979) conduziram estudos mais aprofundados sobre a gramática língua americana de sinais, especificamente sobre os aspectos fonológicos, descrevendo um quarto parâmetro: a orientação da palma da mão (O). (GESSER, 2009, p.13).

uma deficiência, e sim uma diferença linguística, os surdos também foram afetados com a visão errônea da sociedade. A língua de sinais surgiu da necessidade de comunicação entre os sujeitos surdos. Contudo, não são línguas universais, embora exista a concepção de que sejam. Essa é uma visão errônea e recorrente, caracterizada pela ideia de que a língua de sinais é um código. “A língua dos surdos não pode ser considerada universal, dado

Portanto, as línguas de sinais podem ser comparadas às línguas orais devido a sua estrutura. Desse modo, em virtude de sua estrutura semântica, fonológica e morfológica, as línguas de sinais expressam ideias complexas e abstratas, tal como as línguas orais. Atualmente, existe uma maior compreensão acerca da LIBRAS e a importância de sua aprendizagem, embora não tenha sido sempre assim. A educação escolar dos surdos é marcada 60


A AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA (LIBRAS) POR ALUNOS SURDOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

pelo fracasso, desse modo, é imperativo que

Desse modo, muitas vezes, surge por parte da

existam leis que garantam o direito de que o

comunidade ouvinte, uma visão etnocêntrica, a

aluno surdo tenha acesso a um ensino de quali-

qual enxerga a comunidade surda como uma

dade, com o Atendimento Educacional Especiali-

minoria, sendo a língua de sinais vista como

zado. Embora algumas vezes a escola não

língua utilizada somente por um grupo restrito,

contrate intérpretes ou instrutores de LIBRAS

o qual vive em situação de desvantagem social e

para o acompanhamento do aluno, existem leis

os sujeitos que compõem esse grupo vivem

que garantem esse direito, dando o poder ao

limitadamente na sociedade.

aluno e a sua família de recorrer à justiça para

Dessa forma, pode ser visualizada a

que ele tenha uma educação de qualidade e

importância de uma instituição de ensino prepa-

assim, possa trilhar uma trajetória de sucesso

rada a ensinar os alunos desde tenra idade

escolar.

acerca a comunidade surda, sua cultura e a forma de comunicação. Espera-se por uma socie-

O que fracassou na educação dos surdos foram as representações ouvintistas acerca do que é o sujeito surdo, quais são os seus direitos linguísticos e de cidadania, quais são as teorias de aprendizagem que refletem as condições cognitivas dos surdos, quais as epistemologias do professor ouvinte na sua aproximação com os alunos surdos, quais são os mecanismos de participação das comunidades surdas no processo educativo, etc. (SKLIAR, 1998, p.19).

dade em que mesmo sendo majoritariamente ouvinte, haja uma real concepção da surdez, da LIBRAS e que a utilize, assim como na comunidade citada por Ferreira-Brito (1994), a qual descreve a comunidade Urubus-Kaapor do Brasil, como um local em que a língua de sinais é utilizada

O fracasso escolar do surdo, segundo Skliar, ocorreu devido à falta de acesso deles à sua língua e ao processo demorado de identificação com outros surdos. Assim, a comunidade ouvinte, não integrada à cultura surda, não interage com ela, e essa por sua vez, tem pouco contato para com a sua própria comunidade.

61

também, mesmo com a maioria da população sendo ouvinte. As escolas de educação infantil têm papel fundamental no ensino da LIBRAS para as crianças surdas, pois muitas vezes esses alunos chegam a escola sem a aquisição de uma língua. Dessa forma, quando comparados aos alunos


Bianca Aparecida MEDEIROS Relma Urel Carbone CARNEIRO

ouvintes, ficam em condição de desvantagem, pois possuem menor número de conceitos e conhecimentos adquiridos.

LIBRAS na família da criança. Do mesmo modo, é necessário que exista na escola uma parceria entre o professor e o instrutor de LIBRAS (caso a criança tenha o

Apesar de controvérsias, parece haver consenso de que a educação infantil constitui uma esfera social indispensável para o desenvolvimento das crianças e deve ser expandida de forma a atender a uma grande parte da população para a qual ainda é inacessível. No caso da educação de surdos, acrescentam-se necessidades que devem ser atendidas nas instituições – a de oferecer oportunidades para que a criança se torne bilíngue, esteja em interação com pares em sua língua e tenha contato com a comunidade surda, podendo se reconhecer como pertencente a ela e reconhecer aspectos pertencentes à surdez. Esse é um desafio especialmente difícil na realidade atual, que vem buscando caminhos para a educação inclusiva. (LACERDA, 2014, p.50).

acompanhamento de um), com o intuito de que ambos trabalhem objetivando o desenvolvimento do aluno, realizando o planejamento das aulas pensando nas especificidades desse aluno. A parceria desses profissionais favorece o aprendizado e a participação do aluno surdo nas diversas atividades realizadas na escola. A relação das crianças surdas para com os instrutores de LIBRAS é essencial, pois traz a elas, muitas vezes, o seu primeiro contato com a sua

Assim, a educação para crianças surdas

língua materna. Desse modo, tanto em âmbito

exige do professor um estudo, o conhecimento-

familiar, quanto em escolar, esse profissional

de seus alunos e elaboração prévia de suas aulas.

exerce forte influência.

Muitas vezes a educação escolar desses

A possibilidade de comunicação é um

alunos é vista como utopia, porém, embora seja

fenômeno inerente ao homem e tão complexa

difícil, é possível de ser realizada, para tanto, é

quanto ele. Ela foi desenvolvida naturalmente

necessário que a escola tenha uma parceria com

pelo ser humano e evoluiu juntamente com ele,

a família, a fim de que esta auxilie no ensino da

sendo caracterizada como um fato social.

criança surda, aprendendo e ensinando a ela a

Porém, apesar de ser algo próprio do ser

LIBRAS, visto que há maior número de crianças

humano, a comunicação oral não nasceu tal

surdas filhas de pais ouvintes e desse modo, não

como a conhecemos hoje. Sua evolução cami-

existem ou existem poucos interlocutores de

nhou juntamente com o homem, e desse modo,

62


A AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA (LIBRAS) POR ALUNOS SURDOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

segundo Leontiev (1978), a comunicação nasceu através de gestos, esses que evoluíram para sons e posteriormente resultaram na fala. O processo da fala surgiu com a espécie Homosapiens, sendo que somente ocorreu devido a necessida-

versões inusitadas e criativas da realidade. [...] Podemos reorganizar verbalmente situações que, em si mesmas, resistiriam à reorganização. [...] podemos isolar características que, na realidade, não podem ser isoladas. [...] podemos justapor objetos e eventos muito separados no tempo e no espaço. [...] podemos, se quisermos, simbolicamente virar do avesso o universo.

de de trabalho do homem. “Assim, o aparecimento e o desenvolvimento do trabalho modifi-

Desse modo pode-se perceber a tama-

caram a aparência física do homem bem como a

nha importância da língua e o quanto a sua não

sua organização anatômica e fisiológica.” (LEON-

aquisição pode comprometer severamente o

TIEV, 1978, p.73).

desenvolvimento de um indivíduo. Casos de

Segundo Quadros e Karnopp (2004), a

crianças que não foram socializadas em tenra

língua tem extrema importância e se constitui

idade são exemplos de que a aquisição da língua

como um dos principais elementos para o

é um dos componentes do desenvolvimento

desenvolvimento do ser humano. Ela permite a

humano e de que a sua não aprendizagem pode

interação entre os sujeitos, a reconstrução de

afetar o seu desenvolvimento cognitivo, assim,

conhecimentos e pensamentos, além de possibi-

para que seja inserida em sociedade, a criança

litar o desenvolvimento de habilidades cogniti-

necessita adquirir uma língua logo em seus

vas. Para Joseph Church (1961, apud SACKS,

primeiros anos de vida.

2010, p.45),

A área responsável pelo estudo das línguas é a linguística. É ela quem estuda as

A língua transforma a experiência. [...] o aprendizado da língua transforma o indivíduo de tal modo que ele é capaz de fazer coisas novas para si mesmo ou coisas antigas de maneiras novas. A língua permite-nos lidar com coisas à distância, agir sobre elas sem manuseá-las fisicamente. Primeiro, podemos agir sobre outras pessoas, ou sobre objetos por meio de pessoas. [...] Segundo, podemos manipular símbolos de modo que seriam impossíveis com as coisas que eles representam e, assim, chegar a

63

línguas naturais humanas, tendo em vista que a língua é o resultado da prática social. Propriamente, a linguística se preocupa com a análise das características da linguagem humana e da comunicação. Assim, a linguística ao estudar a linguagem humana engloba não só as línguas


Bianca Aparecida MEDEIROS Relma Urel Carbone CARNEIRO

faladas como também as línguas sinalizadas,

sua fala passa a desempenhar importante

pois são também línguas naturais.

função em seu desenvolvimento. Segundo

Dessa forma, torna-se importante concei-

Vygotsky (1934), o desenvolvimento da lingua-

tuar linguagem, língua e fala, pois embora sejam

gem é essencial, pois há uma interdependência

empregados cotidianamente para designar um

entre ela e o pensamento, assim a linguagem

mesmo fato, tais termos tem caráter diferentes,

possui um papel essencial na formação do pen-

assim, segundo Terra (1997) a linguagem é todo

samento e caráter do indivíduo.

o sistema o qual permite que exerçamos atos de

Da mesma forma, segundo Vygotski

comunicação, dessa forma a linguagem pode ser

(1997), a linguagem se caracteriza enquanto um

dividida em verbal como a exercida através de

instrumento psicológico, o qual ele descreve

palavras e em não-verbal, aquela que não utiliza

como sendo criações artificiais como os núme-

palavras.

ros, a escrita, as obras de arte, os dispositivos

Porém, independentemente se o sujeito

mnemotécnicos, os desenhos etc.

se apropria de uma língua verbal ou não, essa representa para ele um bem porque: Em primeiro lugar ela é útil e vantajosa ao homem. Esse primeiro aspecto é inquestionável, pois a língua que falamos é nosso principal veículo de comunicação e não conseguimos viver em sociedade sem nos comunicar. E, como vivemos em sociedade, ela, além de útil e vantajosa, é necessária à nossa existência. (TERRA, 1997, p.09, grifo do autor).

modifica globalmente a evolução e a estrutura das funções psíquicas, e suas propriedades determinam a configuração do novo ato instrumental do mesmo modo que o instrumento técnico modifica o processo de adaptação natural e determina a forma das operações laborais. (VYGOTSKI, 1997, p.63).

Desse modo, ao ter a aquisição da linguagem (sendo ela oral ou sinalizada), a criança tem o seu psiquismo alterado.

A criança adquire a sua língua materna em contato com outros sujeitos desde tenra idade, sendo que essa aquisição é dada de forma não intencional pela sociedade. Com o tempo o vocabulário da criança torna-se mais extenso e a

Assim como com as crianças ouvintes, as crianças surdas também aprenderão a sua língua estando em contato com ela. “Essa aquisição ocorre de forma natural e real somente se o interlocutor se preocupar, antes de mais nada em se 64


A AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA (LIBRAS) POR ALUNOS SURDOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

comunicar com o surdo de forma fluida e desin-

dormitórios.

teressada.” (MOURA, 2014, p.24). Desse modo, o

Na França, segundo Guesser (2009), Char-

sujeito surdo desenvolverá a sua língua e virá a

les-Michel sistematizou no século XVIII esse

construir a sua identidade.

método de comunicação já existente para que as crianças surdas pudessem ser alfabetizadas. A

È pela linguagem que o indivíduo estabelece sua identidade e se configura como único nas suas particularidades. È pela linguagem que ele pode compreender o mundo à sua volta e estabelecer relações de causa-efeito, de temporalidade, de espaço, etc. para construir seu próprio universo e poder estar no mundo com os outros que o representarão a partir do que eles percebem dele. E a partir do que os outros percebem dele, o indivíduo reconstruirá o seu próprio processo de identidade, realizando-se enquanto sujeito social e da linguagem. (MOURA, 2014, p.20).

língua de sinais francesa chegou ao Brasil em 1855, quando HernestHuet, um surdo francês, veio para o Brasil a convite de Dom Pedro II para desenvolver no país o ensino da língua de sinais para as crianças surdas que eram então, consideradas incapazes de serem educadas. A Língua de Sinais Brasileira (LIBRAS), a exemplo do que aconteceu mundialmente

Desse modo, com a aquisição de uma

sofreu inúmeros preconceitos, ligado ao fato de

língua a criança surda poderá se reconhecer

que por muito tempo os surdos eram considera-

enquanto um sujeito participante da sociedade

dos sujeitos amaldiçoados e assim, os usuários

e apto a atuar nela.

de LIBRAS eram mal vistos na sociedade. Dessa

Em relação a língua de sinais, essas surgiram da necessidade de comunicação entre os

tentando extinguir as língua de sinais.

sujeitos surdos e assim como as línguas orais não

Quanto ao seu ensino escolar, houve uma

se pode saber ao certo onde surgiram as línguas

corrente que incentivava a oralização dos surdos

de sinais das comunidades surdas, sabe-se,

e assim, os privavam de aprender a sua língua

porém, que os colégios e internatos colaboraram

materna, tentando oralizá-los, controlavam seus

para a propagação e aprendizagem das línguas

braços para impedir seus gestos e incentivar sua

de sinais, pois apesar de serem proibidos, os

aprendizagem verbal.

alunos as usavam para se comunicarem nos

65

forma, por vários anos houveram movimentos

Porém, as propostas de educação de


Bianca Aparecida MEDEIROS Relma Urel Carbone CARNEIRO

surdos tiveram ao longo dos anos grandes

sinais.

mudanças, tendo como intuito, atender as

A primeira falsa concepção segundo

necessidades desse público. A década de 1990 se

Quadros e Karnopp (2004), decorre de que a

caracterizou como uma década de conquista,

LIBRAS é incapaz de expressar conceitos abstra-

por ter lançado a política de Educação para

tos. Essa se caracteriza por ser um mito recorren-

Todos com a proposta de Inclusão Escolar, ideia a

te em vários países, porém, as línguas de sinais

qual foi introduzida pela Declaração de Salaman-

apresentam uma complexidade e riqueza de

ca. Nessa mesma década foi promulgada a Lei de

elementos que possibilitam a discussão de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96

quaisquer conceitos, assim, conteúdos concretos

(BRASIL, 1996), a qual garante o ensino de

e abstratos podem ser discutidos através das

LIBRAS para os surdos durante toda a etapa da

línguas de sinais. A segunda falsa concepção, apesar de

educação básica. Sendo a Lei de Diretrizes e Bases a lei

ultrapassada, faz-se pertencente ao senso

geral da educação e a mais importante referente

comum. Acredita-se que existe uma língua de

a ela, a partir do seu artigo referente a Educação

sinais universal, dessa forma, uma mesma língua

Especial, foi feito o Decreto 5.296/2004 (BRASIL,

de sinais seria usada por todas as pessoas surdas.

2004) o qual regulamenta as leis de acessibilida-

Porém, tais como as línguas faladas, as línguas de

de para os sujeitos com surdez. Porém, apesar da

sinais

existência de tais leis, muitas vezes elas não são

próprias, assim, existem sinais que variam de

colocadas em prática pelas instituições ou são

região para região e consequentemente, de país

desconhecidas pela sociedade.

para país.

também

apresentam

características

Devido a existência das leis, atualmente a

Outra concepção pertencente ao senso

LIBRAS é mais aceita e há menos preconceito em

comum é o de que a língua de sinais seria inferior

relação aos seus usuários, contudo, devido a falta

às línguas orais, porém, tais como as línguas

de informações acerca a LIBRAS, ainda impera na

orais, as línguas de sinais apresentam as mesmas

sociedade falsas concepções acerca da língua de

características, ou seja, as línguas de sinais apre-

66


A AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA (LIBRAS) POR ALUNOS SURDOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

67

sentam semântica, gramática e também fazem a

o uso de somente uma mão são realizados com a

flexão do verbo.

mão dominante do sujeito. Conforme estudos

Apesar de existirem essas falsas concep-

realizados por Ferreira-Brito (1993), a língua de

ções acerca a LIBRAS, o seu ensino é obrigatório

sinais possui 46 configurações de mão, sendo

pela lei no. 5.626/2005 para alunos surdos. Desse

que esses têm pequenas variações de acordo

modo, é dever das escolas contratar intérpretes

com a região do país.

de LIBRAS einstrutor de LIBRAS, sendo que o

Nas línguas de sinais, o movimento é,

intérprete é o responsável por interpretar a aula

segundo os linguistas, um parâmetro complexo,

para o aluno que já domina a sua língua e o

pois envolve os movimentos da mão, do pulso e

instrutor é o responsável por ensinar a LIBRAS

os movimentos direcionais no espaço. Vários

para o aluno que ainda não a domina.

pesquisadores estudaram sobre o movimento

No entanto, a LIBRAS possui uma estrutu-

dos sinais da LIBRAS e concluíram que eles

ra linguística tão complexa quanto a língua oral,

variam quanto ao seu tipo, forma, frequência e

dessa forma, o ensino da LIBRAS para o aluno

direção.

surdo, é tão difícil quanto o ensino do português

Atualmente existem cursos de formação

para o aluno ouvinte. A aquisição da língua é

em LIBRAS, os quais existem com variados obje-

realizada em um longo processo.

tivos: há cursos que objetivam ensinar o básico

Na LIBRAS, os sinais são articulados pelas

da língua de sinais brasileira, cursos com carga

mãos, porém, como em outras línguas de sinais,

horária maior e cursos com ensino avançado, os

os articuladores primários são as mãos mas

quais permitem que os sujeitos aprofundem

também se faz o uso da expressão facial e do

seus conhecimentos na língua de sinais e

corpo. Segundo Quadros e Karnopp (2004), um

possam se formar como intérpretes e instrutores

sinal pode ser articulado tanto com a mão direita

de LIBRAS.

quanto com a mão esquerda, dependendo se o

A certificação de intérpretes e instrutores

sujeito for destro ou canhoto, a mudança não é

de LIBRAS era dada até o ano de 2015 através do

distintiva, desse modo, sinais que são feitos com

Prolibras (Exame Nacional para Certificação de


Bianca Aparecida MEDEIROS Relma Urel Carbone CARNEIRO

Proficiência no uso e no ensino de LIBRAS e para

e aulas em contraturno, para que assim, as crian-

Certificação de Proficiência na tradução e inter-

ças tenham um bom desenvolvimento escolar e

pretação de LIBRAS/Português/LIBRAS) o qual

uma noção básica de sua língua materna.

certificava os sujeitos que já tinham fluência em

Sendo a escola o ambiente no qual o

LIBRAS para que eles atuassem como intérpretes

aluno passa a maior parte de seu tempo, essa

e instrutores. O exame era realizado em duas

deve propiciar aos alunos profundas experiên-

etapas, sendo a primeira constituída por ques-

cias, laços afetivos e sentimentos de pertenci-

tões objetivas sobre LIBRAS e a segunda se cons-

mento para que assim, exista o real desenvolvi-

tituindo em uma prova prática.

mento e aprendizagem. Assim, a linguagem utili-

É importante ressaltar que todos os

zada na escola deve contemplar todos os alunos,

cursos de licenciaturas e os cursos de fonoaudio-

para que esses se sintam acolhidos no âmbito

logia obrigatoriamente acrescentaram em seus

escolar. Dessa forma, a LIBRAS se ensinada na

currículos a disciplina de LIBRAS, a qual objetiva

educação infantil para todo o alunado permitiria

ensinar ao aluno uma noção básica acerca a

à criança surda adquirir a sua língua materna,

língua de sinais e suas características, assim

bem como a sua cultura, desenvolver-se e intera-

como a sua importância, para que assim, os

gir para com seus pares e com os sujeitos ouvin-

alunos quando formados, saibam lidar com a

tes. Da mesma forma, o ensino da LIBRAS permi-

comunidade surda.

tiria as crianças ouvintes a descoberta de um

Contudo, apesar da existência desses

novo mundo cultural e um trabalho corporal

cursos, o número de profissionais formados em

diferenciado, o qual utiliza movimentos corpo-

LIBRAS ainda é baixo, o que prejudica a comuni-

rais e faciais.

dade surda. Dessa forma, muitas escolas não

Contudo, apesar de a LIBRAS não estar

possuem a presença dos profissionais habilita-

presente nos currículos da educação infantil e

dos para transmitir o ensino da língua de sinais e

apesar de ser um ensino obrigatório para os

assim, para ensinar as crianças buscam ofertar

alunos surdos, não é uma realidade em muitas

recursos visuais, manuais de LIBRAS, dicionários

escolas, desse modo, se faz necessário uma

68


A AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA (LIBRAS) POR ALUNOS SURDOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

maior difusão da língua de sinais brasileira para que a população a conheça e reconheça a sua importância.

PRÁTICAS INCLUSIVAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

A Educação Inclusiva é o movimento o qual defende o compromisso de a escola educar todos os estudantes, não importando as suas especificidades, buscando ofertar a eles, um ensino de qualidade e que os desenvolva em suas máximas capacidades. Segundo Mazotta (1996), a implementação da inclusão tem como pressuposto um modelo no qual cada criança é importante para garantir a riqueza do conjunto, sendo desejável que na classe regular estejam presentes todos os tipos de aluno, de tal forma que a escola seja criativa no sentido de buscar soluções visando manter os diversos alunos no espaço escolar, levando-os a obtenção de resultados satisfatórios em seu desempenho acadêmico e social. Por tudo isso, a inclusão implica uma mudança de perspectiva educacional, pois não atinge apenas alunos com deficiência e os que apresentam dificuldades de aprender, mas todos os demais, para que

69

obtenham sucesso na corrente educativa geral. (MANTOAN, 2003, p.16).

Dessa forma, o Brasil assumiu amplamente o compromisso para com a Educação Inclusiva ao criar políticas para uma educação igualitária e acessível a todos. Assim, esse paradigma tem grande impacto nas instituições escolares, pois segundo Mantoan (2003), cabe as escolas atender todos os alunos sem discriminá-los, sem trabalhar à parte com alguns e sem ter regras fixas para se planejar. Em relação a inserção do aluno surdo em sala de aula, há sempre a barreira linguística a qual limita e dificulta a construção de conhecimentos e interação com os educadores, colegas e equipe escolar. Contudo, cabe ao educador buscar a formação em serviço para a construção de seus conhecimentos, buscar o apoio do AEE, caso não tenha e buscar ofertar o ensino da LIBRAS para os demais alunos, para que esses possam se comunicar com o aluno surdo e assim, romper as barreiras linguísticas acarretando em uma aprendizagem cultural. A literatura tem mostrado que a língua de sinais quando ensinada desde tenra idade com um ensino contínuo e de qualidade auxilia na


Bianca Aparecida MEDEIROS Relma Urel Carbone CARNEIRO

aprendizagem e formação escolar dos alunos

Dessa forma, a LIBRAS quando ofertada

não ouvintes e ouvintes, os capacitando para a

em âmbito escolar desde a primeira infância

vivência em sociedade e experiências profissio-

permite a criança surda a apropriação de sua

nais.

língua e de sua cultura. Segundo MARQUES; A língua de sinais é a língua que a criança

BARROCO e SILVA. (2013) em uma experiência

surda utiliza para fazer suas operações mentais,

com uma criança surda em um Centro de Educa-

se comunica e compreende o mundo o qual lhe

ção Infantil, houve a percepção de que quando a

cerca. Dessa forma, ela permite que a criança

criança surda tem a sua língua considerada em

surda construa o seu conhecimento, aprendiza-

âmbito escolar, há o aumento de seu uso na sua

gem e se relacione com o mundo. Portanto, sua

comunicação do mesmo modo, que as crianças

presença é indispensável em todas as modalida-

ouvintes utilizam a LIBRAS para se comunicarem

des da educaçãobásica e deve estar incluída

também, tanto entre si quanto com a criança

desde a matrícula da criança surda na educação

surda. Dessa forma, pode ser visto que o ensino

infantil para que ela possa aprender a sua língua

da LIBRAS na Educação Infantil é algo prazeroso,

materna e poder se desenvolver plenamente da

e permite às crianças ouvintes se apropriarem de

mesma forma que os demais alunos. Segundo

um conhecimento linguístico e cultural e às

MARQUES; BARROCO e SILVA. (2013, p.506):

crianças surdas, de sua língua e cultura. Com isso, pode se considerar que para as

A inserção desse ensino permitiria à criança surda multiplicar o número de interlocutores, passando a ter acesso a trocas linguísticas efetivas com seus pares, enquanto para as crianças ouvintes um novo mundo pode se descortinar, dando-lhes o acesso a um universo cultural até então desconhecido, além de um trabalho corporal diferenciado do existente nesse ensino. Isso significa que com esse ensino as crianças podem se interessar por uma linguagem que emprega recursos como movimento e expressões corporais e faciais, pois estas crianças se encontram em fase de descoberta do mundo e de como podem nele se situar e sobre ele agir.

crianças ouvintes o ensino da LIBRAS é visto como um “jogo”, pois permite a elas imaginar-se enquanto surdos e então utilizar-se de uma outra comunicação que não a sua. Para Leontiev (2006), o brinquedo é a atividade principal da criança pré-escolar, sendo assim, por meio do brinquedo a criança pode realizar atividades que lhe seriam impossíveis no mundo real.

70


A AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA (LIBRAS) POR ALUNOS SURDOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

De acordo com a pesquisa realizada por

mento e rendimento escolar.

MARQUES; BARROCO e SILVA. (2013), é possível

Sendo assim, o ensino da língua de sinais

perceber que as crianças ouvintes compreende-

é essencial na educação infantil, pois permite às

ram a LIBRAS como uma língua, contudo, esse

crianças surdas o desenvolvimento cognitivo e

ensino foi levado como uma brincadeira, consi-

psicomotor. Para as crianças ouvintes, a LIBRAS

derando a fase de desenvolvimento das crianças,

tem a mesma importância, porém, inclui-se o

porém, tal fato não desfavoreceu a aprendiza-

fato de o seu aprendizado ser socialmente útil.

gem das crianças, somente a auxiliou.

Embora se saiba da importância desse ensino, ele não está presente no currículo da educação

Juntamente com a comunicação oral [as crianças ouvintes] se comunicavam também pela Libras. Os sinais empregados por elas podem ser entendidos como “balbucios em sinais”, o que nos indicou certo interesse e envolvimento com a Libras e revelou indicativo de desenvolvimento: houve aprendizagem do ensinado, bem como uso adequado seja na forma, seja no contexto em que foi empregada. (MARQUES; BARROCO e SILVA. 2013, p.515).

infantil, mesmo que tenha uma criança surda matriculada na instituição escolar. Assim, justifica-se a necessidade do ensino de LIBRAS para que exista instituições escolares inclusivas de fato, nas quais através desse ensino crianças surdas e ouvintes, possam interagir e se desen-

Quando há o ensino da LIBRAS nas instituições de educação infantil, as crianças surdas também aprendem por meio do brincar e da interação com o meio e com as pessoas em seu redor. Assim, o ensino da LIBRAS nas instituições de educação infantil permite a criança surda a apropriação de sua língua e dessa forma é possibilitada a sua entrada no Ensino Fundamental com a aquisição dos primeiros conceitos de escrita em língua portuguesa e matemática, impedindo assim, o seu atraso no desenvolvi71

volver concomitantemente. Construir uma escola inclusiva é uma questão complexa, pois não se trata apenas de criar e facilitar condições de acesso à educação. É necessário buscar formas e medidas para que cada criança de acordo com a sua especificidade se sinta acolhida em sala de aula e tenha condições para se desenvolver e aprender. Sabe-se que na educação infantil, a roda de história acontece diariamente, sendo um elemento importante para o desenvolvimento


Bianca Aparecida MEDEIROS Relma Urel Carbone CARNEIRO

cognitivo e emocional das crianças, desse modo,

alfabetização de crianças surdas, pois permite a

a diferença linguística pode aparecer como um

acessibilidade e, sendo assim, é um instrumento

fator importante. Com o apoio da escola, com o

rico que pode ser utilizado em sala de aula, não

incentivo do professor e do intérprete de LIBRAS,

somente com a alfabetização, como também

podem ser realizados livros em que são contadas

com qualquer área do conhecimento e nível

histórias em LIBRAS. Da mesma forma em que o

escolar. Contudo, tal recurso apresenta a desvan-

professor pode optar por utilizar livros os quais já

tagem de ser trabalhoso, pois exige muitas horas

possuem a tradução em LIBRAS, como das edito-

de trabalho do professor e intérprete de LIBRAS,

ras Arara Azul e Ciranda Cultural. Tais materiais

o que impede que ocorra a produção excessiva

foram utilizados na pesquisa de Basso (2012)

desse material. Dessa forma, apesar de eficiente,

para a alfabetização de crianças surdas.

ao ser adotado cabe a escola, professores e intér-

Dessa forma, segundo Basso (2012) as

pretes terem o compromisso de desenvolvê-lo

histórias tem fundamental importância para o

com qualidade ao seu aluno, visando ofertar a

ensino, pois as crianças traduzem suas experiên-

criança acessibilidade, um ensino de qualidade e

cias, adquirem aprendizagens, exprimem seus

o acesso a sua própria cultura.

desejos, ativam a imaginação e além disso,

É importante ressaltar que quando ofer-

começam a ter contato com a sociedade letrada,

tada a LIBRAS para criança surda desde a Educa-

desse modo, deve-se haver a criação de mate-

ção Infantil, é ofertada a ela os primeiros passos

riais traduzidos para LIBRAS para a contação de

rumo a construção de um sentimento de perten-

históriaspara crianças surdas, para que essas

cimento e reconhecimento do ambiente escolar

também tenham as mesmas condições de

quanto um âmbito prazeroso e repleto de

desenvolvimento que as crianças ouvintes.

conhecimento. O ensino das crianças surdas

Com isso, o ensino da LIBRAS na educa-

deve ser um ensino pautado pelo acolhimento

ção infantil pode ser ofertado de variadas manei-

as crianças, compreensão a sua diferença, plane-

ras. Segundo a pesquisa de Basso (2012), o vídeo

jamento e constante formação em serviço. Cabe

mostrou-se como uma ferramenta eficaz para a

ao professor, compreender a importância de seu

72


A AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA (LIBRAS) POR ALUNOS SURDOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

papel e se engajar em relação ao ensino de seu

buscar o melhor ensino ao seu aluno, compreen-

alunado, buscando um ensino efetivo.

dendo que esse possui as mesmas capacidades

Dessa forma, MARQUES; BARROCO e SILVA (2013) afirma que a aquisição da LIBRAS

cognitivas que os demais, apenas com uma diferença linguística a qual deve ser valorizada.

pela criança surda é essencial para que ela alcan-

Portanto, de acordo com a pesquisa de

ce o patamar mais alto no nível de desenvolvi-

MARQUES; BARROCO e SILVA. (2013), compreen-

mento. Mas para tanto é necessário que os

de-se que a LIBRAS quando inserida na educa-

professores da educação infantil conheçam não

ção infantil provê benefícios não só as crianças

só a LIBRAS como também as características da

surdas, como também as crianças ouvintes,

surdez.

sendo assim, um ensino socialmente útil. AfirmaSegundo Machado et al. (2015) cabe ao

-se nessa pesquisa, a necessidade da existência

professor da educação infantil ter conhecimen-

desse ensino desde a educação infantil o qual

tos para trabalhar com crianças surdas, bem

conduz o aluno surdo ao seu grau mais elevado

como elaborar um planejamento curricular para

de desenvolvimento. Para tanto, como mostrado

seus alunos, levando em conta suas especificida-

por Basso (2012), cabe ao professor sempre reno-

des. Cabe também ao professor orientar o voca-

var os seus conhecimentos e buscar novos mate-

bulário da criança como também, buscar expan-

riais pedagógicos, os quais alguns já são produzi-

di-lo. O professor deve estar sempre em contato

dos atualmente.

com a família da criança, buscando ofertar a ela caso não saiba, orientações acerca língua de

73

CONSIDERAÇÕES FINAIS

sinais. E, por último, segundo Machado et al

Com os apontamentos da pesquisa,

(2015), cabe ao professor, ter o conhecimento

pode-se perceber que a educação de surdos

acerca a contação de histórias em LIBRAS,

evoluiu ao longo dos anos perpassando desde a

elemento fundamental da educação infantil.

sua não existência ao reconhecimento de sua

Dessa forma, cabe ao professor sempre

língua. Assim, houveram diferentes propostas na

estar renovando os seus conhecimentos, a fim de

educação de surdos tendo atualmente a aceita-


Bianca Aparecida MEDEIROS Relma Urel Carbone CARNEIRO

ção de que a LIBRAS é fundamental para o

Libras. Diário Oficial de União: República Fede-

desenvolvimento da criança surda.

rativa do Brasil, Brasília, DF, 25 abr. 2002. Disponí-

Entende-se que a escola é um dos princi-

vel

em:

<http://www.planalto.gov.br/cci-

pais âmbitos de constituição do indivíduo e cabe

vil_03/leis/2002/l10436.htm>. Acesso em: 24

a ela fornecer um espaço para que o aluno surdo

maio 2017.

desenvolva um sentimento de valorização e pertencimento a instituição. Dessa forma, para a

BRASIL. Lei nº12.319 de 1 de setembro de 2010.

real construção de um espaço escolar que inclua

Dispõe sobre o tradutor e interprete da língua

a todos os alunos, principalmente o aluno surdo,

brasileira de sinais- Libras.

cabe a escola a percepção de que é necessário uma mudança em sua estrutura física e organiza-

BRASIL. Lei nº9394/96 de 20 de dezembro de

cional. Assim, cabe a ela oferecer cursos aos seus

1996. Estabelece as diretrizes e bases da edu-

professores e funcionários, para que esses este-

cação nacional.

jam preparados para a recepção do aluno surdo. Nesse contexto, a oferta da LIBRAS deve existir desde a educação infantil, pois além de

GESSER, A. Libras, que língua é essa? São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

permitir a criança surda ter contato com a sua língua, cultura e ter seu desenvolvimento e

INEP. Prolibras – Programa Nacional para a Certi-

aprendizagem equânime aos demais alunos,

ficação de Proficiência no Uso e Ensino da Língua

permite às crianças ouvintes, o acesso a um

Brasileira de Sinais - Libras e para a Certificação

universo cultural novo, tendo assim, um conheci-

de Proficiência em Tradução e Interpretação

mento socialmente útil.

da Libras/Língua PortuguesaDisponível em:

REFERÊNCIAS

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LACERDA, C. B. F. de. Interprete de Libras em

74


A AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA (LIBRAS) POR ALUNOS SURDOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

atuação na educação infantil e no ensino

especialização lato sensu em atendimento

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Bianca Aparecida MEDEIROS Relma Urel Carbone CARNEIRO

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76


A DANÇA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA HISTÓRICOCULTURAL Natália Mazzili DIAS Suselaine Aparecida Zaniolo MASCIOLI

Introdução

O presente estudo tem como tema o ensino de dança no ambiente escolar, para crianças da Educação Infantil. A temática surge do nosso interesse pela dança, e principalmente pela compreensão da dança enquanto linguagem infantil e recurso lúdico que favorece o desenvolvimento das crianças de 3 a 6 anos. A proposta consiste em analisar as implicações e a necessidade do trabalho com dança

77

para as crianças da Educação Infantil, com base

as professoras possuem e de que forma este

na Teoria Histórico-Cultural, na qual os principais

assunto esteve em sua formação.

autores são Vigotski, Luria e Leontiev. A referida

Portanto, este trabalho tem por objetivo

Teoria possui como traço principal a compreen-

estabelecer relações entre a dança e a Educação

são de que o ser humano apenas constitui sua

Infantil baseado na perspectiva Histórico-cultu-

humanidade através das relações que estabele-

ral, de forma a refletir sobre o papel da dança na

ce, ou seja, a criança se desenvolve psiquicamen-

escola e as concepções que as professoras

te por meio de estímulos e mediações advindos

possuem acerca deste ensino. Trata-se de uma

do adulto e dos objetos presente em seu entor-

pesquisa de cunho qualitativo, na qual foi reali-

no.

zado um levantamento bibliográfico em base de Buscamos, por meio de entrevistas semi-

dados e acervo sobre a temática e, em seguida,

-estruturadas, investigar como se realiza o traba-

uma pesquisa empírica junto aos professores da

lho com a dança na Educação Infantil atualmen-

Educação infantil da Rede municipal de Arara-

te, quais são as concepções acerca da dança que

quara.


se consolida a sua plena humanização.

Fundamentação teórica

A Teoria Histórico-Cultural teve origem a partir dos estudos de Lev Semenovich Vigotski (1896 - 1934), e possuiu como objetivo investigar

Podemos dizer que cada indivíduo aprende a ser um homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana. (LEONTIEV, 2004, p. 267)

compreender o desenvolvimento psíquico do indivíduo, levando em consideração o papel protagonista da mediação social, isto é, das relações que o indivíduo estabelece com os outros seres humanos e os objetos pertencentes

Segundo a Teoria Histórico-Cultural, cada indivíduo vem ao mundo apenas com o aparato biológico necessário ao seu desenvolvimento, isto é, com potencialidade para se inserir no mundo humano. Esse aparato é absolutamente indispensável para o sujeito, mas não lhe garante humanidade, por si só, uma vez que a efetiva depende

intimamente

gem, restrita ao ser humano e desenvolvida através dos séculos, a partir da necessidade imposta pelo trabalho em grupo que, segundo Leontiev (2004), permite aos sujeitos transmitir os conhe-

ao ambiente no qual está inserido.

humanização

É principalmente a capacidade de lingua-

das

relações sociais que esse indivíduo terá disponível. Apenas através dos outros, isto é, dos adultos ao redor e da sua mediação é que se desenvolverão habilidades sociais e psíquicas superiores - percepção, memória, imaginação, atenção, concentração, por exemplo - da criança, e nisto

cimentos adquiridos ao longo de toda a história da humanidade para as novas gerações. Portanto, cada indivíduo que se insere na sociedade tem a possibilidade de se apropriar de todas as conquistas anteriores, tanto em matéria de conhecimento quanto em uso de objetos e de regras sociais, sem que haja a necessidade de reinventá-las. Cada geração humana plasma suas experiências, seus conhecimentos, suas aptidões e suas qualidades psíquicas no produto de seu trabalho. Esse produto pode ser material (objetos que nos rodeiam, casas, máquinas) ou espiritual (a linguagem, a ciência, as artes). Cada nova geração recebe tudo que foi elaborado pela anterior; ao vir ao mundo ‘se impregna’ do realizado até então pela humanidade. As crianças assimilam esse mundo, a cultura humana, assimilam pouco a pouco as experiências sociais que essa cultu-

78


A DANÇA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

ra contém os conhecimentos, as aptidões e as qualidades psíquicas do homem. É essa a herança social. (MUKHINA, 1996, p. 40).

possível, de modo a promover a aprendizagem e, consequentemente, o desenvolvimento psíquico desses sujeitos.

A partir dessa compreensão, fica eviden-

A principal característica do processo de

te que a criança se forma a partir de sua vivência

apropriação ou 'aquisição' que descrevemos é,

social, seja na família ou espaços mais amplos, e

portanto, criar no homem aptidões novas,

os adultos, portanto, promovem esse trabalho

funções psíquicas novas. É nisto que se diferen-

de socialização do indivíduo, o qual se define por

cia do processo de aprendizagem dos animais.

"educação". O processo educacional não é restri-

Enquanto este último é o resultado de uma

to ao ambiente escolar, pois se manifesta nas

adaptação individual do comportamento gené-

diversas formas de interação da criança com o

rico a condições de existência complexas e

ambiente ao seu redor, e é primordial para o

mutantes, a assimilação do homem é um proces-

desenvolvimento da humanidade, uma vez que

so de reprodução, nas propriedades do indiví-

"o movimento da história só é, portanto, possível

duo, das propriedades e aptidões historicamen-

com a transmissão, às novas gerações, das aqui-

te formadas da espécie humana. (LEONTIEV,

sições da cultura humana, isto é, com educação."

2004, p. 270).

(LEONTIEV, 2004, p. 273).

79

Para promover esta aprendizagem dese-

Entretanto, é na escola que a educação

jável, os mecanismos de educação não devem se

tem o seu papel protagonista, uma vez que se

pautar naquilo que o aluno já conhece, por conta

trata de uma instituição fundada com o único

de seu cotidiano ou interesse natural.

objetivo de promover a educação. O trabalho da

Segundo Mukhina (1996), o cotidiano é o que

educação escolar, portanto, deve ser o de

ocorre de maneira espontânea ao redor da crian-

promover este trabalho de socialização dos indi-

ça, e não o que se propõe a efetivamente promo-

víduos de maneira intencional e planejada, ou

ver o seu desenvolvimento. Tendo isto em vista,

seja, dar a eles o acesso à cultura da sociedade

compreende-se que aquilo que se pauta no

em que estão inseridos da maneira mais ampla

cotidiano é restrito, não alcança o maior nível de


Natália Mazzili DIAS Suselaine Aparecida Zaniolo MASCIOLI

conhecimento produzido pela humanidade.

crianças e promovam a aprendizagem, trazendo

Afim de que o ensino proporcione à criança este

à reboque o desenvolvimento destas crianças.

conhecimento é preciso, portanto, que seja planejado e crítico no que diz sentido à seleção dos conhecimentos que estão além do que é facilmente acessível. De acordo com Vygotski (1988), o ensino deve ser realizado por meio da mediação do

Desse ponto de vista a aprendizagem não é desenvolvimento mas, corretamente organizada, conduz o desenvolvimento mental da criança, suscita para a vida uma série de processos que, fora da aprendizagem, se tornariam inteiramente inviáveis. Assim, a aprendizagem é um momento interiormente indispensável e universal no processo de desenvolvimento de peculiaridades não naturais mas históricas do homem na criança. (VIGOTSKI, 2001, p. 484)

adulto entre a criança e o conhecimento. Esta mediação se executa na área de desenvolvimento potencial. Segundo apontamentos do autor, na área de desenvolvimento potencial estão as habilidades que a criança pode desenvolver com a ajuda de um adulto, isto é, aquilo que ela ainda não realiza sozinha. Quando o conhecimento é apropriado pelo indivíduo, passa a estar no nível de desenvolvimento efetivo, que se caracteriza por tudo aquilo que ele é capaz de realizar sozinho.

A partir da compreensão dos objetivos e responsabilidades da educação escolar, é possível estabelecer os conteúdos a serem trabalhados nesse contexto, levando-se em consideração, evidentemente, as diferentes etapas de desenvolvimento. O período da Educação infantil, o qual abrange crianças de 0 a 6 anos, é o período em que começam a se consolidar as funções psicológicas superiores, como a atenção, a percepção e a imaginação. O objetivo desta

É através da mediação que habilidades que antes estavam na área de desenvolvimento potencial se solidificam enquanto componentes da área de desenvolvimento efetivo. Isso indica, portanto, que a educação escolar tem o papel de mediar a relação entre o indivíduo e o conhecimento, oferecendo atividades que desafiem as

etapa da educação escolar é, portanto, promover atividades que provoquem este desenvolvimento. Neste cenário, destaca-se o lúdico e o brincar como ferramentas a serem utilizadas na consolidação deste ensino que busca ser sistemático, planejado e intencional. Dentre as diver-

80


A DANÇA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

sas possibilidades do "brincar", estão os jogos de movimento e os jogos com regra, os quais são indispensáveis para um desenvolvimento global das crianças em Educação infantil, "pois, neles também se formam níveis mais elevados de percepção, memória, imaginação, processos psicomotores, processos verbais, elaboração de ideias e de sentimentos etc." (MARTINS, 2013). De acordo com Vigotski (2001), a imaginação desenvolve-se a partir das experiências de vida da criança, ou seja, é preciso que haja a apropriação de todo um repertório cultural para que o sujeito possa criar. É nisto que se insere a necessidade da dança na Educação Infantil: esta faz parte desse contexto lúdico que auxiliará o desenvolvimento da criança, uma vez que se trata de uma das mais antigas formas de expressão artística desenvolvida pela humanidade, e portanto importante aspecto do repertório cultural da sociedade na qual o indivíduo está inserido. Os gestos que se tornam abstratos e expressivos no dançarino se constroem, originalmente, na primeira infância. A descoberta das extremidades (mãos, pés), o apoio das mãos para se afastar, a conquista da verticalidade, as primeiras transferências de peso na locomoção e o colorido tônico, profundamente particular a cada nova ação vivenciada, são conquistas importantes em que a inteligência sensório-motora se

81

realimenta a cada desafio, a cada etapa conquistada. (DAMASIO, 2000, p. 224)

Compreende-se, portanto, a relevância que possui na Educação Infantil o ensino de dança e principalmente o ensino em dança, o qual, segundo Isabel Marques (2002), significa conhecer e apropriar-se das estruturas formativas da dança, isto é, da dança como linguagem, e compreender a performance, a criação, as suas relações com a sociedade. A dança para crianças de 3 a 6 anos corresponde à apropriação cultural e também à apropriação do próprio corpo, de suas possibilidades de movimentação e dos conceitos de esforço, peso, tempo, etc. Além disso, a necessidade do trabalho com dança no contexto da Educação Infantil está determinada, inclusive, na legislação brasileira. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 determina: Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. [...] § 6o As artes visuais, a dança, a música e o teatro são as linguagens que constituirão o componente curricular de que trata o § 2o deste artigo.


Natália Mazzili DIAS Suselaine Aparecida Zaniolo MASCIOLI

potencialidades de seu corpo;

O Referencial curricular nacional para a Educação Infantil, documento desenvolvido às determinação da LDB (Lei 9394/96), estabelece diretrizes para o trabalho na Educação Infantil, de forma que os conteúdos e objetivos atendam

Controlar gradualmente o próprio movimento, aperfeiçoando seus recursos de deslocamento e ajustando suas habilidades motoras para utilização em jogos, brincadeiras, danças e demais situações; Utilizar os movimentos de preensão, encaixe, lançamento etc., para ampliar suas possibilidades de manuseio dos diferentes materiais e objetos;

às necessidades de aprendizagem desta etapa. Neste documento, a seção acerca do Movimento, em consonância com a Teoria Histórico-Cultural e com a compreensão de dança aqui defen-

Apropriar-se progressivamente da imagem global de seu corpo, conhecendo e identificando seus segmentos e elementos e desenvolvendo cada vez mais uma atitude de interesse e cuidado com o próprio corpo. (BRASIL, 1998, p. 27).

dida, aponta: O trabalho com a dança, na Educação O trabalho com movimento contempla a multiplicidade de funções e manifestações do ato motor, propiciando um amplo desenvolvimento de aspectos específicos da motricidade das crianças, abrangendo uma reflexão acerca das posturas corporais implicadas nas atividades cotidianas, bem como atividades voltadas para a ampliação da cultura corporal de cada criança. (BRASIL, 1998, p. 15.)

Infantil, portanto, deve ser organizado e planejado de modo a atender estes objetivos de aprendizagem. Para tanto, os professores devem apropriar-se das diferentes possibilidades de dança que englobem todos esses conteúdos e movimentos que fazem parte da capacidade infantil,

Além disso, o Referencial elege como Objetivos gerais do trabalho com o Movimento

respeitando a individualidade de cada aluno e propondo a eles práticas desafiadoras e lúdicas.

para as crianças de 4 a 6 anos: Ampliar as possibilidades expressivas do próprio movimento, utilizando gestos diversos e o ritmo corporal nas suas brincadeiras, danças, jogos e demais situações de interação; Explorar diferentes qualidades e dinâmicas do movimento, como força, velocidade, resistência e flexibilidade, conhecendo gradativamente os limites e as

Metodologia

Uma vez explicitada a defesa de que o trabalho com dança é indispensável para a Educação Infantil, esta pesquisa possuiu como obje-

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A DANÇA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

tivo investigar de que maneira o ensino de dança

A metodologia utilizada para elaboração

vem sendo realizado atualmente. Para isto,

das entrevistas, assim como a seleção, categori-

fizemos uma pesquisa empírica com professores

zação e interpretação dos dados recolhidos foi a

e diretora de uma escola da Rede Municipal de

análise de conteúdo, com base em Bardin (2011),

Araraquara.

a partir dos quais pudemos enfatizar alguns

As entrevistas foram realizadas com a

pontos importantes a serem considerados.

diretora, 6 professoras regulares da Educação

28 e 68, e 7 deles são formados em instituições

Em última análise, qualquer comunicação, isto é, qualquer veículo de significados de um emissor para um receptor, controlado ou não por este, deveria poder ser escrito, decifrado pelas técnicas de análise do conteúdo. (BARDIN, 2011, p. 38)

de ensino superior. As instituições são: 4 forma-

A tabela abaixo foi elaborada no sentido

dos na Unesp, 1 formado na Uniara, 1 formado

de caracterizar as turmas da Educação Infantil

na Uniseb e 1 formado na Ufscar.

desta escola:

Infantil e o professor de Educação Física da escola. Os entrevistados possuíam idades entre

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Natália Mazzili DIAS Suselaine Aparecida Zaniolo MASCIOLI

Observa-se, portanto, que as crianças em questão possuem entre 2,5 a 6 anos. Cada turma tem, em média, 16 alunos, e em números gerais a

infantil desta escola, bem como o papel que a dança possui na trajetória dessas professoras. Os gráficos abaixo ilustram esses dados:

quantidade é a mesma entre meninos e meninas. Algumas perguntas foram realizadas de maneira direta, com opções prontas de resposta aos entrevistados, e outras perguntas foram planejadas de maneira aberta, para que o entrevistado pudesse responder livremente. Houve, ainda, liberdade para que a pesquisadora criasse

Você teve contato com dança na sua graduação? 1

perguntas novas, de acordo com a necessidade 3

criada pelo rumo da entrevista presencial.

Sim Não Pouco

3

Resultados e discussão Para a investigação acerca do trabalho com dança na escola de Educação Infantil em questão, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, presencialmente, as quais foram elaboradas de modo a investigar como é o trabalho com dança nessa escola e quais as concepções desses professores acerca da dança na educação escolar.

O que se constata a partir desses gráficos

Algumas perguntas foram realizadas de

é que, apesar de metade dos professores não

maneira direta, com o objetivo de avaliar a exis-

terem tido contato com a dança na graduação, e

tência do trabalho com dança na Educação

quase metade não ter tido contato com a dança

84


A DANÇA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

em sua experiência pessoal, todos eles afirmam utilizar a dança na sala de aula, em alguma

tentarem se expressar de alguma forma com movimento mas eu não falo pra eles que é dança, entendeu? (Professor de Educação física, Luis).

medida. Isso aponta que a dança está presente no cotidiano da Educação Infantil, e portanto

A maioria das vezes é dramatização das músicas, das músicas infantis... (Diretora, Luciana).

que esses sujeitos compreendem que há benefício na utilização da dança na escola. À diretora, as professoras e ao professor de Educação Física também foram realizadas, entretanto, questões abertas quanto ao estilo de dança com que trabalham, com que finalidade, a

Os professores, como se pôde observar, optam até mesmo conscientemente por lidar com a dança sem denominá-la "dança". Segundo Isabel Marques (2012), essa postura se deve aos pré-conceitos existentes em torno do tema:

frequência em que se realiza esta prática e a concepção que possuem de dança. As perguntas foram formuladas de maneira que os possibilitasse expressar-se e detalhar suas ideias. O primeiro ponto que destacamos, inicialmente, é: fica nítido, pela fala das professoras, que no contexto da Educação Infantil a

Apesar de na era do "politicamente correto" falar de pré-conceitos possa parecer coisa do passado, ou até mesmo um assunto repetitivo e maçante, o ensino de dança ainda está recoberto por uma densa camada de pensamentos e ideias preconceituosas em relação à sua "natureza". Isso é motivo, inclusive, para que muitos professores deem outros nomes às atividades de dança: "expressão corporal", "educação do/pelo movimento", "arte e criação", "movimento e criação". (MARQUES, p. 22, 2012).

dança é tratada sempre como "movimento", "dramatização", "expressão corporal" ou "gestos", mas nunca como "dança": Ah na verdade, é... são movimentos, é.. fragmentados de... de repetição. Dois passinhos prum lado, 2 pro outro, que se a gente juntar tudo da uma dancinha. Mas pra eles eu não coloco dessa forma... é mais como uma coordenação motora mesmo... (Fernanda, prof de CI).

De acordo com a autora, esses preconceitos se estabelecem por meio de três vias: os pais de alunos (gênero masculino) que ainda consideram dança como coisa de mulher, apesar das inúmeras categorias de dança protagonizadas por homens; o pensamento tradicional que perpassa o senso comum, por meio de heranças

Eu utilizo a dança mas não com o nome de dança. (...) Eu faço a parte de movimentação deles, eu faço eles

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religiosas, de que o corpo é pecaminoso e não


Natália Mazzili DIAS Suselaine Aparecida Zaniolo MASCIOLI

deve ser exibido ou tomar a atenção; o ponto de vista dos próprios artistas, que condenam a dança num sentido mais amplo, sem categoriza-

não é... só que é aquilo que eu falei... sempre que a gente dá uma música a gente tem uma coreografia, tem uma dramatização, então a gente acaba completando com a dança né, então acho que é importante." (Diretora, Luciana).

ção (ballet clássico, flamenco, etc). Outra análise feita a partir dos dados nos aponta que as professoras, em geral, utilizam a dança como o fim, e não como o processo, isto é, a dança é o resultado de uma apresentação para os pais, ou a coreografia para trabalhar com a música. Além disso, muitas vezes utiliza-se a dança como ferramenta para memorização de conteúdos. Ou seja, não existe uma compreensão do exercício de dança com propósito em si mesmo. Observa-se: Datas comemorativas, sim, lógico. A gente tá sempre dançando, a gente tá sempre... uma festa, sai da outra, você acaba fazendo os ensaios e acaba dançando... né? (Professora de 4ª etapa, Conceição). Essa faixa etária, a gente trabalha muito com música, né? E... tanto que a gente tem que desenvolver com eles um caderno de música ao longo do ano, né? então, assim, geralmente todas as músicas incluem gestos, né? (Professora de 3ª etapa, Vanessa). Eu uso, é... dança acompanhada com música. Ás vezes, uma musiquinha que eles conheçam, né? Mas, assim... não é nada específico, assim, não. (Professora de 4ª etapa, Conceição). É, que vai ajudar a aprender... então vai memorizar através da música... da dança... é mais a musica né...

Esta concepção da dança enquanto produto e, não enquanto processo com finalidades em si próprio, se deve à falta de compreensão acerca da importância e da contribuição da dança para o contexto da Educação Infantil, prática esta que contribui para o desenvolvimento infantil no âmbito da formação da personalidade, da imaginação, da concentração e da consciência corporal. Nesse sentido, Marques (2012) destaca: Neste mar de possibilidades, característico da época em que vivemos, talvez seja este o momento mais propício para também refletirmos criticamente sobre a função e o papel da dança na escola formal, sabendo que este não é - e talvez não deva ser - o único lugar para se aprender dança com qualidade, profundidade, compromisso, amplitude e responsabilidade. No entanto, a escola é hoje, sem dúvida, um lugar privilegiado para que isto aconteça e, enquanto ela existir, a dança não poderá continuar mais sendo sinônimo de "festinha de fim de ano". (MARQUES, 2012, p. 19).

Destaca-se, ainda, outro indício de que a dança não é vista no ambiente escolar como atividade que possui as suas próprias qualidades: o fato de que muitas vezes o trabalho que os 86


A DANÇA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

entrevistados relatam se baseia na "música" - seu discurso supõe que o fato de haver uma música é o bastante para que haja dança, naturalmente. Para Laban (1990), entretanto, a dança é inde-

Sempre dou início ás aulas, quando não é uma roda de conversa, com leitura, é sempre música... Então, a música... mesmo que eu faça uma roda de conversa, ou a leitura, a música sempre tá presente antes, né? (Professora de 3ª etapa, Vanessa).

pendente da música, e pode ser realizada em silêncio, ao som da recitação de um poema ou

Essa prática de "dança" durante o

mesmo ao som de barulhos produzidos pelas

momento social consiste em gestos imitativos

próprias crianças:

que coreografam com a música de escolha da professora, e em geral é realizada com as crian-

Para tudo isto não se requer inspiração dramática ou musical de um texto ou inclinação para a música. Pode-se obter o acompanhamento para as sequências de movimentos selecionados por meio de canções sem palavras ou de percussão, executadas ambas por um grupo especial de crianças e algumas vezes pelas próprias crianças que dançam. (LABAN, 1990, p. 53).

apenas os braços, e com a finalidade de inserir as crianças na rotina da escola, isto é, uma música que antecede o café da manhã, outra música que antecede o banho, etc. Nesse contexto, a movi-

Sobre a frequência em que se realiza o

mentação é bastante restrita e mesmo descartá-

trabalho com dança na escola, a fala provavel-

vel, uma vez que os alunos permanecem senta-

mente mais recorrente entre as professoras é a

dos executando movimentos curtos e repetiti-

utilização da música no "momento social", isto é,

vos.

na recepção dos alunos pela manhã: Assim, quando a gente tá fazendo o horário social... A gente também faz música com os gestos! Entendeu? A gente dá música com os gestos. Porque os gestos... ele ajuda a... a transmitir, né? A música, né? (Professora da 3ª etapa, Jacira). É que a gente realiza o "momento social", né? Todos os dias. É diário. E dentro desse momento social há alguns dias em que a gente... é... bom, os gestinhos corporais a gente utiliza todos os dias." (Professora de CI, Marta).

87

ças sentadas em roda, portanto movimentando

Esses dados nos demonstram que, ainda que 100% das professoras tenham afirmado que trabalham a dança na escola em certa medida, esse ensino é realizado de forma não planejada, sem embasamento teórico e muitas vezes de maneira "livre", isto é, sem a mediação sendo realizada de maneira adequada: Ah, a maioria... Tem momentos que a gente deixa


Natália Mazzili DIAS Suselaine Aparecida Zaniolo MASCIOLI

livre, mas como eles são muito pequenos ainda... eu acho que precisava pontuar algumas coisas pra eles. Tá? Então... porque se você deixar, aí eles vão ficar apenas correndo e não vão se expressar de forma alguma. Então, num momento você pontua, pra depois deixar eles... se expressarem, né? (Professora de CI, Marta).

criança, e os apontamentos de Laban:

E muitas vezes, quando põe musiquinha, eu deixo dançando livre... e, ou... eu danço junto, livre também... depende da hora." (Professora de 5 ª etapa, Maris).

O ensino da dança nas escolas deve proporcionar a oportunidade de gozar deste banho refrescante que é pelo menos tão importante quanto a própria natação. Assim como nesta última o instrutor não se limitará a jogar criança na água mas lhe ensinará uma técnica adequada, assim também o professor de dança procurará um procedimento que permita complementar o impulso natural da criança e ampliar seu raio de ação. (LABAN, 1990, p. 26).

De acordo com Vygotski (2001), o ensino

Todos esses aspectos destacados nas

deve ser realizado por meio da mediação do

falas das professoras relacionam-se entre si: uma

adulto no que se configura a área de desenvolvi-

vez que não compreendem a dança enquanto

mento proximal. Os apontamentos do autor indi-

processo, e sim enquanto produto ou enquanto

cam que, ainda que a imitação seja importante

ferramenta para trabalhar outros aspectos do

para o início do trabalho com qualquer tipo de

ensino, não é possível realizar esse trabalho de

conhecimento, é importante que ao longo deste

maneira mediada, planejada e efetiva.

trabalho a criança passe a desenvolver a sua

Vale destacar, por último, a confusão e

imaginação, isto é, usar o repertório do que já

falta de clareza das professoras quando questio-

conhece para criar, independentemente, algo

nadas acerca da importância da dança para a

novo.

Educação Infantil. Elas citam palavras soltas Podemos traçar uma aproximação entre

como "criatividade" e "expressão", fruto de um

o conceito de mediação de Vigotski, segundo o

pensamento do senso comum que reflete a falta

qual é a partir da mediação do professor, propor-

de um estudo sistemático acerca da importância

cionando à criança movimentações além daque-

da dança:

las às quais está acostumada e as quais realiza cotidianamente, que acontece o desenvolvimento da consciência corporal e da criatividade da

Eu acho que a dança... ela faz com que a criança se solte, libere os movimentos... adrenalina... e também a criatividade, né? Que através da música, eles vão criando também. (Professora de 3ª etapa, Jacira).

88


A DANÇA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

Ah, eu acredito que pra criança, pra criança... como eu vou dizer? pra ela... ai meu Deus, que palavra que eu usaria isso? é... pra criança é bom, pra ela se... expressar, né? Mas uma outra forma de expressão, entendeu? É isso. (Professora de 4ª etapa, Conceição). Como é que eu posso explicar? ah, eu acho que é importante porque a criança... ela vai, com os movimentos... ela vai tendo a noção do... do corpo, né? e ela vai conseguindo alcançar, como que eu posso falar? ah, se expressar... eu acho que tendo mais... mais noção, mesmo, do que é o corpo dela, né? porque nessa fase, a criança, ela tá... começando a conhecer, né? começando a ter noção do esquema corporal, então acho que... que nem ontem, ainda, eu li uma histórinha que chama "da cabeça aos pés", né? que fala sobre todas as partes do corpo, porque a gente começa a ensinar eles a desenharem o corpo, porque senão eles fazem a bolinha, dois risquinhos saindo da cabeça e tudo o mais... e aí, mesmo lendo a histórinha, uma das crianças falou assim "tia, vamos fazer aquela musiquinha é... cabeça, ombro, joelho e pé?" Então, essa música tem a dancinha, né... então, toda a questão do movimento, então acho que... traz pra criança essa consciência corporal. Então, eu acho que o movimento, ele... tá, assim, envolvido em tudo, pra ela desenvolver, também, a questão da coordenação motora, né? eu acho que, nessa fase, pros pequenininhos, é fundamental. (Professora de 3ª etapa, Vanessa).

Finalmente, essas falhas na compreensão acerca do que é a dança, de como se ensinar a dança na escola, e qual o propósito de ensinar a dança, se relacionam claramente com a ausência desse assunto na formação docente: dos 7 profissionais graduados entrevistados, apenas 3 declararam que tiveram contato com a dança na graduação. E ainda, para esses 3 professores, que tipo de contato foi esse?

ção escolar, Marques (2012) defende:

Então, na graduação eu até tive contato dentro dessas disciplina porque tinham alunas que dançavam e aí a gente levou, não que a professora... Como ela sabia, levou a proposta, foi aceito... e aí a gente elaborou alguma coisa. Mas nada que tivesse um interesse da professora para passar para os alunos, isso não. (Fernanda, prof de CI).

O fazer-sentir dança enquanto arte nos permite um tipo diferenciado de percepção, discriminação e crítica da dança, de suas relações conosco mesmos e com o mundo. Ao contrário do que nos oferece o

Eu tive uma experiência numa oficina... mas não teve nenhuma... nenhuma disciplina específica. Por mais que eu tive artes, na época, mas não foi desenvolvido nada, assim, especificamente pra dança. Só numa

Em contraposição a esta concepção falha da importância da dança no contexto da educa-

89

senso comum, a dança não é um amontoado de emoções que permite que nos "autoexpressemos", "desanuviemos as tensões", sintamos o íntimo da alma" (Marques, 1989). Isto não quer dizer que o trabalho com a dança não envolva as emoções, os sentimentos, a sensibilidade. A dança, como forma de arte, está engajada com o sentimento cognitivo e não somente com o sentimento afetivo - ou a liberação de emoções (Reid, 1981, 1986). Em nossos corpos, dançando, os sentimentos cognitivos se integram aos processos mentais para que possamos compreender o mundo de forma diferenciada, ou seja, artística e estética. (MARQUES, 2012, p. 28).


Natália Mazzili DIAS Suselaine Aparecida Zaniolo MASCIOLI

oficina, mesmo. (Vanessa, prof de 3ª etapa). Ai... A gente tinha específico, mas não era dança, dança... Acho que era mais expressão corporal, né? (Marta, prof de CI).

Fica nítido que, mesmo na minoria dos casos em que os professores da Educação Infan-

também como intérpretes, coreógrafos e diretores de dança. Ou seja, conhecimento que envolva o fazer-pensar dança e não somente seus aspectos pedagógicos. A dissociação entre o artístico e o educativo, que geralmente é enfatizada na formação dos profissionais nos cursos de Licenciatura e Pedagogia, tem comprometido de maneira substancial o desenvolvimento do processo criativo e crítico que poderia estar ocorrendo na educação infantil e fundamental. (MARQUES, 2012, p. 25).

til estiveram em contato com a dança na sua graduação, este contato foi mínimo e em

É evidente, com base na análise desses

momentos pontuais. Além disso, num dos casos

dados, que o trabalho com dança na Educação

a professora apenas estudou um conteúdo sobre

Infantil, atualmente, está repleto de falhas e

dança porque ela própria, assim como as cole-

distorções em relação ao que se acredita ser a

gas, possuíam um interesse anterior pela dança.

prática ideal de dança na escola. Não se trata,

Isto indica que não há, na graduação, um esforço

entretanto, de culpabilizar professores ou quais-

para oferecer vivências em dança para aqueles

quer outros agentes da educação, e sim de reco-

que nunca o tiveram.

nhecer porque motivos esses problemas se

Faz-se necessária aqui uma citação de Isabel Marques (2012), que explicita de essa questão:

manifestam. As razões para esses problemas são plurais, como se pôde observar: falta clareza, por parte dos profissionais da educação, de quais são

Na grande maioria dos casos, os professores não sabem exatamente o que, como ou até mesmo porque ensinar dança na escola. A formação de professores que atuam na área de dança é, sem dúvida, um dos pontos mais críticos no que diz respeito ao ensino dessa arte em nosso sistema escolar. Na prática, tanto os professores formados em Educação Física, Pedagogia, Arte vêm trabalhando com dança nas escolas. Nesse período de transição em direção à inclusão de fato da dança nas escolas, seria fundamental que esses professores continuassem buscando conhecimento prático-teórico

os objetivos para o trabalho com dança, quais são os métodos para que esse trabalho se efetive, e qual é o papel do professor nesse processo de aprendizagem. Fica claro que a falta de formação acerca da dança, na graduação, é agravante deste cenário. É preciso, portanto, o debate acerca deste 90


A DANÇA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

tema e o desenvolvimento de propostas que

Tendo em vista os benefícios do trabalho

possibilitem esta formação aos diferentes

com a dança na Educação Infantil e, em seguida,

professores que atuam na Educação Infantil, de

as falhas que ainda marcam esse âmbito da edu-

modo que se sintam preparados para realizar o

cação escolar no ambiente em que a pesquisa

trabalho com dança nas escolas em que estão

empírica foi realizada, obtivemos a conclusão de

inseridos.

que é necessário o debate e a divulgação da importância da dança para as crianças de 3 a 6

Conclusões

anos. Esta pesquisa, bem como as outras que estão sendo desenvolvidas no âmbito acadêmi-

O objetivo deste trabalho foi estabelecer

co sobre o tema, tem o objetivo de contribuir

relações entre o desenvolvimento infantil, sob a

com esta discussão e enriquecer a educação

perspectiva da Teoria Histórico-Cultural, e com-

brasileira.

preender de que maneira a dança deve se inserir na Educação Infantil. Explicitamos, portanto, que o trabalho com dança e o ensino em dança visa

Referências

proporcionar às crianças de 3 a 6 anos vivências que as possibilite apropriarem-se de seus corpos

BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo:

e das movimentações de que são capazes.

Edições 70, 2011, 229 p.

Este ensino em dança deve promover o desenvolvimento infantil no que diz respeito à

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto.

formação da personalidade e às habilidades

Secretaria de Educação Fundamental. Referen-

psíquicas superiores de atenção, concentração e

cial curricular nacional para a educação infan-

imaginação. Além disso, a dança contribui para

til / Ministério da Educação e do Desporto,

que as crianças desenvolvam consciência corpo-

Secretaria de Educação Fundamental. — Brasília:

ral e, enquanto dançam, experimentem estados

MEC/SEF, 1998. 3v.: il.

mentais agradáveis.

91


Natália Mazzili DIAS Suselaine Aparecida Zaniolo MASCIOLI

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92


INFÂNCIAS CONTEMPORÂNEAS: UM PROCESSO HISTÓRICO COM MUITAS SINGULARIDADES Ana Cláudia Magnani Delle PIAGGE Marcia Cristina Argenti PEREZ Na descrição que faremos da trajetória da

do comportamento da criança de hoje e das

história da infância, esboçaremos um panorama

relações dos adultos com ela, que nos servirão

dos obstáculos enfrentados desde a origem do

de modelo para fazermos as comparações com

conceito, enquanto construção motivada a

os dados do passado, e modificarmos a imagem

partir das mudanças históricas, sociais e culturais

ingênua que fazemos da infância como princí-

ocorridas na Modernidade, isto é, desenvolvere-

pio.

mos nossa pesquisa a partir do que conhecemos

Partiremos de pressupostos que contribuem para compreender a infância como um conceito que se altera de acordo com os contextos, os espaços e o tempo nos quais a criança encontra-se inserida. Nosso primeiro pressuposto, é a constatação de que há uma ausência de sentido de infância, como um estágio do desenvolvimento humano, até aproximadamente o final da idade média, em países como a França do século XIV. O segundo, parte da mesma análise da infância para questionar a forma como o conceito se vê condicionado ao mundo adulto, que o compreende como um período de preparação para a vida adulta. Podemos notar que a identidade do conceito de infância, é elaborada a partir de inúmeros desafios, se constituindo lenta e fragmentadamente, possuindo inúmeros aspectos com base na cultura na qual está estabelecida. Os pressupostos de ausência de sentido e

93


de dependência serão abordados a partir do

numa falta de manifestações de cuidado e prote-

entendimento da infância, como uma complexa

ção em relação à criança. Através de sua análise

construção histórica e social norteada a partir de

historiográfica, Ariès (1973) defende a constata-

relações de poder, compreendida como um perí-

ção de haver uma carência de sentido de etapa

odo do desenvolvimento humano onde há uma

do desenvolvimento humano para a infância,

falta de autonomia, e que, portanto, a torna

pois a criança encontra-se completamente inse-

reflexa às vontades existentes em relação a ela. É

rida no contexto da vida adulta; contudo, o autor

possível

essa

demonstra notar, através de seus estudos, ser a

dependência existente mesmo quando são

Idade Média o período que consegue romper

proferidos discursos que a reconhecem como

com os modelos pré-estabelecidos e propiciar o

sujeito histórico e de direitos.

surgimento das mudanças sociais, culturais e

percebermos

implicitamente

A autora Nascimento et al. (2008, p.5)

estruturais necessárias para que a noção de

ressaltam que, contrapondo-se a um processo

infância começasse a ser reconhecido. Na idade

de construção, é possível notar a incompetência

moderna, esse conceito, receberá contornos

por parte do adulto de compreender a criança,

mais elaborados, será mais considerado e estará

como um sujeito produtor de história, embasada

estabelecido a partir da distinção da fase adulta.

na constatação de quão tardia foi a elaboração

Apesar de a obra desse autor ser um marco para

de uma história da infância e de como são insufi-

o estudo da infância, recebe críticas por sua

cientes os registros historiográficos desta.

interpretação apoiada nos pressupostos de um

O pressuposto de ausência de sentido de

processo histórico universal, resignado a partir

infância será por nós abordado a partir da análi-

de um olhar unilateral sobre as classes mais

se da obra História social da criança e da família,

abastadas de países europeus.

de Philippe Ariès (1973) na qual, o autor, com

Já no prefácio da sua obra, Ariès (1973)

base em análise de obras de arte observa que,

oferece aos leitores um resumo das suas afirma-

nas sociedades medievais, não existia a distinção

ções, nas quais considera que, anterior ao perío-

entre os adultos e as crianças, o que se refletia

do da sociedade industrial, a constituição de

94


INFÂNCIAS CONTEMPORÂNEAS: UM PROCESSO HISTÓRICO COM MUITAS SINGULARIDADES

95

sociedade e de suas relações, eram diferentes da

partir do estreitamento de laços afetivos, será o

forma como as compreendemos hoje. O autor

que possibilitará o surgimento do sentimento de

identifica, como um dos principais responsáveis

compaixão em relação à criança. Para Ariès

pela ausência de sentido de infância, a falta de

(1973), as mudanças ocorridas, a partir do séc.

sentimentos dentro das estruturas familiares.

XVII, possibilitaram que se iniciasse um processo

Seus estudos apontam para uma inexistência de

social, que tornava possível o surgimento de um

vínculos afetivos nas famílias, pois constata que

sentimento em relação às crianças e que criava

até o período medieval os laços familiares eram

espaço suficiente, na estrutura existente da

estabelecidos a partir das relações de manuten-

sociedade, para surgir à infância. Podemos com-

ção da terra, e, para o autor, este fato dava

preender que infância é uma construção social

origem a uma constituição de família norteada a

que surge a partir de inúmeras transformações

partir da necessidade de indivíduos que a com-

sociais e culturais. As mudanças ocorridas nas

pusessem que tivessem condições físicas para

formas como se constituíam os laços familiares

exercerem o domínio e controle da propriedade,

foi uma das alterações principais que proporcio-

muito diferente da constituição de família que

naram o desenvolvimento de todo um processo

conhecemos hoje. O autor sugere que uma das

de construção de infância, mas, não foi o único.

mudanças significativas que ocorreram e que

Foram necessárias transformações na sociedade

contribuíram para dar um espaço significativo às

durante um longo período, que se estendeu,

crianças foram as mudanças pelas quais passa-

desde o final da idade média até o início da idade

ram as estruturas familiares. As famílias, antes

moderna, para que outros elementos passassem

constituídas a partir de relações de necessidade

por uma reelaboração e assim possibilitassem

e sobrevivência, com as transformações sociais e

que essa construção ocorresse.

culturais em andamento tornam-se um espaço

Ariès (1973), aponta em sua obra, as

de afeição entre os cônjuges e entre pais e filhos,

mudanças que ocorrem na sociedade como a

o que não ocorria antes. Nesta nova estrutura

construção de identidade de pai e mãe dentro

familiar que surge, a forma de se relacionar, a

da estrutura familiar, a construção de comporta-


Ana Cláudia Magnani Delle PIAGGE Marcia Cristina Argenti PEREZ

mento afetivo, as mudanças nas estruturas das

que começa a ser discutida a partir de Ariès

casas possibilitando a formação de uma vida

(1973), de aceitar a infância como nós a entende-

privada, a ocorrência também de mudanças na

mos nos dias atuais, era completamente inexis-

forma de educar, o surgimento de uma educa-

tente na Idade Média. Mas, mesmo com a insti-

ção formal normatizada, mudanças nas estrutu-

tuição de um conceito que nortearia a infância,

ras de trabalho, mudanças na igreja, nas vesti-

esta continua vinculada ao mundo adulto,

mentas, nas brincadeiras. Instituições chamadas

sofrendo suas pressões.

escolas, surgem nesse período, para normatizar

Segundo Levin apud Nascimento et al.

a aprendizagem como meio para a educação das

(2008, p.6) “a consciência social não admite a

crianças. Mudanças estas, que para o autor, serão

existência autônoma da infância como uma

as molas propulsoras para dar origem a infância

categoria diferenciada do gênero humano.

moderna.

Passado o estrito período de dependência física

A Infância surge a partir de um sentimen-

da mãe, esses indivíduos se incorporam plena-

to de fragilidade, por parte do indivíduo de

mente ao mundo dos adultos”. A criança é incor-

menor idade, não mais baseado somente em sua

porada, incluída e misturada ao mundo adulto,

estatura e força física, mas, agora norteado pelo

perdendo assim, suas especificidades e suas

reconhecimento de sua forma frágil de ser.

singularidades.

Segundo Nascimento et al. (2008, p.6) “a

Para Ariès (1973) torna-se possível notar

infância é um fenômeno histórico e não mera-

que mesmo a infância se caracterizando como

mente natural, e as características da mesma no

um período distinto da etapa adulta, o seu

ocidente moderno podem ser esquematicamen-

desenvolvimento vê-se vinculada a partir das

te delineadas a partir da heteronomia, da depen-

demandas desta. Com o surgimento das socie-

dência e da obediência ao adulto em troca de

dades industriais, novas demandas surgem, e

proteção”. Nessa afirmação compreendemos o

essas novas exigências forçam, novamente,

segundo pressuposto de nosso trabalho, de

mudanças nos costumes vigentes. Entre as trans-

dependência do mundo adulto. Essa realidade

formações sociais e culturais, ocorrem mudanças

96


INFÂNCIAS CONTEMPORÂNEAS: UM PROCESSO HISTÓRICO COM MUITAS SINGULARIDADES

nas relações do mundo adulto com às crianças e

das crianças, de quais são os valores ideais que

que vão modificar as interações entre ambos.

devem nortear esse mundo simbólico. Tudo isso

Se retornarmos à antiguidade vemos

idealizado por um mundo de adultos, que visa

uma realidade na qual não havia uma consciên-

estabelecer regras ideais para falar sobre a ideia

cia social em relação à criança e estas não tinham

social de infâncias, esquecendo-se de ouvir a

uma existência independente como uma cate-

própria criança ou de enxergar a real situação

goria diferenciada do gênero humano, ao

social em que essa criança encontra-se inserida.

contrário, havia na época, a defesa do “ser em

Postman (1999, p.65), em sua obra O desapareci-

devir”. Para Sarmento (2007, p. 26), essa crença

mento da infância, nos mostra que, na realidade,

no sentido passageiro da infância anulava qual-

há uma incapacidade por parte do adulto em

quer ideia de “complexidade da realidade social

compreender o vínculo estabelecido entre o

das crianças”

conceito de infâncias e o conceito de idade

A infância, portanto, é uma invenção,

adulta, e que este se constitui, na verdade, a

uma normatização que pensa e configura as

partir do entendimento de que “a tarefa do

crianças dentro de determinada estética e

adulto era preparar a criança para a administra-

forma, que as mantêm subordinadas às regras

ção do mundo simbólico do adulto. [...] Era tanto

impostas pelos adultos. Mas as crianças não

um princípio social quanto um fato social.” Nasci-

podem ser vistas apenas como corpos biológi-

mento et al. (2008, p.5) acrescentam que esse

cos únicos e universais, mas como destaca

modo de agir “[é] um indício da incapacidade

Jovino (2008, p. 39) devem ser compreendidas

por parte do adulto de ver as crianças em sua

como “construções [...] produzidas a partir das

perspectiva histórica”.

práticas sociais” e desta forma entendidas na sua multiplicidade, de forma impessoal e singular.

97

Então, qual pode ser considerado um motivo para o adulto não reconhecer a criança

A infância é revestida por aparências, tais

como um sujeito histórico e social? Podemos

como nós a queremos ver, dentro de uma estéti-

buscar responder essa pergunta a partir do

ca pré-concebida do que é o mundo simbólico

entendimento de Araújo (2008), sobre a forma-


Ana Cláudia Magnani Delle PIAGGE Marcia Cristina Argenti PEREZ

ção de esquemas mentais e a forma como estes

brança mental desse período, é muito difícil

norteiam nossas concepções de mundo. Segun-

associarmos a ideia e a palavra “infância” à situa-

do a autora, é normal, para os adultos, falarem

ções de agressões, abusos, maus tratos, trabalho,

sobre infâncias partindo de um esquema mental

sofrido por crianças. Então Araújo (2008) com-

que represente essa fase da vida de forma bucó-

preende que estas outras situações vivenciadas

lica e pura, por meio de imagens de crianças

por crianças, são negadas por nossos esquemas

livres correndo em um jardim, ou por meio de

mentais, tornado-as assim, dissociadas do termo

histórias de contos de fadas felizes, ou até

infância. Essa recusa produzida a partir de nossos

mesmo, por meio de falas saudosistas sobre

esquemas mentais, se reproduz na forma como

aromas e lembranças felizes. Tal esquema

ocultamos socialmente qualquer referência a

mental, amplo e variado, será construído a partir

infância de crianças que encontram-se diante de

de lembranças ou por imagens impostas diaria-

problemas sociais, comportamentais ou quais-

mente pela cultura na qual encontramo-nos

quer outro. Produzimos socialmente outro

inseridos, e será aquela que irá compor a nossa

conceito que normatize os problemas ligados à

biblioteca mental.

criança, nomeando-o de menor. Portanto, menor, acionará um esquema mental que reme-

Contudo, a não ser que tenha vivido um trauma associado – não só à ideia mas também à palavra infância (pois é ela a responsável pelo acionamento do esquema) – dificilmente alguém poderá associar a ela ideias como: crianças catando latinha nas ruas, crianças sofrendo violência doméstica ou sexual, crianças sendo vítimas de discriminação ou preconceito, crianças com metralhadoras em punho, etc. Por que erramos no nosso acionamento de esquema? Negar essa outra infância é impossível. Então, como lidamos com estes dois tipos de infância? (ARAÚJO, 2008, p.3).

terá a imagens violentas de crianças: fumando crack, assaltando, portando armas, sendo vítimas de violência, e etc. Para complementar essas imagens, associamos adjetivos a esse novo conceito, tais como: infrator, carente, abandonado. A partir dessa compreensão de que construímos esquemas mentais para acionar uma

Para autora, torna-se claro que, a não ser que o adulto tenha vivido uma experiência

imagem que nos cause a compreensão de uma palavra, podemos entender a forma como

contundente, que possa acionar uma má lem98


INFÂNCIAS CONTEMPORÂNEAS: UM PROCESSO HISTÓRICO COM MUITAS SINGULARIDADES

muitas vezes, dentro de uma cultura norteada

entre a infância idealizada e a violência simbólica

pelo senso comum, outros fatores também inter-

que diariamente é imposta à criança. Ao ouvir-

ferem, tornando a infância e seus problemas,

mos discursos proferidos pela sociedade, a

estranhos a sociedade adulta.

respeito da infância, na maioria das vezes, nota-

A compreensão da forma como os esque-

mos uma ação de autopreservação da sociedade

mas mentais proporcionam a compreensão do

adulta, em detrimento da infância, nas quais, os

conceito de infância por cada indivíduo é impor-

adultos se compreendem como portadores das

tante, mas não é suficiente. Ao nos referirmos a

representações de mundo e tem como expres-

construção de um conceito temos, obrigatoria-

são da sua verdade, interesses forjados historica-

mente, que passar pelo entendimento de que

mente. Esses interesses, se distanciam da realida-

este se dá através de uma construção social. Isto

de, criando um ideal a ser cultivado; atuando

nos mostra como a sociedade tem uma direta

contra a infância, poucas vezes, a seu favor. Pois,

influencia no processo e que, não compreenden-

tanto nas discussões de sociedades, como nas

do a especificidade da infância como um perío-

discussões sobre infância, há um sem fim de

do indefeso, não será possível para ela construir

imagens criadas a partir de visões de ciências

as relações para fortalecer o conceito de forma,

específicas e essas, muitas vezes, se distanciam

que este, realmente identifique a criança, como

do todo, para proceder sua observação a partir

indivíduos que necessitam de amparo e prote-

de um recorte específico. Como resultado, no

ção para a sua sobrevivência e para seu desen-

caso da infância, essas observações podem se

volvimento. Portanto, sem a compreensão da

tornar estranhas às próprias crianças observa-

especificidade da infância, não será possível

das.

efetivamente construir um conceito de infância que de conta de compreender todas as suas especificidades, enquanto seres sociais. Para Del Priore (2007), a associação entre criança e sociedade produz um distanciamento

99

(...) existe uma enorme distância entre o mundo infantil descrito pelas organizações internacionais, pelas não governamentais e pelas autoridades, daquele no qual a criança encontra-se cotidianamente imersa. O mundo que a “criança deveria ser” ou “ter” é diferente daquele onde ela vive, ou no mais das vezes, sobrevive. O primeiro é feito de expressões como “a criança precisa”,


Ana Cláudia Magnani Delle PIAGGE Marcia Cristina Argenti PEREZ

“ela deve”, “seria oportuno que”, “vamos nos engajar em que”, até o irônico “vamos torcer para”. No segundo, as crianças são enfaticamente orientadas para o trabalho, para o ensino, para o adestramento físico e moral, sobrando-lhe pouco tempo para a imagem que normalmente a ela está associada: o riso e a brincadeira. (DEL PRIORE, 2007, p.8, grifo do autor).

uma postura permanente de observação das representações construídas entre sociedade, ciência, literatura e instituições, para compreender a forma pela qual se constroem as estruturas normativas que conduzem as infâncias. Pois, podemos compreender que, as ideias concebi-

Podemos reconhecer esse distanciamen-

das sobre infâncias, formuladas a partir de

to quando, por exemplo, observamos a imagem

distanciamentos das imagens produzidas por

pedagógica de crianças, como tábulas rasas, que

crianças, nos forçam a fazer questionamentos

foi, durante muito tempo, utilizada pela educa-

sobre as representações de infâncias, que esta-

ção para referenciar a infância. Crianças eram

mos fazendo, e de que forma elas se tornam

entendidas como folhas em branco nas quais a

válidas a partir das competições de poder e

intolerância do mundo adulto, incapaz de com-

dominação, entendendo que:

preende-las, poderia imprimir suas impressões de mundo. Porém, mais que isso, esse “vir-a-ser” indicava uma descrição de complexas mudanças estruturais pelas quais as sociedades estavam passando e que tornavam as crianças e, consequentemente, as infâncias, o depositário das esperanças e das responsabilidades que o futuro apresentava. Esse distanciamento entre os debates e as representações de infância e o mundo onde a criança vive são muito comum e uma forma para enfrentarmos isso nos é sugerida por Freitas (1997, p.352) na qual sugere a manutenção de

[...] a infância é uma construção histórica, cuja matéria prima são as condições em que lhe é dado viver. Porém, essas condições não existem apenas como objetividade plena, mas como condições construídas inescapavelmente numa trama discursiva, cuja lógica de funcionamento, responde pela manutenção de certas relações de poder. (VASCONCELOS, 2003, p.16).

Vasconcelos (2003), nos permite compreender a importância das relações firmadas durante a construção de um conceito e de que forma estas, podem nortear o desenvolvimento desta concepção. As representações de criança utilizadas são de suma importância para influenciar na forma como as relações irão se firmar. 100


INFÂNCIAS CONTEMPORÂNEAS: UM PROCESSO HISTÓRICO COM MUITAS SINGULARIDADES

Mas, como podemos compreender a importân-

verdades das crianças, para que este procedi-

cia das representações numa relação de poder?

mento se efetue da forma mais coerente possí-

Apesar de Vasconcelos (2003, p.16),

vel. Mas em que esses “domínios” e “conflitos”

afirmar que “a infância é uma construção históri-

convergem numa representação da ideia de

ca” e que esta “responde pela manutenção de

infâncias enquanto um dispositivo de poder?

certas relações de poder” precisamos compreen-

Abramowicz e Rodrigues (2014, p.466) afirmam

der as formas como as representações se consti-

“que a infância é um dos dispositivos que se

tuem, a partir de influencias sociais.

inscreve sobre a criança”, e que esse ocorre de

Nesta temática de representações, busca-

forma tão absoluta que não há mais como “sepa-

mos ajuda nos escritos do historiador francês

rar a criança da infância [...], pois o dispositivo da

Roger Chartier para compreender como deve-

infância atua [...] sobre a criança, produzindo-a”.

mos proceder ao citar ao termo “representações de infância”.

Se assim ocorre, e se assim nos detivermos no exame dos processos e das representações que elaborarão a ideia de infâncias, tal

[...] [investigar] as representações supõe-nas como estando sempre colocadas num campo de concorrência e de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e dominação. As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção de mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio. Ocupar-se dos conflitos de classificações ou de delimitações não é, portanto, afastar-se do social [...], muito pelo contrário, consiste em localizar os pontos de afrontamento tanto mais decisivos quanto menos imediatamente materiais. (FREITAS, 1997, p.352).

como a conhecemos na atualidade, iremos compreender que essa construção é elaborada a partir de “uma vontade de verdade” (FOUCAULT apudABRAMOWICZ; RODRIGUES, 2014, p.466). Foucault citado porAbramowicz e Rodrigues (2014), é um filósofo que busca compreender o poder enquanto um componente capaz de desencadear processos que produzem saberes. Esses saberes serão os condutores da forma como nos relacionaremos com os outros. Para o

Torna-se claro, portanto, a importância, de que, as representações de infâncias, presente no processo sejam fortes, coerentes e fieis às 101

autor, não é possível existir sociedade livre de relações de poder. Nessa citação, em questão,


Ana Cláudia Magnani Delle PIAGGE Marcia Cristina Argenti PEREZ

retirada do artigo “Descolonizando as pesquisas

interagem com as crianças e nas quais surgem as

com crianças e três obstáculos”, podemos enten-

teorias que as definem. Essas teorias são descri-

der que:

tas pelo autor como um acervo de imagens sobre infâncias, e, para ele, são retratos produzi-

[...] no interior de uma “vontade de verdade” sobre as crianças, na qual diferentes discursos são proferidos, a fim de gerir o que se fala sobre, para quem se fala e porque se fala sobre a criança. Nesta direção, longe de ser uma relação polimorfa e também longe de ser a “realidade subterrânea” da vida e da existência da criança, a infância é, sobretudo, uma invenção produzida e elaborada nas relações que efetivam em uma “vontade de saber” sobre a criança. (FOUCAULT apudABRAMOWICZ; RODRIGUES, 2014, p.466, grifo do autor).

dos a partir de conflitos de poder, e que, portanto, não poderão ser reconhecidos por seus “atores sociais”. As crianças veem as imagens produzidas de infâncias, mas não se sentem representadas. A partir dessa análise, Freitas (1997) conclui que, o estudo produzido a partir de retratos de infâncias servem ao objetivo de demonstrar a constância com que os adultos

Por isso, como filósofo, Foucault nos

criam entendimentos sobre infâncias a partir da

mostra que que a infância antes de mais nada

sua própria compreensão, distanciando-se da

precisa produzir o adulto em si, a partir de suas

realidade vivida pelas crianças. Também explica

relações com os outros e o mundo. E essa produ-

que, de forma recorrente, esses entendimentos

ção tem que ser gerada em seu interior, não de

equivocados são “repetidos em documentos

forma externa. Como filósofo, Foucault produz

jurídicos, ciências humanas e nas classificações”

em nós a reflexão de que, se é a criança que

que arriscam tecer análise sobre infâncias (FREI-

produz a infância, como o mundo adulto pode

TAS, 1997, p. 354).

falar pela criança?

Assim, podemos compreender que, a

Freitas (1997, p.353-355), pesquisador

concepção de infâncias produzida, na atualida-

contemporâneo, que estuda a infância nos

de, é influenciada e construída, a partir do acesso

conduz a uma reflexão: “Quem fala em nome da

aos acervos de imagens históricas coletadas, em

criança?” e para formular uma resposta, para o

grande parte, do ambiente da vida privada,

autor, teríamos que encontrá-la em uma profu-

produzindo hipóteses, que buscam compreen-

são de ciências e epistemologias que estudam e 102


INFÂNCIAS CONTEMPORÂNEAS: UM PROCESSO HISTÓRICO COM MUITAS SINGULARIDADES

der a realidade que possui características parti-

criança já contivesse a personalidade de um

culares e elementos diferenciados. Ariès (1973)

homem. Elas morriam em grande número.” O

aponta que a historiografia da infância durante

autor ressalta que, a mortalidade das crianças foi

muito tempo foi negligenciada por uma total

considerada como inevitável; portanto, era

incapacidade dos adultos em reconhecer às

comum adultos não estabelecerem vínculos

crianças a partir de sua perspectiva histórica e,

com bebês, nem sentirem afeto por eles.

que esta realidade só vem se alterando nos

Esse discurso proferido de consolação à

últimos anos, com o rompimento das regras

família e de apagamento da relevância da morte

rígidas das investigações tradicionais, políticas e

infantil, instituído pela igreja católica justificava a

institucionais para dissertar acerca de temas

morte da criança bem pequena, muitas vezes

ligados à história social. Essa postura reproduzia

por maus tratos e maus cuidados, mas que se

o sentimento de uma época que não negava a

tornavam aceitáveis a partir desta justificativa.

existência das crianças, somente não reconhecia

Esse tipo de discurso naturalizava uma prática de

a presença das infâncias como processos inde-

desapego e de não proteção em relação às crian-

pendentes do gênero humano.

ças bem pequenas, comum a muitas civilizações,

Mas, além da falta de um registro historiográfico

sobre

infâncias,

outros

fatores

também contribuíram para que ocorresse uma invisibilização das infâncias.

103

e que facilitava muito o descarte delas, sem que houvesse qualquer sentimento de culpa quanto a isso. Para o pesquisador Esteban Levin, citado

Podemos ter como exemplo o tema da

por Nascimento et al. (2008) o termo infância, a

mortalidade infantil abordado por Philippe Ariès

princípio, era utilizado como forma de designar a

(1973, p. 171), no livro História Social da Criança

criança dependente, na qual o cuidado e a prote-

e da Família, que define que “as pessoas não

ção era essencial para sua sobrevivência. Passa-

podiam se apegar muito a algo que era conside-

do o período crítico, essas crianças se viam sem

rado uma perda eventual”, pois “não se pensava,

um lugar na sociedade. Para Levin, era fato carac-

como normalmente acreditamos hoje, que a

terizado da sociedade até o século XVII, ver a


Ana Cláudia Magnani Delle PIAGGE Marcia Cristina Argenti PEREZ

criança como um ser biológico, que “necessitava

ABRAMOWICZ, A.; RODRIGUES, T.C. Descoloni-

de grandes cuidados e também, de uma rígida

zando as pesquisas com crianças e três obstá-

disciplina, a fim de transformá-las em adultos

culos.Educ.Soc., Campinas, v.35, n.127, p.461-

socialmente aceitos.” (LEVIN apud NASCIMENTO

-474, abr.-jun.2014. Disponível em: http://www.-

et al., 2008, p.7).

cedes.unicamp.br>Acesso em: 25 de janeiro de

Em suma para comprovarmos esse

2018.

desconhecimento da infância, podemos encontrar em diversas narrativas históricas, descrições

ARAÚJO, D. C. A construção social da infância:

que como essas, retratam ideias que cada época

uma outra história.In:CONGRESSO NACIONAL

faz das suas crianças. Mas temos que compreen-

DE EDUCAÇÃO – EDUCERE, 7., 2008, Curiti-

der que cada leitura destas descreve as crianças

ba.Anais... Curitiba: PUCPR, 2008. Disponível em:

baseando-se nas intolerâncias que serviam de

< http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/ar-

padrão para o período. Para finalizarmos, defen-

q u i v o s / F i l e / 2 0 1 0 / a r -

demos o posicionamento de Abramowicz e

tigos_teses/Pedagogia2/aconstrucao_social_inf

Rodrigues (2014, p.467) acerca da emergência de

ancia.pdf>. Acesso em: 25 de janeiro de 2018.

uma nova “distribuições de posição, de lugar e de poder entre adultos e crianças, de maneira a

ARIÉS, Philippe. História social da criança e da

emancipar e dar autonomia às crianças, é neces-

família. 2. ed., Rio de Janeiro: Guanabara: 1973.

sário que o caminho seja refeito”,a partir desse novo olhar para as infâncias possamos pensar

DEL PRIORE, M. (Org.) História das crianças no

nelas de uma forma maior, mais ampla, indepen-

Brasil. 6. ed. São Paulo:Contexto, 2007.

dente, infantil, sem nunca torná-las menores em

FREITAS, M. C. (Org.). História social da infância

importância e valor.

no Brasil. São Paulo: Cortez, 1997.

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bu: ANPAD, 2008. p. 1-18. Disponível em:

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NASCIMENTO, C. T. A construção social do conceito de infância: uma tentativa de reconstrução historiográfica.Linhas, Florianópolis, v.9, n.1, p.4-18, jan./jun.2008.

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VASCONCELOS, F. BONECAS: OBJETO DE CONFLITO IDENTITÁRIO NA ARENA DA. DOMINAÇÃO CULTURAL. REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 27.,

Caxambu/MG,

ANPAD,

105

2003.

p.

2003.

Anais...Caxambu:

1-18.

Disponível

em:


Ana Clรกudia Magnani Delle PIAGGE Marcia Cristina Argenti PEREZ

106


SOBRE OS AUTORES

Alessandra Aparecida Viveiro

Bianca Aparecida Medeiros

Licenciada em Ciências Exatas (USP), Mestre e

Pedagoga e integrante do PET Pedagogia MEC

Doutora em Educação para a Ciência (UNESP).

UNESP (2015-2017). UNESP- FCLAr - Universida-

Docente e Pesquisadora da UNICAMP do Progra-

de Estadual Paulista – Faculdade de Ciências e

ma de Pós-graduação Multiunidades em Ensino

Letras de Araraquara – São Paulo – Brasil – e-mail:

de Ciências e Matemática (PECIM). Líder do

biancamedeiros96@outlook.com

Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Professores e Práticas Pedagógicas em Ensino

Carina Teles de Souza

de Ciências e Educação Ambiental (ECiEA

Pedagoga e integrante do PET Pedagogia MEC

(UNESP)) e do Grupo FORMAR-Ciências (UNI-

UNESP (2015-2017). Mestranda do Programa de

CAMP) – e-mail: alessandraviveiro@gmail.com

Pós Graduação em Educação Sexual - UNESPFCLAr - Universidade Estadual Paulista – Faculda-

Ana Cláudia Magnani Delle Piage

de de Ciências e Letras de Araraquara – São

Graduanda em Pedagogia e integrante do PET

Paulo – Brasil – e-mail: carinateles1@hotmail.-

Pedagogia MEC UNESP (2017-2018). Pesquisa-

com

dora-estudante do GEPIFE – Grupo de estudos e pesquisas sobre Infância, Família e Escolariza-

Cláudia Dias Prioste

ção.

UNESP- FCLAr - Universidade Estadual

Psicóloga, Mestre e Doutora em Educação (USP).

Paulista – Faculdade de Ciências e Letras de

Pesquisadora e Docente do Departamento de

Araraquara – São Paulo – Brasil – e-mail: anacl-

Psicologia da Educação e dos Programas de Pós-

magnani@gmail.com

Graduação em Educação Sexual e Educação Escolar. Líder do Grupo de estudos: A formação

107


do sujeito na era digital. UNESP- FCLAr - Univer-

Ludynnylla Paiva Botta dos Passos

sidade Estadual Paulista – Faculdade de Ciências

Graduanda em Pedagogia e integrante do PET

e Letras de Araraquara – São Paulo – Brasil –

Pedagogia MEC UNESP (2016-2017). Pesquisado-

e-mail: claudiaprioste@fclar.unesp.br

ra-estudante do GEPIFE – Grupo de estudos e pesquisas sobre Infância, Família e Escolarização.

Letícia Joia de Nois

UNESP- FCLAr - Universidade Estadual Paulista –

Graduanda em Pedagogia e integrante do PET

Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara –

Pedagogia MEC UNESP (2016-2018). Pesquisa-

São Paulo – Brasil – e-mail: ludynnylla@hotmail.-

dora-estudante do GEPIFE – Grupo de estudos e

com

pesquisas sobre Infância, Família e Escolarização. UNESP- FCLAr - Universidade Estadual Paulista –

Marcia Cristina Argenti Perez

Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara –

Pedagoga, Mestre e Doutora em Psicologia

São Paulo – Brasil – e-mail: lety_denois@hot-

(USP), Pesquisadora e Docente do Departamento

mail.com

de Psicologia da Educação e do Programa de PósGraduação em Educação Sexual. Tutora do PET

Leticia Karoline Ferreira

Pedagogia UNESP MEC-SESu. Líder do GEPIFE –

Pedagoga e integrante do PET Pedagogia MEC

Grupo de estudos e pesquisas sobre Infância,

UNESP (2014-2016). UNESP- FCLAr - Universida-

Família e Escolarização. UNESP- FCLAr - Universi-

de Estadual Paulista – Faculdade de Ciências e

dade Estadual Paulista – Faculdade de Ciências e

Letras de Araraquara – São Paulo – Brasil –

Letras de Araraquara – São Paulo – Brasil – mar-

e-mail: leticiakaro@hotmail.com

ciacap@fclar.unesp.br

108


Natália Mazzilli Dias

Suselaine Aparecida Zaniolo Mascioli

Graduanda em Pedagogia e integrante do PET

Pedagoga, Mestre em Educação (UFSCar) Douto-

Pedagogia MEC UNESP (2016-2018).

UNESP-

ra em Educação Escolar (UNESP), Pós doutora em

FCLAr - Universidade Estadual Paulista – Faculda-

Educação, sub-área Educação Infantil (UFSCar).

de de Ciências e Letras de Araraquara – São Paulo

Docente Voluntário da UAB- UFSCar, Docente da

– Brasil – e-mail: namadias@hotmail.com

Universidade Paulista - UNIP e das Faculdades Integradas de Jaú. Membro pesquisadora dos

Relma Urel Carbone Carneiro

Grupos de pesquisa: Educação Infantil: aprendi-

Pedagoga, Mestre em Ciências: Distúrbios da

zagem e desenvolvimento profissional em

Comunicação Humana (USP) e Doutora em Edu-

contextos integrados (UNESP) e Núcleo de Estu-

cação Especial (UFSCar). Pesquisadora e Docente

dos e Pesquisas sobre A Escola de Vigostky

do Departamento de Psicologia da Educação e

(Neevy – UFSCar) – e-mail: susezan @bol.com.br

do Programa de Pós- Graduação em Educação Escolar - Líder do GEPEEI – Grupo de estudos e Pesquisas em Educação Especial e Inclusivar UNESP- FCLAr - Universidade Estadual Paulista – Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – São Paulo – Brasil – e-mail: relmaurel@fclar.unesp.br

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