Moradia Coletiva no Bairro da Santa Ifigênia

Page 1



Phillip Schmidt

MORADIA COLETIVA NO BAIRRO DA SANTA IFIGÊNIA SOB A PERSPECTIVA DA IDENTIDADE DO CENTRO TRADICIONAL

Trabalho de conclusão de curso apresentado no Centro Universitário Senac, como exigência para obtenção do grau de Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo. Orientador: Ralf Flôres

São Paulo 2017



agradecimentos Agradeço aos meus pais por me proporcionarem estabilidade econômica para cursar Arquitetura e Urbanismo e todo o apoio necessário nesta trajetória, a minha irmã pelos conselhos, apoio e correções, ao meu professor orientador que me auxiliou e incentivou durante o desenvolvimento do trabalho de conclusão de curso, e aos meus queridos amigos que contribuíram para a minha formação como arquiteto e principalmente como pessoa.

5


Resumo O bairro da Santa Ifigênia é uma das áreas que compõem o centro tradicional da cidade de São Paulo, onde a história é materializada através de sua malha urbana e dos diversos edifícios que a compõem. A área é ocupada predominantemente pela classe de menor poder aquisitivo que desenvolve intensas relações intra-urbanas, residindo em espaços em sua maioria precários e insalubres, alguns deles localizados em imóveis ociosos ou subutilizados. Existe um cenário de disputa sobre a região constantemente ameaçada pelo poder público e o mercado imobiliário, que visam renovar a região tanto na esfera física quanto na social. O trabalho desenvolvido apresenta uma proposta de intervenção em um antigo hotel e em um sobrado, compreendendo os valores simbólicos que os dois edifícios possuem para o bairro e para a vida cotidiana, pautado principalmente na questão de habitar o espaço. O projeto busca implantar um conjunto de uso misto voltado à população de baixa renda, de uso comercial e de praça no nível da rua, e o uso habitacional nos pavimentos superiores, que possibilite integrar os residentes e a população do bairro em um espaço democrático incorporado as dinâmicas do bairro. Palavras Chave: Patrimônio, Memória, Símbolo, Reabilitação, Habitação, Espaço Público, Santa Ifigênia.

6


Sumário 1. Introdução 2. Origem e Evolução do Bairro da St. Ifigênia 3. Projetos de Renovação Urbana no Bairro da Santa Ifigênia 3.1 Renovação Urbana (1974) p. 26 3.2 Luz Cultural (1984) p. 28 3.3 Polo Luz (1995) p. 30 3.4 Programa Monumenta (1998) p. 32 3.5 Projeto Nova Luz (2005) p. 34 3.6 Conclusão p. 36

2.1 Formação da Região da luz p. 14 2.2 Processo de abandono do centro tradicional de São Paulo p. 18 2.3 Ressignificação dos espaços da rua e do centro tradicional p. 22

4. Estudos de Caso

5. Levantamentos de Dados

4.1 Reabilitação das Docas Malraux p. 40 4.2 Urban House p. 42 4.3 Jardim Edith p. 44

5.1 Os tipos de uso do solo p. 50 5.2 A população residente p. 56

6. Projetos de Intervenção

7. Lista de Imagens

6.1 Situação e Proposta p. 60 6.2 Levantamento e Analise de Sítio p. 62 6.3 Entorno, Uso e Legislação p. 68 6.4 Diretrizes de Intervenção p. 76 6.5 Projeto de Intervenção p. 78 6.6 Considerações Finais p. 98 8. Bibliografia

7


8


1. introdução

9


O centro tradicional da cidade de São Paulo era ocupado predominantemente pela classe de maior poder aquisitivo até a década de 40, com a expansão da cidade em direção ao quadrante sudoeste nos anos seguintes, ocasionando a saída da elite para essas novas áreas. O bairro passou a ser ocupado predominantemente por outra classe social de menor poder aquisitivo, atribuindo a imagem do centro como um local de baixa renda, que o habita e trabalha na região. Os espaços foram resignificados e desenvolveram novas dinâmicas culturais proveniente da maior heterogeneidade social, cheios de signos e seus respectivos significados que são interpretados e desenvolvidos na vida cotidiana. A partir da década de 70 foram desenvolvidos diversos projetos de intervenção através do poder público vinculado à iniciativa privada, na tentativa de retomar o espaço ocupado pela população de menor renda e consequentemente a valorização imobiliária. Esses projetos não só visavam expulsar a população de menor renda, como também a renovação do tecido urbano, muitas vezes prevendo demolições expressivas que apagariam os traços históricos e sociais tão emblemáticos para a história da cidade e seu respectivo desenvolvimento. A pressão para a renovação do bairro ainda é recorrente nos dias de hoje, sinalizada pelos novos projetos em desenvolvimento. Perante as disputas que vem ocorrendo sobre a região, que possuem caráter higienista e incisivo, este trabalho tem como objetivo questionar as intervenções propostas pelo poder público pautadas em interesses privados, que desconsideram a realidade local e a população em um estado de vulnerabilidade social. Ao mesmo tempo ressalta a importância do ambiente construído e seu caráter simbólico, dos vínculos afetivos e de pertencimento de determinado grupo social, e a sua contribuição para a formação da memória da cidade. A preposição também visa amenizar o processo de gentrificação tão recorrente pelas ações imobiliárias, fruto da forma de produção do espaço no sistema capitalista. O primeiro capítulo do trabalho aborda a formação da cidade de São Paulo e do bairro da Santa Ifigênia, ambos intimamente ligados, que refletem o desenvolvimento urbanos e social da cidade, os diversos símbolos que foram incorporados ao longo dos anos, e as ressignificações sociais dos espaços com a expansão da cidade. 10

Em seguida são retratados os projetos de renovação urbanas propostos para o bairro da Luz e da Santa Ifigênia, explicitando os seus objetivos e os seus efeitos para a população local após a implantação destas intervenções.O quarto capítulo propõe a análise de projetos arquitetônicos que tratam de intervenção em edifícios consolidados, as formas que são realizadas, e o diálogo da arquitetura com a memória e o ambiente urbano. No capítulo seguinte é demonstrada a analise populacional e urbana através do levantamento de dados sociais e econômicos, e da visita em campo que expõem as diversas dinâmicas e conflitos presentes no bairro. O capitulo de projeto traz uma análise minuciosa dos objetos de intervenção, as suas condições reais e as possibilidades de intervenção, dando embasamento ás diretrizes para o projeto de intervenção. Como metodologia de trabalho houve a combinação da experiência pessoal no bairro da Santa Ifigênia, o levantamento bibliográfico e análise de dados sobre o centro da cidade de São Paulo e do bairro. Tal forma de aproximação possibilitou a compreensão da formação do espaço físico estudado e suas peculiaridades, tanto na micro quanto na macro escala, as dinâmicas sócias de apropriação destes espaços e suas respectivas identidades. As visitas em campo foram essenciais no processo de compreensão do ambiente construído, materializando os conteúdos teóricos estudados e agregando a experiência pessoal ao projeto de intervenção. A proposição do objeto só foi possível perante à vivencia dos espaços do bairro, selecionado perante a um ponto de conflito entre a questão de habitação, patrimônio e o ambiente urbano, amparada pelos artigos científicos e os dados socioeconômicos.


11


12


2. origem e evolução do bairro da St. Ifigênia

13


2.1. Formação da região da Luz A fundação do Colégio de São Paulo em 1554 pelos jesuítas, marcou o início do processo de povoamento da Vila de São Paulo, ocasionando no desenvolvimento concêntrico, formando o triângulo central da cidade composto pelas ruas Direita, XV de Novembro e São Bento. Uma região próxima, localizada na confluência dos Rio Tietê e Tamanduateí, ficou conhecida como Campo do Guaré devido a um pequeno riacho que a cortava rumo a norte, local destinado ao pasto do gado desde o século XVI, próximo às áreas de várzea. (Barroz, 1978) O caminho do Guaré ou Guarape, como era conhecido na época, considerado a principal saída para o norte, cruzava os campos do Guaré e realizava a transposição do Rio Tietê até chegar à fazenda de Santana e Minas Gerais. O percurso era acidentado e serpenteava na planície, sendo urbanizado apenas em 1782, foi denominado como Rua Nova São Bento, depois Rua da Constituição e atualmente é Florêncio de Abreu. (Barroz, 1978) Utilizava-se também o percurso pela rua da Alegria (atual Brigadeiro Tobias), trajeto de topografia menos acentuada, possibilitando maior facilidade no transporte de mercadorias, porém de maior trajeto. (Mosqueira, 2007) A região se desenvolveu de uma pequena ermida construída em 1579, cujo orago a imagem da virgem maria de olhos baixos, ocasionando a mudança de denominação do local para Campo da Luz. (Barroz, 1978) A sua ocupação até final do século XVIII apresentava poucas casas construídas, alguns usos institucionais, destacando a ermida. Tal forma de ocupação se dava à proximidade com o núcleo urbano. O Campo da Luz integrava parte do cinturão de chácaras que circundava o centro, considerado também um importante encontro de rotas comerciais, beneficiando o seu lento desenvolvimento. (Mosqueira, 2007) Em 1802 foram concluídas as obras de construção do Convento da Imaculada Conceição da Luz, próximo a ermida que foi transformada em capela, o seu acesso principal foi alterado, votado ao caminho da luz (atual Avenida Tiradentes) e se tornou um grande referencial arquitetônico do período colonial da cidade. O Horto Botânico (atual 14

Jardim da Luz) também compunha parte da paisagem, construído em 1799 e aberto apenas em 1825, mas ainda não era um grande atrativo para a região. (Simões Jr., 2004) O triângulo central da cidade até essa época estava consolidado como o local de consumo, comércio e negócios da elite, era também um dos locais mais solicitados para constituir as habitações devido a topografia mais acentuada, afastando-se das áreas de várzeas sujeitas a inundação. Com o desenvolvimento e a importância comercial que o núcleo urbano vinha adquirindo, as rotas comerciais foram decisivas para o primeiro vetor de expansão urbana da região da Luz e da Santa Ifigênia. (Coelho, 2010) No início do século XIX, foram empreendidas obras de urbanização da região, através implantação de infraestrutura e principalmente de arruamento, permitindo um melhor acesso às regiões de chácaras. ‘’O período monárquico foi caracterizado pela ocupação de chácaras próximo ao núcleo central por famílias abastadas, para residência, lazer, pois elas ofereciam maior conforto, fontes de água e também de alimento para os animais’’ (Reis F. , 2004 abde Mosqueira, 2007 pg. 21) O bairro da Santa Ifigênia foi beneficiado pelas melhorias desta época, entre eles a abertura da Rua São João que possibilitava um novo acesso e ao mesmo tempo contribuiu para a urbanização planejada das chácaras à margem esquerda do Anhangabaú. Outros viários importantes foram abertos durante esse período, entre eles a Rua Ipiranga, dos Timbiras, Aurora e General Couto Magalhães, que auxiliaram no desenvolvimento e acesso da região. (Coelho, 2010) Em 1825 foi realizado o aterrado de Santana nas várzeas dos rios Tietê e Tamanduateí, obra que auxiliou na preservação das pontes que cruzavam os rios, entre elas a Ponte Grande (substituída pela Ponte dos Bandeirantes em 1942) e permitiu uma melhor ocupação do solo e expansão do comércio. Mosqueira (2007) complementa que a Estrada da Luz foi alinhada e arborizada, recebendo diversos usos institucionais ao longo do seu percurso. Vale destacar entre eles a construção da


primeira cadeia pública da cidade em 1840 denominada de Presídio Tiradentes, e o Seminário Escopal em 1856. (Simões Jr., 2004) O desenvolvimento de São Paulo ocorreu de forma lenta devido às barreiras geográficas e a política mercantilista Portuguesa, que não estimulava o desenvolvimento, além disso a economia da província dependia da produção de açúcar vinda de outras regiões. (Barroz, 1978) Em 1822 o município contava com 24 mil habitantes em sua totalidade, onde as áreas mais densas eram o triângulo central, a Cidade Nova entre o Largo do Arouche e o Largo dos Curros (Praça da República) e Santa Ifigênia, porém a expansão e loteamento de diversas chácaras só aconteceu no final do século XIX. (Coelho, 2010) Um fenômeno que vinha ocorrendo desde essa época e que estará presente no desenvolvimento da cidade pode ser sintetizado:‘’as famílias mais abastadas podiam passar a utilizar suas chácaras como residência permanente, fenômeno que seria marcante na história da cidade, a dispersão dos mais ricos, se afastando da área central em busca de maior conforto'' (Coelho, 2007 pg. 201) Desde 1810 a produção de café já vinha penetrando o norte da província de São Paulo, toda a produção do interior paulista era escoada para o Porto de Santos sobre muares, acarretando na dificuldade da transposição da Serra do Mar e no maior gasto de tempo. As necessidades de uma melhor eficiência no transporte da mercadoria aumentaram quando as plantações atingiram a região oeste de São Paulo, surgindo a necessidade de implantação de um transporte ferroviário. (Simões Jr., 2004). Tal obra traria grande prosperidade para a cidade, mudando toda a sua dinâmica e alterando significativamente a ocupação da região do bairro da Luz e seus arredores. O Jardim Botânico passou por diversas modelações ao longo do desenvolvimento da região Luz, mas ainda não despertou interesse suficiente da população. Parte da sua área foi doada em 1860, descaracterizando parcialmente da sua simetria e paisagismo, cedendo espaço a recém-criada São Paulo Highway Company ou Companhia Inglesa, que iniciaria as obras da ferrovia. Em 1865 foi consolidada a

primeira Estação da Luz, por onde a estrada de ferro fazia a ligação com o porto de Santos, vencendo o trajeto pela Serra do Mar. A extensão da linha férrea avança para o sertão, chegando até Campinas em 1872, criando um grande fluxo de transporte, de passageiros e sobretudo de café. (Simões Jr., 2004). A estação Sorocabana (depois Júlio Prestes) é construída em 1872 no bairro dos Campos Elísios, com o intuito de quebrar o monopólio da Estação da Luz no município. Seus trilhos interligam Sorocaba, Ipanema, Botucatu e Itapetininga e unem as malhas férreas com a Companhia Ituana. Segundo Mosqueira (2007) esta nova rede iniciou uma nova etapa do processo de urbanização, onde o traçado era predominantemente em terrenos planos e secos, cruzando bairros ainda não ocupados como Mooca, Brás, Pari, Luz, Barra Funda e Lapa. A concentração destas duas estações mais a estação Norte no Brás, fizeram da cidade de São Paulo um importante centro polarizador econômico e de transporte de passageiros. Diante da nova dinâmica que passou a ocorrer na cidade, a infraestrutura existente não era suficiente para acolher o novo fluxo de pessoas, sendo necessário um novo plano de urbanização. A administração de João Theodoro Xavier entre 1872 e 1875 ocasionou em um surto urbanístico, chamada de ‘’segunda fundação da cidade’’. (Barroz, 1978) Foram promovidas as articulações viárias entre diversos bairros da cidade que estavam fragmentados, o calçamento de ruas com paralelepípedos, a iluminação a gás e o surgimento dos bondes de tração animal. (Mosqueira, 2007) ’’O seccionamento da área pela linha férrea e o crescimento urbano ditado pelo parcelamento das antigas chácaras resulta em uma área com poucas ligações entre-se, levando o governo a abrir vias nas bordas dos loteamentos privados de forma a amenizar o fracionamento do espaço urbano e viabilizar novos empreendimentos.’’ (Coelho, 2010) 15


Uma das grandes estruturas viárias foi a abertura da rua João Teodoro, comunicando o bairro do Brás com do Bom Retiro, houve também instalação algumas instituições significativas como o Quartel da Força Pública, Hospital da Força Pública e a primeira Usina Elétrica da cidade. O Jardim da Luz também recebeu atenção especial, passando por uma grande remodelação, ganhando novos atrativos, consolidando-se como uma das melhores áreas de lazer para a elite paulistana, atraindo grande interesse regional. (César Et. Al. , 1977; apud Mosqueira, 2007) O centro da cidade passou a ter uma maior diversidade social através do aumento do fluxo de pessoas e de mercadorias, enquanto alguns bairros mais periféricos como Santa Ifigênia, Luz e Campos Elísios (ainda de baixa ocupação) detinham predominantemente residências das classes de maior poder aquisitivo. As Ruas Brigadeiro Tobias, Florêncio de Abreu e Avenida Tiradentes foram marcados pela Figura 1. Jardim da Luz em 1908. Foto: Guilherme Gaensly – Acervo FES

16

construção de grandes palacetes, estabelecendo-se como setores de maior investimento público. Já as classes mais baixas ficaram sujeitas aos terrenos mais acidentados e mais baixos, formando os bairros populares e posteriormente os industriais. (Coelho, 2010) A região da Santa Ifigênia teve uma alta densidade, com um grande aproveitamento do solo, desenvolvendo um grande comércio local voltado para rua, com habitações e hotéis nos andares superiores. Tais características se deram pela proximidade com a estação ferroviária e seu grande fluxo de pessoas que desembarcaram no bairro, atraídas pelo crescimento econômico. Estes passageiros buscavam se estabelecer na região ou mesmo visitá-la, assumindo um polo de hoteleiro nas proximidades da Estação da Luz como a Rua Mauá. O aglomerado de pessoas ocasionou uma ocupação em situações precárias de higiene, passando a transformar casas antigas e galpões em cortiços e consequentemente o afastamento gradual da elite. (Coelho, 2010) O bairro dos Campos Elísios, aberto para loteamento em 1879, teve um processo de desenvolvimento lento devido a distância em relação ao centro, acomodando importantes residências da elite paulista dispersas nos lotes. O seu processo de ocupação foi intensificado em 1892 com a chegada de infraestrutura e até mesmo devido à proximidade com a estação ferroviária, fator que posteriormente acarretaria no seu esvaziamento assim como no bairro da Luz, onde o esvaziamento ocorreu por causa dos ruídos e a intensa movimentação. (Mosqueira, 2007) O bairro do Bom Retiro adquiriu característica mais industriais, fomentando o surgimento de comércios, residências operárias e cortiços. A característica comercial é mais visível na José Paulino, devido a conexão com a zona norte e seu intenso fluxo, posteriormente passa a ser especializada na produção têxtil, com venda voltadas ao consumo atacadista e de varejos. (Violin, 2016) Entre 1870 e 1900 ocorreu um crescimento populacional decorrente da importância econômica que a cidade de São Paulo vinha assumindo. O fim da escravidão desencadeou


Figura 2. Vista da Região da Luz em 1910. À esquerda, os pátios ferroviários do Bom Retiro, vendo-se atrás o arvoredo do Jardim e da Estação da Luz. Em primeiro plano, o casario dos Campos Elíseos, bairro residencial da elite cafeeira. Foto: Guilherme Gaensly – Acervo FES

uma grande leva imigratória de pessoas para trabalharem nas novas indústrias, cujo crescimento se deu principalmente pelos investimentos advindos do comércio do café. Passam a surgir os bairros operários, um binômio de fábrica e moradia, tal organização dava-se no fornecimento das moradias como parte do pagamento dos operários. Estas vilas encontravam-se próximas às linhas férreas, normalmente localizadas nas áreas baixas e frequentemente sujeitas a enchentes. Os bairros que mais absorveram essas vilas operárias foram o do Brás, Bom Retiro, Barra Funda, Mooca, compondo locais de uso misto e populares. Esta forma de organização formulou a segregação da cidade em duas partes distintas: a zona oeste, concentrando a burguesia industrial e rural, e a zona leste concentrando os bairros populares e industriais. (Frúgoli Jr., 1995) Durante o governo republicano foram acrescentados ao bairro da Luz o Quartel da Força Pública (1892), a Escola Modelo Prudente de Morais (1895), a Escola Politécnica (1894) e o Liceu de Artes e Ofícios (1900). Neste mesmo período o rumo de crescimento da cidade mudou, crescimento este incentivado pela maior ocupação das regiões do Oeste e mais tarde da Sudoeste, possibilitado pela construção do Viaduto do Chá, a criação do Boulevard Burcharde (atualmente Higienópolis) e abertura da avenida Paulista. A Companhia Cantareira de Esgoto, possibilitaria uma ocupação mais afastada do centro tradicional, que já

estava saturado e não conseguia suprir a demanda da população que quadruplicou entre 1860 e 1890. (Simões Jr., 2004) A Região da luz veio adquirindo grande importância ao longo dos século XIX e XX para o município de São Paulo como polo comercial, institucional, lazer e residencial. A importância que o bairro vinha assumindo pode ser sinalizados pela construção da nova estação da Luz em 1901 e da Estação Júlio Prestes em 1917, ambas modificadas passando por novas remodelações anos mais tarde. O forte comércio voltado para as ruas também marcou o crescimento do bairro, impulsionado pela presença das estações férreas, fortalecendo sua acessibilidade e como local de troca. Diversos edifícios construídos por Ramos de Azevedo também marcaram a região, voltados para a aristocracia paulista, recebendo diversos equipamentos públicos, instituições de ensino, religiosas e de saúde. A situação destes bairros se mantém como lugar da elite até a década de 40, com o crescimento e urbanização para a zona Oeste essa classe passa a deslocar-se, incentivadas por novos projetos de infraestrutura, vinculados aos avanços tecnológicos. A região que já tinha algumas ocupações populares, passou por um intenso processo de mudança no perfil social, adquirindo fortes presença da população de menor renda, além da da mudança de diversos usos urbanos. 17


2.2. Abandono do centro tradicional de são paulo A expansão da cidade de São Paulo além do triângulo central, foi norteado sobre tudo na dinâmica de segregação social, utilizando-se principalmente do sistema rodoviário e da renovação do estoque imobiliário em direção ao quadrante sudoeste. O processo de crescimento acarretou na gradativa saída das elites do centro tradicional, que buscavam áreas mais afastadas do centro para residir, ocasionando o surgimento do centro expandido, atraindo para as suas proximidades os investimentos e instalações dos setores público e privado. (Villaça, 2001) Esta dinâmica causou a degradação e esvaziamento gradativo da área central, seus edifícios passaram a se deteriorar, assim como os espaços públicos que recebiam investimentos bem reduzidos. O fenômeno desencadeou um grande aumento da população de menor renda que passaram se instalar nos edifícios subutilizados, em condições subnormais de habitação ou em residências alugadas e desenvolveram atividade econômicas e ocupando efetivamente estes espaços. O centro tradicional era predominantemente ocupado pelas elites, onde realizam atividades comerciais, serviços e de encontro, contando com a presença de alguns traços de ocupação popular que desencadearam alguns conflitos. As áreas do seu entorno, principalmente a região Oeste, eram ocupadas pelas camadas de maior poder aquisitivo, inicialmente por chácaras posteriormente loteadas, cedendo espaço à expansão urbana. O fenômeno de abandono do centro tradicional começa a surgir a partir da corrente imigratória que ocorreu no final do século XIX, aliado ao final da escravidão. São Paulo passa a receber uma grande quantidade populacional para suprir as necessidades das indústrias, tendo como principal vetor as estações ferroviárias. (Frúgoli Jr, 1995) Os bairros próximos às estações são gradativamente ocupados por vilas operárias, cortiços e indústrias e o processo de segregação social já é visível, principalmente na ocupação da zona Leste, predominantemente ocupada por operários e imigrantes. (Frúgoli Jr, 1995) 18

Figura 3. Estação da Luz, início do século XX. Foto: Guilherme Gaensly – Acervo FES

O centro passa a ter um maior convívio entre diferentes classes sociais, abrigando uma população mais heterogênea e de maior densidade. Segundo Villaça a cidade passa por uma expansão violenta entre 1870 e 1900, ocasionando o loteamento dos Campos Elísios e consolidando este bairro como o primeiro da aristocracia paulista. A direção Oeste é determinada como o vetor de crescimento, uma vez que esta apresentava apenas o vale do Anhangabaú como principal obstáculo, porém era mais estreito que o Tamanduateí ao Leste e com várzeas menos alagadas, dando acesso a uma região de morros levemente ondulados.


A implantação da Cidade Nova, na direção Oeste, deveria refletir o atributo progressista e moderno, separando o antigo do novo e este se manifesta no espaço urbano através da separação pelo rio. A presença de sítios elevados também teve influência neste processo, uma vez que apresentavam grande beleza natural, melhor clima e salubridade, fatores que eram inclusive recomendados pela medicina na época. (Villaça, 2001) O centro novo, como foi denominado na época, teve seu desenvolvimento fortalecido com a inauguração do Viaduto do Chá em 1892, estabelecendo a Rua Barão de Itapetininga e adjacências como o novo local das elites, consolidando como zona de trabalho e consumo dessa classe até a década de 50. Segundo Simões Júnior os novos loteamentos das elites são interligados pelos transportes de trilhos, como o bonde, diminuindo o tempo de deslocamento entre diversos bairros da cidade de São Paulo. Posteriormente são substituídos pela construção de grandes avenidas e o uso do transporte motorizado individual, promovendo a ocupação mais horizontal do município. O Plano de Avenidas de Prestes Maia de 1938, deu uma nova forma de organização à cidade, norteado por fatores como grandes obras viárias, embelezamento, expansão urbana, zoneamento e legislação tributária. (Coelho, 2010) É importante ressaltar que o investimento rodoviário era voltado sobretudo para a elite, uma vez que estas possuíam capital para adquirir os veículos motorizados e utilizam de influência política sobre o Estado para a execução das obras, dando maior acesso a regiões mais distantes do centro. A separação por classe social ficou nítida quando, devido ao desenvolvimento do centro novo, o centro tradicional foi gradativamente abandonado pela classe de maior poder aquisitivo. Este fenômeno causou o aumento da confluência de diversos grupos sociais e novas atividades econômicas. O crescimento da cidade de São Paulo foi influenciado inclusive pela grande corrente migratória nacional na década de 30, principalmente de trabalhadores rurais, dobrando a população do município. (Frúgoli, 1995)

Segundo Coelho (2010), o bairro da Luz e seus arredores passaram por um processo de verticalização, contrastando com as construções de sobrados e palacetes preexistentes de menor gabarito. Gradativamente ocorreu a substituição por pequenos apartamentos de aluguel, que tiram o máximo aproveitamento do solo e acarretam em um aumento de densidade, situação que será contornada com a criação a rígida lei de zoneamento de 1974.Parte deste fluxo foi absorvido pela região, alterando suas atividades comerciais e de ocupação dos edifícios, aumentando o número de cortiços. O problema desta superpopulação, é que os ocupantes dos cortiços não possuem capital suficiente para realizar a manutenção, o que ocasiona a degradação dos imóveis. O poder público não promoveu a ordenação e adequação da população central, voltandose para os vetores de expansão dos novos subcentros e de suas obras viárias. (Coelho, 2010) No início do século XX ocorreu a diminuição das ocupações próximas às indústrias, seguindo a nova base da industrialização, onde as fábricas passaram a ser alocadas em diversos pontos do município e em geral próximo às autoestradas. Este fato se deve à maior facilidade que o transporte rodoviário proporcionou, expandindo os serviços de locomoção e de acessibilidade em relação ao já saturado transporte ferroviário. (Frúgoli Jr., 1995) Um efeito ocasionado por esta nova organização fabril foi o aumento do deslocamento do trabalho e moradia, que não contavam mais com as vilas operárias, cedendo ao interesse do mercado imobiliário. São lançadas as bases do loteamento periférico devido à dificuldade de permanência nas áreas centrais, promovendo moradias autoconstruídas em regiões carentes de infraestrutura e afastadas, porém mais acessíveis economicamente. (Frúgoli Jr., 1995) O declínio do sistema ferroviário como importante vetor econômico foi refletido em seus edifícios. Com a desativação de diversas linhas, os imóveis passaram por se deteriorar, mudança da sua função ou até demolidos. Contribuindo para a degradação do entorno e transformando-se em 19


grandes terminais ferroviários, como ocorreu com a Estação da Luz e Júlio Prestes. Fenômeno intensificado pela criação do Terminal Rodoviário da Luz em 1961 (Coelho, 2010). Segundo Mosqueira (2007) esses terminais ferroviários atraíram o surgimento de áreas comerciais e serviços de caráter popular, acessíveis pelas rotas dos trens que ligam as regiões periféricas. A decadência gradual das linhas férreas se deve em parte por sua dificuldade de adequação à uma nova dinâmica automobilística na cidade, uma vez que seus traçados foram definidos a partir da lógica do escoamento de mercadorias, principalmente do café. Existia uma falta de articulação entre as redes ferroviárias, dificultando a integração com diversas áreas da cidade. Estas ligações acabaram sendo feitas pelo transporte rodoviário, que ainda contava com incentivos fiscais para a sua implantação. A superlotação dos trens também é vista como um problema, ocasionando desconforto aos passageiros, tornando-se uma alternativa menos interessante de transporte. A situação é agravada pela criação do setor automobilístico no Brasil em meados da década de 50, que contribuiu ainda mais com substituição do transporte ferroviário pelo rodoviário. (Coelho, 2010) A região central da cidade, que na década de 50 ficou dividida pelo Vale do Anhangabaú, de um lado o Centro Novo, ocupado pelas elites, e o centro tradicional ocupado pela população de menor de poder aquisitivo. Na década de 60 a expansão continuou em direção a Oeste com a abertura da Avenida Paulista, assumindo como um novo tipo de centro das elites, automatizado, fragmentado e com áreas especializadas. O Centro Novo por sua vez foi sendo desocupado pela classe dominante, e incorporado ao Centro Velho de característica popular, tendo ruptura definitiva causada pelo aumento da violência e da miséria. (Villaça, 2001) Segundo Frúgoli os anos 50 e 60, com os planos de modernização, a expansão urbana e posteriormente o autoritarismo durante o regime militar, acarretam na radicalização da transformação urbana e no aumento da desigualdade social. Diversas obras predatórias 20

vinculadas ao sistema viário e das linhas do metrô, foram um dos principais fatores desta transformação. Villaça (2001) complementa que a partir da década de 70, a direção de crescimento mudaram agora para o Sudoeste, ocupando até a região de Pinheiros, surgindo novos subcentros como Berrini, Faria Lima, etc. O centro tradicional, passou por uma grande transformação nas suas funções, significados, dinâmicas locais e principalmente o abandono do setor público e privado, ocasionando a degradação física. Houve uma diminuição da população de alguns subdistritos paulistanos entre 1940 e 1960, no caso do Bom Retiro e Santa Efigênia, com a substituição do uso residencial por atividades econômicas. A gradativa saída das elites, fortificou a diminuição residencial e posteriormente um aumento, na década de 50, dado ao crescimento vertical que o bairro vinha assumindo, paralelamente ao seu uso por cortiços e pensões. (Mosqueira, 2007) É evidente o processo de popularização do bairro, especialmente o da Santa Ifigênia que mantém sua característica comercial, porém é abriga diversos cortiços, botecos, hotéis baratos e atividades de prostituição, passando a ser denominada de ‘’Boca do Lixo’’. Desenvolve-se também o ‘’Cinema da Boca’’ no final da década de 60, influenciado pelas empresas cinematográficas instaladas ali anos antes, que utilizam da boca do lixo para explorar o universo cultural marginalizado. A decadência acentua-se nas décadas seguintes com a saturação do tecido urbano, a falta de investimento público e a constante degradação dos imóveis, potencializado pela recémcriada droga, o crack. Decorrente destes problemas, o bairro perde uma parcela significativa de sua população residente, passando a ter uma grande população flutuante nos horários comerciais e depois um grande esvaziamento nos horários noturnos. (Coelho, 2010) A mudança de produção de espaço só foi possível graças ao transporte motorizado, este possibilitou atingir áreas cada vez mais distantes do centro tradicional, rompendo com a proximidade entre os novos núcleos. A forma de ocupação radial foi adotada durante o


processo de expansão da aristocracia paulistana, inicialmente por conta dos atrativos naturais das novas regiões, possibilitado pelo controle do mercado imobiliário e dos investimentos do Estado. (Villaça, 2001) Segundo Villaça (2001) O processo de afastamento da elite da região central foi pautado na dinâmica da segregação social, os novos subcentros tinham como fator determinante manter o fácil acesso entre as suas residências e o centro, o controle do tempo e do deslocamento são essenciais na lógica de produção destes espaços. Esse controle só é possível graças a aglomeração urbana, atraindo para esses subcentros áreas de comércio, serviço de consumo das elites, aliado às obras infraestrutura urbana. Na medida em que as residências das elites se afastam, o subcentro se desloca em direção a elas, retendo grande parte dos investimentos públicos para essas regiões.

comércio e serviço, paralelamente ocupado por pessoas de baixa renda que trabalham nessa região, sobre tudo no setor terciário. Parte desse novo perfil social acabou instalando-se nos edifícios ociosos, formando cortiços, sem o amparo do poder público que estava voltado aos novos vetores de crescimento, agravando a situação de degradação dos imóveis e dos espaços públicos, que não contava com verbas suficientes para a sua manutenção. A necessidade de aproximação entre moradia e trabalho é a principal razão dessas ocupações na área central, uma vez que as residências periféricas necessitam grandes deslocamentos até o posto de trabalho, desencadeando diversas reivindicações por parte desses moradores na possibilidade de se fixarem nessas regiões.

‘’Não foram as deficiências internas dos centros que determinaram o seu abandono por parte das camadas de mais alta renda. Esse abandono, como já vimos, foi motivado pela fragilidade da vinculação mútua entre nossos centros e a diminuta classe que o sustenta. Tal exiguidade impediu que se formasse um círculo de classe média alta e mesmo alta, em torno do centro, sustentando-o e assegurando estabilidade especial mútua, tanto ao centro como a essas classes. No Brasil, a ruptura dessa estabilidade foi facilitada pelas novas condições de locomoção associadas à vulgarização do automóvel e articuladas a interesses imobiliários desejosos de abrir novas frentes para seus empreendimentos e continuamente renovar o estoque construído.’’ Villaça (2001, p. 279)

A contínua ocupação do quadrante sudoeste e o surgimento dos novos subcentros, ocasionou um grande esvaziamento de residências da burguesia no centro tradicional. Este foi perdendo gradativamente a sua população residente, assumindo cada vez mais a função de 21


2.3. RESSIGNIFICAÇÃO DOS ESPAÇOS DA RUA E DO CENTRO TRADICIONAL O processo de ocupação do quadrante sudoeste, possibilitado principalmente pelo crescimento da malha rodoviária e a intensa utilização do transporte motorizado, alterou significamente as relações sociais, os espaços públicos e o centro tradicional da cidade, como já foi mencionado. A elite paulista foi afastando-se gradativamente da população de menor renda, acarretando no aumento da segregação social e o esvaziamento dos espaços públicos por essa classe. A ocupação do quadrante sudoeste expressa bem esse afastamento, buscando instalar-se em áreas periféricas, que já são ocupadas por residência autoconstruídas, pertencentes a população de menor renda. Segundo Frúgoli (1995) novas residências passaram a surgir nas áreas periféricas, muitas vezes em condomínios fechados, caracterizados por espaços privado e controlados, onde a rua é vista como um lugar perigoso e que deve ser evitado. A segregação social continua presente, porém em uma nova organização espacial, onde as novas residências da elite possuem grande proximidade com habitações populares que já ocupavam a periferia da cidade. Os conflitos sociais são eminentes, tendendo à expulsão dessas classes populares, enquadradas como marginais, baseando-se em preconceitos e intolerância. São articulados novos espaços de sociabilidade e interação, todos em torno de ambientes privados e segregados, em um circuito fechado e funcional. É praticada uma reformulação de cidade, evitando os espaços públicos, e passando a usufruir de shoppings centers, supermercados e centros financeiros. Esses locais possuem uma série de atrativos de lazer, comércio e trabalho, selecionando os seus frequentadores com poder aquisitivo semelhante, articulados por meio do transporte individual motorizado. (Frúgoli,1995) Os espaços da rua, seja das regiões periféricas como as centrais, passam a ser evitados pelas camadas mais altas. Onde tradicionalmente eram os locais de convívio e de troca, agora são espaços de passagem, principalmente de veículos. A negação dos espaços transformou a relação da classe média e alta com o convívio público, contribuindo com a insegurança e a sua degradação. As camadas populares e 22

marginalizadas passaram a ressignificar esses lugares abandonados, muitas vezes residuais, apropriaram e introduziram uma nova dinâmica. Surgiu a coexistência de diversos grupos sociais nesses espaços, com diferentes culturas, símbolos e significados próprios, porém não ausentes de conflitos entre-si. Configuraram nesses espaços a interação e a sociabilidade desses grupos, normalmente recorrendo a rua como maneira de subsistência, desenvolvendo principalmente o comércio informal. (Frúgoli, 1995) A forma de relação com o espaço público nas últimas décadas contribuiu para o esvaziamento do centro da cidade pela elite, consequentemente ressignificado e apropriado por uma classe social distinta e excluída socialmente. Frúgoli (1995) salienta que a diversidade cultural e étnica existente nesses espaços é resumido ao aspecto da marginalidade, fator que contribuiu com o afastamento das classes de maior renda e que inclusive passou a ser utilizado como principal bandeira dos processos de ‘’requalificação’’ das áreas centrais que ocorreram a partir da década de 70. A popularização do centro foi o que trouxe a sua vitalidade, contrariando o discurso dos projetos revitalização, colaborou com a sua continuidade no desenvolvimento das relações humanas, da cultura e da memória coletiva. Abrigaram os locais de moradia e principalmente de trabalho, para as camadas sociais que não tinham possibilidade de se instalarem no centro antes do seu abandono pelas elites. O centro é berço das antigas habitações proletárias (cortiços) do século XX, servindo de moradia para ⅓ das habitações da capital. (Kowarick,1998 apud Neuhold, 2008) Os cortiços foram constantemente reprimidos e seus ocupantes expulsos por processos higienistas durante o século XIX e XX. A popularização retomou parte do processo histórico de ocupação popular deste espaço e o intensificou, o atribui como símbolo de resistência da ocupação de baixa renda. A região central passou a ser disputada a partir da década de 90 por movimentos de moradia, paralelamente aos processos de revitalização pressionados pelo mercado imobiliário, visando a


integração da população de baixa renda nas novas políticas. (José, 2010) O primeiro movimento por moradia foi a Unificação das Lutas de Cortiços em 1991, visando melhores condições de habitação na região central (Neuhold, 2008) Esses movimentos passaram a questionar as políticas de moradia voltadas para a periferia, em áreas desprovidas de infraestrutura e longe das zonas de emprego. Os projetos de revalorização contribuíram para a expansão periférica, articulados pelos processos de expulsão das moradias populares de áreas de interesse pelo setor privado e público, aumentando a segregação social. Os diversos edifícios ociosos e subutilizados passaram a ser ocupados a partir de 1997, reivindicando o diálogo com o poder público, políticas habitacionais, direito à moradia digna e da propriedade urbana. (Neuhold, 2008) No início do século XXI os sem-teto passaram a ganhar força, principalmente no município de São Paulo, onde são desenvolvidos diversos programas públicos, agora voltados para as áreas centrais e a inclusão dessa população. A criação do Estatuto da Cidade, Plano Diretor e as ZEIS, previstas na Lei de Zoneamento, também contribuíram para essas políticas através da ordenação urbana, e aplicadas inclusive nas áreas centrais, com o objetivo promover a função social da propriedade. (Moradia é Central - Instituto Polis, 2012) A pressão exercida sobre o poder público e os proprietários dos imóveis, que mantêm imóveis na região com usos meramente especulativos, considerados vazios urbanos. Esses lotes nada contribuem para o desenvolvimento local por não promoverem um uso adequado da realidade urbana, aumentando a insegurança no local de influência ao desencadear a menor utilização destes espaços. Neuhold (2012) reforça que os sem-teto podem ser considerados protagonistas na ocupação desses edifícios, reivindicando a sua reforma e reciclagem, como foi veiculado por alguns meios de comunicação. Esses movimentos, aliados aos diversos agentes populares que passaram a ocupar o centro da cidade, como retratado por Frúgoli (1995), são os que promoveram a ocupação dos espaços, desenvolveram

diversas atividades ligadas principalmente ao setor terciário formal e informal. Apropriaram-se dos espaços públicos, recorrendo a eles como forma de subsistência e desenvolvendo intensas relações cotidianas, inclusive a chamada ‘’Cultura de Rua’’, não só no centro tradicional, mas em diversas áreas da cidade. A importância da inserção nas regiões centrais e os seus diversos atributos que possam promover melhor qualidade de vida é explicitada por Villaça (2001). Ele atribui a localização do indivíduo, dentro do sistema capitalista, e seu valor como consumidor de produto e cidadão, ao local em que está inserido, onde são oferecidos oportunidades e direitos. O estabelecimento da cidadania e da democracia só pode ser contemplado quando os indivíduos têm acesso às mesmas oportunidades e direitos.

23


24


3. PROJETOS DE RENOVAÇÃO URBANA NO BAIRRO DA SANTA IFIGÊNIA

25


3.1. RENOVAÇÃO URBANA (1974) O escritório Rino Levi Arquitetos foi contratado pela prefeitura para elaborar um estudo diagnóstico, resultante dele, foi elaborado um plano de atuação para o bairro da Luz. A lei de zoneamento de 1972, tinha como objetivo equilibrar as diversas funções urbanas no território municipal, divididos em zonas e perímetro, controlando os usos e coeficientes de aproveitamento, sendo determinante para a criação do plano de renovação. O bairro da luz foi demarcado como uma zona especial, o que demandou a desenvolvimento de um estudo específico que norteasse o seu crescimento e impedisse a sua descaracterização. O estudo e suas propostas foram fundamentadas sobre o modelo funcionalista do urbanismo moderno, propunha aumentar os usos residências, comerciais e de serviço, a remoção das áreas industrias, valorização de edifícios de importância histórica, recuperação das áreas deterioradas e dos espaços públicos. A implantação de propostas de circulação e de transporte, previstas por planos municipais, também foi contemplado pelo plano, prevendo a criação de novas vias, o prolongamento de algumas existentes e a construção da linha do metrô. Tais medidas buscavam incentivar a renovação urbana do bairro, principalmente das áreas que continham habitações subnormais e industriais, intensificando os usos existentes característicos de cada zona demarcadas pelo plano de atuação. (Mosqueira, 2007) Era prevista a verticalização das áreas comerciais e de serviço, mesclando aos usos mistos de uso residencial nos pavimentos superiores, assim como a substituição de residências unifamiliar por apartamentos. Alguns conjuntos habitacionais foram propostos, em sua maioria localizados ao Leste da Avenida Tiradentes, transferindo a população que residiam habitações subnormais para essas novas residências, implantadas em área que já encontravam algumas habitações precárias dispersas no setor. (César et.al., 1977 apud Mosqueira, 2007) Pretendia-se reduzir os usos institucionais abundantes na área, devido a conflitos e por não serem complementares, cedendo a novos tipos de usos. Foi previsto a remoção dos lotes de função industrial 26

a médio prazo, característica do urbanismo moderno. Tal uso já era característico desde o século XX, e inclusive manteve o bairro vivo até hoje, diminuindo o processo de degradação nas áreas próximas e estabelecendo como um polo comercial e de serviço, principalmente voltado a venda de roupas. Buscou-se a valorização dos edifícios de importância histórica, ordenando as áreas envoltórias, promovendo manutenções e tombamentos. (Mosqueira, 2007)

Figura 4. Base Gegran 2004, Área de interveção do projeto Renovação Urbana, Fonte: do Autor, Mosqueira, 2007


Segundo Mosqueira (2007) O plano de renovação Urbana não foi concretizado por conta do desinteresse do mercado imobiliário, aliado ao posicionamento passivo do poder público. Os novos centros já eram alternativas mais interessantes de investimentos, com maior estoque construtivo para novos empreendimentos em relação às áreas consolidadas da região da Luz. Os baixos coeficientes de aproveitamento propostos pela lei de zoneamento, eram bem reduzidos em relação ao plano elaborado pelo escritório, visando impedir a descaracterização do tecido urbano. A lei não tinha atrativos para os investimentos do mercado, e ao mesmo tempo não resolvia os diversos problemas encontrados pelo diagnóstico. O poder público assumiu uma postura quase passiva, realizando intervenções indiretas por meio do controle do uso e do coeficiente de aproveitamento, com algumas desapropriações. A concretização do plano ficaria a cargo da iniciativa privada, que deveria ser atraída pelos novos coeficientes de aproveitamento bem elevados, com exceção de algumas áreas de interesse, ocasionando o desenvolvimento imobiliário e a sua valorização.

27


3.2. luz cultural (1984) A Secretaria Estadual da Cultura em parceria com a prefeitura Municipal desenvolveu em 1984 o projeto Luz Cultural, que reconhecia diversos equipamentos de infraestrutura urbana e cultural no bairro. Era previsto organizar e promover a integração entre eles, dinamizando as suas áreas, contando a participação efetiva dos moradores durante o processo. Os edifícios e os espaços públicos abertos eram os principais alvos deste projeto, com a ampliação das atividades oferecidas para a população, e a divulgação desses locais e incentivos à integração na vida cotidiana dos moradores. (Mayer, 1987 ; apud Mosqueira, 2007) A população residente eram os protagonistas para a efetivação do projeto, a partir da fruição cotidiana destes espaços e equipamentos culturais. Esperava-se o surgimento de novas demandas para a melhoria dos espaços, ou seja, a própria população identificaria através do uso, os espaços conflituosos no bairro e suas necessidades. Feito o diagnóstico, o poder público passaria a realizar intervenções físicas nestes locais que permitisse a melhoria da qualidade de vida. (Mayer, 1987 ; apud Mosqueira, 2007) Segundo Mosqueira (2007) foram selecionados 63 equipamentos urbanos de interesse cultural, entre eles museus, teatros, bibliotecas, igrejas, escolas e áreas verdes e de lazer. Incentivou-se o convívio e a participação da população residente nestes equipamentos através de atividades culturais, como oficinas de desenho e leitura, espetáculos, apresentações musicais, entre outros. A valorização dos patrimônios edificados também estava presente neste projeto, como o estímulos à fruição do Jardim da Luz (na época bem deteriorado) as Oficinas na Liceu de Artes e Ofícios, e a criação da Oficinas Culturais Três Rios (atual Oswald de Andrade) no antigo edifício da Farmácia e Odontologia da USP. Foi promovida uma nova leitura destes espaços, incentivando a sua fruição e a criação de um laço afetivo que auxiliava na conservação destes lugares.

‘’havia a intenção de promover atividades diferenciadas que permitissem uma percepção renovada do ambiente urbano existente pela comunidade, sem necessidade, a princípio de intervenções físicas. Este procedimento foi adotado pelo projeto por ser considerado menos agressivo que a realização de obras de grande porte’’ (Izzo Jr, 1999 apud Mosqueira, 2007)

Figura 5. Base Gegran 2004, Área de interveção do projeto Luz Cultural, Fonte: do Autor, Mosqueira, 2007

28


O projeto da Luz Cultural não ocasionou mudanças significativas no espaço construído devido a curta duração de 2 anos do projeto, uma vez que o envolvimento da população residente como protagonista demandava estímulos. O tempo maior para identificar os conflitos, até a efetiva implantação das medidas necessárias que promovessem a melhoria do espaço urbano também acarretou na sua paralisação. (Mosqueira, 2007) A iniciativa merece destaque por ter aberto um diálogo direto com a população residente, que apontariam os conflitos urbanos através do uso do espaço, diferente do projeto de renovação urbana, que buscava realizar intervenções físicas no espaço por meio do mercado imobiliário. Esta nova abordagem pode ser lida como uma forma de diminuir os processos de gentrificação, uma vez que as intervenções levam em considerações as situações reais do bairro, e não meramente especulativas e arbitrariamente transformadoras. É reforçada a ocupação do espaço e a criação de um laço afetivo e de pertencimento através da vivência cotidiana, e de integração da comunidade local.

29


3.3. polo luz (1995) A Iniciativa do Governo do Estado de São Paulo reconheceu o potencial cultural e de diversos usos institucionais públicos no Bairro da Luz, buscou consolidar a região como um polo cultural, para proporcionar a sua transformação através do mercado imobiliário. O poder público com parcerias não governamentais durante a década de 90, ampliou o acesso a região e passou a intervir em diversos edifícios de importância histórica. Foram desenvolvidos projetos de restauração, reforma, novos equipamentos e a proposição de novos usos para alguns espaços, em sua maioria voltados a valorização da cultural. O edifício da Pinacoteca recebeu uma das primeiras obras promovidas pelo Estado, com interesse em transformar o antigo edifício do Liceu de Artes e Ofícios em um museu. Toda a sua estrutura, pisos e instalações foram restauradas e algumas alteradas, novos espaços de exposição, salas climatizadas, áreas para restauro, uma biblioteca pública, café e alteração do seu acesso principal. A estação da Luz também recebeu algumas intervenções que integravam a linha da CPTM com o Metrô, melhorando o acesso para a região. Parte da área da estação deu lugar ao Museu da Língua Portuguesa (2006), através da Secretaria Estadual da Cultura e da Educação em parceria com um agente privado. Algumas intervenções menores também ocorreram no Jardim da Luz, Mosteiro da Luz e no Museu de Artes Sacra. Foi desenvolvido um projeto urbanístico para o bairro por meio da Associação Viva o Centro em parceria com o UNA Arquitetos, chamado de ‘’Pólo Cultural Luz’’. O projeto propunha a transformação da antiga estação Júlio Prestes, que já detinha alguns usos culturais, no Complexo Cultural Júlio Prestes. O projeto transformou parte da estação na Sala São Paulo, através de reformas, restauros e um tratamento acústico, consolidando como um dos mais influentes pontos culturais da cidade. O projeto foi reconhecido pela parceria pública com diversos agentes privados, que investiram na consolidação do projeto. Porém o capital privado bancou apenas 4% do custo total da obra, valor que poderia ser abatido por isenção fiscal. Desta forma a obra foi custeada em sua maior parte pelo poder público. (Mosqueira, 2007) 30

‘’Os pesados investimentos realizados pelo Estado na instalação do Complexo Cultural Júlio Prestes se justificavam na intenção de estabelecer um marco que irradiasse um processo de reabilitação do tecido urbano adjacente, caracterizado por concentrar habitações sub-normais e pontos de tráfico e prostituição.’’ (Mosqueira, 2007, p. 143)

Figura 6. Foto da Estação Julio Prestes Fonte: Tuca Vieira


Diversas manifestações eclodiram com a abertura do complexo cultural, local concebido para população de maior poder aquisitivo, contestando as prioridades de investimentos por parte do poder público. Compreendida como uma área problemática, seja pela chamada ‘’cracolândia’’, abrigando uma população marginalizada e vulnerável socialmente, que não é atendida por iniciativas públicas e constantemente reprimida pelas forças policiais. (Mosqueira, 2007) Ao lado do complexo cultural, o antigo edifício administrativo da ferroviária e ex sede do DOPS foi reformado, e passou a exercer função de museu e de oficinas, recebendo o nome de Estação Pinacoteca, atual sede do Museu da Resistência. Foram consolidados diversos equipamentos culturais de maior importância metropolitana do que local, em sua maior parte promovidos pelo poder público, que visavam atrair investimentos do capital privado através da valorização cultural, conhecidos como edifícios âncora. Estas ‘’âncoras’’ pretendiam transformar a malha urbana do entorno, porém no bairro da luz não foram suficientes para atrair novos investimentos. Os edifícios culturais efetivados como ‘’âncoras’’ não se relacionam com seu entorno, e se estabeleceram como uma realidade distante, isolada e autossuficiente, destinada a uma classe econômica exterior a realidade local. (Wisnik et. al. 2001 ; Mosqueira, 2007) Enquanto a realidade do bairro era outra, composta em parte por uma população de grande vulnerabilidade social, marginalizada, reprimida com certa frequência pelo aparato policial. As intervenções visavam atingir essa população considerada indesejada, ocasionando a sua expulsão, enquadrada como os causadores da degradação do bairro, desencadeando um processo de gentrificação. A saída dessas pessoas pressupõem a valorização imobiliária, atraindo novamente as classes de maior poder aquisitivo.

Figura 7. Base Gegran 2004, Área de interveção do projeto Polo Luz Fonte: do Autor, Mosqueira, 2007

31


3.4. programa Monumenta (1998) O programa surgiu como uma iniciativa do Governo Federal, que pretendia intervir em centros urbanos com incidência de patrimônios tombados pelo IPHAN, na tentativa de solucionar a degradação dos imóveis. As intervenções deveriam garantir o desenvolvimento econômico do edifício e entorno, incentivado principalmente pelo turismo na recuperação, integração social, fomentar o desenvolvimento cultural e atrair investimentos privados. Os recursos necessários seriam financiados em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), pelo poder estadual e municipal, e geridos pelo Ministério da Cultura, podendo ser aplicado em todo o território Brasileiro. Uma empresa terceirizada desenvolveu um projeto para a região, encomendado por uma unidade da EMURB. O acordo foi firmado entre o poder municipal e o Ministério da Cultura em 2002, investindo em 9 locais que compunham Conjunto da Região da Luz. Esse conjunto foi tombado pelo IPHAN em 2000 com o intuito de arrecadar mais recursos para o projeto, que destinava 1,5 milhões para cada edifício tombado pela instância federal. Com a pretensão de recuperar edifícios públicos e particulares, espaços urbanos e promover a educação patrimonial por meio de financiamento. (MIN. C. ; apud Mosqueira, 2007) As intervenções necessárias seriam pontuais, inicialmente mais abrangentes, realizadas apenas as áreas lindeiras ao edifício beneficiadas pelo programa, visando melhor gerenciamento e maior quantidade de verbas que poderiam ser destinadas para glebas menores. Esta diminuição visava atender o retorno econômico solicitado pelo programa, porém excluía pontos importantes para o bairro em detrimento de outros de maior potencial financeiro. Um estudo preliminar desenvolvido pelo IPHAN propunha intervenções em diversas áreas distintas, com várias morfologias e classes sociais, equilibrando e articulando a malha urbana, ao contrário do projeto elaborado pela prefeitura. Segundo o Ministério da Cultura, foram selecionados 103 imóveis particulares e 15 monumentos para receberem intervenções, em diferentes graus de acordo com a realidade de cada edifício e o nível 32

de deterioração. Essas obras poderiam contar com parcerias privadas, cedendo espaço ao desenvolvimento de atividades econômica nos monumentos restaurados ou parceria na criação de empreendimentos que ocasionassem o desenvolvimento da região. Já os imóveis particulares selecionados poderiam realizar melhorias, restauros em seus imóveis e mudanças de uso, todos financiados pelo programa.

Figura 8. Base Gegran 2004, Área de interveção do projeto Polo Luz Fonte: do Autor., Mosqueira, 2007


Um dos diferenciais do plano, além das intervenções nos edifícios tombados e o seu entorno, é a criação do Fundo de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural da Área do Projeto Luz. Criado com o intuito de dar continuidade aos investimentos nos edifícios e no seu entorno, realizando as manutenções necessárias e consolidando os projetos para a região. A verba para o fundo viria da arrecadação dos financiamentos, aluguel dos imóveis, arrecadação das atividades econômicas desenvolvidos nestes edifícios e uma parcela do IPTU, o qual teria valor ajustado de acordo com a valorização do entorno. O desenvolvimento do programa foi muito lento, fazendo poucas intervenções ao longo dos anos, quando em 2005 parte do orçamento destinado ao projeto foi cortado por conta dos avanços pouco significativos. O projeto foi reestruturado, definindo novas prioridades de investimentos, cortes de alguns imóveis beneficiados e atribuído um valor menor para cada edifício. Foram realizadas intervenções mais pontuais no edifício monumentais, os imóveis privados tiveram pouca adesão no financiamento, devido ao curto prazo de inscrição ou por serem imóveis alugados ou com irregularidades. Portanto o programa realizou intervenções de restauro, conservação e estímulo de atividades econômicas de alguns edifícios, porém com as suas intenções bem reduzidas em relação ao plano inicial. Era pretendido um maior investimento no entorno dos edifícios monumentais, abrangendo uma maior área que estimulasse o desenvolvimento regional. Por conta disso foram excluídas algumas áreas deficitárias e diversos imóveis historicamente importante como as vilas operárias, concentrando a maior parte da verba no lado oeste da Avenida Tiradentes. As transformações mais abrangentes contavam com a parceria do poder público, e realizadas pelo mercado imobiliário que detinha maior verba, portanto, poderia proporcionar mudanças mais significativas na região. O plano não contava com mecanismo efetivos para impedir a expulsão da população de menor poder aquisitivo, deixando a cargo do poder Estadual e Municipal e seus programas habitacionais que não

conseguem suprir a demanda já existente. A expulsão das classes marginalizadas inclusive é bem vista para os agentes imobiliários, considerando esta população um dos fatores principais de degradação urbana e consequentemente de desvalorização.

33


3.5. nova luz (2005) Diante dos planos anteriores realizados na região que utilizaram de edifícios culturais como âncoras para atrair dos agentes imobiliários, e suas mudanças pouco efetivas, foi anunciado em 2005 pela prefeitura municipal de São Paulo, o plano urbanístico denominado de ‘Projeto Nova Luz’’. Elaborado para o bairro da Santa Ifigênia, região englobada pela Operação Urbana Centro, tinha o intuito de promover a requalificação urbana através de intervenções públicas e privadas, alterando o uso e ocupação do solo. A principal bandeira do projeto acabar com o ‘’fluxo da cracolândia’’, visto como maior problema do bairro. Uma área de 105.000m² foi declarada de utilidade pública para iniciar o projeto, em 2007 o seu perímetro foi aumentado para atingir o mesmo perímetro da Lei de Incentivo Seletivo. Esta lei promoveu incentivos fiscais como a redução de impostos e outros benefícios, para atrair usos comércios e serviços, sobre tudo empresas ligadas ao setor tecnológico na tentativa de estabelecer um polo tecnológico previsto pelo plano plurianual. (José, 2010)O plano tinha como objetivo recuperar e requalificar o bairro da Santa Ifigênia por meio de desapropriações, intervenções e demolições, para alcançar a renovação urbana. Foram desenvolvidos os estudos preliminares tendo como princípios norteadores a valorização dos espaços públicos, dos patrimônios históricos e sua conservação, a implantação de garagens subterrâneas, articulação do sistema viário existente, indução de novas atividades, implantação de equipamentos públicos, estímulos ao uso misto, implantação da ZEIS 3 e políticas para cortiços. (Coelho, 2010) Foram definidas áreas passíveis de transformação e de permanência, e ainda a setorização funcional da área, com propostas de intervenção específicas. Segundo Coelho (2010) estas áreas foram selecionadas por critérios morfológicos e tipológicos urbano, divididas em lotes públicos e privados. Diretrizes específicas foram direcionadas para cada tipo de lote, entre elas a conservação dos edifícios históricos e dos que detinham mais de 3 pavimentos. Estas áreas contavam com um C.A. máximo de 4, alcançado através da compra de Outorga 34

Onerosa, onde o gabarito era limitado pelo tipo de via, podendo chegar até 16 pavimentos, com C.O. do lote de 0,5. Três fases de estudo foram elaboradas, contendo os edifícios públicos, habitacionais, áreas livres e de novos empreendimentos, suas respectivas volumetrias e fases de implantação. A proposta deixa evidente a intenção de renovar a área, retirando parte significativa dos imóveis existentes, considerados como um tecido ‘’podre’’. Utiliza-se do conceito de tábula rasa para alcançar a valorização tão almejada pelo setor público e pelos agentes privados, desconsiderando a realidade local composta pela diversidade social, cultural, a forma de ocupação do solo, a interação com a rua e sobre tudo a importância histórica de umas áreas que contribuíram para a formação do centro. (Coelho, 2010) Entre 2005 e 2008, foram realizadas as chamadas ‘’Operações Limpas’’ que visavam reprimir usuários de drogas, traficantes, vendedores ambulantes, prostitutas, ocasionando no fechamento de estabelecimentos indesejados. Estas operações provocaram o deslocamento da ‘’cracolândia’’ para outras regiões da cidade, atualmente concentrada aos arredores da estação Júlio Prestes. A força policial foi amplamente utilizada durantes as operações para lidar com o problema social, inclusive com a construção da sede da GCM em 2007 na região. (José, 2010) Apresentada como uma forma imediatista de afastar o problema temporariamente, visando divulgar uma nova imagem da região a curto prazo, sem tratar o problema como uma ação de saúde pública e de políticas integradas para realizar a reinserção social e econômica desta população. Em 2009 foi aprovada a Lei de Concessão Urbanística que permitia a desapropriação da área para execução de um plano urbanístico, através da transferência da área para a iniciativa privada selecionada por uma licitação, que seria encarregada de implementar o plano supervisionado pela prefeitura. Este projeto era mais flexível e incorporava aspectos do PDE e Estatuto da Cidade, ainda que de forma tímida a participação social, amenizando em parte as formas arbitrária de intervenção. (Coelho, 2010)


urbanos e empreendimentos imobiliários. (Prefeitura de São Paulo) As características apresentadas não eram muito diferentes dos estudos iniciais, apesar de contemplarem uma maior inclusão social na área da ZEIS, o projeto buscava uma forma de renovação arbitrária, baseada na substituição do tecido existente e de sua população. O projeto foi alvo de inúmeros protestos, voltado às incertezas de permanência das classes média e baixa, a falta de participação popular e podendo ocasionar a expulsão dos moradores e dos comerciantes da região. Com a troca de gestão em 2012, o projeto não havia sido concretizado, sem atrair o interesse necessário da iniciativa privada, com apenas alguns edifícios previstos construídos, em sua maioria públicos, e algumas demolições. A nova gestão não estava de acordo com o projeto, considerando impróprio e economicamente inviável, sendo descontinuado.

Figura 9. Estratégia de atuação sobre os lotes dentro do perímeto do projeto Nova Luz de 2011, Fonte: Prefeitura

Foi lançado o edital para a Elaboração do Projeto Urbanístico específico da Nova Luz, que selecionou o escritório de arquitetura encarregado pelo plano urbanístico, apresentado em 2011. Este novo projeto seguiu as diretrizes impostas pela prefeitura, incluindo a preservação patrimonial, cultural e artística, o equilíbrio entre residência e comércio, implantação de habitação de baixa renda na ZEIS da Santa Ifigênia e incentivos à manutenção, expansão econômica e o problema da ‘’cracolândia’’. (Coelho, 2010) Em linhas gerais o projeto apresentado propunha a demolição de 24% da área de intervenção, entre edifícios comerciais e residenciais, dando lugar a novas infraestruturas, equipamentos

Figura 10. Vista da Rua Vitória Fonte: Prefeitura

35


3.6. Conclusão sobre os projetos de renovação década 90, tinham grande caráter elitista, miravam a expulsar as classes de menor poder aquisitivo através da ‘’revitalização’’ destes espaços. ‘’Não raro estas intervenções, nomeadas por eufemismos variados – “revitalização”, “requalificação”, “revalorização” – designam nada mais do que os tão conhecidos processos de gentrification, desencadeados pela tentativa de “reconquista” do coração das cidades pelas camadas dominantes. “Requalificados”, revalorizados imobiliarmente, geralmente estes centros tornam-se inabitáveis para os seus antigos moradores e para a vida urbana que lhes atribuía sentido.’’ (Arantes, 2000, pp. 14-15 abde Neuhold, 2008)

Figura 11. Base Gegran 2004, Sobreposição das intervenções, Fonte: do Autor, Mosqueira, 2007

Os diversos projetos realizados no bairro da luz e no seu entorno, apresentaram-se inicialmente de intervenções mais pontuais, sem grandes planos de transformação como já foi mencionado. A criação da Associação Viva o Centro pressionou o poder público a realizar obras de maior impacto, mirando os benefícios sobretudo econômico que essas mudanças poderiam acarretar nas áreas de influência. As modificações do espaço urbano principalmente nos projetos elaborados a partir da 36

A completa remodelação proposta pelo projeto Nova Luz apresentava intervenções arbitrárias e completamente higienistas, demonstra o interesse em atrair a elite paulista, recuperando as áreas centrais e apagando qualquer traço das camadas populares e do traçado urbano. Esse tipo de projeto deseja criar uma imagem positiva da área, passível de investimentos, voltada ao mercado econômico internacional e para o incentivo turístico. (Frúgoli, 2000 ibde José, 2010) Os diversos equipamentos culturais na região foram os atrativos iniciais, incentivando a criação de um polo cultural que atraísse o interesse turístico e consequentemente o crescimento econômico e da elite. Inclusive foi veiculado pelo Secretário Estadual da Cultura que ‘’trabalhamos para usar a cultura como instrumento para a revitalização do centro de São Paulo e como instrumento de transformação social’’ (Cypriano e Arantes, 2004 ibde José, 2010) A utilização dos equipamentos culturais para as classes de maior poder aquisitivo desencadeou na formação de enclaves urbanos, que são frequentados principalmente pelas camadas de maior poder aquisitivo e não trouxeram a transformação urbana desejada. Fenômeno semelhante pode ser observado em shoppings centers,


onde a população marginalizada é frequentemente afastada desses espaços, impossibilitada de desfrutar dos seus espaços de interação social e de compra. A revalorização recente das antigas paisagens urbanas no Brasil dificilmente está relacionada a questões de identidade dos indivíduos da sociedade que a compõem. (Flower 1992 abde Abreu, 1998) O interesse possivelmente relacionada a utilização da imagem urbana como mercadoria, sobre tudo no turismo. (Kearns e Philo, 1993 abde Abreu, 1998) A serventia desses espaços como agentes transformadores remete à ‘’instrumentalização da cultura’’ apresentado por (Meneses, 2005), visando atender exclusivamente ao mercado e seu caráter transformador, almejando o retorno financeiro proveniente da valorização imobiliária e do turismo cultural.

37


38


4. estudos de caso

39


4.1. REABILITAÇÃO DAS DOCAS MALRAUX/HEITZ-KEHR ARCHITECTS

Figura 12. Vista externa do acesso pela praça Fonte: Heitz-Kehr Architects

Fruto de um concurso realizado em 2010 que almejava a reabilitação das antigas Docas Malraux, no conjunto da área portuária industrial de Estrasburgo, França. O território, próximo a divisa com a Alemanha, foi alvo de disputas entre os dois países, passando por domínio de ambos, representando uma sinergia entre duas culturas. A cidade é considerada um grande polo cultural e institucional, reconhecido como patrimônio mundial da humanidade pela UNESCO em 1988, por conta de sua área central que detém edifícios medievais. Destaca-se também na parte de engenharia e produção industrial, sendo amplamente acessível por diversos meios de transporte, sobretudo o hidroviário, contando com a presença de um grande porto. A intervenção foi realizada no antigo armazém de grãos projetado em 1934, norteada pela preservação de sua arquitetura industrial, atribuindo o misto ao complexo. O escritório buscou dar visibilidade ao 40

edifício existente, revertendo o seu processo de deterioração por meio da restauração e conservação, ressaltando a sua importância como patrimônio arquitetônico, sobretudo na possibilidade de conciliar a modernização do imóvel antigo para fins contemporâneos. Todo o armazém foi aproveitado e sobre ele um novo volume parasitário de forma retangular com 3 pavimentos ocupa o lugar do antigo telhado do galpão. Este anexo, construído de estrutura metálica na cor preta com fechamentos de vidro, apresenta materiais que marcam a intervenção contemporânea e dialogam com a arquitetura industrial e portuária, seguindo a modulação estrutural do edifício. O volume avança em balanço sobre a praça servindo de acolhimento para a entrada principal do conjunto, e cobertura dos acessos laterais. O edifício encontra-se ilhado pelo canal, acessado nas pontas da secção horizontal. O térreo abriga alguns usos como os restaurantes do conjunto e um espaço cultural e de exposição, rearticulando algumas divisórias de alvenaria existente e incorporando novos fechamentos de vidro. Na face voltada para o canal estão localizadas as áreas funcionais do conjunto, segregando os acessos da circulação vertical realizada por 4 torres de elevadores e as escadas de emergência que percorrem toda a fachada externa. As escadas trazem uma identidade visual e possibilitam o maior aproveitamento interno. Os andares superiores da estrutura original são ocupados por escritórios, startups digitais, escola de jornalismo e comunicação e fablab, um espaço mais privativo, separado da esfera pública. O novo volume metálico abriga os usos residenciais adequados em diferentes tipologias e tamanhos, divididos em 67 unidades habitacionais. Os apartamentos possuem varandas lineares que dão vista para o entorno, ao mesmo tempo conformam uma cobertura para térreo que leva o conjunto de escadas de emergência. A torre do conjunto recebeu um novo pavimento, aproveitando o terraço para virar um mirante em 360 graus com vista para as montanhas dos Vosges e as Montanhas da Floresta Negra, que circundam a planície da Alsácia. O projeto consolidado é um exemplo de diálogo entre a


Figura 13. Vista externa Fonte: HeitzKehr Architects

arquitetura industrial e a contemporânea, aproveitando o edifício existente e criando um diálogo temporal através de sua materialidade e da conservação da memória do armazém. Perpetua parte da história portuária de Estrasburgo, demonstrando a possibilidade de aproveitar edifícios construídos e proporcionar a sua evolução, adequando-se às novas dinâmicas cotidianas, contribuindo para o desenvolvimento cultural e social local.

Figura 14. Planta do pavimento térreo Fonte: Heitz-Kehr Architects

Figura 15. Corte longitudinal Fonte: Heitz-Kehr Architects

Figura 16. Pespectiva explodida Fonte: Heitz-Kehr Architects

41


4.2. URBAN HOUSE / FGM ARQUITECTOS

Figura 17. Vista Externa Fonte: Elías Martínez Ojeda

Figura 18. Implantação Fonte: FGM Arquitectos

42

Uma pequena residência unifamiliar térrea construída nos anos 30, em Montevidéu, Uruguai, recebeu um projeto de expansão vertical e de adequação para novos usos de comércio e de serviço. Localizada no bairro do Cordon próximo ao centro da cidade, em uma área que concentra diversos edifícios históricos, culturais e de uso misto. A intervenção no edifício existente aproveitou toda as suas divisórias e estrutura, para dar espaço a empresa Casa Urbana no térreo e a realocação do uso residencial em dois novos pavimentos superiores. Um pequeno volume retangular, de aparência leve, é apresentado na face do lote voltado para a rua. Foi montado em estrutura metálica sobre o telhado e apoiada nas paredes estruturais existentes do edifício. Os fechamentos foram feitos através de vidro e concreto, revestidos por chapas metálicas, criando uma diferença de materialidade e contraste visual entre o antigo e novo.

Um edifício existente estava em boas condições, sendo restaurado manualmente e realizada a manutenção de alguns revestimentos e caixilhos. Os espaços internos foram aproveitados, tirando partido das clarabóias existentes e inserindo algumas novas para adequar ao novo uso. Foram alocados no térreo uma sala de oficina, atelier, provadores, cozinha, e área de serviço, caracterizando um empreendimento voltado para o design e moda. Próximo a entrada do lote, do lado direito, um pequeno hall dá acesso a escada de circulação vertical para os pavimentos superiores. No primeiro andar estão localizadas as áreas comuns da residência, como cozinha, sala de jantar e estar. Estas se abrem para um amplo terraço aberto, recluso do contato público, onde é possível visualizar as clarabóias de iluminação do piso inferior.

Figura 19. Corte longitudinal Fonte: FGM Arquitectos


O segundo pavimento configura a parte mais reclusa do programa, acessível pelo bloco de circulação vertical, onde estão os quartos da residência. Eles não estabelecem um diálogo direto com a rua, configurando parte da fachada em uma empena cega, apenas com uma abertura zenital angulada que ilumina o corredor de circulação, com vista para o céu. As aberturas dos quartos foram alocadas na fachada interna, voltadas para o terraço, adquirindo a privacidade almejada pelos clientes. Figura 20. Planta Térreo Fonte: FGM Arquitectos

Figura 23. Pespectiva explodida Fonte: FGM Arquitectos

Figura 21. Planta 1 pavimento Fonte: FGM Arquitectos

Figura 22. Planta 2 pavimento Fonte: FGM Arquitectos

Figura 24. Planta 2 pavimento Fonte: FGM Arquitectos

43


4.3. JARDIM EDITH / MMBB ARQUITETOS, H+F ARQUITETOS Após um incêndio em 2007 na comunidade do Jardim Edith, decisivo para o conflito, houve a organização para reivindicar a permanência no local, com uma decisão judicial que suspendeu a remoção e promoveria a criação do conjunto em 2008. Os escritórios MMB Arquitetos e H+F foram selecionados, juntos a Secretaria da Habitação, para desenvolver o Conjunto Habitacional Jardim Edith. A sua elaboração veio da premissa de fixar parte da população residente, restante das desapropriações que ocorreram ao longo dos anos, implantado nas proximididades da favela, evitando transferência da população para as regiões mais afastadas. O programa foi dividido em 2 quadras e consiste na criação de 3 torres verticais de uso residencial, atingindo 17 pavimentos cada, graças ao benefício do uso misto e o coeficiente 4 de aproveitamento máximo em decorrência da OUC. Duas lâminas horizontais de 4 pavimentos, também de uso residencial, que repousam sobre os equipamentos públicos. Figura 25. Vista Externa, Fonte: MMBB Arquitetos

O projeto foi concebido como resolução de intensas disputas que vinham ocorrendo entre os residentes da favela do Jardim Edith e os novos empreendimentos que vinham se instalando no local. Localizado na Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini com a Avenida Roberto Marinho. A avenida Roberto Marinho historicamente apresentava uma grande ocupação lindeira ao córrego Água Espraiada, hoje tamponado, onde a população de menor renda foi removida progressivamente desde 1970 através de obras viárias na região. Em 2001, foi lançada a Operação Urbana Água espraiada que visa requalificar a região através de intervenções viárias, de áreas verdes, transporte coletivo e habitações sociais. Em 2002 o local foi demarcado como ZEIS (zona de interesse social) pelo plano diretor, fruto da pressão popular ocasionada pela retirada de grande parte da população, que ainda assim não se sentira amparada por intervenções que possibilitaram a sua fixação. 44

Figura 26. Divisão do programa Fonte: MMBB Arquitetos


Figura 27. Planta do Pavimento Térreo, Fonte: MMBB Arquitetos

Os equipamentos buscam dar vida ao edifício e inserir o conjunto as dinâmicas do seu entorno , através de um restaurante, uma escola, uma unidade básica de saúde e uma creche, atendendo a população residentes e das áreas envoltórias. As lajes destes usos gera as áreas de convivência das residências e suas ligações em um nível elevado, marcando de forma clara as áreas de fruição pública e semi-pública. O estacionamento público também faz parte da integração com o entorno, durante o dia ele pode ser utilizado por visitantes e durante a noite é preferencialmente dos moradores. A morfologia do conjunto busca assemelhar-se com o entorno, marcado por prédios verticais com uso predominante empresárial, característica que configura a região. Desta forma a verticalização do projeto passa a ser protagonista nesta comunicação, aliada as materialidades utilizadas nas fachadas do conjunto, que se assemelham com os edifícios que circundam os dois lotes. A implantação cria um

grande diálogo com a cidade, recuos de até 20 metros não conformam espaços residuais, sem muros, integrando ao passeio dos pedestres nas calçadas que circundam o lote. O acesso aos blocos se dá por uma rua local, separada do acesso aos equipamentos, visando um melhor fluxo entre visitantes e moradores. Nas lâminas habitacionais de 4 pavimentos, o acesso se dá exclusivamente por escadas em um pequeno hall centralizado. Já as torres mais verticais possuem 2 elevadores cada uma, acolhendo o visitante em grande hall nas extremidades dos lotes. A creche localizada na área pública, foi fechada para o exterior, criando um grande jardim interno que promove iluminação, ventilação e ameniza os barulhos vindos das avenidas, com abertura de todas as salas voltadas para ele. A unidade básica de saúde possui um programa igualmente fechado

45


por conta da legislação de edifícios voltados a área da saúde. A laje da unidade de saúde permite a entrada de luz apenas por tanques de iluminação natural que atendem ao saguão central das alas de espera. Os acessos das residências se dão por amplos corredores com aberturas para a cidade, trazendo grande visibilidade para o exterior, conformando pequenos espaços de estar e agrega um grafismo a fachada externa através de grades, formando cheios e vazios ritmados em um jogo de luz e sombra. Os apartamentos possuem em média 50m² e plantas distintas dependendo do pavimento e edifício. Eles dispõem de 2 quartos, sala, cozinha e área de serviço, exigência imposta pelos moradores através de um quadro qualitativo para as unidades, contrário as propostas de quitinetes comuns em outras habitações sociais. Armários com 50 centímetros de altura com 60 de profundidade foram colocados em todas as unidades, a fim de maximizar o uso dos ambientes e são expressos nas fachadas dos edifícios, criando longas lâminas horizontais. A insolação também foi determinante no projeto, buscando o seu melhor aproveitamento e alocando os quartos em regiões com nível adequado. O projeto recebeu destaque por sua construção econômica, onde toda a estrutura feitas no canteiro de obras, sem a utilização de materiais pré-fabricados, com a estrutura e os fechamentos feitos de alvenaria revestida. O concreto aparente foi utilizado apenas na cobertura das lajes dos equipamentos. Os elevadores nas torres verticais também são um grande diferencial devido a grande verticalização, sendo o primeiro conjunto desde de 2001 ser atendido por esse equipamento. As habitações possuem uma ótima eficiência térmica, tirando proveito de ventilação cruzada, cobogós e sempre com uma face isolada, deixando as residências mais luminosas e agradáveis. O Jardim Edith pode ser interpretado como um projeto que se destoa de outras habitações de interesse social ao dialogar com seu entorno através de seus equipamentos públicos, atendendo aos moradores de baixa renda e os visitantes. A qualidade construtiva também ganha destaque, ficando bem acima de outras habitações de interesse social, e ainda por contar com a participação da população que irá ocupar o conjunto. Por outro lado o projeto é fruto do processo de segregação

urbana promovido pelo mercado imobiliário, com remoção da maior parcela que ocupava o córrego Água Espraiada, deixando de fora a maior parte da população. Portanto o projeto pode ser considerado um ‘’sucesso’ no quesito qualitativo e de articulação popular, mas ainda deve ser encarado como uma excessão

Figura 28. Corte Transversal, Fonte: MMBB Arquitetos

46


Figura 29. Pavimento Condominial Fonte: MMBB Arquitetos

Figura 30. Pavimento Habitacional Fonte: MMBB Arquitetos

Figura 31. Corte Longitudinal, Fonte: MMBB Arquitetos

47


48


5. levantamento de dados

49


5.1. tipos de uso do solo O bairro da Santa Ifigênia apresenta uma predominância de uso misto em seu interior, com maior ocorrência próximo às estações ferroviárias e as vias estruturais. Este uso é predominante ao longo da Avenida Cásper Líbero e Rio Branco, marcadas principalmente por edifícios residenciais verticais, onde o térreo é ocupado por comércio e serviço. Em contraponto às áreas mistas, a região é conhecida principalmente por seu centro comercial, comportando diversas lojas e serviços voltados principalmente a venda de produtos eletrônicos. Através de visitas de campo e análises sobre o uso do solo, é possível notar que o forte setor comercial está distribuído próximo ao miolo do bairro, entre as ruas dos Andradas, Largo da Santa Ifigênia e Aurora, atraindo grande fluxo de pessoas diariamente. Esta zona apresenta grande vitalidade, proporcionando grande movimento em suas ruas, servindo como local de emprego formal e informal no setor terciário, como é possível notar pela figura xx.

Figura 33. Mapa de uso e ocupação do solo Fonte: Geosampa

Figura 32. Avenida Rio Branco Fonte: Autoral

50


O setor formal está articulado predominantemente dentro dos edifícios, em espaços mais privativos, conformando diversas galerias que frequentemente cortam os lotes, possibilitando a sua travessia. O setor informal é bem visível nos espaços públicos, apresentando um número significativo de vendedores ambulantes e camelôs, que apropriam das calçadas e dos viários para exercerem suas atividades econômicas. O conflito desta última atividade não é raro, ocasionando disputas internas no setor e principalmente por policias através de ações repressivas, que não atinge apenas os camelôs, mas também parte dos usuários de drogas presentes na região.

Figura 35. Rua dos Andrades x Rua dos Gusmões Fonte: Autoral

Figura 34. Fluxo na Rua St. Ifigênia Fonte: Autoral

Figura 36. Inicío da Rua Vitória em direção da Rua Santa Ifigênia Fonte: Autoral

51


O bairro apresenta alguns vazios urbanos promovidos por imóveis ociosos e subutilizados ou mesmo o uso de estacionamento, atribuídos pela falta de interesse do mercado imobiliário. Através de um levantamento de campo realizado por Cotelo (2010) figura 14, foi possível estimar a quantidade de imóveis que apresentam algum grau de subutilização espalhados pela Santa Ifigênia. É notável um número significativo de estacionamentos na área estudada, segundo o autor esse uso é atribuído para viabilizar economicamente a existência do imóvel, uma vez que não são áreas de interesse imobiliário o que dificulta dar outros tipos de uso. A sua existência, assim como dos imóveis com uso apenas no térreo ou mesmo vazio, também se deve a própria dinâmica de valorização imobiliária, onde seus proprietários aguardam o aumento do valor do imóvel para realizarem a sua venda ou atribuírem uma nova função.

Figura 37. Edifício subutilizado na rua St. Ifigênia Fonte: Autoral

52

Figura 38. Estacionamento na rua St. Ifigênia, Fonte: Autoral Figura 39. Condição dos edifícios Fonte: Cotelo , 2010


A região é servida por ampla estrutura de transporte rodoviário e de trilhos, característica presente em todo centro tradicional. Os fatores históricos que contribuíram para consolidar o centro como detentor da maior concentração do transporte sobre trilhos, em relação ao restante da cidade. Segundo a figura 15, O bairro é cortado pela linha 1 azul e linha 4 amarela do metrô, e pela linha 7 da CPTM, possibilitando o acesso para diversos pontos de embarque na estação da luz de ambos os modais. A linha azul secciona a cidade no sentido norte e sul, começando no Jabaquara até o Tucuruvi, possibilitando grande acessibilidade a essas áreas. A linha amarela por outro lado permite o acesso ao quadrante sudoeste, local de residência da elite paulista e também a concentração de empregos no setor terciário. A linha 7 da CPTM faz parte do antigo trajeto da estrada de ferro que começava na luz e seguia em direção até o interior de São Paulo, no município de Jundiaí. O transporte ferroviário se estabeleceu na região como um importante vetor de transporte metropolitano, dando acesso a diversas ramificações das linhas de metrô e de trem através de baldeações. A sua localização é privilegiada é servida pela confluência de diversas linhas para o centro tradicional e consequentemente grande acessibilidade. O transporte de ônibus também é abundante, passando no interior das quadras do bairro e com diversos pontos de parada, com exceção da zona de influência polo econômico, onde os trajetos são externos a ela. Este fato pode ser explicado pela forma de ocupação comercial que acontece ali, com grande fluxo de pedestres e os diversos ambulantes que ocupam os espaços viários, dificultando a passagem deste modal. Porém isso não influencia na acessibilidade do espaço, compensado pela grande proximidade com viários de maior porte servidos por corredores de ônibus. Além do transporte coletivo, o transporte viário também ganha destaque para o uso individual, apresentando diversas avenidas, algumas com função arterial e que interligam inúmeras regiões. Vale destacar a presença da Avenida Tiradentes, que possibilita o acesso no sentido Norte e Sul da cidade, passando próximo a face leste do bairro.

A avenida Rio Branco, importante viário na proximidade sudoeste que possibilita o fácil acesso a marginal Tietê. A Avenida Ipiranga e a Duque de Caxias, interligam com a rua da Consolação, a Rua Cásper Líbero que começa na estação da luz e continua até o Largo da Santa Ifigênia.

Figura 40. Mapa de Transporte coletivo e individualdo solo, Fonte: Geosampa

53


A presença de imóveis de importância histórica e tombados, são abundantes no bairro da Santa Ifigênia e nas suas proximidades. A sua concentração é proveniente dos diversos edifícios representativos da evolução da cidade, frutos do grau de importância que a região tomou até o surgimento dos novos subcentros. Segundo o levantamento realizado pela Associação Renova Centro (2006), foi possível identificar pela figura 16, a localização de diversos imóveis tombados, e a sua forte presença como característica do bairro. As maiores concentrações são apresentadas ao longo do Largo da Santa Ifigênia e na Rua do Triunfo, com a ocorrência em menor grau na Cásper Líbero. A ocupação dos imóveis tombados da Santa Ifigênia é voltada principalmente ao comércio, com a utilização dos pavimentos superiores como estoque de mercadorias. Já a Rua do Triunfo apresenta grande concentração de antigos hotéis e residências, tão presentes nas épocas de prestígio da região, onde, (acho que faltou uma palavra de ligação só) atualmente, alguns deles encontram-se subutilizados. É importante destacar que em 1986 foi realizado o tombamento de uma parcela significativa do bairro, na qual totalizou 99 imóveis. O perímetro foi ‘’...compreendido pela interseção dos eixos das seguintes vias: Avenida Duque de Caxias, Rua Mauá, Largo General Osório, Rua Mauá, Rua Brigadeiro Tobias, Viaduto Santa Efigênia, Rua Brigadeiro Tobias, Praça Pedro Lessa, Praça do Correio e Avenida São João.‘’ (CONDEPHAAT, 1986). Segundo Ferreira (2015) a prefeitura tinha interesse no processo de revitalização do centro, respaldada em atender interesses privados, promovendo a flexibilização o Plano Diretor da Cidade. O estudo do tombamento do bairro foi realizado como oposição a política promovido pelo prefeito Jânio Quadros, utilizando como uma ferramenta urbanística a fim de impedir a expulsão da população de menor poder aquisitivo. Foram usados, do ponto de vista técnico, como argumento para o tombamento a existência do traçado urbano em xadrez, e os antigos edifícios em bom estado de conservação. Em um segundo momento, aderiu-se um discurso mais romantizado e moral, ressaltando o direito à cidade e a moradia. Foram 54

alvos do tombamento principalmente os imóveis residenciais que simbolizavam a elite paulista, excluindo habitações de média e baixa renda, sem contemplar um conjunto, mas imóveis dispersos uns dos outros. (Ferreira, 2015). A região concentra uma grande variedade de usos culturais incorporados ao longo dos anos, incentivados principalmente pelos projetos de revitalização da área. Foram utilizados principalmente os edifícios tombados de maior porte, ressaltando o seu valor histórico, articulando a consolidação de um polo cultural e turístico. A proliferação desta função é visível a partir da observação da figura 17, com poucos usos no interior do bairro e concentrados principalmente próximos às divisas com o Bom Retiro, Campos Elíseos e Luz.

Figura 41. Conjunto de edifícios do século 20 na rua St. Ifigênia Fonte: do Autor


Figura 43. Palacete Helvetia Fonte: do Autor

Figura 42. Edifícios Tombados Fonte: Associação Viva o Centro, 2006

Figura 44. Hotel Internacional São Paulo na Rua St. Ifigênia Fonte: do Autor

Figura 45. Sobrado na Avenida Rio Branco Fonte: do Autor

55


5.2. População residente É necessário ressaltar que para as análises da área aqui realizadas, foi considerado a totalidade do distrito da república e não apenas o bairro da Santa Ifigênia. O distrito é constituído por um grupo populacional heterogêneo, composto por pessoas com diferentes realidades, principalmente quanto à situação econômica, situação evidenciada nos bairros da bela vista e consolação, onde as diferenças sociais não se revelam de forma explícita. A região apresenta pouca população residente, atributo frequentemente ressaltado como um dos problemas da região central tradicional da cidade, com grandes variações em sua população residente durantes as décadas, conforme demonstrado na figura xx.

Conforme a figura 19, é observado um aumento expressivo do número de empregos formais e também, à diminuição dos usos residenciais. Esse fato consolidou o bairro como um importante polo gerador de empregos, possivelmente mais expressivo se fossem contemplados os empregos informais tão abundantes na região. É evidente a necessidade de novas habitações, aproximando as moradias dos empregos e promovendo maior adensamento para os espaços subutilizados.

Figura 47. Tabela de emprego formal Fonte: Censo IBGE

Figura 46. Tabela de densidade demográfica Fonte: Censo IBGE

A partir dos dados levantados, foi possível notar o crescimento da ocupação do bairro até a década de 80, seguida de uma queda contínua até o ano 2000, contrariando o crescimento do município, divergindo dos dados gerais da cidade de São Paulo. Já na última década é possível notar uma certa estabilização na taxa de crescimento, fator possivelmente atrelado aos investimentos realizados pelo setor público e privado. Esses dados evidenciam parte do esvaziamento do centro tradicional, perdendo população residente, e recentemente certa estabilização atrelada aos projetos de revitalização. O centro da cidade apresenta uma diminuição no número de residências, que passam a ser substituídas principalmente pelos estabelecimentos de comércio e serviço. 56

Segundo a figura 20, onde a maior parte das residências apresentam o rendimento mensal de 2 a 5 salários mínimos, a ocupação de menor renda na região nas últimas décadas é visível ao analisar a renda por domicílio no distrito. A maior concentração das faixas de 2 a 5 e 5 a 10 salários mínimos pode ser explicada pela abrangência do distrito, que engloba outros bairros que concentram classes de maior poder aquisitivo, atribuindo um aumento para o último grupo. A somatória das faixas de renda abaixo de 5 salários mínimos totalizou 14.942 domicílios, contra 11.400 domicílios acima de 5 salários mínimos.

Figura 48. Tabela de renda por domicílio Fonte: Censo IBGE


Ao analisar a condição das propriedades na figura 21, é observado que quase metade dos imóveis no distrito são alugados. A preocupação surge do cruzamento das faixas de renda com o número de imóveis alugados, uma vez que a maior parte da população residente é de 0 a 5 salários mínimos e quase metade dos imóveis são alugados.

Figura 49. Condição de propriedade Fonte: Censo IBGE

A população de menor poder aquisitivo tem parte da sua renda consumida pelo aluguel, diminuindo seu poder de compra e sujeita às variações do mercado imobiliário. Estas famílias estão em uma situação de risco, uma vez que o aumento do aluguel pode tornar impossível a sua permanência no bairro. Essas variações, além de diminuírem o poder de compra do inquilino, podem ocasionar na expulsão da classe de menor poder aquisitivo, que passa a recorrer a residências mais acessíveis, porém em piores condições de habitabilidade. Os efeitos da especulação imobiliária podem ocasionar a mudança destes grupos populacionais para regiões periféricas, rompendo laços simbólicos e afetivos, aumentando o tempo de deslocamento entre trabalho e a moradia.

57


58


6. projeto de intervenção

59


6.1. Situação e Proposta A partir de todo o contexto histórico e os dados analisado até até aqui, É evidente que os processos de revitalização tão frequentes para a região central, apresentam-se como os mais preocupantes. Já foi demonstrado que os planos urbanísticos voltados para essas áreas possuem caráter elitista, visando sobretudo expulsão da população de menor poder aquisitivo que passou a ocupar o centro da cidade mais intensamente nas últimas décadas. Estes indivíduos são frequentemente ameaçados pelas articulações do mercado imobiliário, que visa a implantação de diversos usos que não contemplam a população de baixa renda, e muito menos à ampara de forma satisfatória por políticas do setor público. O bairro da Santa Ifigênia apresenta-se como um local servido de infraestrutura, característica da região central, servido pelas estações da Luz e Júlio Prestes que dão acesso aos metrôs e trens da cidade e inúmeras linhas de ônibus que cortam o bairro, como já analisado anteriormente. São visíveis diversos comércios, um polo comercial voltado ao setor de eletrônicos e a outros locais de consumo em suas intermediações, inclusive o mercado popular. Outros equipamentos públicos também estão presentes nas suas proximidades, voltados a área de lazer, cultura e saúde acessíveis facilmente pelo meio de transporte. A permanência dentro da região central possibilita a aproximação do trabalhador, diminuindo os deslocamentos entre a sua moradia e o seu local de trabalho, através de uma rede de transporte mais ampla e eficiente. Ao contrário das regiões periféricas que aumentam consideravelmente o trajeto e incentivam a sua expansão para áreas de proteção ambiental, e necessitam de grandes investimentos por parte do poder público. Tais atributos contribuem para o aumento da eficiência do sistema de transporte urbano, menores custos e tempo de deslocamento, e melhorias na qualidade de vida do indivíduos de forma geral. A região é marcada por inúmeros imóveis de importância histórica, em sua maioria tombados que ainda resistem ao tempo, sendo gradativamente degradados pela falta de manutenção de seus pro60

prietários e por encontrarem-se vazios ou subutilizados. Diversos monumentos que marcaram as épocas de prosperidade da região, uma vez que seu desenvolvimento está intimamente ligada ao crescimento do centro tradicional, portanto parte da memória da cidade está contida nos edifícios e no traçado urbano. Dentre os imóveis que compõem parte da malha urbana, encontram-se inúmeros hotéis, alguns oriundos da época dos grandes fluxos de visitantes da capital, inclusive ainda funcionando ou que tiveram seus usos alterados. Levando em consideração as constantes disputas territoriais e os efeitos destes processos sobre o centro tradicional de São Paulo, a proposta do projeto visa amenizar parte do processo de gentrificação que é tão recorrente nos bairros centrais. A população de menor poder aquisitivo é a mais vulnerável perante essas disputas, encontrando maior dificuldade de se fixarem no território em constante transformação e valorização imobiliária. A sua permanência e reprodução também é essencial, procurando inserir essas pessoas na dinâmica do bairro através da geração de renda e da integração do sítio com o entorno. O projeto tem como premissa a promoção de um edifício de uso misto que contemple habitação multifamiliar, possibilitando fixar a população de baixa renda que frequenta o bairro, e a geração de renda através do uso comercial para parte estes indivíduos dentro do próprio conjunto. A questão do patrimônio e o seu valor cultural também é um fator importante para a intervenção, utilizando-se fragmentos de 2 edifícios edifícios existentes e criando um diálogo entre o antigo eo novo. Outro fator é a insersão dentro das dinâmicas do bairro , compreendendo as suas peculiaridades e os usos preestabelecidos na região, reproduzindo-os e os potencializando. Este trabalho não visa solucionar um problema crônico que atinge os países capitalistas, uma vez que a questão está intimamente ligada a forma de consumo da cidade, utilizando da terra como mercadoria, o que atribui altos valores aos chamados ‘’pontos’’ dentro das aglomerações urbanas. A moradia passa a ser um dos pilares que sustentam a permanência desta população, promovendo a casa própria


que não depende do aumento do aluguel, onde seu valor é referente a questões do mercado imobiliário e podem facilmente afastar seu inquilino.

61


6.2. levantamento e analise dos sítios de interesse, condição importante para possíveis realocações de pessoas de baixa renda suscetíveis aos processos de gentrificação, possibilitando a sua permanência dentro dos limites do bairro. Além de estar dentro de uma região disputada, o endereço também é de grande relevância, devido a proximidade com rede de infraestrutura urbana. Existem diversas linhas de ônibus, ciclovias, duas estações de metrô e viários de grande porte, possibilitando a diversas alternativas de locomoção e acesso a diversas zonas da cidade de São Paulo. O polo comercial da Santa Ifigênia também é um importante fator considerado, com grande oferta de emprego que pode aproximar a moradia do trabalho.

Figura 50. Localização dos lotes Fonte: Google maps

Os sítios escolhidos para a intervenção estão nas proximidades entre as estações da Luz e Júlio Prestes, no segundo quarteirão do início da rua dos Gusmões. O primeiro lote encontra-se no cruzamento da Rua dos Gusmões com a Rua do Triunfo, conformando um lote de esquina que abriga um antigo hotel subutilizado. O segundo lote, vizinho do primeiro, apresenta proporções menores e formato retangular estreito, com resquícios de uma antiga residência onde apenas a sua fachada voltada para o logradouro foi mantida, apresentando uma estrutura provisória. A escolha dos lotes surgiu perante a disputa imobiliária travada no bairro da Santa Ifigênia, iniciada com os projetos de ‘’revitalização urbana’’ em uma região sensível a grande transformação socioeconômica. Portanto os lotes estão localizados dentro da área 62

Figura 51. Pespectiva dos lotes Fonte: Google maps


O primeiro edifício foi selecionado devido ao seu antigo uso como hotel, pelo processo de degradação avançado, e a sua subutilização nos pavimentos superiores. Por se tratar de um antigo hotel, a sua estrutura interna apresenta elementos voltados à moradia temporária, podendo ser facilmente aproveitada e articulada para o uso residencial pretendido pelo projeto. A questão da memória é aproximado quando tratada em relação à função, originalmente de moradia temporária e transformada em permanente, sem uma mudança tão brusca em relação a função. Portanto a sua identidade para a memória urbana é parcialmente mantida através do novo uso, adequando-se às necessidades contemporâneas do bairro da Santa Ifigênia. O estado de degradação do edifício é o preocupante, estando sujeito a desaparecer dentro de alguns anos, onde sua estrutura pode vir a ruir. Com a intervenção este processo poderá ser revertido, conservando parte de suas características remanescentes e permitindo a sua continuidade.

Figura 52. Vista do hotel Fonte: Autoral

A escolha do segundo lote surgiu por conta da fachada remanescente do lote e a inexistência de uma estrutura robuta, facilitando o aproveitamento do lote e sua integração com o hotel. A face era de um edifício de uso comercial no térreo e o residencial no pavimento superior, permite o diálogo com o uso pretendido, a preservação de sua memória urbana e amarrando todo o conjunto existente a questão de moradia. A estrutura industrial existente não apresenta qualquer tipo de importância arquitetônica, podendo ser facilmente revertida em espaço vazio, com potencial para a criação de um anexo.

Figura 53. Vista da fachada remanescente Fonte: Autoral

63


6.3. Entorno, uso e legislação Mediante ao levantamento da área envoltória aos lotes escolhidos, é possível notar a presença da tipologia mista, de uso comercial e de serviço voltados para a rua, e os pavimentos superiores de uso residencial. O uso comercial é mais presente ao longo da rua dos Gusmões, já nas proximidades das ruas dos Andradas e St. Ifigênia passa a ser dominante, atraindo maior fluxo de pessoas. A rua do Triunfo por outro lado é ocupada predominante pelo uso misto, com lojas de menor porte, exibindo um fluxo menos intenso. É notável a presença de lotes desocupado nas proximidades, em sua maioria por conta da demolição do edifício ou ocupações de estacionamentos já retratada anteriormente.

A quadra do objeto de intervenção apresenta uma tipologia dominante de 2 pavimentos que ocupam quase a totalidade do lote, formado principalmente pelos edifícios de uso misto. Alguns imóveis de 4 ou mais pavimentos são visíveis, destoando do entorno de menor gabarito, em sua maioria são de uso residencial multifamiliar verticalizados. As quadras nas proximidades também seguem a tipologia dominante, com alguns imóveis térreos de uso estritamente comercial ou serviço, com uma tendência a maior verticalização no polo comercial da St. Ifigênia.

Figura 54. Uso do solo Fonte: Geosampa

Figura 55. Gabarito do entorno Fonte: Autoral

64


Na rua dos Gusmões um edifício de uso comercial de 3 pavimentos faz divisa com o objeto de intervenção, seguido por um grande estacionamento formado por uma estrutura provisória e um pequeno hotel no limite do quarteirão. Em frente ao terreno de intervenção existe exemplar do início do século 20, funciona com pequenos comércios em seu térreo e como lar no pavimento superior, exibindo um bom estado de conservação. Os imóvel vizinhos a este lote apresentam dimensões retangulares, de largura estreita, compostos por três galpões e 2 sobrados de uso comercial e de serviço.

Figura 57. Foto da Rua dos Andradas x Gusmões em direção a rua do Triunfo, Fonte: Autoral

Figura 56. Foto da Rua dos Gusmões para o Hotel, Fonte: Autoral

Figura 58. Foto do sobrado do século 20 Fonte: Autoral

Figura 59. Foto do início da Rua dos Gusmões, Fonte: Autoral

65


A rua do Triunfo exibe edifícios mais verticalizados próximo ao lote de intervenção se comparada a rua dos Gusmões. O imóvel vizinho ao lote do antigo hotel também apresenta uma tipologia de 3 pavimentos na divisa do lote, passando para 2 pavimentos, alinhando com o edifício ao lado. Os 2 terrenos seguintes exibem pequenos galpões industriais de 1 pavimento, seguidos por um edifício de 3 pavimentos e por conjunto residencial bem verticalizado no limite do quarteirão destacado em relação ao entorno. No outro lado da rua, os imóveis apresentam uma média de 2 pavimentos, valendo ressaltar a presença de outro exemplar do século 20, de uso misto.

Figura 61. Edifício do século 20 na rua do Triunfo, Fonte: Autoral

Figura 60. Foto da rua do Triunfo para a Rua dos Gusmões Fonte: Autoral

66

Figura 62. Foto da da Rua do Triunfo para Rua dos Gusmões, Fonte: Autoral


Os dois lotes escolhidos estão dentro da Zona de Interesse Especial (Zeis 3) demarcada dentro do limite do bairro, voltado a promoção de HIS, HMP e usos não residenciais. Além desta zona, a área está dentro do limite da Operação Urbana Centro (OUC), potencializando o coeficiente de aproveitamento (C.A.). Por estar dentro de uma ZEIS 3, o lote apresenta um C.A. máximo de 4, permitindo construir 4 vezes a área total do lote, sem custo na aquisição de CEPAC para o coeficiente adicional. A operação urbana vigente possibilita alcançar o C.A. 6, consequentemente a maior verticalização do conjunto.A implantação dos edifícios nos terrenos vizinhos não apresentam qualquer recuo em mais de 50% do quarteirão, eximindo da obrigatoriedade do novo edifício apresentar recuos laterais e frontal, podendo desenvolver maior diálogo com a rua e os imóveis próximos. O zoneamento permite a taxa de ocupação máxima de 70% para os lotes com mais de 500m², com taxa de permeabilidade mínima de 15% e sem limite de gabarito. Os dois lotes possuem um processo de estudo de tombamento para o bairro da Santa Ifigênia (24.507/86) aberto em 1986 pelo CONDEPHAAT, que compreendem uma área bem significativa como já foi retratado anteriormente. O documento define 2 graus de proteção para os imóveis que são eles: Grau de proteção 1 que determina a conservação integral do edifício, a conservação e restauro deva ser realizada por meio de métodos científicos. O grau de proteção 2 define que a conservação deverá se ater a fachada, passível de sofrer alterações internas. O antigo Hotel Bristol foi classificado segundo o documento no G.P.1 devido ao seu alto interesse histórico e ambiental, já a fachada do segundo lote como G.P. 2 pelos seus valores ambientais. O documento ainda permanece em tramitação mesmo depois de 40 anos da sua abertura, porém suas diretrizes são questionáveis perante a condição real dos imóveis e das reais necessidades do bairro, como será tratado a seguir.

Figura 63. Mapa de Zoneamento Fonte: Geosampa

67


6.3. Entorno, uso e legislação

Figura 64. Anuncio do Hotel Bristol no Guia Levi em 1917 Fonte: Guia Levi

68

Atualmente o lote da esquina selecionado para a intervenção é ocupado pelo Grande Hotel Bristol, edifício em estilo neoclássico construído em 1920, considerado uma das alternativas de hospedagem no século 20 dentre tantas outras para os visitantes do bairro. A presença desse hotel expressa parte da grande prosperidade que o centro da cidade e principalmente da St. Ifigênia, assumiu na década 20 e 30 como um importante polo econômico e o seu crescimento nas proximidades as estações ferroviárias. O hotel alcançou certo prestígio durante os tempos prósperos da região, detendo 69 luxuosos quartos para a hospedagem, até o início do abandono do centro tradicional na década de 40. Foi vendido na mesma década, passando a ser chamado de Hotel Escalada e alguns anos mais tarde foi fechado, iniciando o processo de degradação de sua estrutura.

Em 1986 o edifício teve o seu processo de tombamento aberto, atribuindo a ele um reconhecimento perante o órgão de conservação patrimonial. Analisando algumas imagens dos últimos anos, foi possível constatar que o edifício foi ocupado em 2010 pelo Movimento de Moradia Nova Luz nos seus pavimentos superiores, e o seu térreo alugado para uma serralheria, desocupado alguns anos mais tarde. Em 2014 foi iniciado um processo de pintura e restauração de fachada, retirando grande parte dos seus adornos e expondo a estrutura de tijolos, paralelamente impossibilitando qualquer tipo de função do edifício, situação que permaneceu durante alguns anos. As obras foram interrompidas meses depois, deixando a estrutura aparente e descaracterizando o conjunto original, posteriormente recebeu uma camada de tinta tinta verde, situação que ainda permanece até hoje.

Figura 65. Antigo hotel Bristol em 2009 Fonte: Samuel Kassapian


Figura 66. Antigo hotel Bristol em 2011, Fonte: Google Maps

Figura 67. Antigo hotel Bristol em 2014, Fonte: Google Maps

69


O edifício possui 4 pavimentos e ocupa quase todo o lote, com alguns vazios internos para ventilação interna. Originalmente a sua parte térrea quase não apresentava divisórias, conformando um grande espaço livre para armazenagem, com os acessos para o hotel nas duas extremidades com os lotes vizinhos. A entrada principal para a portaria era estreita, localizada na rua dos Gusmões, uma segunda encontrada estava localizada na rua do Triunfo de caráter funcional. Uma escada linear na área da portaria levava ao primeiro pavimento, que também podia ser acessado através do segundo conjunto de escadas na outra rua. A circulação do pavimento se dava por um corredor interno, permitindo o acesso para 15 quartos de hospedes com 10m², cozinha, copa para funcionários, 2 banheiros compartilhados, escritório, sala de estar e sala de jantar. O segundo pavimento era atendido pelo mesmo núcleo de escada, porém assumia uma forma helicoidal até o último

pavimento. Neste andar o número de quartos passava para 21, com 2 banheiros compartilhados e 1 sala de estar, suportados por uma laje de madeira. No pavimento superior encontrava-se o sótão, onde toda sua estrutura era de madeira, com mansardas que ornamentavam a fachada externa. Um grande vazio no centro do edifício realizava a ventilação da cozinha, dos banheiros e de alguns quartos voltados para este, criando uma clarabóia sobre o armazém no térreo.

VESTIBULO

PORTEIRO

CLARABOIA

VESTIBULO

0

1

Figura 69. Planta do térreo Fonte: do Autor, Arquivo Histórico de São Paulo

N

TÉRREO 2

4

QUARTO

QUARTO

QUARTO

QUARTO

QUARTO

QUARTO

SALA

QUARTO

QUARTO

QUARTO

TERRAÇO SALA DE JANTAR

QUARTO

QUARTO

COZINHA

QUARTO COPA

VISTA DA RUA DOS GUSMÕES 0

70

1

2

4

N

Figura 68. Vista da rua dos Gusmões Fonte: do Autor, Arquivo Histórico de São Paulo

CAIXA DA ESCADA QUARTO QUARTO ESCRITÓRIO

1º PAVIMENTO 0

1

2

N

4

QUARTO

Figura 70. Planta 1 pavimento Fonte: do Autor, Arquivo Histórico de São Paulo


Atualmente o espaço do armazém é ocupados pelo uso comercial e de serviço voltados para a rua na sua área térrea que são subdivididas por paredes de alvenaria, fruto de uma intervenção contemporânea. Uma pequena galeria também passou a funcionar no local, acessada pela rua do Triunfo. Já os pavimentos superiores não apresentam nenhum tipo de uso, apenas o primeiro pavimento como depósito de materiais. A fachada do hotel exibe adornos em toda a sua extensão, onde as mansardas do último que avançam levemente para fora por conta das paredes levemente inclinados. Uma varanda linear percorre as duas fachadas no primeiro pavimento, intercalando entre parapeito de concreto e um metálico de caráter mais delicado. O destaque é dado para uma grande cúpula que ultrapassa a altura do volume principal, formando uma pequena cobertura para uma pequena varanda no pavimento inferior e no térreo, localizada no encontro das ruas. O edifício atualmente exibe um grande grau de descaracterização, além do processo de pintura e restauro que não foi finalizado, Figura 71. Galeria interna, Fonte: do Autor fruto dos longos anos de

inatividade e do descaso do proprietário do imóvel. A grande cúpula acabou ruindo quase completamente há alguns anos, sobrando apenas a sua face voltada para a rua.

Figura 72. Vestígios da antiga cúpula, Fonte: do Autor

71


O telhado no sótão foi substituído por telhas metálicas nos últimos anos e atualmente apresenta diversos fissuras, deixando o edifício aberto as condições climáticas, ocorrendo infiltração de água da chuva e a proliferação de pombos. Os caixilhos originalmente de madeira, foram quase todos removidos, com alguns deles presentes em algumas janelas sem os fechamentos de vidro. Os vãos das janelas sem caixilho foram recobertos por chapas metálicas como fechamento provisório do espaço. Para avaliar a estrutura interna do lote apenas algumas áreas tiveram o seu acesso liberado, tornando impossível uma verificação minuciosa de todos os aspectos existentes, algumas realizadas através da observação externa ao imóvel.

Figura 73. Janelas com caixilhos e vidros ausentes Fonte: do Autor

72

Figura 74. Condições da fachada voltada para a Rua do Triunfo Fonte: do Autor


O térreo do edifício está dividido em duas grandes áreas por uma extensa parede, de um lado a parte reformada onde estão as galerias e do outro um amplo galpão sem divisórias. A galeria é fruto de uma intervenção realizada nos últimos anos, foram criado diversos box de pequenas lojas, dificultando visualizar a estrutura existente. Os pilares e vigas nessa área apresentam dimensão arrojada, de forma quadrada e retangular respectivamente, feitos de concreto pintados por uma espessa camada de tinta branca que também reveste todas as paredes. Possivelmente não fazem parte da estrutura original, por conta da diferença do material e forma se comparada a outra metade do edifício.

Figura 77. Condição das lajes ,Fonte: do Autor

Figura 75. Galeria interna ,Fonte: do Autor

Figura 76. Armazém ,Fonte: do Autor

Na área do galpão os pilares têm formato circular, as vigas mantém o formato retangular, facilmente visualizados pela ausência de divisórias. Ambos são metálicos, diferente dos pilares e viga de concreto da galeria, revestido por uma camada de tinta preta. O desgaste da tinta exibe um grau de ferrugem avançado e corrosão das vigas metálicas, possibilitando notar algumas fissuras em sua extensão. As lajes são formadas por um sistema de abobadilhas de tijolos e também receberam a camada de tinta. Diversas falhas são visíveis em toda sua área, com aberturas ocasionadas pela ausência de tijolos cerâmicos que cederam ao longo do tempo, exibindo parte do assoalho do pavimento superior. 73


As aberturas de janelas para os respiros do lote e das portas que permitiam o fluxo de pessoas, foram completamente fechadas. Marcas dos antigos vãos são visíveis por pequenas protuberância nas paredes, ocasionando a divisão da área do térreo e a diminuição da circulação cruzada. Outros vãos também foram abertos de forma improvisada nas paredes, criando outros cômodos que servem a funções específicas dos novos usos, assim como uma pequena divisória que separada o fundo do lote.A antiga escada do acesso principal ao lado do galpão foi completamente removida, ocasionando no fechamento do vão da laje superior. As paredes deste mesmo local não possuem mais revestimento, deixando os tijolos amarelos aparentes, em um espaço destinado ao depósito de materiais do comércio ao lado. A antiga escadaria na outra divisa do lote, ao lado das galerias, também foi completamente removida e substituída por uma pequena escada metálica como único meio de acessar o pavimento superior. No primeiro pavimento quase todas as divisórias dos antigos quartos sofreram alterações, incluindo novas divisória de drywall ou a demolição de algumas partes, desconfigurando a disposição interna do edifício. A escada helicoidal que interligava aos outros pavimentos também foi removida, sobrando apenas a escada metálica do segundo acesso para circulação vertical. As janelas que se abrem para os vazios internos sofreram modificações, algumas foram fechadas por alvenaria, outras tiveram o seus caixilhos removidos e os vãos alargados do piso ao teto. Os 2 andares superiores às mesmas condições descritas sobre o primeiro pavimento, valendo destacar a lajes e vigas de madeira. Estes apresentam um grau de deterioração estrutural preocupante, tratando de um elemento natural que necessita de manutenção constantemente, é possível notar algum graus de decomposição ao longo das estruturas. A laje apresenta algumas fissuras e ausências provavelmente resultantes de desabamentos, conformando pequenos vãos ao longo de sua área. O sótão possui alguns resquícios de telha, que são seguradas por treliças e pilares de madeira, deixando a área suscetível às condições climáticas. 74

Figura 78. Divisório interna no armazém Fonte: do Autor

O segundo lote escolhido para intervenção apresenta apenas a fachada de um antigo edifício de uso comercial no térreo e residencial no pavimento superior, que ganha uma pequena varanda de guarda corpo metálico. O fragmento remanescente também foi alvo do processo de tombamento da gleba do bairro em 1986, que considera sua face frontal como um objeto de preservação histórica, justificando a sua não demolição. É visível que foram feitas modificações ao longo dos anos, contribuindo para a sua descaracterização. As venezianas de madeira foram cedendo as ações do tempo, sendo lentamente consumidas e retiradas no último ano. Um grande vão foi aberto consumindo metade da face interior entre o alinhamento de duas portas, rompendo com o alinhamento horizontal das aberturas. O espaço formado deu lugar a um portão metálico voltado ao acesso de veículos, realizado por meio


de uma pequena rampa, fruto do desnível de 15cm em relação ao nível da calçada. Através da análise fotográfica dos últimos anos, foi possível observar que o volume do edifício ocupava quase todo o lote, apenas uma pequena área estreita ao fundo servia como jardim e de respiro. Os ambientes internos foram completamente demolida no final de 2014 e substituído por uma estrutura metálica de galpão industrial recoberto por telhas. Um pequeno depósito de materiais e um espaço para carros ocupou o lote, substituído por uma marcenaria tempos depois.

Figura 79. Vista dos fragmentos da fachada Fonte: do Autor

O levantamento de campo, as fotos de época e análise realizadas sobre os objetos de intervenção, deixam claros o processo de degradação estrutural e descaracterização que os edifícios sofreram ao longo dos anos. Foram inúmeras alterações realizadas durante esse período, muitas delas feitas de forma provisória ou que não foram concluídas. Inclusive muitas das modificações presentes, principalmente no hotel, foram realizadas de forma muito incisivas, sem os devidos cuidados para conservar a integridade e harmonia do conjunto.A condição estrutural do edifício encontra-se em um estado de alerta, exibindo diversas falhas, possivelmente vindo a ruir dentro de alguns anos. A recuperação e o restauro de todo o edifício passa a ser inviabilizada perante a situação existente, necessitando a reconstrução quase completa dos adornos, paredes, pintura e estrutura, ocasionando na reconstrução quase total do edifício. Apesar dos dois objetos de intervenção apresentarem um processo de tombamento em aberto, não há qualquer freio na degradação e descaracterização que os imóveis vem sofrendo, inclusive é observada uma aceleração dos desgastes físicos nos últimos anos. Há uma falta de reconhecimento por parte dos proprietários da importância histórica dos edifícios, e a conservação dos seus traços originais. Estes não realizam a manutenção e atualização dos espaços que possam atender aos padrões modernos, o que contribui para a subutilização dos espaços e consequentemente a sua ruína.Os órgãos governamentais de proteção patrimonial também não contribuem para a conservação dos imóveis historicamente relevantes, com leis pouco maleáveis que dificultam a atualização por parte do proprietário e ausência de verbas públicas disponível para investimentos. O próprio processo de tombamento aberto em 1986 não possui qualquer desfecho, apresentando diretrizes que não condizem mais com as condições reais dos imóveis e com as necessidade do bairro. Levando em consideração as análises realizadas, é questionável nesta situação o papel dos instrumentos de preservação, que não possuem qualquer eficácia sobre os conjuntos já descaracterizados. 75


6.4. diretrizes de interveção •

Para nortear o projeto de intervenção, foram determinadas as seguintes diretrizes:

●Demolição da parte interna do antigo Hotel Bristol, devidamente justificado perante a sua descaracterização e a situação precária do conjunto estrutural existente, realizando a conservação de sua fachada de grande caráter simbólico para o bairro.

● • ● • ● • ● • ● • ● •

76

Incorporar o lote vizinho que apresenta uma estrutura provisória e resquícios de um antigo sobrado, possibilitando o seu aproveitamento sem grandes demolições. Possibilidade de transposição interna ao lote, conectando a rua dos Gusmões e do Triunfo e aumentando o campo visual entre elas. Construção de um conjunto de uso misto nos dois lotes vazios, com comércios no pavimento térreo e residencial nos pavimentos superiores. Criação de um diálogo entre as duas fachadas existentes no lote e o novo volume proposto, possibilitando a sua leitura como um conjunto único e que faça alusão aos antigos edifícios construídos Considerar o entorno do lote, o conjunto arquitetônico e urbano, promovendo a diálogo com estes edifícios através da morfologia proposta. Uso do térreo como galeria a céu aberto, promovendo o uso comercial, de lazer e estar, com a possibilidade de geração de renda para o conjunto e para os seus residentes, permitindo a atualização e conservação do imóvel.

Térreo como espaço multifuncional que possibilita a sua utilização como espaço exclusivo para os moradores residentes do conjunto, fora dos horários comerciais, como local de lazer ou para reuniões dos residentes.

● •

Concepção de um espaço democrático, que possibilite a fruição de diversos grupos sociais, voltado à interação social e produção cultural.


77


6.5. projeto de intervenção Mediante a análise realizada sobre a situação estrutural e das características originais do antigo hotel, foi diagnosticado que o grau de degradação do edifício encontra-se em um estado irreversível, com ausência de grande parte das características originais. As diversas intervenções incisivas foram realizadas ao longo dos anos, modificando as áreas internas e externas, contribuindo para acelerar a descaracterização do imóvel. A estrutura existente exibe em um estado deteriorado, com diversas fissuras e até mesmo alguns desabamentos, nos casos de algumas lajes no pavimento superior. É notável o descaso do proprietário e dos órgãos de proteção patrimonial não contribuem em nada com a manutenção do imóvel, inclusive colaborando com a sua contínua degradação física. Inicialmente o foco da intervenção era trabalhar com o imóvel existente através da criação de um anexo, utilizando-se de sua estrutura do hotel, adequando-a para atender aos novos usos e as legislações vigentes. Porém ao realizar as visitas de campo e observar as condições reais da propriedade, como analisado anteriormente, chegou-se à conclusão que seria inviável o aproveitamento do edifício existente para o fim desejado.Portanto para a elaborar o projeto, optou-se pela demolição de toda a estrutura interna do antigo hotel, conservando apenas as fachadas externas. O segundo terreno também seguiu a mesma lógica, determinando demolição da estrutura existente que não possui importância histórica e arquitetônica, permitindo ampliar o tamanho do novo edifício. Com dois lotes livres, foi possível pensar em novas possibilidade de implantação, com maior liberdade projetual e um melhor grau de salubridade se comparado a utilização do edifício existente. O novo edifício de uso misto, apresenta o seguinte programa: 5 comércios; 3 sanitários de uso público ; uma praça interna ; hall de acesso e portaria ; 2 elevadores panorâmicos ; escada de emergência ; copa e banheiro para funcionários ; depósito ; coleta de lixo ; quadro geral ; lavanderia coletiva ; 24 unidade habitacionais de tamanhos variáveis ; 78

Divisão funicional do programa

A implantação do conjunto foi dividida em 3 áreas com o intuito de segregar os usos, divididos pelo caráter funcional de cada uso. A parte norte do edifício, voltada para a rua dos Gusmões, ficou definida como uma a zona comercial por conta do seu maior fluxo de pessoas e sua continuidade até o cruzamento com rua St. Ifigênia dois quarteirões acima. A parte central do lote ficou definida como um espaço de passagem, estar e lazer, dando suporte ao uso comercial e separando a área privada do conjunto. A rua do Triunfo apresenta um menor fluxo de pessoas e de comércios, alocando no limite do lote na face sul o acesso da área privada do edifício.


Por estar localizado na esquina do quarteirão, a conexão da Rua do Triunfo com a dos Gusmões interna ao lote surgiu quase de forma natural, gerando vazios estratégicos entre os comércios. Estes espaços possibilitam fluxo de passagem e permanência dentro do conjunto, ao mesmo tem promovem certa acuidade visual entre as ruas. Para intensificar o diálogo com o entorno e aumentar o fluxo de pessoas na área do térreo, foram colocados quatro comércios lindeiros ao limite do lote e um interno. Os quatro usos comerciais têm os seus acessos voltados para uma praça interna, com as vitrines expostas para o logradouro, instigando os passantes a penetrarem nas áreas internas ao lote e usufruírem deste espaço. Os fechamentos internos das lojas são feitos por meio de vidros afim de promover maior leveza e visibilidade entre a parte externa e interna. O comércio posicionado na confluência das ruas, tem a sua abertura voltada para o logradouro, ponto importantíssimo de comunicação entre duas ruas. A rua do Triunfo permite a entrada para a praça interna e portaria, realizada através de um vazio no térreo, seguindo 2 grandes vãos presentes na fachada conservada, conformando um hall coberto que divide os 2 fluxos. A praça articula todo o espaço interno do lote através de um canteiro central, com uma grande árvore que promove sombra e acolhe o visitante. O canteiro divide o fluxo de pessoas criando um movimento circular, distribuindo para os comércios e para os locais de estar. Longos bancos formados por linhas ortogonais percorrem o espaço, delimitando o jardim que separa o corredor do conjunto habitacional, e estimula o convívio social. Pisos drenantes quadrados foram colocados em toda área descoberta, auxiliando os canteiros de grama na permeabilidade do solo.

Diagrama de fluxos

79


ACESSO RUA DOS GUSMÕES 80


ACESSO RUA DO TRIUNFO 81


Um grande atrium com pé direito de 20 metros acolhe o visitante no espaço da portaria, iluminado por uma cobertura de vidro e pelas aberturas da fachada preservada. Esse espaço possibilita o contato visual entre os 4 níveis e observar o movimento tanto do fluxo nos halls superiores quanto do elevador. Um longo corredor surge na continuidade do atrium, seguindo o limite do lote, separado da praça interna por um pequeno jardim. Chapas metálicas perfurada são intercaladas com caixilhos de vidro, produzindo o fechamento deste espaço com variações de opacidade para o observador externo. A circulação vertical principal é formada por 2 elevadores panorâmicos, localizados próximo a portaria no início do corredor, no final deste encontram-se a áreas para funcionário, técnica e o acesso para a torre de circulação vertical. Os elevadores panorâmicos levam conjunto residencial, com vista para o grande vazio do hall e ao mesmo tempo para a praça interna, criando um movimento na fachada para os visitantes que adentram a praça. O pé direito entre cada pavimento segue as alturas do antigo hotel a fim de manter o alinhamento interno com a fachada existente, com 5,3m no térreo e 4,3m nos demais pavimentos.

82


ATRIUM

83


O acesso dos apartamentos é realizado por passarelas metálicas de coloração preta sustentadas por tirantes, dispondo de corrimãos retangulares com chapas metálicas perfuradas em sua extensão, dando grande leveza visual. As passarelas da face sul dão acesso a lavanderia compartilhada no primeiro pavimento, e ao núcleo de escadas de emergência. Exibem uma solução estrutural formada por (nome) encostado na empena, atribuindo um complemento visual com a empena remanescente de tijolos aparentes. São dispostos seis apartamentos de 30m² nos 3 primeiros pavimentos, pensados para solteiros ou casais. As unidades habitacionais são compostas por cozinha, sala, banheiro e um quarto, com aberturas das janelas seguindo as da fachada conservada As janelas voltadas para a rua apresentam maior vão, possibilitam maior intimidade para os moradores e ao mesmo tempo vista para o entorno, optando por alocar o quarto e a sala voltados para este. As janelas do banheiro e cozinha são voltadas para o vazio interno ao lote, com aberturas para passarelas metálicas atirantadas. Os vãos apresentam uma altura elevada em relação ao nível de acesso aos apartamentos, tal disposição possível por conta do pé direito elevado dos apartamentos. Uma unidade tipo em cada pavimento, localizado no final do corredor, apresenta uma inversão na lógica de aberturas das janelas, e um layout de apartamento studio. O acesso irregular limitou o uso do espaço, ocasionando na ausência de divisórias internas dos ambientes, com exceção do banheiro. As janelas se abrem para o vazio interno ao lote, voltadas para o volume da empena formada pela torre da escada de emergência e lavanderia. 84


Para dar maior privacidade na criação de uma barreira visual e ao mesmo tempo promover a ventilação, foram colocados cobogós no centro da fachada desta unidade. A lavanderia compartilhada no primeiro pavimento também utiliza os mesmos cobogós em toda a sua extensão, para criar um diálogo entre ambas e dificultar a visão para a área interna do apartamento. Uma grande janela retangular permite a entrada de luz para dentro do apartamento, no primeiro pavimento ela permite acessar uma varanda ajardinada sobre a laje do banheiro público. Nos demais andares está mesma janela cria um volume retangular que avança para fora do edifício, ampliando o ambiente interno da unidade, ao tempo servindo como um pequeno amparo visual para o passante externo. Uma grande empena é formada pelas paredes do banheiro localizado ao lado da entrada do apartamento, agrega neutralidade visual para a face externa, com o intuito de não competir com as fachadas complexas das passarelas.

EMPENA INTERNA 85


VISTA DO LAYOUT DE UM APARTAMENTO 86


VISTA OPOSTA DO LAYOUT DE UM APARTAMENTO TIPO 87


COBOGÓS

VISTA DAS PASSARELAS METÁLICAS 88


VISTA DA PASSARELA METÁLICA NA EMPENA 89


ACESSO DOS APARTAMENTOS

FACHADA DA LAVANDERIA 90


TORRE DE ELEVADORES 91


Os 6 apartamentos no último pavimento apresentam a mesma organização dos andares inferiores, porém os 5 voltados com abertura para a rua possuem um tamanho reduzido de 25m², abrindo espaço para uma avarandada. Os apartamentos neste andar exibem uma grande janela em fita intercalada com brises, possibilitando uma fachada móvel. As janelas ocupam todo o vão disponível entre o piso e a viga, promovendo uma grande vista para os bairros da St. Ifigênia, Campos, Elísios e para Estação Júlio Prestes. A varanda avança sobre parte da fachada existente para ampliar a sua dimensão, contraindo nas áreas em que volumes mais altos aparecem. O apartamento que acompanha o formato curvado do entroncamento das duas ruas, possui uma tipologia diferenciada com 2 pavimentos, formando uma grande janela com vista para o exterior. Sua área de 60m² dispõem de cozinha, banheiro e sala no andar inferior e os quartos no superior, que são interligados por uma escada em frente janela curvada. O novovolume que surge portrás da fachada preservada tem toda sua estrutura e fechamento em concreto aparente, quando ultrapassa a altura da fachada original, revestimentos metálicos são intercalados com o concreto. Na altura em que o volume parasitário aparece em vista, o concreto recebe o revestimento de telhas metálicas dispostas horizontalmente na fachada externa voltadas para a rua, mesclando-se por trás das mansardas. A utilização deste material visa fazer referência a área do antigo sótão do edifício coberto por telhas, ao mesmo tempo que apresenta um contraste visual, criando um diálogo entre o antigo e o contemporâneo. 92


A criação da varanda no último pavimento da continuidade as linhas horizontais presentes na fachada existente, formadas pela longa sacada no primeiro pavimento e nas molduras abaixo das mansardas. O mesmo guarda corpo das passarelas foi utilizado, a fim de alcançar leveza e criar uma identidade visual que é refletida internamente quanto externamente. O recuo do último volume formado pela varanda, tem como premissas atenuar o tamanho do novo edifício, possibilitar destacar fachada existente e diminuir o impacto visual em relação ao observado no nível da rua. Em contrapartida o apartamento duplex, localizado na curvatura do lote entre os conjuntos de apartamentos avarandados, aparece como um volume mais sólido e de destaque na intervenção. A presença de dois pavimentos possibilitou romper com o volume uniforme do conjunto, com o intuito de remeter a antiga cúpula, um dos pontos mais atrativos do volume do hotel. Foram colocadas molduras metálicas que desenham linhas verticais na fachada, rompendo com as linhas horizontais dos apartamentos avarandados, alongando o edifício e ao mesmo tempo que desempenham a função de segurar os caixilhos na face externa.

APARTAMENTOS COM VARANDA 93


DIAGRAMA DE ESTRUTURA 94

PERSPECTIVA EXPLODIDA


VISTA AÉREA DA ESQUINA

VISTA AÉREA DA RUA DOS GUSMÕES 95


VISTA AÉREA DA RUA DO TRIUNFO

VISTA AÉREA INTERNA 96


A segunda fachada existente do lote segundo lote incorporado, apresenta dimensões reduzidas por se tratar de edifício de 2 pavimentos. Como o projeto optou por seguir o pé direito do antigo hotel, evidentemente mais alto que a altura da antiga laje da residência, um descompasso de 85cm surgiu entre a nova laje e a parte mais baixa da abertura das janelas. Chapas metálicas no início dos vãos das 3 janelas da fachada original foram utilizadas até alcançar a altura da laje, onde passa a ser utilizado um fechamento em vidro. No segundo pavimento ultrapassando a fachada existente da casa, o corpo de concreto aparente passa a ser visível. Para dialogar com o edifício vizinho, foi criado um recuo que tem o seu vão definido pelo tamanho do gabarito do edifício ao lado, para realizar transição entre ambos. O espaço gerado no recuo é apropriado pela unidade habitacional como um espaço avarandado, onde a janela é disposta da laje até a viga para dar maior sensação de profundidade para o observador. As telhas metálicas passam a revestir as paredes externas no pavimento superior, integrando a unidade ao restante do conjunto. Os vãos das janelas neste pavimento seguem o mesmo alinhamento vertical das inferiores, acompanhadas de uma saliência na altura do parapeito da janela que avança sobre a rua. A linha horizontal fruto desse volume tem como função complementar o alinhamento da fachada do hotel, criando um armário linear baixo para a unidade habitacional. A fachada voltada para a rua do Triunfo segue a mesma lógica, com as telhas metálicas e o apartamento avarandado. Para realizar uma transição mais suave de gabarito com o edifício vizinho de 3 pavimentos, foi criado o atrium que acolhe os visitantes na área da portaria. Esse espaço vazio de 4 pavimentos propícia grande leveza para o conjunto quando visto externamente devido a cobertura de vidro faz o fechamento superior, evidenciando a fachada existente como um objeto solto.

97


VISTA NO NÍVEL DA RUA 98


VISTA NO NÍVEL DA RUA DO TRIUNFO 99


6.6. Considerações Finais O edifício de uso misto proposto apresenta uma evolução que condiz com a realidade do bairro, uma área altamente sensível e suscetível a grandes transformações que possam descaracterizála facilmente, onde o desenvolvimento urbano deve ser gradativo. A Volumetria final do projeto não rompe de forma brusca com o gabarito dos edifícios no entorno, que possuem uma média de 2 pavimentos, apesar de haver possibilidade de maior de verticalização. A altura do novo conjunto é bem semelhante ao do antigo Hotel Bristol, sem inserir uma tipologia muito contrastante em relação ao imóvel existente que possa suprimir e minimizar a importância do bem patrimonial. A materialidade que o novo edifício assume cria um contraste visual intencional entre o novo e o velho, e ao mesmo tempo complementar através da evocação de suas formas. Os materiais e métodos construtivos contemporâneos marcam a intervenção, deixando claro a distinção entre ambos os edifícios de diferentes épocas, unidos de forma harmoniosa através de um diálogo temporal contínuo. O conjunto desenvolve uma relação de dependência entre os objetos, que são lidos como complementares uns dos outros, perdendo o seu significado se analisado isoladamente. O aproveitamento das duas fachadas para o projeto buscou amarrar as memórias urbanas presentes no antigo edifício de uso misto, do hotel e do conjunto habitacional proposto. Existe uma semelhança entre eles e seu significado em relação ao lar, moradia e como reprodução da vida cotidiana, que contribuíram na formação da memória coletiva. Estas são contidas através dos fragmentos das fachadas, a primeira exibia uma moradia permanente e a segunda uma luxuosa moradia temporária. O intermediador desta união passa a ser o novo edifício, carregando não só o significado da função de morar, mas também sobre a identidade do centro tradicional atualmente. A concepção do espaço que figurativamente pertence a população de baixa renda, onde antes era habitado predominantemente pela aristocracia paulista, é resinificado e tomado pela população carente. Portanto o caráter simbólico que esta intervenção assume, materializa parte do processo histórico que ocorreu a partir da década de 40, 100

um edifício originalmente destinado a uma classe social passa a ser ocupado por outra classe social de menor poder aquisitivo.


101


7. LISTA DE IMAGENS Figura 1. Jardim da Luz em 1908. Foto: Guilherme Gaensly – Acervo FES Figura 2. Vista da Região da Luz em 1910. À esquerda, os pátios ferroviários do Bom Retiro, vendo-se atrás o arvoredo do Jardim e da Estação da Luz. Em primeiro plano, o casario dos Campos Elíseos, bairro residencial da elite cafeeira. Foto: Guilherme Gaensly – Acervo FES Figura 3. Estação da Luz, início do século XX. Foto: Guilherme Gaensly – Acervo FES Figura 4. Base Gegran 2004, Área de interveção do projeto Renovação Urbana, Fonte: Mosqueira, 2007 Figura 5. Base Gegran 2004, Área de interveção do projeto Luz Cultural, Fonte: Mosqueira, 2007 Figura 6. Foto da Estação Julio Prestes Fonte: Tuca Vieira Figura 7. Base Gegran 2004, Área de interveção do projeto Polo Luz Fonte: Mosqueira, 2007 Figura 8. Base Gegran 2004, Área de interveção do projeto Polo Luz Fonte: Mosqueira, 2007 Figura 9. Estratégia de atuação sobre os lotes dentro do perímeto do projeto Nova Luz de 2011, Fonte: Prefeitura Figura 10. Vista da Rua Vitória Fonte: Prefeitura Figura 11. Base Gegran 2004, Sobreposição das intervenções, Fonte: do Autor, Mosqueira, 2007 Figura 12. Vista externa do acesso pela praça Fonte: Heitz-Kehr Architects Figura 13. Vista externa Fonte: Heitz-Kehr Architects Figura 14. Planta do pavimento térreo Fonte: Heitz-Kehr Architects Figura 15. Corte longitudinal Fonte: Heitz-Kehr Architects Figura 16. Pespectiva explodida Fonte: Heitz-Kehr Architects Figura 17. Implantação Fonte: FGM Arquitectos Figura 18. Vista Externa Fonte: Elías Martínez Ojeda Figura 19. Corte longitudinal Fonte: FGM Arquitectos Figura 20. Planta Térreo Fonte: FGM Arquitectos Figura 21. Planta 1 pavimento Fonte: FGM Arquitectos Figura 22. Planta 2 pavimento Fonte: FGM Arquitectos Figura 23. Pespectiva explodida Fonte: FGM Arquitectos Figura 24. Planta 2 pavimento Fonte: FGM Arquitectos Figura 25. Vista Externa, Fonte: MMBB Arquitetos Figura 26. Divisão do programa Fonte: MMBB Arquitetos Figura 27. Planta do Pavimento Térreo, Fonte: MMBB Arquitetos Figura 28. Corte Transversal, Fonte: MMBB Arquitetos Figura 29. Pavimento Condominial Fonte: MMBB Arquitetos Figura 30. Pavimento Habitacional Fonte: MMBB Arquitetos Figura 31. Corte Longitudinal, Fonte: MMBB Arquitetos

102

Figura 32. Avenida Rio Branco, Fonte: Autoral Figura 33. Mapa de uso e ocupação do solo, Fonte: Geosampa Figura 34. Fluxo na Rua St. Ifigênia, Fonte: Autoral Figura 35. Rua dos Andrades x Rua dos Gusmões, Fonte: Autoral Figura 36. Inicío da Rua Vitória em direção da Rua Santa Ifigênia, Fonte: Autoral Figura 37. Edifício subutilizado na rua St. Ifigênia Fonte: Autoral Figura 38. Estacionamento na rua St. Ifigênia, Fonte: Autoral Figura 39. Condição dos edifícios Fonte: Cotelo , 2010 Figura 40. Mapa de Transporte coletivo e individualdo solo, Fonte: Geosampa Figura 41. Conjunto de edifícios do século 20 na rua St. Ifigênia Fonte: do Autor Figura 42. Edifícios Tombados Fonte: Associação Viva o Centro, 2006 Figura 43. Palacete Helvetia, Fonte: do Autor Figura 44. Hotel Internacional São Paulo na Rua St. Ifigênia, Fonte: do Autor Figura 45. Sobrado na Avenida Rio Branco, Fonte: do Autor Figura 46. Tabela de densidade demográfica Fonte: Censo IBGE Figura 47. Tabela de emprego formal Fonte: Censo IBGE Figura 48. Tabela de renda por domicílio Fonte: Censo IBGE Figura 49. Condição de propriedade Fonte: Censo IBGE Figura 50. Localização dos lotes Fonte: Google maps Figura 51. Pespectiva dos lotes Fonte: Google maps Figura 52. Vista do hotel Fonte: Autoral Figura 53. Vista da fachada remanescente Fonte: Autoral Figura 54. Uso do solo Fonte: Geosampa Figura 55. Gabarito do entorno Fonte: Autoral Figura 56. Foto da Rua dos Gusmões para o Hotel, Fonte: Autoral Figura 57. Foto da Rua dos Andradas x Gusmões em direção a rua do Triunfo, Fonte: Autoral Figura 58. Foto do sobrado do século 20 Fonte: Autoral Figura 59. Foto do início da Rua dos Gusmões, Fonte: Autoral Figura 60. Foto da rua do Triunfo para a Rua dos Gusmões Fonte: Autoral Figura 61. Edifício do século 20 na rua do Triunfo, Fonte: Autoral Figura 62. Foto da da Rua do Triunfo para Rua dos Gusmões, Fonte: Autoral Figura 63. Mapa de Zoneamento Fonte: Geosampa Figura 64. Anuncio do Hotel Bristol no Guia Levi em 1917 Fonte: Guia Levi Figura 65. Antigo hotel Bristol em 2009 Fonte: Samuel Kassapian Figura 66. Antigo hotel Bristol em 2011, Fonte: Google Maps Figura 67. Antigo hotel Bristol em 2014, Fonte: Google Maps Figura 68. Vista da rua dos Gusmões Fonte: do Autor, Arquivo Histórico de São Paulo Figura 69. Planta do térreo Fonte: do Autor, Arquivo Histórico de São Paulo


Figura 70. Planta 1 pavimento Fonte: do Autor, Arquivo Histórico de São Paulo Figura 71. Galeria interna, Fonte: do Autor Figura 72. Vestígios da antiga cúpula, Fonte: do Autor Figura 73. Janelas com caixilhos e vidros ausentes Fonte: do Autor Figura 74. Condições da fachada voltada para a Rua do Triunfo Fonte: do Autor Figura 75. Galeria interna ,Fonte: do Autor Figura 76. Armazém ,Fonte: do Autor Figura 77. Condição das lajes ,Fonte: do Autor Figura 78. Divisório interna no armazém Fonte: do Autor Figura 79. Vista dos fragmentos da fachada Fonte: do Autor A partir da figura 79 todas imagens são do autor.

103


8. BIBLIOGRAFIA Carlos Nelson dos Santos - Preservar não é tombar, renovar não é por tudo abaixo, 1986

patrimônio ambiental urbano. Preservação: Arqueologia, arquitetura, cidades. : IPHAN/9R, 2005, v. , p. -.

Centro Gaspar Garcia - Moradia é Central, 2012

MEZA MOSQUEIRA, Tatiana. Reabilitação da região da Luz - Centro histórico de São Paulo: Projetos urbanos e estratégias de intervenção. Dissertação de Mestrado, FAUUSP, 2007

COELHO JR. Marcio Novaes. Processos de Intervenção Urbana: Bairro da Luz, São Paulo. Dissertação de Doutorado, FAUUSP, 2010.

Michael Pollak - Silêncio, Memória e Esquecimento, 1986 COTELO, F. C. . ANÁLISE CRÍTICA DO PROGRAMA MORAR NO CENTRO? DA PREFEITURA DE SÃO PAULO (2001-2004). In: Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 2010, Caxambu. Anais do Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 2010. FERREIRA, P. B. S. . O tombamento de Santa Ifigênia e Campos Elísios: reflexões sobre os caminhos cruzados do patrimônio e do urbanismo em São Paulo. Geografia e Pesquisa (UNESP. Ourinhos) , v. 2, p. 1, 2015. Heitor Frúgoli Jr. – São Paulo: Espaços Públicos e Interação Social, 1995 Helena Violin - A imagem da Luz: Requalificação urbana, cultura e patrimônio, 2016 KARA JOSÉ, Beatriz . A popularização do Centro de São Paulo: um estudo de transformações ocorridas nos últimos 20 anos". 2011. (Apresentação de Trabalho/Conferência ou palestra). Lais de Barros Monteiro Guimarães - Luz, 1978 Maurício de Almeida Abreu - Sobre a memória das cidades, 1998 MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A cidade como bem cultural. Áreas envoltórias e outros dilemas, equívocos e alcance na preservação do 104

NEUHOLD, Roberta dos Reis. Os movimentos de sem-teto e a luta pelo direito à moradia na área central da cidade de São Paulo. In: III Simpósio Lutas Sociais na América Latina, 2008, Londrina. Anais do III Simpósio Lutas Sociais na América Latina, 2008. SIMÕES JR., José Geraldo. Anhangabaú: História e Urbanismo. São Paulo: Editora Senac, Imprensa Oficial, 2004. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. 2º ed. São Paulo: Studio Nobel, 2001.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.