ENTREVISTA
Edição N. 6
LOURDES MACENA
ENSINO COLETIVO DE VIOLINO E VIOLA Práticas pedagógicas voltadas para a educação musical infantil
ILÉ ANU
Um grupo de música percussiva numa casa espírita
ROCK UNDERGROUND Levantamento do cenário de bandas de rock em Fortaleza
Universidade Federal do Ceará (UFC) Instituto de Cultura e Arte (ICA) Coordenação do Curso de Música Programa de Educação Tutorial em Música (PET Música)
Por Aí Cenário do Rock Underground de Fortaleza Texto: Matheus de Oliveira e Gutemberg Freitas Imagens: Gutemberg Freitas e Lindenberg Freitas
Tutoria e Orientação Profa. Dra. Catherine Furtado dos Santos Prof. Dr. Gerardo Viana Jr.
Ilé Anu: Grupo de Música Percussiva Numa Casa Espírita Texto: Jean Brito e Marília Duarte Imagens: Acervo Ilé Anu
Organização Jean Brito
Notas 3ª Conferência Internacional de Educação Musical de Sobral – III CIEMS Texto: Marcus Vinicius
Projeto Gráfico-Editorial e Diagramação Erdenio Oliveira Brito Edição de Textos e Revisão Jean Brito Capa e Edição de Imagens Erdenio Oliveira Brito Artigo Texto: César Rodrigues Por Aqui Ensino Coletivo de Violino e Viola - Práticas Pedagógicas Texto: Luzia Capistrano e Marcus Vinicius Imagens: Marcus Vinicius Palco Aberto Texto: Matheus de Oliveira e Paulo Mateus Imagens: Acervo do Centro Acadêmico Izaíra Silvino
4º Festival Fortaleza Instrumental – Percussão por Jean Brito Imagens: Walnysse Gonçalves Gosto do Professor Catherine Furtado dos Santos Texto: Luzia Capistrano e Vinícius Ferreira Imagens: Catherine Furtado Vitrine Científica Seleção: Jean Brito Entrevista Lurdes Macena Texto: Jean Brito Imagens: Marcus Felipe e Marcos Cortez
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EDITORIAL
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ARTIGO
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ENSINO COLETIVO DE VIOLINO E VIOLA
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PALCO ABERTO
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ROCK UNDERGROUND DE FORTALEZA
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ILÉ ANU
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NOTAS
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CATHERINE FURTADO
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CIENTÍFICO
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LURDES MACENA
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FOTOGRAFIAS
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RUA PROF. AMANDO FARIAS S/N - CAMPUS DO PICI CEP: 60440-900 - FORTALEZA - CE WWW.UFC.BR
PET,
MÚSICA,
6 EDIÇÕES!
EDITORIAL A jornada acadêmica é uma montanha russa de emoções, descobertas, conhecimentos e encontros. No curso de Música da Universidade Federal do Ceará (UFC), ela acontece acompanhada de uma trilha sonora tocada, composta e vivida por todos os alunos, que se deparam com uma infinidade de tons, ruídos e silêncios. Nos corredores do Instituto de Cultura e Arte (ICA), percebemos que essa trilha é compartilhada com muitos outros artistas e futuros professores de Artes, que povoam e constroem a paisagem na qual várias histórias se desenham e se cruzam, num emaranhado de sons, cores, formas e sonhos.
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Artigo
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MÚSICA E PSICOLOGIA, UMA RELAÇÃO BENÉFICA? POR CÉSAR RODRIGUES
Música – uma forma de arte-expressão que transpassa séculos de existência e acompanha a humanidade desde seus primeiros passos. Psicologia – área do conhecimento com uma relação estreita com a Medicina, focada em compreender o Homem, seu comportamento, seus conflitos, e a si próprio como ser vivo consciente. Poderiam esses dois campos andar lado a lado em busca de trazer bem-estar ao ser humano? A resposta pode ser bem ampla, visto que a mente humana é complexa e, sendo assim, eis que surge a pluralidade de egos. Há os que apreciam a expressão musical a ponto de criar laços afetivos tanto como há aqueles que não possuem nenhum sentimento de prazer perante a mesma, preferindo outras formas de lazer. Mas sim, é possível uma relação benéfica cooperativa em prol do ser humano. Esta seria exclusiva aos apreciadores de música, independentemente da sua origem, época, estilo? Não. Assim como outras formas de arte, a música pode ser abraçada por todos aqueles que desejam tê-la em sua vida. A música enquanto proposta de lazer já nos remete a pensá-la como uma forma de busca humana pelo prazer ou uma válvula de escape aos que procuram se desviar, mesmo que de forma momentânea, dos problemas/desafios que cercam a vida humana. Seja aos fones de ouvido, num clube de dança, ou em um restaurante, a música é capaz de trazer a sensação de prazer e bem-estar que procuramos. Enquanto proposta te-
rapêutica, acredito que a musicoterapia seja a área da saúde que melhor representa a união entre a música e a psicologia. Neste tipo de terapia, o tratamento se adapta às necessidades do paciente. A música enquanto processo terapêutico visa prestar assistência psíquica, emocional, ou até espiritual ao paciente. Para que isso ocorra, é fator importante que o repertório a ser trabalhado durante a terapia seja a gosto da pessoa que está sendo tratada, que lhe proporcione prazer e lazer. Acho importante destacar que, mais uma vez, a relação música-prazer e música-lazer aqui se encontra, dessa vez, inserida em um contexto clínico. Que fique claro que não obrigatoriamente um indivíduo precise ter uma relação boa com a música. A música pode nos remeter à alegria, tristeza, euforia, etc. Em outros casos, não transmite nada ao ouvinte. Porém, constata-se que existe uma relação benéfica concreta em que através da música, problemas emocionais, como estresse, ansiedade e depressão, podem ser reduzidos, e a sensação de felicidade e satisfação aumentam. Decerto que os estudos que relacionam essas duas áreas do conhecimento estão em constante evolução, mas é seguro afirmar que chegamos a um momento da história em que são visíveis os benefícios resultantes do trabalho dualista realizado pela colaboração entre essa arte transcendente e o estudo da mente e comportamento humano.
A MÚSICA ENSAIA E ANTECIPA AQUELAS TRANSFORMAÇÕES QUE ESTÃO SE DANDO, QUE VÃO SE DAR, OU QUE DEVERIAM SE DAR, NA SOCIEDADE. José Miguel Wisnik
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ENSINO COLETIVO DE VIOLINO E VIOLA
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
POR LUZIA CAPISTRANO / MARCUS VINICIUS
O ensino coletivo dos instrumentos de corda teve início nos Estados Unidos da América na década de 1950. No Brasil, teve seus primeiros registros ainda na década de 50 através dos esforços de José Coelho de Almeida, sendo concretizado em 1980 quando este assume a coordenação do Conservatório Estadual Dr. Carlos de Campos, de Tatuí. Na década de 1970, através do professor violinista Alberto Jaffé, o ensino coletivo de instrumentos de cordas chega à Fortaleza, a convite do Serviço Social da Indústria (SESI) e daqui espalha-se por algumas cidades brasileiras. Na Universidade Federal do Ceará (UFC) o ensino coletivo de cordas ganhou força com a chegada dos instrumentos de cordas friccionadas e, consequentemente, com a contratação de professores da área, dentre esses, a professora Liu Ying, que é responsável pela elaboração do projeto de extensão de Ensino Coletivo de Violino e Viola - Práticas Pedagógicas. Nós, da revista Música Em Si, procuramos a professora e coordenadora do curso de extensão, Liu Ying para saber um pouco sobre seu envolvimento com o ensino coletivo de cordas e mais especificamente sobre a criação do projeto de extensão de Ensino Coletivo de Violino e Viola - Práticas Pedagógicas.
Inicialmente a professora informa que sua trajetória e envolvimento com o ensino coletivo de instrumentos de corda foi motivada pela ida do professor e violinista Alberto Jaffé a São Paulo. Seu primeiro contato com a metodologia se deu quando convidada para lecionar na Universidade Livre de Música (ULM), hoje Escola de Música de São Paulo (EMESP), e Projeto Guri (1995), onde teve a oportunidade de trabalhar com outros professores que haviam tido contato com Jaffé e o ensino coletivo de cordas. Sobre os principais fatores que contribuíram para a criação do projeto de extensão, a professora nos conta que ao entrar para o corpo docente da UFC, se viu desafiada a trazer o ensino coletivo para os cursos de extensão da Instituição. A professora diz que trabalhar com o ensino coletivo nos projetos de extensão da Universidade além de um imenso prazer para professores e alunos, possibilita aos alunos da graduação a experiência de exercer a docência dando aulas como monitores que, de
acordo com a professora, “é uma prática riquíssima”. A maior motivação foi ampliar a prática musical e de ensino de música na Universidade Federal do Ceará. Para ingressar no projeto o aspirante à vaga não precisa passar por processo seletivo. As vagas são disponibilizadas anualmente e divulgadas através das mídias sociais e sites da Universidade. O número de alunos por turma está sujeito apenas à limitação do espaço. A professora acrescenta que nenhuma criança inscrita na primeira turma deixou de ser contemplada. Atualmente a faixa etária dos alunos participantes do projeto é de 8 a 12 anos de idade, faixa que terá uma alteração para as próximas turmas. Serão abertas turmas com crianças de 8 e 9 anos e outra de 10 a 12 anos para que haja um melhor atendimento dos alunos. Outro aspecto importante é que todas as crianças precisam adquirir seu instrumento,
pois a UFC não os fornece, o que, segundo a professora, é lamentável, além de fator limitante para a aprendizagem. O projeto atende à crianças de diversos bairros da cidade, e de diversas camadas sociais. Para as aulas a professora utiliza muitas imagens para trabalhar a postura, pois a postura e a consciência corporal são de suma importância nesse primeiro ano de aprendizado. Ao final do semestre, a professora Liu realiza uma só grande apresentação com todos os grupos do projeto, o que considera o suficiente, porque mais de uma poderia ser muito desgastante para as crianças. Um dos principais objetivos do projeto é proporcionar um ensino musical de qualidade, seja na iniciação ou no ensino de instrumento. Outro objetivo destacado pela professora é que esse curso de extensão, que tem duração de 4 anos para o aluno, seja um curso permanente na UFC. A médio-longo prazo a professora almeja que haja uma maior conscientização e investimento por parte dos governantes e que, juntamente com isso, haja maior possibilidade de acesso ao ensino de instrumentos para toda a sociedade.
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PALCO ABERTO
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POR MATHEUS DE OLIVEIRA / PAULO MATEUS
O Centro Acadêmico Izaira Silvino (CAIS), do curso de Música da UFC, sentiu a necessidade de ocupar os espaços do Instituto de Cultura e Arte (ICA), onde funciona o Curso, com atividades artísticas. Assim nasceu o projeto Palco Aberto, que é um espaço para que os estudantes possam apresentar seus trabalhos ao público acadêmico. O espaço disponibilizado pelo projeto visa promover, além da exposição de trabalhos artísticos dos estudantes, uma maior troca de experiência entre os alunos de todos os cursos do Instituto de Cultura e Arte,
assim como estudantes visitantes de outros cursos da UFC. É o que relata Stepherson Queiroz de Souza, membro da gestão MusiCAIS do centro acadêmico do curso de Música: “Nós, da gestão do CA, vimos a necessidade de surgir um evento em que a gente integrasse todos os alunos do curso de Música, e não só eles, mas a comunidade acadêmica em geral, para que a gente tivesse esse espaço de diversidade, de união e de interação entre esses alunos, surgiu o Palco Aberto, que é um espaço onde os alunos se apresentam de forma musical ou de outra forma artística que tenham interesse”.
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Um exemplo disso é Gutemberg Freitas de Andrade, aluno do curso de Música que participou da primeira edição do Palco Aberto. “Quando estava no palco disse o que pensava do projeto, do quanto ele é importante para a cultura, pois existem vários artistas compositores que não têm a oportunidade de mostrar seu trabalho em público, e melhor ainda: para quem quer ouvir, para quem está lá saber que o intuito do projeto é abrir o espaço para essas pessoas também.Além disso, dá uma certa experiência no palco.” O Palco aberto ocorre quinzenalmente às sextas-feiras, em frente à sala do Centro Acadêmico Izaira Silvino, no Instituto de Cultura e Arte, que fica no Campus do Pici, Fortaleza.
Um grande exemplo do envolvimento de estudantes de diversos cursos é a aluna Maria Sofia Silveira Abreu, do curso de Filosofia, que também participou do projeto. “Rolou uma maior aproximação dos alunos e alunas ali. Este tipo de evento faz com que nós, alunos do Instituto de Cultura e Arte possamos nos aproximar mais! Isto é muito importante”, diz Maria Sofia acerca de sua apresentação no Palco Aberto. Muitos estudantes, mesmo do curso de Música, embora tenham trabalhos autorais ou interpretem trabalhos de outros artistas, às vezes não têm espaço onde apresentá-los.
QUE A BRINCADEIRA DAS CRIANÇAS SEJA NOSSO MODELO. R. Murray Schafer
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ROCK UNDERGROUND DE FORTALEZA
POR MATHEUS DE OLIVEIRA / GUTEMBERG FREITAS
Underground (“subterrâneo”, em inglês) é uma expressão que designa um ambiente cultural sem padrões comerciais. A cultura underground, quando estabelecida em um determinado local, passa a se denominar cena underground, que se dá com a produção de cultura underground em um determinado período. Inicialmente, as bandas que faziam parte desse movimento tinham um caráter revolucionário como diz Ramone, vocalista da banda Código de Conduta: “[...] as bandas tinham ligação forte com a revolução, as dificuldades do gueto, assim como o rock.” Porém, com o passar do tempo, muitas bandas foram modificando o termo underground, influenciando-se pelo mainstream, e utilizando o cenário como uma mostra do trabalho visando o sucesso.
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A cena do rock underground de Fortaleza vem se consolidando por conta da maior acessibilidade a instrumentos musicais e ao contato entre pessoas que tocam algum instrumento, ou gostam de um mesmo estilo de música, através das redes sociais. Essas novas relações dos indivíduos ocasionou um aumento na quantidade de músicos e bandas, e, por conta disso, uma série de festivais como o Fábrica Musikaos, o Canteiro Independente, e o Rock Até Os Ossos, que acontecem em Fortaleza. Muitos destes são organizados pelas próprias bandas. “[...] antes as bandas esperavam por eventos, hoje em dia arregaçam as mangas e fazem por si mesmas”, comenta Ramone. Vale lembrar que os coletivo de bandas - MUF, Crítica Cultural, Turma do Canteiro, Toca Good Garden) -, também tem um papel fundamental na organização desses eventos.
Dentro da cena, nós temos pessoas como Cival Sales, técnico de som que aluga as aparelhagens para diversos eventos (Hallowicca, Rock em Movimento) que acontecem na cidade, principalmente em regiões de periferia. Para ele, a cena adquire um valor que vai além do musical. “Na minha opinião, a cena rock, hoje em dia, passou a ser muito mais ideológica e política do que um movimento de rebeldia contra o sistema, podendo até mesmo se tornar partidária.” Segundo Marcelo, ex-integrante das bandas Lotus Negra e Os Verminosus, produtor do evento Pró Cultura, “ele [o movimento] mantêm viva a vontade de participar de algo criativo.” Contribuindo com a discussão, Berg Vinil, antigo vocalista da Violadores e participante ativo da cena underground de Fortaleza, diz: “o bom é que ainda não teve fim. Quando é de verdade é muito bom.” Além de tudo isso, esse cenário instiga muitos a estudar o seu instrumento e a ingressarem em um curso de música na universidade.
NÃO HÁ MAIS PROFESSORES, APENAS UMA COMUNIDADE DE APRENDIZES. R. Murray Schafer
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ILÉ ANU: GRUPO DE MÚSICA PERCUSSIVA NUMA CASA ESPÍRITA
POR JEAN BRITO / MARÍLIA DUARTE
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Situada no Grande Jangurussu, especificamente no Conjunto Santa Filomena, a Casa da Caridade Dr. Adoph Fritz é uma instituição espírita de energia envolvente e estrutura bem aconchegante, que tem como trabalho principal as cirurgias espirituais, possuindo também, dentre seus pilares, o trabalho social, que é alcançado nos vários projetos sociais que atendem a comunidade do seu entorno. Com o lema “deixe aqui suas dores”, a Casa traz equilíbrio material e espiritual a centenas de pessoas que procuram o lugar semanalmente, para resolver demandas de todas as ordens, passando a frequentar o espaço durante o período de tratamento nas mais diversas atividades de cura. Tendo adotado a música, como uma das práticas terapêuticas, a instituição possui, dentre seus projetos sociais, a Casa da Música, que funciona com aulas de violão, canto e percussão, sendo este último o trabalho que queremos apresentar. Intitulado como Grupo de Música Percussiva Ilé Anu, que significa Casa da Caridade em iorubá, o grupo foi fundado por Catherine Furtado, professora Doutora do curso de Música da Universidade Federal do Ceará, e foi batizado pelo Dr. Honoris Causa Descartes Gadelha, padrinho do grupo. O grupo funciona na sede da Casa, e reúne aproximadamente 20 pessoas uma vez por semana, nas sextas-feiras, das 19 às 21 horas, e conta hoje com a regência de dois alunos do curso de Música da UFC: Jean Brito, membro bolsista do PET Música; e Laylson Bruno, bolsista regente do Coral do Centro de Humanidades da UFC; ambos são voluntários no projeto.
A primeira aula de percussão do projeto social Casa da Música foi na sexta-feira, dia 14 de Outubro de 2016, e em entrevista com a professora Dra. Catherine Furtado, fundadora do projeto, pudemos compreender o quanto o ensino de música pode modificar realidades e o quanto o saber acadêmico, vindo da universidade, pode alcançar espaços extramuros, cumprindo também sua função social, atingindo não só conhecimento, mas também almas. “Eu fui à Casa da Caridade no dia 23 de Julho de 2016, [...] com o intuito de fazer uma cirurgia espiritual. Na oportunidade da cirurgia, quem me atendeu foi a Doutora Paula, e a pessoa que estava recebendo, o aparelho, foi a Dione. Ela perguntou com o que eu trabalhava, eu disse que trabalhava com música, com tambor. Aí, ela olhou para mim e disse: ‘pois eu quero que você faça um projeto social aqui na casa [...] e que depois você coloque esse pessoal para tocar tambor. [...] As pessoas começaram a ir, e eu comecei a ver relatos que surgiam, e essas pessoas sempre apontavam aquele momento da aula de percussão como uma terapia, com um bem-estar muito grande”, conta Catherine sobre a criação do projeto e impressões dos membros do grupo. Hoje, o grupo Ilé Anu integra um dos tratamentos espirituais da Casa e desenvolve um trabalho artístico, em que os seus participantes se reúnem semanalmente para construir repertório e para montar apresentações.
“Foi isso que eu aprendi no Ilé Anu: a questão da aula é bem mais do que a formação do conteúdo, do que a formação profissional; há um alcance da alma também”, diz Catherine.
NUMA CLASSE PROGRAMADA PARA A CRIAÇÃO, O PROFESSOR PRECISA TRABALHAR PARA SUA PRÓPRIA EXTINÇÃO. R. Murray Schafer
Notas
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3ª Conferência Internacional de Educação Musical de Sobral – III CIEMS POR MARCUS VINICUS
A III Conferência Internacional de Educação Musical de Sobral (CIEMS) aconteceu entre os dias 23 e 27 de Julho de 2017. O evento já é considerado um marco para o fomento de pesquisas em educação musical no Brasil e exterior. Contando com grandes nomes da cena da educação musical mundial, como Yaroslav Senyshyn de Vancouver, Francis Dubé, Andrea Creech, Sérgio Figueiredo e Herbet Lima, atual Ministro da Educação de Sobral. Para a professora Adelina, uma das organizadoras, esse tipo de evento é importante pois permite a construção de conversas sobre temas relevantes para a educação musical.
Notas
4º Festival Fortaleza Instrumental – Percussão POR JEAN BRITO
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A 4ª edição do Festival Fortaleza Instrumental aconteceu nos dias 28 e 29 de julho de 2017, no Sesc Iracema, com uma vasta programação gratuita de shows, seminários e oficinas. Continuando a sua ideia de privilegiar um timbre musical, dedicou-se nesta edição aos instrumentos de percussão, reunindo nomes de referência da área, proporcionando uma troca de conhecimento entre cearenses e pessoas de outros estados do Brasil. O festival foi uma realização da Associação Cultural Solidariedade e Arte (Solar), com apoio do Sesc e da Secult. Entre os convidados ministrantes das oficinas, o festival contou com a presença do griô, músico e artista plástico cearense Descartes Gadelha; educador percussivo e coordenador da bienal percussiva cearense Marcelo Santos; percussionista carioca Marcos Suzano; percussionista cearense, professora Doutora Catherine Furtado dos Santos; percussionista cearense Hoto Júnior; percussionista baiano Marco Lobo. Além disso, contou com as apresentações da Orquestra Solar de Tambores, da Caravana Cultural, do Marcos Suzano Trio, do Hoto Jr – Forró Jazz Trio, e do Marco Lobo Trio, e seus respectivos convidados.
TRABALHAR COM PERCUSSÃO É APRENDER A TRABALHAR COM FORMAÇÃO HUMANA E MUSICAL
Gosto do Professor
9 POR LUZIA CAPISTRANO / VINÍCIUS FERREIRA Catherine Furtado dos Santos é professora do curso de música da UFC, baterista e percussionista. Tem graduação em Turismo pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - IFCE (2007), graduação em licenciatura em Música pela Universidade Federal do Ceará (2010), mestrado em Educação Brasileira pela UFC (2013), doutorado em Educação Brasileira no eixo ensino de Música pela UFC (2017); tem grande experiência na área de etnomusicologia, com ênfase em práticas percussivas colaborativas; e, atualmente, coordena e rege o Grupo de Música Percussiva Acadêmicos da Casa Caiada da UFC. Nos pilares da sua formação musical há muitas influências dos gostos de seus pais pelo rock e música erudita, tanto que na adolescência começou a estudar o violão, logo passando a praticar bateria e a participar de bandas de rock em festas e festivais, algo desafiador devido a admiração e preconceito à presença de uma baterista no cenário. Ao longo do seu processo de aperfeiçoamento no estudo da bateria foi nutrindo admiração pelo ato de ensinar. Com isso, buscou a faculdade de música, mas por não passar no teste de aptidão optou por ingressar em turismo, e em sua monografia abordou a música e a cultura do carnaval de rua, tema que a levou ao encontro de Inês Mapurunga e de seu parceiro musical, o carnavalesco e musicista Descartes Gadelha. “Pude conhecer a música popular brasileira na sua forma mais íntima, e aí começou minha peregrinação com Descartes e Inês Mapurunga, na qual pude conhecer todo o banco cultural de Fortaleza, e quando me deparei com essa sonoridade, a do batuque, me despertou a vontade de estudar tudo aquilo, e foi como se eu estivesse nascendo de novo.” Conhecer Descartes Gadelha proporcionou à Catherine o conhecimento das escolas de samba e maracatu da cidade de Fortaleza, a sonoridade do batuque que a despertou para a vontade de estudar mais profundamente esses ritmos da música brasileira. Com Descartes, aprendeu a tocar percussão na rua e em comunidades, conheceu ritmos, histórias e a essência de um trabalho de percussão com o coletivo.
O que escuta A professora Catherine é encantada com tudo que está ligado ao universo da cultura popular e o que se refere a isso, inclusive canções anônimas, de pesquisas como, por exemplo, da missão de 1938 de Mário de Andrade, gravações que muitas vezes não se sabe os nomes dos autores, mas que estão ligadas ao universo da cultura popular como maracatus, escolas de samba, músicas de terreiro. Recomendações A professora recomenda as pesquisas das missões folclóricas de Mário de Andrade, de 1938, onde é possível encontrar uma diversidade de cores, de sambas de roda, de maracatus, de ritmos da cultura popular. Referências musicais Sua bagagem musical tem inspirações de percussionistas como Descartes Gadelha, Papete, Airton Moreira, Naná Vasconcelos, Marcos Lobo.
Vitrine Científica 10
PROJETOS DE EXTENSÃO EM MÚSICA NO IFCE DE SOBRAL: TÁTICAS PARA A REINVENÇÃO DO COTIDIANO ATRAVÉS DO ENSINO COLETIVO DE INSTRUMENTOS MUSICAIS E CANTO SELEÇÃO POR JEAN BRITO Autora da dissertação: Francisca Antônia Marcilane Gonçalves Cruz Resumo: Esta pesquisa aborda as práticas musicais desenvolvidas no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) campus de Sobral, por meio dos cursos de extensão. Essas práticas constituem três cursos distintos, a saber: o de Flauta Doce, o de Clarineta e Saxofone e o de Canto Coral. O ensino-aprendizagem de música nesse contexto ocorre a partir da ótica do Ensino Coletivo de Instrumentos Musicais (ECIM). O estudo teve como objetivo compreender qual a repercussão que essas práticas musicais coletivas exercem nas “práticas comuns” dos “usuários” desses cursos e, a partir de então, identificar possíveis mudanças ocorrentes em seu “cotidiano”. Para tanto, utilizamos como referencial teórico Certeau (2013, 2014), com suas ideias e reflexões a respeito das “práticas cotidianas”, que levam em consideração conceitos como “táticas”, “estratégias”, “antidisciplina”, “espaço”, “lugar”, “praticantes” e “usuários”, entre outros. A abordagem metodológica enfatiza o paradigma qualitativo e toma como design o estudo de caso, recorrendo a múltiplas técnicas de coleta de evidências (Estudo exploratório; Registros audiovisuais; Questionário autoadministrativo post-pre; e entrevista por grupo
Vitrine Científica focal). Esses procedimentos foram realizados entre agosto do ano de 2016 e dezembro do ano de 2017. As análises e a interpretação das diversas evidências identificadas por este estudo possibilitaram a compreensão das diferentes formas de consumo, apropriação e utilização do aprendizado musical pelos “usuários” dos projetos de extensão. Assim, o ensino de música desenvolvido nessa instituição foi interpretado como “espaços” capazes de estimular, em seus “usuários”, “táticas” e “antidisciplinas” diante da realidade em que estão inseridos, podendo promover a “reinvenção do seu cotidiano”. Desse modo, a presente pesquisa busca contribuir com aprimoramento das práticas educativas musicais existentes no contexto investigado e com a expansão de pesquisas relacionadas ao ECIM, ao “cotidiano” e à Educação Musical. Palavras-chave: Projetos de Extensão. Ensino Coletivo de Instrumentos Musicais. Reinvenção do Cotidiano. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação profissional em Artes do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Artes. Área de concentração: Artes. Disponível no site: https://pergamum.ufc.br/pergamum/biblioteca/index.php
A MÚSICA EXISTE PORQUE NOS ELEVA, TRANSPORTANDO-NOS DE UM ESTADO VEGETATIVO PARA UMA VIDA VIBRANTE. R. Murray Schafer
Entrevista
LOURDES MACENA 11
POR JEAN BRITO Maria de Lourdes Macena de Souza, conhecida carinhosamente pelos seus alunos como Lourdinha, é graduada em licenciatura em Música pela Universidade Estadual do Ceará (UECE); é mestra profissional em Turismo com dissertação sobre festas populares; doutora em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estudos na linha de pesquisa artes cênicas - teorias e práticas e Ensino em Arte; coordenadora do grupo Miraira - Laboratório de práticas culturais tradicionais; e professora de danças tradicionais e sociais no Instituto Federal do Ceará (IFCE). Muito acolhedora, Lourdes me recebeu em sua sala no IFCE, campus Fortaleza, na sede localizada no bairro Benfica, na Avenida Treze de Maio, para uma conversa sobre a sua trajetória no ensino, na música e na cultura popular.
Entrevista
Música em Si - Lourdes, me conte um pouco sobre a sua trajetória, e de como chegou até o curso de Música na UECE. A minha família nasceu num lugarzinho que hoje não existe mais, que se chamava Congo, no Vale do Jaguaribe. Ainda existe, mas não é o que era antes. Nesse lugar, se tinha uma coisa que a gente gostava de fazer era festa. Ele era um lugar que não tinha clubes, essas coisas. Então, até a idade de 15, 16 anos, ele era um lugar que eu sempre ia nas férias, porque aos 17 anos eu vim à Fortaleza. Eu brinquei muito carnaval no leito do Riacho Seco, que eles chamavam, que é o braço do Banabuiú. Vivia mais seco do que cheio, por isso o nome. Eu via aqueles homens trabalhadores e que, no final de semana, pegavam o pandeiro, o violão, a sanfona, e tocavam. Meu pai sempre foi muito afinado. Meu pai nunca estudou Música. Nunca! E para grande tristeza dele, eu fui a primeira filha a entrar na faculdade e, quando eu disse que ia estudar Música, isso foi um precipício de vida, porque, apesar de ele ser músico, ele sempre dizia pra mim: “minha filha, música é para gente ser feliz, mas não serve pra aguentar. A música alimenta a alma, mas pelo amor de Deus não faça isso.” Então, aos 17 anos eu fui fazer Música na UECE. Eu sempre fui apaixonada por música. Eu não trabalho com música, mas eu não seria o que eu sou se não tivesse feito Música, porque, na cultura popular, a música é a cama onde tudo se deita. Você usa a música para rezar, para cozinhar, você usa música quando você está na plantação, para plantar. Você tem cânticos para plantar, cânticos para colher. Então, a música não é só para sentar e pra ouvir e com ela se deleitar. Ela é um elemento colaborador da própria vida. Isso é tão verdade, que existem pessoas que nunca estudaram música e que produzem música, e que criam música. Aos 16 anos, terminei o ensino, e tive uma grande felicidade, um divisor de águas: fiz aquele curso pedagógico e uma de minhas professoras foi Izaíra Silvino, e eu fiz educação artística com ela. E aí, nesse contato com a Izaíra, eu gostava muito de levar o violão para a sala de aula, também nunca fui uma grande instrumentista, mas eu gostava muito de violão, e tinha algumas atividades que ela passava e eu tocava umas besteirinhas.
Entrevista
Aí, eu tava terminando e ela perguntou: “Lourdinha, tu vai fazer vestibular para quê?” e eu dizia: “tô resolvendo ainda. Não sei.” Aí ela disse: “você vai fazer Música”. Eu nem sabia que tinha curso de Música, curso superior na UECE. Que também só tinha isso: quem quisesse fazer Artes Visuais fazia Música; quem queria dançar fazia Música; quem queria fazer Tico Tico no Fubá fazia Música. Não tinha outra opção, porque o único curso de artes que havia em todo o estado do Ceará, até 2000, era o curso de Música. Então, vocês são felizardos, porque, apesar de vocês serem de Música, vocês estudam numa universidade que oferece a todos os cearenses as quatro linguagens. Música em Si - Qual a sua relação com a cultura popular? Então, aí eu fui para a Música, mas quando eu fui para a Música, lá estudando, eu já sabia que, por tudo que eu ia me encontrando, ia me dedicar à tradição popular, porque era esse viés que me encantava. Mas essa coisa da música tradicional sempre foi a coisa que mais me encantou. Eu fiquei vendo assim: como é que um homenzinho que nunca estudou o saber formal da música, como é que ele consegue esse domínio de sons só por observar os pássaros? Como um cara constrói um pífano? Como é que ele consegue descobrir as distâncias dos furos para poder dar determinado som para o pífano? Então, esse saber foi um saber aprendido no cotidiano. Como quase tudo o que a gente aprende da Música também. Mas é um cotidiano do aprender fazendo, pelas experiências que vão dando aquelas
descobertas. Então, quando você vai ver os instrumentos étnicos, você observa que eles surgem da necessidade que o homem tem de tocar, da necessidade que o homem tem de cantar, de produzir som para todas as coisas que você possa imaginar. Música em Si - E sobre o MiraIra, qual a importância de um grupo como ele? Uma coisa que eu acho muito importante desse trabalho do Mira Ira é a oportunidade que os meninos têm de conhecer gêneros musicais que, normalmente, as escolas deles não dão. Eu vejo muitos músicos tocando marcha, marchinha, e que diz que é uma ciranda, mas na verdade não é. Há uma diferença percussiva na marcação do tempo de uma pra outra, que faz a diferença de uma ciranda pra uma marcha. Então, alguns gêneros do repertório popular brasileiro, os alunos de música têm uma dificuldade imensa de identificar, de reconhecer. Então, eu acho que eles deveriam estar na universidade com muita facilidade, porque essa música pode não ter a mesma visibilidade, mas eu penso que os brasileiros... se nós somos do nordeste, e nós somos alunos de música, eu acho que os alunos tinham que estudar também. Não é deixar de estudar todos os grandes e todo o universo que já é oferecido, mas é também incluir oportunidade para que os meninos possam, também, estudar o universo musical que circula entre o seu povo, e conhecer os seus gêneros.
Retratos 12
(1) Grupo de alunos de violoncelo do I Encontro de MĂşsica Instrumental da UFC, que aconteceu do dia 15 a 20 de agosto de 2017.
Retratos
(2) Turma de percussão e (3) apresentação da equipe de professores no primeiro dia do I Encontro de Música Instrumental da UFC.
Retratos
(1) Plateia de uma das edições do Palco Aberto, com membros da gestão MusiCAIS, do Centro Acadêmico Izaíra Silvino; (2) Gutemberg Freitas se apresentando em uma das edições do Palco Aberto.
Retratos
(3) e (4) I Roda de Conversa: A Mulher Como Artista Docente, evento organizado pela gestão MusiCAIS do Centro Acadêmico Izaíra Silvino, que aconteceu no dia 19 de setembro de 2017, com a participação das professoras Catherine Furtado, Consiglia Latorre, Dora Utermohl e Maria Juliana.
Retratos
(1) Oficina Ritmos de maracatu, por Descartes Gadelha, durante o 4ยบ Festival Fortaleza Instrumental, no dia 28 de julho de 2017.
Retratos
(2) Membros do IlĂŠ Anu em ensaio no dia 22 de Setembro de 2017.