Novas Poéticas 2014

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Direção Geral Philipe F. Augusto Comissão Curatorial Aleta Valente Bruna Costa Letícia Fontoura Philipe F. Augusto Design Camila Rubinato Renan Salotto Produção Executiva Assemblage Colaboradores Beatriz Fernandes Cadu Monteiro Daniel Bruno Igor Amorim Fernanda Augusta Tiago Soares Agradecimentos Cezar Bartholomeu Daniel Gil Lais Magalhães Paulo Venancio Filho Pedro Sánchez Rubens Andrade Telma Gil Verônica Damasceno


Artistas Ana Hortides Aline Baiana Alexandre Colchete Cecília Cipriano COSTA&BRITO Danilo Luna Dandara Catete Flávia Naves Grupo MAD Gabriel Bernardo Ingrid Bittar Nicolas Dantas Patricia Chiavazzoli Rodrigo Pinheiro Tchello d’Barros Thiago Antônio


Para além de todas as coisas que já existem Através deste espaço coletivo que é a universidade se inicia a concretização de um desejo que se intensificou em mim ao longo destes últimos cinco anos: da maior necessidade de realizar, não só pra mim, mas para o outro e através do outro, ações concretas, que não são apenas sonhos, mas que têm forma, expressão e significado. Movimentos reais, que pulsam em nós e de nós para o mundo, que fazem da nossa realidade algo que realmente possa existir, e que, precisamente, exista. Devo considerar que o desejo de concretizar esta pulsão, antes, parte de algumas questões: como articular todas as instâncias supostamente criativas existentes dentro da Universidade? Como fomentar a criação para além das metodologias e avaliações e, por extensão, exibi-las de modo independente, criando uma ação através dos próprios estudantes, para além das criações especulativas? Como realizar uma troca eficaz que estenda os limites da nossa própria instituição, através de estudantes-artistas-pesquisadores e arte-educadores de outras origens no Brasil? As ações que este projeto viabiliza em favor das trocas recíprocas entre os estudantes estão relacionadas aos cursos de História da Arte, Artes Visuais, Gravura, Pintura, Educação Artística e Comunicação Visual - Design. São atividades de Curadoria, Pesquisa, Educação e Criação Artística. É neste sentido que o Novas Poéticas concretiza-se, num caminho que perpassa as diversas instâncias de criação dentro da Universidade, trazendo a possibilidade de articular através dos próprios estudantes, os conhecimentos que buscam e produzem, e desse modo, cria-se uma rede de trocas prolífera, fomentando não apenas as criações mas a legitimação destes trabalhos. Aqui, cria-se uma ação, com a vontade de gerar um movimento que avance aos mais longínquos e amplos campos da criatividade. Para que este espaço seja um lugar de experiências múltiplas, um campo aberto, que não contenha o que apenas permanece, mas que se permitam novas atitudes, novos modos de criar e se ter a realidade. O desejo é que a iniciativa transmita-se a todos que trabalham com a necessidade de ir mais além de todas as coisas que já existem, além do que já estamos acostumados a enxergar, e que fazem dessa busca a motivação para toda existência. Philipe F. Augusto Direção Geral


O ser feminino ou por um universo em expansão por Aleta Valente Vivemos em um mundo onde as histórias foram escritas prioritariamente por homens, da bíblia aos contos de fadas, das teses filosóficas aos tratados de economia politica, da sociologia moderna aos roteiros de filme porno - se é que isso realmente existe, onde a subjetividade feminina sempre foi personagem coadjuvante. No entanto, a cada vez que contamos uma história temos a chance de modificá-la, e o fato de termos na contemporaneidade a presença de mulheres reeditando fatos históricos, questionando as relações hierárquicas de gênero e raça, provoca uma sequência de reações explosivas, porque o ser mulher é um universo em continua expansão. É este tipo de potência que encontramos nas obras de Aline Baiana, Dandara Catete e Flávia Naves. Alter-ação: o espectador como co-autor por Bruna Costa As obras de Ana Hortides, Gabriel Bernardo, Grupo MAD, Nicolas Dantas e Rodrigo Pinheiro dizem respeito às relações interpessoais: recíprocas, causais, imprevisíveis. O trabalho deles precisa do outro. Não apenas como público, mas como elemento ativador de suas poéticas. Para tanto, eles vão roubar o nossa compreensão de mundo, de verdade, de cotidiano. Eles vão suspender nossa realidade e nos inserir numa outra dimensão, experimentando, através do corpo, da ação, e até do psicológico, os limites das relações humanas. O espectador não é só o participador de outrora, mas co-autor da obra, de modo a surpreender com as infinitas possibilidades da contribuição. A entropia de cada dia nos dai hoje por Letícia Fontoura O título é um verso da poetisa Adília Lopes. Ainda no mesmo poema, ela diz que “é preciso desentropiar a casa todos os dias para adiar o caos”. O conceito de entropia, grandeza termodinâmica condizente à variação de estados inerentes num sistema, também pode ser interpretada como algo que é desestabilizador, um desalinho. Qual é o caos que adiamos todos os dias? Existimos sob o regime da normatização, do tempo vendido para a velocidade, dos sentidos anestesiados, da objetivação da visão – onde a capacidade do olho é cingida para atender às demandas da tecnocracia em detrimento da produção subjetiva. As propostas artísticas de Alexandre Colchete, Cecilia Cipriano, COSTA&BRITO, Danilo Luna e Patrícia Chiavazzoli apresentam sin-


tomas desta turbulência imersa nos embates sócio-políticos coletivos. Poéticas do Fluxo por Philipe F. Augusto O que se faz visível em fluxo constante? Talvez seja esta uma questão inerente ao artista contemporâneo que na possibilidade de lançar de si uma criação, vê-se diante da necessidade de capturar as nuances do real e expor o que já está presente à sua volta. É neste apreender que se propicia também um espaço interno, construindo o Ser que se firma, mas que também liberta e pluraliza. Neste sentido que o trabalho de Ingrid Bittar, Thiago Antonio e Tchello d’Barros surge ao destacar através das mídias de comunicação e tecnologia, imagens e palavras que fluem num espaço transitório, mas que refletem a construção interior do Ser artista, ou mero contemporâneo no mundo atual.

O ser feminino ou por um universo em expansão por Aleta Valente

Aline Baiana Chupar um picolé integra o hall dos pequenos e possíveis prazeres cotidianos, a diversidade de sabores e preço acessível garante uma felicidade quase democrática, no entanto, essa ação que estaria originalmente ligada a um prazer gustativo foi há muito assimilada e reproduzida de forma hiper-sexualizada pela cultura de massas. Uma mulher que faça hoje uma simples caminhada empunhando um gelado, sentirá os olhares sobre si como se num passe de mágica se transformasse em protagonista de um filme pornô. O imaginário coletivo rapidamente substitui a sobremesa por um pênis e voilà: o que temos é uma cena de felação em espaço público! No video “Falo Mesmo” a artista opera o deslocamento de um homem heterossexual do lugar de observador para observado (em close up!), provocando questionamentos sobre a hierarquia social dos gêneros ao desestabilizar as relações de poder de forma deliciosa.


Dandara Catete Duas xícaras e uma pequena colher reencenam o nascimento do mundo. Uma cena caseira com som ambiente que intercala o tilintar da colher com o tráfego de carros lá fora. Parcos recursos que constroem uma reflexão profunda, que levam a pensar sobre quão cotidianas sao as questões que atravessam a vida pessoal e social de uma pessoa ocupa um “espaço entre”: o mestiço. Com a mistura gradual do café com o leite o vídeo “Mestizaje” questiona os limites da cor: em que momento o branco deixa de ser branco, e o negro de ser negro? Toda a ação é efetuada por uma mão claramente mestiça, narradora de si mesma, em busca de uma imagem na qual se veja representada. A artista afima sua existência híbrida, colocando em xeque o racismo presente dentro de uma sociedade altamente miscigenada. Flávia Naves Plumas, paetês e uma máscara de gás ornamentada de pedrarias. Tudo isso equilibrado em finos saltos que desfilam sobre as pedras portuguesas que compõem as ondas do nosso cartão postal mundialmente conhecido: a orla da praia de Copacabana. O video “Á brasileira” é o registro de uma performance executada pela artista durante o período em que ocorria a “Copa do mundo da FIFA” no Rio de Janeiro, cidade que nos meses antecedentes ao evento foi cenário de manifestações que levaram milhões de pessoas às ruas - que ocorreram simultaneamente em várias cidades do país - por motivos diversos, mas que tinham como ponto comum a insatisfação com as políticas públicas e como resposta do poder público encontraram a repressão por via da violência policial. A indumentária dessa passista-ativista une espetáculo e guerrilha, se valendo do esteriótipo da “mulher brasileira” sendo reapresentado em outra versão para a história da cidade e do corpo, deslocando ambos do status de objeto de desejo (consumo) para a função “modo de combate”.


Flávia Naves “À Brasileira” Performance, 2014


Alter-ação: o espectador como co-autor por Bruna Costa

Ana Hortides O artista muitas vezes manipula a realidade de modo a nos confundir com o que é real e o que não é, articulando ideias e atitudes que promovem uma reflexão da vida. Ana realiza uma pesquisa de campo que trata de apropriação de histórias de vida. Uma ação da qual é, ao mesmo tempo, autora e receptora. “Todas as Histórias do Mundo” tem um caráter algo mimético, de modo que pela vontade da artista, a obra se confunda com o cotidiano, construída com experiências que embaraçam os limites entre a arte e a vida, de modo que seu trabalho não tem materialidade, não pode se resumir numa forma estética. Só é possível conhecer a dimensão de sua obra no encontro com a artista, impossível de perder. Gabriel Bernardo O trabalho de Gabriel percorre a dimensão da fábula. Ele penetra no nosso imaginário, apresentando, com seriedade, suas “Mini doses de humor”, singelas seringas preenchidas de cor e brilho, que ele nos oferece diretamente, olho no olho; uma comunicação sem intermediações. A performance entra em choque com esse contexto desesperadamente real, alterando nosso cotidiano com fantasia e ironia. Sua irrealidade nos oferece algo que não podemos compreender facilmente, tampouco recusar. MAD – coletivo Surge do representativo subúrbio de Madureira o grupo MAD, falando em corporeidade e enlouquecendo nossa visualidade com uma massa de corpos em posições no espaço. É orgânico, mas é abstrato. É carne, mas é objeto. São vários, mas é único. As propostas de sua obra, homônima ao coletivo, subvertem nossa noção de corpo, de indivíduo, tornando-os parte de um só organismo, no qual todas as partes necessitam uma da outra. É um exercício da alteridade, de contato e união.


Grupo MAD “Amarração de Bolso” Performance, 2013

Nicolas Dantas A obra “PENSE” por si só já traz um alcance duramente reflexivo. A potência da palavra nos atinge e reflete em caráter de ação – ação esta que Nicolas nos convida a participar. Em diálogo com o ativismo social recente, o artista nos tira de nossa passividade diante da obra, e nos põe como elementos ativadores, manifestantes, em movimento. A vontade dessa ação diz respeito a uma relação não só com o expectador singular, mas com a força da coletividade, a voz da mensagem de todos os que aceitam entrar neste movimento. Rodrigo Pinheiro Ex-votos dizem respeito a uma troca, a um agradecimento por uma reciprocidade, um pedido de auxílio. Em “Não me deixe intacto: os ex-votos”, não há como ser diferente. Rodrigo nos oferece seus “ex-votos” em troca de ação, intervenção, envolvimento. É dessa forma que ele conhece seu expectador, como ele sente a reciprocidade com sua obra. Assim, constroem juntos, artista e público, a experiência estética da obra, a qual não consegue medir os limites do seu processo, de modo que tampouco pode assiná-la como autor único dela. Não importa a relação que se estabeleça, o que importa é que se estabeleça alguma relação, e não deixá-lo sóbrio e intacto. O artista quer abalar suas estruturas, ser surpreendido, ser correspondido.


A entropia de cada dia nos dai hoje por Letícia Fontoura Alexandre Colchete Articulando ideias e fatos do cotidiano, Alexandre Colchete traz à tona valores contraditórios ao senso comum. O artista pesquisa a sintaxe visual, usando um repertório do qual denomina “Mitologia das Cidades” (política, violência, ostentação, miséria, mídia de massa, polícia, espetáculo, ideologia, utopia, etc). Através desta linguagem, Colchete falseia um lugar de exílio sem sair da cidade, adotando a figura da ilha como ponto de fuga. Cecilia Cipriano Operária da construção, Cecília Cipriano em seu trabalho “Parede Desrevestida” maneja a alvenaria e azulejaria com destreza. Além da operação material da forma, opera também no imaterial ao buscar a multiplicação da escultura através da variação da luz incidente. O objeto tridimensional se protege da banalidade em suas sinuosidades e na introspecção das sombras. Sua poética mora na torção que delira a função de revestimento dos azulejos, causando uma ruptura com o habitual. Costa & Brito A dupla COSTA&BRITO lida por excelência com a desestabilização. São elaboradas situações de instabilidade, estranhamento e tensão, onde a iminência da queda angustia. Em “Atividade Nº2”, cavaletes do metrô são reposicionados e tirados de seu lugar-comum, burlando o sistema de vigilância. Em “Atividade Nº3”, corpos e objetos são solucionam em uma nova fórmula. As resignificações dos objetos manipulados nos vídeos são correntes, bem como a disposição do corpo em relação a isso. Danilo Luna Através da fotografia, Danilo Luna investiga a conexão oculta entre as imagens. Não é possível identificar a que lugar pertence suas imagens. O sentido não é revelado através de uma compreensão linear; o espaço semântico entre as imagens ora se estreita ora se distancia. Quais são as significações que persistem no imaginário? Em seu trabalho “Olho d’água”, o real e o sim-


COSTA & BRITO “Atividade Nº3” Ação, 2014

bólico não encontram lugar fixo e a heurística do afeto – atalhos mentais involuntários – guiam o percurso entre imagens e entre-imagens. Patricia Chiavazzoli Debruçando-se sobre a paisagem noturna da sua janela, que tem o horizonte recortado por diversas verticais (prédios), Patricia Chiavazzoli busca captar diferentes perspectivas das 143 janelas que avista. A série fotográfica não trata, porém, de espionagem à intimidade alheia. É, sobretudo, um ato reflexivo entorno das edificações que se impõem e se multiplicam na paisagem, tendo como intuito a tentativa de escapar das barreiras proporcionadas pelas estruturas arquitetônicas.


Poéticas do Fluxo > mídias de comunicação e tecnologia por Philipe F. Augusto

Ingrid Bittar A internet, fonte inesgotável de informação e imagens, reflete o pensamento não-linear e fragmentado, sintomático no mundo contemporâneo. Esta é uma questão que se pode vislumbrar no trabalho de Ingrid Bittar, que ao contrário de utilizar esta fonte como meio de produção, imerge nos catálogos, livros, revistas e enciclopédias do século XX ao atual para criar imagens oníricas e cheias de referências num método analógico, com gestos manuais que fixam e contrariam o raciocínio comum à presença massiva das imagens na atualidade. Estes gestos, porém, se fazem presentes de modo que parecem criar hyperlinks imagéticos em composições onde possivelmente se estruturaria um acervo rizomático de conteúdos, memórias e imagens nos trabalhos. Thiago Antonio Na atualidade, a produção e difusão de informação e conhecimento estabelece um fluxo de palavras através das mídias de comunicação que parece instaurar no cotidiano uma necessidade de identificar e captar o que se apresenta como mais valioso ao nosso interesse particular. É também nesse sentido que o trabalho de Thiago Antonio se apresenta, ao criar uma dimensão cósmica para a poesia, como se expandisse o lugar desse conteúdo textual oferecendo ao espectador a possibilidade de capturar fragmentos de poemas em movimento num espaço que vai além, mas que ao mesmo tempo podemos sempre alcançar. É por meio da escrita e da tecnologia que esse espaço criado para a contemplação também se faz presente no vídeo “constelação”. A experiência praticada através das redes de comunicação na contemporaneidade surge talvez como uma possibilidade de experimentação presente no espaço poético do artista.


Tchello d’Barros O trabalho que o artista apresenta remete a duas técnicas distintas (gravura e fotografia) e por meio destas referências cria uma ação sobre a imagem: a repetição. Como num processo de impressão da gravura ou revelação de negativos fotográficos onde é possível a multiplicação de uma mesma imagem, “Pubis: bis” também faz referência e contrapõe-se à vulgarização e banalização da figura feminina nas mídias contemporâneas. Com gesto multiplicador se cria uma abstração da imagem feminina, e nesse sentido a obra lança uma crítica através de uma estética provocante que pluraliza o conteúdo e sentido da imagem, assim como reconhecemos e utilizamos as mídias de comunicação e seus conteúdos imagéticos.

Thiago Antonio “Constelação” Video, 2014


DIÁLOGOS EXPANDIDOS Como uma extensão da exposição coletiva, estas ações realizarão vários desdobramentos ao longo do projeto. A proposta tem como objetivo estender a produção teórica e prática de artistas, curadores, críticos, educadores e pesquisadores para além do espaço expositivo e da própria instituição. Como podemos expandir os diálogos produzidos aqui?

[Pesquisa] Esta ação se dá através de uma plataforma online no site do Novas Poéticas onde serão disponibilizados textos de pesquisadores em todos os níveis de formação acadêmica através de pesquisas realizadas em Artes Visuais, Curadoria, Crítica de Arte e Arte-Educação. Desse modo, poderá ser criada uma rede de diálogo entre a produção de estudantes/pesquisadores em âmbito nacional. Site > www.novaspoeticas.wordpress.com Facebook > www.facebook.com/novaspoeticas [Criação Artística] Seis artistas serão convidados a ocupar um espaço de criação no hall da Reitoria da UFRJ onde a exposição coletiva acontecerá. Os artistas poderão desenvolver trabalhos que se relacionem com a curadoria e com as obras da exposição, podendo pensar outros espaços da universidade para serem ocupados com obras de diversas linguagens. O espaço de criação será ocupado por dois artistas a cada semana durante o período em que a exposição ficará aberta. Aos participantes desta ação será proposto que convidem um outro estudante da universidade para desdobrar a criação artística em um texto crítico/poético que será divulgado junto à obra através das páginas do Novas Poéticas na internet. [Educativo] A ação educativa irá reunir atividades e projetos de Arte-Educação criados através da exposição coletiva e pelos estudantes em formação nos cursos de Licenciatura em Educação Artística (Artes Plásticas e Desenho) para realização de oficinas, workshops e ações complementares à Prática de Ensino.



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