Ano I – N.01 – Volume 2012 (Jun/Set)
UMA PUBLICAÇÃO DO GRUPO PHIPSI
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SUMÁRIO * Cuidar e Educar, Família e Escola, p.5 a 11. * A História da Educação, p. 13 a 22. * O Materialismo histórico e dialético a serviço das revoluções, p. 23 a 28. * Filosofia da Linguagem em Rousseau, p. 29 a 34.
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Cuidar e Educar, Família e Escola. Sônia Kronka Formada em Pedagogia. Especialista em Psicopedagogia e Psicomotricidade. Membro do Conselho Editorial da Revista e Colaboradora do Portal Café com Filosofia.
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trabalho desenvolvido com crianças em nosso país teve início com os jesuítas (séc. XVII), através da catequese, com aqueles que chamavam de órfãos da terra. Os reuniam para ensinar a ler, escrever e aprender os bons costumes. No século XVIII a igreja católica, através das Santas Casas de Misericórdia cria o sistema da Roda dos Expostos que, na época era o principal atendimento às chamadas crianças enjeitadas, doentes e a infância pobre. A Roda dos Expostos era um dispositivo cilíndrico instalado de maneira que uma parte ficava para dentro e outra parte para fora da casa. As pessoas colocavam anonimamente as crianças enjeitadas nessa roda que, uma vez girada, transportava a criança para dentro da Instituição para serem cuidadas e tratadas. Consta em nossa literatura que este sistema se prolongou até o período do Brasil Imperial. E mesmo a Lei da Abolição e a Lei do Ventre Livre não causaram impacto suficientes para abolir a Roda dos Expostos. Continuando nosso trajeto histórico, temos no Brasil República, grande parte das organizações destinadas a atender órfãos, abandonados e delinquentes, eram organizações vinculadas às irmandades religiosas. Até esse momento as crianças não eram vistas como sujeitos de direitos, a infância não era entendida como uma construção de acordo com as relações sociais vividas. Em 1924 a sociedade demonstra necessidade em criar um instrumento que regule as ações dos menores, criando o Tribunal de Menores que serviu de base para o Código de Menores que foi promulgado em 1927, como primeiro documento legal para a população menor de 18 anos, conhecido como Código Mello Mattos. Este Código estabelecia as medidas a serem tomadas pelo Poder Público com relação aos menores que eram órfãos; que andavam sozinhos (era entendido como perambulação);
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aos que cometiam delitos, e em 1942 é criado o Serviço de Assistência ao Menor (SAM); órgão ligado ao Ministério da Justiça que funcionava como uma penitenciária para os menores de 18 anos; aqui não havia diferença se o menor era abandonado ou havia cometido alguma infração. A lógica aplicada era a de repressão. Ainda em 1924 temos a Declaração de Genebra que traz a preocupação internacional de assegurar os direitos da criança e adolescentes como orientação de discussão entre as nações. Quando em 1959 é aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos da Criança há um significativo aumento e consideração dos direitos aplicáveis para a população infantil. A Política Nacional de Bem Estar do Menor, de 1964, lei 4513/64 cria a Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM) como órgão Nacional e como Estadual, as Fundações Estaduais do Bem Estar do Menor (FEBEMS); que substituem a SAM. As FEBEMS atendem órfãos, abandonados, aqueles que eram entregues pelas famílias e praticantes de delitos. A partir desse momento histórico, começam a surgir pelo país, vários movimentos sociais em defesa dos meninos e meninas de rua. Um amplo debate começa a ser realizado, incluindo o Código de Menores, com a intenção de tornar mais humana a política de atendimento, tornando os Meninos e Meninas protagonistas de suas vidas. Surge à criação do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua, a Frente de Defesa dos Direitos da Criança e dos Adolescentes e é criada a Comissão Nacional Criança Constituinte. Internacionalmente temos a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, validada por todos os países membros da ONU excetuando-se os Estados Unidos e a Somália. É importante sabermos que o Estatuto da Criança e do Adolescente nasceu de amplo debate, envolvendo comissões em defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes, juízes e de vários outros setores organizados da sociedade. Enfim é criado o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), lei 8069/90 várias alterações significativas nos trouxe, como por exemplo, a aceitação de famílias substitutas inovando o conceito de pai e mãe biológicos, definindo e ampliando o conceito de famílias naturais, enfatizando a importância da criança e do adolescente no seio familiar, 7
esclarecendo a idade que define a criança, até 12 anos e o adolescente, até 18 anos; definindo como Medidas Sócio Educativas àquelas aplicadas aos autores de infrações. Uma legislação que dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente (Art.1º.). Dispõe sobre a importância da criança e do adolescente conviver em família (Art.4º.); define e regulamenta o trabalho na condição de aprendiz, tornando violação da lei o trabalho infanto-juvenil tão frequente, até então, os usos e abusos das crianças e adolescentes em trabalho escravo. A ECA reza com rigor sobre vários temas que desrespeitam a criança e ao adolescente, assim como define, com o mesmo rigor, os deveres das crianças, dos adolescentes, das famílias, das entidades de atendimento e da sociedade. Em seguida tivemos outras leis que foram concebidas para proteção e direitos às famílias, às crianças e aos adolescentes, tais como; a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), que dispõe sobre a assistência social enquanto direito do cidadão e dever do Estado; a aprovação do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes; do Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente. Mesmo o ECA garantindo o que rezam esses Planos ainda encontram dificuldades para sua efetivação. Outras diretrizes mandatárias de nosso País rezam sobre a importância da família, da escola e de outras formas de assistência à Criança, ao Adolescente e ao Jovem; Constituição Federal/88 (Art. 226, 227), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9394/96), entre outras. Ao caminhar através da História das mudanças referentes às conquistas dos Direitos e Deveres das famílias e das crianças, adolescentes e jovens é importante refletirmos na alteração também apresentada no significado da referência Menor, Criança, Adolescente e Jovem. A palavra Menor era dirigida para aqueles com origem na classe mais pobre da população, uma palavra estigmatizada, carregada de preconceitos; enquanto Criança, Adolescente e Jovem eram palavras direcionadas aos filhos de famílias de melhor colocação social. Não apenas uma questão semântica. Os fatos nos mostram como aconteceu essa mudança de denominação.
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Nosso passeio agora é com relação à criação das Creches.
A História não nos aponta com muita clareza a origem das Creches no Brasil, temos vagas colocações a este respeito. Temos como início de uma forma também de Creche, a Roda dos Expostos, pois lá ficavam também para os cuidados básicos, uma vez que quem lá era colocado não tinha família. Outras creches existiam também com a denominação de asilos; nestes permaneciam crianças de 0 a 2 anos, a primeira infância; e os de 3 a 6 anos considerados pertencentes a escolas primárias, asilos ou escolas maternais. Essas creches não tinham o caráter pedagógico, pois pertenciam a Assistência Pública ou a Saúde. Somente as escolas particulares apresentavam um caráter educacional. Os movimentos feministas de 1932 conquistaram o direito de haver creches nos locais de trabalho com mais de 20 mulheres maiores de 16 anos. Começam a surgir no País uma concepção diferenciada, de 0 a 3 anos e onze meses métodos voltados aos cuidados e à assistência e de 4 a 6 anos e onze meses, pertencentes às pré-escolas. A revisão do significado de creche continua em discussão, por volta das décadas de 60 e 70, inclusive há uma expansão das creches graças aos movimentos sociais, entre eles o movimento feminista. Com a Constituição Federal/88 também há alterações referentes a Educação (Artigos 205, 206 e 208) e aqui caracteriza a creche e a pré escola como Educação Infantil pertencendo a primeira etapa da Educação Básica. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96) consolida o já colocado na Constituição/88 e dispõe de forma mais clara os níveis da Educação Básica, quem a ela é pertencente e as obrigações de Estados e Municípios. Aqui também acontece a alteração do ensino de nove anos, incluindo a criança de seis anos no ensino Fundamental. Podemos entender que com essas normatizações as Creches passam de seu caráter assistencialista, para uma instituição de ensino com Projetos Pedagógicos e Professores, não mais “cuidadores”. Sabemos que não são suficientes Leis mandatárias para que a realidade mude, precisamos de ações e concepções que acompanhem o desenrolar dos fatos, para que de fato aconteça o avanço na proposta de atendimento das Creches. Temos aqui uma realidade nada 9
satisfatória aos Professores que exercem seu trabalho nas Creches, pois suas jornadas de trabalho são exaustivas, estrutura de trabalho que ainda deixam a desejar e as diferenças entre os Professores trabalhadores da Educação Infantil ainda existem. Quando acontece a discussão do Cuidar e Educar, muitos ainda acreditam que o Cuidar acontece por parte de qualquer um, ou seja, não é necessária uma qualificação profissional, então há um desmerecimento ao Professor de Creche. Acredito que com este ponto de vista emerge uma concepção de Escola como o lugar onde acontece o Conhecimento, o Ensino de fato, privilegiando o ensino Fundamental. O Professor de Creche tem, ou pelo menos deve ter uma formação adequada, sei de inúmeros que possuem Pedagogia e faz pós-graduação. Como já vimos de forma nenhuma a legislação passa para a Creche as obrigações da família, muito pelo contrário, deixa bem clara a importância da família no convívio com os filhos. Interessante sim seria uma parceria entre a família e a instituição escolar. Entender a Educação e a Pedagogia que são necessárias para os diferentes níveis de ensino é entender que em cada um há importante trabalho a ser pedagogicamente realizado. Não quero dizer com isto que a Educação Infantil tem o dever de preparar a criança para o próximo nível de ensino, absolutamente; quero dizer que em cada nível existem diferenças de atuação do Professor justamente porque cada criança é única, sua fase de desenvolvimento requer determinadas ações pedagógicas de acordo com sua idade e evolução. Que a criança tenha o direito de ser criança! O Cuidar e o Educar não podem estar em lados opostos, eles se somam e isto não faz com que o profissional Professor de Creche ou de Educação Infantil seja melhor ou pior do que qualquer outro Professor de outro nível da Educação. A Profissão de Professor deve ser escolhida como uma opção e não por falta de opção. E esta é uma Profissão que se constrói dia a dia, assim como exige capacitação/formação constante. E as crianças, os estudantes o que será que pensam disto tudo?
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Generalizar não pode, mas vou citar uma vivência:
- “Sabe, eu fui deixada por minha mãe. Sempre tive sérios problemas com a figura feminina, com mulheres. Hoje estou trabalhando em uma escola que no primeiro dia quando estive lá, encontrei minha primeira professora do “prézinho”. Fiquei meio boba, não dava prá disfarçar meus olhos cheios d’água. Eu não sei se ela sabe, mas, quando eu era criança com toda a minha bronca pela figura feminina, foi com ela que comecei a tirar aquela coisa ruim que estava dentro de mim. O perfume dela, o jeito que ela jogava os cabelos longos e pretos, o carinho e a atenção que ela dava prá gente; foi muito importante prá mim. Nossa! Nem consigo falar direito!” Esse ser humano hoje é casada, mãe de dois filhos, sensível às causas sociais e é Professora! Professora de matemática. Professora Carol!
Referências Constituição da República Federativa do Brasil – 1988 Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA/90 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB/96 Campos, Maria Malta. A questão da creche: história de sua contribuição na cidade de São Paulo. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília. Set/Dez/ 1990. Costa, Antonio Carlos Gomes da. Mendes,Emílio Garcia. Das necessidades Aos Direitos – Série: Direitos da Criança – 1994
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A História da Educação Flabiana Kyriakis Formada em Pedagogia. Especialista em Educação Inclusiva. Membro do Conselho Editorial da Revista e Colaboradora do Portal Café com Filosofia
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alar sobre a História da Educação é importante e ao mesmo tempo interessante, pois algumas pesquisas revelam que esse contexto vem ganhando uma importância significativa no campo educacional. Com o passar dos tempos e dos anos, novos objetos vem sendo envolvido e trazendo novas conquistas para serem desenvolvidas e trabalhadas na grande historicidade da educação. Percebe-se também que a História da Educação hoje em dia não fica apenas no papel fazendo parte de uma grande legislação ou apenas de uma administração, faz parte da história das Instituições, de leitura, de professores e seus aperfeiçoamentos, das disciplinas que envolvem a didática e os métodos de trabalho, a politica educacional, o envolvimento em relação ao professor-aluno, a cultura educacional escolar e também o envolvimento entre as Instituições de Ensino e a própria comunidade, o que vem aproximando mais a família da Instituição Escolar. O que está sendo constituído através do desenvolvimento das variedades de objetos que vão avançando e com isto enriquecendo a História da Educação. A utilização desses novos objetos está cada vez mais ampliando de forma considerável e enriquecedor o que temos como fontes e até mesmo documentações que revelam o avanço e a exploração dos grandes e extraordinários trabalhos do historiado da educação. Tendo em vista que a educação deve partir da concepção de uma prática social, desenvolvendo uma atividade humanista que avançam os muros históricos do espaço das grandes sociedades, visando assim os interesses econômicos, políticos e culturais das classes sociais. Segundo Sanfelice:
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É fundamental estudar a história da educação, atentando-se para alguns pontos fundamentais no que se refere ao papel desempenhado pela educação nas diferentes organizações da sociedade: a relação entre Estado e sociedade civil, o papel do Estado e sua representatividade, o modelo educacional desenvolvido para os trabalhadores e o modelo desenvolvido para as elites e o ideal de homem cidadão. O estudo da história deve possibilitar compreender as relações de poder e os mecanismos de exclusão que se produz e reproduz em determinados contextos sociais, para alavancar mudanças que possibilitem a superação das condições sociais. (1999: 47) Isto mostra também que a História da Educação consiste na ação do homem e de sua atitudes, através da transmissão de seus conhecimentos o que vai modificando as heranças culturais de um país ou até de uma nação. Sabendo que a educação e sua história não são apenas fenômenos meramente neutros, e que com isto acabam por sofrer os grandes efeitos de uma ideologia, ideologia está que ocorre porque ela está de fato envolvida em uma ação política, o que mexe com o status de toda uma nação. Assim sendo pode-se destacar que a compreensão desse grande conhecimento que vem sendo historicamente desenvolvido e acumulado é o ponta pé inicial da própria história, o que vem a ser indispensavelmente a condição para o avanço e a produção de novos e grandes conhecimentos, o que nos auxilia a evitar uma reprodução ou a repetição do mero e puro conhecimento já adquirido, o que contribui na luta da construção de uma nova sociedade, que venha a ser atuante e contribuir para o desenvolvimento de um povo com ideais justo e regular, ou seja que visa o bem estar de todos. A educação não pode ser irregular e nem fragmentada, se não ela quase nunca apresentará um resultado satisfatório, o que pode acabar por ocasionar um grande golpe de misericórdia podendo prejudicar de uma vez por toda a História da Educação. O propósito da educação não é meramente formar uma criança de acordo com os modelos e nem mesmo vir a orientá15
las para um futuro prévio, mas sim promover-lhes condições a virem resolver por si própria os seus problemas, é por isto que a educação deve visar um crescimento constante da vida, o que possa estimular o que chamamos de espirito de iniciativa e independência, levando à uma autonomia que possa contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade democrática. Falaremos agora a respeito da História da Educação visando o Período Moderno, sabemos que todo o processo educacional defrontou-se com inúmeras modificações causadas pela Modernidade, contudo as duas Instituições que mais sofreram mudanças ocasionadas pela reorganização institucional foram as famílias e as escolas, por terem que se adequar a centralização no que diz respeito a formação dos indivíduos, visando a transformação na reprodução do seu desenvolvimento cultural, ideológico e também profissional, qualificando assim a sociedade. Essas Instituições trabalharam em pró de um marco que é a infância e a adolescência, chegando até mesmo a cobrir o arco que os envolviam graças ao trabalho desenvolvido pela formação das futuras jovens gerações, o que foi é claro aprovado e definido pela sociedade. A relação familiar transmitida para criança gerava uma força que se traduzia em um objeto que retornava-se como um núcleo envolvendo um grande afeto que eram animados pelo sentimento da infância, o que ia fazendo cada vez mais da criança e seu desenvolvimento em um centromotor da vida futura em sociedade e familiar, através do afeto trazido juntamente com os cuidados que por sua vez eram bem elaborados vindos de um sistema de cuidados que tinham controle sempre de uma mesma criança, transformando-a e preparando-a para desenvolver-se a um ideal, o que nunca deixou de valorizar o mito do ser espontâneo e sua inocência. Todo esse avanço faz com que os pais não sintam-se mais satisfeitos somente em colocar seus filhos no mundo. A idealidade de uma vida melhor, visando um futuro dentro da sociedade de forma qualificativa eleva esse contesto a uma moral onde na época impunha aos pais através de seus próprios desejos de poderem visualizar um futuro melhor e de qualidade para todos os filhos e não somente ao primogênito e que no final dos anos seiscentos (600) também para as filhas uma qualificação e preparação para a
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vida. Não podendo deixar de dizer que essa tarefa de qualificação e preparação ficava de responsabilidade da escola. Segundo Pestalozzi: Com efeito, o século XVII marcou o início da educação pública estadual prussiana, cujo objetivo era propiciar o engrandecimento do Estado. Luzuriaga (1959, p. 151) esclarece que, do ponto de vista das autoridades prussianas, a educação respondia à “(...) necessidade de contar com súditos dóceis, bons soldados e funcionários idôneos”. No século XVIII, essa preocupação acentuou-se ainda mais. Em 1763, Frederico II promulgou um regulamento geral 1 para as escolas elementares, o qual tornava obrigatório, dos 5 aos 13 ou 14 anos, o ensino para toda população masculina. Foi nesse século que começaram a ser construídas por Pestalozzi as formulações mais incisivas sobre as transformações pedagógicas. Desenvolvendo seu trabalho ao lado da família a escola conseguia criar uma formação que tinha a capacidade de instruir, formar, ensinar conhecimentos, mas não só isto como também os comportamentos, que se envolviam e articulavam da didática, através das racionalizações que envolviam os diversos saberes, o que organizava também a disciplina que era programada e envolvida pelas práticas repressivas, o que visavam novas construções, contudo acabavam por se tornarem produtoras de novos comportamentos. Querendo um avanço simbólico no desenvolvimento da história da educação as escolas procuravam ir reorganizando-se e com isto propiciando uma reorganização em suas próprias finalidades e seus meios específicos. O que acabava por obrigar a escola a não ser mais sem graduação, a qual se ensinava sempre a mesma coisa não observando se quer a questão da diferença de idade, essa escola não poderia mais ser caracterizada pela grande promiscuidade que envolvia as diversas e diferentes idades. Com essa divergência foi aparecendo uma incapacidade educativa, ocasionada pela forte e marcante rebeldia que ocorria em decorrência dos maiores em cima dos menores, pela incessante liberdade marcada pelos estudantes, o que se dava pela falta de disciplina interna e também externa. Porém no século XVI ocorreu a instituição do colégio o 17
que acabou por dá início ao desenvolvimento de um processo que fundamentasse uma reorganização disciplinar da escola o que envolveu uma grande racionalização e um abrangente controle do ensino, fundada pela elaboração de novos métodos de ensino/educação- sendo que o mais contundente e célebre foi a Ratio studiorum dos jesuítas. Pois eles administravam um elaborado e minucioso programa de estudo e de comportamento. Nessa mesma época eis que surge a descoberta da disciplina, o que se torna de forma organizada, constante, demonstrando ser bem diferente da violência e autoritarismo que não era respeitada, essa disciplina adquiriu força e raízes profundas através da disciplina religiosa. Eles não se preocupavam especificamente com o desenvolvimento do instrumento de exercício, mas sim com o puro aperfeiçoamento moral e também espiritual o que buscavam uma eficácia, que era uma exímia condição necessária do trabalho, visualizando um desenvolvimento de seu valor próprio e de uma edificação que valorizasse seu conhecimento. Ocorria também um exame disciplinar em que o sujeito era avaliado de forma impessoal, o que vinha medir o controle do seu saber. Segundo Gadotti: Historicamente as ideias pedagógicas estão voltadas para compreensão do significado da educação na contemporaneidade, tendo a tarefa de buscar meios, para resgatar a unicidade entre história e o sujeito, perdido pela desconstrução da cultura e da educação provocado pelo racionalismo moderno. Apesar de toda pesquisa e de todo estudo que vem sendo desenvolvido, até o presente momento vê-se que os projetos e planejamentos que envolvem a educação sofreram várias modificações, contudo não se modificou as características que são impostas em todos os países. Considerando que a História da Educação é um processo que vive continuamente evoluindo e abrangendo cada vez mais novos status não se pode considerar a possibilidade de dá por encerrado os estudos e pesquisas que envolvem a História da Educação, especialmente ao que se refere ao período moderno. Novos horizontes frente as rupturas que sempre acontece
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em meios a educação nos fazem perceber que ela vem dando cada vez mais saltos que se desordenam em diversas e diferentes direções. Herbart é o pesquisador que através de suas incessantes pesquisas conseguiu construir o primeiro sistema que envolve a teoria educativa, com isto deu-se o primeiro ensaio que destinou-se a uma explicação profunda e detalhada da fundamentação complexa de um vasto fato educativo que surge em um corpo de doutrina. Pode-se dizer com extrema segurança, que Herbart foi quem através de suas pesquisas alcançou a classificação da turbulência vivida pelos problemas pedagógicos, isto veio incorporado com à enorme luz de uma ampla doutrina, o que faz com que ele alcance de forma espetacular e como ninguém antes havia feito, a gratificante tarefa de uma ciência voltada para a educação envolvido no verdadeiro sentido do termo classificatório, já que seus predecessores tais como: (Locke, Comênio, Rousseau e até mesmo Pestalozzi) que se limitaram apenas e tão somente na incorporação de tópicos referidos a educação, ou seja não atenderam ao que se diz uma exposição de um conjunto, baseando-se somente em fragmentos e não num composto completo. Herbart não somente conseguiu empreender o que classificamos como estabelecimento ou somente a resolução de alguns meros problemas, mas proporcionou com seu amplo plano de trabalho um estudo abrangente envolvido sistematicamente referente a vida educativa, o que se envolve desde temas da Didática especial, onde ele conseguiu se revelar um enorme talento criador, conseguindo envolver-se até com as questões dos objetivos filosóficos, além de uma grande relação entre a educação e a vida cultural, o que ajusta-se de forma pertinente na doutrina. O alemão Froebel foi um dos primeiros educadores a valorizar a educação envolvendo-a com o início da infância, para ele está é tão, ou talvez a mais importante fase de grande decisão na vida e na formação das pessoas, é também uma ideia aonde hoje vem sendo aprovada e consagrada pela psicologia, a ciência da qual foi precursor. Esse educador viveu em uma grande época a de mudanças de concepções sobre a criança e seu desenvolvimento, onde teve a frente envolvendo-se na área pedagógica, foi um dos primeiros e grandes fundadores dos Jardins-de-infância, o que vinha a ser destinado a crianças menores de (8) oito anos. Esse nome vem
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vinculado à reflexão de um princípio que Froebel vinha já compartilhando com outros pensadores de sua época: para eles a criança era como uma planta em sua fase de formação, ou seja, vai se desenvolvendo conforme vai sendo cuidada periodicamente, onde se propicia um crescimento evolutivo e de maneira saudável. Para ele através desses cuidados a criança em sua infância se desenvolveria em um elo que se igualaria todos os homens, através de uma essência boa e divina, a qual ainda não havia encontrado uma corrupção encontrada no convívio social. Para ele todo o processo de aprendizado parte das brincadeiras, elas na verdade é o primeiro grande recurso que envolve o vasto caminho da aprendizagem, além disso, não são consideradas apenas como mera diversão, mas é sim um modo de criar as representações envolvendo o mundo concreto, onde só assim poderão entendê-lo. Envolvendo todo seu autoconhecimento Froebel foi indiscutivelmente um dos primeiros pedagogos a considerar e principalmente a falar em autoeducação, é claro que este mero conceito só se difundiu em meados ao início do século XX, e isto ocorreu graças ao movimento da Escola Nova, de Maria Montessori (1870-1952) Célestin Freinet (1896-1966), entre outros. Pode-se verificar também que as técnicas das quais vem sendo utilizadas até os dias de hoje em meio a Educação Infantil devem muito a Froebel, segundo este brilhante pedagogo o primeiro e grande passo rumo ao caminho do aprendizado parte das brincadeiras, que não são apenas mera diversões e sim um amplo modo de criação representações de um pedagogo concreto onde visava a finalidade de entendê-lo. Através de suas pesquisas realizadas sobre os brinquedos que foi desenvolvida depois de uma profunda analise das crianças de diferentes idades, Froebel previu uma educação que ao mesmo tempo que a criança aprende permite o desenvolvimento no treinamento de habilidades que elas trazem em sua bagagem e com isto também conseguia propor o surgimento de novas habilidades. Ao mesmo tempo em que pensava sobre a prática e o desenvolvimento escolar, se dedicava a criação um sistema em meio a filosofia que conseguisse dá sustentação as suas fundamentações teóricas, para ele a natureza nada mais era do que a manifestação Divina de Deus em
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nosso mundo terreno, o que vem expressar a unidade sublime de todas as coisas. Para ele a criança já trazia com sigo uma metodologia natural o que facilitava o seu desenvolvimento em aprender, baseando é claro em seus interesses que ocorria por meio do desenvolvimento de atividades práticas, ele era contra e vinha combatendo e que diz ser excesso de coisas abstratas na educação de seu tempo, usava a argumentação de que esse abstrato tendia a afastar os alunos do real aprendizado. Segundo Froebel e sua teoria: As passam por diferentes estágios de capacidade de aprendizado, com características específicas, antecipando as ideias do suíço Jean Piaget (1896-1980). Froebel detectou três estágios: primeira infância, infância e idade escolar. “Em suas pesquisas e seus registros, ele consegue demonstrar como a brincadeira e a fala, sendo bem observada pelo adulto pode contribuir com o aprendizado do nível do desenvolvimento e também a forma do relacionamento infantil encontrada com o mundo exterior”, diz Alessandra Arce. Ele não separa a religião do ensino, que é consagrada atualmente, contudo ele conseguia ver que a educação era uma atividade em que a escola e a família andam de mãos dadas, ou seja, elas estão sempre caminhando juntas, está também foi outra característica que veio aproximando da prática contemporânea. Com todos esses relatos e segundo todos esses pesquisadores da História da Educação, percebe-se que ainda precisamos estudar e pesquisar muito a respeito da educação e de seu desenvolvimento, se o que pretendese seja um estudo mais qualificativo e que possa vir preparar a criança para inserir-se em meio ao mundo social, visualizando um futuro onde possam contribuir para com o desenvolvimento de toda uma sociedade. Ver-se com isto a grande importância de que o professor deve aceitar e desenvolver seu trabalho em cima de uma teoria que venha a ser um conjunto sistematizado de hipóteses que devem ser constantemente testadas, onde vão ser verificadas diante dos confrontos apresentados pelos resultados do processo que envolve o ensino-aprendizagem do aluno.
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Referências: DEMO, Pedro. Desafios modernos da educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1993. GADOTTI, Moacir e ROMÃO, José (org.) Autonomia da escola: princípios e propostas. São Paulo: Cortez, 1997. Gadotti, Moacir (2002, p. 12) e Gadotti, Moacir (2002, p. 13) GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991. HERBART E O SISTEMA DA TEORIA EDUCATIVA Extraído do livro História Geral da Pedagogia, de Francisco Larroyo. LUZURIAGA, L. História da educação e da pedagogia. São Paulo: Nacional, 1959, p. 151. SAVIANI, Dermeval; Sanfelice, José Luis; Lombardi, José Claudinei (Orgs) História e História da Educação. O debate teórico-metodológico atual. 2ªed. Campinas, SP: Autores Associados: Histedbr, 2000.
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O Materialismo histórico e dialético a serviço das revoluções Daniel Frias Graduando em História (Licenciatura Plena) pelo Centro Universitário Claretiano. Atualmente realiza pesquisas no âmbito da historiografia e história cultural. Mantêm o Blog “O Andante” e é Colaborador do Portal Café com Filosofia.
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revolucionária teoria elaborada pelo pensador alemão Karl Marx (1818-1883), juntamente com Friedrich Engels (1820-1895), denominada de “materialismo histórico e dialético”, coloca-se, sem sombra de dúvidas, como uma das mais influentes metodologias utilizadas para a interpretação da História desde que ela se pôs em vigor no final do século XIX. Tal concepção teórica culminaria não se restringindo apenas no que tange às perspectivas filosóficas e historiográficas, mas também abarcando como um exercício político, sociológico e econômico. Assim, o marxismo tinha como proposta sair do campo teórico para o prático, isto é, Marx compreendia que para suscitar uma revolução política, exigida em sua época, seria preciso abandonar, ou melhor, colocar “ao avesso” a concepção tradicional idealista acerca da evolução da humanidade da qual ele mesmo fora profundamente influenciado. Vale salientar que, no período em que Marx e Engels desenvolveram o materialismo histórico, em meados do século XIX, o capitalismo encontrava-se em pleno desenvolvimento. Tal sistema, de acordo com as acepções marxistas, trazia consigo uma cruel e esmagadora opressão da burguesia contra o proletariado, o que inexoravelmente resultaria numa “luta de classes”. Nesse aspecto, a burguesia compreendida como a classe dos capitalistas modernos, originar-se-ia a partir das ruínas do antigo sistema de produção feudal, e, sendo ela a proprietária dos meios de produção social, era responsável por empregar o trabalho assalariado. O proletariado, por sua vez, era obrigado a vender a sua força de trabalho para manter a sua sobrevivência, que, por consequência, tal relação de produção o colocou
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num lugar marginalizado, às rédeas da injustiça social, da desigualdade política e econômica. Portanto, este seria, para Marx, o fator preponderante por acender os tempestuosos conflitos que se deram nesta época. Foi nesse contexto que Marx e Engels, contrapondo-se ao idealismo alemão comumente representado pelo filósofo alemão Hegel (1770-1831), desenvolveriam uma filosofia que afirmava que a força motriz da História consistia na luta de classes decorrentes das relações sociais obtidas a partir do modo de produção material. Sendo assim, pode-se afirmar que a filosofia do marxismo é o materialismo, o qual entende que o modo de produção material condiciona o desenvolvimento da vida social que, então, determina o ser político e, por fim, a consciência do homem em geral, seja ela a cultura, a filosofia, as crenças, as religiões, ou qualquer outro elemento proveniente do “espírito humano”. Assim, toda a história da humanidade é a história da luta de classes: o homem livre e o escravo, o patrício e o plebeu, o senhor feudal e o vassalo, o burguês e o proletariado; enfim, o opressor e o oprimido. Com efeito, dedicando-se profundamente ao estudo do sistema capitalista e desenvolvendo conceitos, a partir deste, como “alienação” e “coisificação”, os quais legitimam o poder e o triunfo da classe burguesa com a ascensão do Capitalismo, Marx propôs uma doutrina a qual ela concebia como uma prática popular capaz de transformar o mundo num lugar de todos a tudo, sem a distinção ou privilégios a quem quer que seja, isto é, a igualdade social, a igualdade de meios, a oportunidade e a inserção total do binônimo produção-riqueza a todos os indivíduos. Em outras palavras, as concepções marxistas pretendiam conduzir e levar a sociedade ao “comunismo”, que, para tal, Marx apresentou a luta entre as classes sociais através da dialética, que dizer, o comunismo seria a inevitável “síntese” (estruturas sociais decadentes e ascendentes) advinda da “tese” (condição social e histórica dada) e da “antítese” (o paradigma socialhistórico opositor à tese, o qual emergiria das próprias contradições desta). Deste modo, dar-se-ia o materialismo histórico e dialético.
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A filosofia marxista, portanto, adentraria indissoluvelmente no plano político-social, uma vez que, para Marx, os filósofos anteriores a ele não fizeram mais do que interpretar o mundo de diferentes formas, quando, na verdade, o importante seria transformá-lo. Após a morte de Marx, em 1883, e, também, a de Engels em 1895, o materialismo histórico seria “colocado à prova” por diversos intelectuais adeptos às concepções marxistas, além de ser utilizado para justificar e legitimar atitudes comportamentais de líderes políticos frente às turbulentas revoluções que ocorreram a partir do século XX. Assim o fez o russo Vladimir Ilitch Ulianov (1870-1924), conhecido como Lênin, um dos principais líderes da Revolução de Outubro de 1917, na qual tomaria o poder na Rússia após a queda do czar. Como conseqüência, Lênin implantaria como doutrina oficial do Partido Comunista uma interpretação sua do pensamento de Marx denominada de “marxismo-leninismo”, a qual passaria a governar a União Soviética. Desta forma, a Revolução Russa de 1917 traria profundas transformações e, por assim dizer, deturpações da filosofia de Marx, que, evidentemente, afetaria também na produção historiográfica e filosófica marxista. Isso se demonstrou claramente em 1924 com a morte de Lênin e com a ascensão de Stalin (1878-1953), que, então, passou a comandar o Partido Comunista soviético. Segundo o historiador Perry Anderson (1976, pag. 30), o sistema político implantado por Stalin culminaria por suprimir ativamente a prática revolucionária das massas na própria Rússia, ou seja, tal líder político sabotou e/ou desencorajou de forma progressiva o “verdadeiro marxismo” em seu país, assim como também nos outros. De tal modo, para inúmeros estudiosos, a evolução do “marxismo” desde a morte de Engels (1895) até o fim da Segunda Guerra Mundial (1945), principalmente no governo de Stalin, seria marcada como uma fase de dogmatismo, de ideologia, e, portanto, de intensas decepções concernentes à aplicação do materialismo histórico como uma prática política. Ademais, tendo essencialmente o marxismo “fossilizado” devido à derrota da revolução na Europa ocidental e a vitória dela na Europa oriental, caberiam há alguns pensadores marxistas dessa época conceber novas 26
interpretações e produções historiográficas. Assim temos Antonio Gramsci (1891-1937), Rosa Luxemburgo (1871-1919), Georg Lukács (1885-1971), Karl Korsch (1886-1961) e dentre outros intelectuais que foram extremamente importantes para uma tentativa de “renovação” do materialismo histórico. Entretanto, na segunda metade do século XX, especialmente após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que culminou na divisão da Europa em duas (Ocidental capitalista e Oriental socialista), houve uma desilusão no que concerne a forma de compreender o materialismo histórico, sobretudo devido à morte de Stalin e à realização do 20° Congresso do Partido Comunista soviético, que mudaram profundamente o comunismo no cenário internacional. Isso fez com que houvesse uma desarticulação do movimento político do exercício teórico marxista, surgindo, assim, um “marxismo acadêmico”. Essa desarticulação nota-se quando a tradição analítica do marxismo passa do âmbito político e econômico, da fase pré-Primeira Guerra Mundial, para a filosofia, ou seja, aumenta-se o interesse pelo viés “filosóficoteórico” da acepção de Marx em detrimento de sua prática e função política. Assim, os filósofos e historiadores que passaram a abordar o materialismo histórico e, também, a fazer novas interpretações dele; podemos apontar: Marcuse, Walter Benjamim, Theodor Adorno, Jean-Paul Sartre, Althusser, Perry Anderson, Eric Hobsbawn, Edward Paul Thompson, entre outros. O materialismo histórico, assim sendo, passara por profundas transformações desde que ele fora elaborado pelos seus idealizadores, Karl Marx e Friedrich Engels, em meados da segunda metade do século XIX, até os dias de hoje. Para alguns teóricos marxistas contemporâneos, como, por exemplo, Hobsbawn, Anderson e Fontana, o materialismo histórico passa a ter novas possibilidades de uso para a produção historiográfica. Ele, hoje, tem a funcionalidade de nos mostrar o dinamismo em que a evolução humana está sujeita, longe de ser um processo mecanicista, estagnado, imóvel. O materialismo histórico é, portanto, uma teoria que denota que a História está em constante transformação. Esta advinda das complexas relações e lutas sociais.
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Referências: MARX, ENGELS. Karl, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. [tradução de Antônio Carlos Braga]. São Paulo: Editora Escala, 2009. ANDERSON, Perry. Considerações sobre o Marxismo Ocidental. [tradução de Carlos Cruz]. Porto: Afrontamento, 1976. MARCONDES. Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. PEREIRA, TORELLI. Reginaldo de Oliveira, Leandro Salman. Metodologia da História I. (Caderno de Referência de Conteúdo – CEUCLAR, SP). 2010.
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Filosofia da Linguagem em Rousseau Marcelo Frias Graduando em Filosofia (Licenciatura Plena) pelo Centro Universitário Claretiano. Mantém o Blog “Um Esboço Filosófico” e é Colaborador do Portal Café com Filosofia.
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o tratar da originalidade e de todas as contundentes teses de Rousseau dentro do eminente contexto iluminista, ressaltarei aqui, neste breve texto, uma possível filosofia da linguagem neste autor, do qual poderíamos extrair algumas considerações concernentes à metafísica, ou, mais especificamente, concernente aos conceitos dos particulares e universais. A razão a qual fez com que Rousseau, caísse inevitavelmente no embolo das palavras foi precisamente pelo fato desse pensador estar obstinado a analisar a origem da desigualdade entre os homens (daí o titulo de sua grande obra) e, portanto, de descobrir a origem das línguas uma vez que, se tomarmos a sociedade já estabelecida como inventora da linguagem, esta ultima é necessária para que os homens tenham uma certa correspondência entre si. Então, além de fazer a intercorrespondência entre os homens, para o filósofo francês, a linguagem permeabiliza a propagação das desigualdades, por assim dizer. Por outro lado, somos indubitavelmente devedores ao uso da linguagem, pois é ela quem exerce e facilita as operações do espírito. Assim, ao analisar a origem das desigualdades, Rousseau pensou que houve a necessidade dos homens em usar as palavras para poder pensar, mas o homem também teve muito mais necessidade em pensar para poder expressar através da linguagem. Podemos dizer, então, que a necessidade em ordenar o espírito através da linguagem e pensar para criar a arte de expressar em palavras é um fato que ocorreu, em sua gênese, de forma simultânea.
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Recorrendo e adentrando mais na origem das línguas, Rousseau afirmou que a primeira linguagem do homem foi o que ele chamou de “grito da natureza”, que foi a necessidade mais básica para a utilização da linguagem. Dessa forma, os gritos da natureza seriam reflexos do instinto humano, como, por exemplo, um pedido de socorro em ocasiões de perigo. Quando o homem foi deixando aos poucos os instintos mais moderados para substituí-los por ideias e instintos mais expressivos, ao passo em que o homem requeria uma comunicação mais estreita, as inflexões da voz foram multiplicadas e incorporadas também aos movimentos gestuais. Assim, os objetos visíveis e móveis já poderiam ser exprimidos e descritos por meio de gestos. Porem, pelo fato dos gestos somente indicar objetos simples e fáceis de descrever, em se tratando de uma descrição mais detalhada de um objeto mais complexo, há a necessidade de articulação dos sons emitidos pela voz para que de fato haja relação entre os objetos descritos e as ideias correspondentes a eles. Então, em uma perspectiva socializadora da linguagem, a substituição dos gestos pelos sinais emitidos pela vocalização é uma atividade que necessariamente deve ser consenso entre os homens. Com efeito, desdobrando mais sobre o desenvolvimento da linguagem, a análise de Rousseau implica em uma semântica ao atentar para a decomposição da linguagem nos “homens selvagens”. Dessa forma, nos homens primitivos, o significado das palavras era muito mais extenso do que a significação que atribuímos ao vocabulário das línguas já formadas. Em detrimento do desprezo do homem primitivo em relação às partes constituintes da linguagem, a significação de uma afirmativa consistia somente no sentido da proposição inteira, ou seja, o conjunto dos sinais instituídos articulados através da voz era somente compreendido em sua totalidade, não restando a possibilidade, portanto, de significados em sinais isolados. Contudo, a sofisticação da linguagem primitiva foi se estabelecendo ao passo em que começaram as distinções entre o sujeito do predicado, o nome do verbo. Neste estágio mais complexo da formação da linguagem já se era possível fazer referência a um objeto particular através de nomes próprios e, portanto, também já se era possível atribuir adjetivos aos nomes. Evidentemente, essas atividades no seio da linguagem exigiu um grande esforço do homem, onde as abstrações são operações difíceis e penosas e pouco naturais.
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É precisamente nesta fase de formação da linguagem que eu destaco a originalidade e a contundente filosofia da linguagem em Rousseau. Como já expresso acima, Rousseau afirmou que nesta fase de formação da linguagem já se era possível fazer referencia a um objeto particular com um nome próprio. Entretanto, os objetos denotados continham sua significação sem relação de gêneros e de espécies, pois os indivíduos que manipulavam as línguas não estavam em condições de distinguir as características mais elementares de cada objeto. Em suma, através das análises rousselianas acerca da origem da linguagem, me arriscaria dizer que é precisamente na possibilidade de denotarmos um objeto especifico através de nomes próprios, e na incapacidade de distinguir gêneros e espécie de quaisquer elementos possíveis que nascem, juntamente com a própria linguagem, as noções básicas de lógica. Eu explico: Rousseau afirma que, para os homens mais primitivos, se um carvalho se chamava A, o outro carvalho se chamava B. Assim, a primeira coisa a ser percebida nessa operação é que as duas coisas não são a mesma independentemente das características ônticas que as constituem. Dessa forma, nascia de forma rudimentar, são claro, as noções básicas do príncipio da identidade, contradição e, consequentemente, do terceiro excluído. Para o homem primitivo, o conhecimento era limitado e, portanto, não se era possível fazer generalizações e muito menos categorizações universais de quaisquer objetos. Para colocarmos qualquer elemento sob denominações genéricas, era necessário atribuirmos a cada elemento suas propriedades e diferenças. Portanto, nas palavras do próprio Rousseau: “Nestes casos, eram necessárias observações e definições, isto é, história natural e metafísica, muito mais do que os homens daquele tempo podiam ter.” (Rousseau, pg. 68). Não obstante, as ideias gerais somente podem ser expressas como espécie através das palavras, as quais têm o seu significado somente por meio das proposições. Toda assertiva universal, ou toda ideia geral, é um ato puramente intelectual. Mas, ainda, quando a imaginação é introduzida nas ideias gerais, logo torna-se particular. Quando imaginamos uma arvore, por exemplo, é necessário pensarmos em todas as suas características, mesmo contra a nossa vontade. Temos que imaginar se a arvore é grande ou pequena, se contem folhas, se seus galhos são largos, etc. Se, ao contrário, não pensássemos nas características da arvore, esta perderia toda a sua 32
essência de árvore e, portanto, perderia também o conceito e/ou a palavra “arvore”. Ora, como uma palavra pode fazer denotação a um objeto inexprimível ao passo que tal objeto não contém nem sequer uma característica? Para tanto, para empregarmos e estendermos ideias gerais por meio de palavras foi necessário traçar um método a limites muito estreitos, que, a saber, consistia primeiramente em multiplicar largamente os nomes dos objetos, por não conferir-lhes gêneros e espécies. Foi justamente pela dificuldade de distinção entre gêneros e espécies dos objetos que se foi necessário empregar trabalhos concernentes as experiências, mesmo que sendo muito rudimentares naquela época. Nessa perspectiva, podemos dizer que, para o homem primitivo e sua linguagem, lhe escaparam ideias ligadas as palavras como, por exemplo, matéria, espírito, substancia figura, movimento, entre outras palavras que tendem a ser universalizadoras. Ate mesmo para filósofos, tais palavras universais são de difíceis conceitualizações; como seria, então, para os selvagens o emprego e operação de palavras que denotam objetos essencialmente metafísicos que não estão disponíveis em nenhum modelo da natureza? Nesse ponto, Rousseau suspende suas observações acerca do nascimento da linguagem, uma vez que ele se diz horrorizado com tantas dificuldades que se multiplicam em detrimento do quanto tempo e quantos conhecimentos foram necessários para encontrarmos os números, as palavras abstratas, todos os tempos dos verbos, a sintaxe, as proposições e toda a forma lógica do discurso. O meu intento ao analisar as concepções de Rousseau acerca da origem da linguem foi o de demonstrar que o nascimento das línguas está intrinsecamente conexo com os conceitos metafísicos “universais” e “particulares”, onde os nomes que lhe são atribuídos são criados a partir da distinção de espécie e gêneros dos objetos a serem denotados, embora alguns possam atribuir tal análise ao nominalismo grosseiro. Quaisquer que seja a origem da linguagem, e qualquer que seja a natureza dos problemas metafísicos, as palavras articuladas por intermédio das proposições, que lhes conferem um sentido, é um indispensável caminho (e não o único é claro) a percorrer para exprimir os pensamentos do homem.
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ReferĂŞncias: ROUSSEAU, J. Jacques; Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre Homens; Ed. Martin Claret (2005).
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