Mudanças Climáticas & Resiliência de Cidades

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Ficha Catalográfica

M943

Mudanças climáticas e resiliência de cidades / organizadores Fátima Furtado, Luiz Priori Jr, Edinéa Alcântara. – Recife : Pickimagem, 2015. 253p. : il. Inclui referências. 1. MUDANÇAS CLIMÁTICAS. 2. MUDANÇAS CLIMÁTICAS – BRASIL. 3. CIDADES – BRASIL – ASPECTOS AMBIENTAIS. 4. CIDADES E POVOS – BRASIL – CONDIÇÕES AMBIENTAIS. 5. URBANIZAÇÃO – PLANEJAMENTO. 6. RESILIÊNCIA. 6. CIDADES E POVOS – BRASIL – QUALIDADE DE VIDA. I. Furtado, Fátima. II. Priori Jr, Luiz. III. Alcântara, Edinéa. CDU 551.583 CDD 551.6

PeR – BPE 15-144

ISBN: 978-85-69110-00-2


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ORGANIZADORES

F ÁT IMA F URTADO L UIZ P RI ORI J R E DIN É A A LC ÂN TARA 1° EDIÇÃO

MUDANÇAS CLIMÁTIC AS E RESILIÊNCIA DE CIDADES

PICK IMAGENS RECIFE - 2015


FICHA TÉCNICA

ORGANIZADORES

FÁTIMA FURTADO LUIZ PRIORI JR EDINÉA ALCÂNTARA REVISÃO DE TEXTO

ARACELI PIMENTEL GODINHO PROJETO GRÁFICO

PICKIMAGEM.COM PATROCÍNIO

FACEPE / CAPES


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A PRESENTAÇÃO Este livro evidencia a importância do tema das mudanças climáticas globais para as cidades e seus habitantes. Enfoca, sobretudo, a necessidade de se

elevar o nível de resiliência urbana, tanto nos seus aspectos socioculturais como em termos de ambiente físico, natural ou construído. Seu principal objetivo é oferecer aos leitores uma publicação com reflexões sobre as

interfaces entre mudanças no clima, desastres gerados por eventos extremos e políticas públicas de gestão de cidades. Discutindo os impactos das

alterações climáticas no cotidiano das pessoas, aponta para a necessidade de se implementarem medidas para reduzir o risco de desastres e se adaptar às

novas condições ambientais, lançando mão, para tanto, dos recursos existentes nos nossos sistemas urbanos.

O livro foi produzido pelo Laboratório de Estudos Periurbanos (LEPUR) do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano (MDU)

da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), como parte da pesquisa intitulada “Resiliência Urbana de Cidades Costeiras: um recurso para

enfrentar as mudanças climáticas”, financiada pelo Programa Nacional de

Pós-Doutorado (PNPD) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal

de Nível Superior (CAPES) e apoiada pela Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE). Os trabalhos foram

coordenados pela professora doutora Maria de Fátima Ribeiro de Gusmão

Furtado (PhD) e desenvolvidos pelos doutores Edinéa Alcântara e Luiz Priori Jr.

A publicação reúne textos de especialistas nacionais e internacionais e de

gestores urbanos e regionais que participaram do Seminário Internacional

sobre Mudanças Climáticas e Cidades, que ocorreu em novembro de 2013, em Recife, Pernambuco, dando continuidade ao compromisso do LEPUR

de desenvolver estudos e pesquisas na área de mudança do clima e sobre as

políticas públicas relacionadas, em sintonia com os trabalhos já desenvolvidos

em temas como planejamento físico-territorial em áreas periurbanas; florestas urbanas e ilhas de calor; resiliência de cidades e gerenciamento de riscos de desastres naturais em cidades.


Evidentemente, não se pretendeu nestas páginas esgotar o assunto, mas apresentar, com rigor

analítico, capítulos que discutem alguns aspectos da questão da resiliência de cidades e sua relação com o planejamento urbano, desde aspectos

teórico- conceituais, passando pelas mudanças

nos climas urbanos e seus impactos, até políticas públicas e de gestão urbana relativas à avaliação de aspectos institucionais e infraestruturais de

uma cidade e às medidas adaptativas e de redução das vulnerabilidades, elevação da resiliência das

comunidades urbanas e enfrentamento de desastres.

dado seu papel de concentradores de população e capital, as cidades são as localidades onde

ocorrem os maiores danos. Daí a inserção da

questão climática no campo disciplinar dos estudos urbanos, em geral, e de planejamento e gestão urbanos e periurbanos, em particular.

Apesar do nível de incerteza das previsões

climáticas para países isolados, os estudos apontam que os eventos climáticos que se avizinham para a realidade brasileira tendem a ser aqueles que têm ocorrido historicamente no País, mas de

forma muito mais acirrada, com seus períodos de Os estudos sobre resiliência urbana são

relativamente novos, mas formam uma das mais relevantes e inovadoras linhas de pesquisa em

todo o mundo. Promover a resiliência das cidades

passa a ser um dos eixos centrais da gestão urbana,

ocorrência alterados e intensificados. Isso significa

a tendência a um número maior de desastres e com

maior número de vítimas, inclusive fatais, e maiores perdas econômicas.

demandando pesquisas e reflexões teóricas que

Esses fenômenos, que ocorrerão com certeza,

e regional. Para isso, é imperativo que se inove,

reduzir as contribuições urbanas e rurais para

e ferramentas de monitoramento e avaliação

e o poder público, em seus vários níveis de

tecnologias de informação e comunicação e da

superá-los, evitando e minimizando os desastres

combinação de políticas públicas e ações privadas a

vulnerabilidades a esses fenômenos e aumentar a

embasem ações concretas de planejamento urbano

independentemente das ações desenvolvidas para

particularmente em termos de metodologias

o aquecimento global, exigem que a sociedade

da resiliência das cidades, lançando mão das

gestão, estejam preparados para enfrentá-los e

cooperação em rede. Tudo isso para sustentar a

deles decorrentes. Isso significa reduzir as

fim de garantir a qualidade do ambiente urbano e

resiliência urbana.

regional.

A produção científica e as ações do poder público deverão estar focadas na compreensão desses fenômenos e na proposição de medidas que

ajudem as gestões urbanas e regionais a fazer face aos novos desafios que se colocam, pois, em que

pesem as controvérsias relativas ao aquecimento do planeta, os mais recentes estudos mostram

que temperaturas extremas, secas, tempestades, inundações e seus consequentes desastres vêm

marcando o início deste século. Evidentemente,

Os países estão desenvolvendo políticas públicas e estratégias de ação para fazer face a essa nova

realidade. No Brasil, o governo federal e a maioria dos governos estaduais criaram instituições,

leis e outros instrumentos – como a Secretaria

Nacional de Defesa Civil, a Política Nacional de

Defesa Civil e o Plano Nacional de Defesa Civil

e Resposta a Desastres –, objetivando tirar o País

da situação de detentor de número de fatalidades extremamente alto quando da ocorrência de desastres. Mas a experiência brasileira tem


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demonstrado que os governos municipais são

os mais demandados nesses eventos e os menos estruturados para responder a contento. Os

seus Planos Diretores e demais instrumentos de operacionalização da política urbana não

contemplam a questão dos desastres naturais e

seus desdobramentos catastróficos. Não apenas são vulneráveis a esses eventos, por sua precariedade

que, para o ano de 2050, está previsto que 70% da

população mundial serão urbanos e o planeta viverá na era das megacidades. É importante ressaltar que esse incremento se dará principalmente nas regiões menos desenvolvidas do planeta, onde a resiliência é mais fraca e os efeitos das mudanças no clima se darão de forma mais avassaladora.

infraestrutural e no controle do uso e ocupação

Dessa forma, o estudo das habilidades ou

as condições de normalidade na vida urbana

fortalecimento da resiliência urbana é

as situações de pós-desastre vêm mostrando a

adversidades, quanto maior for a aptidão para o

da resiliência de nossas cidades.

perdas materiais e sociais. Porém, eis as grandes

do solo, como não têm a capacidade de restaurar

competências que podem resultar num

dentro de períodos de tempo aceitáveis. Também

importantíssimo, uma vez que, diante das

necessidade de desenvolver estudos para a elevação

retorno efetivo à normalidade, menores serão as

É essa realidade que se apresenta às cidades

brasileiras para as próximas décadas do século

XXI e que motiva a discussão sobre os principais

questões: o que torna uma cidade resiliente? Quais as mudanças climáticas que nos esperam? E como adaptar-se ao desconhecido?

aspectos da resiliência urbana, ou seja, formas de

Este trabalho visa colocar em evidência questões e

um mínimo de perdas humanas e econômicas;

trazendo informações e conhecimento sobre as

a funcionar e reestabelecendo os padrões de

que interferem na resiliência das cidades e nos

populações, no período de tempo mais curto

climáticas no planeta e no Brasil.

enfrentar os fenômenos climáticos extremos, com

reflexões sobre uma temática ainda em construção,

e formas de superar esses desastres, voltando

vulnerabilidades urbanas, institucionais e sociais

qualidade ambiental e qualidade de vida de suas

possíveis cenários previstos para as mudanças

possível.

A resiliência pode ser (simplificadamente) descrita como a habilidade de sair do estado de choque e

reconstruir-se, após sofrer algum trauma causado por um evento extremo, através da capacidade de adaptação e restauração de estruturas e funções vitais básicas. Expor essa capacidade como

motivação ao enfrentamento das mudanças

climáticas, em curso no planeta, é o principal

objetivo desta coletânea de artigos científicos. As previsões para o crescimento e a urbanização

da população mundial são assustadoras, uma vez

F ÁT I MA F U RTA DO L U I Z P RI O RI J R

E D I N É A A LC Â N TA RA


A GRADECIMENTOS Este livro faz parte do projeto intitulado “Resiliência Urbana de Cidades Costeiras: um recurso para enfrentar as mudanças climáticas”, que

contou com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE); da Pró-Reitoria para Assuntos de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPESQ), do

Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano (MDU) e

do Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A todos nossos agradecimentos.


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SUMÁRIO Cidades resilientes: considerações conceituais

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The Urban Climate Resilience Framework: a Tool to Guide Research and Planning

33

FÁTIMA FURTADO

STEPHEN TYLER

Resiliência urbana: Concepções e desafios em face de mudanças climáticas globais

45

FRANCISCO MENDONÇA

O Clima e suas Alterações em Pernambuco

FRANCINETE FRANCIS LACERDA & PAULO NOBRE

61

& GERALDO MAJELLA BEZERRA LOPES

Vulnerabilidade, Adaptação e Capacidade Adaptativa

75

Mudanças Climáticas e Gestão Costeira

89

Mudanças Climáticas e Resiliência da Infraestrutura Urbana

107

Mudanças no Clima e Patrimônio Cultural Construído

135

Recursos Hídricos e Mudanças Climáticas em Cidades Costeiras Brasileiras

145

EDNEIDA CAVALCANTI

FÁBIO JOSÉ DE ARAÚJO PEDROSA

LUIZ PRIORI JR

FÁTIMA FURTADO & ALESSANDRA BONAZZA

SUZANA M. GICO LIMA MONTENEGRO

Mudanças Climáticas e Resiliência de Cidades: Aspectos Institucionais

159

CYNTHIA SUASSUNA

Resiliência Social no Contexto das Mudanças Climáticas

177

Desastres climáticos e vulnerabilidade social: a produção de espaços de risco no litoral norte do estado de Alagoas, Brasil

195

EDINÉA ALCÂNTARA

NEISON CABRAL FERREIRA FREIRE & CLAUDIA ELEONOR NATENZON

Uma Análise Causal das Enchentes e Enxurradas na Zona da Mata de Pernambuco à Luz dos Princípios da Prevenção e da Precaução

211

ANTÔNIO DUARTE DE LIMA JÚNIOR

Cidades e Desastres Naturais - da Vulnerabilidade à Resiliência CARLOS MACHADO DE FREITAS & ELISA FRANCIOLI XIMENES

237


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B REVE CURRÍCULO DOS COAUTORES ALESSANDRA BONAZZA Pesquisadora do Istituto di Scienze dell’Atmosfera e del Clima (ISAC) do

Consiglio Nazionale delle Ricerche (CNR). Geóloga graduada pela Universidade de Ferrara, tem PhD em Ciências da Terra. Suas pesquisas envolvem poluição e impactos das mudanças climáticas no patrimônio cultural e compatibilidade

ambiental e durabilidade da restauração de obras. Trabalha em projetos financiados

pela Comissão Europeia, incluindo os Projetos SYDDARTA e Noah’ Ark (Impacto das Mudanças Climáticas Globais no Ambiente Construído e na Paisagem

Cultural) que em 2009 obteve o Grand Prize do Europa Nostra. É professora de

Impactos ambientais nos materiais, deterioração e envelhecimento, na Universidade de Bologna.

ANTÔNIO DUARTE DE LIMA JÚNIOR Advogado, Analista de Finanças e Controle da Controladoria Geral da União. Especialista em Licitações e Contratos Administrativos (ESMAPE, 2010) e

Doutor em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP (1999), área de

Epidemiologia. Participou das ações de controle da CGU por ocasião das enchentes de 2010 em Alagoas e Pernambuco. Coordenou os trabalhos de fiscalização da Operação Reconstrução em Pernambuco. Coordenou a equipe que realizou a

primeira ação de controle pós-desastre na Região Serrana do Rio de Janeiro, em 2011.

CARLOS MACHADO Historiador, mestrado em Engenharia de Produção, doutorado em Saúde Pública e pós-doutorado pelo Programa de Ciências Ambientais da Universidade de São

Paulo. Pesquisador titular da Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, com atividades de pesquisa e ensino sobre vulnerabilidade, desastres e saúde.


CLÁUDIA E. NATENZON Geógrafa da UBA (diploma con honras), doutora em Geografia pela Universidade de Sevilla, Espanha, especializada em risco ambiental, vulnerabilidade social e desastres. Nos últimos anos, ela aplicou esse

conhecimento em relação aos problemas sociais emergentes do clima.

Ela es Professora por concursopúblico na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires, onde dirige o PIRNA - Programa

de Pesquisa em Recursos Naturais e Meio Ambiente; e pesquisadora

associada na FLACSO Argentina, onde dirige o Diploma Superior em

Conflitos Ambientais e Planejamento Participativo. Entre outras posições acadêmicas, é membro do Comitê de Direção da “Rede de Pesquisa em

Mudanças do Clima Urbano”, da Columbia University, EUA; do Comitê Científico do PIUBACC Programa Interdisciplinar da UBA em Clima

e Mudanças Globais, e do Comitê Científico Consultivo (SAC) do IAIInstituto Americano de Pesquisa em Mudanças Globais.

CYNTHIA SUASSUNA Advogada, com mestrado em Gestão e Políticas Ambientais, pela UFPE. Doutoranda em Desenvolvimento Urbano da UFPE. Professora da Universidade Católica de Pernambuco. Tem experiência na área de

Direito, com ênfase em Direito ambiental. Desenvolve pesquisa em gestão ambiental municipal e indicadores de resiliência urbana, frente a desastres decorrentes de eventos hidrológicos extremos.

EDINÉA ALCÂNTARA Engenheira Civil, Mestre em Gestão e Políticas Ambientais e doutora em Desenvolvimento Urbano pela UFPE. Atuou no setor público municipal

e no terceiro setor, em projetos habitacionais, de desenvolvimento urbano e gestão ambiental e em atividades de ensino, treinamento e capacitação.

É pesquisadora de pós-doutorado da CAPES em resiliência de cidades e

resiliência comunitária a desastres, no LEPUR/MDU/UFPE pelo PNPD/ CAPES.


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EDNEIDA CAVALCANTI Geógrafa. Mestre em Geografia (UFPE). Doutoranda em Engenharia Civil - área Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos (UFPE). Pesquisadora da

Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e vice-presidente da Associação Águas do Nordeste (ANE).

ELISA XIMENES Bióloga, Mestrado em Saúde Publica e Meio Ambiente pela Fiocruz.

Doutorando em Geografia no Programa de Ordenamento Territorial e

Ambiental da Universidade Federal Fluminense. Pesquisadora Colaboradora do Centro de Estudos e Pesquisas de Emergência e Desastres em Saúde – Fiocruz.

FÁBIO JOSÉ DE ARAÚJO PEDROSA Geólogo, Mestre em Geociências pela USP e Doutor em Geologia Ambiental pela UFPE. É professor adjunto da Universidade de Pernambuco (UPE) e da

Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Participou de diversos estudos e pesquisas na zona costeira, com ênfase para a evolução histórica dos processos erosivos costeiros e na elaboração de zoneamentos ecológicos no litoral

pernambucano, além de ter colaborado na organização de conferências de Meio Ambiente e discussão de políticas ambientais estaduais. Coordena o Núcleo de Gestão Ambiental e é docente do Mestrado em Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável da UPE.

FÁTIMA FURTADO Arquiteta Urbanista, Mestre em Desenvolvimento Urbano, PhD em

Planejamento Urbano, professora associada do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano (MDU) da UFPE. É coordenadora do Laboratório de Estudos Urbanos e

Periurbanos (LEPUR) da Universidade Federal de Pernambuco e da pesquisa

intitulada Resiliência de cidades costeiras: um recurso para o enfrentamento das

mudanças climáticas, do Programa Nacional de Pós-doutorado - PNPD/CAPES, da qual este seminário faz parte.


FRANCINETE FRANCIS LACERDA É pesquisadora do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA).

Graduada e Mestre em Meteorologia pela UFPE, atualmente concluindo o doutorado em Engenharia Ambiental e Recursos Hídricos na UFPE com experiência na área de Geociências, com ênfase em Meteorologia, atuando especialmente nos seguintes temas: Agroclimatologia do

Nordeste, tempo e clima, mudança e modelagem de clima. francis. lacerda@ipa.br

FRANCISCO DE ASSIS MENDONÇA Professor Titular UFPR nos programas de pós-graduação em Geografia (PPGEO) e Meio Ambiente e Desenvolvimento (PPGMADE). Doutorado (USP) e Pós-doutorado (SORBONNE/Paris) em

Geografia. Professor Visitante da Univ. Sorbonne (Paris I), London

School of Hygine and Tropical Medecine (Londres) e Université de

Haute Bretagne (França). Membro da Comissão de Climatologia da UGI (União Internacional de Climatologia), da AIC (Association

Internationale de Climatologie) e da ABClima (Associação Brasileira de Climatologia Geográfica). Tem especialidade nos seguintes temas: Ambiente Urbano, Clima e saúde, e Epistemologia da Geografia. É bolsista-produtividade 1A do CNPQ.

GERALDO MAJELLA BEZERRA LOPES Graduação em Agronomia pela Universidade Federal Rural de

Pernambuco e Ph.D em Agricultural Systems pela University of Reading - UK. Pesquisador do Instituto Agronômico de Pernambuco – IPA e

atualmente gerente do Departamento de Pesquisa do IPA. Membro da Academia Pernambucana de Ciência Agronômica.


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LUIZ PRIORI JR Engenheiro civil pela UFPE, especialização em gestão de organizações com

enfoque para as organizações do terceiro setor pela Universidade Mackenzie SP, mestrado em Engenharia Civil pela Universidade Católica de Pernambuco e

doutorado em Engenharia Civil pela UFPE. Pesquisador de pós-doutorado da CAPES, no LEPUR/MDU/UFPE, sobre Resiliência de Cidades e Mudanças Climáticas, pelo PNPD/CAPES.

NEISON FREIRE Arquiteto e urbanista, com especialização em Geoprocessamento, mestrado em

Ciências Geodésicas e Tecnologias da Geoinformação, Doutorado em Geografia (UFPE), e Pós-Doutorado em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade de Buenos Aires. É pesquisador adjunto da FUNDAJ, com experiência em

Geociências e Sensoriamento Remoto, com atuação nos temas: inovação em geotecnologias, vulnerabilidade socioambiental, gestão de risco a catástrofes naturais, cartografia social e políticas públicas. Pesquisador Convidado do

(PIRNA) da Universidad de Buenos Aires. Pesquisador Visitante do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública para o Desenvolvimento do Nordeste (UFPE) e Professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Humano, da Facultad Latino Americana de Ciencias Sociales (FLACSO Argentina). .

PAULO NOBRE Meteorologista (USP), Mestre em Meteorologia (INPE), PhD em Climatologia

(University of Maryland at College Park, EUA), Pós-Doutorado em modelagem acoplada oceano-atmosfera (LDEO-Columbia University, EUA), Pesquisador Titular do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos – CPTEC/

INPE, Professor Titular dos Programas de Pós Graduação do INPE/CPTEC e INPE/CCST, Coordenador Geral da Rede Brasileira de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais – Rede CLIMA.


STEPHEN TYLER PhD em planejamento urbano e regional, associado sênior do ISET

(Boulder, EUA) e presidente da Adaptive Resource Management Ltd., Victoria, no Canadá. Lidera pesquisas e práticas inovadoras na área de

planejamento e gestão adaptativa às mudanças climáticas em parceria com organizações internacionais, governos locais e clientes do setor privado

no Sudeste da Ásia e no Canadá. Professor adjunto da Universidade de Victoria, no Canadá.

SUZANA MONTENEGRO Professora do Departamento de Engenharia Civil da UFPE. Engenheira

Civil, Mestrado em Hidráulica e Saneamento pela Escola de Engenharoa de São Carlos (USP), PhD em Engenharia de Recursos Hídricos pela

University of Newcastle Upon Tyne, pós- doutorado no CEH (Centre for Ecology and Hydrology), Wallingford. Membro do Programa de

Pós-Graduação em Engenharia Civil da UFPE, do Programa de Pós-

Graduação em Engenharia Agrícola e Ambiental da UFRPE, Associação Brasileira de Águas Subterrâneas e da Associação Brasileira de Recursos Hídricos.


C IDADES RESILIENTES : CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS Fátima Furtado 1 - INTRODUÇÃO

As cidades são o lócus da vulnerabilidade aos efeitos das mudanças climáticas. Variações na temperatura e no nível dos oceanos, na temperatura do ar, nos padrões de chuvas, ventos e neve, a deterioração da qualidade do ar, dentre outros, são fenômenos cujas consequências vêm se manifestando de modo

particular nas cidades. A questão do risco a desastres nesses assentamentos humanos, portanto, se coloca em novo patamar e com novo significado,

constituindo mais um grande desafio para o planejamento e para a gestão da cidade do século XXI.

Em todo o mundo, a vulnerabilidade das cidades às mudanças climáticas

ainda é pouco conhecida e também subestimada; por consequência, não é

considerada adequadamente no planejamento urbano. A gravidade desse fato é claramente demonstrada pelo volume de perdas econômicas advindas dos

desastres e, particularmente, pelo sofrimento e perdas humanas que acarretam. A alta vulnerabilidade das cidades a desastres causados por mudanças climáticas se deve, principalmente, às seguintes razões: (i) nessas

concentrações humanas e de capital, as altas temperaturas são mais agudas, dado o ambiente construído; (ii) a maioria das cidades está em regiões costeiras, principalmente as grandes cidades, expostas, portanto, a inundações, tempestades tropicais e chuvas torrenciais; (iii) os assentamentos informais que constituem boa parte da maioria das grandes cidades concentram populações numerosas e carecem de serviços sanitários básicos, infraestrutura de saúde e habitações adequadas. Como resultado, as pessoas estão mais expostas a inundações, enxurradas


20

Cidades resilientes: considerações conceituais

e desabamentos. Também aí as condições são propícias a doenças de contaminação hídrica e por vetores, como cólera e malária, que tendem a ser mais prevalentes nos cenários de mudanças climáticas projetados; (iv) os pobres são mais vulneráveis a elevações nos preços dos alimentos, decorrentes de crises ou quedas na produção agrícola, que são prováveis em um cenário de mudanças climáticas. No Brasil, as pesquisas têm demonstrado que houve um aumento considerável, nas últimas

Esses conceitos estão fortemente ligados, mas suas relações ainda não estão bem definidas,

talvez porque diferentes tradições intelectuais vêm usando os termos de diferentes formas, às vezes incompatíveis (GALLOPIN, 2006). Assim, um

passo fundamental para se iniciar a discussão sobre a resiliência de cidades é tentar compreender as

relações entre tais conceitos, tendo em vista que os sistemas urbanos são formados por subsistemas de natureza física e sociocultural.

2 - RISCO, PERIGO E DESASTRE

décadas, não só na frequência dos desastres naturais, mas também na sua intensidade,

o que resultou em sérios danos e prejuízos

socioeconômicos. E está cada vez mais evidente

que as próximas décadas trarão grandes desafios para as cidades brasileiras, em termos de

enfrentamento de desastres, isolados ou em cadeia – particularmente aqueles relativos a inundações bruscas ou enxurradas, decorrentes de chuvas

torrenciais, e com elevado potencial de destruição. Este será o tipo de desastre mais frequente e

danoso para as cidades, principalmente nas regiões sul e sudeste do País (DOSWELL et al., 1996;

Ulrich Beck denominou a sociedade atual, ou

pós-moderna para muitos, de “sociedade de risco”, dada a multiplicidade de riscos, vulnerabilidades, exposições, incertezas, inseguranças e medos que a caracterizam (BECK, 1992). De fato, o risco e

sua gestão tornaram-se tema de estudo do ponto de vista dos mais diversos campos disciplinares, por envolverem variáveis de distintas naturezas.

Frequentemente seu entendimento é confundido

com o de perigo, desastre, vulnerabilidade e outros.

MARCELINO, 2004).

O risco e a incerteza são dois conceitos

Em um cenário de crescentes riscos de desastres

Frank Knight afirmou:

vulneráveis, cresce em todo o mundo a consciência

“Se você não sabe ao certo o que acontecerá,

e de um número cada vez maior de pessoas

de que se deve elevar o nível de resiliência das populações, particularmente nas cidades. Mas

muito pouco se sabe sobre as formas de fortalecer essa característica em sistemas urbanos. De fato, o próprio termo ainda é passível de diferentes interpretações, uma vez que o conceito de

resiliência tem relações com o de vulnerabilidade,

com o de risco e com o de capacidade adaptativa.

importantes na literatura desde 1921, quando

mas conhece as probabilidades, isto é

risco, e se você não conhece nem mesmo as probabilidades, isto é incerteza.” (KNIGHT, 1921).

Os estudos sobre riscos tiveram origem na

geografia física, enfocando os perigos naturais

(natural hazards) e os desastres que causam


21

(GREGORY, 1992). Portanto, risco, perigo e

desastre são conceitos muito próximos, muitas

3 - VULNERABILIDADE

vezes usados como sinônimos pelo senso comum – mas são noções distintas.

Assim como nos casos anteriores, também

o conceito de vulnerabilidade é complexo e

Risco é um construto eminentemente social, ou

multidimensional, portanto seu entendimento

ocorrência de um evento potencialmente perigoso

técnica e científica. Durante muitos anos, o termo

autores e organismos internacionais usarem,

de risco, mas nas três últimas décadas foi

seja, é a percepção humana da probabilidade de

varia, seja no senso comum, seja na literatura

ou danoso (ALMEIDA, 2011), daí a maioria dos

foi usado equivocadamente como sinônimo

atualmente, o termo risco de desastre. O perigo,

crescentemente associado tanto a elementos físico-

danoso. Já desastre refere-se a alterações severas

De fato, tornou-se claro que a vulnerabilidade está

ou sociedade, originadas da combinação de

claro na conceituação usada na Política Nacional

social (IPCC, 2012). Ou seja, são desorganizações

vulnerabilidade como

menor monta e duração, diante da ocorrência de

“[...] condição intrínseca ao corpo ou sistema

sociais. Quarantelli (1998) define desastre como

do evento ou acidente, caracteriza os efeitos

ou ameaça, é o próprio evento potencialmente

estruturais como a aspectos humanos ou sociais.

no funcionamento normal de uma comunidade

associada ao sistema receptor do perigo, como fica

eventos físicos e condições de vulnerabilidade

de Proteção e Defesa Civil brasileira, que entende

dos sistemas socioeconômicos, de maior ou

um evento físico e de determinadas condições

um evento, concentrado no tempo e no espaço,

que envolve a destruição dos serviços essenciais de uma comunidade e perdas materiais, ambientais

receptor que, em interação com a magnitude adversos, medidos em termos de intensidade dos danos prováveis.” (BRASIL, 2012).

e dispersão humana superiores à capacidade da

Portanto, trata-se de uma interação, de uma relação,

catástrofes, por sua vez, seriam desastres amplos,

do dano potencial. Assim, a vulnerabilidade é

financeiras e ecológicas (PASCOALINO apud

perversos, da ocorrência de um desastre.

comunidade de suportá-los sem ajuda externa. As

entre a magnitude da ameaça e a intensidade

que podem ser avaliados pelas perdas humanas,

elemento determinante dos danos, ou efeitos

ALMEIDA, 2011).

Resulta desse entendimento que o risco é função tanto do perigo quanto da vulnerabilidade,

portanto só há risco se houver pessoas ou bens em condições vulneráveis a um determinado

perigo. Fica claro também que a vulnerabilidade

Na mesma linha, e de uma maneira bastante ampla, a International Strategy for Disaster Reduction

(ISDR, 2004) define o termo vulnerabilidade como:

“[...] condições determinadas por fatores

dos sistemas físicos e sociais envolvidos em uma

ou processos físicos, sociais, econômicos

avaliação do risco de desastres.

susceptibilidade de uma comunidade para

determinada situação é fundamental para a

e ambientais, que aumentam a impactos dos riscos.”.


22

Cidades resilientes: considerações conceituais

Mais uma vez associam-se os impactos dos riscos,

É evidente que a pobreza é uma característica

condições que definem a vulnerabilidade das

mas os dois conceitos são distintos, como enfatiza

que podem ser mais ou menos desastrosos, às

conjuntural que potencializa a vulnerabilidade,

populações. Fica também mais clara a natureza

Cardona (2003).

interação entre vários sistemas que resulta em

A abordagem sistêmica da vulnerabilidade implica

amplo: o social. Isto significa que o conceito de

metodologias que integrem seus vários subsistemas,

uma conotação claramente conjuntural, contextual,

com seus componentes físicos, econômicos e

abrangente da vulnerabilidade, que envolve a

um determinado atributo de um sistema mais

que a sua avaliação deve ser feita a partir de

vulnerabilidade, assim como o de desastre, tem

para que se possa ter uma visão da sua totalidade,

o que é fundamental para as políticas públicas.

ambientais, que aumentam a sua suscetibilidade aos

Por consequência, como apontado por Marandola

Esse fato é central quando se fala em metodologias

as seguintes perguntas: vulnerabilidade a quê? De

de desastres.

aponta para um contexto multidimensional,

O conceito de vulnerabilidade também tem

(2009), o conceito de vulnerabilidade traz sempre

impactos de um fenômeno perigoso (ISDR, 2004).

de avaliação de vulnerabilidades associadas a riscos

quem? Onde? Isso significa que vulnerabilidade

inclusive espacial, uma vez que, como ressaltado

anteriormente, os riscos provenientes das mudanças climáticas não estão distribuídos igualmente no

planeta. O certo é que podem ocorrer situações em que os riscos sejam iguais, mas os efeitos sobre os

lugares e as pessoas serão diferentes; e o elemento que fará a diferença é a vulnerabilidade de cada sistema social.

Para entendermos a vulnerabilidade de um

sistema social, é necessária uma visão sistêmica,

ou seja, é necessário conhecer suas componentes, a vulnerabilidade de seus subsistemas:

(i) vulnerabilidade socioeconômica; (ii) de sua

forte relação com o de resiliência, que pode ser

entendido como a capacidade de se adaptar, de se recuperar. Para alguns autores, a resiliência seria

uma componente da vulnerabilidade; para outros, os dois conceitos são distintos, embora guardem grande reciprocidade, à medida que aumentar

a resiliência de uma população pode significar diminuir a sua vulnerabilidade. A diferença

entre vulnerabilidade e resiliência estaria na sua natureza: enquanto a vulnerabilidade seria uma qualidade, a resiliência seria uma capacidade

de natureza tangível, quantificável, mensurável.

Este aspecto é de fundamental importância em

termos de planejamento, uma vez que a resiliência,

infraestrutura física; e (iii) do meio ambiente.

exatamente por sua natureza tangível, poderia ser

vulnerabilidade a desastres ao de vulnerabilidade

políticas públicas.

são os mais vulneráveis a desastres é simplificador,

A possibilidade real de fortalecer a resiliência

Esse olhar implica não reduzir o conceito de

socioeconômica, apenas. Dizer que os mais pobres

construída, ou fortalecida, por meio de ações e de

mesmo levando em consideração as diferenças

dos lugares e populações levou o debate sobre

produção do espaço e, portanto, de exposição ao

à vulnerabilidade, embora seja comum usar

historicamente construídas no processo de

mudanças climáticas a privilegiá-la, em relação

risco (MARANDOLA, 2009).

os dois conceitos conjuntamente, como na


23

expressão “redução de vulnerabilidades

Walker et al. (2004), de forma um pouco mais

muitas vezes, ao equivocado entendimento de

um sistema de absorver uma perturbação e de se

mutuamente excludentes. Na verdade, existe

capaz de manter suas funções essenciais, estruturas,

as causas das vulnerabilidades de uma população, e

(WALKER et al. 2004)1.

pré-requisito para o fortalecimento da capacidade

Nessa direção, diversos autores vêm estudando o

e aumento da resiliência”. Esse uso leva,

elaborada, associa o termo com a habilidade de

que os termos sejam antônimos, ou conceitos

reorganizar em um contexto de mudança, sendo

grande complementaridade entre eles, pois reduzir

identidade e mecanismos de retroalimentação

suas interações com os elementos de resiliência, é de resiliência de um sistema social (GALLOPIN,

2006). Uma abordagem sistêmica implica entender

os dois conceitos como dinâmicos e com forte interação e complementaridade.

fenômeno em relação a indivíduos e comunidades, aplicando o termo resiliência para descrever

algo muito próximo a capacidade de adaptação. No caso de estudos sobre pessoas resilientes,

destacam-se autores como Werner e Smith (1982),

4 - RESILIÊNCIA

Rutter (1993), Bonanno (2004), Melillo (2005) e Butler

et al. (2007). Dentre os estudiosos que usam o

conceito em relação a comunidades, temos Brown Antes de tecer considerações sobre cidades

e Kulig (1997), Sonn e Fischer (1998) e Norris et al.

questão da resiliência e como ela pode ser aplicada

com a resiliência de sociedades mais amplas –

resilientes, é importante entender melhor a própria no contexto dos sistemas urbanos. Isso porque o conceito de resiliência nasceu no âmbito de

(2008). Já Adger (2000) e Godschalk (2003) trabalham

este desenvolvendo estudos sobre a resiliência

de cidades. Cada um desses autores conceitua o

outros campos disciplinares, como as ciências

termo no âmbito dos seus objetos de estudo, daí

à capacidade de materiais e sistemas de voltar ao

et al. citam 21 conceituações de distintos autores

físicas e matemáticas. Naquele contexto, refere-se

a atual multiplicidade de entendimentos. Norris

equilíbrio após uma perturbação temporária. Em

ao longo do tempo, apresentando um quadro

no âmbito dos estudos ecológicos e do meio

campos disciplinares e aplicado a diferentes

1973, Crawford Holling introduziu o conceito

ambiente, comparando e contrastando os conceitos de estabilidade e resiliência (HOLLING, 1973).

Infelizmente não há uma definição estabelecida e aceita nos diversos campos disciplinares em que

é usado – foi-se disseminando para a engenharia, para a ecologia e dessa para as ciências sociais

(PLODINEC, 2009). São várias as conceituações

dadas ao termo nas ciências sociais, mas a maioria se refere à capacidade de adaptação em contextos de mudanças, de estresse ou adversidade.

interessante do uso do conceito em diferentes objetos. Mas terminam por conceituar resiliência como

“um processo que une um conjunto de capacidades adaptativas a uma trajetória positiva de funcionamento e adaptação depois de uma perturbação” (NORRIS et al., 2008, p. 130).

1 - “The capacity of a system to absorb disturbance and reorganize while undergoing change so as to still retain essentially the same functions, structure, identity, and feedbacks.”


24

Cidades resilientes: considerações conceituais

Desses estudos sobre indivíduos e comunidades, destaca-se a ideia central de que a resiliência seria função de características relacionais, ou

seja, função dos tipos e formas de relação entre

indivíduos e entre indivíduos e instituições, tendo, portanto, um caráter dinâmico, à medida que está associado a interações. Por outro lado, um estudo longitudinal desenvolvido por George Vsillant

e Timothy David, em 2000 (apud GROTBERG,

2001) demonstrou que não há conexão entre o nível

socioeconômico, a classe social e a inteligência de um indivíduo e sua resiliência. Pode-se deduzir

de capacidade adaptativa, tornando ainda mais

evidente a possibilidade da resiliência de um sistema ser objeto de planejamento, uma vez que ele trata

da interação entre sistemas sociais e seu ambiente. Para isso, são importantes os estudos sobre

resiliência comunitária e resiliência urbana, uma

vez que comunidades são compostas de ambientes construídos, naturais e socioeconômicos, que se

influenciam reciprocamente e de forma complexa.

5 - RESILIÊNCIA URBANA

desses estudos que, para elevar o nível de resiliência

de uma pessoa, grupo ou sociedade, não é suficiente diminuir sua vulnerabilidade, embora essa seja

condição necessária – mas envolve trabalhar com um número mais amplo de características do

sistema e de processos de interação entre sistemas. Baseando-se nessas ideias e noções, vários autores de diferentes instituições vêm desenvolvendo

trabalhos que visam sistematizar as características essenciais de sistemas físico-sociais, como o

urbano, que lhes conferem resiliência. Aplicandose as ideias de Groteberg, citadas anteriormente, pode-se inferir que a resiliência de cidades está

bastante ligada aos tipos e formas de relações entre

pessoas; entre pessoas e instituições; e entre pessoas e os sistemas físicos, naturais e construídos que compõem o seu meio ambiente.

Na década de 1980, o termo passou a ser usado

em relação a desastres e, ao longo das duas últimas décadas, o conceito vem sendo frequentemente usado no campo dos estudos sobre mudanças

climáticas, referindo-se ao grau de perturbação

que um sistema pode tolerar antes de se adaptar

e reorganizar em torno de um novo conjunto de

estruturas e processos. Nesse campo disciplinar, o conceito encontra-se estreitamente associado ao

No bojo da literatura, há dois grandes grupos

de definições para resiliência relevantes para sua aplicação em cidades. Segundo Plodinec (2009), o primeiro grupo refere-se àquelas definições

ontológicas, de autores que entendem a resiliência

como uma capacidade, um conjunto de habilidades, ou seja, como um atributo dos sujeitos e

comunidades. Esse é o caso do já citado estudo de

Brown e Kulig que aborda a resiliência comunitária

como uma habilidade para se recuperar ou ajustar a situações adversas ou a estresses contínuos, de logo termo (BROWN; KULIG, 1997). Também é o caso de Ganor e Ben-Lavy (2003, p. 129), que conceituam

resiliência comunitária como

“[...] a habilidade de encontrar forças e recursos interiores desconhecidos para lidar efetivamente com as pressões externas.” É o caso, ainda, de Adger (2000), que define

resiliência comunitária como a capacidade de comunidades de tolerar choques externos em

sua infraestrutura social. Já o segundo grupo é

daqueles autores que trazem uma abordagem mais

fenomenológica da resiliência comunitária, quando a

entendem como um processo. Destacam-se aí Sonn e

Ficher (1998) e Norris et al. (2008).


25

Mas, em todos os casos, a resiliência comunitária

estresses incomuns, portanto, menos edificações

manter a coesão social na presença da adversidade,

estariam colocados em risco e menos mortes e

determinado período de tempo. Observe-se que,

COMFORT, 1999 apud GODSCHALK, 2003). O

como no de comunidades, a resiliência é função

resiliente é uma rede sustentável de sistemas físicos

que determinam processos positivos na experiência

dos programas tradicionais de mitigação de desastres

externa e à volta à sua normalidade dentro de um

físicos das cidades, em detrimento do fortalecimento

está associada à capacidade de uma comunidade de

entrariam em colapso, menos moradores e negócios

retomando a sua normalidade dentro de um

danos ocorreriam (BOLIN; STANFORD, 1998;

para esses autores, tanto no caso de indivíduos

autor sintetiza suas ideias afirmando que uma cidade

de um conjunto de características, atitudes e ações

e comunidades humanas, deixando claro o equívoco

da adversidade, que leva à superação da pressão

em focar na elevação da resistência dos sistemas

determinado espaço de tempo.

da resiliência de comunidades e instituições.

No caso das comunidades resilientes, deve-se

Embora a resiliência de um sistema esteja

pela experiência traumática deve-se referir ao

volta à normalidade após a exposição a estresse, é

observar que o processo positivo deflagrado

grupo como um todo. O grupo voltaria à sua

normalidade, tendo aprendido com a experiência. Infere-se, portanto, que um conjunto de pessoas

resilientes não garante uma comunidade resiliente. Essa só é possível se a comunidade, como grupo

social, se reveste dessas características na presença do fenômeno adverso.

associada a uma trajetória positiva, ou seja, de

importante lembrar que resiliência não exclui um

determinado grau de disfunção, mas se manifesta no processo de voltar a funcionar normalmente depois dessa disfunção. Por conseguinte, está diretamente associada à capacidade de uma comunidade de mitigar os desastres realizando atividades que

minimizem o distúrbio e seus efeitos. Mas devese, sempre, ressaltar que a resiliência de uma

No caso de comunidades urbanas, Alberti et al.

comunidade é determinada pelo grau em que essa

as cidades são capazes de tolerar alteração e de

capacidade de se organizar, tanto antes como

(2003) definiram resiliência como o grau em que

comunidade tem: (i) os recursos necessários; e (ii)

se reorganizar em torno de um novo conjunto de

durante e depois dos momentos de urgência (EIRD,

estruturas e processos. Afirmam que a resiliência urbana pode ser medida pela maneira como

uma cidade pode, simultaneamente, equilibrar ecossistema e funções humanas. Sendo difícil

prever os desastres, torna-se necessário garantir que as cidades sejam capazes de suportar efetivamente as contingências climáticas que estão por vir.

Citando vários estudos, Godschalk sugere que,

2009).

Operacionalmente, a resiliência urbana pode ser

observada através da capacidade de gerir eventos

ou desastres, através de um sistema sustentável de

comunidades humanas e de trabalho, físico ou em rede.

em cidades resilientes, a capacidade de pessoas

Também é indicador de resiliência a capacidade de

que em lugares menos flexíveis e adaptáveis a

de estruturas (escolas, grupos sociais, famílias) e

e propriedades de resistir a desastres é maior do

desenvolver processos de ajuda comunitária, através


26

Cidades resilientes: considerações conceituais

atividades, para moderar os impactos sofridos;

além da habilidade de mobilizar recursos materiais, físicos, sociopolíticos, socioculturais e psicológicos

6 - CAPACIDADES E MEDIDAS ADAPTATIVAS

para promover a segurança dos moradores e

amortecer as adversidades (PLODINEC, 2009).

Como decorrência da ênfase colocada na

capacidade de adaptação das cidades no âmbito A partir de 2010, a literatura continua enfatizando

da discussão sobre risco de desastres e mudanças

vulnerabilidade das comunidades, mas as

produzida. Nesse contexto, três tipos de estudos

relativas a desastres e mudanças no clima vêm

relativos à conceituação do termo; o segundo

a resiliência das comunidades, dado o presente

sentido de se elevar essas capacidades em cidades;

esforço, essas instituições utilizam conceitos de

avaliação dessa capacidade em diferentes contextos

a necessidade de reduzir as condições de

climáticas, uma vasta literatura técnica vem sendo

instituições internacionais que focalizam as ações

são relevantes: o primeiro grupo engloba os estudos

crescentemente enfatizando a necessidade de elevar

enfoca a definição de estratégias e ações no

contexto global de incertezas climáticas. Nesse

e o terceiro se constitui dos trabalhos relativos à

resiliência que trazem algumas ideias centrais:

físicos e socioculturais.

i) a capacidade de acomodar mudança com

Capacidade adaptativa é um conjunto de

habilidade e sem falhas catastróf icas é crítica, portanto as capacidades adaptativas das comunidades merecem atenção especial; ii) a resiliência de uma comunidade está associada à capacidade de enfrentar positiva e efetivamente as situações adversas; iii) adaptabilidade pode ocorrer em resposta a uma adversidade ou em antecipação a ela, portanto envolve também a capacidade de se antecipar ao risco; iv) a resiliência é um atributo inerente e dinâmico da comunidade, que pode ser construído, fortalecido e avaliado.

características centrais para a resiliência de uma comunidade. Não se trata, portanto, de um

conceito independente do de vulnerabilidade nem

do de resiliência comunitária. Norris apresenta

um modelo de resiliência comunitária, fortemente baseado em Dohrenwends (1978), que esclarece

uma visão da forma como esses conceitos estão relacionados. Para a autora, na presença de um desastre, há resistência quando os recursos de

uma comunidade são suficientemente robustos, redundantes ou rapidamente acessíveis para neutralizar os efeitos imediatos do evento e

impedir distúrbios no funcionamento normal do grupo. É evidente que, no caso de eventos não previsíveis e severos (como os desastres), a resistência tende a ser rara ou meramente

hipotética. Já a resiliência ocorre quando os

recursos da comunidade são robustos, redundantes e rapidamente acessíveis de forma a neutralizarem ou diminuírem os efeitos do evento, permitindo

o retorno da comunidade ao seu funcionamento

normal, de forma adaptada (NORRIS et al., 2008).


27

Observe-se que a existência de recursos robustos,

Esses três atributos dinâmicos dos recursos serão

da vulnerabilidade) é fundamental para a

ao patrimônio histórico de uma comunidade.

redundantes e rapidamente acessíveis (o contrário resiliência, que só ocorre quando há adaptação. Essas conexões são relevantes para que não se

incorra no erro de pensar que a nova ênfase dada às capacidades adaptativas de uma comunidade, na elevação da sua resiliência, signifique que,

sendo essas capacidades intrínsecas ao grupo,

as ações externas possam ser secundarizadas no

seu fortalecimento. O modelo apresentado deixa claríssimo que a capacidade adaptativa é função

da presença e da qualidade (robustez, redundância e rápida disponibilidade) de recursos também

objetivos da comunidade. A inexistência ou

inadequação desses recursos (vulnerabilidade) acarreta o enfraquecimento da capacidade adaptativa da comunidade.

Esse modelo também chama a atenção para

discutidos mais adiante, especificamente em relação

Por outro lado, a literatura aponta para três

características intrínsecas à vida comunitária

que parecem ter particular importância para a

resiliência de cidades: sentimento de comunidade; sentimento de pertencimento a um lugar;

e participação dos cidadãos nas decisões do grupo. Sentimento de comunidade inclui o

compartilhamento de valores e preocupações e

está muito inter-relacionado com o sentimento de

pertencimento a um lugar, apenas lhe agregando a dimensão espacial. Já a participação dos cidadãos refere-se à existência de lideranças comunitárias,

autênticas e com credibilidade, e de estruturas de

organização do grupo (GANOR; BEN-LAVY, 2003).

três qualidades dos recursos objetivos de uma

Na construção de medidas adaptativas que

rápida disponibilidade. A robustez de um recurso

alguns aspectos não podem ser negligenciados.

estrutura, ou qualidade construtiva. A redundância

sensibilidade que elas devem ter ao contexto

substituição de um recurso no evento de um

geral, os elementos discutidos até aqui podem ser

Essa característica está condicionada tanto

mente que a maneira segundo a qual as capacidades

comunidade: sua robustez, sua redundância e sua

efetivamente elevem a resiliência das cidades,

está diretamente relacionada à qualidade da sua

O primeiro refere-se justamente à necessária

diz respeito à possibilidade ou necessidade de

cultural em que são implementadas. De uma forma

distúrbio ou degradação de seu funcionamento.

aplicados a diferentes culturas, mas deve-se ter em

à diversidade de recursos disponíveis para o

adaptativas de uma comunidade se manifestam e as

mesmo fim, como é o caso de um serviço ou de uma infraestrutura urbana, quanto ao nível de

dependência que a comunidade tem daquele serviço ou estrutura para funcionar. Nesse

sentido, comunidades que dependem mais de

recursos específicos seriam menos resilientes; e

decorrentes medidas adaptativas desenvolvidas por

cada uma são um construto social e, portanto, estão fortemente ligadas ao seu patrimônio cultural, material e imaterial.

7 - CONCLUSÕES

menos resilientes ainda se esse recurso é de difícil substituição no caso de um desastre. Finalmente, a rápida disponibilização do recurso refere-se

No atual cenário de incertezas quanto às mudanças

mobilizá-lo.

potenciais impactos sobre as cidades. Mudanças

ao período de tempo gasto para acessá-lo ou

climáticas, cresce o número de trabalhos sobre os


28

Cidades resilientes: considerações conceituais

nas temperaturas e umidade relativa do ar podem

e resiliência é central, uma vez que a sua principal

da economia dos países, acarretando mudanças

vivendo em áreas de risco e com profundas

levando a fortes movimentos migratórios, internos

infraestruturas urbanas. Mostrar que elevar a

migrações de vetores e outros agentes patogênicos,

pela reversão desse padrão urbanístico foi um dos

humana coletiva. Esses são só alguns exemplos de

resiliência é mais do que isso, pois implica prover

global que trazem desdobramentos gigantescos

de desastres, de disseminação dessas informações

chamados desastres climáticos, tão evidenciados

enfrentamento desses eventos.

terremotos, secas, inundações, etc., que podem

Mas os desafios para a construção de cidades mais

provocar grandes alterações nas bases físicas

características é o grande número de pessoas

importantes nos padrões de produção e consumo e

vulnerabilidades sociais, econômicas e de

e externos. Podem também acarretar mutações e

resiliência das cidades passa necessariamente

com graves consequências para os padrões de saúde

objetivos do artigo, mas também que a elevação da

consequências possíveis das mudanças no clima

a cidade de instrumentos de avaliação dos riscos

para as cidades. Acrescentem-se a esses os

para a população e fornecer recursos para o

atualmente na mídia, como furacões, tempestades, ocorrer de forma isolada ou em cadeia.

resilientes não se esgotam aí, incluindo ainda

esforços para o desenvolvimento simultâneo de Diante de cenários como estes, busca-se fortalecer no planejamento e na gestão das cidades uma

cultura de prevenção e gerenciamento de riscos,

cujas ideias centrais são construídas em torno de

noções como vulnerabilidades urbanas, níveis de

resiliência e capacidades adaptativas. São termos

que se originaram em outros campos disciplinares e

que paulatinamente passam a compor o vocabulário das legislações e instrumentos de planejamento

urbano. Mas ainda há grandes desafios conceituais a serem vencidos, o que explicaria certa confusão

no seu uso, com implicações para a efetividade das ações implementadas e para a avaliação dos seus resultados.

As reflexões expostas neste artigo, de caráter conceitual, têm objetivos práticos, buscando esclarecer relações entre noções como risco,

ameaças, desastres, vulnerabilidade, resiliência e capacidade de adaptação, por exemplo.

Notadamente para as cidades brasileiras, a

discussão das relações entre risco, vulnerabilidade

medidas de adaptação em relação aos impactos

das mudanças climáticas que se fazem sentir de

forma menos aguda do que os desastres, mas com a mesma importância para a qualidade de vida e proteção do patrimônio dos seus habitantes,

principalmente aquelas que envolvem a redução

da contribuição das cidades para o agravamento

dos eventos climáticos desastrosos. Por outro lado, estando a maioria das nossas grandes cidades em

áreas costeiras, mudanças na temperatura e no nível das águas oceânicas trazem impactos significativos para as nossas redes urbanas e seus modos de vida. As discussões sobre a resiliência comunitária e suas relações com a governança colocam o

elemento humano como fator preponderante para

a resiliência das cidades, destacando a centralidade das questões culturais e de relação com as

instituições, inclusive as governamentais. Todos

esses desafios, apenas exemplificados aqui, juntamse aos já monumentais desafios colocados para a

gestão das cidades brasileiras, gerando um quadro da necessidade de se juntarem os esforços da


29

pesquisa científica com aqueles de uma nova práxis

social e política para a construção de uma adequada capacidade gerencial na administração das nossas cidades.

8 - REFERÊNCIAS

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33

T HE U RBAN C LIMATE R ESILIENCE F RAMEWORK : A T OOL TO G UIDE R ESEARCH AND P LANNING Stephen Tyler 1 - INTRODUCTION – WHY URBAN CLIMATE RESILIENCE? Urbanization is the defining feature of social and economic organization for

the 21st century in Latin America, and around the world. Cities are growing

rapidly in low and medium income countries, and a high proportion of urban populations are poor or otherwise vulnerable. But another dominant global trend this century is climate change. These two factors combine inexorably

to create new risks in cities to climate-related disruptions (Satterthwaite et al.,

2007; Wilbanks et al., 2007; Balk et al., 2009; UN-HABITAT, 2011).

One way to look at this emerging problem is to consider it as a challenge of resilience. The IPCC defines resilience as

“the ability of a social or ecological system to absorb disturbances while retaining the same basic structure and ways of functioning, the capacity of self-organization, and the capacity to adapt to stress and change.” (IPCC, 2007). This definition is broadly consistent with definitions from ecological

sciences (Carpenter et al., 2001; Resilience Alliance, 2007) and from disaster risk reduction (UNISDR, 2012).

A resilience approach is useful for considering the challenge of climate

change and urbanization because it better represents the need to respond to a dynamic, uncertain and variable threat. Planning to adapt to climate change is often presented as the need to project future climate conditions and then


34

The Urban Climate Resilience Framework: a Tool to Guide Research and Planning

plan to prevent negative impacts. However, as

resistance, but in its more recent applications

dynamic, and uncertain, local planners may have

management and urban sustainability, resilience

climate conditions become increasingly variable, difficulty using either historical climate data or future projections to identify likely impacts of

climate (Milly et al., 2008; Opitz-Stapleton, 2011).

These “predict and prevent” approaches have also

been criticized for their limited ability to deal with surprise (Wardekker et al., 2009). By focusing on

adaptation interventions that respond to specific

climate impacts, this approach may neglect indirect effects, systemic weaknesses or institutional

constraints (Ericksen et al., 2007; Schipper, 2007; Nelson et al., 2007; Verner, 2010; da Silva et al.,

in ecology, socio-ecological systems, disaster

is understood to require flexibility, learning and change (Berkes et al., 2003; Adger et al., 2005;

Twigg, 2007; Prasad et al., 2008; Fields, 2009; Miller

et al., 2010; Antrobus, 2011). In application to

complex adaptive systems, like cities or ecosystems, resilience is generally understood to be an

emergent property of a system, that is, resilience is a characteristic that emerges from the interaction of other system components, not one that can be identified independently or added incrementally.

2012). Finally, this adaptation planning approach

An extensive literature review in the fields

and governance as essential elements of ongoing

ecological systems points to key features of

tends to under-emphasise the role of learning

of ecology, engineering, planning, and socio-

adaptive management (Armitage et al. 2007).

resilience that are relevant to climate change in

So while the term “resilience” is now widely

used as a positive goal for urban planning and management in the face of climate change,

definitions of the term can be contradictory and

there have been few good descriptions of how this concept can be made operationally useful (Klein et

al., 2003; Miller et al., 2010; Leichenko, 2011). This

chapter will introduce a practical framework for

urban climate resilience and explain how it can be

used to guide research and practice to reduce risks

urban areas (Tyler and Moench, 2012). This synthesis

yields four generalizable elements that are essential to urban climate resilience: infrastructure systems,

ecosystems, agents and institutions. By abstracting the key normative characteristics of each of these

elements from a diverse literature we can develop a simple conceptual framework that can be operationalized for local planning.

3 - INFRASTRUCTURE AND ECOSYSTEMS

of climate change in cities.

Cities require high levels of infrastructure to

2 - URBAN RESILIENCE ELEMENTS – COMPONENTS OF THE FRAMEWORK The origin of the term resilience has its roots in

multiple disciplines, and applications of the term depend on the source and perspective of users.

The use of the term often implies strength and

deliver essential services. They are also linked

across multiple scales to other systems, such as

food production that relies on ecosystems to deliver provisioning services. The underlying support systems that enable networks of provisioning

and exchange for urban populations are therefore an essential element of urban resilience. They

include physical infrastructure and ecosystems,


35

either within the city, immediately adjacent or

remote ecosystems that provide key services such

Bruneau et al., 2003; Andersson, 2006; Liu et al.,

2007; Resilience Alliance, 2007; Ernstson et al., 2010;

as food production, runoff management or flood

Leichenko, 2011):

administrative influence outside city boundaries,

• Flexibility and diversity: the ability to perform

control. While local managers may have limited their systems can be strongly affected by factors at multiple scales and at long distances. The

availability of electricity to operate high-level

urban functions depends on the performance of distant reservoirs, generators and grids. Major crop failures anywhere in the world can affect

local supplies and prices for widely traded food commodities.

Certain critical systems are essential to urban

essential tasks under a wide range of conditions, and to convert assets or modify structures to

introduce new ways of doing so. A resilient system has key assets and functions physically distributed so that they are not all affected by a given event

at any one time or place (spatial diversity) and has multiple ways of meeting a given need (functional diversity).

function (Little, 2002). Their failure jeopardises

• Redundancy, modularity: spare capacity or buffer

higher order economic activity which serves as

increasing or extreme surge pressures or demand;

systems include water and food supply, and

service delivery; or interacting components

energy, transport, shelter and communications.

other if one, or even many, fail.

human well-being in affected areas, and disrupts

stocks for contingency situations, to accommodate

the foundation for the modern economy. Such

multiple pathways and a variety of options for

the ecosystems that support these, as well as

composed of similar parts that can replace each

In assessing the potential for these systems to fail under climate-induced stress, it is crucial

to recognise the interdependencies of complex linked systems because failures of one system

often lead to cascading failures in linked systems (Kirshen et al., 2008). For example, flooding of

key urban transportation infrastructure may lead to congestion or failure of other transportation

links, as well as loss of access to hospitals or other emergency services, which in turn lead to other economic losses.

From the study of complex engineering and

ecological systems, characteristics that are widely cited as contributing to their resilience include

the following (Meadows, 1999; Folke et al., 2002;

Gunderson and Holling, 2002; Alberti et al., 2003;

• Safe failure: ability to absorb sudden shocks or

the cumulative effects of stress in ways that avoid catastrophic failure. Safe failure also refers to the

interdependence of various systems which support each other; failures in one structure or linkage

being unlikely to result in cascading impacts across other systems (Little, 2002).

These characteristics apply to both physical

infrastructure systems and ecosystems. They are not technical prescriptions, but rather guidelines for

thinking about complex urban systems in new ways. Every context and system will be different, and it is impossible to provide specific prescriptions for all

conditions. But when these conditions are not met, extreme climate events can be very damaging.


36

The Urban Climate Resilience Framework: a Tool to Guide Research and Planning

In the City of Toronto, a single 2-hour

infrastructure needs to be designed in a way that it

million of damage to private and public property.

protective dikes should be designed with floodgates

some locations (Meteorological Service of Canada,

outside the city where they will do less damage.

drains, road and utility washouts, and sewer

be elevated, rather than buried underground.

systems all failed in some locations, along with

of key urban systems to uncertain future climate

thunderstorm in August 2005 caused over $700

can fail without catastrophic results. For example,

Over 100 mm of rain fell in less than an hour in

or diversion canals that allow release of floodwaters

2005). This led to flash floods, failure of storm

Electrical substations at risk of flooding should

backups in buildings. Drainage, sewer and culvert

These types of measures increase the resilience

private flood protection measures. While the storm

conditions.

at less than 1% probability), since then there have

4 - PEOPLE AND ORGANIZATIONS

was at the time an unprecedented event (estimated been 2 more storms creating comparable damage

in the city and surrounding areas. Hurricane Sandy caused over $40 billion of damage in New York

City and surrounding areas in October 2012, when

Physical infrastructure and ecosystems are the

surge to flood Lower Manhattan and many coastal

the substantive focal areas for assessment and

heavy rains combined with high tides and storm

“what” of urban climate resilience. These are

districts.

intervention. But people and social organizations

Healthy ecosystems can play an important

role in supporting and protecting urban areas, if they remain diverse and redundant. For

example, ecologically diverse watersheds with

multiple wetlands and protected floodplains can accommodate extreme rainfall better because of

permeable surfaces, stable slopes, flood retention areas that accommodate and slow runoff, and

are the “who”. The integration of social agents and organizations along with biophysical elements

is seen as an essential feature of socio-ecological

systems (Folke et al., 2002; Gunderson and Holling, 2002; Folke, 2006). It is also argued that adaptive

capacity of social organizations and individuals is

a concept closely related to resilience (Folke et al., 2002; Gallopin, 2006; Berkes, 2007).

broad floodplain areas without risky infrastructure

The behaviour of people and organizations differs

degraded or replaced with urban development, the

only from interaction between elements but from

construction. The more that these ecosystems are

from system behaviour in that outcomes arise not

greater the likelihood of system failure.

purposive decisions or social agency. As agents,

Safe failure is a key aspect of resilient system

design and management. We cannot build all

systems to accommodate the most extreme events that they may face, because it is too expensive. But in a changing climate, we also need to

recognize that the probabilities of future extreme events are uncertain, and so long-lived, critical

they are capable of deliberation, independent

analysis, voluntary interaction and strategic choice in the face of new information. Agents behave in

ways that reflect their location and structure within society (i.e., as government entities, businesses,

community advocates, households and individuals), their preferences, and the opportunities and

constraints they perceive. Methods and tools


37

for analyzing agent behaviour and capacity are different from those required for analyzing systems.

The capacity of individuals and organizations to learn is a crucial aspect of resilience approaches across a range of disciplines (Gunderson and

Holling, 2002; Folke, 2006; Berkes, 2007; Diduck,

When we think of the relevant social entities for assessing resilience, we include individuals (e.g., farmers, consumers); households (as units for

consumption, social reproduction, education); and private and public sector organizations

(government departments or bureaus, private firms,

2010). Learning includes not only the mobilization

and sharing of knowledge but also such factors as basic literacy and access to education. These

kinds of factors have been identified empirically as contributing to community resilience to disasters (Twigg, 2007).

civil society organizations). Agent behaviour can

be changed, but depending on the circumstances this may just as difficult as modifying complex technical infrastructure systems.

People and organizations depend for their welfare

on access to resilient infrastructure and ecosystems. In the face of stress and climate shocks, their resilience depends also on their capacities to

anticipate risk and take timely and creative action.

But these capacities are not evenly spread amongst the population, because of differences in the

assets available to individuals and organizations,

including knowledge, wealth, physical assets such as housing or location, and social or political

assets such as family support or political influence (Pelling, 2003; Moser, 2006; Sattherthwaite et al., 2009; Moser and Sattherthwaite, 2010).

The role of local governments and of community organizations is crucial here, as these are the

primary sources of organization and delivery of

The capacities that are crucial to resilience of

people and organizations can be summarized as:

• Responsiveness: capacity to organize and re-

organize in a timely fashion; ability to identify problems, anticipate, plan and prepare for a

disruptive event or organizational failure, and to respond quickly in its aftermath.

• Resourcefulness: capacity to mobilize various

assets and resources in order to take action. It

also includes the ability to access financial and

other assets, including those of other agents and systems through collaboration.

• Capacity to learn: ability to internalize past

experiences, avoid repeated failures and innovate to improve performance; as well as to learn new skills.

planning, prevention and response services (e.g.

High capacity agents have the ability to anticipate

that are essential to ensuring urban resilience

stresses. Organisations have the authority and

2009). This includes the ability to organize, plan

to do so. Agents’ ability to act is facilitated by

emergency response (UNISDR, 2012).

systems, including the ability to access resources

land use, building controls, emergency services)

and act in order to adjust to external changes and

and climate adaptation (Sattherthwaite et al.,

mandate to take action, as well as the financing

and coordinate for disaster preparedness and

adequate resources and by access to supporting


38

The Urban Climate Resilience Framework: a Tool to Guide Research and Planning

provided by other agents. Agents may develop

Institutions may enable and support, or constrain

acquiring a repertoire of responses to stresses

groups (Moser and Sattherthwaite, 2010). Urban

ability to learn new responses and the ability to

resettlement may increase or decrease climate

outcomes are, therefore, all important elements in

to rights, compensation, participatory planning and

these capacities through experience, gradually

and inhibit, the capacities of vulnerable urban

and shocks. The awareness of hazards, the

planning decisions such as slum clearance and

acquire information needed to assess hazards and

vulnerability depending on the institutions related

strengthening the capacity of agents.

decision making associated with the resettlement

5 - INSTITUTIONS

process (Sattherthwaite et al., 2009). With inadequate

consultation or participation, minimal rights and only token compensation, resettlement could

increase impoverishment and vulnerability. However, The concept of institutions in social sciences refers to the social rules or conventions that structure human behaviour and exchange in social and

under different institutional conditions, the outcomes could be opposite.

economic interactions (Hodgson, 2006). Institutions

Individuals and groups who are systematically

are created to reduce uncertainty, to maintain

to the services provided by urban infrastructure

and to stabilise forms of human interaction in

than others who have such access (Pelling, 2003;

may be formal or informal, overt or implicit, and

marginalised through institutions that prevent access

continuity of social patterns and social order,

systems will be more vulnerable to climate impacts

more predictable ways (North, 1990; Ostrom, 1990;

Moser and Sattherthwaite, 2010).

agents and systems interact to respond to climate

Governance (i.e. the process of decision-making)

framework.

Decision-making processes that build resilience

Institutions of property rights and tenure, of social

inclusive, allowing those individuals and groups

action influence the vulnerability of particular

role in determining how best to avoid them (Lebel

Campbell, 1998). Institutions condition the way that

stress, so this is the third element of the resilience

is an important factor affecting resilience.

for vulnerable groups should be participatory and

inclusion or marginalisation and of collective

most affected by climate hazards to play an active

social groups (Adger et al., 2005). Other examples

et al., 2006; Sattherthwaite et al., 2009). Many authors

of institutions may include democratic political

argue that adaptation and resilience require local

political decision-makers. Similarly, the standards

populations, which is different from current

with building and engineering codes, have an

them (Moser and Sattherthwaite, 2010). And because

meet the needs of users. And the pricing of urban

require coordinated actions across different local

infrastructure systems and the resilience they offer,

collaboration between these departments, and with

rights and the ability to organize or to be heard by

governments to be accountable to marginalized

to which systems are designed and managed, as

practices that often actively discriminate against

influence on whether those systems will reliably

proactive attempts to build climate resilience

services is an institution that influences access to

government departments, new mechanisms for

particularly for the urban poor (McGranahan, 2002).

civil society organizations, are typically needed.


39

Public information is an important component of

• Decision-making processes: Decision-making

who have access to timely hazard information are

development and urban systems management,

a positive institutional environment. Communities better able to respond to climate threats, even in vulnerable sites, especially when this is matched

with credible and supportive advice on appropriate response such as evacuation routes and transport support (Moser and Sattherthwaite, 2010).

Institutional structures that encourage learning

processes, particularly in relation to urban

should follow widely accepted principles of

good governance: transparency, accountability

and responsiveness (United Nations Development Programme, 1997). This includes recognition of

those groups most affected and ensuring they have legitimate inputs to decision-making (Huntjens et

al., 2012).

and change are important tools to build agent

capacity. Public and private support for applied

research, for publication and presentation of new evidence, and for facilitating critical assessment

of new knowledge and its implications all speed the introduction of effective innovation. In the

absence of these types of institutions, professional

norms and legislated codes or standards may act as

barriers to innovative practices. Institutions capable of supporting evolutionary change, and of adapting to new information, lend themselves to building resilience (Berkes, 2007).

• Information flows: Households, enterprises,

community organizations and other decisionmaking agents should have ready access to

credible and meaningful information to enable judgments about risk and vulnerability, and to

assess adaptation options. The generation, exchange and application of new knowledge should be systematically encouraged.

This conceptual framework, including infrastructure, ecosystems, agent capacity and institutions, defines

From studies of economic behaviour, collective

action, social marginalisation and decision making, the key aspects of institutions linking agents and systems that should be considered in assessing whether they enhance or constrain resilience 1

appear to be those outlined below :

• Rights and entitlements linked to system

access: Rights associated with the use of key

the key constituent elements of urban resilience.

Following this framework, vulnerability to climate

change occurs when fragile, inflexible systems and / or marginalised or low capacity agents are exposed to increased climate hazards, and their ability to

respond or shift strategies is limited by constraining institutions.

Within this conceptual framework, building urban climate resilience means:

resources or access to urban systems should be clear and equitable. Institutions that constrain

rights and entitlements for some groups create

marginalization and reduce resilience for those groups.

1 These include many of the same institutional features as a list developed for a recent empirical review of adaptation governance in the water sector (Huntjens et. al., 2012).

• Strengthening systems to reduce their fragility in

the face of climate impacts and to reduce the risk of cascading failures;

• Building the capacities of social agents to anticipate and develop adaptive responses, to access and maintain supportive urban systems; and,


40

The Urban Climate Resilience Framework: a Tool to Guide Research and Planning

• Addressing the institutional factors that

6 - CONCLUSIONS

constrain effective responses to system fragility or undermine the ability of agents to take action.

While both infrastructure and ecosystems are treated as “systems� in the categories above, each

of these elements requires different kinds of

analytical methods to understand their resilience characteristics. By identifying and treating these elements separately it may be easier for local

government or civil society organizations, with

limited sectoral or thematic interests, to engage with the framework and to identify relevant

issues. With a variety of potential entry points and analytical approaches, local experts and

practitioners should be able to easily identify

starting points that relate to their own domain and expertise.

However, one of the effects that can be missed by separating the resilience framework elements for

analysis is self-organization. An important example of this phenomenon is economic markets, where under a wide range of conditions the interaction of agents, institutions and infrastructure

systems results in highly organized and efficient

distribution of goods and services (Krugman, 1996). Self-organization and feedback enable a wide

range of autonomous responses to climate change and other stresses, but these responses emerge

from interactions across all three elements of the framework.

This conceptual framework, with three key

elements and general components of each, provides a way to think differently about climate adaptation in cities. Instead of focusing on future climate

projections and defining uncertainties and climate risks, local planners can address the enabling

and service provision role of core infrastructure and ecosystems, together with the capacities of agents and the structure of institutions linking systems and agents, to identify the key factors

that affect resilience in their city. By assembling and describing these conceptual features of

climate resilience in cities, this chapter provides a framework that can guide practitioners.

While the conceptual framework is abstract

enough to be generalisable in a wide range of

different contexts, it can be made operational by interpreting the details of local resilience factors

represented by local actors engaged in the planning process. Systems design and performance will

be familiar to engineers and managers (with the

frequent exception of ecosystems, whose services

in cities are often undervalued and unrecognised). Links between systems will usually be apparent to designers, operators or users. Agent capacities can

be diagnosed and interpreted using socio-economic data and through engagement of the relevant

organizations and social groups, or representative

community based organizations; and examples of

institutions related to differential access, decisionmaking and use of information can usually be

identified by community organizations or other knowledgeable local actors.


41

As in any planning approach, issues of cultural

reference point and of power relations come into play. But these are not issues specific to climate

resilience, and other treatments of these questions in urban planning suffice to point out that they

are important considerations in resilience planning

7 - BIBLIOGRAPHY Adger, W. N., Hughes, T. P., Folke, C., Carpenter, S. R., and RockstrĂśm, J. 2005. Social-Ecological Resilience to Coastal Disasters. Science, 309(5737), 1036-1039. doi: 10.1126/ science.1112122

as well. Power relations inevitably constrain

decision making processes and options. However, there are many starting points and feasible

actions that can increase resilience, and where

institutional manifestations of unequal power are

Alberti, M., Marzluff, J. M., Shulenberger, E., Bradley, G., Ryan, C., and Zumbrunnen, C. 2003. Integrating Humans into Ecology: Opportunities and Challenges for Studying Urban Ecosystems. BioScience, 53(12), 11. doi: 10.1641/0006-3568(2003)053[1169:IHIEOA]2.0.CO;2

key contributors to vulnerability the framework will help intervenors make these explicit. The

framework can also help to identify patterns of vulnerability that cut across social and power

Andersson, E. 2006. Urban Landscapes and Sustainable Cities. Ecology and Society, 11(1), 7.

divides, enabling the identification of starting

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points that are likely to have broad support.

provides a simple organising rubric that is well

rooted in the theory and practice of multiple fields related to climate adaptation and disaster risk

reduction, but has only recently been synthesised

in this way. Details and applications are described

Berkes, F., Colding, J., and Folke, C. (Eds.). 2003. Navigating Social-Ecological Systems: building resilience for complexity and change. Cambridge University Press, Cambridge, U.K.

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More empirical evidence from practice would

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help to verify the value of the framework and the

mechanisms by which it can be effectively applied. In addition, the elements and their normative

characteristics should continue to be validated

against evolving evidence of adaptation in related fields.

Carpenter, S., Walker, B., Anderies, J. M., and Abel, N. 2001. From metaphor to measurement: resilience of what to what? Ecosystems, 4, 765-781.

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45

R ESILIÊNCIA URBANA : C ONCEPÇÕES E DESAFIOS EM FACE DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS GLOBAIS Francisco Mendonça Nas décadas de 1970 e 1980, a sociedade ocidental produziu uma considerável quantidade de imagens acerca de o que seriam o ambiente urbano e as

condições de vida na cidade do futuro. Aquela iconografia cinematográfica

foi pródiga em criar enredos e cenários que, em sua maioria, vislumbraram as cidades do século XXI como fortemente dominadas por espaços altamente degradados no que concerne ao ambiente físico-natural (!) e de altíssimos conflitos quanto à dimensão sociocultural. A geografia, a sociologia, a arquitetura e urbanismo, dentre outras, no campo da ciência, também

registraram farta produção de estudos nos quais a tendência a ambientes degradados, como marcos da cidade futura, foram predominantes.

Blade Runner, o clássico filme de Ridley Scott lançado em 1982, ao construir

uma visão futurista negativa tomando por base a cidade de Los Angeles, no

então longínquo 2017, constituiu um dos mais eloquentes retratos das visões pessimistas sobre o futuro das cidades naqueles conturbados anos 1970. O filme tornou-se muito rapidamente um cult que, focado nas perspectivas

então hegemônicas das relações entre a sociedade e a natureza modernas,

trazia uma visão da cidade pós-moderna (HARVEY, 1993) na qual os homens viveriam no século que ora se inicia. Mas, entre aquelas visões matizadas pela ainda imperante idéia de “fim de mundo” (apocalipse cristão) ou

“autoextermínio humano” (guerra nuclear) e a realidade atual, o que realmente aconteceu? Quais as evidências que asseguram que as cidades grandes teriam

construído ambientes e sociedades tão degradados e desesperançados como se antevira?


46

Resiliência Urbana: Concepções e Desafios Em Face de Mudanças Climáticas Globais

Nas décadas que se seguiram àquela, sobretudo

aparecem em primeira instância e em maior

da Eco-Rio-92, a questão da ameaça à vida no

na condição de construídos socialmente devido a

da degradação da natureza pela sociedade

muito diretamente as diferentes vulnerabilidades

política e pautou os fóruns internacionais de

ponto de vista, clamam pela resiliência como

urbanos futuros e pessimistas, criados e difundidos

vai além da diagnose dos processos: ela enseja o

quase impossibilidade da vida humana nas cidades

suscita questionamentos fundamentais quando se

ambiental vieram intensificar o quadro de horrores

Assim é que, ao tripé “risco – vulnerabilidade –

a partir da década de 1990 e com a realização

intensidade em relação aos homens. Claro está que,

planeta como algo decorrente da exacerbação

sua significância e contexto, aos riscos se associam

Moderna consolidou-se como tema da esfera

que, em última instância e dependendo do

desenvolvimento e a grande mídia. Se os cenários

dimensão complementar numa perspectiva que

via literatura, cinematografia e ciência apontavam a

restabelecimento às condições pré-impacto, mas

futuras, as preocupações realçadas com a questão

consideram os estágios do desenvolvimento social.

que se vislumbrava.

resiliência”, se deve dar detalhada atenção, posto

ser esta uma condição paradigmática da atualidade

Claro que os recorrentes e mais intensos impactos humanos e econômicos registrados nas áreas

urbanas no final do século passado e início deste,

como decorrências diretas dos eventos climáticos e geofísicos extremos, tornaram a problemática

socioambiental urbana muito mais interessante aos pesquisadores e à própria mídia. Todavia, muitos

excepcionalismos climáticos não trouxeram nada de novo em suas manifestações; o que realmente parece ter mudado nesta escala temporal é a

densificação humana em alguns pontos do espaço configurados pelas cidades, algo associado à

própria lógica delas e aos heterogêneos modos de vida da população aí estabelecida. Parece mesmo que as mudanças dos assentos humanos tenham suplantando, em dinâmica e em intensidade,

aquelas das mudanças ambientais globais, dentre elas as mudanças climáticas, ainda que discursos apressados tendam a insistir no contrário.

Num tal contexto é que se observa a retomada de

análises que colocam em evidência a preocupação com a formação das condições de riscos naturais nas quais vive grande parte dos grupos humanos – os riscos naturais como sendo aqueles que

científica, política, econômica, social e cultural que se preocupa com a problemática socioambiental urbana no planeta (MENDONÇA,2010, 2011).

Este texto traz, dentre seus argumentos, aportes para a compreensão do tripé mencionado, especialmente acerca da dubiedade de concepções que envolve o termo resiliência.A reflexão aqui desenvolvida é

ilustrada com alguns exemplos que contribuem para uma melhor elucidação do tema, bem como pontua questões que contribuem para o entendimento da relação entre a sociedade e a natureza na cidade do presente, e também para a construção de

perspectivas positivas para a vida humana citadina futura considerando-se os cenários futuros das

mudanças climáticas globais. Afinal, se de alguma maneira lutamos para que a vida urbana não seja

aquilo que negativamente se vislumbrou em passado recente, devemos pensar a cidade desde o futuro

como resultado de uma tradição que estamos por

construir; parodiando o filósofo Miguel Rojas Mix:

“Debemos pensar la tradición (a cidade) desde el futuro!”.


47

1 - AS CIDADES E AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Mas é preciso, sobretudo, conceber as alterações das paisagens de um ponto de vista de sua dinâmica, ou seja, pelo que se sabe a natureza é regida por

mecanismos de feedback e compensações variadas; Grande parte das atuais perspectivas pessimistas

não há, pois, lugar para a crença em situações

decorrem dos discursos construídos acerca dos

contrário, a conjugação destas com as positividades

a sociedade; a perspectiva hegemônica sobre estas

materialidade e da energia do universo.

que pairam sobre os cenários urbanos futuros

infindáveis de negatividades absolutas, sendo, ao

efeitos deletérios das mudanças climáticas sobre

um dos principais aspectos do fluxo dialético da

intensificou a negatividade herdada das décadas anteriores. A quase totalidade das veiculações científicas e midiáticas relativas ao futuro do planeta é concordante em apontar situações

ambientais impactantes negativamente à sociedade humana, embora uma tal postura revista-se de

caráter absolutamente parcial da realidade; trata-

se, conscientemente, de apenas uma postura, e que

não deve ser tomada como única verdade acerca do porvir da vida e do planeta Terra (MENDONÇA, 2006; MENDONÇA;DANNI-OLIVEIRA, 2007; MARUYAMA, 2009).

Mesmo que se admita que as temperaturas médias

da baixa atmosfera terrestre oscilarão entre 1,5°C e 4,0°C até final do século XXI (Relatório V – IPCC,

2014), algo bem mais ameno que as perspectivas

anteriores – de 2°C a 6°C (Relatório IV – IPCC,

Mas a questão das mudanças climáticas compõe,

cada vez mais em nossos dias, um explícito campo de incertezas quanto ao seu conhecimento e

cenários passados e futuros. Neste sentido, há que

se concordar com a perspectiva de Pittock (2009) ao afirmar que

“The role of uncertainty is of course central to the question of climate change. […]. Thus, anyprojection of the future will be uncertain and depend in part on human behavior. […] Every politician, business person and decision-maker lives with uncertainty every day, and has to make policy, investment and planning decisions despite uncertainty. “

2014) –, com a associada alteração nos padrões

Tal perspectiva não isenta, todavia, a sociedade

assim não se deve crer somente na formação de

construção do presente e do futuro; neste sentido, o

planeta. O aquecimento das latitudes médias e sua

ambientais pretéritas ou futuras aponta para a

efeitos, novos padrões de produção agropecuária,

atividades e ações comprometedoras das bases

de áreas habitáveis para os homens, etc.

combatidas veementemente.

decorrentes das mudanças climáticas.

No âmbito das cidades, a alteração do fluxo de

pluviométricos e elevação do nível dos mares, ainda

da necessária responsabilidade para com a

condições ruins e limitantes à vida humana no

desconhecimento detalhado e seguro de realidades

umidificação, por exemplo, traria, dentre outros

adoção do princípio da precaução, ou seja, as

redução de enfermidades respiratórias, expansão

materiais, biológicas e sociais da vida devem ser

(MENDONÇA, 2006) – exemplos de positividades

energia pela forçante antropogênica é por demais evidente e cientificamente comprovada (OKE,


48

Resiliência Urbana: Concepções e Desafios Em Face de Mudanças Climáticas Globais

1986; MONTEIRO;MENDONÇA, 2007), posto

nos países não desenvolvidos de “urbanização

século da cidade (CHOAY, 2003), configurado

lucratividade corporativa capitalista em detrimento

áreas urbanas (mais de 50% a partir de 2007).

citadina.

que o século da urbanização foi suplantado pelo

corporativa”, dinâmica que privilegia a

pela maior parte da população mundial nas

do bem-estar social da maioria da população

Se outrora as cidades configuravam-se em

pontos dispersos no espaço mundial, com o

avanço das relações capitalistas de produção e o apogeu da Modernidade várias delas deram

origem a manchas e regiões urbanizadas, algumas de dimensões gigantescas. Quanto maiores e

mais dinâmicas, mais elas produzem alterações marcantes nos ambientes atmosféricos a elas

circunscritos, gerando climas urbanos particulares, decorrentes da alteração do quadro natural e

das atividades humanas ali encerradas (OKE,

1987; MONTEIRO;MENDONÇA, 2007);

conhecem-se assim, e a literatura é farta no tema, alterações climáticas urbanas, ou seja, na escala

local e topoclimática, mas ainda não se sabe das repercussões dessa escala nas escalas superiores do clima. Especulações variadas apontam para

a alteração da atmosfera em escala global como resultante também da atmosfera urbana, mas a

ciência ainda não dispõe de dados conclusivos e convincentes sobre a temática.

Ao espraiamento da urbanização pelo mundo,

No contexto dos países não desenvolvidos,

nos quais impera a lógica da informalidade

institucional e da injustiça social, a produção

da cidade é fortemente marcada pela formação

cotidiana de condições de riscos de toda ordem. Trata-se, sem dúvida, de uma sociedade do

risco (BECK, 1992), mas não necessariamente

derivados de condições preestabelecidas por uma lógica de predomínio da tecnologia; a

formação de áreas e situações de risco parece

explicitar mais as condições de esgarçamento social e cultural, portanto mais de conflitos

sociais que materiais, ainda que seja difícil separar as duas dimensões. Fortemente marcadas por

favelamento generalizado (DAVIS, 2006), as grandes cidades dos países não desenvolvidos conjugam

permanentemente os riscos naturais aos sociais e

tecnológicos (VEYRET, 2007), sendo que em boa

parte das vezes uns intensifica a gravidade dos outros.

verificam-se problemas de toda ordem que lhe são

É no contexto destes países, em sua maioria do

o que se observa nos países desenvolvidos (com

eventos naturais extremos ou excepcionais que

meados do século XX) e nos não desenvolvidos

impacto social. Mas a diferenciação da fragilidade

das mais explícitas negatividades derivadas da

é reveladora do papel exercido pelas dimensões

socioambiental generalizada e conflitos de toda

culturais, políticas, etc. ante os impactos dos riscos,

qualidade de vida urbana; Milton Santos (1993)

essencial para se entender o risco como ameaça e

associados, com diferenças fundamentais entre

sul, que também se registra grande parte dos

importante controle e ordenamento urbano já em

dão origem à formação de riscos naturais de forte

da Modernidade. Estes últimos são testemunhos

e da suscetibilidade aos impactos neles presentes

urbanizado ali processada, marcada por degradação

econômicas, educacionais, infraestruturais,

ordem no que diz respeito às condições e à

donde se falar na vulnerabilidade como quesito

muito sabiamente cunhou o processo que ocorre

como perigo aos distintos grupos humanos.


49

As cidades brasileiras de tamanho médio a grande (e gigante, como é o caso da RMSP – Região

Metropolitana de São Paulo) constituem exemplos eloquentes da associação entre o espraiamento caótico urbano e a formação de situações de

risco socioambiental. Para se ater somente aos

riscos naturais (ainda que a terminologia suscite

questionamentos), especialmente às inundações e

sua repetitividade anual, observa-se que, mesmo em condições habituais de pluviosidade pouco intensa, os impactos são cada vez mais representativos; ou seja, mesmo desconsiderando-se a questão

das mudanças climáticas, um evento climático corriqueiro pode, na atualidade, desencadear a formação de riscos importantes devido,

sobretudo, à urbanização em áreas de risco e não

necessariamente a excepcionalidades atmosféricas. As mais importantes mudanças observadas

ocorreram no plano da ocupação e uso do solo, na

permissividade irresponsável da ocupação de áreas de risco ante a qual o Estado brasileiro silenciou, ou à qual deu muito pouca atenção, nos últimos cinquenta anos, e não em mudanças climáticas, como fontes apressadas afirmam; se aquelas

previstas por instituições como o IPCC realmente se efetivarem, e se o padrão da urbanização

se mantiver nos moldes atuais, os infortúnios

e a vitimação realmente irão dominar sobre a

experiência humana futura nas cidades do País.

identificar e reduzir as fontes geradoras das

mudanças climáticas (mitigação) ao mesmo tempo em que, mesmo com elas acontecendo, construir

a adaptação necessária para que a sociedade sofra menos impactos decorrentes delas. É também

neste contexto que a busca por fazer face aos riscos naturais torna-se proeminente, especialmente

com o emprego da resiliência socioambiental – ou urbana, mesmo que o termo ainda esteja envolto em consideráveis controvérsias, como se verá a seguir.

2 - A RESILIÊNCIA URBANA: UMA DISCUSSÃO CONCEITUAL SOB A PERSPECTIVA SOCIOAMBIENTAL Resiliência refere-se originalmente, e de maneira

geral, à capacidade de resistência de um dado

objeto, organismo ou pessoa a um determinado impacto. Suas fontes primárias emergem dos

campos da matemática, da biologia e da psicologia, nos quais diferentes análises mostraram que é

possível, com procedimentos adequados, retornarse às condições pré-impacto ou pré-choque.

Ampliada como concepção para abarcar o campo das ciências sociais e do meio ambiente, ela

apresenta, todavia, questionamentos e limitações Novos discursos, entretanto, têm buscado

flagrantes, como se verá a seguir.

outras práticas visando reduzir a complexidade

O emprego da noção de resiliência conta com um

influenciar as atividades humanas a desenvolver da vida urbana futura e os impactos associados. É neste sentido que as perspectivas da mitigação e

da adaptação tomaram cada vez mais importância nos debates acerca da relação entre riscos e vulnerabilidade às mudanças climáticas na

ultima década; ou seja, a tônica da argumentação dominante insiste em afirmar que é preciso

largo histórico, embora somente nas duas últimas

décadas tenha ganhado maior destaque. No início do século XIX, foram registrados os primeiros

experimentos utilizando a resiliência para tratar

da tensão e compressão de barras, perspectiva que

permitia analisar a relação entre a força aplicada e a consequente deformação produzida num dado


50

Resiliência Urbana: Concepções e Desafios Em Face de Mudanças Climáticas Globais

corpo. A noção, originada no campo da física e das engenharias, foi inaugurada pelo cientista

inglês Thomas Young e ganhou emprego variado, bem como recebeu importantes influências que a conduziram do campo da matemática-física para

o das ciências biológicas e, muito depois, no século

ser analisada conforme os seguintes valores:

a) características individuais (autoestima, inteligência, capacidade para resolver problemas e competência social); b) apoio afetivo transmitido pelas pessoas da família, através

seguinte, também para o das ciências sociais.

de um vínculo positivo com os cuidadores; e c)

No campo da biologia e da ecologia, a resiliência

signif icativas, como escola, igreja e grupos de

foi concebida como

“the ability of the systems to absorb changes […] and still persist” (HOLLING, 1973 apud

KASPERSON;KASPERSON, 2001),

ou mesmo

“the ability of land to reproduce its

capability after interference, and the

apoio social externo, provido por outras pessoas ajuda. Neste campo do conhecimento, ela diz

respeito às capacidades do indivíduo em recuperarse, após trauma, e voltar às condições anteriores ao evento impactante; trata-se, efetivamente,

do restabelecimento psicológico de uma dada

pessoa que tenha sofrido um impacto qualquer. Diferentemente dos campos da matemática e

biologia, na psicologia, a resiliência reveste-se de pouca clareza e precisão, posto que envolve uma

multiplicidade e complexidade de fatores no estudo dos fenômenos humanos.

measure of the need for human artif ice to that end”(BLAIKIE;BROOKFIELD, 1987 apud

KASPERSON;KASPERSON, 2001).

Se a primeira concepção faz referência direta

aos organismos vivos como sistemas capazes de absorver mudanças, a segunda volta-se à vida

humana propriamente dita; ambas ressaltam a habilidade do organismo vivo em fazer face a

fenômenos indutores de mudança e capacidades

respectivas para dar continuidade à sua existência.

Estes aspectos evocam a resistência e a persistência, duas condições inatas ao dinamismo e à evolução dos componentes (organismos) da biologia do planeta.

Tomando-a como sendo a capacidade do

indivíduo de receber e recuperar-se de um choque, a resiliência pode, no campo da psicologia,

Mais recentemente, a resiliência tem sido utilizada como uma concepção para entender fenômenos ou processos atinentes à sociedade, tendo sido

empregada no campo da sociologia; no Brasil, particularmente, relaciona-se ao conceito de

salutogênese. No campo das ciências sociais, a

resiliência apresenta-se, ainda, como um conceito em construção, entrementes registra, em alguns

aspectos, uma aproximação com a biologia que, sob a perspectiva da teoria dos sistemas, avança para a idéia de Resiliência Sistêmica Social-Ecologia

– SES. Esta construção acena para a característica de um sistema social em absorver processos de

autodesenvolvimento com capacidade de resistir

à adversidade e de utilizá-los em seu processo de desenvolvimento social inter-relacionado com o

ecossistema. Trata-se de uma noção relacionada a sistemas sócio-ecológicos complexos nos quais os

conflitos socioambientais se expressam de maneira


51

flagrante, especialmente quando a condição de

questões de adaptação como resposta ao risco. Para

pobreza constitui um fator primordial nas relações

Pelling (2003), neste mesmo sentido, a resiliência diz

sociedade-natureza (BLANDTT, 2007).

respeito à

Todavia, quando se salta do campo dos corpos

“capacity to adjust to threats and mitigate

psicologicamente organizados, para o campo das

hazard-resistant building or adaptive social

ou sistemas isolados, física, biológica ou

or avoid harm. Resilience can be found in

coletividades ou das espacialidades, a concepção

systems”.

de resiliência amplia suas possibilidades e

assume conotações que revelam limitações ou, no mínimo, suscitam importantes questionamentos. Ela tem sido cada vez mais utilizada como

Segundo o IPCC (2007), a resiliência diz respeito à

de alta complexidade. A questão da adaptabilidade

“capacidad de un sistema social o ecológico de absorber una alteración sin perder ni su estructura básica o sus modos de funcionamiento, ni su capacidad de autoorganización, ni su capacidad de adaptación al estrés y al cambio”.

anunciados pelos modelizadores do clima futuro

Trata-se, em geral, da capacidade de um ambiente,

conceitual em relação à resiliência ambiental,

ser impactado/vitimado por um evento de caráter

efeito direto da banalização de termos quando o

a forte aproximação das perspectivas postuladas

voga, mesmo que dissonantes do contexto, que

as ideias de ambiente e de sociedade explicitem o

concepção científica e analítica para tratar, por

exemplo, dos problemas relacionados às mudanças ambientais globais, especialmente aqueles

atrelados às mudanças climáticas e à urbanizaçãoindustrialização do mundo hiper-pós-moderno, humana aos novos e já presentes cenários

da Terra constitui uma muito forte proximidade

ou sociedade, de voltar às condições anteriores após

sendo muitas vezes tratada aí como um sinônimo,

extremo. Nesta concepção, ressalta-se novamente

vocabulário tende mais a repetir concepções em

anteriormente pela biologia e psicologia, ainda que

investir na produção de uma nova terminologia.

envolvimento de dimensões mais amplas que aquelas

O termo, nestes contextos de ampliação de

nestes particulares que o alargamento do emprego

revela a concepção de Rutter (1996), para quem a

consideravelmente de seu sentido ou contexto

dos organismos e do indivíduo. Mas é certamente

sentidos, vai então tomando novas nuances, como

da concepção de resiliência, que se distancia

resiliência

genético, passa a evidenciar problemas e limitações, ou pelo menos controvérsias e ambiguidades.

“é um conceito relacionado à adaptação e consiste em variações individuais de resposta aos fatores de risco”

aqui parece ainda persistir uma perspectiva que

combina o campo da biologia (adaptação) com o

campo da psicologia (indivíduo), fazendo alusão a

A concepção adotada pelo IPCC, por exemplo,

um tanto apressada da ampliação do sentido de

resiliência coloca em evidência uma perspectiva

dissonante da face extremamente heterogênea da ocupação e uso do solo na superfície da Terra. A

volta às condições anteriores de um ambiente ou


52

Resiliência Urbana: Concepções e Desafios Em Face de Mudanças Climáticas Globais

sociedade explicita uma complexidade tão grande

Quantos espaços e sociedades da América Latina,

especialmente quando se conhece a sua exacerbada

acentuada com a ocorrência de fenômenos naturais

que se torna imperativo não tomá-los como se

ambientes a aplicação da resiliência se mostra tão

acena para uma visão simplista da relação entre

recobrar as condições pré-desastre ou impacto?

vulnerabilidade como uma condição eminente do

impacto explicita a necessária abordagem de

quando considerados os assentamentos humanos,

África e Ásia continuam em situações de penúria

disparidade entre países do norte e países do sul,

extremos? Por que será que nestas sociedades e

tratasse de condições homogêneas. Tal perspectiva

comprometida e/ou ineficaz como perspectiva de

impactos e sociedades, e parece subestimar a

Não será porque nestes contextos a noção de

risco natural.

uma escala temporal que antecede ao hazard

natural? Ou seja, será mesmo que o impacto mais

No contexto dos países do sul (emergentes e

intenso que se observa nestas localidades não está

resiliência à dimensão ambiental ou geográfica

educacional-infraestrutural que as coloca na

conflitos insolúveis que remetem, diretamente, à

por um evento natural extremo qualquer, uma

funcionalidade (normal), intensidades (extremos)

não têm a condição de lhes fazer face, posto que

reação social a eles. No âmbito, por exemplo, da

exemplo, voltar à condição de favela; a noção de

se: como recompor às condições preexistentes

significa de maneira alguma a garantia de melhores

adversidades (riscos) naturais, sociais e/ou

impactos e prosseguimento da vida com dignidade.

urbanização corporativa? Qual hazard/impacto/

Tomando-se os países do sul, a noção de

não desenvolvidos), a aplicação da concepção de

no âmbito da precariedade sócio-econômico-

explicita limitações preocupantes e gera

condição de pobreza e miserabilidade? Assolados

discussão das ideias de impactos (perturbações),

excepcionalidade, estas sociedades e espaços

e temporalidades dos eventos que induzem a

voltar ao estágio anterior ao hazard significa, por

repercussão espacial ou geográfica, questiona-

resiliência como vimos acima se aplica, mas não

os lugares e as sociedades impactados por

condições de vida para o enfrentamento aos

tecnológicas? Como fazê-lo em contextos de

risco (natural, social ou híbrido) se deve considerar,

resiliência, quando considerados o espaço e o

tratar da resiliência urbana?

revela limitações flagrantes como decorrentes

no contexto dos países não desenvolvidos, para

A produção científica internacional é farta de testemunhos e registros dos graves impactos

que os eventos extremos causam nas sociedades e ambientes dos países do sul, com impactos

econômicos e humanos muito mais eloquentes que nos países do norte (MENDONÇA et al.,

2013); se nestes a resiliência ambiental e espacial

(geográfica) é ilustrada com sucesso completo,

naqueles as dificuldades, e mesmo impossibilidades, ainda constituem desafios incomensuráveis.

ambiente, nos parece insatisfatória, posto que

de sensibilidades e fragilidades particulares aos

contextos sócio-econômico-políticos aí presentes. Segundo Pittock (2009), por exemplo,

“adaptability of Latin American Socioeconomic Systems to extreme climate events is very low and vulnerability is high, especially for the many urban and rural poor” ; a resiliência urbana, que explicita efetivamente uma dimensão geográfico-espacial, suscita


53

uma tal complexidade que a noção em voga na

produzidos impõe o repensar sobre a que condições

fatores que respondem pela intensa e heterogênea

de precariedade e vulnerabilidade.Então,a volta

atualidade parece não contemplar. Vários são os

vulnerabilidade dessas sociedades (BANKOF et al.,

se deve voltar pós-impacto; certamente não é a

induz a uma produção dos espaços da cidade nos

2004), o que implica considerar a noção de risco

quais se elimine ou diminua a suscetibilidade, mas

questionar a resiliência em relação à dimensão

nem a resiliência conforme as noções em uso na

também de forma ampla e integrada, assim como

que certamente não é propriamente a adaptação

estatal-governamental dessas realidades. Bankof

atualidade.

a reflexão acerca da resiliência nos países não

Toda a discussão relativa às mudanças climáticas

et al (2004) ressaltam importantes elementos para desenvolvidos, asseverando que

globais em tela nas últimas décadas conduz

“the electoral cycle for democratic

adaptação e resistência das sociedades aos riscos

governments is very short compared to the timescale on which climate change usually takes place. Moreover, politicians and the media too often focus on the short-term in terms of income, prof its, taxes and jobs rather than on planning or investing for the following decades and generations […]”. Como analisar e avaliar a capacidade de

resiliência de sociedades, ambientes e espaços nos contextos urbanos dos países não desenvolvidos? Diferentemente dos desenvolvidos, nos quais as condições socioeconômicas pré-desastres evidenciam, de maneira geral, qualidade e

condições de vida satisfatórias para a maioria da população, nos países do sul o impacto deve ser

repensado sob outra temporalidade e sob outros

matizes. A do tempo curto, do evento excepcional ou extremo, revela a manifestação de fenômenos naturais impactantes; a do tempo médio a longo é aquela que evidencia os fenômenos de ordem socioeconômica e política. As cidades destes países, especialmente as de tamanho médio a grande e gigante, são todas marcadas por

periferias geográficas e sociológicas de altíssima

vulnerabilidade aos fenômenos naturais – donde

a feliz afirmativa de que os riscos são socialmente

à reflexão sobre as capacidades de mitigação,

que, de maneira geral, são anunciados como em

intensificação presente e futura. Em boa parte dos exemplos trazidos para ilustrar as argumentações

deste contexto se observa que o emprego do termo resiliência explicita um sinônimo de adaptação,

evocando a capacidade de resistência de grupos e sociedades aos impactos derivados das mudanças nos cenários prognosticados por renomados

cientistas. Mas, também em considerável número de casos, é preciso observar que as mudanças

registradas o foram sobretudo no campo do uso do solo e da urbanização, muito mais que no âmbito do clima; o acelerado e exacerbado crescimento das cidades dos países não desenvolvidos na

segunda metade do século XX engendrou a criação de condições de fragilidades – vulnerabilidades

assustadoras – que, ante a formação de um risco

natural qualquer, evidenciam impactos intensos e alarmantes. Dito de outra maneira, um episódio

pluvial habitual, por exemplo, numa dada cidade

resulta, na atualidade, em consideráveis riscos de inundações e movimentos de terra não porque tenha chovido além do habitual na localidade,

mas sobretudo porque a urbanização não inseriu estratégias urbanísticas de prevenção a esse tipo de fenômeno (MENDONÇA et al., 2013). Em

se mantendo tal urbanização, a ocorrência de


54

Resiliência Urbana: Concepções e Desafios Em Face de Mudanças Climáticas Globais

fenômenos climáticos extremos em temporalidade

como perspectiva necessária a uma abordagem e

intensificar os impactos e tornar mais complexa

problemas.

futura, conforme prognósticos atuais, irá

e difícil a adaptação-resistência-resiliência das sociedades a esses fenômenos.

compreensão mais ampla e consequente desses

Resiliência, como se percebe, é um termo empregado

como sinônimo de resistência, de adaptação, de A busca por soluções para os problemas

socioambientais das cidades nesses contextos clama por avanços de ordem conceitual, metodológica e técnica, posto que a ciência atual ainda caminha

fortemente marcada por pressupostos construídos e propostos para uma cidade ideal e moderna

que parece não ter mais lugar. O PNUD (1997)

apontou importantes reflexões para se entender o contexto da urbanização latino-americana,

explicitando as relações conflitantes e degradantes que se estabelecem entre os subsistemas natural,

social e construído dessas cidades, perspectiva que

persistência, de recuperação, de capacidade de

absorção, etc., todos com evidentes limitações para

permitir uma compreensão satisfatória do contexto dos países não desenvolvidos. Em muitos casos,

o emprego do termo, pela inexistência de outros,

parece forjar uma inovação discursiva, quando o mais pertinente seria mesmo o emprego dos aludidos sinônimos.

3 - RESILIÊNCIA URBANA E POLÍTICAS PÚBLICAS

também é válida para os contextos africano e do

sudeste asiático. Nessa mesma lógica, o tratamento dos problemas socioambientais urbanos sob a

perspectiva do S.A.U., Sistema Socioambiental Urbano (MENDONÇA, 2004), permite uma

abordagem integrada deles na perspectiva do

envolvimento do tripé risco-vulnerabilidade-

resiliência urbanos (MENDONÇA,2010, 2011). Para além dessas perspectivas, que apontam

para a necessidade da interdisciplinaridade e

interinstitucionalidade como perspectivas para tratar dos problemas socioambientais urbanos, o envolvimento das populações (participação

A resiliência urbana não está circunscrita à esfera do

indivíduo; ela diz respeito a este em sua coletividade. Na Modernidade, a dimensão da coletividade deve ser concebida no âmbito da sociedade organizada e implica, diretamente, a abordagem das políticas coletivas e públicas. Neste sentido ela remete à compreensão de que

“exposure, resistance and resilience are all

shaped by an actor’s access to rights, resources and assets” (BURTON et al., 1993; BLAIKIE et al., 1994apudPELLING,2003).

e governança) se coloca como um paradigma

Ao ser enfocada no plano da cidade, na qual a

censitários, os marcos jurídicos e administrativos

revela conexões e interações escalares de diferentes

ciência-técnica se coloquem como fundamentais

à analise, posto que a complexidade é um aspecto

referidos problemas, a diferenciada percepção

Pelling (2003), ao relacionar a exposição, a

marcante dos tempos atuais. Mesmo que os dados

urbanização revela matizes particulares, a resiliência

das municipalidades, os movimentos sociais e a

atores sociais que se explicitam como necessárias

para o entendimento e equacionamento dos

flagrante dessa temática na contemporaneidade.

deles pelos múltiplos atores sociais impõe-se

vulnerabilidade e a resistência à resiliência, conclui que


55

“[…]access prof iles are in turn rooted in local and global political and socio-economic structures. though the relationship between these components of vulnerability may not always be reinforcing, this is often the case, so that opportunities for resilience tend to be less common when resistance is already low and exposure is high, and vulnerability increases with each successive disaster event. “ Esta perspectiva reforça as argumentações

a equidade tomar maior realce nos planos inter e

intranacional, e intra e intergeracional. A resiliência urbana evidencia que

“climate change policy also needs to be linked to broader social and political issues such as equity. Equity, within countries, between countries, and between generations, is a major concern that must be considered” (PITTOCK,2009).

anteriores relativas à heterogeneidade de

Colocado desta maneira, entende-se que a garantia

na abordagem da resiliência urbana, aspectos

pelas mudanças climáticas globais clama por

envolvendo necessariamente a dimensão política,

de sua organização, o que permite vislumbrar

contextos, atores sociais e concepções envolvidos

do enfrentamento social aos desafios anunciados

fundamentais para tratá-la de forma mais ampla e

mudanças profundas no seio das sociedades e

como bem o ilustraram Bankoff et al. (2004).

revoluções em curso de gestação para um futuro

O Estado e a sociedade organizada são, portanto, as

próximo.

instituições responsáveis por promover a resiliência

Tais mudanças conduzem à identificação de

Todavia, conforme consideram Tanner et al. (2009),

ou seja, a pensar nas estruturas sociais e na sua

urbana, em suas múltiplas formas e dimensões. a vulnerabilidade e a resiliência são condições

totalmente imbricadas uma na outra e podem

promover, num processo de feedback, autoreforço de ambas; para ele,

“no contexto da vulnerabilidade urbana, aumentar resiliência constitui, portanto, estratégias autônomas e planejadas de adaptação que são funções de processos sociais, econômicos, políticos e culturais que reduzem a vulnerabilidade daqueles sob maior risco”. Em se tratando das mudanças climáticas e dos impactos altamente negativos inerentes aos

cenários anunciados, estima-se que a redução da vulnerabilidade somente logrará sucesso quando

atores políticos essenciais à sua implementação, organização como bases para o processamento das mudanças. A perspectiva de Pelling (2003)

nos parece bastante clara e satisfatória quando anuncia seis categorias de atores políticos

necessários a este processo, quais sejam: a) IFIs

(Instituições Financeiras Internacionais), b) National Government, c) The private sector, d) International and Southern NGOs, e) Local or municipal government, e f ) Grassroots actors.

Esse rol de instituições, com perspectivas muito

distintas umas das outras, coloca em evidência o

necessário envolvimento da pluralidade de atores sociais e institucionais que compõem a complexa sociedade do presente; a promoção da resiliência socioambiental não deve prescindir de nenhum

deles, sendo que se associa ao todo a perspectiva


56

Resiliência Urbana: Concepções e Desafios Em Face de Mudanças Climáticas Globais

da governança na produção/gestão participativa da cidade no intuito de garantir a dimensão

4 - A CIDADE FUTURA... CONJECTURAS

Ao Estado compete, portanto, o papel central

Ainda predominam na sociedade do presente, e de

resiliência urbana. Mesmo que conhecedor de

quarenta anos, de que as cidades se constituiriam

democrática da nova realidade urbana.

na condução dos processos de construção da outras perspectivas de organização social, o

Estado parece, ainda, reter certa longevidade e é, portanto, a ele que se reporta a responsabilidade por processos de transição amplos e longos,

como asseverou Hobsbawn (1996) ao afirmar que o Estado continua a ocupar uma posição-chave no

monitoramento ambiental e no desenvolvimento humano, sendo o principal intermediário entre a

dimensão local e a global dos processos arrolados. Na atualidade, entrementes, a articulação entre as

diferentes escalas ou níveis dos governos no âmbito dos Estados se coloca como uma necessidade para, dentre outros, promover a resiliência urbana em face dos riscos naturais; nas palavras de Pelling

(2003):

“[...] central government is well positioned to coordinate regional or nationwide vulnerability reduction initiatives, wich may or may not include an urban dimensions.” A esta perspectiva, em escalas menores da gestão,

“the capacity for local or municipal

government to contribute to building resiliency is greatly determined by its

organizational structure and relationship

to national government” (SOLWAY, 1994 apud

PELLING, 2003).

maneira geral, aquelas imagens gestadas acerca de

em ambientes social e ambientalmente degradados; a alusão que se fez na abertura deste texto ao

clássico Blade Runner foi apenas um exemplo

dentre centenas de obras e publicações que

insistiram num tal cenário e condição.Mas será que as cidades teriam somente aquele destino traçado? Será que, no contexto das mudanças climáticas e

seus cenários apocalípticos e amedrontadores, não

haveria lugar para a positividade? Será mesmo que

os homens e suas cidades teriam um fim inexorável marcado pela degradação e desilusão? Teriam as utopias urbanas e da realização da vida humana

na cidade realmente chegado aos estertores com

os cenários de mudanças climáticas globais e suas repercussões locais-urbanas?

Uma perspectiva assim tão pessimista parece,

felizmente, não logrou a completude da realidade

presente; e não deveria se materializar se a tradição puder ser forjada por iniciativas positivas e reorientadoras do destino manifesto!

Ao contrário do cenário urbano degradante e

degradado anunciado como a realidade urbana

deste início de século XXI, os exemplos de práticas exitosas da paisagem e vida urbana de partes de Paris, Londres, Tóquio, Nova Iorque, Seul, etc.

estão atestando possibilidades outrora impensadas. Intervenções urbanas resgatando condições

ambientais propícias e favoráveis à ecologia

urbana, e portanto altamente benéficas ao homem biopsicossocial citadino, estão se multiplicando

em muitas cidades do mundo, negando as visões


57

negativas de outrora. Tais exemplos reforçam as premissas de que a equidade constitui um

paradigma para o desafio da construção e produção das cidades atuais e futuras, posto que ilustram contextos de países do norte ou desenvolvidos,

sendo muito poucos e pontuais aqueles dos do sul ou não desenvolvidos.

Tal disparidade resulta em maior morosidade para se implementar a resiliência urbana na perspectiva de reduzir as vulnerabilidades

sociais e, portanto, de atenuação dos impactos

associados aos riscos naturais sobre a sociedade. Fica evidente, nesta análise, que a promoção da redução da vulnerabilidade implica a melhoria da resiliência, que, por sua vez, relativiza os

riscos; este tripé, alçado a uma maior importância nas considerações políticas, poderia ser uma perspectiva de maior valor no âmbito das

mudanças climáticas globais. Deslocar um pouco o foco das mudanças físicas (atmosfera) para as

mudanças sociais (desenvolvimento com justiça

social) pode ser uma estratégia de mais e melhores

resultados que aqueles de ordem tecnológica que se hegemonizaram nos dias atuais.

e político parecem determinar o emprego da noção de resiliência urbana com a qual se deseja operar. A vida nas cidades, e a urbanidade que a

modernidade engendrou como sinônimos de

desenvolvimento e progresso (BERMAN, 1986),

tem atingido seu auge nas últimas décadas, com fortes perspectivas de tornar-se hegemônica

no século XXI (RAMADE, 2003). O futuro do

planeta é urbano, com predomínio da concentração humana em cidades, fato que pode intensificar os

riscos naturais se as vulnerabilidades não passarem por forte arrefecimento; estando a resiliência

na dependência desta última, entende-se como

fundamental a melhoria de uma como condição da outra.

Atuando cada vez mais como atratoras de

populações, ao mesmo tempo que local de intensa reprodução delas, as cidades encerram inúmeros

e profundos desafios à sua compreensão e gestão. Se outrora foram marcadas por perspectivas negativistas para a realização da vida social

humana, a tradição que lhes dará dinamismo deve

ser repensada sobre bases mais positivas, posto que é nas áreas urbanas que o homem experiencia a

A resiliência urbana, qualquer que seja o seu

maior e mais intensa multiplicidade de sonhos e

aqui arrolada, carece de melhor esclarecimento

e injustiças sociais que nelas mais fortemente se

concepção orientadora da análise e gestão das

degradação do ambiente e do ser humano, e pela

tomam de qualquer maneira, muitos dos quais

urgentemente intervir, especialmente quando

resistência no seu lugar, contribuem muitas vezes

futuras e a consequente intensificação de riscos

de seu sentido. Mas, de forma particular, a noção

da vulnerabilidade associada à construção da

abordagem contextualizada de seu sentido, ou seja,

institucional.

sentido, conforme se explicitou na argumentação

suas realizações, apesar das gritantes disparidades

por parte daqueles que a empregam como

manifestam. É nestas áreas que, pela exacerbada

cidades. Os discursos fáceis e apressados que a

manifesta tendência de crescimento, se deve

poderiam empregar as concepções de adaptação ou

se analisa os cenários das mudanças climáticas

para tornar difusa a compreensão e para a perda

naturais – a equidade como meio de atenuação

que a envolve parece mesmo explicitar a necessária

resiliência urbana deve constar de toda agenda

os estágios de desenvolvimento econômico, social


58

Resiliência Urbana: Concepções e Desafios Em Face de Mudanças Climáticas Globais

No plano de fundo do tratamento da temática

aqui desenvolvida, não faz muito sentido clamar pela resiliência urbana sem tocar em princípios

fundamentais e norteadores das práticas sociais; os riscos naturais estão a ela intrinsecamente

5 - REFERÊNCIAS BANKOFF, Greg; FRERKS, Georg; HILHORST, Dorothea. Mapping vulnerability – Disasters, Development & People. London: Earthscan, 2004.

relacionados, posto que resultam das complexas particularidades da relação entre a sociedade e a natureza na cidade. Entrementes, e mesmo

BECK, Ulrich. Risk Society: Towards a new modernity. London: Newbury Park; Nova Deli: Sage, 1992.

considerando todo o avanço da ciência e da

técnica contemporâneas, parece prudente tratar da construção de cenários futuros com mais cuidado,

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.

com argumentos revestidos mais por incertezas que por verdades absolutas. Por mais arguta,

específica e metódica que tenha sido a construção científica acerca da especulação/modelização de cenários futuros, ela não tem a capacidade de

trazer ao presente a paisagem futura com toda a

BLANDTT, Lucinaldo S. A resiliência e as desigualdades sociais: metodologia de pesquisa qualitativa na inserção ecológica. II Jornada Internacional de Políticas Públicas – Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas. São Luís do Maranhão: UFMA, 2007. Disponível em: <http://www.joinpp. ufma.br/jornadas/joinppIII/html/Trabalhos/EixoTematicoC>. Acesso em: 03/05/2014

complexidade que lhe dá sustento e existência;

claro está que se pode, de forma humilde, especular tendências como exercícios do desenrolar de

CHOAY, Françoise. O urbanismo. São Paulo: Perspectiva, 2003.

afirmar cabalmente sua condição futura denotam

DABIS, Mike. Planeta favela.São Paulo: Boitempo, 2006.

processos em curso no passado e presente, mas um tanto de presunção e ufanismo.

Ao princípio da incerteza, aliam-se, de

HARVEY, David. A condição pós-moderna – uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1993.

maneira direta e intrínseca, os princípios da

responsabilidade e da precaução como perspectivas filosóficas de fundo para se pensar e agir na

HOBSBAWN, Erick. A era dos extremos. São Paulo: Presença, 1996.

construção da tradição futura. Sendo a cidade o resultado da inter-ação humano-social com

a natureza, estima-se que sua construção possa se embasar, doravante, em processos mais

IPCC – INTERNATIONAL PANEL ON CLIMATE CHANGE. Anexo I – Glossário. 2007. Disponível em: <http://www.ipcc. ch/pdf/assessment-report/ar4/wg2/ar4-wg2-annex-sp.pdf>. Acesso em: 03/05/2014

democráticos e participativos de produção e gestão; num tal contexto é que se pode também acreditar que o futuro das cidades seja de beleza e plena realização socioambiental.

______. Fifth Assessment Report: Climate Change 2013 (AR5).Disponível em: <http://www.ipcc.ch/publications_ and_data/publications_and_data_reports.shtml>. Acesso em: 03/05/2014


59

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61

O C LIMA E SUAS A LTERAÇÕES EM P ERNAMBUCO Francinete Francis Lacerda Paulo Nobre Geraldo Majella Bezerra Lopes Os desafios sobre a questão das mudanças climáticas e seus reflexos

ambientais, sociais, econômicos e políticos são os maiores já enfrentados pela humanidade. As alterações do clima no planeta decorrentes do acúmulo de

gases de efeito estufa (GEF) na atmosfera, em que se destaca o gás carbônico, representam desafios principalmente pela forma, abrangência e velocidade com que estão acontecendo e suas consequências para a vida. O Quinto

Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC,

2013), divulgado em outubro de 2013, apresenta uma síntese atualizada sobre

a mudança global na temperatura do sistema terrestre que vem ocorrendo

no último século, sendo o aumento médio da temperatura do ar de 0,78ºC comparativamente aos períodos 1850-1900 e 2003-2012, com variação,

em média, entre 0,72ºC e 0,85ºC. Os extremos diários de temperatura na terra têm aumentado desde 1950, e desde 1970 o sistema climático como um todo acumulou mais energia do que perdeu (IPCC, 2013). O aumento nas temperaturas médias e a nova composição química da atmosfera

desencadearam alterações significativas no sistema climático planetário,

afetando o padrão de chuvas, com impactos no ciclo hidrológico, produzindo enchentes intensas, secas severas e frequentes, ondas de frio e calor com consequências na segurança alimentar, na saúde e na segurança hídrica.

Os hotspots do clima são os pontos do planeta mais suscetíveis às alterações

climáticas devido ao aumento das temperaturas. A região nordeste do Brasil, Pernambuco em especial, é vulnerável destacadamente aos processos de

desertificação, à ocorrência de eventos extremos do clima, tais como secas

e enchentes e o avanço do mar. Segundo o relatório do Painel Brasileiro de

Mudanças Climáticas (PBMC, 2013), é provável que o semiárido nordestino tenha sua precipitação reduzida em até 20% até 2040 e aumentos de


62

O Clima e Suas Alterações em Pernambuco

temperaturas de até 1 grau Celsius. O relatório

Estudos acerca dos impactos das mudanças

menos 3ºC mais quente até o fim do século e as

(OYAMA; NOBRE, 2003) revelam que o bioma

também indica que todo o Brasil deverá ficar ao

climáticas na estabilidade dos biomas brasileiros

precipitações podem aumentar em 30% nas regiões

Caatinga está entre os mais vulneráveis num

até 40% nas regiões Norte e Nordeste.

coloca a região em alerta, uma vez que os efeitos

O PBMC foi criado em setembro de 2009,

mais em relação à pressão de origem antrópica à

da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)

das mudanças climáticas, fazem do Nordeste uma

visando a fornecer avaliações científicas sobre as

estão em processo de desertificação – as chamadas

impactos, vulnerabilidades e ações de adaptação

região, as consequências sobre o ciclo hidrológico

de Pernambuco, por intermédio do decreto n.

do ar ocasiona o aumento da evaporação e da

Mudanças Climáticas e, em 2011, lançou o

deficiência hídrica. Esse processo, além de ameaçar

instituído pela Lei Estadual n. 14.090/10, com

ameaça a segurança hídrica das populações,

vulnerabilidades do estado às mudanças climáticas.

habitam o semiárido, a se tornarem refugiados

às alterações do clima, devido a pelo menos três

urbanos. Isso resultará num aumento das áreas com

a elevação do nível médio do mar. No caso da

2010).

Sul e Sudeste, e diminuir em

cenário de aumento das temperaturas globais, o que das mudanças climáticas representam fatores a

resultado de uma ação conjunta entre o Ministério

desertificação. Esses fatores, somados aos efeitos

e o Ministério do Meio Ambiente (MMA),

região factível a um rápido aumento das áreas que

mudanças climáticas para o Brasil, incluindo os

áreas suscetíveis à desertificação (ASD). Na

e mitigação. Em fevereiro de 2009, o governo

são drásticas, pois o aumento da temperatura

33.015, instituiu o Fórum Pernambucano de

evapotranspiração, acarretando aumento da

seu Plano Estadual de Mudanças Climáticas,

espécies (vegetais e animais) e os ecossistemas,

o objetivo de conscientizar a população sobre as

podendo levá-las, principalmente aquelas que

Pernambuco é um dos estados mais suscetíveis

do clima, indo em direção aos grandes centros

efeitos graves: a desertificação, as enchentes e

alto risco climático na região (LACERDA et al.,

desertificação, mais de 90% do território semiárido de Pernambuco podem estar ameaçados (MMA,

2007), e as inundações decorrentes do aumento do

nível do mar podem afetar grande parte da região metropolitana do Recife. Nas áreas identificadas como suscetíveis à desertificação, no Nordeste e em Pernambuco, foi constatado que o fator

antropogênico que mais contribui para a intensa

degradação, de maneira geral, é a substituição do

bioma Caatinga por práticas agrícolas inadequadas, pela pecuária e desmatamento objetivando uso da madeira para produção de lenha e carvão. Fatores como a mineração e a extração de argila de solos

aluviais também foram identificados (MMA, 2007).

Estudo de detecção de mudanças climáticas

em Pernambuco (LACERDA et al., 2010) revela um aumento de 4ºC na temperatura máxima

diária no período de 1961 a 2009, com base nos dados da estação meteorológica de Araripina

(NOBRE, 2011), do Instituto Agronômico de

Pernambuco (IPA), e diminuição média de

275mm (correspondendo a 57%) dos totais

pluviométricos anuais obtidos de um conjunto de

oito postos pluviométricos, com dados no mesmo período, localizados no vale do rio Pajeú, em

Pernambuco. A diminuição anual das chuvas esteve acompanhada do aumento dos períodos máximos


63

de estiagem, que passaram de 20 para 35 dias, e do

Figura 1 – Evolução temporal das

intensa (por exemplo, superior a 50mm em 24

Vitória de Santo Antão e evolução temporal

por ano. Tais sinais constituem evidências de

temperatura máxima em Araripina – ambas

aumento da frequência de eventos de precipitação

temperaturas (ºC) máximas e mínimas em

horas), que passou de cinco para nove ocorrências

dos valores máximos e mínimos diários da

que processos de desertificação estão em curso

em Pernambuco

nas áreas estudadas dessa parte do semiárido de

Pernambuco. Nota-se que a diminuição dos totais pluviométricos anuais é observada globalmente nas regiões tropicais entre 10S e 10N, assim

como o aumento da frequência da ocorrência de precipitações episódicas intensas associadas às

mudanças climáticas globais (TRENBERTH et al., 2007). O cenário climático brasileiro acompanha a

mesma tendência de aquecimento global, em que as mudanças mais significativas são o aumento de temperatura, modificações nos padrões de

chuvas e alterações na distribuição de extremos

climáticos, tais como secas, enchentes e inundações

(MARENGO et al., 2007). No caso específico do

estado de Pernambuco, algumas evidências já foram encontradas de que o aumento de temperatura do ar é crescente. Dados do extinto Laboratório de

Meteorologia de Pernambuco (Lamepe) revelaram que a temperatura máxima do ar teve um aumento

Fonte: Nobre, 2011

os 3ºC, nas estações experimentais do Instituto

Por representarem condições extremas com

nos municípios de Vitória de Santo Antão e de

de Pernambuco, as séries temporais de precipitação

distribuição temporal das temperaturas extremas

apresentam acentuada tendência de aumento

extremos das temperaturas máximas diárias. Por

ao longo do período, enquanto a série temporal da

das temperaturas máximas e mínimas em Vitória

de diminuição ao longo do período observado.

térmica característico de regiões em processo de

dos desvios padrões mensais da precipitação e

aumentam enquanto as mínimas diminuem.

variabilidade diária dessas variáveis.

substancial nos últimos 45 anos, ultrapassando

Agronômico de Pernambuco (IPA), localizadas

tendências à desertificação, no caso do semiárido

Araripina (figura 1). No caso de Araripina, a

e temperatura para Araripina (figura 2),

mostra um aumento significativo dos valores

(diminuição) das temperaturas máximas (mínimas)

outro lado, a distribuição das séries temporais

precipitação pluviométrica indica uma tendência

de Santo Antão sugere um padrão de amplitude

A figura 1 também mostra as séries temporais

desertificação, em que as temperaturas máximas

da temperatura do ar, evidenciando redução da


64

O Clima e Suas Alterações em Pernambuco

Com a crescente influência do aquecimento

global nos processos dinâmicos e termodinâmicos

O trabalho pioneiro na utilização do Modelo

imprescindível aumentar o conhecimento sobre

o estudo dos padrões de mudanças climáticas

de Temperatura da Superfície do Mar (TSM)

Tropical, indica um quadro de modificação no

na variabilidade interanual das precipitações

Tropical num cenário de aumento de CO2

particularmente sobre a porção semiárida do norte

aumento da variabilidade interanual, i.e. o aumento

atmosféricos, oceânicos e dos biomas, torna-se

Brasileiro do Sistema Terrestre (BESM) para

esses processos e suas interações. As anomalias

globais, com ênfase sobre o Brasil e Atlântico

sobre o Atlântico Tropical têm grande impacto

comportamento das TSM sobre o Atlântico

pluviométricas sobre o nordeste do Brasil,

atmosférico durante as próximas décadas, com o

do Nordeste (NOBRE; SHUKLA, 1996).

da frequência de condições propícias para a

ocorrência de anos de seca alternados com anos de precipitação abundante sobre o nordeste do Brasil (NOBRE et al., 2013).

Figura 2 – Séries temporais das médias mensais da pluviometria e temperaturas máxima e mínima para Araripina (painéis superiores) e desvio padrão em torno dos valores

médios mensais (painéis inferiores) para os períodos 1960-2010 (precipitação) e 1950-2010 (temperatura)

Fonte: Autores


65

Um fator relevante a ser destacado é a

O NEB também é vulnerável às enchentes nos

à alta variabilidade interanual da precipitação na

1964, 1967, 1974, 1985, 1986, 1988, 1989, 1994,

irregularidade na distribuição das chuvas, associada região Nordeste, que propicia a ocorrência de secas prolongadas e chuvas intensas, alternadamente.

Diversos fatores podem contribuir para explicar a

alta variabilidade da precipitação sobre o nordeste do Brasil, dentre os quais pode ser citada a

flutuação nos valores de TSM do Oceano Pacífico Tropical Equatorial e do Atlântico Tropical. No

geral, os valores das anomalias das TSMs nesses oceanos estão associados a mudanças no padrão geral da circulação atmosférica e consequente

variações na precipitação do nordeste do Brasil. O El Niño e a Oscilação Sul (OS) formam

um fenômeno global conhecido como ENOS, com forte impacto na variabilidade interanual da precipitação no nordeste do Brasil. As

anomalias climáticas relacionadas ao fenômeno são persistentes e podem durar vários meses

(ARAGÃO, 1986). O El Niño é o aquecimento

anômalo das águas do Pacífico Tropical da costa do Peru/Equador até o oeste do Pacífico, que

modifica a circulação geral da atmosfera, causando movimentos descendentes anômalos sobre o leste da Amazônia e nordeste do Brasil, gerando secas recorrentes.

O clima da região nordeste do Brasil (NEB)

apresenta, em média, precipitação acumulada que pode variar em valores inferiores a 500 mm/ano

e superiores a 2.000mm/ano. No norte da região, área que abrange o semiárido, o período chuvoso ocorre entre fevereiro e maio. O setor norte do

NEB, por sua vez, caracteriza-se pela ocorrência

de secas periódicas; e o setor leste, pela ocorrência de cheias e enchentes. A estação seca, na maior

parte da região, ocorre entre os meses de setembro e outubro. No caso do semiárido, o déficit hídrico acumulado ocorre praticamente durante todo o ano.

anos mais chuvosos – em destaque os anos de

2004, 2009 e 2010. Exemplo recente foi o que

aconteceu em junho de 2010 em Pernambuco e

Alagoas: as fortes chuvas foram causadas por um

distúrbio ondulatório de leste, em apenas três dias a variação dos índices pluviométricos ficou entre 110 e 350mm. Comunidades ficaram isoladas,

casas, barragens e açudes foram destruídos; houve mortes de pessoas e de animais; e cidades foram

praticamente destruídas. Registros comparativos

com a década 1950 mostram que a década de 2000 apresentou recordes históricos de totais diários de chuva (figura 3) no estado de Pernambuco,

especificamente nas bacias hidrográficas do Una e do Mundaú (LACERDA et al., 2010).

Do ponto de vista histórico, a variabilidade

climática no semiárido do Nordeste do Brasil sempre foi vista como desvantagem regional. A seca, que é fenômeno natural do clima

semiárido, sempre foi a mazela dos nordestinos que ocupam aquele espaço geográfico, e

também é tida como a causa principal da

pobreza e do subdesenvolvimento regional.

Como flagelo, influenciou a criação de políticas de “enfrentamento” de seca, com a criação de órgãos federais tais como o Departamento

Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) e a Superintendência de Desenvolvimento do

Nordeste (SUDENE). Esses órgãos implantaram

grande parte da rede observacional meteorológica e hidrológica na região, como também realizaram obras visando à armazenagem da água da chuva no Nordeste. Não se observou à época, como

ainda não se observa hoje, a enorme capacidade de crescimento econômico, educacional e de geração

de emprego e renda no semiárido nordestino com

a exploração em larga escala da geração de energia


66

O Clima e Suas Alterações em Pernambuco

elétrica de altíssimos potenciais fotovoltaicos e eólicos no semiárido e ao longo do litoral nordestino,

respectivamente (ATLAS BRASILEIRO DE ENERGIA SOLAR, 2006). Outra linha de desenvolvimento regional pouco explorada é a do desenvolvimento de princípios ativos para aplicação na agricultura, medicinais e cosméticos oriundos do bioma Caatinga, naturalmente adaptados ao clima semiárido.

Figura 3 – Frequências das precipitações de mais do que 100mm ocorridas em 24 horas na

Região Metropolitana do Recife, Mata Setentrional e Mata Meridional de Pernambuco

Fonte: Lacerda et al., 2010

A partir de 1989, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a Fundação Cearense de

Meteorologia (FUNCEME) passaram a utilizar informações oriundas do monitoramento atmosférico

e oceânico globais para elaborar e fornecer previsões climáticas para o governo do estado do Ceará. Em 1991, o então Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) criou, em parceria com os estados da região

Nordeste, o Programa Nordeste, com a finalidade de capacitar os estados da região para monitorar e prever o tempo. À época, foram criados Centros Estaduais de Meteorologia e Recursos Hídricos (CMRH), em cada estado nordestino. Esse projeto cresceu, tornando-se nacional, sob o nome de “Programa de Monitoramento de Tempo, Clima e Recursos Hídricos – PMTCRH”, o qual, no entanto, após um período de mais de uma década de atividades, foi descontinuado pelo governo federal em 2006.

Das mudanças climáticas em curso, o aquecimento global imprime oportunidades e riscos. O aquecimento da atmosfera implica a alteração dos ciclos dos balanços climáticos com os quais as civilizações já

conviveram. Esses ciclos incluem processos de retroalimentação positiva, como a alteração do albedo

planetário e diminuição da cobertura do gelo marinho, gerando mais alterações climáticas e desertificação.


67

Maior aquecimento atmosférico proporciona uma

locais e globais estão bem estabelecidas e são

sendo este um potente GEF que retroalimenta o

diferentes cenários de evolução futura das emissões

maior quantidade de vapor d’água nessa atmosfera; aumento da temperatura, por sua vez, permitirá

um maior volume de vapor no ar. Por outro lado,

uma atmosfera mais úmida ocasiona alteração no

ciclo hidrológico, com precipitações pluviométricas mais intensas, maior escoamento superficial e

erosão do solo, assoreamento das calhas dos rios e reservatórios, com consequente aumento da

frequência de enchentes e inundações. O aumento da temperatura também tem o efeito de diminuir a umidade do solo pela evaporação direta e pelo

aumento da evapotranspiração das plantas. Assim, atividades agrícolas de sequeiro no semiárido,

que em condições passadas já representavam uma incidência significativa de perdas em virtude da

variabilidade interanual do período chuvoso, num estado futuro de aquecimento global, deverão tornar-se completamente inviáveis. Isto tem

impactos na sociedade nordestina, particularmente na parcela populacional que vive da agricultura de sequeiro, num primeiro momento, mas, passado o

tempo, com potencial de atingir toda a população. As projeções apresentadas nos últimos relatórios

robustas. Os modelos usam, para seus cálculos,

e concentrações de gases de efeito estufa, de acordo com tendências de consumo, produção, aumento da população e uso dos recursos naturais. As

probabilidades estimadas com razoável segurança atualmente indicam que as temperaturas globais subirão entre 1,1°C e 6,4°C, em média, algo em

torno de 4°C até o fim deste século. O aumento nas temperaturas médias e a nova composição química

da atmosfera resultante poderão desencadear várias alterações significativas no sistema climático.

Os referidos dados reforçam que, mesmo que as concentrações de gases de efeito estufa parem

de crescer completamente, seus efeitos já foram

desencadeados e não serão mais evitados, de forma que irão se intensificar. As mudanças estão se

acelerando e dificuldades ainda maiores podem ocorrer, provocando o colapso de populações.

Considerando a atual tendência do crescimento da população humana, para nove bilhões em

2050, o resultado poderá ser um planeta à beira

da exaustão, com um clima totalmente adverso e desafios em larga escala, com o agravamento da fome, pobreza, de doenças e da violência.

do clima futuro, divulgadas pelo IPCC (2013),

indicam que nas três últimas décadas o aumento de temperatura bateu o recorde de aquecimento desde o início das observações instrumentais no planeta. A maior causa do aumento das

temperaturas se deve a concentrações crescentes de gases do efeito estufa na atmosfera, emitidos por

atividades humanas – principalmente pela queima de combustíveis fósseis e pelo desmatamento. Os

modelos climáticos referenciados pelo IPCC, com projeções até o ano de 2100, são análises globais

que não conferem detalhes regionais. Embora esse

fato gere incertezas no que diz respeito às previsões em larga escala e escalas regionais, as tendências

Lacerda et al. (2010) mostraram tendências de

ocorrências de secas e eventos extremos associados a chuvas intensas em Pernambuco; e no caso do

Nordeste, sua porção semiárida é a mais vulnerável. Reduções de volumes de chuvas aparecem na maioria dos modelos globais do IPCC AR5,

até segunda metade do século XXI, com áreas mais secas e aumento do déficit hídrico – isso

pode significar reduções nas vazões do rio São

Francisco de 15 a 20% (MARENGO et al., 2007).

De fato, há essa tendência de desertificação da

porção semiárida, até final do século XXI, como consequência do aumento da temperatura do ar


68

O Clima e Suas Alterações em Pernambuco

e redução das chuvas (OYAMA; NOBRE, 2004)

de diminuição em 27 localidades cearenses, levando

ainda mais marginal. No caso do semiárido de

2003 (MONCUNILL, 2006). Por outro lado, Santos e

com a prática agrícola de sequeiro de alto risco, Pernambuco, há evidências no aumento das chuvas

em conta a série histórica para o período de 1974 a

Brito (2007) mostraram que nos estados da Paraíba e

torrenciais e concentradas em curtos espaços de

do Rio Grande do Norte a tendência foi de aumento

uma maior frequência de dias secos consecutivos

estudadas. Para o sertão de Pernambuco, Lacerda

frequência de veranicos na região (MARENGO et

2004, uma diminuição da precipitação em oito postos

tempo (LACERDA et al., 2010). Também, espera-se

e de ondas de calor decorrentes do aumento na

do total anual da precipitação em dezenove localidades

et al. (2009b) identificaram, no período de 1965 a

al., 2011).

pluviométricos instalados na área da bacia do Pajeú.

Com relação aos impactos do aquecimento global

espacial, de forma mais abrangente, identificou-se que

mares e aumento na intensidade e frequência das

em todas as mesorregiões de Pernambuco, da seguinte

Revisando essas informações em uma nova análise

sobre os oceanos, nota-se elevação do nível dos

houve uma diminuição do total anual da precipitação

ressacas, que vêm causando graves transtornos às

forma:

elevação de 50cm no nível do Oceano Atlântico

• sertão do Pajeú: redução de 8,3mm/ano;

e no nordeste do Brasil (MARENGO, 2006). Em

• sertão de Araripina: redução de 10,1mm/ano;

que pode dar lugar a uma vegetação mais típica

• sertão de Petrolina: redução de 4,2mm/ano;

A Caatinga é o único bioma exclusivamente

• agreste pernambucano: redução de 7,0mm/ano;

populações que ocupam a orla marítima. Uma

poderia consumir 100 metros de praia no norte

relação ao bioma caatinga, as simulações indicam de zonas áridas, com predominância de cactáceas. brasileiro, abriga uma fauna e uma flora únicas, com muitas espécies endêmicas. O clima mais

quente e seco pode levar à migração de pessoas para as grandes áreas metropolitanas, gerando

ondas de “refugiados ambientais” e aumentando

assim os problemas sociais dos centros urbanos do Nordeste e do Brasil.

Resultados preliminares revelam tendência de

diminuição da precipitação pluviométrica em várias bacias hidrográficas do sertão de Pernambuco (LACERDA et al., 2009a). Haylock et al. (2006)

identificaram tendência de diminuição das chuvas

anuais em localidades do Ceará, evidenciando que há, de fato, a diminuição das chuvas em grande

parte do nordeste brasileiro. Estudos posteriores para vários estados do NEB mostram tendência

• zona da Mata pernambucana e litoral; redução de 4,1mm/ano.

Esse processo de alterações planetárias do clima,

associado ao aquecimento global, vem questionar o modo como o homem ocupa o planeta e

provavelmente reflete, também, uma deficiência nos

fundamentos organizacionais da vida política e social

contemporânea, baseados em chegar ao extremo e cujo padrão não é mais compatível com a capacidade do

planeta em sustentá-lo. Diante desse cenário, as áreas

do Nordeste que sofrerão os maiores impactos serão as do oeste do Piauí, sul do Ceará, norte da Bahia e oeste de Pernambuco, onde estão as cidades com menor índice de desenvolvimento humano do País.


69

As projeções de clima para o futuro indicam

riscos de secas de dez ou mais anos (MARENGO, 2006). Para um país e região com tamanha

vulnerabilidade, o esforço de mapear tal fragilidade e risco, bem como de identificar e conhecer

profundamente suas causas e consequências, ainda está muito aquém de suas necessidades.

de energia e de uma matriz de fontes renováveis de energia (e.g. fotovoltaica, eólica, biomassa, marés

etc.), com a consequente redução das emissões de

gases de efeito estufa e a mitigação do aquecimento global. Os relatórios do IPCC apresentam dados que indicam que as emissões de gases de efeito estufa podem ser reduzidas se esforços forem

feitos com relação à adoção de energias renováveis. Embora as necessidades sejam prementes, o

conhecimento dos impactos setoriais sobre a

vulnerabilidade da diversidade biológica e de alguns sistemas de produção (milho, feijão e

mandioca) às mudanças climáticas tem avançado. Estudos recentes da Embrapa já sinalizam a

total falta de aptidão agrícola, em grandes áreas

do nordeste do Brasil, para as principais culturas

praticadas em regime de sequeiro, como é o caso de milho, feijão e mandioca, com repercussões de perdas agrícolas significativas já para 2020

(ASSAD; PINTO, 2008). Por outro lado, em setores

como saúde, recursos hídricos, energia e zonas

costeiras, a quantidade de análises de impactos e

vulnerabilidade, bem de estudos já realizados são substancialmente menores.

A problemática das mudanças climáticas, tanto do ponto de vista local quanto do global, ainda gera

muita divergência quanto aos impasses econômicos

Como exemplo de adoção de políticas agressivas na

descarbonização de suas matrizes energéticas, podem ser citados governos de países europeus, como o do Reino Unido e o da Alemanha, que estabeleceram metas e cronogramas para a redução das emissões

dos GEF, com forte desenvolvimento da produção

de energia por fontes renováveis, tais como eólica e solar, particularmente a Alemanha.

Por outro lado, a questão do impacto é distinta: nos países industrializados, está relacionada à prática insustentável de utilização dos recursos naturais; enquanto nos países em desenvolvimento, está

relacionada à pobreza, à explosão demográfica e à

degradação ambiental. Essa perspectiva distorcida

enxerga o desenvolvimento apenas por indicadores

de crescimento econômico e não como um processo de mudanças estruturais, ambientais, sociais e políticas.

na disputa por soberania entre os países que

Uma forma plausível e eficiente para a mitigação

consumo e geração de renda. Sob a justificativa

cobertura vegetal, com o objetivo de sequestrar o

social”, baseado no velho paradigma da forma de

vegetação no ciclo hidrológico. Com o mercado de

de energia fóssil, as nações chamadas emergentes

pelo plantio de árvores. Ainda assim, o comércio

de cortes em suas emissões de gases de efeito

analistas como ineficaz à mitigação de emissão de

poluidora. Essas divergências adiam por décadas o

economicamente mais viável do que seu corte para

não estão dispostos a abandonar seus hábitos de

dos efeitos das mudanças climáticas é aumentar a

de continuar o “desenvolvimento econômico e

CO2 atmosférico, e também provocar impacto da

produção e desenvolvimento com base na produção

carbono, alguns empreendimentos têm se beneficiado

e as desenvolvidas não estabelecem políticas claras

do crédito de carbono tem sido visto por alguns

estufa, e insistem em uso de matriz energética

GEF. Assim, a preservação das florestas se torna

desenvolvimento de tecnologias limpas de geração

exploração ou atividades agropecuárias.


70

O Clima e Suas Alterações em Pernambuco

O replantio de árvores representa uma ação

Em tempo, sugerem-se algumas direções de ações

aquecimento global nas cidades. A arborização

ser adotadas e ampliadas para o convívio com

que contribui para a mitigação dos efeitos do

das vias públicas e áreas privadas contribui para

aumentar o sombreamento e a evapotranspiração

levada a efeito durante a fotossíntese, contribuindo diretamente para reduzir o acentuado efeito das

ilhas de calor nos centros urbanos. Dentre outras

ações de adaptação às mudanças climáticas, podese sugerir o aumento da capacidade de melhorar as previsões climáticas sazonais, capacitando

a sociedade para as novas realidades naturais

e socioeconômicas em curso. Uma alternativa de fundamental importância é a reeducação

cultural da sociedade para não olhar a natureza sempre como a grande vilã e a si própria como vítima. A sociedade estabeleceu, ao longo de

de governo que, na opinião dos autores, necessitam as consequências das mudanças climáticas em curso. Há que se desenvolver programas de

reflorestamento, envolvendo todos os biomas, do Amazônico à Caatinga, passando pelo Cerrado

e Mata Atlântica, nas áreas rurais e urbanas, não exclusivamente pelo valor de florestas nativas

para a estabilidade do clima e da biodiversidade, também pelo valor econômico que representam.

Em conjunto, as revoluções educacional, cultural e ambiental aqui propostas promoverão o

desenvolvimento solidário e sustentável, com ética, coerência e congruência como formas de edificar

uma nova nação, nova era e nova ordem mundial.

muitos anos, paradigmas de uso dos recursos

Por último, mas não menos importante, a região

ambiental. Mesmo assim, quando se depara com

fotovoltaica, inexplorada e inexaurível, que, se

coloca-se sempre como vítima em vez de procurar

sustentável, econômico, ambiental, social,

harmoniosa e sustentável. Fazer frente a uma

do Brasil o primeiro, se não o único, no

para começar: um esforço voltado a essa frente

abundantemente, com sabedoria e visão.

como o exemplo deixado por Freire (2005) com a

Antes de tudo, fará gerações do futuro olharem em retrospectiva aos dias atuais como o momento de transição de uma sociedade-suicida que exauria os recursos naturais, conspurcava a água e o ar, extinguia espécies animais e vegetais, impunha escravidão às legiões de crianças condenadas à exclusão social, para uma sociedade próspera, alegre, em paz consigo e com todo o ambiente que a hospeda (NOBRE, 2011).

naturais incompatíveis com a sustentabilidade

Nordeste guarda uma enorme jazida de energia

um evento extremo (seca severa ou enchente),

incorporada à equação de desenvolvimento

compreender como lidar com a natureza de forma

contribuirá para tornar o semiárido do nordeste

mudança cultural não é fácil, mas existem meios

qual se aprendeu a extrair o que é oferecido

é a utilização de uma educação de qualidade,

escola integral, pautada no diálogo que aproxima o homem da natureza, pela palavra pronunciada, que ultrapassa a relação eu-tu e aproxima o

homem de si mesmo e da natureza. Essa ação,

pautada na educação transformadora das futuras gerações, é uma forma de preparação para o

desafio extraordinário que as mudanças climáticas impõem.

Este ensaio abordou a questão das mudanças

climáticas globais e algumas das ações em âmbito federal e estadual para lidar com as mudanças climáticas no País.


71

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75

V ULNERABILIDADE , A DAPTAÇÃO E C APACIDADE A DAPTATIVA Edneida Cavalcanti 1 - INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo realizar revisão bibliográfica no

tocante ao tema da adaptação às mudanças climáticas e suas interfaces com os aspectos de capacidade adaptativa, vulnerabilidade, risco e resiliência,

relacionando, de maneira mais direta, as questões vinculadas ao ambiente

urbano. Trata-se de conceitos utilizados em muitos campos do conhecimento. Neste sentido, é importante aclarar cada um deles e ressaltar que, para efeitos do presente trabalho, serão tratados na perspectiva dos sistemas sócioecológicos, o que pressupõe uma análise integrada.

O trabalho centra-se particularmente em identificar as mudanças na

abordagem teórica sobre adaptação, vislumbrando dois grandes blocos:

adaptação relacionada a medidas predominantemente estruturais diante das mudanças climáticas, vista a partir de seus aspectos biofísicos; e adaptação a partir de uma perspectiva que enxerga as vulnerabilidades socioeconômicas

e ambientais existentes como construção histórica para daí traçar horizontes que lidem com as mudanças em curso, na relação dialética local-global.

Neste sentido, as cidades são compreendidas como sistemas complexos,

concentradores de tensões e problemas na relação população-ambiente, assim como demandadoras de insumos que, em grande parte, pressionam o uso dos recursos naturais para além de seu domínio geográfico, e que concetram, no caso dos grantes centros, emissões significativas de Gases de Efeito Estufa (GEE).


76

Vulnerabilidade, Adaptação e Capacidade Adaptativa

Por sua vez, parcela significativa das decisões que

clima e suas consequências, é fato que o assunto

relacionada às transformações que ocorrerem nas

entre os países. Contudo, as atividades humanas

ou mesmo da não ação, com todos os custos

de atividades locais, contribuintes de emissão

influenciarão o futuro humano estará diretamente

ocupa a pauta das negociações internacionais

cidades, sejam elas no caminho da sustentabilidade

desencadeadoras desses problemas são oriundas

associados.

acentuada de GEE.

É importante referir como ponto de referência

A mudança climática global repercute em

abordagem mundial, também a brasileira, ligada

já que estão previstas frequências maiores

das reflexões contidas no artigo o fato de que a

à mudança climática está associada inicialmente a medidas de mitigação, as que buscam reduzir emissões, sejam elas relacionadas ao consumo de combustíveis fósseis, sejam associadas à

substituição de florestas por pastagens e também às queimadas – estas duas últimas situações bastante correlacionadas ao Brasil.

significativos riscos para a sociedade e a natureza, de ondas de calor em áreas urbanas, maior

deterioração da qualidade do ar e aumento de

áreas de risco decorrente de chuvas mais intensas e frequentes em regiões tropicais que poderão

levar a escorregamentos de encostas, alagamentos e inundações (BICKNELL; DODMAN;

SATTERTHWAITE, 2009; RIBEIRO, 2008). Nessa

perspectiva, na dimensão humana das mudanças

As discussões sobre adaptação foram sendo

climáticas, os riscos associados estão relacionados

a discussões relativas à vulnerabilidade social,

resultado da incapacidade de governos locais em

de sociedades desiguais do ponto de vista

adequados, assim como medidas de prevenção

evidencia na baixa capacidade de pessoas e grupos

capacidade adaptativa para enfrentar tanto a

incorporadas mais recentemente e associadas

a déficits de desenvolvimento socioeconômico,

ao passivo construído historicamente no seio

garantir infraestrutura e equipamentos públicos

socieconômico, político e cultural, e que se

ao risco e de resposta a desastres, ou seja, baixa

sociais para lidar com as mudanças. Tal condição

variabilidade climática como a mudança do clima

é agravada ou, melhor, está envolta num ciclo

vicioso entre degradação socioambiental e modos produtivos insustentáveis.

(MARTINS; FERREIRA, 2011).

Para Bueno (2013, p. 30), a dimensão política

fundamental dos efeitos das mudanças climáticas

Para atender ao objetivo deste artigo, foram

é que

conceituais e também documentos nacionais que

[...] as privações e impactos serão

consultados artigos científicos ligados aos aspectos trazem em seu cerne a temática da adaptação.

2 - CLIMA E CIDADES

inversamente proporcionais às emissões históricas. Por essa razão, a questão

ambiental apresenta-se como um conflito intergeracional, histórico, econômico e

Mesmo permanecendo incertezas no que diz

respeito ao aquecimento global e à mudança do

cultural. É importante perceber que a

responsabilidade direta sobre as mudanças


77

climáticas decorrentes do aquecimento

global vem dos complexos industriais e

energéticos dos países industrializados. As respostas desenvolvidas para responder e

minimizar os impactos das mudanças do clima ou

mesmo da variabilidade climática são a mitigação,

O Brasil apresenta uma transição urbana

precoce, comparativamente aos demais países em desenvolvimento. Para Ojima e Marandola Júnior (2013, p. 17),

“esse período, simultâneo aos grandes

fluxos migratórios rural-urbano, marcou fortemente o ‘inchaço das cidades’, ‘o caos

que diz respeito a medidas para diminuir a emissão

urbano’, enf im, a percepção de que a própria

direcionadas a um determinado sistema vulnerável

pobreza, desigualdades sociais, conflitos e

de GEE, e a adaptação, que se refere a ações

urbanização seria o fator causador de

(setor da economia, região, bairro, cidades,

problemas ambientais”.

comunidade), no sentido de atenuar impactos e

reduzir danos por estímulos climáticos atuais ou futuros.

As cidades e regiões metropolitanas podem ser consideradas espaços estratégicos para compreensão desse problema, tanto pela

concentração crescente da população em espaços urbanos como pela precariedade com que isso

vem historicamente acontecendo em países em

desenvolvimento, ou ainda pela concentração de

demandas por recursos naturais que passam a advir desses espaços, além de eles serem importantes emissores de GEE. Em função disso, Martins e

Ferreira (2011, p. 614) afirmam que

“é praticamente impossível conceber

qualquer resposta mitigadora ou ação

adaptativa sem enfrentar a discussão sobre cidades, urbanização e governança local”. Segundo documento de 2007 do Fundo das

O processo pode ser percebido com mais evidência

a partir de 1950 e coincide também com o início da transição demográfica, principalmente no que toca à diminuição das taxas de mortalidade, que não foi

acompanhada da diminuição, na mesma proporção, da taxa de natalidade, fazendo com que a queda no

crescimento vegetativo da população ainda tardasse um pouco a acontecer.

As maiores taxas de crescimento populacional

no Brasil, assim como os mais intensos processos migratórios do campo para as cidades, datam do período entre 1950 e 1980. Já a população total

saltou de aproximadamente 71 milhões para 121 milhões de habitantes entre 1960 e 1980 – a

população urbana, de 32 milhões para 82 milhões

no mesmo período. Em 2010, a população chegou

a mais de 90 milhões, sendo quase 161 milhões no

meio urbano, ou seja, em trinta anos nossas cidades duplicaram de população (BUENO, 2013, p. 36).

Nações Unidas para População, UNFPA na

Nessa perspectiva, o processo de urbanização

predominantemente urbano desde o ano 2008.

no território, da reestruturação produtiva e de

está concentrado em países em desenvolvimento,

que afeta diretamente a qualidade do crescimento

sigla em inglês, já vivemos em um planeta

brasileiro acontece também a partir da repercussão,

Esse processo mais recente de transição urbana

redução de investimentos em estrutura pública, o

principalmente da Ásia e África.

urbano, levando a um patamar de graves problemas


78

Vulnerabilidade, Adaptação e Capacidade Adaptativa

ligados a falta de saneamento, drenagem, e a um

planejamento urbano pífio na maioria das grandes cidades.

ambientais globais, mas cumprem também

importante papel quando a observação está

centrada na compreensão dos efeitos de fenômenos

que atingem a escala regional e local, como é o caso Como o Brasil apresenta um extenso território,

da variabilidade climática no semiárido brasileiro,

as cidades ocupam apenas pequena área. Mas isso

incluindo aí a ocorrência de secas.

focados nessas realidades. Para Bueno (2013, p.

Possuem origens variadas e também são utilizados

insumos externos ao espaço urbano, desde água

(2006) referem à necessidade de conhecer o que

não diminui em nada a importância de estudos

33), as populações urbanas dependem de diversos

de maneira diferenciada. Janssen e Ostrom

e energia até espaços para destinação de resíduos

designam como origem intelectual de cada um

de produção de alimentos para população – o que

no seu uso e permitir maior colaboração entre

amplos. Dessa forma,

apresentam a resiliência como um conceito central

“os assentamentos urbanos sobrevivem de recursos e serviços apropriados dos fluxos naturais do entorno, ou adquiridos por meio de comércio com todas as partes do planeta, produzindo um déf icit ecológico” (ANDRADE, 2005, apud BUENO, 2013, p. 33).

de populações de plantas e animais, e em estudo da

sólidos; além de insumos para o setor industrial e

desses conceitos, de modo a diminuir a confusão

acaba repercutindo em espaços territoriais mais

profissionais de diversas áreas. Os autores

Nesse sentido, Hogan (2009 apud MARTINS; FERREIRA, 2011, p. 627) ressalta que as

cidades brasileiras não estão preparadas hoje

para a mudança climática, dados o acúmulo de

problemas socioambientais e o atraso na criação de infraestrutura urbana adequada por conta de um crescimento excludente e desigual.

3 - VULNERABILIDADE, ADAPTAÇÃO E CAPACIDADE ADAPTATIVA

usado pelos ecologistas em sua análise da ecologia gestão de ecossistemas. A vulnerabilidade como

um conceito oriundo dos estudos sobre riscos e pobreza, e mesmo sendo definida de diferentes

maneiras, em geral inclui os atributos de pessoas ou grupos que lhes permitem lidar com os impactos causados por desastres naturais. Já o conceito de

adaptação à variabilidade ambiental tem sido foco dos antropólogos desde os anos de 1900, passando a ser utilizado a partir de 1990 relacionado às

consequências das mudanças climáticas antrópicas,

mas sem contudo reconectar-se com sua concepção inicial.

Adaptação “é geralmente entendida como

um ajuste em sistemas sócio-ecológicos em

resposta às reais, percebidas, ou esperaradas mudanças ambientais e seus impactos”

(JANSSEN; OSTROM, 2006, p. 237, tradução nossa).

Vulnerabilidade, adaptação e capacidade

3.1 - VULNERABILIDADE

relacionados e cada vez mais importantes para

Adger (2006, apud GALLOPÍN, 2006, p. 294)

adaptaativa são conceitos fortemente inter-

o estudo da dimensão humana das mudanças

examina a evolução das abordagens sobre


79

[...] vulnerabilidade originadas nas ciências sociais e conclui que o conceito mais frequentemente utilizado é aquele constituído por componentes que incluem a exposição a perturbações ou tensões externas, sensibilidade à perturbação, e a capacidade de adaptação. Nessa perspectiva, um sistema sócio-ecológico

desenvolvimento: práticas ambientais insalubres, mudanças ambientais

globais, crescimento populacional,

urbanização, injustiça social, pobreza e,

em poucas palavras, a visão econômica está produzindo sociedades vulneráveis.

pode ser vulnerável a certos distúrbios e não a

Como conceito, torna-se menos abstrato falar

convergentes:

questões: quem é vulnerável, a que e por quê?

outros. Na literatura, dois pontos são bastante 1) as perturbações que desencadeiam as vulnerabilidades são de natureza multiescalar; e 2) normalmente os referidos sistemas são expostos a múltiplas perturbações que interagem entre si.

O termo perturbação é usado por Gallopín (2006)

em vulnerabilidade quando se colocam estas

(PNUD, 2014). Nessa perspectiva, os que vivem em

extrema pobreza e situação de escassez são os mais vulneráveis aos efeitos de mudanças climáticas,

pois possuem baixa capacidade de reagir a situações de crise, relacionada a questões estruturais

relacionadas ao próprio ciclo de vida em que estão

para designar os processos internos ou externos

inseridos.

de induzir transformação significativa nele, sejam

De acordo com Eakin e Luers (2006, apud

que interagem com o sistema e que têm o potencial lentas ou repentinas.

Contudo, o próprio conceito de transformação ou

mudança precisa também ser pensado no mínimo em relação ao seu grau ou profundidade. Um

sistema não seria chamado vulnerável se o efeito da

OBERMAIER; ROSAS, 2013, p. 157), a

vulnerabilidade está associada à

“iniquidade na distribuição de recursos e de acesso, ao controle que indivíduos

perturbação fosse limitado à geração de mudanças

conseguem fazer sobre escolhas e

poderiam gerar um conjunto de variações no

marginalização e dominação social”.

efêmeras. Por outro lado, as alterações do sistema

comportamento de algumas variáveis, que de início não causariam grandes problemas, mas que, em

função do tempo e de efeitos sinérgicos, podem evoluir para alterações radicais na estrutura do sistema.

Segundo o Relatório Christian Aid (2006, apud

MAROUN, 2007, p. 62),

[...] o crescimento da vulnerabilidade

está intimamente ligado aos padrões de

oportunidades, e padrões históricos de

Nessa perspectiva, para Tanner et al. (2008), mesmo

que não exista segurança na qualidade dos dados sobre mudanças climáticas em âmbito regional e na escala de cidade, a forma como os centros

urbanos foram desenvolvidos e as características físicas e naturais existentes localmente apontam

que a vulnerabilidade existe independentemente da presença da mudança climática. Porém, a

dimensão humana desses riscos assume forma


80

Vulnerabilidade, Adaptação e Capacidade Adaptativa

de crescente ameaça, sobretudo em grupos

populacionais específicos, por conta de limitações

do planejamento urbano, infraestrutura inadequada e desigualdades socioeconômicas.

3.1.1 - VULNERABILIDADE, RISCO E DESASTRE

lacuna se refere ao tema do ocultamento ou invisibilidade das populações vulneráveis, ou melhor, vulnerabilizadas, e como

tais populações podem ser reconhecidas e fortalecidas em seu papel de sujeitos coletivos portadores de direitos.

A incorporação do conceito de vulnerabilidade

Para Wilches Chaux (1988), um desastre é produto

desenvolvimento de abordagens integradas

determinados de dois fatores: risco físico e

ao campo dos desastres é exemplar para o

que articulam dimensões mais operacionais e

quantitativas com as de natureza mais qualitativa e

contextual, relacionadas à complexidade da questão.

da convergência em um momento e lugar vulnerabilidade humana.

Para Blaikie et al. (1996), durante muito tempo

Contudo, de acordo com Porto (2011, p. 46), existem

ocorreu a predominância do paradigma naturalista

se revertem nos aspectos metodológicos e que

como expressões das “violentas forças da natureza”,

ao menos três lacunas em sua matriz teórica que

na análise dos desastres naturais, que eram vistos

precisam ser superadas:

cabendo apenas respostas mitigadoras, enquanto na

A primeira se reflete quando o quadro

as consequências mais graves dos desastres

teórico não explicita as origens históricas que propiciam a transformação de certo grupo social em vulnerável, ou seja, os

processos de vulnerabilização de um dado território e da respectiva população. A

condição de vulnerabilizadas, mais que a de vulneráveis, das populações e comunidades é importante para que possamos tanto

resgatar a historicidade dos processos que

dessa forma afetam grupos sociais e lugares, como também para atribuir aos grupos

visão mais abrangente do determinismo ambiental expressariam um estágio subdesenvolvido das

sociedades não industrializadas, a ser superado

através de seu desenvolvimento econômico. Nas

décadas de 1990, tais concepções receberam críticas crescentes por autores influenciados pela economia política e a ecologia política. Um exemplo

importante são as produções de autores ligados à Red de Estudios Sociales en Prevención de

Desastres en America Latina (La Red), (LAVELL,

1996; CARDONA, 1996; MASKREY, 1993).

O tipo de precaução que se institucionaliza para enfrentar os desastres reflete a maneira como

sociais a condição de sujeitos portadores

o tema é concebido pelos que tomam decisões.

destituídos. [...] A segunda lacuna está

nossa),

de direitos que foram ou se encontram

De acordo com Lavell (1993, p. 144, tradução

[...] as formas como se conceituam

associada à ausência ou não explicitação dos

os desastres naturais estão longe de ser um

contextos de vulnerabilidade. [...] A terceira

constituem um passo fundamental e uma

conflitos socioambientais que demarcam os

mero exercício semântico. Pelo contrário,


81

influencia dominante na organização do

pensamento e, em consequência, na maneira em que se encara a investigação e a ação necessária para enfrentá-lo.

dentro de seus ambientes, independentemente de se evoluíram como resultado da seleção natural. As sociedades se adaptam a uma variedade de

estímulos, inclusive, mas não apenas, ao estresse ambiental. Culturas (ou sociedades) que são

capazes de responder a ou lidar com a mudança de

4 - ADAPTAÇÃO E CAPACIDADE ADAPTATIVA

forma rápida e fácil são consideradas como tendo

alta “adaptabilidade” ou “capacidade de adaptação” (DENEVAN, 1983).

4.1 - ADAPTAÇÃO

O tema esteve presente nas discussões políticas iniciais sobre mudanças climáticas nos anos

As discussões sobre adaptação têm suas origens

de 1980, mas nas décadas seguintes perdeu

evolutiva. Adaptação refere-se ao desenvolvimento

redução de GEE, que constitui medida de

que permitem que os organismos ou sistemas

de nossa capacidade de alterar, de reverter o

fim de sobreviver e se reproduzir (FUTUYAMA,

anos, as discussões sobre adaptação têm ganhado

desde organismos ou indivíduos até a população

como parte também essencial na política sobre

(KRIMBAS, 2004).

objeto de destaque na The Delhi Ministerial

nas ciências naturais, em especial na biologia

importância diante da defesa ferrenha sobre

de características genéticas ou comportamentais

mitigação vista como o caminho de confirmação

lidem melhor com as mudanças ambientais, a

rumo das mudanças. Entretanto, nos últimos

1979; KITANO, 2002). Inclui escalas que variam

força novamente, passando ela a ser vista

de uma única espécie ou um ecossistema inteiro

mudança climática, a ponto de se constituir

A aplicação do termo aos sistemas humanos tem

sido atribuída ao antropólogo e ecologista cultural

Declaration on Climate Change and Sustainable Development (http://unfccc.int/cop8/latest/ delhidecl_infprop.pdf), vinculada ao tema do

Julian Steward, que usou ‘’adaptação cultural’’

desenvolvimento sustentável.

(por exemplo, sociedades regionais) ao ambiente

Pielke Jr. (2007) apresenta três razões para a

para descrever o ajuste de ‘’núcleos de cultura’’ natural através de atividades de subsistência

(BUTZER, 1989). Adaptação cultural pode ser

entendida como “a maneira pela qual grupos de

pessoas adicionam ao seu repertório cultural novos e melhores métodos de lidar com o ambiente”

adaptação não ser mais marginalizada nas discussões sobre mudanças climáticas:

1) incompatibilidade na escala temporal, ou seja, a descarbonização do sistema energético global

(O’BRIEN; HOLLAND, 1992, p. 37, tradução nossa).

levará décadas e as emissões históricas de GEE

pode ser considerada sinônimo de adaptação

2) as vulnerabilidades relacionadas com

Ainda segundo os autores, prática cultural só

apontam que a mudança climática é inevitável;

quando for desenvolvida para superar o estresse,

impactos do clima na sociedade estão associadas

o que a distingue de características adaptativas que permitem que as sociedades funcionem

aos padrões insustentáveis de desenvolvimento,


82

Vulnerabilidade, Adaptação e Capacidade Adaptativa

e repercutem também na emissão de GEE, ou seja, elas existem como fruto do próprio modelo de desenvolvimento e são agravadas pelo aquecimento global; e 3) as populações apontadas como mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas estão cobrando medidas de diminuição da vulnerabilidade e aumento de resiliência. Smit e Wandel (2006), a partir da citação a diversos

autores, destacam que existem vários tipos

de pesquisa/investigação sobre a temática da

adaptação. Desde aquelas que têm como objetivo estimar os impactos da mudança climática, e

então também estimar a diferença que a adaptação (assumida ou hipotética) poderia fazer, até as

que empregam a experiência e o conhecimento dos membros da comunidade para caracterizar condições pertinentes, sensibilidades locais,

estratégias adaptativas e processo de decisão

relacionado com a capacidade de adaptação ou resistência. Neste último caso, identificam-se e documentam-se os processos de tomada de

decisão em que adaptações a mudanças climáticas

construídas historicamente. Pielke Jr. (1998, apud SMIT; WANDEL, 2006, p. 282, tradução nossa), também para o contexto das

mudanças climáticas, define adaptações como “os ajustes nos grupos individuais e no

comportamento institucional, a fim de reduzir vulnerabilidade da sociedade às mudanças

climáticas”. Para Fankhauser et al. (1998) e Smit et al. (2000), com base no tempo, as adaptações podem

ser antecipatórias ou reativas e, dependendo do seu grau de espontaneidade, podem ser autônomas ou planejadas.

Existem muitas formas e níveis de adaptação, que

pode ser classificada de várias maneiras (SMIT et al., 2000; WILBANKS; KATES, 1999; HUQ et al., 2003),

quanto ao tempo relativo ao estímulo (antecipatória, concorrente, reativa); à intenção (autônoma,

planejada); ao escopo espacial (local, generalizada); à forma (tecnológica, comportamental, financeira,

institucional, informativa); ao grau de ajustamento ou alteração necessária: a partir de (ou para) o sistema original.

podem ser integradas, caracterizando os chamados

Adaptação se refere ao ajuste dos sistemas ecológicos,

baseado em top-down approach.

ou esperados, estímulos climáticos e seus efeitos ou

As pesquisas recentes sobre adaptação vinculam a

a vulnerabilidade das comunidades e regiões à

das mudanças climáticas aos problemas das

a capacidade de um sistema de se ajustar à mudança

ambientais insustentáveis (PIELKE JR et al., 2007;

eventos extremos de tempo), moderando possíveis

área também são representativos, caminhando

lidando com as consequências (IPCC, 2007).

mudanças climáticas sob uma perspectiva biofísica,

Para Brooks (2003, apud SMIT; WANDEL, 2006,

às vulnerabilidades socioeconômica e ambiental

comportamento e nas características de um

bottom-up approach em contraste com o cenário

sociais ou econômicos para responder aos atuais,

impactos. Adaptação envolve ajustes para diminuir

vulnerabilidade relacionada aos futuros impactos

mudança ou variabilidade do clima (IPCC, 2001). É

atuais iniquidades sociais, assim como às práticas

do clima (inclusive à variabilidade climática e aos

EAKIN; LUERS, 2006). Os avanços teóricos nessa

para discussões que vão além de análise focada nas sem levar em consideração os aspectos ligados

danos, tirando vantagem das oportunidades ou

p. 282, tradução nossa),

“é o ajustamento no

sistema que melhore a sua capacidade para


83

lidar com estresse externo”.

elementos; está essencialmente relacionada ao fato

Nos trabalhos mais recentes das ciências

ambiente favorável que lhes permitam adaptar-

sociedades sobrevivam (e, além disso, floresçam)

importante ter em mente que a capacidade de

distinguidas com base no comportamento e

para país, de comunidade para comunidade, entre

relacionadas à governança.

tempo (SMIT; WANDEL, 2006). De maneira

de as pessoas terem ferramentas corretas e um

sociais, práticas culturais que permitem que as

se com sucesso por um prazo longo. É também

são consideradas adaptações que podem ser

adaptação é específica ao contexto e varia de país

inovação: as de base tecnológica e as que estão

grupos sociais, de pessoa a pessoa e ao longo do

prática, uma ação efetiva no âmbito local depende da combinação de escolhas de desenvolvimento,

4.2 - CAPACIDADE ADAPTATIVA

de ações e de capacidades locais de adaptação (KURIAKOSE et al., 2009).

Capacidade adaptativa de um sistema (região ou comunidade) é o seu potencial ou habilidade de se adaptar aos efeitos ou impactos da mudança

5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

climática. Aumentar a capacidade adaptativa de um sistema seria, então, uma forma de reduzir

vulnerabilidades e promover o desenvolvimento

sustentável (HUQ et al., 2003 apud MAROUN, 2007,

p. 56). A capacidade adaptativa está estreitamente

relacionada com o estado dos recursos naturais e o nível socioeconômico de desenvolvimento.

Uma comunidade humana é um sistema, um

processo complexo conformado, sobretudo, pela

complexa rede de relações formais e não formais,

institucionais, intencionais ou acidentais, previstas

ou casuais, expressas ou tácitas, conscientes ou não, que vinculam entre si os indivíduos ou grupo de indivíduos, e que os atrelam, de forma dinâmica

Capacidade de adaptação refere-se ao potencial

e dialética, a elementos materiais tangíveis e

ao resultado da adaptação. No contexto das

como aos recursos culturais e tecnológicos e aos

sistema de se ajustar, modificar ou alterar as suas

a Ciência, a Ideologia, a Economia, etc. Essa

potencial; tirar vantagens das oportunidades; ou

temores, potencialidades e frustrações, necessidades

em mudança (IPCC, 2007; BROOKS, 2003). As

compreensão que o presente texto utiliza o termo

de adaptar-se, não necessariamente ao ato ou

concretos, aos recursos naturais disponíveis, assim

mudanças climáticas, fala-se da habilidade de um

elementos da superestrutura: o Estado, a religião,

características e ações para moderar um dano em

rede de relações faz com que surjam aspirações e

saber lidar com as consequências de um clima

e satisfações, conflitos e soluções. É com essa

comunidades que são capazes de antecipar, lidar

comunidade.

climáticas são consideradas tendo alta capacidade

Uniforme em toda a literatura é a noção de

com e responder rapidamente às mudanças de adaptação (SMIT; WANDEL, 2006).

A capacidade de adaptação é multidimensional e não há uma aceitação universal sobre os seus

que a vulnerabilidade de qualquer sistema (em

qualquer escala) é o reflexo da (ou uma função da) exposição e sensibilidade do sistema diante das


84

Vulnerabilidade, Adaptação e Capacidade Adaptativa

condições perigosas, e da capacidade do sistema

Instrumentos de planejamento urbano precisam

dessas condições. Adaptações são manifestações da

e articular, por exemplo, planos diretores e

para lidar, se adaptar ou se recuperar dos efeitos

capacidade de adaptação, e representam formas de

incluir informações ligadas a eventos extremos mapeamento de riscos. Para chegar a políticas

reduzir a vulnerabilidade.

públicas que reduzam a vulnerabilidade, é

Capacidade de adaptação local é o reflexo de

suas causas, que são múltiplas e estão intimimante

condições mais amplas, e, em âmbito local, a

possibilidade de realizar adaptações pode ser influenciada por fatores como a capacidade gerencial, o acesso a recursos financeiros,

tecnológicos e informação, infraestrutura, o

ambiente institucional no qual adaptações ocorrem, a influência política, as redes de parentesco, etc. Compreender a capacidade de adaptação exige

da sociedade o reconhecimento da importância de vários processos intangíveis, incluindo

tomada de decisão e governança, promoção de

inovação e experimentação, exploração de novas

oportunidades, dentre outros. Significa considerar não só o que o sistema tem de recursos para a

adaptação, mas também considerar aquilo que um sistema faz para se capacitar, para preparar-se a se adaptar (WRI, 2009).

Adaptação é processo. Não existe um ponto final, um momento determinado em que possa ser

declarado: esta comunidade está adaptada. Até

porque a realidade é dinâmica, e a vida social ainda

necessário olhá-la a partir de um enfoque geral de associadas às desigualdades socioeconômicas, ambientais e políticas.

A esfera pública tem papel fundamental a

cumprir no tocante às medidas de adaptação. A proximidade com a escala local, em que as

questões concretas se manifestam, permite que o poder público atue no plano da diminuição das

inequidades, tanto as de caráter regional como as de cunho internacional, geralmente interligadas. Além disso, é o poder dessa esfera que também

pode e deve atuar na dimensão de propiciar acesso a dados relevantes e informações que permitam

à sociedade produzir conhecimento pertinente e

agir de forma organizada, incluindo reflexões sobre vulnerabilidade e adaptação na análise sistêmica da resiliência socioambiental.

6 - REFERÊNCIAS BICKNELL, J.; DODMAN, D.; SATTERTHWAITE, D. (Eds.). Adapting cities to climate change: understanding and addressing the development challenges. London: Earthscan, 2009.

mais. O que precisa ser feito em termos de ações de políticas públicas é apoiar a capacidade para

se adaptar; isso envolve o conhecimento sobre o

assunto, a possibilidade de acompanhar as novas informações e transformá-las em conhecimento útil, o potencial de inovação e de organização

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89

M UDANÇAS C LIMÁTICAS E G ESTÃO C OSTEIRA Fábio José de Araújo Pedrosa 1 - CONTEXTUALIZAÇÃO

O litoral do Brasil se estende da região equatorial do Hemisfério Norte às

latitudes subtropicais do hemisfério sul, ao longo de mais ou menos 8.000km

banhados pelo Oceano Atlântico Ocidental (figura 1). Como consequência, a zona costeira atravessa, ao longo de toda essa extensão, diferentes ambientes climáticos, que variam do úmido equatorial e tropical ao semiárido no Nordeste e ao subtropical no Sul, e diferentes ambientes geológicos e

geomorfológicos. Para efeitos legais, a zona costeira é constituída por uma

faixa marítima, com 12 milhas náuticas de largura, e por uma faixa terrestre, com 50km de largura a partir da linha de costa, correspondendo a uma superfície territorial total de 535.000km2 (MORAES, 2007).

A distribuição geográfica da população na zona costeira é bastante irregular: fortes concentrações ocorrem nas proximidades das capitais, principalmente

nas cidades do Rio de Janeiro, Salvador, Maceió, Recife e Fortaleza, seguidas por Vitória e São Luís.


90

Mudanças Climáticas e Gestão Costeira

Figura 1 – O litoral do Brasil

Fonte: Mapas... (2014).

Nessas áreas, os problemas ambientais são mais notados e muitas vezes agravados por obras de

engenharia diversas que afetam o frágil equilíbrio ecológico local, tais como: estabilização de canais de maré, canais de acesso e estruturas de abrigo a portos ou terminais marítimos, construção de espigões, etc. Muitas vezes, no passado, a

concepção das obras não considerava o equilíbrio geomorfológico da costa em sentido mais amplo, e as soluções técnicas dos problemas, embora conhecidas, jamais foram implementadas.

As cidades de Belém, Recife e Porto Alegre são exemplos particulares de capitais situadas às

margens de sistemas estuarinos, em que processos

tanto continentais quanto marinhos desempenham papéis às vezes conflitantes. Por esse motivo, são regiões que merecem tratamento diferenciado

quando se discutem as mudanças climáticas globais e os efeitos das variações do nível médio do mar. Nesse contexto, nos territórios com densidade inferior a 1.000 habitantes por quilômetro de

linha de costa, que corresponde a cerca de 40%

do litoral brasileiro, as principais ações de gestão

costeira direcionam-se a ordenar a ocupação futura, evitar urbanização de áreas naturalmente frágeis (como desembocaduras fluviais) e criar zonas

de proteção ambiental; o monitoramento dessas

áreas deve ser conduzido de modo a servir como


91

teste para comprovação com outras localidades.

Em várias cidades, a construção de uma avenida

taxas de ocupação acima de 1.000 habitantes por

urbana em direção ao mar e garantir o acesso

As áreas críticas são aquelas que apresentam

litorânea serve ao propósito de conter a expansão

quilômetro de linha de costa.

público à praia. Como resultado da elevação de

Trechos com ocupação superior a dez mil

mar, das ressacas ou da diminuição do aporte

habitantes por quilômetro de linha de costa

são aqueles onde ocorre maior diversidade de atividades econômicas e, em consequência,

os impactos das mudanças climáticas seriam

origem meteorológica e transitória do nível do

de sedimentos, ocorrem mudanças no perfil da praia, eventualmente afetando as estruturas e beneficiamentos urbanos costeiros.

potencialmente mais danosos; por outro lado,

Entre as formas de proteção, existem as obras

suficiente para dividir os custos de proteção do

frequentemente dificultam o acesso dos banhistas à

nesses locais, haveria população em número

rígidas de fixação (muros ou enrocamento), que

estado atual de ocupação.

praia [por exemplo, Boa Viagem e Candeias (PE),

Nos últimos anos, esforços vêm sendo feitos para

artificial da praia [por exemplo, Copacabana (RJ),

identificar as áreas mais vulneráveis para posterior monitoramento e detalhamento das razões dos desequilíbrios observados (MUEHE, 2001). O

controle dos órgãos ambientais, a legislação que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento

Costeiro (Lei 7.661/88) e as próprias ações de

educação ambiental e divulgação científica, em

conjunto, contribuem para o desenvolvimento de

novos paradigmas de gerenciamento integrado da zona costeira. Vale ressaltar, também, a Política

Nacional sobre Mudança do Clima (Lei n. 12.187, de 29 de dezembro de 2009), que tem um capítulo que aborda a gestão costeira.

2 - VULNERABILIDADE DAS CIDADES COSTEIRAS

Marataízes (ES), Matinhos (PR)], a alimentação

Camburi (ES), Camboriú (SC)] e a construção de obras destacadas da costa [por exemplo, Olinda e Janga (PE)]. Em qualquer caso de proteção

costeira, é preciso identificar a ação dinâmica das ondas, sua sazonalidade, as variações do nível do mar, as características granulométricas da praia e áreas submersas adjacentes, a morfologia da

plataforma continental interna adjacente (que determina o padrão de refração e difração das ondas) e as condições de projeto estrutural.

Outra classe de obras costeiras são as de abrigo portuário, como molhes e quebra-mares [por

exemplo, Mucuripe e Pecém (CE), Recife (PE),

Ilhéus (BA), Tubarão (ES), Imbituba (SC), entre

outros] ou de proteção da costa, como os quebramares construídos sobre os arrecifes ao norte de Olinda (foto 1, PEDROSA, 2007).

As regiões costeiras urbanas, especialmente nas

capitais dos Estados, foram densamente ocupadas e transformadas, a tal ponto que é difícil reconhecer as feições originais.


92

Mudanças Climáticas e Gestão Costeira

Foto 1 – Aspecto geral dos quebra-mares construídos no litoral Norte de Olinda (PE)

A vulnerabilidade dessas obras consiste na

consequência, expor os dutos à ação das ondas na

excedam as condições de projeto, ou no fato

que em geral não é considerado no projeto.

ocorrência de ondas com alturas e períodos que de que, por falta de manutenção, venham a ser gradualmente fragilizadas, a ponto de serem

danificadas por condições de mar mais brandas do que as de projeto.

Os emissários submarinos são outro tipo de obras cujo dimensionamento estrutural e funcional dependem das condições do nível do mar, da

agitação marinha, das condições geotécnicas e da

estratificação do oceano na região do lançamento dos efluentes. As ondas podem provocar esforços estruturais que levem à ruptura da tubulação por fadiga, como ocorreu no emissário de Ipanema (RJ). Nesta categoria, devem ser incluídos

também os oleodutos e gasodutos que atravessam (soterrados) as praias [por exemplo, Guamaré

(RN), Cabiúnas e Barra do Furado (RJ)]. Como

resultado de mudanças do regime de ondas, a praia pode se acomodar a uma posição diferente e, em

zona de arrebentação ou das correntes de maré, o

Muitas vezes, pela idade da obra, os dados

ambientais (regime de ondas, nível do mar, dados geomorfológicos, correntes de deriva litorânea) que foram utilizados para o projeto não estão mais disponíveis, dificultando a avaliação de

vulnerabilidade das praias e estruturas costeiras. Mais preocupante, porém, é que aquelas

informações ambientais não são monitoradas

regularmente. Na hipótese de acontecer algum

dano estrutural em consequência de uma ressaca, coloca-se em questão se as condições ocorridas foram excepcionais ou se houve degradação da estrutura.

Esta é uma questão relevante para as seguradoras,

o que se tornará inevitavelmente mais frequente no Brasil dado o cenário de mudanças climáticas.


93

3 - EFEITOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

A ausência de monitoramentos de longo prazo da mobilidade da linha de costa, do clima de ondas e do nível do mar torna difícil a distinção entre

eventos e tendências. Classificações contraditórias, De forma generalizada, ocorre erosão ao longo

entre risco elevado e moderado, para o mesmo

se intensificará na ocorrência de uma elevação

apoio em informações mais amplas e confiáveis.

intensidade de tempestades e de mudanças no

Considerando que, no conjunto, a linha de costa

de quase todo o litoral brasileiro, fenômeno que

segmento costeiro são típicas de interpretações sem

do nível do mar, de aumento de frequência ou

clima de ondas. Áreas mais significativamente comprometidas estão, em geral, restritas a

segmentos bem definidos e muitas vezes resultam

da intervenção humana no balanço de sedimentos após a construção de estruturas rígidas, que

teriam como finalidade proteger a própria costa ou instalações portuárias. Tais construções

geralmente desencadearam ou intensificaram o processo erosivo, resultando na construção de

novas estruturas de retenção ou proteção, como

espigões e muros. Os exemplos mais críticos dessas intervenções são encontrados na orla das Regiões

Metropolitanas de Fortaleza – a oeste de Mucuripe – e de Recife – ao longo da orla de Olinda.

O posicionamento de arruamentos e benfeitorias urbanas muitas vezes não considera as

condições extremas do “perfil de tempestade”, e as construções são planejadas em posição

demasiadamente avançada em direção ao mar,

tomando como referência o “perfil de bom tempo”. O problema já foi devidamente reconhecido, e

normas foram elaboradas fixando a largura de uma

faixa de não edificação. Entretanto, as normas nem sempre são respeitadas, além de ser difícil remover as construções já existentes. Em muitos países,

com tradição mais longa em engenharia costeira, tais procedimentos normativos são severamente

fiscalizados e respeitados, inclusive estabelecemse prêmios diferenciados de seguro contra danos

causados pelas inundações de furacões, em função da distância em relação à linha de base.

não se apresenta submetida a riscos iminentes de

grande amplitude, há, no entanto, aspectos a serem levados em conta. Grandes áreas, especialmente

na região Nordeste, apresentam déficit sedimentar

devido à transferência de sedimentos do estirâncio para o campo de dunas, por ação eólica. Cordões litorâneos ao longo das regiões Sudeste e Sul

recuaram durante as oscilações transgressivas do

Holoceno e apresentam atualmente características transgressivas com transposição de ondas e erosão localizada.

A declividade da antepraia e plataforma

continental interna nas regiões Norte e Nordeste é muito baixa, resultando em amplos recuos

da linha de costa no caso de uma elevação do nível do mar (NEVES; MUEHE, 2005). Neste cenário, a exposição de recifes de arenito de

praia defronte a longos trechos do litoral do

Nordeste paradoxalmente reduz a proteção que

essas formações fornecem à praia: em decorrência do aumento da profundidade da água, aumenta a altura das ondas que atingem a face da praia, levando a um reajuste do perfil da praia.

As falésias sedimentares das regiões Norte,

Nordeste e parte do Sudeste representam alguma

proteção à erosão, pois, apesar de haver aumento da taxa de retrogradação em adaptação a um nível do

mar mais elevado, ele será muito lento já que parte


94

Mudanças Climáticas e Gestão Costeira

do déficit sedimentar é coberto pela incorporação dos sedimentos ao perfil da antepraia, liberados pelo processo erosivo. No entanto, os episódios

de desmoronamento, quando ocorrem, se dão de forma abrupta (MUEHE, 2006).

hídricos, com especial destaque para medições hidrossedimentológicas nos estuários.

4 - MEDIDAS MITIGADORAS E ADAPTATIVAS

Outra variável a ser considerada é a mudança dos ventos e suas consequências sobre o

oceano. Registros de altura de ondas são raros e

4.1 - EROSÃO E PROGRADAÇÃO DA LINHA DE COSTA

sendo instalada uma rede de medição.

Ao se considerar as mudanças climáticas e seus

descontínuos. Somente em anos mais recentes vem

impactos sobre a zona costeira, deve-se ampliar Não se pode esquecer, porém, que tais sistemas

bastante o horizonte dos fenômenos considerados.

de sua localização e movimentação sobre o oceano,

decorrência da erosão são autoexplicativas da força

a atingir a costa. Portanto, mudanças climáticas

que o acompanham. Menos divulgados, porém,

sua vez, provocarão mudanças na forma e posição

sedimentos em portos, marinas e praias, cujos

possível inferir a partir dos modelos numéricos

mas trazem igualmente custos à sociedade

Climáticas (IPCC), nem a partir das escassas e

ecossistemas naturais.

brasileira.

É necessário conhecer o clima de ondas, as

Desse modo, a melhor maneira de reduzir futuros

meteorológica) e as características granulométricas

implementação de programas de gerenciamento

é necessário avaliar os benefícios da ocupação

forma a conduzir e controlar a urbanização,

se formam em baías, lagunas e estuários, bem

com o monitoramento de segmentos costeiros,

ou tendência permanente. Neste caso, o “recuo”

para medições contínuas e de longa duração de

comprometendo a sobrevivência de ecossistemas

programas de monitoramento de ondas, de

com efeitos sobre a cadeia trófica.

finalmente, em cooperação com a União, sistemas

A ocupação de praias e o avanço da urbanização

meteorológicos produzem ondas, e, dependendo

As imagens de destruição causada pelo mar em

elas resultam em diferentes padrões de ondulação

do ambiente e dos problemas sociais e econômicos

causam alterações de clima de ondas, as quais, por

são os problemas de deposição indesejada de

das praias. Esse nível de detalhe ainda não foi

impactos econômicos são invisíveis à população

do Painel Intergovernamental de Mudanças

na forma de obras de dragagem ou perdas de

intermitentes medições de ondas ao longo da costa

variações do nível do mar (maré astronômica e

problemas devido à erosão costeira é a firme

da praia a ser protegida. No caso de progradação,

costeiro em todos os municípios litorâneos, de

da praia acrescida ou dos bancos de areia que

estabelecer zonas de não edificação juntamente

como determinar se o fenômeno é transitório

assim como a expansão e manutenção de redes

significaria “nenhuma ação”, eventualmente

marés e ondas. Caberá aos Estados implementar

complexos (manguezais, brejos salinos, lagunas),

nível do mar, parâmetros meteoro-marinhos e, de controle geodésico da costa e dos recursos

sobre as novas áreas conquistadas ao mar seriam


95

exemplos de “adaptação”, mas correr-se-ia o risco

foi efetuado o preenchimento com areia.

cenários de nível relativo do mar ou de clima de

Num cenário de mudanças climáticas,

de, se fosse transitória a progradação, em outros ondas, o litoral retornar a situações anteriores,

destruindo a ocupação mais recente. Esses ciclos podem levar algumas décadas, enquanto que a

ocupação ou urbanização produz-se em alguns

(poucos) anos. Este é o caso dos pontais próximos a desembocaduras fluviais.

A resposta de “proteção” seria aquela que procuraria manter o sistema na situação presente, ou seja,

seriam necessárias obras de dragagem. Neste caso, onde seria despejado o material? Eis um exemplo

de problema ambiental de importante magnitude a ser considerado.

outros fatores devem ser considerados, tais como a variação do nível médio do mar

(maré meteorológica) e a energia das ondas.

Considerando que a existência de uma obra de

proteção costeira pressupõe alguma utilização da

orla, a resposta adequada seria a reconstrução (ou

“proteção”) desta, adaptando-a as novas condições oceanográficas e meteorológicas.

Eventualmente, deveria ser efetuado estudo

econômico para substituir a forma de proteção ou mesmo para a remoção de obras que perderam sua funcionalidade. Por exemplo, em Miami

Beach (EUA), o U.S. Army Corps of Engineers

4.2 - DANOS A OBRAS DE PROTEÇÃO COSTEIRA As obras de proteção costeira podem se classificar em função de seu posicionamento relativo à linha de costa (aderentes ou destacadas, paralelas ou

perpendiculares), em função de seu funcionamento estrutural (rígidas ou flexíveis) ou em função

do material nelas utilizado. Os parâmetros de dimensionamento de uma obra de proteção

são a faixa de variação do nível do mar (maré

astronômica e meteorológica); da altura, do período e do ângulo de incidência da onda na arrebentação; da granulometria dos sedimentos; e da batimetria local.

Tomando como exemplo os quebra-mares

construídos sobre os arrecifes ao norte de Olinda, trata-se de obras destacadas da costa e sua

eficiência de proteção consiste exatamente na

capacidade de impedir que as ondas ultrapassem as estruturas. Já em Fortaleza utilizaram-se estruturas perpendiculares à costa (espigões), entre as quais

optou por um engordamento artificial, desta

forma “soterrando” as estruturas rígidas (muros, espigões) existentes inicialmente para proteção

das propriedades privadas (hotéis e residências). A nova praia que foi criada passou a ser de uso

público, enquanto que a praia original era de uso

privativo dos proprietários do terreno fronteiriço ao mar.

Recentemente, em 2013, no litoral de Jaboatão

dos Guararapes (PE), foi recuperado um trecho

de quase 10Km de extensão, alargando as praias em cerca de 30 metros, a um custo total de aproximadamente R$50 milhões.


96

Mudanças Climáticas e Gestão Costeira

Fotos 2 e 3 – Aspecto geral do litoral de Jaboatão dos Guararapes (PE), antes e depois do engordamento realizado em 2013

Fonte: Engorda... (2014).

4.3 - PREJUÍZOS ESTRUTURAIS OU OPERACIONAIS A PORTOS E TERMINAIS

As obras de abrigo portuário, por definição, têm por objetivo criar artificialmente uma região

protegida das ondas de modo a garantir segurança às operações portuárias e às manobras dos navios. Elas podem ser enraizadas na linha de costa

(molhes) ou destacadas da costa (quebra-mares);

seguem exemplos de portos brasileiros localizados em mar aberto: Luís Correa (PI), Mucuripe e Pecém (CE), Recife e Suape (PE), Terminal


97

Inácio Barbosa (SE), Ilhéus e Cumuruxatiba

(BA), Tubarão e Ubu (ES), Barra do Açu (em

construção), Imbetiba e Forno (RJ), Imbituba (SC).

Mudanças meteorológicas (ocorrência de tornados, ou ventos mais fortes, mudanças na climatologia de ventos) teriam efeitos sobre as estruturas de

manuseio de cargas e sobre as pilhas de acostagem. Nesse caso, pelos investimentos já realizados, a

Neste caso, eventuais reforços estruturais ou

possíveis: reforçar as estruturas com blocos maiores

vultosas; forças de vento sobre os navios atracados

opção é a de “proteção” e duas ações se fazem

mudanças de arranjo portuário não seriam obras

(enrocamento ou artificiais), elevando a cota de

deveriam ser reavaliadas.

ou alterar a concepção do projeto utilizando, por

O problema mais sério seria o posicionamento em

blocos de menores dimensões e que se ajustam

que depende da direção de incidência das ondas e

coroamento para evitar galgamento pelas ondas;

exemplo, o modelo “quebra-mar de berma”, com

planta do canal de acesso e da bacia de evolução,

ao clima de ondas. Em alguns casos, pode ser

dos ventos.

das ondas sobre a estrutura), sem prejuízo da

Quanto a variações do nível médio do mar e do

admissível o galgamento (ou seja, a transposição operação portuária.

As estruturas portuárias de acostagem, como cais, píeres, dolfins etc., também são afetadas pelo

nível do mar, uma vez que, no interior do recinto

portuário, não se espera que exista onda. No Brasil, o porto de Suape é o único exemplo de porto

que considerou, em seu projeto de expansão do cais e pátios no início da década de 1990, uma

sobrelevação de 25cm do nível relativo médio do

grau de agitação marítima, merece investigação

mais aprofundada a ação físico-química da água do mar sobre as estruturas de concreto, especialmente na região exposta intermitentemente à água do mar, respingos e ar. Entre as variáveis a serem incluídas no monitoramento, as propriedades

químicas da água do mar, especialmente a presença de sulfatos, e a resposta do concreto em longo

prazo são exemplos a se considerar como efeitos das mudanças climáticas.

mar (MUEHE, 2001). A adaptação das estruturas

portuárias de acostagem para novas condições

de nível do mar poderá ser obra de grande custo, e a “acomodação” consistirá na redução das

4.4 - DANOS A OBRAS DE URBANIZAÇÃO DE CIDADES LITORÂNEAS

horas de operação de acordo com as condições

oceanográficas, o que representa custos. No caso

das plataformas turísticas ou píeres, a experiência tem mostrado que eles são abandonados,

progressivamente destruídos pelo mar, trazendo

riscos aos banhistas. No caso das ilhas artificiais

e das plataformas fixas de petróleo, outros fatores econômicos entram em jogo, inclusive a vida útil

das obras e a necessidade de desmontagem no caso de encerramento de atividades, de acordo com a legislação ambiental.

As planícies costeiras urbanizadas, especialmente nas capitais dos Estados, foram densamente

ocupadas e transformadas, a tal ponto que é difícil

reconhecer as feições originais. A cidade do Rio de Janeiro é um exemplo interessante: praticamente toda a orla da baía de Guanabara foi aterrada; a praia de Copacabana é o maior engordamento artificial de praia já realizado no Brasil; as

praias de Ipanema e Leblon também receberam


98

Mudanças Climáticas e Gestão Costeira

alimentação artificial de areia, além de terem sido

A ideia prevalente de urbanização da orla em

urbanizadas na década de 1950 (com a construção

várias cidades costeiras no Brasil é a construção

ao longo dos 20 quilômetros de extensão da praia

de lazer e contemplativos), que têm o propósito

litorânea sobre o cordão de dunas, que poderá ser

direção ao mar e garantir o acesso público à

transiente do nível do mar, como já ocorre com

exemplo, em Balneário Camboriú, Santos, Rio de

de Sernambetiba; ao longo da orla da baía de

exemplo notável de transformações urbanas na

refletivos para as pequenas ondas incidentes, com

nas fotos 4 e 5.

de um muro e aterro para pistas de rolamento);

de uma avenida litorânea e de um parque (fins

da Barra da Tijuca, foi construída uma avenida

indiscutível de conter a expansão urbana em

ameaçada em episódios de ressaca e de elevação

praia. Este estilo de ocupação da orla é visto, por

a urbanização da praia da Macumba e no Pontal

Janeiro, Vitória e Recife – sendo essa última um

Sepetiba, as praias possuem muros, altamente

praia de Boa Viagem, conforme pode ser observado

risco de solapamento e colapso; ainda na baixada de Sepetiba, localizam-se as áreas mais extensas com risco de inundação em caso de elevação do

nível do mar, embora haja outras áreas na baixada

de Jacarepaguá e próximo aos rios Pavuna e Meriti em igual nível de risco (NEVES; MUEHE, 2005).

Fotos 4 e 5 – Aspecto geral da Praia de Boa Viagem, mostrando as transformações urbanas verificadas entre o início do século XX e o início do XXI


99

Fonte: Pedrosa (2007).

Como resultado da elevação de origem

Em qualquer caso de proteção costeira, é preciso

das ressacas ou da diminuição do aporte de

as variações do nível do mar, as características

meteorológica e transitória do nível do mar, sedimentos, ocorrem mudanças no perfil da praia, eventualmente afetando as estruturas e beneficiamentos urbanos costeiros. As

prefeituras têm optado, na maioria das vezes, pela construção de obras rígidas de fixação (muros ou

identificar a ação dinâmica das ondas, sua sazonalidade, granulométricas da praia e áreas submersas adjacentes, a morfologia da plataforma continental interna adjacente (que determina o padrão de refração e difração das ondas) e as condições de projeto estrutural.

enrocamento), que frequentemente dificultam o acesso dos banhistas à praia e diminuem o valor

paisagístico da região [por exemplo, Boa Viagem e

Candeias (PE), Marataízes (ES), Matinhos (PR)].

4.5 - DANOS ESTRUTURAIS OU PREJUÍZOS OPERACIONAIS A OBRAS DE SANEAMENTO

A alimentação artificial da praia [por exemplo,

Copacabana (RJ), Camburi (ES), Camboriú (SC)] é uma solução mais atraente, tanto urbanística

quanto tecnicamente em termos de engenharia

costeira, mas tem sido relativamente pouco usada.

Os emissários submarinos são dimensionados para

levar, por gravidade, os esgotos domésticos para uma

distância suficientemente afastada da costa. Caso eles não sejam enterrados, podem ficar sujeitos a esforços induzidos por ondas e correntes, à semelhança dos

dutos para exploração de petróleo. Neste caso, a resposta é o monitoramento estrutural permanente.


100

Mudanças Climáticas e Gestão Costeira

Outro aspecto, mais difícil de ser tratado, diz

respeito às cotas do sistema de bombeamento

ou de lançamento. No caso de elevação do nível do mar (maré meteorológica), pode ocorrer o afogamento do sistema, prejudicando o

lançamento. A questão das propriedades físicas

(temperatura, estratificação) da água do mar no

ponto de lançamento, ou ainda das condições de

insolação, constitui um problema que merece ser cuidado com muita atenção. Futuros emissários devem considerar a construção de estações de

tratamento prévio antes do lançamento, haja vista

os elevados custos da extensão de um emissário em funcionamento.

estruturas repousam no fundo do mar e são

expostas a correntes fracas. Problemas ocorrem se as correntes, induzidas por marés ou por ondas, tornam-se mais fortes, produzem vibrações ou

transportam sedimentos que se acumulam junto à tubulação, produzindo esforços adicionais. O

segmento mais crítico, porém, é a travessia da zona de arrebentação no caso de dutos construídos em praias oceânicas expostas. Variações do perfil de praia em eventos de tempestade podem expor a tubulação à ação direta das ondas, deixá-la

sem apoio estrutural ou colocá-la em vibração,

eventualmente próximo de ressonância. Condições próximas de acidentes ocorreram em praias [por exemplo, Guamaré (RN), Cabiúnas e Barra do

Em algumas cidades, as características geomorfológicas locais aumentam a

vulnerabilidade da infraestrutura de saneamento (incluindo a drenagem urbana) mediante as

mudanças climáticas. O Recife, por exemplo, tem

Furado (RJ)] e acidentes por fadiga chegaram

a ocorrer na baía de Guanabara, em condições abrigadas de ondas mas sujeitas a correntes de maré.

cerca de 1/3 do seu território situado numa planície

O monitoramento permanente é a resposta

altitude média é de 4,0m e submetida a marés de

embora a previsão de cenários acoplada a modelos

presença de um cinturão de morros de constituição

cenário até 2100, deve-se, porém, considerar a

porção da cidade mais densamente ocupada uma

tubulação ou dos campos de petróleo, e neste caso

que se misturam às águas servidas, devido à

Portanto, outra resposta admissível é a construção

costeira, localizada num sistema estuarino cuja

recomendada no caso de mudanças climáticas,

sizígia que alcançam 2,8m (PEDROSA, 1995). A

de comportamento estrutural seja possível. No

geológica, em grande parte sedimentar, torna a

outra possibilidade de esgotamento da vida útil da

área de captação de águas pluviais e de sedimentos,

a legislação ambiental prevê a retirada da estrutura.

precariedade do atual sistema de saneamento.

de uma nova tubulação e a retirada da antiga.

4.6 - EXPOSIÇÕES DE DUTOS ENTERRADOS OU DANOS ESTRUTURAIS A DUTOS EXPOSTOS

4.7 - INTRUSÕES SALINAS EM ESTUÁRIOS O controle da intrusão salina ou da inundação

A exploração de petróleo e gás na plataforma

continental exigiu a construção de dutos ligando os campos ao largo a instalações em terra. Em

áreas mais profundas ou em baías, em geral essas

de áreas costeiras é feito através de barragens

e comportas, que são acionadas em resposta à

previsão de elevação do nível médio do mar (por

exemplo, rio Tâmisa, na Inglaterra, e Projeto Delta, na Holanda).


101

São obras de grande vulto, cuja justificativa

se fundamenta no valor do patrimônio a ser

4.9 - EVOLUÇÃO DOS MANGUEZAIS

eventos de maré meteorológica podem provocar

Enquanto que no mundo a área de manguezais foi

No Brasil, ainda não foram registrados eventos de

entre 1980 e 2005, a mesma tendência não se

preservado. De fato, no Mar do Norte, os

sobrelevação de 3m no nível relativo médio do mar.

reduzida em aproximadamente 20% no período

tal magnitude.

observou no Brasil, onde a redução foi de apenas

Um levantamento detalhado dos aproveitamentos dos recursos hídricos em todos os ambientes

estuarinos deveria ser iniciado, a partir dos rios federais, caracterizando-se as vazões fluviais (a

montante), o nível do mar (a jusante) e realizandose o mapeamento das áreas inundáveis (prisma de maré). No caso das tomadas d’água para

abastecimento e irrigação, poderiam ser construídas barragens localizadas (“proteção”) ou poderiam

ser estabelecidos procedimentos de operação das

bombas em função da vazão fluvial, do nível médio do mar e da propagação da maré (“acomodação”). No caso dos viveiros de carcinicultura e outras

formas de aquicultura, possivelmente as únicas

respostas cabíveis seriam a adaptação da cota de

coroamento dos diques e os cuidados ambientais nos momentos de despesca (“acomodação”) (COUTINHO, 1980).

5%. A pressão da urbanização, utilização da

área para fazendas de aquicultura, mudanças no

aporte de água doce e de sedimentos continentais, variações no prisma de maré, mudanças de

temperatura são os principais agentes impactantes sobre os manguezais. Cenários futuros de

aquecimento levariam a supor que os manguezais pudessem povoar outras áreas, hoje cobertas por vegetação de brejo salino (como as lagunas em

Santa Catarina e Rio Grande do Sul). A elevação do nível do mar, em princípio, favoreceria a

expansão dos manguezais para áreas mais altas, o

que frequentemente é impedido pela presença de ocupação humana (MUEHE, 2006).

Assim, respostas de “proteção” possivelmente

implicariam remanejamento populacional, o que representa um custo social muitíssimo elevado, especialmente para populações que retiram

subsistência daquele ambiente. A redução de áreas de manguezais também traria impacto sobre as

4.8 - INTRUSÕES SALINAS EM AQUÍFEROS

aves, inclusive as migratórias, assim como para a

ictiofauna local. Possivelmente a opção de “recuo” seria a de ação nula e abandono do manguezal à

Uma vez que ocorra a intrusão salina nos poços

sua própria sorte; a opção de “acomodação” seria a

ser o abandono do poço (“recuo”). Na região

outras áreas; finalmente, a opção de “proteção” seria

problema vem se agravando (COSTA; SANTOS,

florestada, garantindo o equilíbrio halino, hídrico,

de captação, não existe outra medida a não

conjugação entre aquicultura e reflorestamento em

metropolitana do Recife, há cerca de vinte anos tal

a de permitir a expansão ou a manutenção da área

1990; PEDROSA, 1995).

térmico e sedimentológico do ambiente estuarino.

O estabelecimento de procedimentos e quotas de

Este conjunto de ações está muito distante de ser

captação de água insere-se no contexto mais amplo

do gerenciamento integrado dos recursos hídricos e zona costeira.

factível no Brasil e deve servir de alerta aos diversos


102

Mudanças Climáticas e Gestão Costeira

órgãos governamentais no âmbito da Comissão

Documentos e de Dados e Informações Costeiras),

Para o planejamento de qualquer ação futura, em

permanente, se pudessem planejar antecipadamente

Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM). primeiro lugar, é imperativo que se estabeleça um programa de monitoramento ambiental de longo prazo, envolvendo parâmetros meteorológicos, oceanográficos, geodésicos e geomorfológicos.

de modo que, através do monitoramento ambiental as medidas necessárias para preservar, deslocar ou

proteger as atividades em pauta (MORAES, 2007). Em âmbito federal, há várias questões legais a

serem resolvidas, as mais urgentes: a superposição Em segundo lugar, deve-se reconhecer o papel

de jurisdições e a incapacidade de colocar em

territorial. Talvez visando apenas ao recolhimento

a legislação que estabelece os terrenos de marinha,

do município, é permitida a ocupação de áreas

Esses terrenos não estão demarcados em toda a

critérios básicos de engenharia costeira; enquanto

preamar de 1831. Ora, como estabelecer a posição

obras de proteção e de recuperação, mais vultosas,

brasileira é ainda pouco povoada? Este é o exemplo

(por exemplo, obras de “engordamento” de praias

implementada e, por falta de atualização, deixa-se

grande), como ocorreu recentemente no litoral de

o acesso público e o domínio da União sobre uma

dos municípios na ordenação do seu espaço

prática as leis vigentes. Um exemplo característico é

de taxas municipais ou o embelezamento da orla

cadastrados no Serviço de Patrimônio da União.

frágeis, ou morfologicamente instáveis, sem

faixa costeira e são definidos a partir da linha de

estas obras são pagas com recursos municipais, as

desta “linha” se, ainda hoje, cerca de 40% da costa

são pagas com recursos estaduais ou federais

de uma legislação que carece de meios para ser

em várias cidades litorâneas de porte médio ou

de promover o benefício maior, que é o de garantir

Jaboatão dos Guararapes (PE).

faixa de território a ser protegida.

As ações do Programa de Gerenciamento Costeiro, em âmbito federal, dirigem-se necessariamente ao estadual, o que muitas vezes mostrou-se incapaz

de atingir o municipal, como pode ser atestado por vários casos de erosão costeira, de destruição de

ecossistemas e de ocupação desordenada da orla.

Isto remete a um terceiro nível de ações, em que o

Estado deve incentivar a preservação ambiental não apenas através da criação de reservas ou parques, mas principalmente através da educação no seu

sentido mais amplo, em vários níveis, inclusive a

educação continuada de técnicos de nível superior. Manter um registro de atividades econômicas

na zona costeira não é difícil; a novidade seria

ter um registro das condições de projeto ou de

operação dessas atividades (por exemplo, Banco de

Ações de coordenação entre as diversas

esferas seriam desejáveis. Isto exigiria maior descentralização das ações municipais (por

exemplo, através de agências ou secretarias de

meio ambiente ou de gerenciamento costeiro),

maior capacitação técnica nos órgãos ambientais

para lidar com assuntos costeiros, um protocolo de comunicação mais ágil entre os atores interessados em aproveitamentos ou na preservação em regiões costeiras e continuidade de ações ao longo do tempo.

Tais ações exigem o estabelecimento de verbas,

orçamentárias ou oriundas de Fundos Setoriais, para programas de monitoramento ambiental,

para construção e manutenção de bancos de dados e para educação em diversos níveis. Deveria ser


103

analisada a experiência de programas educacionais de outros países com extensão territorial e de

interesses marinhos semelhantes aos do Brasil.

Finalmente, chega-se à questão das ações

mitigadoras: isso dependerá de cada caso. Recuar, acomodar a uma nova situação ou proteger o

patrimônio dependerá dos recursos financeiros A comunicação entre programas de gestão de

disponibilizados pela sociedade, da organização

e os de gerenciamento costeiro, o que se entende

financeiros) envolvidos. O que se tem verificado

ser estimulada. A participação dos municípios

proteger a linha de costa, embora, no passado, no

minoritária e, muitas vezes, desproporcional à

abandonar as casas (PEDROSA, 2007), conforme

recursos hídricos (comitês de bacias hidrográficas)

dos diversos agentes e dos valores (não apenas

como Gerenciamento Costeiro Integrado, deve

atualmente nas grandes cidades é a solução de

estuarinos nos comitês de bacias em geral é

caso de Fortaleza e Olinda, tenha-se preferido

importância que a região costeira representa para

pode ser observado na foto 6.

também, que o estuário é um ambiente integrador

FOTO 6 – Aspecto da Praia dos Milagres

a bacia como um todo. Não se pode esquecer, de todas as ações que são tomadas na bacia

hidrográfica e, portanto, um ambiente mais vulnerável.

Há, ainda, questões éticas e econômicas que

(Olinda, PE), mostrando a destruição

provocada pelas ressacas marinhas de 1948, forçando muitas famílias a abandonarem suas casas

precisam ser melhor discutidas. Afinal, seria

legítimo investir verbas públicas, federais ou

estaduais, em regiões que reconhecidamente sofrem processo progressivo de erosão? Isto evidentemente

depende daquilo que se deseja preservar. Porém, em áreas ainda desabitadas, deveria ser desencorajada a ocupação territorial ou, pelo menos, ordenada a partir de estabelecimentos de faixas de proteção costeira.

Fonte: Pedrosa (2007).

Qualquer obra ou intervenção deveria ser projetada por corpo técnico formado especificamente em

Nas pequenas comunidades costeiras, dependendo

ambientais deveriam necessariamente incluir a

a fazer a não ser abandonar as propriedades. Em

acordo com cenários estabelecidos regionalmente

pode ser remediada através da construção de

Gerenciamento Costeiro); e o financiamento da

adaptação, substituindo-se a agricultura por formas

engenharia costeira; os estudos de impactos

da severidade da ação erosiva do mar, pouco resta

vulnerabilidade da obra a mudanças climáticas de

ambientes estuarinos, a questão da intrusão salina

(por exemplo, pelos Planos Nacionais de

diques e comportas (obras vultosas) ou através da

obra poderia ser condicionado à satisfação dessas

de aquicultura.

exigências.


104

Mudanças Climáticas e Gestão Costeira

5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

O modelo de produção e consumo da sociedade

atual tem ultrapassado a capacidade do ambiente Na discussão dos efeitos das mudanças climáticas nas zonas costeiras, é imprescindível que seja considerada uma cadeia de agentes naturais bem mais ampla do que apenas a elevação

termoeustática do nível do mar. Os principais impactos previstos na zona costeira em

consequência de mudanças climáticas, excluindo-se aqueles que seriam comuns às áreas interiores dos

continentes, foram apresentados, de forma sucinta, neste texto.

de absorver os impactos da utilização dos recursos naturais. Em geral, é a pressão gerada pelas

necessidades de consumo que define os objetivos

do planejamento territorial, e não a capacidade de suporte do ambiente e os impactos da atividade transformadora. Assim, o planejamento e

a gestão costeira devem considerar critérios de potencialidades e limitações ambientais, observando que:

• A região é um conjunto interativo de aspectos socioculturais e naturais complexos;

Além deles, devem ser consideradas as mudanças

climáticas associadas à interação oceano-atmosfera e suas consequências sobre as diversas formas de

ocupação da zona costeira e da Zona Econômica Exclusiva, inclusive as atividades de exploração mineral na plataforma e talude continentais, e

sobre as rotas de navegação no Atlântico Sul, em face do aumento dos riscos para as embarcações.

Prever respostas e antecipar cenários para a zona costeira é uma situação bastante complexa e,

lamentavelmente, tais ações ainda são tênues

por parte dos órgãos fomentadores de pesquisa, das instituições responsáveis pela formação de

recursos humanos e dos condutores de políticas públicas, quando se trata da valorização do mar

para o desenvolvimento sustentável do País. Nesse contexto, o conhecimento ainda precário sobre

o nosso litoral amplifica os problemas eventuais

advindos de mudanças climáticas na zona costeira e tornará o País vulnerável a agentes externos, sejam eles naturais ou econômicos.

• Devem ser estabelecidas metas no longo prazo,

exigindo-se interdisciplinaridade na resolução de problemas;

• O planejamento ambiental deve buscar o uso

múltiplo do território e a reutilização como forma racional de maximizar o aproveitamento dos

recursos naturais para satisfazer às necessidades da produção e minimizar os efeitos e riscos negativos sobre o meio e a biodiversidade;

• A sociedade deve ter participação intrínseca

no processo decisório, de forma a torná-lo mais legítimo e efetivo, a partir de uma maior

participação social nas tomadas de decisão para a gestão costeira.


105

6 - BIBLIOGRAFIA BRASIL. Lei 7.661/88. Institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro. Brasília, 1988.

7 - RECURSOS ONLINE:

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107

M UDANÇAS C LIMÁTICAS E R ESILIÊNCIA DA I NFRAESTRUTURA U RBANA Luiz Priori Jr O Painel de Alto Nível do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre

Sustentabilidade Global, através do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA, 2012), afirma que a mudança climática é um risco para

todos os países e pessoas, sendo esses riscos particularmente graves para os mais pobres do mundo. Nestes, o processo de urbanização acelerada e não planejada aumenta a concentração populacional e corrobora o fraco desenvolvimento da

infraestrutura urbana, agravando a vulnerabilidade ao risco de desastres (IPCC, 2012).

A previsão para o ano de 2050 é que a população mundial seja 70% urbana e o planeta viverá na era das megacidades – possuindo mais de cem áreas urbanas

com mais de 10 milhões de habitantes (FRIEDMAN, 2006, 2008; SACHS, 2005,

2008; CRAMER; KARABELL, 2010). Esse incremento se dará principalmente

nas regiões menos desenvolvidas do planeta, em contraste com as regiões mais desenvolvidas, onde o crescimento populacional será praticamente zero.

Destacam-se as zonas costeiras que concentram grande parte desse contingente

populacional – na maior parte dos países – e são áreas especialmente vulneráveis a perturbações naturais ou humanas (SANTOS, 2009). São, em maior ou menor escala, mais vulneráveis aos perigos relacionados ao clima, decorrentes de

fenômenos que tanto podem afetar toda a paisagem terrestre, como as secas, as

inundações e as cheias de rios, e a má qualidade do ar, como mais especificamente locais costeiros: a erosão da costa, as tempestades e danos provocados pelo vento e as inundações pelo aumento no nível do mar (KLEINA et al., 2003).

Segundo IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), a mudança climática constitui-se em uma alteração no estado do clima que pode ser

identificada por modificações na temperatura média e/ou na variabilidade de suas propriedades e que persiste durante um longo período de tempo, tipicamente por décadas ou mais (IPCC, 2012, p. 29).


108

Mudanças Climáticas E Resiliência Da Infraestrutura Urbana

Este problema “tem sua origem no ciclo

A resiliência, segundo Newman et al. (2009),

constantemente acelerado pela atividade antrópica,

(comunitária), como também infraestrutura física

do carbono no planeta, que vem sendo

com a extração e queima de petróleo e carvão,

além das queimadas de florestas e das emissões

de metano das grandes hidrelétricas, plantações

inundadas, como o arroz, e dos grandes rebanhos de gado” (CONRADO et al., 2012).

De acordo com o IPCC (2007), a mudança climática

aplicada às cidades envolve força interior

e ambiente construído forte. O desafio, para o

futuro, é tornar as cidades social e economicamente mais resilientes, de modo aceitável e viável. Para isso, alguns estudiosos acreditam que a criação

de cidades resilientes se dará apenas com avanços

tecnológicos; entretanto, é consenso que teria que envolver uma mudança cultural, econômica e no

pode ser devida a processos naturais constrangentes

modo de vida dessas comunidades.

persistentes na composição de atmosfera ou no uso

Cidades resilientes têm um sistema construído

são projetadas para continuar além deste século,

diversidade de transportes, sistemas de uso do

de cenários de emissões de gases de efeito estufa

que possibilitarão caminhar em prol de um

locais das mudanças climáticas são incertos e,

pegada ecológica (racionalização do consumo de

de emissão atuais se coadunam com trajetórias que

resíduos sólidos e emissões). Entre os benefícios

na Terra de 2,5 a 5°C até o final do século XXI.

locomoção – mobilidade e acessibilidade –, mesmo

internos ou externos, ou alterações antropogênicas da terra. As mudanças climáticas antropogênicas

que podem adaptar-se a mudanças, como uma

conclusão que é fortalecida pela grande variedade

solo e múltiplas fontes de energia renovável

no futuro. Consoante o UNISDR (2012), os efeitos

desenvolvimento sustentável: reduzindo a sua

segundo o relatório do PNUMA (2011), os níveis

água, materiais e energia, redução da geração de

levariam a uma provável elevação da temperatura

de uma cidade resiliente, está a maior facilidade de

1 - A RESILÊNCIA URBANA

em áreas com elevada densidade populacional;

comunidades de uso misto que permitam o fácil

deslocamento a pé e proporcionem diversas opções de trânsito; eficiência de recursos energéticos,

O relatório “Gerenciamento de Riscos de Eventos Extremos e Desastres para Avançar na Adaptação às Mudanças Climáticas”, produzido pelo IPCC

ambientes fechados mais saudáveis; acesso

mais fácil aos ambientes naturais; e uma maior conscientização da comunidade local.

(2012), define resiliência como “a habilidade de

um sistema e seus componentes para antecipar,

absorver, acomodar ou recuperar-se dos efeitos de

potenciais eventos perigos num período de tempo

1.1 - DIMINUINDO A VULNERABILIDADE E AUMENTADO A RESILIÊNCIA URBANA

e de maneira eficientes, garantindo através desse processo a preservação, restauração ou melhoria

das suas estruturas e funções básicas” (IPCC, 2012,

p. 34).

Resiliência tem sido contrastada com estabilidade e vulnerabilidade. Estabilidade é um atributo de

sistemas que retornam a um estado de equilíbrio após um distúrbio. Resiliência é mais útil como


109

atributo de sistemas que convivem com impactos

• o contraste entre a cidade como um sistema

extremos e imprevisibilidades. Nas comunidades

de funcionamento unificado e os seus limites

interpretada como o oposto de vulnerabilidade

coordenação de ações.

com risco de desastres, resiliência tem sido

– quanto mais resiliente menos vulnerável, com

administrativos que muitas vezes impedem a

a vulnerabilidade sendo moldada pela resiliência,

A rede de planejadores da ResilienteCity.org1

(PELLING, 2011).

para a criação de uma menor vulnerabilidade e maior

que, por sua vez, incorpora a capacidade adaptativa

A urbanização acelerada é uma tendência

importante na ocupação humana; esse processo

de urbanização rápida e não planejada, segundo o relatório do IPCC (2012), tende a agravar a

vulnerabilidade ao risco de desastres. As altas

concentrações populacionais nas cidades aumentam

propõe o seguinte conjunto de princípios abrangentes resiliência urbana:

• a diversidade dos vários sistemas que compõem as

cidades, pois aumenta a capacidade de sobreviver e recuperar-se de choques externos e tensões;

• a redundância de sistemas-chave para a

a vulnerabilidade urbana pela exposição de um

infraestrutura, como geração e distribuição de energia

aliada ao fraco desenvolvimento da infraestrutura

de águas residuais, abastecimento de água potável;

maior número de pessoas aos riscos de desastres, urbana. Lavell (1996 apud IPCC, 2012) identificou

oito contextos que aumentam ou contribuem

para o risco de desastres e a vulnerabilidade, e são

elétrica, abastecimento de combustível, processamento

• a modularidade e independência dos componentes dos sistemas urbanos;

relevantes no contexto das mudanças climáticas: • a natureza sinérgica da cidade e da interdependência de suas partes;

• a sensibilidade e retroalimentação para detectar e

responder rapidamente a mudanças nas partes que o constituem;

• a falta de redundância em seus sistemas de

• a capacidade de adaptação dos vários sistemas urbanos

• a concentração territorial de funções-chave e

• a resposta ambiental e integração dos sistemas e

transporte, energia e drenagem;

densidade de construção e população;

e de infraestrutura que compõem uma cidade;

funções urbanos aos sistemas e recursos naturais.

• planejamento urbano equivocado; • a segregação socioespacial;

1 - ResilientCity.org é uma rede aberta e sem fins lucrativos, formada por urbanistas, arquitetos,

designers, engenheiros e paisagistas, cuja missão é

• a degradação ambiental; • falta de coordenação institucional;

desenvolver, de forma criativa, prática e implementável, planejamento e estratégias de design que ajudam a aumentar a capacidade de resiliência das comunidades e cidades (http://www.resilientcity.org/).


110

Mudanças Climáticas E Resiliência Da Infraestrutura Urbana

1.2 - UMA CIDADE RESILIENTE A DESASTRES O termo resiliência pode ser aplicado às cidades (figura 1). Elas precisam responder às crises e se

• é onde a população participa, decide e planeja sua cidade junto com as autoridades locais;

• possui um administrador público competente

adaptar de modo que causem mudanças e possam

e responsável que garante uma urbanização

respostas, como também uma estrutura física forte

populares;

crescer. Cidades requerem uma força intrínseca,

e ambiente construído resistente (NEWMAN et al.,

2009).

sustentável com a participação de todos os grupos

• é onde muitos desastres são evitados em função de que toda sua população vive em residências

Figura 1 – Componentes da resiliência urbana a desastres

e bairros providos de infraestrutura adequada (abastecimento de água, saneamento básico, eletricidade, drenagem e estradas em boas

condições) e serviços básicos (escolas, coleta de lixo, serviços de emergência);

RESILIÊNCIA URBANA

INFRAESTRUTURAL

SOCIAL

INSTITUCIONAL

ECONÔMICA

Fonte: produção do autor.

Para Godschalk (2003), as cidades resilientes são

construídas para serem fortes e flexíveis, em vez de quebradiças e frágeis.

A cartilha da Organização das Nações Unidas

(UNISRD, 2012) sobre como tornar as cidades mais

resilientes, produzida pelo UNISRD – United

Nations International Strategy for Disaster Reduction –, define uma cidade resiliente a

desastres:

• entende seus riscos e desenvolve um forte

trabalho de educação com base nas ameaças

e vulnerabilidades a que seus cidadãos estão expostos;

• toma medidas de prevenção e preparação a

desastres com objetivo de proteger seus bens –

pessoas, residências, mobiliários, herança cultural e capital econômico;

• realiza investimentos necessários em redução de riscos e é capaz de se organizar antes, durante e depois de um desastre;

• está apta a restabelecer rapidamente seus serviços básicos depois de um desastre;

• entende que as mudanças climáticas também

devem ser consideradas em seu planejamento urbano.


111

2 - INFRAESTRUTURA E RESILIÊNCIA URBANA

2011), incluindo escassez de energia, danos na

infraestrutura, perdas crescentes na indústria

relacionadas com o calor, mortalidade e doenças, escassez de comida e água. Estes desafios estão

A resiliência infraestrutural (figura 2) configura-se

interligados. As perdas econômicas tornam

do ambiente construído – edificações e sistemas

de subsistência e podem, portanto, exacerbar

etc.). Também se refere a capacidade de abrigo,

Ao mesmo tempo, algumas características

das construções aos perigos. Resiliência

podem torná-las mais vulneráveis aos impactos das

numa relação inversa à redução da vulnerabilidade

difícil para os moradores manter os seus meios

físicos da cidade (mobilidade, energia, saneamento,

problemas sociais como a pobreza e a fome.

facilidades de assistência médica e vulnerabilidade

demográficas e socioeconômicas das cidades

infraestrutural também se refere à capacidade das

mudanças climáticas.

BANK, 2013).

Melhorias nas políticas de planejamento e gestão

comunidades de recuperação e resposta (WORLD do uso do solo terão um grande impacto enquanto As cidades são centros de pessoas, ativos e atividade

as cidades crescerem e se expandirem para

aumenta a exposição aos impactos das mudanças

encostas íngremes. Isso exigirá a consideração de

residentes urbanos particularmente vulneráveis a

de encostas e outros eventos climáticos extremos

e cheias. As mudanças climáticas também

novas áreas de desenvolvimento das cidades.

para os habitantes das zonas mais pobres são de

podem viabilizar a expansão urbana para locais

acesso a infraestrutura e serviços básicos nas áreas

permitindo o acesso e a mobilidade, reduzindo

(BAKER, 2012). Centenas de milhões de habitantes

mais locais vulneráveis. Impedir a construção de

risco direto e/ou indireto de sofrer impactos com as

vidas e evitar a destruição. Reforma de edifícios

que vivem em cidades e vilas cresceu, também

padrões de projeto mais robusto para as novas

às mudanças do clima (BARTLETT et al., 2012).

incluindo soluções parciais ou incrementais, pode

econômica concentrada. Essa concentração

áreas marginais, como planícies de inundação e

climáticas e desastres naturais, tornando os

potenciais ocorrências de cheias, deslizamentos

elevação do nível do mar, tempestades, terremotos

e perigosos nos projetos urbanísticos para as

apresentam riscos de seca e calor extremo. Os riscos

Também, sistemas de transporte eficientes

frequência ainda maior, agravada pelo seu limitado

disponíveis em novas áreas mais distantes,

em que eles vivem, dentro dos perímetros urbanos

assim os incentivos para o desenvolvimento em

urbanos, nos países de renda média, estão sob o

assentamentos em áreas de alto risco pode salvar

mudanças climáticas. Como o número de pessoas

já existentes podem ser necessárias, além de

cresceu o número de residentes urbanos vulneráveis

construções. E a regularização da posse da terra,

A literatura recente ilustra os desafios

socioeconômicos enfrentados pelas cidades ao

redor do mundo como resultado das mudanças climáticas (BEATLEY, 2009; GASPER et al.,

estimular investimentos e incentivar melhorias na infraestrutura (BAKER, 2012).


112

Mudanças Climáticas E Resiliência Da Infraestrutura Urbana

Figura 2 – Elementos da infraestrutura

urbana relativos ao ambiente construído

minimizar ou maximizar esse efeito. Para Ribeiro (2008), as fachadas envidraçadas, que ele chama

de “as absurdas torres de vidro”, poderiam ser

indicadas para países de clima temperado, todavia

INFRAESTRUTURA URBANA

não são adequadas para países tropicais. Segundo esse pesquisador, no médio prazo, a construção de novos edifícios envidraçados deveria ser

AMBIENTE CONSTRUÍDO

desestimulada, uma vez que, além de os sistemas

de refrigeração consumirem grande quantidade de EDIFICAÇÕES

energia, eles lançam fora o ar quente que retiram

do interior dos prédios situados no entorno, o que ENERGIA

SANEAMENTO

contribui para a formação das chamadas “ilhas de calor” nas cidades.

As temperaturas mais elevadas ocorrem em áreas

urbanas por causa de ciclos diurnos de absorção e, RESÍDUOS

TRANSPORTE

USO DE OCUPAÇÃO DO SOLO

COMUNICAÇÃO

mais tarde, irradiação da energia solar, e (em menor grau) também por causa da geração de calor a

partir de edifícios e estruturas físicas pavimentadas, que formam as ilhas de calor. Essa situação

aumenta a frequência e a gravidade de eventos de calor-stress nas cidades e pode afetar a saúde, a

produtividade no trabalho e as atividades de lazer da população urbana. Existem também os efeitos

econômicos, como o custo adicional do controle do clima dentro de edifícios, e os efeitos ambientais,

Fonte: produção do autor.

como a poluição nas cidades e a degradação dos

espaços verdes, que aumentam a emissão de gases De modo a analisar a infraestrutura urbana, faz-se

de efeito estufa se a demanda adicional para o

das mudanças climáticas nas cidades.

a partir da queima de combustíveis fósseis (ARUP,

necessária uma compreensão dos efeitos e impactos

2.1 - IMPACTOS CAUSADOS PELO AUMENTO DA TEMPERATURA As cidades deverão ter dias e noites mais quentes, e em maior quantidade que o verificado até o

momento. O conforto térmico das edificações

deverá ser diretamente afetado com o aumento

da temperatura, e soluções arquitetônicas poderão

arrefecimento é atendida pela eletricidade gerada 2011; LOMBORG, 2007; MOLION, 2012).

Outra consequência das mudanças climáticas será a maior frequência de chuvas de alta

intensidade. A explicação para isso seria a elevada temperatura da superfície da metrópole, que

aumenta pelo aquecimento global, mas também devido à presença de veículos que irradiam o

calor produzido pelos motores e de sistemas de

refrigeração que lançam para fora dos edifícios o ar


113

quente que retiram de seu interior. Como resultado,

As inundações urbanas podem ser classificadas em

intensidade e em pontos localizados, o que resulta

fortes locais, que causam transbordamento da calha

de vias, congestionamentos, perda de moradia de

de tempestades. No primeiro caso, as enchentes são

mais grave, mortes, em geral de moradores de áreas

e, no segundo caso, as inundações são causadas

a beira de rios ou encostas íngremes, que acabam

que causa o efeito de enxurrada, o qual pode ser

intensa das águas pluviais.

foz do rio. Construção de cidades nas planícies

as massas de ar frio precipitam-se com mais

dois tipos: cheias como consequência de chuvas

em intensos transtornos locais, como alagamentos

do rio e inundações em virtude das marés altas ou

população de baixa renda, prejuízos materiais e, o

causadas por drenagens deficientes ou insuficientes,

de risco que não têm alternativas senão a de ocupar

pelo fluxo excessivo de água a montante do rio,

escorregando com a saturação do solo na presença

agravado pela maré alta a jusante – marés na

2.2 - IMPACTOS CAUSADOS PELAS CHUVAS INTENSAS As áreas urbanas sempre apresentam risco de inundações quando ocorrem chuvas intensas,

pesadas e/ou prolongadas, que produzem grandes

volumes de água na superfície. Edifícios, estradas, infraestrutura e outras áreas pavimentadas

evitam que a água das chuvas se infiltre no

solo, reduzindo, assim, a drenagem natural e

aluviais reduz o escoamento dos cursos d’água pela redução das calhas dos rios e o armazenamento da água em excesso nas chamadas planícies de

inundação, causando danos ainda piores. Cidades em áreas costeiras estão normalmente localizadas em áreas baixas, onde a drenagem é difícil sem

bombeamento. Marés altas ou tempestades podem

dificultar a drenagem das águas para o mar e causar o prolongamento de cheias, com a água poluída de inundações, e agravar os problemas de saúde nas cidades (TINGSANCHALI, 2012).

aumentando o escoamento. Como consequência, sobrecarregam os sistemas de drenagem urbanos (SATTERTHWAITE, 2007).

2.3 - IMPACTOS CAUSADOS PELA ELEVAÇÃO DO NÍVEL DO MAR

Além do problema dos alagamentos, outro fator

A antevisão do nível de elevação do mar, nos

climáticas é a erosão nas vertentes. Como as chuvas

(2009), trata-se de um fenômeno imprevisível. Esses

água terá mais velocidade e força para gerar sulcos

comecem a planejar novos sistemas de drenagem

de risco que deve aumentar com as mudanças

devem ser mais intensas em algumas regiões, a

e transportar sedimentos, causando e/ou acelerando processos erosivos. A erosão pode colocar em

risco habitações ou, pior, ocorrer em meio a uma chuva forte, levando o que estiver na superfície,

inclusive pessoas e suas moradias. Além disso, uma erosão mais intensa contribui ainda mais para o

assoreamento dos corpos d’água, o que aumenta a possibilidade de alagamentos nos fundos de vale.

próximos anos, é muito difícil; para Pilkey e Young

autores, porém, aconselham que as cidades costeiras para tempestades, desencorajem o desenvolvimento de novos projetos em áreas baixas e até comecem a pensar na mudança, abandono ou proteção de certas áreas dessas cidades. Uma conduta

extremamente perigosa, para não dizer catastrófica, em termos econômicos, é a das cidades litorâneas brasileiras que têm nas suas áreas costeiras os

imóveis e terrenos de maior valor imobiliário, como é o caso da Região Metropolitana do Recife.


114

Mudanças Climáticas E Resiliência Da Infraestrutura Urbana

Uma elevação de apenas um metro no nível dos

material para a cidade, o que agravaria a poluição

a circulação de carros em grande parte das vias

doenças entre a população (RIBEIRO, 2008).

interiorização dessas vias não é simples, uma vez

Sistemas de contenção das águas do mar serão

oceanos já poderia ser suficiente para impedir

das praias e aumentaria o risco de ocorrência de

construídas em “aterros” da faixa de praia. A

que implicaria desapropriações onerosas, já que são áreas muito valorizadas pelo mercado imobiliário, como citado anteriormente. Outra dificuldade a

ser enfrentada por algumas cidades costeiras seria

em relação ao esgoto que é coletado, transportado

e lançado ao mar através de emissários submarinos, sem tratamento prévio, uma vez que a vazão

desse material é calculada para ser realizada com

níveis do mar mais baixos que os projetados pelas mudanças climáticas. Caso esses dutos não sejam

redimensionados, corre-se o risco de refluxo desse

Fotos 1 e 2 – Barreira do rio Tâmisa, Londres

fundamentais para solucionar as dificuldades

citadas. É de se registrar que muitos países pobres já possuem planos nacionais de adaptação às

mudanças climáticas globais, como é o caso de

São Tomé e Príncipe. Barreiras para a contenção das águas do mar já foram construídas no rio

Tâmisa, para evitar as enchentes na cidade de

Londres, na década de 1970 (fotos 1 e 2), e estão sendo erguidas nos istmos que separam a laguna que banha a cidade de Veneza (fotos 3 e 4) para protegê-la da elevação no nível do mar.


115

Fonte: fotos do autor (setembro 2013).

Fotos 3 e 4 – Efeitos destrutivos da elevação do nível do mar na cidade de Veneza


116

Mudanças Climáticas E Resiliência Da Infraestrutura Urbana

Fonte: fotos do autor (março 2014)

3 - A VULNERABILIDADE DA INFRAESTRUTURA URBANA DO RECIFE

A cidade de Recife (fotos 5 e 6) tem uma área de 210km², que corresponde a 0,2% do território do

estado de Pernambuco. Seu crescimento deu-se do centro para a periferia, onde na época havia várias

Como aplicação prática do ora exposto, e de

usinas de açúcar, como Madalena, Torre, Cordeiro,

será apresentada (parcialmente) uma pesquisa

Monteiro e, mais tarde, outros sítios como Pina,

emblemáticos da cidade de Recife que teve como

compõem bairros da cidade (FJN, 2012).

forma a melhor ilustrar o tema em discussão,

Várzea, Apipucos, Dois Irmãos, Casa Forte, Belém,

exploratória aplicada nos bairros mais

Coelhos, Manguinhos, Espinheiro, que hoje

objetivo identificar (in situ) e documentar aspectos que corroboram o aumento da vulnerabilidade

urbana em relação à capacidade de resiliência da capital pernambucana mediante as mudanças climáticas, de acordo com os elementos do

ambiente construído explicitados na figura 2.

Os aspectos identificados foram fundamentais à

definição dos indicadores para avaliação do grau de resiliência urbana da cidade.

De acordo com o Censo 2010 realizado pelo

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012), Recife tem uma população de

1.536.934 habitantes, distribuídos por 94 distritos.


117

Foto 5 e 6 – Vistas da cidade do Recife

Fonte: fotos do autor (outubro 2013).


118

Mudanças Climáticas E Resiliência Da Infraestrutura Urbana

Os bairros contemplados neste estudo, e aqui

As observações foram feitas de acordo com seis dos

Antônio, Boa Viagem e Alto José do Pinho. O

ao ambiente construído, descritos no item anterior:

apresentados, foram os bairros Recife e Santo critério para a escolha desses bairros, que será

descrito a seguir, foi baseado nas características

apresentadas por esses locais, tornando-os icônicos na percepção da cidade como um todo.

3.1 - METODOLOGIA APLICADA À PESQUISA Como metodologia de pesquisa, foram aplicados

sete elementos da infraestrutura urbana, relativos

• edificações; • energia; • saneamento; • resíduos;

a estratégia de estudo de caso e o critério

• transporte;

de caminhamento foram identificadas as

• uso e ocupação do solo.

bairros de Recife. O que se segue é uma síntese

O elemento “comunicação” foi excluído devido ao

conclusões relevantes do estudo.

a sua verificação seccionada por bairros, uma

Para esse estudo foram selecionados os bairros

divulgados para a cidade como um todo: número

menor valor no mercado imobiliário, e os bairros

portabilidade de celulares e domicílios com acesso

de observação direta (YIN, 2005). Através vulnerabilidades na infraestrutura urbana dos

das observações de quatro distritos e algumas das

fato de a metodologia aplicada à pesquisa dificultar vez que os indicadores para esse elemento só são

cujos imóveis estão avaliados como os de maior e

de jornais diários, estações locais de rádio e TV,

que apresentam a taxa mais alta e a mais baixa de

à internet.

ocupação populacional residencial – em termos absolutos e por quilômetro quadrado.

No bairro Praia de Boa Viagem estão os imóveis mais valorizados pelo mercado imobiliário, e é o bairro de maior população residente, em termos absolutos, na cidade. O Alto José do Pinho é o

bairro cujas propriedades são as menos valorizadas pelo mercado imobiliário local e apresenta uma das maiores taxas de ocupação populacional

residencial por quilômetro quadrado. Os bairros

Recife e Santo Antônio formam o centro histórico e apresentam a menor população residente em

termos absolutos, como também a menor taxa de

ocupação populacional residencial por quilômetro quadrado na cidade.

3.2 - OS BAIRROS RECIFE E SANTO ANTÔNIO Os bairros Recife e Santo Antônio (fotos 7, 8 e 9) estão localizados na parte central da cidade,

na confluência do estuário dos rios Capibaribe e

Beberibe e deram origem à cidade de Recife. Estes bairros são considerados um patrimônio histórico

e apresentam área predominantemente comercial, o que pode ser evidenciado por sua baixa taxa de ocupação residencial.

O bairro Recife tem uma população de apenas 602 habitantes; e Santo Antônio, apenas 265


119

habitantes (IBGE, 2012). Juntos, eles compõem a

assentamentos urbanos ao redor do Porto de

XVI, quando foram estabelecidos os primeiros

colônia, devido à produção e exportação de açúcar.

área mais antiga da cidade, que remonta ao século

Fotos 7, 8 e 9 – Bairro Santo Antônio

Recife. Na ápoca, a cidade era a mais importante da


120

Mudanças Climáticas E Resiliência Da Infraestrutura Urbana

Fonte: fotos do autor (março 213).

A pesquisa destacou os seguintes fatores

relacionados com a vulnerabilidade urbana nesta área da cidade:

público, que se encontra em péssimo estado de conservação, mesmo sendo o único em toda a área.

EDIFICAÇÕES

ENERGIA

• Integridade das construções – muitos prédios

• Fiação – como evidenciado pela foto 7, a fiação

necessitando de restauração urgente (foto

que põe em risco a mobilidade de veículos de

estão malconservados e em risco de colapso,

8). Foram detectadas técnicas de restauração improvisadas em algumas manutenções nos edifícios.

• Patrimônio histórico – foram detectados muitos

do bairro não é embutida, mas aérea, situação

carga e descarga, numa área predominantemente comercial.

SANEAMENTO

edifícios de interesse histórico em risco de

colapso, com altos níveis de degradação e com necessidade urgente de restauração.

• Bens públicos – há falta de manutenção dos equipamentos públicos, tais como: bancos,

lixeiras e praças. Outro exemplo é o banheiro

• Redes de água e esgoto – o bairro é servido por

redes de distribuição de água e coleta de esgoto e, como a sua população não creceu, as tubulações

ainda são suficientes para suprir as necessidades da área. Não foram observados pontos de vazamento das redes de água e esgoto.


121

• Drenagem – sendo duas ilhas, o sistema para drenagem das águas pluviais nesses bairros é

simples. Esses são dos poucos bairros da cidade livres de alagamentos pelas chuvas.

RESÍDUOS

• Resíduos sólidos – uma significativa quantidade

• Turismo – os bairros Recife e Santo Antônio

formam o centro histórico de Recife, que foi de fundamental importância para a consolidação

do Brasil. No entanto, devido ao seu estado de

degradação, essa área é pouco visitada pelos turistas que vêm para o centro da cidade.

3.3 - O BAIRRO BOA VIAGEM

de lixo foi observada em vias públicas e calçadas. O bairro Boa Viagem tem uma população residente

• Poluição dos rios – ambos os bairros estão localizados nas ilhas do estuário do rio

Capibaribe, o curso d’água mais importamte

que atravessa a cidade, e que apresenta elevados níveis de poluição devido a resíduos industriais e esgoto doméstico. A poluição limita o uso do

rio Capibaribe como uma fonte de renda para a população desses distritos.

de 122.922 habitantes, segundo o Censo 2010 (IBGE,

2012). Este bairro tem um litoral com praias de areia

branca e coqueiros que adornam a vegetação rasteira, onde ainda é possível encontrar jangadas com suas velas ao vento, que contrastam com as enormes

construções à beira-mar (foto 10). Trata-se de um

antigo refúgio de turistas, com praias que formam piscinas naturais de água quente, protegido por

um longo recife, onde as águas verdes do mar estão

sempre quebrando, mas que agora, devido à erosão e TRANSPORTE

ao aumento do nível do mar, já necessita ser reforçado com rochas artificiais.

• Mobilidade e acessibilidade – o sistema de

transporte é deficiente e malconservado, situação que é agravada pela falta de manutenção das

calçadas. Os estacionamentos são desorganizados e sem fiscalização; estacionam-se os veículos em qualquer local, inclusive sobre as calçadas.

Antigo reduto para veranistas, o bairro surgiu a

partir da vila de pescadores de Nossa Senhora da

Boa Viagem; hoje a área de Boa Viagem constitui a cercania mais populosa do Recife e possui o

intercâmbio comercial mais próspero, com os dois

maiores centros comerciais da região ali localizados e as propriedades mais valorizadas no mercado

USO E OCUPAÇÃO DO SOLO

imobiliário da cidade (ALVES, 2009).

• Comércio informal – o comércio informal

Essa vizinhança pode ser separada em duas zonas

floresce na área mesmo depois de várias

tentativas da administração pública para

regulá-lo. Esse é um problema que dificulta a

mobilidade dos pedestres e o florecimento do comércio legal nesses bairros (foto 9).

distintas e com características homogêneas, de

modo que as análises que se seguem baseiam-se

nessa distinção. A primeira zona compreende a faixa

costeira, que corresponde à avenida que margeia a orla e seus arredores (fotos 10, 11 e 12). Nessa área, foram

observadas as seguintes situações que podem agravar a vulnerabilidade urbana:


122

Mudanças Climáticas E Resiliência Da Infraestrutura Urbana

EDIFICAÇÕES

sofreram nenhuma expansão nas últimas décadas, embora a população do bairro tenha aumentado

• Obras e novas construções – observou-se a

exponencialmente no mesmo período.

demolição de vários edifícios antigos, com até

dez pavimentos, que deram lugar à construção de projetos de maior porte, com mais de vinte

RESÍDUOS

precárias condições de abastecimento de água e

• Resíduos de construção e demolição – devido ao

andares (foto 10). O processo irá agravar as

saturar a rede de coleta de esgoto, se não houver investimentos na infraestrutura dessa área.

• Edifícios de grande porte – a existência de um

grande número de edificações de grande porte,

grande número de novas construções na área, foram evidenciados resíduos de construção e

demolição nas calçadas, denegrindo o aspecto

visual e dificultando a mobilidade de pedestres no bairro.

localizados a menos de 100 metros da marca

da maré alta, agrava a situação descrita no item

anterior e contribui para o aumento da erosão na praia (foto 10).

TRANSPORTE

• Calçadas – a conservação das calçadas é

bem melhor que na outra zona analisada do

ENERGIA

mesmo bairro, mas ainda é deficiente, devido

principalmente ao grande número de obras em

• Postes e fiação – apenas os postes de iluminação

andamento na área. Os canteiros de obra têm

que ficam no calçadão da avenida à beira-mar

permissão da prefeitura para avançar os seus

da área, os fios são aparentes e a fiação é aérea.

assim não conservam a parte restante.

têm a fiação embutida (subterrânea); no restante

tapumes ocupando até 2/3 das calçadas, mesmo

Mesmo em se tratando da área mais rica da

cidade, a falta de conservação dos postes e fios desencapados causou a morte de um homem eletrocutado nessa região no ano de 2013.

USO E OCUPAÇÃO DO SOLO

• Nível do mar – a baixa altitude do distrito

coloca esta área em risco, sobretudo tendo em

SANEAMENTO

vista as projeções de elevação do nível do mar.

• Redes de água e esgoto – foi observada a falta de

• Avanço do mar – esse fator pode ser evidenciado

e coleta de esgoto. Isso está evidenciado pelos

conter o avanço do mar, alguns sobre os recifes

manutenção nas redes de abastecimento d’água

inúmeros pontos de vazamento, muitos exalando um odor fétido na vizinhança local. As redes

de distribuição de água e coleta de esgoto do

bairro estão subdimensionadas, uma vez que não

pelos enrocamentos de pedra, construídos para naturais (fotos 11 e 12).

• Erosão da praia – a erosão está associada com a

construção de edifícios altos muito perto da linha


123

de água e a destruição da vegetação e dos recifes naturais que formam uma barreira de proteção da costa. Este fenômeno já está ocorrendo ao longo da praia (fotos 11 e 12).

Fotos 10, 11 e 12 – Praia de Boa Viagem (orla)


124

Mudanças Climáticas E Resiliência Da Infraestrutura Urbana

Fonte: acervo do autor (abril 2013).

A segunda zona analisada corresponde à área

ENERGIA

(fotos 13, 14 e 15). Essa avenida, com cinco

• Postes e fiações – as fiações são aparentes

comercial ao redor da avenida Conselheiro Aguiar quilômetros de extensão, constitui um dos mais

importantes corredores para o transporte público

na zona sul da cidade. Observaram-se as seguintes situações que contribuem para o aumento da vulnerabilidade da área:

(aéreas) e falta a conservação dos postes, muitos

apresentam deterioração no concreto e exposição das ferragens. Foram evidenciados fios a menos

de 2m de altura do solo, além de fiação solta no pavimento.

EDIFICAÇÕES

SANEAMENTO

• Manutenção – foram observadas várias fachadas

• Redes água e esgoto – foi detectada a falta de

de edificações com os revestimentos destacandose e caindo, evidenciando falta de manutenção desses edifícios.

manutenção na rede de distribuição de água e coleta de esgoto domiciliar, através de reparos mal executados e semiacabados.


125

• Caixas de esgoto – várias caixas de passagem de

esgoto doméstico foram encontradas danificadas, apresentando vazamentos sobre as calçadas de pedestres e exalando odores fétidos (foto 14).

• Drenagem – foram observados diversos

pontos de alagamentos e acúmulo de água na

pista, evidenciando deficiências no sistema de drenagem do bairro.

RESÍDUOS

• Resíduos sólidos – o lixo doméstico é depositado em sacos plásticos sobre as calçadas e observou-

• Sinalização – a sinalização é precária ao longo das pistas; as faixas não estão demarcadas, contribuindo para o agravamento dos congestionamentos.

• Pontos de ônibus – nem todos os pontos de ônibus são sinalizados, e muitos não

possuem abrigo para o usuário contra o

sol e a chuva. Quando há algum tipo de

cobertura, é insuficiente para o número de

usuários, especialmente nas horas de grande movimentação.

• Calçadas – foi detectada a total falta de

se, com frequência, material orgânico espalhado

conservação e manutenção das calçadas,

pragas urbanas.

Vale ressaltar que a largura das calçadas

na área, contribuindo para a proliferação de

que impede a circulação segura de pessoas. regulamentada é de 3m para esse trecho da avenida.

TRANSPORTE

• Mobilidade – a mobilidade é restringida na área por engarrafamentos frequentes e constantes. A

• Acessibilidade – dificuldade de mobilidade

para pessoas com deficiência devido a buracos e calçadas irregulares (foto 15).

avenida Conselheiro Aguiar mostra claros sinais de saturação e falta de manutenção, problema agravado pelo desrespeito dos motoristas aos

códigos de trânsito, como os inúmeros carros estacionamento nas calçadas, impedindo a mobilidade dos pedestres (foto 15).

USO E OCUPAÇÃO DO SOLO

• Ocupação desordenada – foi observada a

existência de diversas ocupações irregulares

– permanentes ou não – avançando sobre os passeios públicos (foto 13).


126

Mudanças Climáticas E Resiliência Da Infraestrutura Urbana

Fotos 13, 14 e 15 – Bairro de Boa Viagem (av. Conselheiro Aguiar)


127

Fonte: fotos do autor (abril 2013).

3.4 BAIRRO ALTO JOSÉ DO PINHO O bairro Alto José do Pinho (fotos 16, 17 e

18) tem uma população residente de 12.334

habitantes segundo o Censo 2010 (IBGE, 2012)

e é o bairro de Recife mais densamente povoado.

Compreende uma área de morros que estão sujeitos a deslizamentos de terra por conta da ação de

chuvas fortes. Sua população é predominantemente

das classes mais pobres, e a área apresenta alguns assentamentos informais; por essas razões, as

propriedades desse bairro têm a menor valorização no mercado imobiliário da cidade de Recife. É

uma área predominantemente residencial, com um pequeno comercio local (ALVES, 2009).


128

Mudanças Climáticas E Resiliência Da Infraestrutura Urbana

Fotos 16, 17 e 18 – Bairro Alto José do Pinho


129

Fonte: acervo do autor (maio 2013).

Foram identificadas as seguintes situações

SANEAMENTO

vulnerabilidade da área:

• Drenagem – a drenagem urbana é deficiente,

que podem contribuir para o aumento da

havendo necessidade de limpeza e manutenção das

EDIFICAÇÕES

• Integridade das edificações – foram identificadas diversas construções em situação de risco de

colapso, que pode acontecer durante enxurradas causadas pelas chuvas fortes (foto 16).

ENERGIA

• Postes e fiação – a fiação da área é aparente e aérea. Foram verificadas diversas ligações

irregulares de energia, chamadas vulgarmente de “macacos”.

ruas e canaletas.

• Esgotos – o esgoto a céu aberto corre pelas ruas (foto 18).

RESÍDUOS

• Resíduos sólidos – uma quantidade significativa de resíduos sólidos foi encontrada nas ruas (foto 17).


130

Mudanças Climáticas E Resiliência Da Infraestrutura Urbana

TRANSPORTE

Outro fator de risco para as cidades costeiras

do nordeste do Brasil é o aumento dos níveis

• Mobilidade – as edificações do bairro

do mar. O fato de lidar-se com fenômenos de

praticamente não possuem calçadas (foto 16).

dimensões (ainda) imprevisíveis dificulta o ensejo

públicos, embora a maior parte apresente

projetos em áreas litorâneas baixas, uma vez que a

acessibilidade das pessoas com algum tipo de

nas cidades, consiste em uma decisão com graves

Apenas algumas poucas casas têm passeios

de desencorajar o desenvolvimento de novos

obstáculos que impedem a mobilidade e a

mudança, o abandono ou a proteção dessas áreas,

deficiência.

desdobramentos, inclusive econômicos, para as

• Acessibilidade – a maioria das ruas do bairro está

situada em ladeiras, o que torna ainda mais difícil a acessibilidade para pessoas com deficiência.

USO E OCUPAÇÃO DO SOLO

metrópoles litorâneas brasileiras que concentram nas suas áreas costeiras os imóveis e terrenos de maior valor econômico no mercado imobiliário

local, como ocorre na Região Metropolitana do Recife.

Através da pesquisa exploratória realizada

em Recife, pôde-se concluir que muitas das

• Construções irregulares – o bairro tem um

vulnerabilidades encontradas na infraestrutura

número significativo de edifícios irregulares,

urbana das três áreas estudadas da cidade são

responder em caso de acidente.

moradores com renda média muito diferente

o que torna mais difícil para a Defesa Civil

4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

semelhantes, apesar de as áreas abrigarem

e propriedades com valorização distinta para

o mercado imobiliário; consequentemente, os

proprietários dos imóveis legalizados nessas áreas

pagam valores bem distintos de imposto predial e Pode-se concluir que o efeito das alterações

climáticas tende a aumentar a vulnerabilidade das populações urbanas a uma série de desastres. Nas cidades brasileiras, os fenômenos hidrológicos extremos, como o aumento das chuvas fortes, podem gerar duas situações de risco graves:

inundações e deslizamentos de terra. Os impactos desses fenômenos nos sistemas de infraestrutura

urbana podem deixar seus habitantes vulneráveis

a uma série de desastres, que convergem para três eixos: danos aos assentamentos urbanos, falhas

nos sistemas de saneamento e fornecimento de

eletricidade, e problemas na mobilidade urbana.

territorial urbano.

As vulnerabilidades foram semelhantes nos

seguintes aspectos: energia (má-conservação dos

postes e fiações), saneamento (problemas na rede de drenagem urbana, na rede de distribuição de

água e coleta de esgoto, com pontos de vazamento e esgoto a céu aberto), resíduos (coleta irregular e/ou deficiente, com pontos de concentração de lixo urbano), transporte (dificuldade para

mobilidade de veículos e pedestres, manutenção

inadequada das calçadas inadequadas ou ausência delas). No aspecto do uso e ocupação do solo, foram verificadas construções irregulares em todas as áreas. A partir das semelhanças nos


131

resultados encontrados, pode-se concluir que

as vulnerabilidades apresentadas nos sistemas infraestruturais urbanos são gerais por toda a

cidade de Recife e que a cidade não está preparada para enfrentar os impactos de possíveis mudanças

6 - REFERÊNCIAS ALVES, P. R. M. Valores do Recife: o valor do solo na evolução da cidade. Recife, PE: Secretaria de Educação de Pernambuco, 2009.

climáticas.

Cidades e regiões metropolitanas contribuem para as alterações climáticas e, ao mesmo tempo, são

vulneráveis aos impactos de potenciais mudanças

ARUP C40 Baseline Report. Climate Action in Megacities: 40 cities Baseline and Opportunities. 2011. Version 1.0. Disponível em: <http://www.arup.com/Homepage_ Cities_Climate_Change.aspx>. Acesso em: 15 mar. 2012.

climáticas. Impactos climáticos vão resultar de

tendências de mudanças no mundo do clima, mas afetarão indivíduos e regiões de forma diferente. Alguns efeitos das mudanças climáticas são de

mais fácil previsão que outros. Muitos impactos – incluindo os resultantes do aumento do nível

do mar, das ondas de calor, de inundações e secas – variam de acordo com o grau de destruição e

a resposta local. As cidades são mais vulneráveis

pela sua natureza complexa, situação que pode ser

BAKER, Judy L. (Ed.). Climate change, disaster risk, and the urban poor – cities building resilience for a changing world. Washington: The World Bank, 2012.

BARTLETT, S.; DODMAN, D.; HARDOY, J.; SATTERTHWAITE, D.; TACOLI, C. Social aspects of climate change in urban areas in low and middle income nations. International Institute for Environment and Development (IIED).World Bank, 2012. Disponível em: <http://

www.dbsa.org/Vulindlela/Papers%20Library/ Session1_Satterthwaite.pdf>. Acesso em: 20 mar.

agravada pelas condições de infraestrutura urbana

2013.

situação de risco.

BEATLEY, T. Planning for coastal resilience: best practices for calamitous times. Washington, DC: Island Press, 2009.

e pela concentração de moradores pobres em

5 - AGRADECIMENTOS

Este trabalho faz parte do projeto intitulado

CONRADO, D.; MUNHOZ, D. E. A.; SANTOS, M. C.; MELLO, R. F. L.; BRAGA E SILVA, V. Vulnerabilidade às mudanças climáticas. 2012. Disponível em: <http:// ibcperu.org/doc/isis/8379.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2103.

“Resiliência Urbana de Cidades Costeiras: um

recurso para enfrentar as mudanças climáticas”, que conta com o apoio da Coordenação

de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior (CAPES); do Conselho Nacional

de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq); da Fundação de Amparo à Ciência e

CRAMER, A.; KARABELL, Z. Sustainable excellence: the future of business in a fast-changing world. New York, NY: Rodale, 2010.

FJN – Fundação Joaquim Nabuco. 2012. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br >. Acesso em: 20 abr. 2013.

Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE); da Pró-Reitoria para Assuntos de Pesquisa e PósGraduação (PROPESQ), do Programa de Pós-

Graduação em Desenvolvimento Urbano (MDU) e do Departamento de Arquitetura e Urbanismo

da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

FRIEDMAN, Thomas L. Hot, flat and Crowded: why we need a green revolution and how it can renew America. Nova York: Farrar, Straus and Giroux, 2008.


132

Mudanças Climáticas E Resiliência Da Infraestrutura Urbana

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135

M UDANÇAS NO C LIMA E P ATRIMÔNIO C ULTURAL C ONSTRUÍDO Fátima Furtado e Alessandra Bonazza 1 - INTRODUÇÃO

As duas primeiras décadas do século XXI vêm apresentando desafios

gigantescos para as cidades. Globalização continuada, altíssimos níveis de urbanização, crises econômicas e ameaças e desastres climáticos são

fenômenos cujas consequências vêm se manifestando de modo particular nos assentamentos urbanos. Diante de níveis de incerteza cada vez mais

altos e problemas urbanos cada vez mais complexos, desenvolver e fortalecer características como resiliência e capacidade de adaptação a novos contextos têm se mostrado ações fundamentais para o planejamento e a gestão das cidades.

Essas características são particularmente importantes quando se trata do

enfrentamento dos efeitos desastrosos das mudanças climáticas. As pesquisas têm demonstrado que, junto com as evidências de mudanças no clima,

houve nas últimas décadas um aumento considerável na frequência e na

intensidade dos desastres naturais, resultando em sérios danos e prejuízos

sociais, econômicos e ambientais. Dados do EM-DAT (2007)1 corroboram essa associação quando mostram que, ao longo do século XX, aproximadamente dois terços dos desastres naturais ocorridos no mundo estão associados a graves instabilidades atmosféricas. E a situação tende a se agravar.

1 - Emergency Events Database, banco de dados com abrangência global mantido pelo Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (CRED).


136

Mudanças No Clima E Patrimônio Cultural Construído

Também para as cidades brasileiras pode-se prever

que as próximas décadas trarão riscos crescentes de desastres, isolados ou em cadeia. Particularmente aqueles relativos a inundações bruscas ou

enxurradas, decorrentes de chuvas torrenciais, e com elevado potencial de destruição. Este será

o tipo de desastre mais frequente e danoso nos

nossos assentamentos urbanos, principalmente

das ações pioneiras em termos de articulação da pesquisa científica com o desenvolvimento de

medidas adaptativas para o patrimônio cultural construído.

2 - DESASTRES CLIMÁTICOS E PATRIMÔNIO CULTURAL

nas regiões Sul e Sudeste (DOSWELL et al., 1996;

MARCELINO et al., 2004).

A questão da proteção do patrimônio cultural em relação a desastres não se constitui em um tema

A necessidade de resiliência urbana, portanto,

novo. Já em 1954, depois da grande destruição de

presentes quase cotidianamente na mídia e no

Mundial, foi estabelecido, na Holanda, um tratado

constituem em ameaças às pessoas e seus bens,

cultural voltado para o caso de conflitos armados,

Nos mais diversos campos de conhecimento e

para a Proteção de Bens Culturais em Caso de

resiliência e adaptabilidade são discutidos, na

A partir de então, foram produzidas dezenas de

características nos assentamentos urbanos.

de salvamento e proteção de construções e outros

nunca foi tão dramática. As mudanças no clima,

patrimônio ocorrida durante a Segunda Guerra

imaginário dos moradores de muitas cidades, se

internacional para a proteção do patrimônio

expondo-as crescentemente a situações de risco.

conhecido como Convenção de Haia (Convenção

de atuação, em todo o mundo, os conceitos de

Conflito Armado), que entrou em vigor em 1956.

busca por encontrar formas de fortalecer essas

Por sua vez, as gestões urbanas planejam e

desenvolvem ações de adaptação a essa nova realidade que se estabelece, implementando

iniciativas de gerenciamento de risco de desastres. De fato, dado o atual cenário de inúmeras

incertezas, o gerenciamento de riscos tende a se tornar uma atividade cada vez mais importante

para o planejamento e para a gestão das cidades, buscando-se poupar vidas e diminuir as perdas

sociais e econômicas, protegendo o patrimônio material e imaterial das populações.

Neste artigo, discute-se a questão da proteção do patrimônio construído de valor cultural para as

populações urbanas, frente a potenciais desastres climáticos, discutindo a experiência do Projeto Arca de Noé, da União Europeia, como uma

trabalhos e orientações técnicas relativas a formas objetos físicos patrimoniais.

Mas, do ponto de vista gerencial, foi a grande

inundação ocorrida em Florença em 1996 que

proporcionou novo salto no campo dos riscos para o patrimônio cultural, pois mostrou a necessidade de se colocar a questão da resposta a desastres

no centro dos planos de conservação desses bens (DOSMAN, 2008), fomentando a produção de

diretrizes e orientações técnicas sobre o tema. A

inundação em Florença também marcou o início de discussões sobre temas como a participação

da comunidade no processo de planejamento do enfrentamento de desastres e a necessidade de

comunicação efetiva antes e durante o processo (SIDOTI, 2007).


137

Em 1998, a UNESCO, o ICOMOS e o

ICCROM publicaram conjuntamente um manual gerencial denominado Risk Preparedness: a

não apenas porque sua proteção é direito dos

cidadãos e obrigação do Estado e da sociedade,

mas também porque se enxerga nesses bens um

Management Manual for World Heritage

novo papel, aquele de recurso para o fortalecimento

paradigma para a teoria da conservação, focalizado

comunidades que os detêm e lhes atribuem

(STOVEL, 1998). Essa publicação trouxe um novo

na prevenção e compreendendo os riscos como um continuum, desde as pequenas fontes de

deterioração cotidiana dos bens até os desastres e

cataclismos. Chamou, ainda, a atenção dos gerentes e tomadores de decisão para a necessidade de

preparar os sítios históricos urbanos e as Cidades

Patrimônio da Humanidade para o enfrentamento de riscos, inclusive desastres, fornecendo diretrizes para isso.

Percebe-se que ocorre, neste início de século,

outro grande impulso nesse campo. O aumento de desastres numa escala global vem demonstrando

que esses eventos serão inevitáveis e cada vez mais frequentes, afetando indiscriminadamente todas

as formas de patrimônio cultural. A relação entre

a adaptação às mudanças no clima e a redução de risco de desastre (RDD) é hoje muito clara (UN-

ISDR 2013); como resultado, há em todo o mundo

uma grande mobilização dos órgãos voltados para a proteção do patrimônio cultural em relação às

ações de enfrentamento e resposta aos desastres de origem climática e de adaptação às mudanças no clima.

Esse novo contexto climático global e a

necessidade de se fortalecer a capacidade de

adaptação e resiliência das cidades em geral e do

seu patrimônio cultural em particular introduzem novas questões, práticas e teóricas, para a gestão patrimonial, notadamente do patrimônio

construído. Essas novas questões referem-se à

renovada e fortalecida importância de se definirem estratégias de proteção dos bens patrimoniais,

da resiliência e da capacidade adaptativa das

valor, no enfretamento de desastres e mudanças climáticas.

A questão específica da mudança do clima como ameaça para o patrimônio cultural vem sendo

discutida com mais vigor desde 2005, quando o Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO

(WHC em Inglês) requereu que fosse estabelecido

um grupo de trabalho conjunto com a International Union for the Conservation of Nature (IUCN), o International Council on Monuments and Sites

(ICOMOS) e o International Centre for the Study of the Preservation and Restoration of Cultural

Property (ICCROM) para avaliar o problema e

desenvolver uma estratégia que orientasse os países

membros na implementação de respostas gerenciais para o problema.

Em 2007, o WHC publicou o relatório Climate

Change and World Heritage: Report on

predicting and managing the impacts of climate change on World Heritage and Strategy to

assist States Parties to implement appropriate management responses (UNESCO, 2007).

Utilizando-se do conceito de gestão adaptativa2 do patrimônio mundial, o relatório defende o

estabelecimento de uma cultura de planejamento para o enfrentamento de desastres na gestão do

patrimônio mundial, centrada no fortalecimento da sua resiliência. Orienta para que se reduzam 2 - Gestão adaptativa é um processo sistemático de melhoria contínua das políticas e práticas por meio do aprendizados com os resultados das ações anteriores.


138

Mudanças No Clima E Patrimônio Cultural Construído

outros tipos de ameaças ao patrimônio e que se

implementem medidas que garantam a pronta e

O conceito de gestão adaptativa, enfatizado no

relatório do WHC da UNESCO, de 2007, indica

efetiva resposta aos riscos de desastres.

que são necessárias medidas objetivas para o

Nesse documento, fica enfatizado que o desenho e

construído em todo o mundo, embora enfatize o caso

do patrimônio cultural diante da perspectiva

elaboração de mapas de resiliência e mapas de risco,

pesquisas em todos os níveis e o fortalecimento

localização e suas características físicas relevantes.

fortalecimento da resiliência do patrimônio cultural

a implementação de medidas efetivas de proteção

das Cidades Patrimônio Mundial, e recomenda a

de desastres demandam o desenvolvimento de

sobrepondo informações sobre o clima das cidades, sua

da comunicação entre os organismos de gestão do patrimônio mundial e a comunidade científica e acadêmica, em todo o mundo.

Em 2010, como resultado da ação conjunta do

WHC com o ICCROM, ICOMOS e IUCN, foi publicado o Managing Disaster Risks for World

Heritage (UNESCO, 2010). Ali se reconhece que o número de sítios patrimoniais que elaboraram

planos de redução de riscos de desastres é muito baixo. Há vários motivos para essa escassez,

segundo o documento, mas um deles é o fato de

que, em geral, os gestores são mais sensíveis àqueles riscos ao patrimônio trazidos por processos que, mesmo lentos e cumulativos, são perceptíveis, e para esses dirigem seus recursos e atenção, em

Esses mapas produzem uma visão abrangente

dos riscos de desastres, considerando as situações

específicas de cada cidade. Desta forma, é possível

a elaboração de estratégias e medidas de resposta e de adaptação, uma vez que, no caso do patrimônio cultural construído, tais medidas terão que ser

desenvolvidas de forma a conservar a sua dimensão material e a garantir a permanência das suas

comunidades e da sua memória cultural, patrimônio

imaterial. A União Europeia foi pioneira nesse esforço, desenvolvendo o citado Projeto Arca de Noé, que

aliou vários campos de pesquisa científica para não

apenas desenvolver mapas de risco e resiliência para

o patrimônio construído europeu, mas também para

construir diretrizes de ação para sua gestão e proteção.

detrimento dos riscos de desastres que, embora reais, não são visíveis.

3 - O PROJETO ARCA DE NOÉ

Além de fomentar uma cultura de prevenção

de desastres na gestão de sítios patrimônio da

humanidade, o manual alerta para a necessidade de os gestores se capacitarem e se instrumentalizarem para responder a ameaças, principalmente em

relação a desastres de origem climática, que tendem a aumentar em frequência e intensidade. Mas,

sobretudo, o manual fornece a esses gestores uma metodologia para identificar, avaliar e reduzir os riscos de desastres, não apenas para conservar o patrimônio, mas também para garantir que ele

contribua para o desenvolvimento sustentável de suas comunidades.

O Projeto Arca de Noé merece destaque porque, a despeito do forte interesse que a temática das mudanças climáticas provoca atualmente no

universo da pesquisa, tanto na exploração das

suas bases científicas como na avaliação dos seus

impactos em várias áreas (como na agricultura, nos sistemas marinhos, na produção de energia e na

saúde humana), é ainda pequena a atenção dada aos estudos sobre as consequências dessas mudanças no patrimônio construído.


139

A Comissão Europeia, dentro do seu 6o Plano

Financeiro, foi pioneira em enfrentar essa lacuna de conhecimento, financiando o Projeto Arca de Noé (Impactos das Mudanças Climáticas

Globais no Patrimônio Construído e na Paisagem

Cultural), que teve estes como principais objetivos:

(i) determinar os parâmetros meteorológicos e mudanças mais críticos para o patrimônio

construído; (ii) pesquisar e prever os efeitos das

mudanças climáticas no patrimônio construído europeu nos próximos cem anos; (iii) produzir

estratégias de mitigação e adaptação para sítios e edifícios históricos, monumentos e materiais

HadCM33, e do Modelo Climático Regional

(HadRM3)4. Foi utilizado o cenário A2 do IPCC5, que descreve um mundo bastante heterogêneo, em

que o tema central é o da autonomia e preservação da identidade local.

Depois da parametrização das variáveis climáticas futuras, procedeu-se à seleção dos materiais que seriam estudados para a previsão dos impactos da mudança no clima. Essa seleção baseou-se

principalmente na frequência do uso do material no patrimônio construído europeu e na sua

suscetibilidade a fatores climáticos. Para maximizar

que serão potencialmente mais afetados pelas

a efetividade do projeto, decidiu-se limitar o

associadas.

naturais (mármore, calcário, arenito e materiais

mudanças no clima e pelos desastres a elas

É já sabido que os materiais e estruturas

característicos de sítios arqueológicos e patrimônio construído são expostos a impactos atmosféricos,

número de materiais, fechando o foco nas pedras contendo argila), argamassa de cal, tijolo, metais

(ferro, aço, zinco, cobre, bronze, chumbo), madeira e vidro.

que incluem os efeitos introduzidos por parâmetros

Uma vez definidos os parâmetros climáticos e

nível de precipitação, e pela deposição de gases e

procedeu-se a uma revisão da literatura buscando

como a maresia e ventos de areia, quanto por fontes

decorrentes de fatores climáticos. Essa revisão

literatura sobre os processos que ocorreram no

ligados a rochas carbonadas, principalmente

cultural construído; contudo, a previsão de futuros

notável de funções relativas a tijolos, argamassas,

microclimáticos, como a umidade relativa ou o

selecionados os materiais a serem estudados,

partículas aéreas emitidos tanto por fontes naturais,

funções que quantificassem os prejuízos

antropogênicas, como as combustões. Há extensa

mostrou que a literatura apresenta mais trabalhos

passado, ou que ocorrem atualmente no patrimônio

mármore e calcário e metais, havendo uma lacuna

cenários requer uma perspectiva diferente.

3 - HadCM3 é um modelo de circulação geral acoplado atmosfera-oceano desenvolvido no Hadley

Dentro do Projeto Arca de Noé, foi produzida uma série hierárquica de mapas ilustrando o

grande prejuízo que está ocorrendo para esses bens devido aos impactos das mudanças climáticas. A

abordagem metodológica previu como passo inicial a seleção de parâmetros climáticos críticos para o

patrimônio construído, extraindo-se os respectivos dados do Modelo Climático Geral, denominado

Centre, no Reino Unido. Foi um dos principais modelos utilizados no Terceiro Relatório de Avaliação do IPCC, em 2001. Ele tem uma grade de resolução de 295 x 278 km (cada célula: 2.5 x 3.75 graus na latitude de 45°N). 4 - O HadRM3 abrange uma região europeia com uma resolução mais alta, baseado numa grade com células de 50 x 50 km (cada célula: 0.5 x 0.5 graus na latitude de 45°N). 5 - Relatório Especial sobre Cenários de Emissões (RECE, ou SRES em Inglês) do IPCC.


140

Mudanças No Clima E Patrimônio Cultural Construído

materiais argilosos, madeira e vidro. Assim, as

funções encontradas foram alteradas e adaptadas, e novos modelos foram desenvolvidos para os materiais selecionados. Os modelos incluem

parâmetros meteorológicos (temperatura, umidade relativa, etc.) e de poluição (SO2, pH da chuva, etc.).

Os resultados dos três anos de atividade do

Projeto Arca de Noé convergiram na produção de um Atlas de Vulnerabilidade e Diretrizes,

que representa o seu produto mais importante (BONAZZA et al., 2009a, 2009b; SABBIONI et

al., 2010). Esse atlas contém mapas de cenários

climáticos europeus relevantes para a proteção do patrimônio cultural construído, desde o

Para cada parâmetro climático escolhido, foram

passado recente até o final do século XXI.

um período de 30 anos, com dados do HadCM3.

ferramentas estratégicas para a gestão sustentável

próximo considerou os anos de 2010 a 2030; e

abrem uma nova e desafiante área para a pesquisa

desenvolvidos mapas com médias dos valores de

Deve-se enfatizar que mapas se constituem em

O período de referência foi 1961 a 1990; o futuro

dos riscos futuros para o patrimônio cultural e

o futuro distante, de 2070 a 2099 – mostrando

interdisciplinar.

evoluem. Adicionalmente, mapas dos valores

As diretrizes contidas no atlas oferecem estratégias

como os cenários de um determinado parâmetro diferenciais entre o futuro distante e o passado

recente foram gerados para melhor quantificar as mudanças em relação ao período de referência.

Na produção desses mapas, as mudanças climáticas foram inicialmente mapeadas em relação àqueles parâmetros climáticos convencionais mais

relevantes para o patrimônio cultural, como

precipitação anual, intensidade das chuvas, geadas,

de adaptação para a gestão do patrimônio cultural em face das mudanças climáticas, com o objetivo principal de apoiar os atores envolvidos com o

patrimônio – como proprietários, responsáveis por

prédios históricos, gestores públicos e organizações que lidam com bens patrimoniais materiais e

outros – no desafio de lidar com as futuras pressões climáticas.

etc. Posteriormente, parâmetros climáticos foram

Essa compilação de diretrizes abrangentes

para o patrimônio construído, como gelo úmido

clima representa o estado da arte no campo da

permitindo a elaboração dos mapas climáticos

de, usando os resultados da pesquisa, fornecer

parâmetros climáticos para quantificar o dano nos

para enfrentar as consequências mais prováveis das

combinados para produzir climatologias específicas

para a mitigação e a adaptação a mudanças no

(chuva seguida de congelamento intenso),

conservação patrimonial. A abordagem foi a

patrimoniais. Um passo seguinte utilizou

estratégias fundamentadas cientificamente e viáveis

materiais construtivos em cenários futuros, obtendo

mudanças climáticas para o patrimônio cultural.

por chuva, corrosão nos metais, estresse térmico).

Apesar de o fator temperatura ser mais reconhecido

mapas de danos (por exemplo, recessão superficial Finalmente, mapas de risco foram produzidos,

combinando dois ou mais danos que poderiam ocorrer em diferentes regiões da Europa.

quando se fala em mudanças climáticas, a pesquisa destaca a importância da água como uma ameaça para o patrimônio cultural construído, em se

considerando o contexto europeu. Tanto podem ser águas de chuvas intensas, inundações, tempestades


141

ou elevação dos níveis das águas costeiras, como

da paisagem cultural europeia. Isso permitiu a

presentes, como visto nos casos em que o aumento

diferentes níveis de risco em relação a materiais e

em formas mais sutis porém mais comumente

identificação, na escala europeia, das zonas com

das chuvas pode sobrecarregar os telhados e calhas,

danos diversos e individuais.

as fachadas dos edifícios. A água também está

O Projeto Arca de Noé não apenas forneceu a

que afetam o crescimento de micro-organismos nas

novo campo de investigação sobre o impacto da

de sais que degradam superfícies e influenciam na

construído, inclusive o arqueológico, como também

penetrar nos materiais ou produzir poluentes para envolvida com a mudança dos níveis de umidade

base para uma nova área de pesquisa, abrindo o

pedras e nas madeiras, assim como na formação

mudança climática sobre o património cultural

corrosão de metais.

destacou a necessidade de pesquisas futuras.

4 - CONCLUSÕES

Dentre as questões para a pesquisa ali apontadas,

está a necessidade prioritária de se desenvolverem modelos preditivos para o clima que permitam a construção de cenários locais, em escalas

As mudanças climáticas já se constituem, de fato, em uma ameaça para as cidades; e as

administrações urbanas precisam se preparar para o enfrentamento dos desastres e outros impactos que advirão de tais mudanças, protegendo

as populações e seus patrimônios. Os dados

mostrados indicam que são grandes e crescentes as perdas de vidas humanas e as perdas econômicas

nessas situações, não mais se podendo negligenciar a necessidade da inclusão desses temas no

panejamento e na gestão urbana. Nesse esforço,

é fundamental que se desenvolvam pesquisas que

articulem o conhecimento disponível em diferentes campos disciplinares para a previsão de futuras ameaças às cidades.

Exemplo importante foi dado pelo Projeto Arca de Noé, financiado pela União Europeia, que

se baseou nas informações já produzidas sobre os impactos das mudanças climáticas para o

patrimônio cultural construído europeu, avaliando os processos de danos que ocorrem nos materiais mais característicos do patrimônio edificado e

mais reduzidas, tanto no espaço como no plano temporal. Além disso, o tema dos impactos da

subida do nível do mar no patrimônio construído não foi incluído no projeto, constituindo-se, pois,

em mais uma área que precisa de desenvolvimento de pesquisas futuras.

No contexto brasileiro, os danos ao patrimônio cultural construído nas cidades em decorrência

de desastres climáticos não se constituem em fato novo. Os casos de perdas culturais significativas, como a destruição de monumentos, edifícios e

sítios históricos devido a enchentes, inundações e deslizamentos, por exemplo, são numerosos

ainda que nos limitemos apenas à última década. Portanto, a gestão desse patrimônio deve dar

especial atenção à questão da elevação do seu nível de resiliência e da sua capacidade de adaptação, diante do previsto aumento na frequência e

na intensidade desses eventos. E para isso é

fundamental a articulação da gestão desses bens

culturais com as estratégias de redução de risco de desastres das gestões urbanas, fortalecendo-se a capacidade de enfrentamento dessas situações.


142

Mudanças No Clima E Patrimônio Cultural Construído

O desenvolvimento de uma cultura de prevenção de riscos é central para a gestão patrimonial,

incluídos aí os riscos de desastres oriundo de mudanças no clima. Mas, para que se possa construir estratégias de enfrentamento das

situações potencialmente desastrosas, é necessário que se conheçam as ameaças e que se avaliem

esses riscos. Nesse esforço, a pesquisa científica

tem um papel importante, como fica demonstrado no caso do Projeto Arca de Noé, apontando para a importância da abertura de novos campos de

SABBIONI, C.; BRIMBLECOMBE, P.; CASSAR M. Atlas of climate change impact on European Cultural Heritage, 2010. ISBN 9781843317982.

SIDOTI, A. The National Library of Florence: difficult decisions following the 1966 Flood. In: VAROLI-PIAZZA, R. (Ed.). Sharing Decisions: Lessons Learnt from an ICCROM Course. Rome: ICCROM, 2007. p. 136-138.

STOVEL, H. Risk Preparedness: A Management Manual for World Heritage. Roma: ICCROM, 1998. Disponível em: <http://www. iccrom.org/pdf/ICCROM_17_RiskPreparedness_en>. Acesso em: 12 set. 2013.

pesquisa e de novas reflexões teóricas no âmbito da gestão patrimonial, incorporando novas questões

UN-ISDR – The United Nations International Strategy for Disaster Reduction. Hyogo Framework for Action 2005-2015: Building the Resilience of Nations and Communities to Disasters. 2013.

5 - REFERÊNCIAS

Disponível em: <http://www.unisdr.org/files/1037_ finalreportwcdrspanish1.pdf>. Acesso em: 13 set. 2013.

teóricas e práticas e articulando novos saberes.

BONAZZA, R.; MESSINA, P.; SABBIONI, C.; GROSSI, C. M.; BRIMBLECOMBE, P. Mapping the impact of climate change on surface recession of carbonate buildings in Europe. Science of the Total Environment, n. 407, p. 2039-2050, 2009a.

BONAZZA, A.; SABBIONI, C.; MESSINA, P.; GUARALDI, C.; DE NUNTIIS, P. Climate change impact: mapping thermal stress on Carrara marble in Europe. Science of the Total Environment, n. 407, p. 4506-4512, 2009b.

DOSMAN, J. The Evolution of Conservation and Disaster Planning in the Face of Disaster: Responses to the Florence Flood of 1966 and to the 2005 flood in New Orleans. Shift: Queen’s Journal of Visual and Material Culture, n. 1, p. 1-5, 2008.

UNESCO. World Heritage Centre (WHC). Climate Change and World Heritage: Report on predicting and managing the impacts of climate change on World Heritage and Strategy to assist States Parties to implement appropriate management responses. 2007. Disponível em: <http://whc.unesco.org/documents/ publi_wh_papers_22_en>. Acesso em: 13 out. 2013.

______. ______. Managing Disaster Risks for World Heritage. 2010.

Disponível em: <http://whc.unesco.org/en/managingdisaster-risks/>. Acesso em: 5 jul. 2014.

6 - RECONHECIMENTO Disponível em: <http://shiftjournal.org/archives/ articles/2008/dosman>. Acesso em: 12 set. 2013.

DOSWELL, C. A.; BROOKS, H. E.; MADDOX, R. A. Flash flood forecasting: an ingredients-based methodology. Weather and Forecasting, v. 11, p. 560-580, 1996.

Este trabalho faz parte do Projeto intitulado “Global climate change impact on built heritage and cultural landscapes NOAH’S ARK”, apoiado pela Comissão Europeia, no âmbito do 6º Quadro-Programa de

MARCELINO, E. V. (Ed.). Desastres naturais e geotecnologias: conceitos básicos. Caderno Didático, Santa Maria. v. 1, n. 1, 2008. INPE-15208-PUD/193.

Investigação (Contrato SSPI-CT-2003-501.837-

NOAH’S ARK ), e deriva muito dos trabalhos dos membros da Parceria.


145

R ECURSOS H ÍDRICOS E M UDANÇAS C LIMÁTICAS EM C IDADES C OSTEIRAS B RASILEIRAS Suzana M. Gico Lima Montenegro 1 - INTRODUÇÃO

Os problemas atuais relacionados ao uso sustentável e conservação de recursos

hídricos e à previsão e controle de eventos extremos de precipitação que podem causar enchentes, inundações e secas já representam grandes desafios do ponto de vista de gestão da água, em especial no meio urbano. Do ponto de vista

de disponibilidade, Marengo et al. (2010) afirmam que é equivocado tratar do problema de escassez dos recursos hídricos como uma consequência do um

aumento de demanda, destacando que a questão se relaciona com a gestão do

recurso. Dentre uma das causas da escassez, os autores apontam a infraestrutura pobre e em estado crítico, em muitas áreas urbanas há até 30% de perdas na

rede após o tratamento das águas. Os problemas atuais dos recursos hídricos nas cidades de uma maneira geral e nas costeiras em particular tendem a se agravar com impactos de possíveis mudanças climáticas. Cabe, portanto, apontar os possíveis impactos, desafios em termos de gestão e medidas adaptativas.

Com sua extensa costa e importantes cidades situadas nessa região, O Brasil tem boa parte de sua população exposta aos possíveis efeitos das mudanças climáticas em regiões litorâneas. Do ponto de vista de recursos hídricos, os

impactos de mudanças climáticas previstos são a alteração do regime de chuvas, principalmente ocorrência de chuvas de maior intensidade, com o consequente aumento do risco de inundações e alagamentos em áreas urbanas; e a subida

do nível do mar, que pode trazer impactos relacionados também a inundações, obstrução de desembocadura de canais e a intrusão marinha nos sistemas aquíferos costeiros.


146

Recursos Hídricos E Mudanças Climáticas Em Cidades Costeiras Brasileiras

As águas subterrâneas são responsáveis pelo

abastecimento de grande parcela da população

mundial e de várias cidades costeiras. A intrusão marinha é a penetração da água salgada do mar na zona de água doce do aquífero. Essa é uma

2 - POSSÍVEIS IMPACTOS DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS EM CIDADES COSTEIRAS DO BRASIL

das possíveis causas de contaminação das águas subterrâneas, o que reduziria a disponibilidade

desse recurso hídrico para as diversas fontes ao qual se destina.

No Brasil, diversas cidades litorâneas que utilizam de forma intensiva as águas subterrâneas para o abastecimento público possuem risco de

degradação dos aquíferos costeiros por salinização

produzida pelo avanço da cunha salina em direção ao continente, a exemplo de Fortaleza, Maceió,

Recife, Natal e Rio de Janeiro, todas densamente povoadas.

Os impactos levantados colocam desafios no

planejamento de sistemas de drenagem urbana e

Marengo et al. (2010) destacam que a maioria dos

estudos sobre impactos de mudanças climáticas e

vulnerabilidades no Brasil tem se concentrado em impactos sobre os recursos hídricos superficiais,

com ênfase a assuntos ligados à hidroeletricidade e à agricultura. De fato, poucos são os estudos

sobre impactos e vulnerabilidades nos sistemas

de águas subterrâneas, e em especial em cidades

costeiras. Hirata e Conicelli (2012) apontam que, com

a possível redução de disponibilidade e recursos

hídricos superficiais, as águas subterrâneas passarão a ser mais utilizadas para usos diversos.

Costa et al. (2010) realizaram análise das zonas

no sistema de gestão de recursos, principalmente

potencialmente inundáveis e da vulnerabilidade

importante fonte complementar em cidades

baseada numa abordagem empírica, considerando

pressão sobre os recursos hídricos.

elevação do nível do mar e os cenários extremos

considerando as águas subterrâneas como

costeira na Região Metropolitana do Recife

densamente habitadas onde já se exerce forte

as estimativas realizadas pelo IPCC sobre a

Este capítulo aborda as questões relacionadas aos possíveis impactos de mudanças climáticas nos

recursos hídricos em cidades costeiras brasileiras, elencando aspectos conceituais, legislação e capacidade adaptativa.

de maré. O estudo indica que, na área em estudo,

81,8% das construções urbanas, que estão a menos de 30m da linha de costa e em terrenos abaixo

de 5m, poderão ser atingidos pela mudança no

nível do mar, e que o litoral possui 45,7% de sua extensão sob zona de alta vulnerabilidade.

O Painel Brasileiro de Mudança Climática

(PBMC, 2013a) destaca que o nível do mar está

aumentando e variações de 20 a 30cm, esperadas

para o final do século XXI, já devem ser atingidas, em algumas localidades, até meados deste século

ou até antes disso. O mesmo estudo ressalta que, apesar de haver poucos estudos observacionais


147

no Brasil em relação à variação do nível do mar,

a captação de águas subterrâneas teve grande

(1946-1987): 5,4cm/déc (cm por década); Belém

em áreas onde se desenvolveram, por exemplo,

1990): 4,0 cm/déc; Santos, SP (1944-1989): 1,1

chinesa e harrapan. Rebouças (2006) também

algumas variações observadas são citadas: Recife

importância ante a irregularidade de chuvas

(1948-1987): 3,5 cm/déc; Cananeia, SP (1954-

civilizações como a sumeriana, a minoica, a

cm/déc.

ressalta que na Europa a importância da água

Com relação aos possíveis impactos das mudanças

partir da Revolução Industrial, com as crescentes

que no Brasil, mesmo onde não houver alteração

demandas industriais e acelerado crescimento dos

eventos severos. O documento destaca ainda que a

captação de águas subterrâneas para abastecimento

de águas subterrâneas.

tempos coloniais. Em alguns estados do País, em

subterrânea passou a ser mais reconhecida a

climáticas na precipitação, o PBM (2013b) destaca

demandas de água para atendimento das nascentes

do total anual, deverão ocorrer intensificações dos

centros urbanos. O autor afirma que no Brasil a

mudança climática poderá afetar as taxas de recarga

das populações vem sendo realizada desde os

O PBMC (2012a) apresenta estes como possíveis

impactos no Sistema Costeiro e Áreas Costeiras

Baixas: a) erosão e progradação costeira; b) danos a

obras de proteção costeira; c) prejuízos estruturais ou operacionais a portos e terminais; d) danos

a obras de urbanização de cidades litorâneas; e)

danos estruturais ou prejuízos operacionais a obras de saneamento; f ) exposição de dutos enterrados

ou danos estruturais a dutos expostos; g) intrusão salina em estuários; h) intrusão salina em

aquíferos; i) evolução dos manguezais; j) danos a recifes de coral.

especial, o uso da água subterrânea vem crescendo gradativamente em virtude da deterioração da

qualidade das águas superficiais, que exige elevados investimentos para captação e tratamento, assim como pelas limitadas quantidades dessas fontes para atendimento das crescentes demandas. As águas subterrâneas são armazenadas em

condições adequadas à sua exploração e uso em

sistemas conhecidos como aquíferos. Um aquífero possui duas funções: de armazenar água e de

transmitir água. Como em qualquer reservatório, a água retirada para determinado uso deve ser

reposta. Para o uso sustentável da água subterrânea, é importante identificar as áreas de recarga dos

3 - ÁGUA SUBTERRÂNEA COMO RESERVA ESTRATÉGICA E VULNERABILIDADES DO SISTEMA

aquíferos. Com o processo de urbanização e a

consequente impermeabilização do solo, o processo de recarga natural dos aquíferos, de uma maneira geral, vem sendo dificultado.

Com relação à recarga natural, mesmo que em Aproximadamente 98,5% da água doce disponível

para uso da humanidade encontram-se no subsolo, na forma de água subterrânea. Rebouças (2006)

destaca que desde os primórdios das civilizações

algumas situações ela continue ocorrendo com

baixo risco de degradação do sistema, alerta-se que nem sempre ela é proveniente de águas de boa qualidade, visto que os aquíferos livres ou

freáticos, em contato direto com o subsolo, podem


148

Recursos Hídricos E Mudanças Climáticas Em Cidades Costeiras Brasileiras

receber contribuições de destinos finais de esgotos

É, portanto, de extrema importância o

desses sistemas, assim como influência de mangues,

Gerenciamento de Recursos Hídricos, em relação

domésticos, no caso de cidades com deficiências

paleomangues (águas antigas salinizadas) e marés em alguns pontos, o que pode tornar suas águas impróprias para uso humano em vários locais.

fortalecimento do Sistema Nacional de

ao qual a Agência Nacional de Águas (ANA) e os órgãos gestores estaduais são componentes.

No âmbito da gestão de águas subterrâneas, por exemplo, a ANA (2013) estima, para os aquíferos

Outro problema em relação à manutenção

considerados estratégicos, os valores de recarga

de uma forma geral é o aumento das taxas de

desses aquíferos, e a partir desses, os valores de CS

de população e indústrias. Segundo Hirata et al.

Sustentabilidade (CS) corresponde ao percentual

poços no País, com um aumento anual de 10,8

sustentável. Os valores estimados de CS são

população. Pedrosa e Caetano (2002) destacam que a

estaduais de recursos hídricos irão reavaliar ao

hídricos, nos mais diversos tipos de usos, deve-se

conhecimento dos aquíferos e das reservas em uso.

qualidade e menor custo quando comparados

Nas zonas costeiras, há um equilíbrio entre a água

superficiais.

que está vindo do mar. Forma-se então uma

Nesse contexto, destaca-se a importância da

por ser mais densa, permanece embaixo da água

os cenários atuais e futuros, incluindo possíveis

doce-água salgada não é abrupta, constituindo- se

subterrâneas são consideradas de domínio estadual

Em situações em que uma quantidade excessiva de

responsáveis pelo disciplinamento do seu uso.

desequilíbrio com a recarga natural produzida pelas

de reservas de águas subterrâneas em cidades

potencial direta (RPD); para as áreas aflorantes

bombeamento para atendimento a níveis crescentes

(coeficiente de sustentabilidade). O Coeficiente de

(2010), estima-se que haja, pelo menos, 416 mil

da RPD que poderá ser explotada1 de forma

mil novas captações, atendendo a 30-40% da

indicativos iniciais, os quais os órgãos gestores

que crescente preferência pelo uso desses recursos

longo do tempo, à medida da ampliação do

ao fato de que, em geral, eles apresentam excelente com sistemas de abastecimento utilizando fontes

subterrânea doce e a água subterrânea salgada,

interface água salgada-água doce; a água do mar,

gestão de águas subterrâneas no País considerando

doce (figura 1). Em realidade, essa interface água

efeitos de mudanças climáticas. No Brasil, as águas

na maioria dos casos em uma zona de mistura.

e, portanto, os órgãos gestores estaduais são

água subterrânea é extraída através de poços, em

águas da chuva, ocorre um avanço dessa interface, produzindo a salinização do aquífero, ou partes desse.

1 - O termO explotação é cOmum cOmO referência à explOraçãO de águas subterrâneas.


149

Figura 1 – Esquema ilustrativo de contaminação de águas subterrâneas e intrusão marinha

POÇO

LENÇOL FREÁTICO

CONTAMINAÇÃO VERTICAL

ARGILA OCEANO LENÇOL CONFINADO

ÁGUA DOCE

ÁGUA SALGADA INTRUSÃO MARINHA

CONTINENTE IMPERMEÁVEL

POÇO

LENÇOL FREÁTICO ARGILA LENÇOL CONFINADO

CONTAMINAÇÃO VERTICAL - MANGUES;

OCEANO

- ÁGUAS ANTIGAS; - ESTUÁRIO DOS RIOS;

ÁGUA DOCE

ÁGUA SALGADA

- ESGOTOS IN SITU. INTRUSÃO MARINHA CONTINENTE IMPERMEÁVEL

Fonte: Próprio autor

Recentemente, foi realizado um estudo

subterrâneas, falta de redes de observação e a

aquíferos costeiros da América do Sul, para

na sociedade e sua implicação no planejamento. Os

costeiras desse subcontinente, incorporando-

em áreas altamente povoadas que estão associadas

(SILVA et al., 2010). O grau de conhecimento

um desenvolvimento não sustentável das águas

nenhuma informação (a situação mais comum)

basear-se na avaliação adequada das características

quanto ao conhecimento do aquífero e quanto

aplicação de instrumentos de gestão como o controle

de gestão compreenderiam a realocação de

no estado de Pernambuco, a gestão de águas

extração de água subterrânea salobra das camadas

conjuntamente pelo órgão ambiental do estado

de vulnerabilidade de aquíferos. Algumas das

responsáveis pela concessão das licenças de instalação

avaliados nesse estudo são exploração intensiva de

concessão das licenças baseia-se no zoneamento de

que suportem o planejamento e gestão das águas

de extração por poços.

comparativo da informação existente sobre 15

necessidade de criar uma consciência sobre a questão

conhecer as características comuns das áreas

problemas de qualidade e quantidade que aparecem

se também o conhecimento sobre outras áreas

a aquíferos costeiros sul-americanos indicam

e de práticas de gestão é variável: desde quase

subterrâneas. O uso sustentável desses aquíferos deve

até modelos conceituais bem estabelecidos

dos aquíferos e em seu monitoramento, além de na

a ações apropriadas de gestão. Tais práticas

do uso através da concessão de outorga. Por exemplo,

pontos de extração de água através dos poços, a

subterrâneas é exercida, com base em legislação,

salinizadas e lançamento no mar, e a cartografia

e pelo órgão gestor de recursos hídricos, que são

características comuns a todos os aquíferos

e operação de poços. A análise dos pleitos para a

água subterrânea, falta de estudos de caracterização

exploração: para cada zona, são estabelecidos limites


150

Recursos Hídricos E Mudanças Climáticas Em Cidades Costeiras Brasileiras

Além dos efeitos diretos das mudanças climáticas, como na recarga, as águas subterrâneas também podem ser afetadas de forma secundária por

aumento de taxas de bombeamento em razão de diminuição de disponibilidade de recursos

hídricos superficiais e aumento da salinidade dos cursos d´água superficiais (por intrusão marinha

nesses corpos d´água, por exemplo, o que também representa maior vulnerabilidade à intrusão

marinha nos aquíferos (WERNER et al., 2013).

interromper a extração de águas subterrâneas para consumo e o caso de Veneza que adotou a mesma restrição e conseguiu atenuar seu afundamento.

No Brasil, há poucos estudos sobre subsidência e

metodologias de detecção (e.g. Santos et al., 2012). Técnicas de MAR, como citado anteriormente, como injeção de água em aquíferos através de

barrira hidráulica também podem ser usadas para

controle da subsidência, além da estrição do uso de águas subterrâneas como mencionado nos estudos de Erkens t al. (2014).

Os métodos de controle de intrusão marinha envolvem desde recarga artificial, através de

Do ponto de vista da gestão sustentável dos

praticado em Barcelona, Espanha, através de

ofertas limitadas, uma tendência adaptativa que

tratadas (TEIJÓN et al., 2011); barreira de concreto

infraestrutura se apoia no controle da demanda

uma barreira hidráulica, por exemplo, como é

recursos hídricos, com crescentes demandas e

poços de injeção, reutilizando-se águas servidas

não se baseia simplesmente em incremento de

subterrânea, como em Laizhou Bay, China (WU

et al. 2008); além de vários outros exemplos em

aquíferos costeiros no mundo. As chamadas

técnicas de MAR (Managed Artificial Recharge), ou recarga artificial controlada, utilizam o conceito de reuso ou reciclagem de água e podem utilizar

como medida não estrutural (SILVA; PORTO, 2003). Hirata e Conicelli (2012) defendem como

medida adaptativa para a pressão sobre os recursos hídricos ante as mudanças climáticas que o uso

integrado de águas superficiais e subterrâneas deva ser considerado no planejamento do uso da água.

também águas de chuva. Em Recife (PE), um

trabalho experimental analisou a possibilidade de utilização de água da chuva captada de áreas de

telhado e de lazer para recarga de aquífero (SILVA

et al., 2006).

O possível incremento na extração de águas

4 - MANEJO DA ÁGUA NO MEIO URBANO E SISTEMAS DE PROTEÇÃO CONTRA INUNDAÇÕES, ALAGAMENTOS E ENXURRADAS

subterrâneas, em regiões costeiras em particular,

pode provocar outro problema: o “afundamento” do solo, ou subsidência. Levantamento realizado

por Erkens et al. (2014) destaca que em metrópoles

como Bangcoc (Tailândia), Jacarta (Indonésia), Xangai (China) e Nova Orleans (EUA), o

rebaixamento do terreno é até dez vezes maior do que o aumento do nível do mar. Os autores apresentam o caso de Tóquio que sofreu

rebaixamento de 2 metros nas últimas décadas até

Com o aumento da intensidade de precipitação

previsto, deve aumentar o risco de inundações e

alagamentos em cidades de uma maneira geral. Em cidades costeiras, localizadas em cotas topográficas mais baixas, esse risco deve aumentar.

Qualquer cidade costeira sempre sofre algum

risco de inundação, uma vez que está ao nível do mar, e muitas vezes em um estuário ou planície

de inundação. Além disso, com a possibilidade de


151

aumento do nível do mar e de subsidência pela

exploração excessiva de águas subterrâneas, como

descrito anteriormente, esses problemas tendem a

se potencializar. Klein et al. (2003) citam o exemplo

de Xangai, na China, que, devido ao problema

de subsidência ocasionado pela retirada excessiva de águas subterrâneas, se tornou vulnerável a

enchentes. Como resultado, a cidade, além do

controle de retirada de águas subterrâneas, teve que incrementar medidas de controle de enchentes.

acoplados a modelos climáticos compondo um sistema de suporte à decisão para a emissão de

alertas. A elaboração de um Plano de Emergência e um Plano de Contingência também compõe o

conjunto de medidas não estruturais para controle

de inundações. No referido plano, deve ser definido o conjunto de atores envolvidos e qual o papel de cada um. Dentre os atores, estão os componentes do sistema de alerta, a Defesa Civil e o Corpo

de Bombeiros, por exemplo. Em alguns estados do Brasil, no CEMADEN e na ANA foram

O controle de enchentes e inundações é

criadas as chamadas Salas de Situação, que são na

hidrográfica, estruturas de drenagem urbana) e

situação integram componentes de monitoramento

as inundações são causadas por tempestades e

medidas estão mais focadas na escala de bacias e

baseado em medidas estruturais (obras na bacia

verdade centrais de monitoramento. As salas de

não estruturais. Casos como o de Londres, onde

e previsão meteorológica e hidrológica. Essas

marés altas, exigem medidas estruturais específicas.

sub-bacias.

estruturais compõe o sistema de proteção a

No quesito alagamentos, a resiliência das cidades

No caso de Londres, um conjunto de medidas

inundações na costa, com defesas fixas e barreiras móveis no rio Tâmisa, que são fechadas com a

onda da maré alta e um conjunto de sistemas de

alerta que ajudam a decidir quando fechar barreira (KLEIN et al., 2003).

Além das medidas estruturais, a resiliência das cidades de uma maneira geral em relação ao

aumento do risco de enchentes, inundações e

enxurradas deve se apoiar também em medidas não estruturais, como sistemas de alerta precoce. No Brasil, o Centro de Monitoramento e Alerta de

Desastres Naturais (CEMADEN), outros órgãos

estaduais e o Centro Nacional de Gerenciamento

de Riscos e Desastres (CENAD) são responsáveis por um conjunto de medidas não estruturais

relacionadas a enchentes e inundações. Pode-se

citar desde o monitoramento remoto e em tempo

“real”, com equipamentos automáticos de medição e transmissão de dados de chuva e de nível d´água em rios, até complexos modelos hidrológicos

costeiras às mudanças climáticas deve se basear

principalmente em medidas não estruturais e em

uma visão de Gestão da água no meio urbano, ou manejo de águas pluviais urbanas, diferentemente das práticas mais convencionais de drenagem

urbana, que visam tão somente à remoção rápida do escoamento excedente (que não se infiltra)

de precipitações intensas. Independentemente

das mudanças climáticas, os conceitos e práticas

de manejo de águas pluviais urbanas estão sendo bastante difundidos em todo o mundo. Souza

et al. (2013) destacam que, do ponto de vista da

drenagem urbana convencional, as águas urbanas

são consideradas indesejadas em função do seu alto grau de degradação e, portanto, os corpos d’água

devem, de acordo com tal visão, ser submetidos a obras de retificação, canalização e recobrimento. Os autores reforçam que, na visão moderna, o

sistema de drenagem de águas pluviais pode passar a compor a paisagem urbana, promovendo sua

valorização. Além dos aspectos de quantidade,


152

Recursos Hídricos E Mudanças Climáticas Em Cidades Costeiras Brasileiras

essa nova tendência de manejo de águas pluviais

manutenção de caminhos naturais de drenagem

qualidade dessas águas, o que, em alguns casos,

intensivamente pesquisadas devem entrar na

urbanas também busca avançar na melhoria da

(SOUZA et al., 2012). Esses conjuntos de técnicas

pode implicar um aumento de disponibilidade de

agenda do planejamento urbano, em especial com a

recursos hídricos para diversos usos.

A chamada abordagem higienista, que é

caracterizada pela evacuação rápida das águas

pluviais e servidas, por meio de impermeabilização de áreas e sistemas de condutos artificiais, vem sendo combinada ou substituída, dependendo da escala, por outras abordagens em diversos

perspectiva de mudanças climáticas e a necessidade de incremento da resiliência das cidades. As

medidas que favorecem a infiltração e a recarga de aquíferos, além de serem importantes do ponto de vista de amenizar alagamentos, contribuem para o

equilíbrio do ciclo hidrológico urbano com possível

incremento na disponibilidade de águas subterrâneas em áreas com recarga natural dificultada.

países. No final dos anos 1990, a ciência passou a reconhecer o papel do solo e da vegetação

(sistemas naturais de drenagem) no controle

qualiquantitativo de águas pluviais ao promoverem a infiltração, a evapotranspiração e o contato

da água com bactérias e plantas (SOUZA et al.,

2012). Surgiram então as chamadas técnicas

compensatórias de drenagem urbana ou BMP

(Best Management Practices). Dentre as chamadas

O pavimento permeável é uma nova tecnologia sustentável em drenagem urbana, formado por

bloquetes de concreto, concreto poroso ou asfalto poroso (figura 2). Todas essas estruturas possuem

grandes elementos vazados – chamados de espaço poroso – em sua parte central, que permitem ao

pavimento cumprir sua principal função: imitar o

solo natural. Em condições naturais, o solo é uma

técnicas compensatórias de drenagem urbana ou

estrutura permeável e porosa, capaz de absorver

pavimentos permeáveis, trincheiras de infiltração,

retornar à atmosfera por meio da evapotranspiração.

do lote urbano. Alguns exemplos de BMP para a

permeabilidade ao pavimento, pois são preenchidos

ou bacias de detenção, que visam amortecer o

areia ou grama, reproduzindo as condições normais

de elevada intensidade. Outra abordagem nesse

absorção da água, fazendo com que se promova

Impact Development), ou drenagem urbana

que antes era refletida pelo asfalto passa a ser

Unidos da América, os sistemas WSUD (Water

2ºC e reduzindo custos de energia, como o uso do

e os SuDS (Sustainable Drainage Systems).

por um pavimento permeável tanto pode ser

gestão da água no meio urbano, podem-se citar os

parte da água que passa por ele e fazer o restante

etc. Essas técnicas são adequadas para a escala

São os espaços porosos que garantem

escala de quadras, por exemplo, são os reservatórios

com uma quantidade que varia de 5cm a 10 m de

pico do escoamento superficial gerado por chuvas

de solo. O uso do pavimento permeável facilita a

contexto, são os chamados sistemas LID (Low

a recarga do aquífero. Além disso, a energia solar

de baixo impacto, com inspiração nos Estados

absorvida pelo solo, baixando a temperatura em até

Sensitive Urban Design) (e.g. EMRC, 2008)

ar-condicionado, por exemplo. A água absorvida

Os LIDs, por exemplo, buscam promover a

infiltração e a recarga de aquíferos e a preservação de vegetação e solo nativos, minimizando o

emprego de áreas impermeáveis, permitindo a

utilizada para alimentar o aquífero como pode ser armazenada e usada para fins não potáveis, como

lavagem de ruas e irrigação de plantações e jardins.


153

Figura 2 – Foto de tipo de elemento vazado projetado como pavimento permeável

Fonte: www.artmoldados.com.br (acesso em 03/10/2014).

As chamadas “infraestruturas verdes” podem trazer

exemplos de cidades, o autor destaca que Goiânia e

urbanas. Por exemplo, diversas regiões do mundo

descontos sobre o IPTU dos imóveis daqueles

isso possa estar relacionado a mudanças climáticas,

de infraestrutura verde, e a cidade paulista de

planeta, por exemplo, em cidades brasileiras, o

que tiverem áreas permeáveis vegetadas no seu

benefícios além do manejo das águas pluviais

Guarulhos têm normas semelhantes que concedem

têm vivido intensas ondas de calor. Mesmo que

que dotarem seus empreendimentos com técnicas

há que se reconhecer que em algumas áreas do

São Carlos reduz em até 2% o IPTU dos imóveis

fenômeno pode estar relacionado ao processo de

perímetro, incluindo telhados verdes.

crescente impermeabilização e verticalização

A coleta de águas de chuva de telhados e áreas

urbanização sem adequado planejamento com e diminuição drásticas de áreas verdes. A

crescente impermeabilização traz também como consequência o aumento de riscos de enchentes e inundações. Medidas adaptativas relacionadas a essas questões apontam para a necessidade de incremento dessa infraestrutura verde.

Segundo Guimarães (2014), a necessidade de mais infraestrutura verde urbana, como telhados e

paredes verdes, tratamento e reaproveitamento

de águas pluviais e até mesmo cloacais, é pauta em muitas cidades brasileiras. Dentre outros

impermeáveis de lazer de residências, condomínios, estabelecimentos comerciais e edificações públicas

também pode ser incluída no conjunto de técnicas de manejo da água no meio urbano, com a

abordagem LID (SOUZA et al., 2012), na escala do lote. Além de amortecer o efeito das inundações em áreas urbanas, a água da chuva coletada e

adequadamente armazenada pode ser utilizada para diversos fins, com ou sem tratamento, como na

irrigação de jardins e em outros usos não potáveis dentro da própria edificação (e.g. SALLA et al.,

2013), contribuindo para reduzir a pressão sobre


154

Recursos Hídricos E Mudanças Climáticas Em Cidades Costeiras Brasileiras

os recursos hídricos. No Brasil, a coleta de chuva no meio urbano não é muito comum, mas em

diversos outros países essa modalidade de manejo

de águas é muito praticada, como na Espanha (e.g.

FARRENY et al., 2011; DOMÈNECHA; SAURÍ,

2011), na Alemanha (e.g. KÖHLER, 2006) (figura

3), dentre outros.

Figura 3 – Sítio experimental para aproveitamento de água de chuva em telhado verde, na Alemanha

Fonte: Köhler (2006).

As águas pluviais urbanas coletadas também

podem servir para recarga artificial de aquíferos, em especial costeiros, através da técnica MAR,

conforme discutido no item anterior. No Brasil,

ainda não há experiências nesse sentido, embora pesquisas tenham sido realizadas (e.g. SILVA

et al., 2006). Em outros países, em especial da

Europa, esse assunto vem sendo bastante estudado (DEMEAU, 2014).

Silva e Porto (2003) defendem uma gestão integrada

de recursos hídricos em bacias urbanas, com

atenção voltada para medidas não estruturais,

em que o elemento-chave é a integração. Os autores

destacam quatro aspectos fundamentais de integração: entre sistemas/atividades diretamente relacionados ao uso da água na área da bacia hidrográfica; territorial/

jurisdicional com instâncias de planejamento e gestão urbana – os municípios e o sistema de planejamento metropolitano; articulação reguladora com sistemas

setoriais não diretamente usuários dos recursos hídricos – como habitação e transporte urbano; articulação com

as bacias vizinhas, tendo em vista a celebração de acordos

estáveis sobre as condições atuais e futuras de importação de vazões e de exportação de águas utilizadas na bacia. Os três primeiros elementos de integração teriam


155

impacto no controle de inundações. Em síntese,

defende-se uma integração entre a gestão urbana

das Águas também considera o Plano de Recursos Hídricos como um dos instrumentos da políticas.

e a gestão de recursos hídricos no meio urbano, o que na atualidade é em geral incipiente e poderia

imprimir maior resiliência às cidades com relação a

impactos de mudanças climáticas e de urbanização. No Brasil e em diversos outros países, diversas

redes cooperativas de pesquisa têm se estabelecido em torno da temática de manejo de águas

pluviais urbanas. Pode-se citar como exemplo

a rede MAPLU, que visa desenvolver soluções urbanísticas e ambientalmente adequadas de manejo de águas pluviais para a redução do

impacto sobre o hidrograma de enchentes, com especial atenção para a qualidade da água, o

controle de vetores e a gestão de resíduos sólidos

em bacias experimentais urbanas. Um exemplo de rede internacional na qual instituições brasileiras também estão incluídas é a SWITCH (http:// www.switchurbanwater.eu/).

5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tais planos devem sempre incluir o gerenciamento integrado das águas superficiais e subterrâneas e

considerar aspectos particulares, como a questão de aquíferos costeiros. A Lei n. 9.984, de 17 de julho de 2000, que cria a Agência Nacional de Águas, em seu Art. 4º, item X, dispõe que cabe à ANA

“planejar e promover ações destinadas a prevenir

ou minimizar os efeitos de secas e inundações, no âmbito do Sistema Nacional de Gerenciamento

de Recursos Hídricos, em articulação com o órgão central do Sistema Nacional de Defesa Civil, em apoio aos Estados e Municípios”. Em 2012, foi

lançado o Plano Nacional de Gestão de Risco e

Resposta a Desastres Naturais, que prevê medidas

estruturais, como diversas obras de drenagem, e não estruturais, como intensificação do monitoramento meteorológico e hidrológico e fortalecimento do

sistema de alerta a desastres, como inundações, e o mapeamento detalhado de áreas de risco, que pode ser instrumento de extrema importância

no planejamento urbano. Como contribuição, a Além de todos os aspectos técnicos de engenharia levantados neste capítulo sobre as questões

dos recursos hídricos e a resiliência das cidades costeiras às mudanças climáticas, há que se

considerar as outras dimensões da problemática,

como as políticas e institucionais. Nesse sentido, é

de extrema importância que se pense na articulação das diversas políticas públicas e instituições

envolvidas nas questões. Pode-se citar a Política e

Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos

Hídricos (Lei 9433/1997), e as respectivas políticas estaduais, que refere a “Prevenção e a defesa

contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos

recursos hídricos”, por exemplo. A chamada Lei

ANA lançou em 2013 o Atlas de Vulnerabilidade

a Inundações. Há, portanto, que se considerar a

articulação com os planos diretores das cidades

e as instituições e políticas relacionadas ao uso e ocupação do solo urbano.

Mas há que se considerar, ainda, a interseção com outras políticas, como a de Saneamento Básico, Lei 11.445/2007, que prevê nos seus princípios fundamentais que os serviços de saneamento

básico deverão incluir a disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de drenagem e de

manejo de águas pluviais; e o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, institucionalizado no

Brasil a partir da promulgação da Lei Federal n. 7.661/88.


156

Recursos Hídricos E Mudanças Climáticas Em Cidades Costeiras Brasileiras

Como parte da estratégia de solução dos problemas atuais e futuros nas cidades costeiras, há que se

atacar a dificuldade de articulação entre os órgãos de estado responsáveis pelas políticas setoriais.

6 - REFERÊNCIAS ANA – Agência Nacional de Águas Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil. 2013. 432p.

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159

M UDANÇAS C LIMÁTICAS E R ESILIÊNCIA DE C IDADES : A SPECTOS I NSTITUCIONAIS Cynthia Suassuna 1 - INTRODUÇÃO

A sobrevivência humana e a forma como as sociedades compreendem os

riscos e se organizam para enfrentá-los são questões do domínio da cultura e influenciadas por valores e práticas sociais.

Um clima em mudança leva a alterações na frequência, intensidade, extensão espacial e duração de extremos das condições meteorológicas e climáticas,

podendo resultar em eventos sem precedentes, que são denominados eventos

extremos.

Segundo o Banco Mundial (2012), no ano de 2010, 178 milhões de pessoas foram afetadas pelas inundações no mundo. As perdas totais em anos excepcionais, como 1988 e 2010, excederam 40 bilhões de dólares,

evidenciando a relevância desse problema e a necessidade de tornar a gestão

de risco de inundações em assentamentos urbanos uma prioridade na agenda política dos países. A compreensão das causas e efeitos dos impactos das

inundações, a projeção dos investimentos e a implementação de medidas

que minimizem suas consequências devem estar incluídas nos objetivos mais amplos de desenvolvimento.

Os desastres ocorrem como efeito da conjunção de fatores que impactam, de diferentes formas, os grupos sociais. De modo geral, há uma relação estreita entre os desastres e o modelo de desenvolvimento mundialmente adotado, baseado na intensa exploração dos recursos naturais, no consumo de bens


160

Mudanças Climáticas E Resiliência De Cidades: Aspectos Institucionais

e serviços, na produção de resíduos, entre outras

a criação do Centro Nacional de Monitoramento

vulnerabilização das populações ante a ocorrência

Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e

características, que intensificam o processo de de eventos extremos (CEPED, 2012).

A ideia de que o Brasil é um país tropical,

abençoado por Deus e livre de desastres não

corresponde à realidade. Os dados demonstram que, em 2009, o Brasil ocupou o sexto lugar entre os dez países do mundo com o maior

número de desastres, com nove eventos, sendo

oito hidrológicos, abaixo apenas das Filipinas (25 eventos), China (24), Estados Unidos (16), Índia (15) e Indonésia (12) (CRED, 2009).

Os dados oficiais brasileiros revelaram

que, em 2010, 563 municípios brasileiros

(aproximadamente 10%) decretaram situação

de emergência ou estado de calamidade pública

devido à ocorrência de inundações, causadas por chuvas acima da média histórica. Esse número

cresceu para 754 em 2011, representando 14% dos

municípios que experimentaram a mesma situação, levando o Brasil ao terceiro lugar no mundo em

número de mortes por desastres naturais naquele ano e evidenciando as grandes fragilidades nos

mecanismos de gestão de riscos de desastres no País (ANA, 2011).

E, em 2011, o Brasil ocupou o terceiro lugar

no mundo em número de mortes por desastres

naturais, o que evidenciou grandes fragilidades nos

Alerta de Desastres Naturais (CEMADEN) e do Desastres; e a expansão das redes de observação equipada com recursos tecnológicos diversos. Entretanto, ainda muita coisa há de ser feita.

Assim, este artigo resulta do objetivo de identificar quais os aspectos institucionais que estão ligados à resiliência de uma cidade ante a desastres

decorrentes de eventos hidrológicos extremos, a partir da teoria e da realidade.

Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, utilizando técnicas de mapeamento sistemático,

uma pesquisa documental para a escolha da cidade objeto de estudo, além de uma pesquisa de campo, de cunho exploratório. A cidade objeto deste

estudo foi Barreiros, em Pernambuco, no nordeste brasileiro, que sofreu um desastre decorrente de

um evento hidrológico extremo em junho de 2010. Foram realizadas entrevistas com o objetivo de

compreender o significado das experiências vividas pelos atores envolvidos no desastre e identificar os

aspectos institucionais relatados pelos entrevistados comparando-os com as referências oriundas da teoria.

2 - MUDANÇAS CLIMÁTICAS E REDUÇÃO DE RISCOS DE DESASTRES

mecanismos de gestão de riscos de desastres no país (ANA, 2011).

O Quarto Relatório do IPCC, publicado em 2007, baseando-se em observações feitas em todos os

Algumas medidas foram implantadas pelo

continentes, concluiu que muitos sistemas naturais

realidade: a alocação de aproximadamente 18,8

pelo aumento de temperatura, e as projeções

mapeamento, monitoramento e alerta de acidentes;

pessoas iriam ser atingidas por inundações em

governo federal buscando dar uma resposta a essa

e humanos estavam sendo afetados principalmente

bilhões de reais para ações de prevenção, resposta,

para os anos seguintes indicavam que milhões de


161

áreas densamente povoadas, sobretudo nos países

objetivos estratégicos a integração dos riscos

capacidade de adaptação (MAROUN, 2007).

de desenvolvimento sustentável; a criação e o

em desenvolvimento, em razão de limitações da

de desastres nas políticas, planos e programas fortalecimento de instituições, mecanismos e

O alerta foi dado quanto à possibilidade de

meios que possam contribuir de forma sistemática

da frequência dos eventos de precipitação

(UNISDR; MAH, 2005).

de inundações, aumento do risco de erosão nas

A redução dos riscos de desastres está

ocorrência de vários fenômenos e ao aumento

para aumentar a resiliência perante as ameaças

extrema, com a consequente elevação do risco

áreas litorâneas, em consequência da mudança do clima, da elevação do nível do mar e das crescentes pressões induzidas pelo homem.

O IPCC deu grande ênfase à necessidade de

adaptação das estruturas urbanas, especialmente

em países em desenvolvimento ou com economias em crescimento, em razão de suas maiores

vulnerabilidades e menor capacidade de reação e mitigação (IPCC, 2007).

institucionalizada em documentos internacionais

que vinculam os países signatários a compromissos assumidos no âmbito das Nações Unidas. Atores internacionais envolvidos nos compromisso da

redução do risco de desastres, diante da perspectiva de aumento da intensidade e da frequência de eventos extremos decorrente das mudanças

climáticas, criaram a Plataforma Global para a

Redução dos Riscos de Desastres, que incluiu no

debate internacional a necessidade de se reforçar a No âmbito das Nações Unidas, outro organismo internacional, a Estratégia Internacional para

resiliência das comunidades através da campanha

“Cidades Resilientes” (2011), centrada na governança

Redução dos riscos de desastres, postulou sobre

local e nos riscos urbanos.

sobre o tema das mudanças climáticas, que

Houve recomendações para que países signatários

a necessidade de que fossem formuladas políticas estabelecessem sinergias entre as recomendações do Marco de Hyogo e as da Convenção sobre as

Mudanças Climáticas, e que os países signatários

atentassem sobre a necessidade de estabelecimento de nexos entre as atividades da redução de risco de

desastres e as de adaptação às mudanças climáticas. O Marco de Ação de Hyogo, plano desenvolvido para orientar os esforços destinados à redução do risco de desastres entre os anos de 2005 a

2015, tem como objetivo principal a redução de

perdas humanas, sociais, econômicas e ambientais das comunidades e dos países. Esse documento internacional possui uma série de princípios orientadores para alcançar a resiliência das

comunidades mediante os desastres, tendo como

melhorassem o processo de aprendizagem e as

capacidades institucionais básicas, e estabelecessem e modificassem as legislações e marcos de suas

políticas, culminando no entendimento de que era necessário reforçar a resiliência das comunidades.

O conceito de resiliência passa a ser um conceito-

chave para ser usado no contexto das cidades, o

que é apontado tanto pela comunidade científica

ligada aos estudos das mudanças climáticas (CCA

– Climate Change Adaption) quanto pelo grupo ligado à redução de riscos de desastres (DRR –

Disaster Risk Reduction).


162

Mudanças Climáticas E Resiliência De Cidades: Aspectos Institucionais

O Brasil, como signatário de convenções

internacionais tanto no âmbito da redução dos

riscos de desastres quanto no das adaptações às mudanças climáticas, ratificou os respectivos

acordos em duas políticas: a Política Nacional

de Mudanças Climáticas, de 2009, e a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, de 2012, ambas instituídas por leis federais. Esses

compromissos internacionais que geraram

modificações no ordenamento jurídico interno,

estrutura hierárquica, segundo a qual os sistemas

naturais, humanos e sociais se interligam em ciclos de crescimento, acumulação, reestruturação e

renovação (HOLLING, 2001). Segundo o autor, a

sustentabilidade de um sistema complexo depende fundamentalmente do comportamento de um

reduzido número de variáveis críticas – o potencial, a conectividade e a resiliência –, as quais controlam o funcionamento dos ciclos evolutivos.

nas esferas nacionais, estaduais e municipais, vêm

A capacidade de adaptação de um sistema

e demandando uma reorganização das estruturas

situações novas sem perder possibilidades para o

planejamento e gestão para o efetivo cumprimento

capacidade adaptativa. Para lidar com um mundo

acelerando o processo de mudança institucional

socioecológico é a capacidade de lidar com

públicas, dos instrumentos e dos processos de

futuro, e a resiliência é a chave para aumentar a

das determinações legais.

cheio de mudanças e incertezas, “em contraste

3 - RESILIÊNCIA COMO CONCEITO-CHAVE

com uma eficiência baseada em instrumentos de comando e controle, a abordagem da gestão, que aceita a incerteza e procura construir resiliência, pode sustentar sistemas socioecológicos,

especialmente durante períodos de perturbação Como conceito em si mesmo, a resiliência refere-

após uma transformação” (FALKE et al., 2002).

perturbações e reorganizar-se, enquanto está sujeito

No contexto das mudanças climáticas, a adaptação

se à capacidade de um sistema em absorver

a forças de mudança, sendo capaz de manter o

essencial das suas funções, estrutura, identidade e mecanismos (WALKER et al., 2004).

No contexto do desenvolvimento sustentável, o conceito de resiliência aparece como uma

necessidade das sociedades em aumentarem suas capacidades de adaptação em situações em que

ocorre rápida evolução para manter o status quo mediante desastres (MUNN, 1992).

Outros estudos aprofundaram o conceito de

resiliência trazendo uma teoria que contribuiu

para a identificação das variáveis que compõem o conceito. A teoria da panarquia explica a

capacidade evolutiva dos sistemas complexos e a

é entendida como uma série de respostas aos impactos atuais e potenciais com objetivo

de minimizar possíveis danos e aproveitar as

oportunidades. A capacidade de adaptação de um sistema depende basicamente de duas variáveis: vulnerabilidade e resiliência. A vulnerabilidade é entendida como um reflexo do grau de

suscetibilidade do sistema para lidar com os efeitos adversos da mudança climática; e a resiliência, como a habilidade do sistema em absorver

impactos preservando a mesma estrutura básica

e os mesmos meios de funcionamento (BRASIL,

2008).


163

Figura 1 – Relação entre conceitos

SUSTENTABILIDADE

VULNERABILIDADE

RESILIÊNCIA

CAPACIDADE ADAPTATIVA

Fonte: elaboração da autora.

Apesar de não ser possível afirmar a existência de relação causal linear entre resiliência e

vulnerabilidade, é possível perceber que existe

4 - A RESILIÊNCIA DE CIDADES MEDIANTE DESASTRES

relação de proporcionalidade indireta entre as

duas grandezas, isto é, quanto menores forem as

vulnerabilidades de um sistema, maior será a sua

capacidade de resiliência, conforme ilustração na figura 1.

Isto se coaduna com o entendimento de que

“a resiliência é uma característica dos sistemas que pode ser produzida ou reforçada, e o de

que “promover resiliência é uma das maneiras

Alberti et al. (2003) definiram resiliência urbana

como o grau em que as cidades são sistemas capazes de tolerar alteração antes de se reorganizarem

em torno de um novo conjunto de estruturas e

processos. Segundo os autores, a resiliência urbana pode ser medida pela maneira como uma cidade pode, simultaneamente, equilibrar ecossistema e funções humanas.

mais eficientes de promover sustentabilidade”,

Para Godschalk (2003, p. 137), uma cidade resiliente é

que devem ser priorizadas quando se pensa em

[...] uma rede sustentável de sistemas físicos e comunidades humanas, onde os sistemas físicos são os componentes do ambiente construído, como estradas, edifícios, infraestrutura urbana, comunicações e instalações elétricas e o ambiente natural, como os cursos d’água, o solo, a topograf ia e outros sistemas naturais. E as

devendo fazer parte do conjunto de metas e ações sustentabilidade (HOGANN et al., 2010, p. 95). É,

pois, a resiliência o conceito adequado para tratar as questões referentes a desastres decorrentes de eventos extremos em cidades.


164

Mudanças Climáticas E Resiliência De Cidades: Aspectos Institucionais

comunidades humanas são os componentes sociais e institucionais da cidade, sendo representados por escolas, organizações, bairros, agências, empresas que atuam em uma área urbana. As estruturas físicas da cidade podem ser comparadas a um corpo humano (ossos, artérias e músculos) e as comunidades humanas como o cérebro da cidade. As vulnerabilidades dos sistemas tecnológicos e

sociais não podem ser completamente identificadas, pois não é possível prever exatamente quando,

onde e como os desastres irão acontecer, não sendo

possível projetar os sistemas para resistir a eles. Em vez disso, os planejadores lidam com a incerteza e

devem projetar cidades para lidar eficazmente com as contingências, sendo a resiliência uma grandeza

mais adequada para esse fim (GODSCHALK, 2003). A cidade resiliente, segundo a UNISRD (2011), é

aquela que tem uma população que participa das decisões da cidade, possui uma gestão pública

eficiente, possui uma infraestrutura adequada,

serviços básicos, um adequado uso e ocupação do solo; uma população com capacidade de

entender os riscos aos quais se encontra submetida; investimentos em redução e gestão de desastres; e a capacidade de organização para prevenção, enfrentamento e respostas a desastres.

5 - ASPECTOS INSTITUCIONAIS DA RESILIÊNCIA DE CIDADES

são membros desse grupo. Uma instituição é um

conjunto de normas que se aplicam a um sistema

social, e que definem o que é e o que não é legítimo nesse sistema (MENDRAS apud SOUTO, 1985).

Segundo Chinoy (2001), o conceito de instituição

tem sido definido de várias maneiras e por muitos

autores, incluindo não só padrões normativos, mas também a ideia de grupos e de organização social. Outros autores enxergam em uma instituição

“um conjunto de normas interligadas, um sistema

normativo centralizado em torno de algum tipo de atividade humana ou algum problema importante do homem na sociedade [...]” (CHINOY, 2001, p.

60). No contexto do problema do enfrentamento

dos riscos de desastres decorrente de eventos

hidrológicos extremos em cidades, identifica-se que existe um processo de institucionalização

que é observado em dois níveis: um primeiro, no âmbito das práticas experimentadas, que vem

através das experiências vividas e transmitidas a

outras gerações por seus próprios membros e um segundo que vem da criação de estruturas mais

rígidas, como as leis que proíbem determinados

comportamentos ou práticas, como por exemplo, a construção de casas em margens de rios ou encostas íngremes, por exemplo.

As alterações climáticas representam uma nova perspectiva de incertezas para a compreensão dos riscos, fazendo com que os planejadores,

especialistas em redução de riscos de desastres,

encontrem dificuldades para lidar com incertezas e tomar decisões seguras a fim de salvaguardar os ambientes humanos, tanto os naturais como

As regras promulgadas por um grupo, a fim de

os construídos. Na perspectiva dos aspectos

próprio, uma estabilidade e dispõem de sanções

desastres de grande escala têm desafiado as

interiorizar-se no espírito dos indivíduos que

estratégias de resposta a emergências.

alcançar certos objetivos, adquirem um valor

institucionais da resiliência de cidades, os recentes

para garantir a sua observância, chegando a

instituições a melhorarem a eficácia das suas


165

Procurando identificar estratégias bem-sucedidas

As vulnerabilidades institucionais estão

eficácia e na escala adequada aos eventos extremos,

suas instituições em regular, fiscalizar, controlar

que permitam às instituições responderem com

como, por exemplo, o furacão Katrina, em 2005,

observou-se que os aspectos institucionais relevantes para o enfrentamento de situações de desastres se

referem à forma de atuação das instituições, no que diz respeito à participação da população; e, com

relação à população, a confiança nas instituições é

fundamental para a resiliência da cidade (BAKARA;

REFSGAARB, 2007).

relacionadas à ineficiência de uma sociedade e e mitigar riscos, sendo exemplos visíveis deste

tipo de vulnerabilidade a falta de legislação ou o

seu não cumprimento, a falta de recursos técnicos ou humanos ou, ainda, o desequilíbrio de forças

nos processos decisórios em que os interesses dos grupos sociais dominantes na sociedade, muitas

vezes envolvendo os próprios geradores de risco,

se sobrepõem aos das populações e trabalhadores expostos, excluídos do acesso às informações

O complexo amálgama entre as mudanças climáticas, e às decisões vitais para um amplo e efetivo a urbanização mal planejada e a degradação

ambiental, nos próximos vinte ou trinta anos,

irá afetar enormemente os padrões de riscos, e a

adaptação é cada vez mais importante porque em muitos casos é a única opção, tendo uma forte

associação com a resiliência (SURJAN et al., 2011). O dinamismo das sociedades urbanas e suas forças intrínsecas precisam ser identificados, calculados

e nutridos, quando se tem em mente o objetivo de desenvolver a resiliência de uma cidade diante de

desastres. A sinergia entre diferentes culturas, níveis de governança e teias de normas estão relacionados à resiliência, o que pode ajudar a entender porque algumas cidades são mais resilientes que outras

(SURJAN et al., 2011).

gerenciamento dos riscos (PORTO, 2007).

Buscando entender a natureza dos aspectos

institucionais que se relacionam com a resiliência

de cidades mediante desastres, encontrou-se nesse conceito o apoio para definir as categorias para

estudar os aspectos institucionais da resiliência de cidades.

Claramente estão presentes três categorias,

conforme ilustra a figura 3. A primeira contempla a atuação das instituições e está relacionada ao processo de regulação, prevenção e mitigação

dos riscos de desastres. A segunda se refere aos

instrumentos legais e de apoio ao planejamento e à gestão ligados à redução de risco de desastres e

áreas afins, como meio ambiente, controle urbano, uso e ocupação do solo, entre outros aspectos.

5.1 - UM CONCEITO AUXILIAR PARA ENTENDER OS ASPECTOS INSTITUCIONAIS DA RESILIÊNCIA DE CIDADES No contexto das mudanças climáticas, existem

tipos diversos de vulnerabilidades: as de natureza

geofísicas, como o relevo, a geologia, o solo, etc.; e

as de natureza social, que podem ser institucionais e populacionais.

A terceira é referente aos recursos financeiros,

humanos e tecnológicos aplicados na redução e gestão de riscos de desastres.

Considerando que existe forte conexão entre

resiliência e vulnerabilidade, as categorias utilizadas para avaliar as vulnerabilidades institucionais

poderiam ser também utilizadas para identificar os aspectos institucionais da resiliência.


166

Mudanças Climáticas E Resiliência De Cidades: Aspectos Institucionais

Figura 3 – Categorias dos aspectos institucionais da resiliência de cidades

1

ATUAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES que estão envolvidas no processo de regulação, prevenção e mitigação de riscos

CATEGORIAS DA RESILIÊNCIA INSTITUCIONAL

2

INSTRUMENTOS LEGAIS E DE APOIO AO PLANEJAMENTO ligados à redução de risco de desastres e áreas afins

3

RECURSOS FINANCEIROS, HUMANOS E TECNOLÓGICOS aplicados na redução e gestão de riscos de desastres

Fonte: adaptado, pela autora, de Porto (2007).

Como grandezas inversamente proporcionais, se a

atuação das instituições envolvidas com regulação e mitigação de riscos melhorasse, se os instrumentos legais considerassem aspectos da redução de

riscos e fossem mais bem aplicados, se os recursos financeiros e humanos investidos em prevenção e

enfrentamento de riscos de desastres aumentassem – certamente aumentaria a resiliência das cidades.

descrição do evento hidrológico extremo ocorrido

em 2010, e a terceira com relatos dos atores sociais do evento. A caracterização do município foi feita segundo os aspectos físicos (territoriais), sociais, econômicos, urbanísticos e ambientais. Para

analisar os aspectos urbanísticos do município de Barreiros, foram utilizadas informações contidas

no Relatório do IBGE: Pesquisa de Informações

Básicas Municipais de 2011 e 2012. Esse relatório

6 - OS ASPECTOS INSTITUCIONAIS DA RESILIÊNCIA DE CIDADES: UM OLHAR PARA A REALIDADE

apresenta os aspectos institucionais dos municípios, e cada ano incorpora temas diferentes, entre eles a questão urbanística, ambiental, habitacional e de uso e ocupação do solo. Nesse banco de dados, é

possível ver a existência de instrumentos legais, de

planejamento e gestão, as ações de fiscalização e de controle de uso e ocupação do solo, como também

A pesquisa exploratória foi realizada em Barreiros

(PE), com objetivo de identificar, em um contexto da realidade, os aspectos institucionais mais

relevantes para a resiliência de uma cidade diante de um evento extremo. Os resultados foram

apresentados em três partes: a primeira com a

caracterização do município, a segunda com a

as ações de gerenciamento de riscos de desastres decorrentes de enchentes e deslizamentos.


167

6.1 - CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE BARREIROS (PE) O município de Barreiros está localizado na Zona da Mata Sul do estado de Pernambuco, distante 107,7km da capital do estado, tem uma área de

233,372km2 e altitude de 22m. Faz parte do Setor Sul da zona costeira do estado de Pernambuco.

De acordo com o Censo de 2010 do IBGE, possui uma população total de 40.732 habitantes, sendo 33.982 urbanos; 33.833 habitantes vivendo na

sede municipal. Tem uma densidade demográfica de 174,54 hab/km2, uma taxa de urbanização de 83,43%, mostrando que a quase totalidade dos habitantes está na zona urbana.

Quanto aos aspectos urbanísticos, o município de Barreiros possui Plano Diretor, Lei de Perímetro Urbano e Código de Obras. Instrumentos

importantes como lei de parcelamento do solo e

lei de uso e ocupação do solo ainda não existem no município, conforme ilustra o quadro 1.

Quadro 1 – Instrumentos da política urbana em Barreiros SIM

EXISTÊNCIA DE PLANO DIRETOR O município está revendo o Plano Diretor

NÃO

EXISTÊNCIA DE: Lei de Perímetro Urbano (ano de criação 1964)

SIM

Lei de Zoneamento ou Uso e Ocupação do Solo

NÃO

Código de Obras (ano de criação 1974)

SIM

Lei de Parcelamento do Solo

NÃO

Código de Posturas (ano de criação)

SIM

Fonte: IBGE (2012).

O município também não possui os instrumentos necessários para exercer sua competência

constitucional prevista no art. 23 da Constituição

Federal nas questões ambientais; conforme dados do quadro 2, não está se instrumentalizado para

fazer licenciamentos de impacto local, nem ações de fiscalização ambiental. Também não possui Agenda 21, e a lei municipal ambiental está organizada sob a forma de um capítulo dentro do Plano Diretor.

As fragilidades na temática ambiental se relacionam fortemente com os desastres hidrológicos, uma realidade presente no município.


168

Mudanças Climáticas E Resiliência De Cidades: Aspectos Institucionais

Quadro 2 – Ações e instrumentos para gestão na área ambiental NÃO

O MUNICÍPIO REALIZA LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE IMPACTO LOCAL O município tem algum instrumento de cooperação com órgão estadual de meio ambiente para delegação de competência de licenciamento ambiental relacionado a atividades que vão além do impacto local

NÃO

Iniciou o processo de elaboração da Agenda 21 local

NÃO

Legislação específica para tratar de questão ambiental

SIM Capítulo ou artigo no Plano Diretor

A legislação está organizada sob forma de: Faz parte de comitê de bacia hidrográfica

SIM

Existência de Unidade de Conservação Municipal

NÃO

Fonte: IBGE (2012).

Quanto ao tema habitação, também há carência de instrumentos de gestão e planejamento, não

Na temática da redução de riscos, o município tem

há plano local de habitação, nem conselho, nem

pela Política Nacional de Prevenção e Defesa

loteamentos irregulares, principalmente em áreas

de controle e gestão de riscos, não existe nenhum

a implantação da política de habitação de interesse

treinamento de equipes municipais, nem ações

Nacional de Proteção e Defesa Civil.

plano de redução de riscos, instrumento exigido

fundo municipal de habitação. Existem vários

Civil; entretanto, com relação às ações estruturais

de risco. Esses são instrumentos fundamentais para

programa nem ações de prevenção. Não existe

social, que está intimamente ligada à política de

de gerenciamento de riscos de deslizamentos, conforme dados no quadro 3.

Quadro 3 – Existência de Ações de Redução de Desastre

Plano municipal de redução de riscos

SIM

Programas ou ações de gerenciamento de riscos de deslizamentos e recuperação ambiental de caráter preventivo

NÃO

Fonte: IBGE (2011).

As deficiências em relação aos instrumentos legais e de apoio ao planejamento, a baixa capacidade de

participação popular demonstrada pela ausência de

conselhos de maio ambiente, de desenvolvimento

urbano e de habitação contribuíram para reduzir a

capacidade de resiliência do município de Barreiros na ocasião do desastre de 2010. Parte inferior do formulário


169

6.2 - O DESASTRE EM BARREIROS – DADOS OFICIAS Entre os dias 17 e 19 de junho de 2010, 67

municípios da Mata Pernambucana, do Agreste de Pernambuco e da Região Metropolitana do

Recife foram atingidos por intensas precipitações pluviométricas influenciadas pelo fenômeno

conhecido como “Ondas do Leste”. O fenômeno alcançou a extensa rede hidrográfica e atingiu

os estados de Pernambuco e Alagoas, deixando

15 municípios em estado de calamidade pública (ECP) e 4 em situação de emergência (SE) nas mesorregiões do leste e do Agreste alagoano (BANCO MUNDIAL, 2012, p. 13).

desabrigadas, e duas morreram. Os danos materiais das edificações se projetaram em 4000 residências populares, 900 outras residências, 9 unidades

públicas de saúde, 14 unidades públicas de ensino,

1027 unidades comerciais, entre outras privadas de saúde e de educação.

Os prejuízos econômicos na agricultura foram de 16.000 toneladas, não especificadas as culturas;

na pecuária, perderam-se 60 cabeças de animais de grande porte e 110 de médio porte – não

constam informações sobre prejuízos nos setores da indústria e do comércio.

Os serviços essenciais regularmente oferecidos à comunidade foram severamente afetados pelas

As chuvas chegaram a 401,8mm acumulados até

inundações bruscas, comprometidos em quase sua

dia 18 de junho, pelas precipitações de 90mm em

esgoto, coleta de lixo doméstico e assistência à

de acordo com a avaliação de danos do Sistema

afetados 2000m de rede de distribuição de água,

foram 67 municípios afetados, dos quais 12 (doze)

coletora de esgotos e 4 estações de tratamento, bem

o dia 17 de junho daquele ano, agravando-se no

totalidade. Os serviços de água, luz, transporte,

menos de 12 horas, ao longo da bacia do rio Una,

saúde foram suspensos em sua totalidade. Foram

Nacional de Defesa Civil.1 Em Pernambuco,

uma estação de tratamento de água, 3000m de rede

decretaram ECP e 29 (vinte e nove), SE.

como um total de 12.958 consumidores de energia

Barreiros e Palmares foram as duas cidades mais afetadas pelo evento de 2010 em Pernambuco, ambas foram praticamente destruídas. Em

Barreiros, quase 40% dos domicílios foram

destruídos, outros 44% foram danificados. Logo, mais de 80% dos domicílios do município foram

atingidos pelas águas (BANCO MUNDIAL, 2012,

elétrica.

Avaliação conclusiva sobre a intensidade do

desastre classificou-o como muito importante em danos humanos, materiais e em prejuízos econômicos e sociais; e, quanto aos prejuízos

ambientais, importante. Teve-se como critérios

agravantes: o despreparo da defesa civil, o grau de

p. 30).

vulnerabilidade do cenário e da comunidade.

Os dados oficiais registrados no AVADAN

Os dados descritos no referido documento técnico

as proporções do evento. Os danos humanos:

danos são feitas imediatamente após a ocorrência

(Formulário de Avaliação de Danos) evidenciam foram 28.165 pessoas ficaram desalojadas, 1835 1

- Banco de Dados de Registro de Desastres, S2ID.

não são precisos, uma vez que as avaliações dos

do desastre para servirem de base para a decretação de estado de emergência ou de calamidade pública. A ausência de técnicos capacitados para fazer


170

Mudanças Climáticas E Resiliência De Cidades: Aspectos Institucionais

avaliação de danos e emitir laudos técnicos reflete

A baixa percepção dos riscos e a desconfiança em

seja, a ausência de pessoal técnico para as ações

inércia nas ações de resposta ao desastre diante

condições normais.

cidade:

um aspecto da vulnerabilidade institucional, ou

relação às autoridades dificultaram e levaram a uma

de prevenção, resposta ou restabelecimento das

da situação de crise, conforme relato do padre da

6.3 - A VISÃO DOS ATORES DO DESASTRE Foram entrevistados atores representando o poder público, a sociedade civil organizada, bem como

pessoas da comunidade local. E o que se observou na cidade de Barreiros foi uma completa omissão

do poder público nas decisões e ações antes durante e depois do evento desastroso, conforme relato de

um secretário de ação social do governo municipal:

A Prefeitura não tava preparada, ninguém tava preparado não. O Padre que na época foi quem alertou mais o pessoal aí, o Padre e a Rainha do Litoral [...]. Até o pessoal do governo também não imaginava que viria essa cheia. Aí pegou todo mundo de surpresa... aí chegou a água subindo, subindo, subindo. Da cheia de 2000 para a de 2010 foi uma média de 8m a mais, aí pegou, eu acho que 90% da cidade, o comércio em peso pegou. Aí foi aquela agonia de casa caindo, a água levou as pontes, o desespero na cidade... o bombeiro chegava... todo mundo ‘baratinado’ aqui na cidade. Só vinha os boatos “morreu fulano, morreu sicrano, morreu a família de tal”, na realidade só morreu 3 pessoas só... of icialmente. [...] aí as águas abaixaram [...] virou um caos Barreiros, a gente da secretaria não tinha funcionário, não tinha nada...

[...] Então, 18 pra 19, essa noite aí, foi a noite inteira pra gente sair, bater o sino, botar o carro com alerta, buzinando, sai nas ruas... do outro lado da ponte, chegava lá e o povo desesperado “mas eu não tenho caminhão, não tenho nada”, o poder público não fez nada. Aí a gente teve que ir com

um carrinho [...]. O pior que nunca teve uma catástrofe dessa o máximo que chegou foi no ano 2000, mas foi f ichinha [...], mas como eu tinha informação em Palmares, que eu nasci em Palmares, sabia do nível onde tinha atingido lá em Palmares. Eu chegava a dizer “vai ser 3 vezes mais essa altura aqui. Não bote aí em cima não, que vai perder.” [...] A baixa capacidade de organização do município e a falta de percepção sobre a importância

de se organizar para situações de desastres

parecem resquícios da cultura da não prevenção. Observou-se, no documento de avaliação de

danos (AVADAN), um tópico sobre o padrão

evolutivo do desastre, que foi considerado “súbito e imprevisível”. Essa observação minimiza a

responsabilidade daqueles que deveriam agir,

uma vez que coloca a imprevisibilidade como

justificativa para a ausência de ação para evitar os danos.

A falta de atitude e o completo despreparo diante da crise fica evidente nas palavras de um gestor:


171

[...] A gente nunca viveu uma situação como esta... por onde a gente ia começar? Então não foi feito nada. Eu digo a população, a secretaria, ‘tudinho’ foram guerreiros. Se não tivesse uma direção, um caminho direcionado por eles também não [...] alguns momentos sentou conversou e “vem você, vem você”, então vamos juntar e vamos trabalhar com o que a gente pode fazer no momento. [...] [...] O que a gente percebe é que o que precisa muito é articulação dos órgãos pra todo mundo trabalhar, porque na hora parece que f ica todo mundo meio deslocado, aí não sabe o que fazer! [...] O que era mais importante? Era dá comida pro povo? como começar a entregar a comida? (Secretário de Ação Social).

cumprir o seu papel institucional dentro do sistema de Defesa Civil, tampouco contava com o apoio do gabinete do prefeito, que no evento desapareceu e

não apoiou nenhuma ação de resposta ao desastre. As falas do secretário da ação social confirmam esse desamparo:

[...] tinha a coordenadoria da Defesa Civil, mas tinha nada. Tinha a Defesa Civil, mas não tinha os equipamentos [...]. Para dizer a verdade eram duas pessoas: o coordenador e o vice-coordenador. (Secretário de Ação Social). [...] A gente tem esse problema aqui, que é a ausência dos políticos locais e do corpo técnico, quem tá acompanhando esse projeto é o Estado [...] (Coordenador da Defesa Civil Municipal).

O coordenador da Defesa Civil Municipal descreve com aflição a ausência de iniciativa do gestor

Fica evidenciada a importância da atuação

municipal. Ele questionava a sua capacidade

crise, fato que, no caso de Barreiros, se configurou

consciência do que deveria ser feito:

articulada do governo municipal em situações de como uma completa anulação do poder local,

levando à necessidade de intervenção do governo estadual na gestão do desastre, na fase de recuperação e de reconstrução.

“Tudo foi o estado, aqui tudo foi o estado. Tanto o governo federal quanto o governo estadual. Mas tudo repassado e administrado pelo governo estadual, porque também ninguém tinha conf iança do governo municipal fazer nada, porque não tem conf iança do povo.” (Padre do Município). Com relação à atuação da Defesa Civil Municipal (COMDEC), pode-se dizer que o órgão não

existia na ocasião da enchente. Estava constituído formalmente, mas não estava preparado para

de tomar as iniciativas, mesmo quando já tinha

A Codecipe vai ligar pra mim e vai dizer: “vai dá uma cheia”. Eu já sei que atinge 5300 residências, aí eu preciso saber quantas eu tirei da área de risco, se eu não tirei nenhuma, eu vou ter as mesmas, vou ter que tirar 20 mil pessoas de novo. [...] Por que tá as mesmas casas lá? Aí eu vou dizer “agora vamos conversar”. Mas a gente não tem ninguém no governo municipal de brigar lá... o prefeito, parado. (Coordenador da

Defesa Civil Municipal).

Ele se referia à existência de um Plano de

contingências que já identificava as áreas de risco; entretanto, afirma que não conseguia agir por não ter apoio do poder público local.


172

Mudanças Climáticas E Resiliência De Cidades: Aspectos Institucionais

Depoimentos de um morador da cidade e do padre do município demonstram o seu esforço para

avisar a população da dimensão do evento que iria acontecer:

decorrentes de eventos hidrológicos extremos, a partir da teoria e da realidade.

Da teoria, concluiu-se que a resiliência de cidades

[...] se não fosse esse sino da Igreja, eu acho que o acidente teria tido muito mais perda, [...] e Padre Gusmão, que saiu de manhã, de 4h, 3h, muita gente que não dormiu. Saiu avisando a todo mundo [...] (Morador A).

mediante desastres é uma capacidade complexa que

[...] a gente bateu o sino, depois teve a rádio comunitária, a gente botou a rádio. A gente tinha a rádio comunitária, a rádio tava fora do ar, a gente botou a rádio no ar de meianoite, começou a avisar. (Morador B).

institucionais referentes à resiliência de uma

“Aqui os moradores não acreditavam que chegasse nos primeiros andares e quando Padre Gusmão dizia “Não, não coloque aí no primeiro andar não, porque não vai se salvar” aí encheu [...] também não tinha socorro, não tinha [...] a Prefeitura mesmo não botou nenhum carro na rua [...]” (Padre).

urbanísticas, que de uma forma ou de outra

Esses fragmentos da pesquisa exploratória retratam uma realidade de vulnerabilidade institucional,

representada pelas omissões do poder público local e pela frágil atuação dos órgãos que deveriam agir antes, durante e depois do evento danoso para reduzir suas consequências.

7 - CONCLUSÕES

depende de muitos fatores, e é diferente em cada cidade. A capacidade de resiliência depende de

aspectos estruturais, institucionais e populacionais. Neste artigo, o foco foi voltado para os aspectos cidade mediante desastres, pertencentes a três

grandes categorias: a primeira referente à atuação das instituições que estão ligadas ao processo de

regulação, prevenção e mitigação de riscos, como também as que tratam de questões ambientais,

interferem nas ações de redução e gestão de riscos;

a segunda que se refere aos instrumentos legais e de apoio ao planejamento e à gestão ligados à redução de risco de desastres e áreas afins, como meio

ambiente, controle urbano, uso e ocupação do solo

entre outros; e a terceira categoria que se refere aos

recursos financeiros investidos em ações de redução e gastão de riscos, bem como à capacidade tanto

dos gestores quanto da população para entender os riscos e se organizar com vistas a enfrentá-los.

Da pesquisa empírica realizada em Barreiros (PE), concluiu-se:

a) o poder público não estava preparado para ações de prevenção, resposta e recuperação a desastres;

Este artigo teve como objetivo identificar quais

b) não havia previsão de recursos financeiros

resiliência de uma cidade mediante desastres

enfrentamento de desastres;

os aspectos institucionais que estão ligados à

nas leis orçamentárias para ações de prevenção e


173

c) a população não estava organizada, tinha uma

É clara a coincidência entre os achados da

autoridades;

Compreender a complexidade dos fenômenos

d) inexistiam programas de educação para

forças, para encontrar indícios de elementos que

civil tanto para a população quanto para técnicos

de uma cidade, foi o foco desta pesquisa. Acredita-

baixa percepção dos riscos e baixa confiança nas

prevenção de desastres e capacitação em defesa e funcionários da prefeitura;

e) inexistiam ou eram frágeis os instrumentos

legais necessários para o controle das ocupações

do solo, gestão ambiental e redução de riscos de desastres;

f ) havia baixa capacidade dos recursos humanos para a realização de atividades técnicas de

controle e de gestão urbana, como também para a realização de serviços de infraestrutura;

g) evidente ausência de organização do órgão municipal de Defesa Civil.

realidade fática e as referências da teoria.

que conformam as instituições sociais e suas

expressem os aspectos institucionais da resiliência se que, conhecendo estas variáveis que compõem

esses aspectos institucionais, é possível reforçá-las e assim aumentar a capacidade de resiliência de

uma cidade. É possível mudar a percepção que os gestores e a população têm dos riscos. É possível

mudar o entendimento sobre as responsabilidades de agir preventivamente e evitar os danos e

prejuízos. Essas mudanças estão no âmbito da

cultura, e a institucionalização da redução e da

gestão de riscos de desastres é um dos caminhos. Aumentar a capacidade institucional de uma

cidade diante de eventos extremos diz respeito

ao desenvolvimento de processos de prevenção,

enfrentamento e recuperação envolvendo diversos

atores sociais, que deverão ter acesso a informações e a recursos materiais e humanos destinados a

As conclusões extraídas desta pesquisa

evidenciaram imensas fragilidades nos mecanismos

proporcionar um ambiente seguro e sustentável para todos.

de gestão, tanto pela deficiência de atuação dos órgãos responsáveis pelas ações de proteção

ambiental, controle urbano e gestão de desastres

quanto pela falta de instrumentos legais e de apoio à gestão. A ausência de previsão orçamentária para esta finalidade, a baixa organização dos órgãos de defesa civil, a baixa qualificação técnica e a

ausência de recursos tecnológicos, aliadas a uma

baixa capacidade de percepção dos riscos por parte

da população, foram fatores que contribuíram para que o município fosse completamente controlado

pelo estado de Pernambuco, que assumiu todas as ações de enfrentamento, resposta, recuperação e reconstrução.

8 - REFERÊNCIAS ALBERTI, M.; MARZLUFF, J. M.; SHULENBERGER, E.; BRADLEY, G.; RYAN, C.; ZUMBRUNNEN, C. Integrating Humans into Ecology: Opportunities and Challenges for Studying Urban Ecosystems. BioScience, v. 53, p. 11691179, 2003. Disponível em: <http://profesores.

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177

R ESILIÊNCIA S OCIAL NO C ONTEXTO DAS M UDANÇAS C LIMÁTICAS Edinéa Alcântara 1 - INTRODUÇÃO O que se entende por resiliência social no contexto de pressões urbanas e

de mudanças climáticas? Qual sua importância? Quais as bases e os fatores

que propiciam a sua manifestação? Que importância tem o imponderável na

resiliência? Essas são algumas das questões discutidas neste texto. Para tanto, abordaremos os três níveis em que a resiliência pode ocorrer: individual; coletivo ou comunitário; na cidade.

Buscou-se dialogar com autores da psicologia que discutem a resiliência

individual e coletiva e autores que estudam as cidades, compreendendo o

planejamento urbano e os desastres, por meio da resiliência comunitária ou social, associando esta às cidades.

As reflexões pautaram-se na revisão de literatura e em estudos empíricos

exploratórios em que a resiliência de indivíduos contribuiu com a resiliência

coletiva, como nas comunidades de Beco do Óleo, UR-12 e Coque, no Recife, Pernambuco; e Nova Friburgo e Teresópolis, na região serrana do Rio de Janeiro.


178

Resiliência Social No Contexto Das Mudanças Climáticas

2 - O QUE SE ENTENDE POR RESILIÊNCIA COMUNITÁRIA E SOCIAL?

Godschalk (2003, p. 137) argumenta que comunidades

urbanas são os componentes sociais e institucionais da cidade, que operam como seu “cérebro”,

direcionando suas atividades, atendendo a suas A emergência de determinadas condições

demandas e aprendendo com suas experiências. Por

em indivíduos, grupos e comunidades, o

de riscos devem focar em ensinar e preparar as

enfrentar as adversidades que se apresentam, saindo

reduzir os “hazard risks” e responder de forma

psicossociais, culturais e ambientais possibilita,

isso, afirma que os futuros programas de redução

desenvolvimento de resistências e capacidades de

comunidades sociais da cidade e instituições para

mais fortalecidos do embate.

efetiva aos desastres, pois serão as comunidades

O conceito de resiliência tem sido bastante

resiliência urbana.

está associado à capacidade de um sistema em

Elas são formadas de indivíduos que desempenham

as grandes responsáveis em construir e efetivar a

discutido nas últimas décadas. Tradicionalmente absorver perturbações e se reorganizar quando sujeito a mudanças, sendo capaz de manter o

essencial de suas funções, estrutura, identidade e mecanismos (WALKER et al., 2004).

papel importante, que tem repercussão e impacto no coletivo. Nos desastres e ameaças urbanas, pessoas, grupos, coletivos, comunidades e instituições têm

desempenhado relevante papel na recuperação da cidade (ALCÂNTARA et al., 2012a). Indivíduos

As ciências sociais vêm ampliando o uso do

conceito para o campo das relações humanas

resilientes contribuem com a resiliência de um grupo, comunidade ou cidade.

no meio social, inclusive urbano. Neste sentido, tem sido aplicado para descrever a capacidade

adaptativa tanto de indivíduos (BONANNO, 2004;

BUTLER et al., 2007), como comunidades urbanas (ADGER, 2000; BROWN; KULIG, 1996, 1997;

SONN; FISHER, 1998; GODSCHALK, 2003). Walsh (2003, p. 4 apud LANDAU, 2002) define

resiliência

“[...] como a capacidade de reagir à adversidade, f icar mais forte e com mais recursos. É um processo ativo de resistência, auto-recuperação, e crescimento em resposta à crise e ao desaf io.” Mas por que a resiliência social é importante? E no contexto de pressões urbanas e de mudanças climáticas?

2.1 EM QUE BASES SE ESTRUTURA A RESILIÊNCIA DO INDIVÍDUO? Grotberg (2005, p. 16-17) sintetiza as bases da

resiliência individual nas afirmações: “eu tenho”

(apoio de pessoas em quem confio); “eu sou” e “eu estou” (associadas ao desenvolvimento da força

intrapsíquica, ser amado, amar e respeitar o outro, ter responsabilidade pelos seus atos, ter confiança no futuro); e “eu posso” (adquirir habilidades

interpessoais e resolver conflitos, enfrentar os

problemas e encontrar apoio nos outros). Um

indivíduo que estiver com essas condições tem

grande potencial para ter uma conduta resiliente e buscar viver e aprender com as experiências adversas.


179

A partir de um estudo feito por Kotliarenco (1997)

Melillo (2005, p. 61) destaca que

síntese das características do sujeito resiliente:

[...] a resiliência se produz em função de

sobre resiliência, Melillo (2005, p. 60-61) faz uma

• habilidade para enfrentar as adversidades, adaptar-se, recuperar-se e ter uma vida produtiva;

• histórico de adaptações exitosas de exposição ao risco ou eventos estressantes, mantendo baixa suscetibilidade a estresses posteriores;

• enfrentamento efetivo de eventos e circunstâncias estressantes;

• capacidade humana universal de enfrentar as

adversidades, superá-las ou ser transformado por

elas, sendo a resiliência parte do processo evolutivo, que deve ser promovida desde a infância;

• resistência a destruição e capacidade de reproduzir condutas vitais positivas;

processos sociais e intrapsíquicos. Não se

nasce resiliente, nem se adquire a resiliência

“naturalmente” no desenvolvimento: depende de certas qualidades do processo interativo do

sujeito com outros seres humanos, responsável pela construção do sistema psíquico humano. Líderes com conduta resiliente terminam por

propagar essas condutas nas comunidades em

que atuam e contribuem com a resiliência dessas comunidades ao estresse cotidiano e a situações extremas, como observado por Alcântara et al.

(2014), ao analisarem duas comunidades no Recife,

que convivem com alagamentos frequentes (Beco do Óleo) e deslizamento de barreiras, (UR-12).

Mesmo que a resiliência fosse frágil e dependente da liderança de algumas pessoas, contribuiu

temporariamente para que os moradores pudessem superar as adversidades, tendo alguns deles saídos fortalecidos da experiência.

• conjunto de processos sociais e intrapsíquicos que

possibilita ter uma vida sadia, mesmo em um meio insano;

• combinação de fatores que permitem enfrentar e superar os problemas;

Portanto, comunidades resilientes seriam aquelas

capazes de desenvolver formas efetivas de lidar com

os desafios que se apresentam, incluindo os desastres. Como os indivíduos resilientes, essas comunidades buscam recursos para enfrentar positivamente as

adversidades: recursos internos ou externos, materiais ou imateriais. Isso é particularmente importante,

• produto entre fatores ambientais, temperamento e habilidades cognitivas.

pois as populações mais fortemente atingidas são aquelas que se encontram em situação de maior vulnerabilidade socioambiental, ou seja, os mais

pobres. Estes moram de forma mais insegura, muitos convivem com o risco permanente de terem suas

casas alagadas ou sob risco de deslizamento, quando ocorrem chuvas intensas.


180

Resiliência Social No Contexto Das Mudanças Climáticas

A resiliência traz consigo a ideia de que há

determinadas condições que permitem resistências e capacidades de enfrentar as adversidades que se apresentam. Parte dos estudos sobre resiliência

enfoca, precisamente, as circunstâncias e influências de natureza biológica, psicológica e sociocultural

que estão associadas à resiliência de comunidades, buscando identificar as respostas, capacidades,

• identidade cultural – incorporação de costumes, valores, expressões idiomáticas, danças, canções

que se transformam em componentes inerentes ao grupo;

• humor social – capacidade de alguns grupos ou

coletividades de “encontrar comédia na própria tragédia”;

habilidades e fatores de proteção mútua. Essa

abordagem enfatiza a necessidade de se tomar em

consideração o contexto sociocultural e as relações entre as pessoas e com o ambiente em que elas

vivem, para que se possa melhor compreender a resiliência.

• adequada gestão governamental e honestidade

coletiva ou estatal – manejo decente e transparente da função pública;

• espiritualidade – independentemente de

credos, rezar unido acelera a recuperação ao

Ao analisarem a resiliência comunitária, Brown

desastre e facilita a prática da solidariedade e o

definem como “a habilidade de se recuperar ou

pessoas de superarem situações difíceis (OJEDA;

e Kulig (1996 apud NORRIS et al., 2008, p. 129) a

fortalecimento da confiança na capacidade das

ajustar-se facilmente de adversidades ou uma

AUTLER (2006, p. 277; ALCÂNTARA, 2011).

vida continuamente estressante”. Ganor (2003

apud ibidem) a conceitua como “a habilidade de

O humor tem sido um grande aliado,

estado de stress contínuo e de longa duração; a

e superação da adversidade. Vanistendael (1994

indivíduos e comunidades de lidarem com um

especialmente na cultura brasileira, na criatividade

habilidade de encontrar forças e recursos internos

apud OJEDA; AUTLER, 2006, p. 276) destaca a

desconhecidos para lidar com efetividade”.

A resiliência de comunidades é o resultado de um arranjo complexo de condições, atitudes e

ações que gera resultados positivos e resulta no

enfrentamento das dificuldades pela comunidade. Ojeda (2005, p. 50), Ojeda e Autler (2006, p. 274278) identificam alguns pilares fundamentais da

resiliência comunitária:

• autoestima coletiva – atitudes e sentimento de orgulho pelo lugar em que se vive;

importância que a piada política desempenha, ela tem ajudado a população a enfrentar as

dificuldades das ditaduras. Tal fato foi encontrado em profusão nos contextos estudados, mais

particularmente nas manifestações pelas redes

sociais associadas ao Movimento#OcupeEstelita. A própria Troça Empatando tua Vista, uma

sátira irreverente ao processo de verticalização do Recife que surgiu no carnaval de 2014, com as

pessoas vestidas de torres, teve grande empatia da população.

Rodriguez (1997 apud 2005, p. 137-138) destaca que

o humor é um “poderoso recurso necessário para

a sustentação da subjetividade, do laço social e da identidade coletiva e contribui para fortalecer a


181

resiliência em sua função de resistir à adversidade”.

década de 1960, e retornou trinta anos depois

condutas resilientes não é direta, pois a mudança

original, filhos, netos e outros residentes. Uma das

Todavia, adverte que a relação entre o humor e as

de perspectiva que o humor provoca não garante a

capacidade para mudar a situação adversa. De todo modo, salienta que o senso de humor associado a

uma inteligência que aporta uma visão alternativa

e a criatividade pode ser considerado um elemento indicador da capacidade de resiliência.

Melillo (2005, p. 68) provê as bases psicológicas

para considerar o humor um elemento-chave na

resiliência, porque, assim como pode facilitar uma mudança de percepção da situação, pode alterar o

comportamento do sujeito ou do seu pensamento, em um efeito liberador, cômico ou criativo, além

de ser a essência da criatividade. O autor concorda e cita Freud (1927, p. 162) ao afirmar que a essência do humor “consiste em economizar situações de afeto que a ocasião permitiria evitar, com uma

brincadeira, a manifestação desses sentimentos”,

como uma evidência da capacidade de transformar o sofrimento em prazer. Argumenta (ibidem, p.

69) que o humor “é a melhor defesa possível contra o sofrimento, que não leva a alma a se resignar, mas contribui com sua saúde. É uma operação

intelectual e uma atitude diante de uma realidade penosa. Algo doloroso tem a possibilidade de se converter em algo que dê prazer”.

para entrevistar alguns dos sujeitos do estudo

características notadas pela autora foi o otimismo que prevalece a despeito de tudo. Tal otimismo pode ser uma base para enfrentar e superar o

estresse diário, bem como situações extremas de desastres.

Froma Walsh (1998 apud RAVAZZOLA, 2005, p. 81)

defende que para haver resiliência é importante ser capaz de: i) reconhecer problemas e limitações a

enfrentar; ii) comunicá-los franca e claramente; iii) registrar os recursos pessoais e coletivos existentes; iv) (re)organizar as estratégias e metodologias,

quando necessário; e v) revisar e avaliar perdas e

ganhos. Para reforçar as qualidades presentes nos

sujeitos sociais, ressalta a necessidade das relações serem permeadas pelas práticas de: atitudes que demonstram apoio emocional; diálogos que

estabeleçam acordos entre prêmios e castigos;

conversações que permitam construir significados compartilhados sobre os acontecimentos

prejudiciais, com narrativa que dignifique os protagonistas.

Ojeda (2005, p. 53) cita também algumas condições:

“a capacidade de gerar lideranças autênticas e participativas, o exercício de uma democracia efetiva na tomada de decisões cotidianas e a

O elemento do humor na sociedade brasileira,

‘inclusividade’ de uma sociedade em que não

estudado, pelo potencial de contribuir na busca de

resiliência mesmo em períodos em que não havia

perderam tudo o que tinham apresentam esperança

projetos promovidos por grandes empreiteiras.

estão dispostos a lutar por elas. Essa esperança está

de resiliência podem surgir mesmo com fatores

o otimismo. Perlman (2007, p. 2) realizou um estudo

da própria resiliência.

como resposta a adversidades, precisa ser mais

haja discriminação”. No entanto, encontramos

soluções apesar das dificuldades. Mesmo os que

democracia na tomada de decisões, principalmente

no futuro e em melhores condições psicossociais e

Isso só reforça a premissa de que manifestações

associada a outra característica da cultura brasileira,

adversos à sua ocorrência, parte do imponderável

longitudinal nas favelas do Rio de Janeiro, na


182

Resiliência Social No Contexto Das Mudanças Climáticas

3 - O IMPONDERÁVEL DA RESILIÊNCIA Por mais que se busque apreender os fatores de

proteção para resiliência individual e os aspectos ou fatores que facilitam a manifestação da resiliência

coletiva, o imprevisto aparece como algo relevante e que merece discussão. Rodriguez (2001, p. 132-

133) sintetiza tal questão ao se perguntar se é

possível prever uma conduta resiliente individual ou coletiva, condicionada a circunstâncias

favoráveis, ou se sempre se esperará que ocorra uma combinação de fatores de forma que a resiliência só

A desconfiança, motivada pela falta de honestidade dos dirigentes no manejo da função pública, não impediu que a solidariedade entre a população contribuísse para a resiliência social.

Nesse sentido, os estudos avançaram para associar resultados positivos de uma conduta resiliente a

uma particular combinação de fatores protetores

mais do que à soma deles. Rodriguez (2001, p. 133) cita Osborn (1994), que adverte:

“nunca será possível detalhar numa lista os fatores que aumentam a possibilidade de ser

poderia ser definida a posteriori. Argumenta que

resiliente, porque dependerá sempre do risco ou do fator de vulnerabilidade particular”.

se contentam com os fatores de resiliência como

E sintetiza, mesmo salientando o pouco rigor

algo que poderia ser adverso para alguém pode se

relação entre resiliência e fatores de resiliência (p.

os autores que estudaram o tema da resiliência não explicação para a sua ocorrência, e salientam que

dessa simplificação, em uma equação matemática a

converter em um fator de resiliência para outra

33):

por fatores promotores de saúde terminam em

Resiliência = Fatores de Resiliência + X

de resiliência não dá conta, a criatividade com

Com isso, o autor atribui ao imponderável,

determinada situação vital.

da resiliência tanto no nível individual como

pessoa. Assim como indivíduos que são cercados fracassos. Há algo que a enumeração dos fatores que cada grupo ou sujeito resolve lidar com

representado por X, relevância para a manifestação no coletivo, além da soma a ele dos fatores de

Rodriguez (2001, p. 133) salienta que

resiliência.

“[...] a resiliência, apesar dos progressos

Rodriguez (2001, p. 137) adverte que, por lidar

como conceito, se mantém f iel às suas

origens, reservando um lugar do humano,

que é imprescindível, e que, sob a forma de

uma afortunada ou criativa combinação de fatores, segue surpreendendo.”

A exemplo do que ocorreu na região serrana do Rio de Janeiro, pois, apesar da corrupção que envolveu os prefeitos de Teresópolis e Nova

Friburgo, a solidariedade entre a população existiu.

com esperança, utopia e criatividade humana, resiliência é um conceito impossível de ser

fielmente calculado, que está associado a resultados inesperados, “conserva o fator-surpresa

inerente à sua def inição”. No entanto,

o autor salienta também que, mesmo diante

da impossibilidade de definir precisamente a

resiliência ou de antecipar seus resultados com

base apenas na soma dos fatores resilientes, deve-se buscar tais fatores, pois sempre funcionarão como


183

elementos propícios. E mesmo os fatores de risco,

jornadas de junho de 2013, a partir de um grito

condutas resilientes.

de ônibus, difundiram-se pelas redes sociais em

Os moradores do Beco do Óleo e da UR-12, por

em um projeto de esperança de vida melhor, em

e deslizamentos de barreiras, desenvolveram

350 cidades. Esse movimento cresceu a partir

fatores de vulnerabilidade transformam-se em

motivado por um modelo de crescimento urbano

devamos estimular a vulnerabilidade para favorecer

municipal (CASTELLS, 2013, p. 178).

também podem funcionar como estímulo de

de indignação contra o aumento da passagem várias cidades brasileiras e transformaram-se

viverem sob estresse contínuo de alagamentos

manifestações que ocuparam as ruas em mais de

resiliência para enfrentá-los. Aqueles que eram

da crise de mobilidade das cidades brasileiras,

fatores de resiliência, o que não significa que

a partir da especulação imobiliária e da corrupção

a resiliência.

4 - AS REDES SOCIAIS NA PROMOÇÃO DA RESILIÊNCIA COLETIVA

Castells (apud CASTELLS, 2013, p. 10-11)

desenvolve uma teoria do poder, abordada no livro

Communication Power, para a compreensão dos movimentos sociais que se desenvolvem nessa interface entre o mundo online e offline. Essa

forma de comunicação de massa, baseada em redes As redes sociais têm sido um catalisador

horizontais de comunicação interativa, tem difícil

(CASTELLS, 2013). Diante do seu papel na

permite a autonomia do ator social, por meio de

achamos relevante discutir as redes sociais e

rede, a autonomia na comunicação é construída nas

comunidade, cidade ou, até, de um país.

sem fio, oferecendo a possibilidade de deliberar,

importante de indignação e esperança

controle por parte de empresas e de governos e

articulação, mobilização e difusão das informações,

uma plataforma tecnológica. Na sociedade em

sua relação com a resiliência coletiva de uma

redes de internet e plataformas de comunicação

Em várias cidades ao redor do mundo, as redes sociais online têm desempenhado um papel

importante na luta por direitos e por cidades

menos desiguais e mais sustentáveis. Têm sido

também instrumento para fortalecer a participação

cidadã e, nos protestos, vêm ganhando importância mundial, diante da crise da democracia

representativa, propiciando o crescimento do poder da sociedade.

No Brasil, esse movimento é relativamente recente e tem crescido em face das ameaças, crises ou desastres que afetam os direitos, o bem-estar,

a vida de moradores ou o interesse público. As

sem controle, sobre as ações (CASTELLS, 2013, p. 12, 14).

Um aspecto propulsor importante na motivação dos indivíduos são as aspirações humanas por justiça, que vão embasar a luta por direitos

humanos, direitos urbanos, defesa de minorias,

luta contra abusos, desigualdades e autoritarismos (CASTELLS, 2013, p. 16).

No plano individual, Castells (2013, p. 18-19) aponta o aspecto emocional na base dos movimentos sociais, que os fazem surgir quando a emoção se transforma em ação. Baseado na teoria da

inteligência afetiva, aponta o medo e o entusiasmo


184

Resiliência Social No Contexto Das Mudanças Climáticas

como as emoções mais relevantes para a

Bustamante (2010, p. 17, 19) advoga que esse

mobilização social. Por meio da superação do medo

exercício de poder político pode conduzir

A superação da ansiedade resulta em raiva e

digital. O conhecimento da informática e

da cidade, podem transformar essa raiva em ação

apenas para descrição da realidade, mas para sua

e da ansiedade, surgem o entusiasmo e a esperança.

a uma supercidadania ou a uma cidadania

indignação. Se muitos sofrem com os problemas

das telecomunicações é uma ferramenta não

a partir do momento que superem o medo, mas

construção.

precisam da comunicação.

A mobilização e a solidariedade potencializaram a resiliência, como em Nova Friburgo, na região

serrana do Rio de Janeiro, durante e após o maior

desastre da região, em janeiro de 2011; e no Recife, na luta contra um modelo de desenvolvimento

urbano segregador, pelo Direitos Urbanos|Recife (ALCÂNTARA, 2013), e posteriormente com o

Movimento#OcupeEstelita, com mobilização

No entanto, existem limites no alcance da

mobilização das redes sociais que precisam ser

observados, para que não se espere mais do que as

redes sociais podem oferecer em termos de luta, de resistência, de resiliência.

5 - BASE EMPÍRICA DAS REFLEXÕES

e repercussão nacionais e internacionais,

principalmente após a violenta reintegração de posse em 17 de junho de 2014.

Para Bustamante (2010, p. 15), as redes não se

limitam apenas a ser instrumento de controle

social ou a aumentar a eficácia da comunicação;

as redes digitais são o campo de batalha onde se

travam lutas significativas pelos direitos humanos. Esse poder de disseminação da informação é

fundamental em situações que necessitam de

mobilização e de comunicação, como em desastres ou mesmo na luta por direitos e por qualidade

de vida. No entanto, não se pode falar de direito à informação sem considerar as possibilidades

de acesso a essas redes para os cidadãos menos

favorecidos. No Brasil, apenas 46,5% da população têm acesso à internet em casa (PNAD, 2011 apud

IBGE, 2011), ou seja, mais da metade dos brasileiros

está excluída do mundo virtual, o que limita a democratização da comunicação.

A pesquisa empírica exploratória realizada constou de estudos em três comunidades de baixa renda que enfrentam situações de risco e de estresse

contínuos: a UR-12 sujeita a deslizamento de

barreiras; o Beco do Óleo sujeita a alagamentos; e o Coque, comunidade com mais de 100 anos de existência, que sofre pressão do capital

imobiliário, tendo perdido metade do seu território. Esse estresse contínuo gera crises e doenças,

mas também manifestações de resiliência. As

duas primeiras comunidades tiveram sua base de resiliência mais centrada nos líderes e nas

articulações externas que realizam nos momentos de crise. A resiliência do Coque desenvolveu-se a partir de parceiros externos, diante das seguidas

remoções e da ameaça de expulsão, por situar-se

em uma área cobiçada pelo mercado imobiliário. Alcântara (2011) constata que os moradores de

baixa renda encontram na solidariedade e na

ajuda mútua recursos para lidar com a escassez,


185

os problemas e as dificuldades cotidianas de viver nessas localidades com insuficiência e ineficácia

das políticas públicas. As narrativas dos moradores

potencial para a resiliência no âmbito da cidade (ALCÂNTARA et al., 2013).

atestam o apoio que tiveram em momentos de

O Grupo Direitos Urbanos|Recife (DU), com

ser resilientes, ao suplantarem uma grande

baseado na crise da cidade e na insatisfação da

a importância do tecido social e das relações

potencializado a discussão de um projeto de cidade

podem contribuir para a resiliência comunitária

planejamento em reação à insustentabilidade do

profunda crise ou riscos que lhes permitiram

mais de 25.000 membros, tem seu crescimento

dificuldade e se reorganizarem, e mostram também

população com a qualidade de vida. Isso tem

de comunidade construídas localmente, que

que coloca o cidadão no centro da política de

(ALCÂNTARA et al., 2012).

modelo de desenvolvimento urbano implantado. A

Foi estudada também Recife, cidade em crise e

um empreendimento empresarial e habitacional,

segregador, conduzido pelo capital imobiliário,

até 40 andares, no coração da cidade, o bairro de

privilegiada paisagem, particularmente as frentes

tombados e onde caracterizou-se o início da cidade,

maior luta tem sido contra o Projeto Novo Recife,

ameaçada pela consolidação de um urbanismo

em um terreno de 10ha, composto por 15 torres de

que insiste na construção de torres nos locais de

São José, que abriga grande quantidade de imóveis

d›água, entre outros, e cuja mobilidade já a coloca

com quase 500 anos de existência.

com que sua população esteja exposta a estresse

Mais recentemente, a mobilização no Recife

entre as cidades mais lentas do País, fazendo contínuo.

Outro cenário estudado em cidades foi o do

pós-desastre da região serrana do Rio de Janeiro,

particularmente Nova Friburgo, que enfrentou em janeiro de 2011 o maior desastre da sua história. A forma adotada para investigar o potencial de resiliência social no nível da cidade foi o

acompanhamento das discussões e postagens nas redes sociais, mais particularmente no Facebook.

Investigamos a atuação do Grupo Direitos Urbanos|Recife, mediante as ameaças que

ocorriam na cidade; e do Grupo Nova Friburgo

em Transição – Transition Towns, criado após o

desastre na região serrana e que desempenhou um papel importante na mobilização das autoridades locais para a resolução dos problemas. O

ciberativismo é uma grande e poderosa forma de

comunicação e de mobilização, podendo vir a ser

contra esse projeto se ampliou com o Movimento #OcupeEstelita e #ResisteEstelita, que envolve o DU e outros grupos e coletivos. Desde o dia 21

de maio de 2014, ativistas e militantes acamparam para protestar após a destruição de galpões

históricos. Foram expulsos violentamente, pela

Polícia Militar de Pernambuco, em uma ação de reintegração de posse ilegal, no dia 17 de junho. Durante o período que estiveram dentro do

terreno, ocorreram três ocupações nos domingos e aos sábados, algumas chegando a contar com

cerca de 10.000 pessoas. O movimento vem tendo a adesão de atores, cantores, figuras públicas,

instituições locais, nacionais e internacionais, bem como atenção da mídia nacional e internacional,

principalmente devido à ação truculenta da polícia, com gás lacrimogêneo, spray de pimenta e balas de efeito moral, objeto de várias notas e postagens de repúdio.


186

Resiliência Social No Contexto Das Mudanças Climáticas

À noite de 17 de junho, após o ataque da polícia, os ativistas começaram a montar as barracas

embaixo do Viaduto do Capitão Temudo, em

frente ao terreno, como símbolo de resistência

e de resiliência após um choque. O movimento cresce e ganha aliados, pois apesar de ser uma

luta local, reflete uma problemática global. No

Estelita, trava-se uma luta dos moradores de uma

um dos movimentos políticos de maior expressão

nos últimos tempos, entre as lutas urbanas travadas na cidade.

6 - CONDIÇÕES E FATORES QUE FACILITAM A RESILIÊNCIA

cidade contra grandes empreiteiras que financiam

campanhas políticas dos candidatos e insistem em

definir os grandes empreendimentos da cidade sem a participação das pessoas. Independentemente

das conquistas futuras, o movimento já pode ser considerado vitorioso, pelo recuo dos gestores públicos e dos empreendedores, cujo projeto

encontra-se não iniciado e paralisado, quando

o previsto era a inauguração de algumas torres

empresariais já em 2014. No dia 30 de junho, o

movimento ocupou a sede da prefeitura para exigir participar das negociações para refazer o projeto, a partir de um plano urbanístico inexistente no

projeto original. Essa ocupação forçou a prefeitura a dialogar novamente com o movimento, voltando este a participar da mesa de negociações.

Se o imponderável assume importância para a

resiliência individual e coletiva, no âmbito de uma

cidade tende a ter maior relevância. Essa é uma das dificuldades para avaliar a resiliência social com o

sistema de indicadores; primeiramente pela quase não disponibilidade do indicador, mas também pela dificuldade de quantificar e atribuir pesos

aos indicadores existentes. Isso nos leva a optar

por mapear os fatores e indicadores que podem

favorecer e potencializar a resiliência social em vez de quantifica-los.

Tyler e Moench (2013, p. 312) apontam três elementos

da resiliência urbana – sistemas, agentes e

instituições – e apresentam um quadro conceitual a ser operacionalizado por planejadores locais.

A emergência de vários grupos com o objetivo

No tocante à resiliência social, ela está associada à

e a luta por direitos é uma evidência do poder

referência os trabalhos de Gunderson e Holling

comum de melhorar a qualidade de vida na cidade

resiliência dos agentes e instituições. Tendo como

de mobilização e do potencial das redes sociais

(2002) e Twigg (2007), Tyler e Moench (2013, p. 315)

para networking, mas acima de tudo o desejo da

assim classificam a capacidade de resiliência dos

população de protagonizar mudanças.

agentes:

O papel de difusão da informação e de mobilização

• responsiveness (capacidade de resposta) –

de pessoas e de grupos para resistirem é uma

característica que tem favorecido a resiliência social. Os entrevistados revelaram grande

aprendizado e crescimento com a experiência do

acampamento do Ocupe Estelita, na luta por uma cidade mais inclusiva, justa e com mais qualidade

de vida. O movimento está se configurando como

capacidade de se organizar, identificar problemas, antecipar, planejar e dar resposta rápida a eventos extremos e adversidades;

• resourcefulness (capacidade de mobilização) – capacidade de mobilizar recursos financeiros, materiais, outros agentes, parcerias de


187

colaboração; aqui incluímos a capacidade de

comunicação online e offline, por seu potencial

de mobilização e de comunicação;

• capacidade de aprender – habilidade de

internalizar experiências passadas, buscando

não repetir as falhas, melhorar o desempenho e aprender novas habilidades.

• aplicação de conhecimentos novos – que as

instituições facilitem a geração, troca e aplicação

de conhecimento, pois isso fortalece a resiliência. Cutter et al. (2010) apresentam uma classificação

em que apontam a capacidade de comunicação na resiliência social e no eixo da resiliência associada

ao capital social; salientam as dimensões senso de

comunidade, “place attachment” (pertencimento ao

Em relação às instituições, os aspectos apontados

lugar) e participação cidadã.

ou inibidores de resiliência referem-se a:

O quadro 1 apresenta a síntese das características

por Tyler e Moench (2013, p. 317) como facilitadores

• direitos garantidos e acessíveis – a restrição

de direitos pode limitar o acesso aos sistemas

ou serviços e reduzir a resiliência para grupos marginalizados;

• processo de decisão – os projetos urbanos e

sistemas de gestão urbana devem seguir os princípios da boa governança;

• fluxo de informação – moradores, empresas, organizações comunitárias e outros agentes

decisores devem ter pronto acesso às informações essenciais para facilitar o julgamento sobre riscos e vulnerabilidades que possam facilitar as opções de adaptação;

e atributos da resiliência a partir do indivíduo, passando pelo coletivo, no formato de grupos ou mesmo de comunidades, para se chegar à sociedade, envolvendo vários setores desta. Tais contextos, características e atributos

encontrados em indivíduos, comunidades e

grupos, no âmbito da sociedade podem reverberar na cidade. Tal síntese foi realizada com base

nos teóricos estudados e na pesquisa empírica anteriormente descrita.


2013, p. 315):

autoestima coletiva – demonstrada no orgulho com o

comédia na tragédia”;

enfrentamento efetivo;

existência de alarme.

a defesa civil e a comunidade;

relação cooperativa e integrada de comunicação entre

Fonte: As duas colunas iniciais foram adaptadas de Alcântara et al. (2014, p. 61). E a 3ª coluna foi adaptada de Alcântara (2014, p. 7-8).

enfrentar problemas).

“eu posso” (habilidades interpessoais para

amado);

metidos;

projeto de impacto.

de direitos, cidadania ameaçada, um grande

espaços públicos, luta pela terra, cerceamento

segregador e excludente, insuficiência de

“eu tenho” (apoio de pessoas em quem confio);

“eu sou” e “eu estou” (força intrapsíquica,

mobilidade, insegurança nas ruas, urbanismo

coletivos; existência de líderes comunitários ativos e compro-

grar uma reação da sociedade: colapso na

histórico de ação coletiva para solucionar problemas

autoestima consistente;

existência de ameaça ou crise que pode defla-

histórico de enfrentamento de adversidades;

existência de um desastre;

civil;

diversidade religiosa – existência de igrejas atuantes no bairro;

existência de organizações ativas da sociedade

pessoas ativamente envolvidas;

moralidade;

criatividade;

humor;

ativos;

existência de órgãos e conselhos de classe

no FB;

discussão e mobilização, comunidades e grupos

existência de redes sociais ativas, espaços de

Contexto que favorece resiliência:

capacidade de humor e de criatividade.

capacidade de aprender e se adaptar;

capacidade de resposta;

capacidade de mobilização;

prestam apoio ou assistência à comunidade, com

existência de associações em funcionamento que

capacidade de se relacionar;

iniciativa;

Contexto que favorece resiliência:

para superar situações difíceis.

espiritualidade – facilita a solidariedade e a confiança

transparente a função pública;

independência;

temperamento especial e habilidades cognitivas;

condutas vitais positivas;

resistência à destruição;

capacidade;

humor social – capacidade do grupo de “enxergar

baixa suscetibilidade; honestidade coletiva – conduzir de forma honesta e

expressões idiomáticas, danças, músicas do grupo;

identidade cultural – incorporando costumes, valores,

adaptabilidade;

habilidade;

(2005) e Grotberg (2005): capacidade de comunicação;

(2002), Twigg (2007 apud TYLER; MOENCH,

(2006, p. 274) e Alcântara (2011): lugar que mora;

resiliência, baseados em Gunderson e Holling

cia, baseados em Ojeda (2005, p. 50), Ojeda e Autler

resiliência, baseados em Melillo (2005),

Kotliarenco (1997), Walsh (1998), Ravazzola

Características e atributos que favorecem a

Características e atributos que favorecem a resiliên-

Características e atributos que favorecem a

3. NO NÍVEL DA SOCIEDADE/CIDADE

2. NO NÍVEL COLETIVO/COMUNITÁRIO

1. NO NÍVEL INDIVIDUAL

Quadro 1 – Características e atributos que favorecem a resiliência

188 Resiliência Social No Contexto Das Mudanças Climáticas


189

7 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

O humor na sociedade brasileira como resposta a adversidades necessita ser mais estudado, pelo potencial de contribuir na busca de soluções.

A resiliência social, associada aos agentes, e os condicionantes que facilitam sua emergência

tomam por base a análise dos fatores de proteção e atributos para a resiliência individual, comunitária e de uma cidade.

Os estudos empíricos exploratórios revelaram

que a resiliência de indivíduos contribuiu com a resiliência do grupo ou da cidade, como nas

comunidades de Beco do Óleo, UR-12 e Coque, no Recife, e em cidades como Nova Friburgo e

Teresópolis, na região serrana do Rio de Janeiro. A resiliência pode ser fortalecida por meio dos fatores de proteção elencados por Kotliarenco

(1997) e Melillo (2005, p. 60-61), que se resumem a

habilidade, adaptabilidade, baixa suscetibilidade, enfrentamento efetivo, capacidade, resistência à

Mesmo os que perderam tudo o que tinham

apresentam esperança no futuro; tal esperança

está associada ao otimismo, outra característica

da cultura brasileira. Perlman (2007, p. 2) salientou a prevalência do otimismo em um estudo

longitudinal nas favelas do Rio de Janeiro. Tal otimismo pode ser uma força para enfrentar e superar o estresse diário, bem como situações extremas de desastres.

Das características e atributos para potencializar a

resiliência de uma cidade apontados por Gunderson

e Holling (2002), Twigg (2007 apud TYLER;

MOENCH, 2013, p. 315), salientamos capacidade

de comunicação, capacidade de mobilização,

capacidade de resposta, capacidade de aprender e se adaptar; e acrescentamos humor e criatividade.

destruição, condutas vitais positivas, temperamento

Apesar da importância de identificar os fatores

capacidade de se relacionar, iniciativa, humor,

relevância ao imponderável para sua manifestação

especial e habilidades cognitivas, independência,

que facilitam resiliência, Rodriguez (2005) atribui

criatividade, moralidade, autoestima consistente.

tanto no nível individual como no coletivo. E

Grotberg (2005, p. 16-17) sintetiza as bases da

resiliência não se contentam apenas com os

resiliência individual nas sentenças: “eu tenho”

(apoio de pessoas em quem confio); “eu sou” e “eu

estou” (associadas a força intra-psíquica, ser amado, amar e respeitar o outro, ter responsabilidade pelos seus atos, ter confiança no futuro): e “eu posso” (adquirir habilidades interpessoais e resolver

conflitos, enfrentar problemas e encontrar apoio nos outros).

Ojeda (2005, p. 50), Ojeda e Autler (2006, p. 274)

identificam alguns pilares fundamentais à

resiliência comunitária: auto-estima coletiva,

identidade cultural, humor social, honestidade coletiva ou estatal, espiritualidade.

salienta que autores que estudaram o tema da fatores de resiliência como explicação para a sua ocorrência, pois algo que poderia ser adverso

para alguém pode se converter em um fator de

resiliência para outra pessoa. Foi o que constatamos nas comunidades pesquisadas de baixa renda.

O acesso à internet também oferece inúmeras

oportunidades para comunicação e mobilização

via redes sociais, para controle social, denúncias,

enfrentamento de problemas e comunicação para

desastres. No entanto, no Brasil, esse aspecto ainda é um limitador, pois mais da metade da população não tem acesso à internet.


190

Resiliência Social No Contexto Das Mudanças Climáticas

Muitos movimentos surgiram a partir de comunicação online, tomando o mundo

8 - AGRADECIMENTO

offline e demonstrando seu poder de pressão sobre dirigentes e sobre o poder econômico: sobre grandes construtoras no caso do

Movimento#OcupeEstelita, no Recife, com

adesão e repercussão nacionais e internacionais por protagonizar uma luta por cidades mais

sustentáveis com foco nas pessoas. Todo o poder de mobilização e de resiliência do movimento devese principalmente à comunicação e mobilização

nas redes sociais, não seria possível sem acesso à internet.

Mesmo que tais movimentos surjam a partir de questões urbanas locais, mostram uma conexão

com outras lutas mais ampliadas por participação e democracia, em outras cidades no mundo. As

atividades nas redes sociais online têm contribuído

para uma participação mais efetiva na discussão

dos problemas urbanos locais e para a construção de cidades mais sustentáveis. Essa consolidação da esfera pública parece contribuir para o

fortalecimento da governança e da resiliência. A ação de indivíduos e grupos em blogs e outros

grupos do Facebook tem desempenhado um papel

importante no controle da atuação pública e na democratização da informação, com impactos

significativos na governança. Esse novo padrão de ativismo oferece uma alternativa à crise na democracia representativa, abrindo-se novos

espaços de participação que podem servir na luta por cidades mais justas, mais inclusivas e mais

sustentáveis. E sinaliza também como um efetivo instrumento para fortalecer a resiliência social de grupos, comunidades e cidades.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); à Fundação de Amparo à Ciência e

Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE); à Pró-Reitoria para Assuntos de Pesquisa e PósGraduação (PROPESQ), ao Programa de Pós-

Graduação em Desenvolvimento Urbano (MDU), ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo

(DAU), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) – pelo suporte no desenvolvimento da pesquisa e deste artigo.

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195

D ESASTRES CLIMÁTICOS E

VULNERABILIDADE SOCIAL : A PRODUÇÃO DE ESPAÇOS DE RISCO NO LITORAL NORTE DO ESTADO DE A LAGOAS , B RASIL Neison Cabral Ferreira Freire e Claudia Eleonor Natenzon 1 - RESUMO

O objetivo desta pesquisa é discutir e analisar a produção de catástrofes

naturais em regiões periféricas ou de economia retardatária, tomando como estudo de caso as inundações ocorridas no estado de Alagoas, Brasil, em

2010. As áreas atingidas pelas inundações estão localizadas numa região com grandes desigualdades sociais. Analisaremos o papel das instituições públicas

e privadas nesse processo, o desenvolvimento em regiões de capitalismo tardio e os novos desafios impostos às administrações municipais, principalmente

aqueles pertinentes às previsões que estão relacionadas à maior severidade e

frequência de eventos extremos nas zonas tropicais, resultantes das prováveis mudanças na dinâmica do clima planetário. Faz-se necessária, portanto, a aproximação do marco conceitual que a Teoria Social do Risco nos

proporciona, considerando-se que o risco atualmente ocupa um lugar central

nas agendas políticas dos governos. Serão abordadas as dimensões em relação à periculosidade, à vulnerabilidade, à exposição e à incerteza. Dessa forma, esta pesquisa busca esclarecer a situação na qual aconteceu a catástrofe em

Alagoas em 2010 e como as geotecnologias podem contribuir para um uso

socialmente mais amplo, tendo em consideração a antecipação, a prevenção e o gerenciamento do risco às catástrofes naturais.

Palavras-chave: Vulnerabilidade social. Inundações catastróficas. Desastres naturais.


196

Desastres climáticos e vulnerabilidade social: a produção de espaços de risco no litoral norte do estado de Alagoas, Brasil

2 - ABSTRACT

o conceito de que a sociedade contemporânea atual não compartilha mais os bens, mas sim os riscos, deve-se levar em consideração que

The objective of this research is to discuss and analyze how natural disasters occurs in pours

regions, taking as a case study of flooding in the province of Alagoas, Brazil, in 2010, located in a region with great social inequalities. Analyze the role of public and private institutions in

this process, the development in regions of late

capitalism and the new challenges posed to local

governments, mainly on the provision in respect of greater severity and frequency of extreme events in the tropics, resulting from likely changes in global climate dynamics. Therefore it is necessary to

approach the conceptual framework that gives us

the Social Theory of Risk now occupied a central place in the political agendas of governments. Dimensions will be addressed regarding the

hazard, vulnerability, exposure and uncertainty.

So this research seeks to clarify the situation in

which the disaster occurred in Alagoas and how

geo-technologies can contribute to a broader social anticipation, prevention and risk management.

Key words: Social vulnerability. Flood disasters. Natural disasters.

3 - INTRODUÇÃO

em algumas regiões menos desenvolvidas,

especialmente na América Latina, jamais os bens foram compartilhados, mas sim os riscos. Esses

riscos foram, pois, intensificados pelos processos

tecnológicos e produtivos que a globalização dos mercados apresenta.

No Brasil não é diferente. As novas hierarquias

da geração e apropriação da riqueza indicam que

o capitalismo aperfeiçoou os seus instrumentos, o

gerenciamento mais ágil das escalas e a usabilidade do entorno construído. Porém, as desigualdades sociais continuam existindo e permanecem as situações de incerteza das populações

marginalizadas pelo processo de desenvolvimento

econômico. As migrações recém-observadas, entre os Censos de 1980 e 2001, das antigas populações rurais dos estados mais pobres do País (como

Alagoas e Piauí) em direção às pequenas cidades próximas ao trabalho no campo representam

evidências da falta de planejamento ou controle urbano. Disso resultou uma intensa exposição

das novas habitações às periculosidades naturais advindas das áreas inundáveis dos rios que atravessam várias cidades nessa região.

Configurou-se, assim, em Alagoas e Pernambuco o quadro social geral do risco nas suas três

O processo de inovação e desenvolvimento

tecnológico vem gerando cada vez mais situações de risco às sociedades pós-industriais do século

XXI, transformando-se estas no que vários autores denominaram de “sociedade de risco”.

No entanto, são as decisões arriscadas dentro da

nossa vida cotidiana que promovem as situações de catástrofe. Embora muitos autores adotem

dimensões: a periculosidade, a vulnerabilidade e a exposição. E, portanto, a derivação à incerteza

quanto aos seus aspectos políticos e de percepção

dos grupos sociais envolvidos com os seus valores e interesses em jogo (NATENZON, 2005).

Agregam-se a esse quadro social as mudanças nos processos climáticos da Zona de Convergência

Intertropical do Atlântico Norte, que, em junho


197

de 2010, fizeram com que uma forte tempestade

Porém, devido, talvez, à sua magnitude e

natural com muitos prejuízos materiais e várias

não chegaram a uma definição unânime em relação

de três dias provocasse uma situação de catástrofe mortes nos dois estados, principalmente nas bacias dos rios Mundaú e Paraíba, como será abordado mais adiante.

4 - MARCO CONCEITUAL

diversidade espacial e cultural, os especialistas ainda a uma medida unitária ou teoria geral do risco. Neste texto, não será o nosso objetivo realizar

uma profunda reflexão acerca dos debates atuais

da teoria social do risco. As tantas possibilidades de exposição ao risco e à periculosidade em nossa sociedade atual nos impediriam de

A noção de risco na nossa vida cotidiana está cada vez mais presente, e, quanto mais a conhecemos, “melhor apreciamos a grande extensão da nossa ignorância”. Paradoxalmente, quando mais

tentamos controlá-los, maiores são os riscos

gerados em outra parte do sistema. O homem

atual perdeu um pouco das suas ilusões e do seu deslumbramento pela técnica. Ele percebeu que

ainda não criou o instrumento da liberdade, mas sim novas prisões (ELLUL, 1968). Desta forma,

podemos dizer que atualmente vivemos no que Beck (1986) chamou de uma “sociedade de alto

risco”, fazendo uma referência ao fato de que

alcançarmos uma compreensão específica do

objetivo da nossa pesquisa. Objetivo esse que é

entender os princípios básicos que esclareçam as particularidades dos fatos ocorridos em 2010 na nossa área de pesquisa, a bacia do rio Mundaú,

que está parcialmente localizada numa das regiões menos desenvolvidas do Brasil: o estado de Alagoas.

Neste sentido, Beck (1986, p. 32) afirma que estamos caminhando em direção a uma

“nova modernidade na qual o eixo que

hoje em dia acontecem danos cada dia maiores

estrutura a nossa sociedade industrial não é

entanto, deve-se levar em consideração que “a

a distribuição de males”,

que afetam uma boa parte da humanidade. No

mais a clássica distribuição de bens, mas sim

universalização do risco não implica que todos

ou seja, a distribuição do risco. No entanto,

sejamos iguais em relação ao risco, pois, como

afirmaria Orwell, sendo iguais alguns são mais

iguais que outros” (apud CEREZO; LÓPEZ, 2000,

p. 26).

Esta noção de urgência do risco é parte da

sociedade contemporânea e, portanto, de muitos debates acadêmicos, especialmente nas ciências sociais, tomando um lugar central nas agendas

políticas e governamentais. O risco é um assunto

presente em muitas pesquisas científicas em várias áreas do conhecimento devido ao seu enorme potencial para a compreensão de catástrofes.

em Alagoas, a distribuição do risco nunca foi

precedida pela distribuição de bens ou riqueza.

Pelo contrário, sempre foram compartilhados os riscos advindos do desenvolvimento econômico

proporcionado pelo agronegócio do açúcar e do

recém-incorporado biocombustível derivado do

etanol. Porém, jamais se compartilhou a riqueza

historicamente gerada na Zona da Mata Atlântica alagoana.

Neste sentido, o rol que a globalização imputou aos países emergentes, como o Brasil e a Argentina, em


198

Desastres climáticos e vulnerabilidade social: a produção de espaços de risco no litoral norte do estado de Alagoas, Brasil

termos de garantir o fornecimento de commodities

associado com a produção do espaço geográfico nas

aos emergentes como a China, vem gerando, nos

sob determinismos políticos, econômicos, culturais

rural: a soja, o sorgo e a cana-de-açúcar agora

sociedade em seu tempo e espaço. São as decisões

países1. Além de perdas da biodiversidade e

ocupação e organização deste espaço que criam

geraram mais lucros às empresas multinacionais

o “caso fortuito da natureza” que fazem com que os

é o aumento da produção e exportação agrícolas,

naturais, mas sim o próprio sistema social e as suas

processos de inovação e novas áreas para a

dimensões do risco e da incerteza. Porém, são feitos

todo esse processo restaram as áreas marginais e

população, aqueles socialmente mais vulneráveis.

ao construir as suas habitações nessas zonas

Na verdade, são as relações sociais de produção, e

e energia para os países centrais e, na atualidade,

suas múltiplas dimensões e escalas. Está, portanto,

últimos anos, muitas mudanças no uso do solo

e institucionais. É o produto de uma determinada

são ativos estratégicos nas exportações desses

de uma determinada sociedade acerca do uso,

desmatamentos generalizados, essas mudanças

situações de risco e desastre. Não são o “divino” ou

do agronegócio. Atualmente, o mais importante

fenômenos naturais se transformem em catástrofes

e, para isso, é essencial a incorporação de novos

condições de reprodução do capital que geram as

agricultura. À população que ficou de fora de

seletivamente, dirigidos a determinados setores da

com alto risco de sofrerem catástrofes naturais expostas, convivendo, por conseguinte, com a

periculosidade. A riqueza gerada em todo esse

processo ainda continua concentrada nas mãos de elites sociais, que vivem bem longe da incerteza e

da periculosidade, graças aos seus baixos padrões de vulnerabilidade.

A maioria dos cientistas sociais analisa as

situações de desastre do ponto de vista dos

não o fenômeno natural ou tecnoindustrial, que

provocam uma situação de catástrofe natural. O fenômeno somente expõe a vulnerabilidade que um determinado estrato da população possui e

cujas origens o cotidiano oculta, imposto por tais relações sociais (ARAGÓN, 2011).

Também se deve fazer distinção entre os termos

tomadores de decisões. Inicia com a presença do

fenômeno natural e catástrofe ou desastre

da emergência; e termina com a reconstrução,

os terremotos, as enchentes e os ciclones, sejam

à normalidade (ARAGÓN, 2011). O risco está

desastres. Os desastres acontecem quando afetam

1 - Murgida (2012, p. 203), por exemplo, ao pesquisar

lugar e tempo determinados.

fenômeno natural; em seguida, passa para a fase

momento em que a autoridade determina a volta

as mudanças climáticas e a vulnerabilidade social do Chaco Saltenho, no noroeste da Argentina, nos últimos trinta anos, observou um novo “[...] espaço de oportunidade para a introdução de atividades não tradicionais, como a agricultura de larga escala. Esta ‘oportunidade’ deu lugar ao processo de agriculturização, que consiste na incorporação de terras ‘marginais’, para a produção de oleaginosas e grãos destinados a forragens e biocombustíveis no mercado mundial.”

natural. Embora os fenômenos naturais, como

altamente destrutivos, não necessariamente causam diretamente o homem e as suas atividades num

Maskrey (apud ARAGÓN, 2011, p. 42) considera

“como um desastre natural a coincidência entre um fenômeno natural perigoso e determinadas condições vulneráveis”, e propõe a seguinte

equação: Risco = Perigo x Vulnerabilidade. Ou seja, o risco estaria diretamente envolvido com a simultaneidade dos processos naturais e das


199

estruturas sociais. “O natural e o humano estão

que ela saiba como agir em situações críticas e,

as situações de desastres, sobretudo quando

desenvolvimento que diminuam a vulnerabilidade

ligados de maneira tão estreita em quase todas acontecem em grandes marcos de referência

temporal e espacial, que não é possível entender que os desastres sejam francamente naturais.” (BLAIKIE et al., 1966, p. 51).

Wilches-Chaux (1993) propõe que o desastre seja o

produto da convergência de risco e vulnerabilidade. Por risco entende-se qualquer fenômeno de origem natural ou humana que provoque

mudanças no meio ambiente. A vulnerabilidade estaria determinada pela incapacidade de uma determinada sociedade de se adaptar a uma

mudança particular no seu meio ambiente. No

entanto, o conceito de desastre possui múltiplos

significados, e o mesmo acontece com o de risco,

periculosidade e vulnerabilidade. Dessa forma,

convém esclarecer esses conceitos para um melhor entendimento das características socioeconômicas que provocam espaços arriscados numa determinada sociedade.

Natenzon (2005) propõe que “existe risco quando

podemos quantificar” ou quando há uma

probabilidade a respeito do que vai acontecer,

fundamentalmente, implementar políticas de social.

O risco é um traço da modernidade e dos

processos de desenvolvimento tecnológico da

nossa sociedade. Porém, se não houver um cálculo de probabilidade, um conhecimento prévio sobre

onde estão e quais são as condições físicas, políticas e socioeconômicas dos possíveis afetados por um desastre natural, então não se pode afirmar com

certeza o que está por vir – o risco se transforma

em incerteza. Para Natenzon (2010), o risco implica complexidade, motivo pelo qual são múltiplas

as dimensões que o constituem. Desta maneira, a compreensão de uma situação particular de

risco de catástrofe envolve quatro dimensões: periculosidade, exposição, vulnerabilidade e

incerteza. Os conhecimentos acerca de cada uma

delas são diferentes, provenientes tanto do campo

das ciências sociais quanto das naturais, e tanto das aplicadas quanto das teóricas;

“[...] as suas inter-relações permitem caracterizar o risco, antecipar, prever e mitigar a catástrofe”

mesmo que seja somente uma aproximação,

(idem). Tais dimensões adquirem diferentes

referência à caracterização do risco a eventos

durante e depois). O risco está configurado pelas

danos. Dessa forma, o risco seria uma “modalidade

conhecimento sobre alguma ou algumas delas, dá-

uma estatística. Cerezo e López (2000, p. 41) fazem

configurações no ciclo do desastre (antes,

possíveis, embora incertos, que possam provocar

três primeiras dimensões. Diante da falta de

atenuada da insegurança; onde houver insegurança,

se lugar à configuração da incerteza.

do risco”. Este conceito permite expor que é

Dessa maneira, temos que a periculosidade avalia

procurar mais informações e conhecimentos,

conhecê-la requer que se tenha conhecimento

novas leis, aproveitar o saber desenvolvido

envolvidos. Enquanto que a exposição se refere

esta trata de ser controlada mediante o cálculo

possível fazer alguma coisa na iminência do perigo:

a potencialidade de que algo ameaçador aconteça;

investir mais em tempo e/ou dinheiro, promulgar

acerca dos aspectos físico-naturais dos processos

pelas comunidades, exercitar a população para

aos impactos materiais que essas periculosidades


200

Desastres climáticos e vulnerabilidade social: a produção de espaços de risco no litoral norte do estado de Alagoas, Brasil

podem ocasionar no território e, portanto,

precisa de conhecimentos acerca da distribuição geográfica de bens e pessoas. Por sua vez, a

vulnerabilidade está localizada nas estruturas

5 - ESTUDO DE CASO: ANTECEDENTES E CONTEXTO

sociais, sendo necessário o conhecimento das

características socioeconômicas comprobatórias do estado antecedente dos grupos sociais envolvidos (HERZER et al., 2002). Em relação à incerteza, é

a dimensão que se refere a que fazer quando não

se tem o conhecimento das outras três dimensões,

5.1 - A SITUAÇÃO HISTÓRICA: AS DIMENSÕES DO RISCO EM ALAGOAS

motivo pelo qual entram no jogo as questões

O Estado de Alagoas, localizado na região nordeste

decisões, os seus aspectos políticos, os valores e os

regional de profundas desigualdades sociais.

parciais (FUNTOWICZ; RAVETZ, 1993). É a não

produtiva desde os primórdios da colonização

2005).

da cana-de-açúcar. A sua ocupação europeia

sociais, tais como a percepção e a tomada de

do Brasil (figura 1), faz parte de um contexto

interesses em jogo, múltiplos e legítimos, porém

O seu espaço agrário – locus da sua atividade

materialidade das relações sociais (NATENZON,

do Brasil – sempre foi cenário da monocultura

Figura 1 – Mapa de localização da área de estudo

Fonte: elaboração dos autores.


201

aconteceu na segunda metade do século XVI, em

região onde ocorre a produção. A acumulação,

ao Sul, estendia-se ao longo das margens do rio

servindo para manter o status quo que beneficia

três frentes: ao norte, alcançava o rio Camaragibe; São Francisco até a desembocadura no Oceano

Atlântico; e na região litorânea central, ao redor do Complexo Estuarino-Lagunar Mundaú-

Manguaba, onde atualmente está localizada a capital do estado, a cidade de Maceió.

particularmente em Alagoas, serviu e continua

as classes sociais dominantes. A verdade é que a economia alagoana ainda hoje não produz mais

que açúcar, álcool, mandioca, leite, tabaco, coco e elementos químicos derivados do sal-gema (um tipo de minério constituído basicamente por

cloreto de sódio). Os produtos primários que os Para a ocupação dessas vastas terras coloniais,

consumidores alagoanos precisam são importados

propriedades rurais – os latifúndios –, distribuídas

significa que, passados já alguns anos do século

Um fator determinante para a necessidade

fase do desenvolvimento capitalista, ou seja, ainda

monocultura da cana-de-açúcar só tinha utilidade,

consumo correntes de que o seu mercado interno

foi estabelecido o regime de posse de grandes

de outros estados brasileiros ou do exterior. Isso

pelos donatários das capitanias entre os colonos.

XXI, Alagoas ainda não cumpriu sequer a primeira

do latifúndio se encontrava no fato de que a

não conseguiu produzir a maior parte dos bens de

do ponto de vista econômico, em grandes áreas de

precisa (FREIRE, 2012).

cultivo.

O meio ambiente sofreu as consequências dessa

vasta ocupação: desde muito cedo a Mata Atlântica foi totalmente desmanchada para servir ao regime de plantação nessas áreas férteis de massapê (solo argiloso).

Se forem analisados os indicadores sociais dos

últimos trinta anos, observa-se que, embora alguns poucos donos de usinas e fornecedores de cana-

de-açúcar se encontrem em excelentes condições financeiras, o quadro social alagoano continua

extremamente crítico. O Atlas de Desenvolvimento Humano publicado pelo Programa das Nações

Restaram uns poucos espaços em ladeiras e fundos

Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em

o cultivo da cana-de-açúcar. Mas, na realidade,

que

necessidade de assegurar fontes de água limpa,

“Alagoas se transformou no Estado mais

de vales, haja vista que não eram adequados para

2003, ao se referir à desigualdade de renda, sinaliza

essa “proteção ambiental” aconteceu devido à

necessária para o processo industrial da produção

de açúcar nos engenhos e nas usinas açucareiras, a

baixo custo; e, a partir da década de 1970, também do álcool das destilarias regionais/locais.

A região da monocultura da cana-de-açúcar,

que é distribuída ao longo do litoral de Alagoas e Pernambuco, além de outros estados, possui características próprias de acumulação, e não

de reprodução ampliada do capital na mesma

desigual do Brasil, e o seu coef iciente de

Gini se elevou de 0,63 para 0,69, levando os alagoanos a subirem dez posições nesse ranking”.

Além disso, outros indicadores sociais ajudam a entender as precárias condições de vida em Alagoas, especialmente em comparação com

outros estados e regiões do País. Talvez o mais


202

Desastres climáticos e vulnerabilidade social: a produção de espaços de risco no litoral norte do estado de Alagoas, Brasil

grave seja o da taxa de mortalidade infantil no

começou a utilizar novos fertilizantes químicos

mil nascidas vivas morreram antes de completar

escala. Essas inovações tecnológicas na plantation

estado. Em 2008, por exemplo, 50 crianças em cada um ano de vida, o que representa a pior taxa de mortalidade infantil no Brasil (FREIRE, 2012). Outro dado que reflete a precariedade da vida

em Alagoas se refere ao sistema de esgotos: em aproximadamente 650.000 lares, no ano 2000,

quase metade da solução adotada era de fossas rudimentares individuais para águas residuais.

Somente 15% dos lares em Alagoas faziam parte

do sistema de esgoto geral da cidade (IBGE, 2000). Esta vulnerabilidade social tem a sua origem na matriz econômica historicamente determinada.

Portanto, não existe na economia açucareira uma

desverticalização expressiva da produção, inclusive

porque a plantation não condicionou o surgimento de significativas atividades que beneficiem

a atividade produtiva no nordeste brasileiro,

secularmente baseada no latifúndio, com poucas interdependências econômicas horizontais. Essa alta concentração de renda impede o desenvolvimento de uma classe média

suficientemente forte para garantir escala e

dinâmica rentáveis para as relações comerciais

necessárias à expansão do mercado local, além de

achatar o salário do trabalhador não especializado.

Os baixos indicadores socioeconômicos no referido estado estão diretamente relacionados a essas

e técnicas industriais de produção em larga

aumentaram o conteúdo de sacarose na cana-deaçúcar e, dessa maneira, as usinas conseguiram

obter maior rentabilidade nos seus produtos finais. Isso permitiu esgotar as terras de cultivo da cana-

de-açúcar em Alagoas. Associadas com o uso cada vez mais intensivo da mecanização, as mudanças

também causaram uma diminuição no mercado de trabalho rural na Zona da Mata de Alagoas.

Essas “novas” residências informais da população antes rural e atualmente urbana se tornaram

“armadilhas espaciais”, nas quais a perspectiva

individual e as relações de exploração se sobrepõem ao interesse coletivo, deixando em evidência a ausência do Estado em quase toda a região.

Somem-se a esse quadro as lutas políticas dos movimentos sociais pelo acesso à terra rural,

intensificadas desde o final da ditadura militar no

Brasil, em 1984. Temendo a perda das suas terras, os grandes proprietários rurais desintegraram

gradativamente os pequenos núcleos rurais das suas fazendas, obrigando os antigos habitantes

a residirem nas periferias das cidades. Contudo,

esses trabalhadores rurais continuaram com as suas atividades no campo, sob o comando dos mesmos patrões e mostrando uma nova e importante dimensão social do risco na região.

características presentes em toda a região.

Isso contribui para explicar as migrações da

À população socialmente vulnerável restou a

quando a maioria dos diferentes municípios

quase sempre muito perto das margens dos rios,

predominantemente urbana. Os quase seiscentos

para dar lugar à expansão da cana-de-açúcar,

1980 chegaram a dois milhões em 2006. À medida

população entre os censos de 1980 e 2000,

ocupação de áreas inadequadas para residência,

dessa região passou de eminentemente rural a

cuja vegetação foi gradativamente eliminada

mil habitantes urbanos das cidades alagoanas de

particularmente na década de 1980, quando se

que muitos desses trabalhadores, com pouca ou


203

nenhuma qualificação, não encontraram emprego

alta incerteza sobre as possibilidades que tais

Zona da Mata Norte de Alagoas, multiplicaram-se

catástrofes naturais. Os riscos são desconhecidos

nas incipientes economias das pequenas cidades da os acampamentos de trabalhadores rurais sem-

terra nas margens das estradas e perto das áreas inundáveis dos rios.

As cidades observaram uma diminuição de sua

comunidades poderiam ter para fazer frente às

pelas populações migrantes. Sem possibilidade de reagir à exposição ou de reconhecer tecnicamente a periculosidade da ocupação desordenada das “novas” áreas urbanas inundáveis, a população

pobre fica à mercê das incertezas derivadas da

qualidade de vida, pois não conseguiram suportar a

precariedade das condições de vida.

donde originou-se uma forte pressão em busca de

Devido às suas interferências nas estratégias a

impossíveis de serem obtidos do poder público

que as enchentes em regiões tropicais, como neste

migração que veio do campo para as suas periferias, serviços e infraestruturas urbanas, praticamente

serem implementadas, aqui é importante salientar

local.

caso, possuem um altíssimo poder de destruição.

Não se trata de uma instalação mansa e tranquila das águas, como acontece nas zonas de planície

5.2 - PROBLEMAS ESTRUTURAIS: RISCO E INCERTEZA EM ALAGOAS

temperada. Aqui, devido à grande energia cinética

que a enchente possui, toda construção é destruída

de maneira quase instantânea. Consequentemente, A despeito de ter atravessado várias crises nas

não haverá reconstrução, sendo necessário construir

últimas décadas, a monocultura da cana-de-

como se fosse a primeira vez.

alagoano e concentra as suas atividades na Zona

Com tal configuração histórica e social, um

é economicamente hegemônica e representa 87%

18 e 20 de junho de 2010 provocou um desastre

em todo o estado são, basicamente, homogêneos,

socioambientais, principalmente na bacia do rio

e por uma população de baixa renda, devido ao

nas bacias dos rios Una, Sirinhaém, Piranji e

já mencionado.

26 municípios de Alagoas (figura 2) foram

açúcar continua dominante no espaço agrário

da Mata localizada na costa marítima de Alagoas;

evento climático extremo ocorrido entre os dias

das exportações do estado. Os indicadores sociais

de origem natural com graves repercussões

caracterizados pelo baixo dinamismo econômico

Mundaú, entre Alagoas e Pernambuco, e também

modelo de produção historicamente herdado, como

Canhoto. Em somente três dias de fortes chuvas,

Desde muito cedo, tal modelo vem gerando

diferentes problemas estruturais na sociedade alagoana. A população em geral continua

com baixos níveis educacionais e com pouca

conscientização política acerca dos seus direitos. Além de uma situação generalizada de pobreza nas pequenas cidades, a maioria da população é de baixa renda. Isso gera uma situação de

declarados em estado de calamidade pública; e 34, em estado de emergência. Morreram 55 pessoas e aproximadamente 150 mil indivíduos ficaram desabrigados. As consequências desse desastre ainda estão longe de serem solucionadas. Por

exemplo, seis meses depois do ocorrido, das 50

mil casas a serem construídas, as obras só haviam começado em nove mil.


204

Desastres climáticos e vulnerabilidade social: a produção de espaços de risco no litoral norte do estado de Alagoas, Brasil

Dos 26 municípios afetados pelas enchentes em Alagoas em 2010, somente 11 contavam com

um coordenador municipal de Defesa Civil na 2

operação . A existência de Defesa Civil é essencial 2 - Municípios com Defesa Civil em Alagoas afetados pelas enchentes de 2010: Atalaia, Branquinha, Cajueiro, Capela, Maceió (capital), Maragogi, Marechal Deodoro, Quebrangulo, Rio Largo, São José da Laje e Viçosa. Municípios sem Defesa Civil:

não só na assistência direta às pessoas afetadas

pelas tragédias, como também, e especialmente,

para a prevenção, procurando formar a população para que ela possa fazer frente aos desastres. Que resposta institucional se pode esperar para fazer

frente a esses eventos? Ademais, isso é obrigatório

por lei para que as prefeituras possam receber ajuda financeira de fundos de emergência da União.

Campestre, Colônia de Leopoldina, Ibateguara, Jacuípe, Joaquim Gomes, Jundiá, Matriz do Camaragibe, Murici, Paulo Jacinto, Santa Luzia do Norte, Santana do Mundaú, São Luís do Quitunde, Satuba, União dos Palmares e Passo de Camaragibe.

Figura 2 – Mapa de Alagoas, bacia do rio Mundaú e municípios com inundação em 2010

Fonte: elaboração dos autores.


205

As devastadoras enchentes em Alagoas e

No entanto, as enchentes não são fato novo nesses

às precárias condições de manutenção dos diques

professor da Universidade Federal de Alagoas, a

Pernambuco em 2010 também estão vinculadas

(figura 3) das bacias dos rios Mundaú e Paraíba.

Esses diques encheram muito rapidamente com as fortes tempestades e se romperam um após outro, criando um efeito cascata rio abaixo.

dois Estados brasileiros. Segundo Valmir Pedrosa, cada dez anos acontece uma enchente catastrófica na bacia dos rios referidos3. Na enchente do ano de 1969, por exemplo, aproximadamente mil

pessoas faleceram. No rio Mundaú, as enchentes aconteceram em 1987, 1988 e 2000.

3 - Disponível em: <http://www.anovademocracia.

com.br/no-67/2909-alagoas-e-pernambuco-aposas-terriveis-enchentes>. Acesso em: 18 jun.2012.

Figura 3 – Dique rompido nas enchentes de 2010 na cidade de Rio Largo

Fonte: <http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/a-origem-do-tsunami-que-varreu-o-nordeste> (18 jun. 2012).

6 - A BACIA DO MUNDAÚ

bacia se encontra em Alagoas. O rio Mundaú é o mais ocupado de toda a bacia, verificando-se

A bacia do rio Mundaú possui uma superfície de 4.126km², dos quais 52,2% correspondem

ao estado de Pernambuco; e 47,8%, ao estado de Alagoas. Metade dos trinta municípios da

esgotamento dos seus ativos ambientais. Além de

haver quatro usinas de cana-de-açúcar localizadas ao longo do rio, ele ainda serve para a irrigação e

fornece água para as usinas açucareiras e destilarias de álcool. Também gera energia, proporciona areia


206

Desastres climáticos e vulnerabilidade social: a produção de espaços de risco no litoral norte do estado de Alagoas, Brasil

para a construção, é uma fonte de lazer e pesca e

1993). No entanto, embora o risco esteja presente

que atravessa.

que fazem cada grupo social reagir de maneira

fornece água para praticamente todas as cidades

para todos, são as relações sociais de produção diferente diante da periculosidade. A equação

Assim, ao longo da bacia do rio Mundaú, que é

social das perdas ocasionadas por desastres naturais

de ambientes muito vulneráveis, existem várias

à adaptação. Ou seja, quanto menos renda e

com os mangues, o cultivo da cana-de-açúcar, as

e a dificuldade de voltar à “normalidade” da

a pesca, a recreação, as atividades culturais e as

riqueza que outrora, continuam existindo as

especialmente na cidade de Marechal Deodoro.

ativos ambientais, especialmente nas regiões menos

uma zona de alta produtividade primária, porém

é inversamente proporcional à recuperação e

atividades: atividades ecológicas relacionadas

riqueza, maiores serão os danos produzidos

atividades da indústria petroquímica, o turismo,

vida cotidiana. Embora atualmente exista mais

de preservação do patrimônio histórico – esta

desigualdades sociais, a pobreza e o consumo dos desenvolvidas do planeta.

Assim como é importante conhecer os limites

ecológicos da bacia, também acaba sendo relevante

levar em consideração os aspectos socioeconômicos, territoriais e políticos da população envolvida com

áreas passíveis de sofrerem enchentes catastróficas.

Esse conhecimento se transforma num importante desafio para o planejamento urbano e para o gerenciamento de riscos nas regiões menos

desenvolvidas. As geotecnologias e a abundância de dados especiais disponíveis permitiriam alcançar o

sucesso neste desafio. No entanto, será a técnica ou a política o maior desafio nessa configuração?

7 - CONCLUSÕES

No mundo atual, é possível ver com clareza o

contexto de dependência econômica e tecnológica

dos países menos desenvolvidos. Tais dependências não só submetem esses países aos interesses

sociais das grandes empresas transnacionais,

como também determinam a sua inserção no

processo de globalização. Este é um processo que está provocando profunda transformação nos

meios de produção e na divisão do trabalho, com a incorporação sistemática de novas formas de desenhar, criar e organizar o espaço. As velhas

estruturas de produção têm se visto afetadas, assim como estão sendo criadas novas, modificando o

uso do espaço e, provavelmente, da renovação das

“DEL DICHO AL HECHO HAY MUCHO TRECHO.” Ditado popular argentino

velhas estruturas de poder (FREIRE, 2012).

As novas hierarquias da geração e da apropriação de riqueza indicam que o capitalismo tem

O risco está no nosso cotidiano. A nossa vida

aperfeiçoado os seus instrumentos, o manejo mais

a diferentes periculosidades. O desenvolvimento

Em nome do desenvolvimento socioeconômico

moderna modificou a forma como gerenciamos

nacionais, determinados governos priorizaram o

confiança no saber especializado (GIDDENS,

emergentes da América Latina. Nos últimos anos

pós-moderna nos acarreta situações de exposição

ágil das escalas e o uso do ambiente construído.

científico e tecnológico da nossa sociedade

e do consequente aumento das receitas brutas

as nossas atividades, desenvolvendo uma grande

agronegócio exportador, especialmente nos países


207

deste século, esse modelo tem gerado muita riqueza

O conhecimento é a chave da civilização moderna.

resolvido a histórica concentração do capital. No

particularmente para as ciências sociais, é

acontecido no outro lado do sistema. Observamos

(inclusive aquelas que capturam, analisam e

outras mudanças no clima global, também fez com

sociais) podem ajudar um conjunto mais amplo

aos fenômenos climáticos, ou seja, a capacidade do

problemas, novas soluções.

depois de ser afetado pela ação das perturbações

E essas novas soluções não são alocadas

para o sistema, embora frequentemente não tenha

Não conseguimos viver sem ele. Dessa maneira,

entanto, efeitos supostamente não esperados têm

interessante investigar como as novas tecnologias

que o consumo dos ativos ambientais, além de

mostram soluções espaciais para os problemas

que diminuísse a resiliência das cidades em relação

da sociedade na tomada de decisões. Para antigos

sistema urbano para voltar ao seu estado original externas.

As mudanças nos sistemas hidrológicos

associados com as atividades humanas também estão interferindo no ciclo da água nas bacias hidrográficas. A construção de represas para a proteção contra a seca, para a produção de

eletricidade, para a irrigação e para o consumo

somente em campo tecnológico, mas também

fundamentalmente na política. É esta que devemos modificar. No nosso estudo de caso, por exemplo,

vemos que em cada inundação em Alagoas sempre se repetem as ações pós-desastres: militarização da ajuda aos desabrigados, liberação de fundos

de emergência e promessas de reconstrução de

casas, escolas e edifícios públicos. As autoridades

humano, associada com as medidas regulamentares,

declaram guerra ao meio ambiente: “A culpa foi

temporal dos fluxos dos rios, que também afeta a

sistema social funcionando conforme a sua própria

cursos de água, da fauna e da flora circundantes

inesperado é, na verdade, o que se poderia esperar

provoca mudanças na distribuição espacial e

do rio!” Oculta-se o fato de que, na realidade, é o

evaporação e a infiltração nas zonas próximas aos

normalidade que determina o desastre. Ou seja, o

(CHRISTOFOLLETI, 1999).

de tal configuração socioespacial.

As inundações catastróficas têm gerado

significativas perdas humanas e materiais ao redor do planeta. Porém, são as diferentes capacidades de antecipação, resposta e reconstrução que cada sociedade possui diante do fenômeno

natural que medem a magnitude do desastre.

É o conhecimento das dimensões do risco que

permite a tomada de decisões de um determinado grupo social acerca da sua vida atual e futura.

A incerteza é um fator negativo para a vida dos

povos socialmente marginalizados, ao não lhes ser

permitido o exercício dos seus direitos e ter acesso ao conhecimento das próprias condições de risco em que vivem.

Foi devido a múltiplas causas que o desastre se

instalou: pelas precárias condições de manutenção dos diques nas bacias dos rios Mundaú e Paraíba e o desmatamento da vegetação nativa de suas

margens, especialmente para a monocultura da cana-de-açúcar. Disso resultaram a perda da

capacidade de retenção de água, a erosão do solo e a sedimentação do leito dos rios.

Outro grave problema é a falta de um adequado

planejamento urbano nas cidades, especialmente com a ocupação irregular ao longo das margens

dos rios durante episódios periódicos de chuvas

intensas. Esses fatores, juntamente com as chuvas


208

Desastres climáticos e vulnerabilidade social: a produção de espaços de risco no litoral norte do estado de Alagoas, Brasil

extremas relacionadas com as mudanças no sistema

Concluímos, então, que a vulnerabilidade social

novos desastres na área é muito maior agora do que

as pessoas tenham o direito de decidirem acerca

espaciais para os habitantes dessas cidades.

acerca dos riscos presentes e futuros. Direito a

climático global, significam que a probabilidade de

está envolvida com as condições políticas para que

antes. Portanto, continuam existindo as armadilhas

de suas vidas com o maior conhecimento possível

Ainda é possível prevenir e mitigar as catástrofes, adotando medidas que permitam evitar impactos

negativos sobre a população, os bens, os serviços e

morarem nas áreas seguras da cidade, bem como terem acesso à seguridade social, ao trabalho, à

saúde, à educação e à proteção do meio ambiente. Prevenir é possível.

o meio ambiente, como também aquelas destinadas a atenuar e reduzir os impactos negativos

8 - BIBLIOGRAFIA

(NATENZON, 2010). Neste caso, procura-se a

gestão participativa do risco, atuando-se, pois, sobre a vulnerabilidade social na normalidade

ARAGÓN, G. Construcción y reconstrucción del desastre. México, D.F.: Plaza y Valdés, 2011.

e diminuindo-se a incerteza com a tomada de medidas de precaução.

Dessa maneira, as geotecnologias podem significar um avanço em termos dos conhecimentos necessários para a elaboração de políticas

BAUMAN, Z. 44 Cartas desde el mundo líquido. Madrid: Espasa Libros, 2011.

BLAIKIE, Piers; CANNON, Terry; DAVID, Ian; WISNER, Ben. Vulnerabilidad: El entorno social, politico y económico de los desastres. Lima: A Rede, 1996.

públicas participativas que permitam considerar a pluralidade de interesses e perspectivas dos

diferentes atores e grupos sociais em jogo. Foi dessa

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Mudanças climáticas e suas implicações para o nordeste. Brasília 2010.

forma que nas últimas décadas a cartografia digital expandiu a sua acessibilidade com o objetivo de

satisfazer os interesses específicos de grupos sociais tradicionalmente marginalizados.

No entanto, da mesma forma que muitas outras

CARVALHO, Cícero Péricles de Carvalho. Economia popular: uma via de modernização para Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2005.

CEREZO, J.; LÓPEZ, J. Ciencia y política del riesgo. Madri: Aliança, 2000.

ciências, a cartografia não é neutral. Como num jogo de tensão, pode servir tanto para mostrar

quanto para ocultar os objetos de modo a fazer

CHRISTOFOLETTI, A. Modelagem de Sistemas Ambientais. São Paulo, SP: Edgard Blücher, 1999. 215 p.

valer ou ocultar os direitos, a fim de potencializar ou submeter os grupos sociais. Dessa forma, podemos dizer que o limite da técnica é, na realidade, a política.

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211

U MA A NÁLISE C AUSAL DAS E NCHENTES E E NXURRADAS NA Z ONA DA M ATA DE P ERNAMBUCO À L UZ DOS P RINCÍPIOS DA P REVENÇÃO E DA P RECAUÇÃO Antônio Duarte De Lima Júnior 1 - INTRODUÇÃO

No presente trabalho, serão discutidas as causas e a prevenção das

inundações em Pernambuco à luz dos princípios da prevenção e da precaução, no contexto de duas atividades econômicas causadoras

ou agravantes desses desastres ambientais: as práticas predatórias da

monocultura da cana-de-açúcar e a extração irregular de areia dos rios,

cujos potenciais ofensivos à vida, ao meio ambiente e aos direitos sociais são francamente subestimados.

Em Pernambuco, nos últimos anos, a Zona da Mata Sul foi castigada

inúmeras vezes por graves inundações, que ocasionaram mortes, milhares de desabrigados, graves perdas econômicas e gasto de vultosas somas de

impostos, arrecadados com sacrifício da Nação, com finalidade reparadora dos desastres.

Contesta-se a visão das inundações como fenômenos exclusivamente

naturais, não obstante a dificuldade na demonstração do nexo de causalidade e na responsabilização pelos danos ambientais, devido à complexidade inerente a esse tipo de dano e também devido às concepções jurídicas tradicionais.


212

Uma Análise Causal Das Enchentes E Enxurradas Na Zona Da Mata De Pernambuco À Luz Dos Princípios Da Prevenção E Da Precaução

Defende-se a imputação causal e a

responsabilização com fundamento na

verossimilhança e probabilidade, e propõe-

se o uso de indicadores de risco de desastres,

instrumento de tomada de decisão, na evidenciação da causalidade e para implementação de políticas públicas.

ocasionam ou agravam as inundações, estas sim causadoras imediatas de mortes e de inúmeras perdas e danos materiais.

Como, então, buscar eficácia na aplicação

do Direito? Há dificuldades em saber quem

responsabilizar, já que no Direito busca-se o liame direto entre ação e fato consequente ou então os

2 - A EVOLUÇÃO DOS DESASTRES NATURAIS E OS SEUS EFEITOS

danos são imputados a causas naturais, tornando

possível que ninguém seja responsabilizado. Mas, na nova realidade em que vivemos, as relações de

causa e efeito não raramente serão mediatas; causas Embora predomine a visão de que o Direito

tutela as coisas somente em razão dos homens,

é necessário que existam ordem, solidariedade e

limites à ação humana, no tocante às inundações

isoladamente consideradas poderão ou não ser

suficientes, mas decerto são causas contribuintes ou agravantes e devem ser cessadas, para que cessem os seus efeitos.

na Zona da Mata de Pernambuco. O fundamento dessas pretensões são dois princípios do Direito

Ambiental – o princípio da precaução e o princípio da prevenção.

O fenômeno das enchentes é complexo e resulta

não só de acontecimentos naturais, mas também

de diversas condutas humanas, algumas tipificadas como crimes ambientais, capazes inclusive de ameaçar o direito à vida e a concretização de direitos fundamentais.

No cenário que será discutido, tem-se a um só tempo uma multiplicidade de ações humanas,

relacionadas ou não umas com as outras, praticadas não raramente em localidades diversas de onde os

seus efeitos se materializarão, movidas por diversas

2.1 A SOCIEDADE DE RISCO E IMPLICAÇÕES JURÍDICAS PARA O TEMA

Para Ulrich Beck (2010),

“o reverso da natureza socializada é a socialização dos danos à natureza, sua transformação em ameaças sociais, econômicas e políticas sistêmicas da sociedade altamente industrializada”. Nesta sociedade de risco, os “sistemas jurídicos

não dão conta das situações de fato” (p. 7-10).

intenções, frequentemente voltadas para o alcance

Neste contexto de pós-modernidade, Leite e

os riscos de danos a outrem –, e que, combinadas

em gerir riscos imprevisíveis, em abstrato, em

eventualmente ou potencialmente influenciados

racionalidade jurídica clássica. Daí defenderem o

de interesses econômicos – nas quais são tolerados

Belchior (2012, p. 13-18) ressaltam a dificuldade

com fenômenos da natureza (chuvas intensas) –

virtude das incertezas científicas e perante a

ou não pela ação humana (aquecimento global) –,

uso de instrumentos preventivos e de precaução, num sistema de responsabilidade adaptado para


213

reexaminar o nexo de causalidade, a tolerabilidade,

Na lesão clássica, há elementos certos e de mais

2.2 TENDÊNCIA AO AUMENTO NA FREQUÊNCIA DE DESASTRES NATURAIS E NO GASTO PÚBLICO DESTINADO À RECUPERAÇÃO NOS CENÁRIOS PÓS-DESASTRE

ambiental, embora o ordenamento jurídico

No Brasil, em 2010, ocorreu uma das maiores

a aceitabilidade, a exclusão de responsabilidade e, ainda, a complexidade da lesividade ambiental.

fácil comprovação do liame causal. No dano

brasileiro adote a teoria da responsabilidade civil objetiva (independentemente de culpa), o nexo causal deve ser comprovado. Mas há, segundo

Leite e Belchior (2012, p. 28), dificuldades em definir

o poluidor devido à presença de muitos agentes, de várias condutas cumulativas e de diferentes

espaços físicos. Esses autores propõem que o liame entre ação e dano seja demonstrado mediante

instrumentos flexíveis, como a verossimilhança e a probabilidade.

inundações que já atingiu os estados de

Pernambuco e Alagoas. O governo federal

transferiu para os estados e municípios atingidos cerca de R$ 2 bilhões, destinados à recuperação

dos cenários dos desastres (BRASIL, 2011). Mas,

em 2011, novas inundações ocorreram, com novas destruições.

A tendência é de aumento anual do gasto de

recursos públicos em decorrência dos desastres

(conforme figura 1) – totalizaram R$ 4,3 bilhões entre 2004 e 2010.

Figura 1 – Transferências de recursos do governo federal relativos a desastres, entre 2004 e 2010

Fonte: elaboração do autor a partir de dados do Portal da Transparência (2011).


214

Uma Análise Causal Das Enchentes E Enxurradas Na Zona Da Mata De Pernambuco À Luz Dos Princípios Da Prevenção E Da Precaução

Ademais, há expectativa de aumento da frequência

Dentre esses indicadores, está o Índice de

Atlântico (SIRVINSKAS, 2013, p. 742). A se

2007), que leva em conta crescimento demográfico,

climática global, os gastos públicos tenderão a ser

desemprego, degradação do solo causada por ação

de tempestades devido ao aquecimento do Oceano confirmar a previsão de agravamento da situação cíclicos e crescentes. Questiona-se, pois, se não

caberia imputar ao menos parte desses prejuízos

aos responsáveis pelas atividades potencialmente causadoras ou agravadoras dos desastres. 1

O Banco Mundial estimou em R$ 3,2 bilhões

perdas e danos provocados pelas enchentes em Pernambuco em 2010, concentrados no setor

social: R$ 2,3 bilhões em 16 mil casas populares destruídas.

Estudos apontam semelhante tendência de

aumento dos desastres ambientais e elevado custo

das inundações na América Latina e na Ásia, sendo mais vulneráveis as populações mais pobres dos

países subdesenvolvidos, que sofrem maiores riscos (ASIAN DEVELOPMENT BANK, 2010; BANCO

INTERAMERICANO DE DESARROLLO, 2007).

Os referidos organismos apontam a vantagem das ações preventivas e propõem o fortalecimento das comunidades mais vulneráveis para lidarem mais efetivamente com os eventos adversos.

2.3 O USO DE INDICADORES DE RISCO NA PREVENÇÃO DE

Vulnerabilidade Prevalente (IVP) (CARDONA,

densidade populacional, níveis de pobreza e

humana, proporção dos gêneros, gastos sociais e

seguros de infraestrutura e moradia. Esse indicador permite prever a hipossuficiência das populações mais provavelmente atingidas pelas calamidades

públicas, agravada pelas atividades econômicas, como será visto adiante. Já o Índice de Déficit de Desastres indica uma elevada incapacidade dos países da América Latina em fazerem frente a desastres extremos.

Se com o uso de indicadores é possível prever

a vulnerabilidade a desastres ambientais e se a

vulnerabilidade da população está relacionada com

a intensidade das perdas e danos, impõe-se a adoção de condutas capazes de mitigar esses desastres e os seus efeitos sobre as populações vulneráveis,

assim como a vulnerabilidade das cidades e das

suas populações, além de ser necessário discutir as

eventuais responsabilidade e obrigação de reparação.

3 - OS PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO E DA PRECAUÇÃO E A GESTÃO DOS RISCOS AMBIENTAIS

DESASTRES AMBIENTAIS O dano ambiental é abrangente e complexo, pode ser Organismos financeiros internacionais (ASIAN DEVELOPMENT BANK, 2010; BANCO

INTERAMERICANO DE DESARROLLO, 2007)

irreversível ou de difícil reparação: há circunstâncias em que os riscos tornam-se indeterminados,

imperceptíveis, invisíveis, há grande incerteza e é

propõem o uso de indicadores de risco como

possível que muitos deles se manifestem apenas

ambientais ligados ao aquecimento global.

comportamentos massificados, que tenham efeitos

ferramentas para enfrentamento dos desastres

1 - BANCO MUNDIAL. Avaliação Preliminar de Perdas e Danos. 2012. Dados não publicados.

na geração seguinte. Esses podem decorrer de

cumulativos e sinérgicos, e que gerem consequências em lugares distantes (BAHIA, 2012, p. 56-63).


215

Os princípios da prevenção e da precaução têm

Enquanto os riscos das sociedades industriais são

do dano ambiental. Diversos autores definem

sociedades de risco (pós-industriais) são abstratos

grande importância no contexto de prevenção

e discutem a aplicação dos referidos princípios (FIORILLO, 2007; CRETELA NETO, 2012;

LEITE; AYALA, 2012; LEITE; BELCHIOR, 2012; LEMOS, 2012), embora nem sempre se divise uma

clara distinção entre eles.

concretos e calculáveis, os riscos característicos das e de complexa atribuição causal, requerendo

avaliação probabilística, contrastando o provável

e o improvável, dada a ausência de conhecimento

científico seguro sobre as suas possíveis dimensões. Risco e perigo devem ser distinguidos. A ilicitude

da ação dependerá da magnitude (irreversibilidade), De um modo geral, o princípio da prevenção

da probabilidade da ocorrência do risco e do grau

conhecidas as relações de causa e efeito entre a ação

(CARVALHO, 2013, p. 73-79, 217).

provavelmente ocorrerá, caso a ação seja praticada.

Assim, o risco a que se sujeitam as populações

aplica-se às situações em que já são razoavelmente

de tolerabilidade à gravidade das possíveis lesões

que se pretende prevenir e o dano ambiental que Permite a adoção de avaliação entre custos e

benefícios; como é possível prever ou estimar os

danos decorrentes da ação, busca-se evitá-los ou

minimizá-los, de modo que sejam menores do que os benefícios decorrentes da ação.

mais pobres em áreas de maior vulnerabilidade a desastres ambientais deve resultar em menor tolerância às atividades geradoras dos riscos

ambientais. Segundo a terminologia utilizada

pelas Nações Unidas (NACIONES UNIDAS, 2012,

p. 2-7), na Estratégia Internacional para a Redução

Já o princípio da precaução aplica-se às situações

dos Desastres (EIRD), o risco resulta da interação

da ação, ou em que ainda não há certeza da

local. O risco de desastre será tão maior quanto

e o dano ambiental porém há plausibilidade na

ameaças e quanto maiores os perigos. A degradação

pode ser relevante, caso ocorra, por precaução,

vulnerabilidade, da frequência e intensidade dos

ser inaceitáveis, os efeitos podem ser irreversíveis,

processo de acumulação de risco.

significativamente os benefícios auferidos da ação.

Segundo Lemos (2012, p. 117), nos danos ao

em que há incerteza quanto aos efeitos decorrentes

entre o perigo (evento físico) e a vulnerabilidade

existência de relação de causa e efeito entre a ação

maior for a vulnerabilidade da população exposta às

hipótese de relação causal. E, dado que o dano

ambiental pode contribuir para o incremento da

deve ser evitada a prática da ação. Os riscos podem

perigos / ameaças. Um desastre é o resultado do

os prejuízos podem ser insuportáveis ou superar

meio ambiente, aplicam-se os pressupostos da

Carvalho (2013, p. 72) ressalta a maior complexidade

responsabilidade civil objetiva e devem estar

nas sociedades de risco, quanto à sua existência e

causalidade. A prova do nexo “é requisito sine

probatória das novas formas de perigos e de riscos

presentes ação ou omissão, dano e nexo de

consequências nocivas, recaindo incerteza sobre

qua non da responsabilização”. Porém, dadas

as relações de causa e efeito, com repercussão no Direito Ambiental.

as grandes dificuldades fáticas e jurídicas para

provar o nexo causal, aplicam-se princípios do

Código de Defesa do Consumidor (LEMOS, 2012,

p. 167-172).


216

Uma Análise Causal Das Enchentes E Enxurradas Na Zona Da Mata De Pernambuco À Luz Dos Princípios Da Prevenção E Da Precaução

Nos casos de dano ou sério risco de dano

Assim, critica-se a aceitação das inundações

que o autor da ação prove o nexo causal, o que

sentido, Ximenes (2010, p. 11-109) questiona a visão

ambiental, não se pode impor indistintamente

remeteria a uma situação de probatio diabólica,

devido à iniquidade prática que pode inviabilizar pretensões legítimas (LEMOS, 2012, p. 167-172).

Daí serem estabelecidas presunções de causalidade, sendo o verdadeiro aquilo que é provável, o

que costuma acontecer, segundo a experiência. Ocorre então uma flexibilização dos critérios

probatórios e, em determinadas situações, aceitase a verossimilhança, a presunção de causalidade, ou pode ser aplicada a inversão do ônus da prova (LEMOS, 2012, p. 167-172).

como fenômeno exclusivamente natural. Neste

reducionista das enchentes – com origem natural e climática –, que leva à aceitação pacífica do

problema, sem possibilidade de solução. Para a

autora, as ações humanas são responsáveis pela magnitude e gravidade desse tipo de desastre,

atuando como fatores intensificadores e agravantes. E é esta a hipótese que se pretende reforçar. Na equação das inundações, destacam-se o

desmatamento, como causa do aumento da vazão

dos rios; o assoreamento dos rios, ligado à grande erosão na agricultura predatória; e a ocupação e o

4 - UMA VISÃO EMPÍRICA DA GÊNESE DAS INUNDAÇÕES NA ZONA DA MATA SUL DE PERNAMBUCO E DOS DANOS DECORRENTES Neste tópico, serão apresentadas evidências –

incluindo critérios empíricos, de verossimilhança e de probabilidade – que dão sustentação à

hipótese de que a exploração de certas atividades econômicas atuam como causas contribuintes ou como fatores de agravamento das inundações na Zona da Mata de Pernambuco – em especial a monocultura da cana-de-açúcar, assim como a

extração irregular de areia do leito e das margens dos rios.

uso desordenado do solo urbano, relacionados à

vulnerabilidade socioeconômica das populações,

que, por sua vez, tem raízes na opção econômica pela monocultura da cana-de-açúcar.

4.1 INDICADORES SOCIAIS E ECONÔMICOS DE VULNERABILIDADE ÀS INUNDAÇÕES NA ZONA DA MATA Observa-se que todos os municípios da Zona da

Mata Sul de Pernambuco em estado de calamidade pública após as inundações de 2010 e 2011 têm algumas características em comum, conforme ilustrado na tabela a seguir:


217

Tabela 1 – Perfil dos municípios da Zona da Mata de Pernambuco em estado de calamidade pública após as inundações de 2010 e 2011 ÍNDICE DE

MUNICÍPIO

DESENVOLVIMENTO HUMANO (2000)

TAXA DE

DENSIDADE

TAXA DE

DEMOGRÁFICA

URBANIZAÇÃO

(HAB/KM2)

(%)

PRINCIPAL

RENDA

ANALFABETISMO

CULTURA

PER CAPITA

15 ANOS E MAIS

AGRÍCOLA E

(%)

PECUÁRIA1

Água Preta

0,597

60,84

56,61

65,5

39,60

Cana-de-açúcar e bovinos

Barreiros

0,635

174,49

83,42

93,22

30,76

Cana-de-açúcar e bovinos

Catende

0,644

182,82

76,33

104,19

33,94

Cana-de-açúcar e bovinos

Cortês

0,582

122,94

63,45

74,18

36,09

Cana-de-açúcar e bovinos

Jaqueira

0,588

129,22

61,57

65,03

39,94

Cana-de-açúcar e bovinos

Maraial

0,564

62,46

70,03

60,57

42,77

Cana-de-açúcar e bovinos

Palmares

0,653

176,71

78,76

134,47

27,78

Cana-de-açúcar e bovinos

Primavera

0,632

122,24

63,84

84,88

32,67

Cana-de-açúcar e bovinos

Xexéu

0,561

127,18

65,04

64,99

43,94

Cana-de-açúcar e bovinos

Fonte: elaboração do autor com dados de <http://www.bde.pe.gov.br> e <http://www.pnud.org.br>.

As características em comum daqueles municípios

em calamidade pública (e também para muitos em situação de emergência) são as seguintes:

a) o cultivo da cana-de-açúcar e a criação de bovinos são as principais atividades agropecuárias;

b) dado que são municípios rurais, possuem elevada

densidade demográfica – a mediana da densidade demográfica dos municípios do estado é de 87,61 hab/km²;

c) têm elevadas taxas de analfabetismo – a taxa de

analfabetismo em Pernambuco é de 18%, sendo que na zona rural é de 34%;

d) têm baixa renda per capita;

e) têm IDH 2000 inferior ao do Estado de Pernambuco, que é de 0,705;

f ) possuem elevada taxa de urbanização, embora sejam municípios rurais.

Observa-se que estão presentes variáveis que

contribuem direta ou indiretamente para um Índice de Vulnerabilidade Prevalente (IVP) elevado –

índice descrito em tópico anterior. Destacam-se do IVP: taxa de crescimento populacional e densidade populacional (ligados à densidade demográfica); degradação antropogênica do solo, índice de

sustentabilidade ambiental, terra arável e cultivos

permanentes em percentual da área do solo (ligados à monocultura canavieira e criação de bovinos); índice de pobreza humana, dependência da


218

Uma Análise Causal Das Enchentes E Enxurradas Na Zona Da Mata De Pernambuco À Luz Dos Princípios Da Prevenção E Da Precaução

população vulnerável da população com capacidade

Uma recente dissertação de mestrado em engenharia

Índice de Desenvolvimento Humano (ligados aos

que em áreas cultivadas com cana-de-açúcar e pastagem

de trabalhar, desigualdade social, desemprego e

civil da UFPE (ALBUQUERQUE, 2010, p. 7) revelou

baixos IDH); taxa de crescimento urbano (ligado à

bovina a vazão do rio é sete vezes maior do que nas áreas

elevada taxa de urbanização observada).

florestadas:

Efeitos socioeconômicos e ambientais negativos da

“enquanto a vazão que alcançou o rio na área

e Silva Júnior (2009) e por Ávila et al. (2011). Estes

quilômetro quadrado, na área de pasto e cana

monocultura canavieira são descritos por Machado

de floresta foi de 24,7 litros por segundo a cada

incluem a degradação ambiental, diminuição

esse número chegou a 177,6 litros” (FALCÃO,

das culturas temporárias relevantes para a cesta

básica, trabalho análogo ao escravo, dependência econômica e baixa equidade na distribuição dos benefícios econômicos.

Em Recife, a Associação dos Geógrafos Brasileiros (2010) atribui à monocultura da cana-de-açúcar, e

não apenas às chuvas, a causa dos danos provocados pelas inundações, devido à destruição ambiental e aos efeitos socioeconômicos negativos. Neste

2011a).

Em termos simples: em Pernambuco, a mata ciliar

foi praticamente substituída pela cana-de-açúcar, e a

redução das áreas de preservação permanente (APP)

pode agravar as inundações no estado, pois é a vegetação

das margens do rio que protege contra a erosão, promove a infiltração da água no solo, retém sedimentos e

controla a velocidade de escoamento (FALCÃO, 2011b).

sentido, Fonseca (2010, p. 21) afirma que a principal

Não sem motivo, em 2013, foi noticiada a aplicação

aumento da vulnerabilidade socioambiental.

cana-de-açúcar de Pernambuco, pela prática de crime

Os indicadores anteriormente mencionados

de proteção contra as chuvas e inundações vêm sendo

implementação de medidas de gestão dos riscos

e destruições relacionadas às chuvas está se agravando a

causa dos desastres naturais de origem hídrica é o

de multa de mais de R$ 120 milhões a 24 usinas de

ambiental (G1, 2013). Uma vez que os fatores naturais

oferecem uma infinidade de orientações para a

progressivamente destruídos, a situação das inundações

ambientais. Quaisquer ações que mitiguem

cada ano que passa.

negativos tenderão a mitigar também os riscos, as

A erosão é a mais grave das consequências decorrentes

consequentes.

vegetal dos solos é provocada pela agricultura e pela

os fatores correspondentes aos indicadores

vulnerabilidades, os desastres ambientais e os danos

4.2 - A RELAÇÃO ENTRE MONOCULTURA DE CANA-DEAÇÚCAR, DESMATAMENTO, EROSÃO DO SOLO, ASSOREAMENTO E VAZÃO DOS RIOS

da atividade humana no solo. A perda da cobertura pecuária, e decorre do desmatamento e do uso de produtos químicos (SIRVINSKAS, 2013, p. 445).

Braga et al. (2012, p. 495-504) explicam que a quantidade

de sólidos está diretamente associada ao uso da terra. A pecuária e o plantio de cana-de-açúcar facilitam

a remoção e o deslocamento, através das chuvas, de


219

partículas do solo para os leitos de água, causando assoreamento, o que poderia ser prevenido

mediante plantio de matas ciliares. Achados

4.3 - VISÃO EMPÍRICA DA DINÂMICA DAS INUNDAÇÕES NA ZONA DA MATA

semelhantes ocorreram em outros estudos no Rio de Janeiro (AGEVAP, 2013, p. 10) e em Piracicaba,

São Paulo (MONTEBELO et al., 2005). Neste 2

último, nas áreas de risco de erosão alto e muito alto das APPs da bacia, predominaram a canade-açúcar (52%) e as pastagens onde deveria predominar a cobertura florestal.

As inundações fazem parte da realidade de

Pernambuco desde o tempo da colonização. As grandes inundações geralmente ocorrem entre junho e agosto. Os registros de inundações se

sucedem desse 1632 até os dias atuais (PE-AZ, 2011).

Num estudo em carreadores (vias locais)

Os rios que cortam os municípios da Zona da

estimadas perdas de solo variando entre 60,6 t.ha-

Agreste, em altitudes superiores a 500 metros

localizados em canaviais de São Paulo, foram

1.ano-1 e 90,1 t.ha-1.ano-1, consideradas muito

acima das perdas médias estimadas para o Estado de São Paulo (19 t.ha-1.ano-1). A produção de

sedimentos na malha viária após as chuvas poderia ser reduzida mediante técnicas viáveis mas com

custo superior, de modo que para a agroindústria é mais interessante manter como está, ou seja, a manutenção mais barata. Em consequência, há maior erosão (SCARPINELLA, 2012).

Em suma, a monocultura da cana-de-açúcar contribui como causa ou como fator de

agravamento das inundações, pois substituiu

quase que completamente a Mata Atlântica; o

desmatamento provoca significativo aumento na vazão dos rios; o desmatamento e as atividades

canavieiras causam erosão acentuada e provocam o aumento do volume de sedimentos que são

carreados para os cursos de água e reservatórios,

provocando seu assoreamento; e os rios assoreados transbordam mais rapidamente ao receberem maiores volumes de água.

2 - utilizandO a equaçãO universal de perda de sOlO (eups).

Mata Sul de Pernambuco se formam na região e distantes algumas dezenas de quilômetros do

litoral, onde atingirão o nível do mar. Ao percorrer essas distâncias e com essas diferenças de altitude,

as águas dos rios ganham velocidade rapidamente, com agravamento dos efeitos se os rios estiverem assoreados.

Tudo começa nos cortes do solo argiloso e de relevo acidentado, para construção de vias de

transporte no interior dos canaviais (os carreadores, anteriormente mencionados). A maior parte da

mata foi suprimida e não mais retém a água nem os sedimentos como antes. Nem mesmo os pequenos veios e córregos que drenam as águas que nascem das matas residuais são respeitados (fotografias 1 e 2).


220

Uma Análise Causal Das Enchentes E Enxurradas Na Zona Da Mata De Pernambuco À Luz Dos Princípios Da Prevenção E Da Precaução

Fotografia 1 – Água proveniente de resíduo de mata atravessa via local aberta em solo argiloso, ao lado de um canavial, no Município de Primavera (PE).

Fonte: foto do próprio autor.

Fotografia 2 – Curso de água passa por baixo de uma passagem aberta num canavial de Bonito (PE).

Fonte: foto do próprio autor.


221

Por essas vias, abertas de qualquer forma e da

diversos municípios que exploram a atividade,

maneira para a preservação ambiental –, se

replicam, em grande escala, formando uma enorme

cultivo da cana-de-açúcar. E, como a cultura existe

ambiente são facilmente percebidos (fotografias 3

maneira mais econômica – mas não a melhor

as más práticas e os fenômenos decorrentes se

deslocam tratores e caminhões utilizados no

teia de células fragilizadas. Os efeitos sobre o

nas inúmeras parcelas, fazendas e engenhos, nos

e 4).

Fotografia 3 – Erosão em estrada vicinal localizada em área de engenho no município de Primavera (PE)2.

Fonte: foto do próprio autor.


222

Uma Análise Causal Das Enchentes E Enxurradas Na Zona Da Mata De Pernambuco À Luz Dos Princípios Da Prevenção E Da Precaução

Fotografia 4 – Desmoronamento de talude em canavial, ao lado de estrada vicinal no município de Barreiros (PE).

Fonte: foto do próprio autor.

Já fragilizadas pela monocultura centenária, as

de retenção das águas e de sedimentos, iniciando

ou técnicas adequadas de engenharia causam

lama formada dificulta o trânsito de veículos e de

estradas abertas sem quaisquer cuidados ambientais

grandes processos erosivos. Em outras áreas, a

redução na capacidade de resistência do solo à ação

moradores da região (fotografias 5 e 6).

das chuvas e também reduzem a sua capacidade

Fotografia 5 – Lamaçal numa estrada vicinal entre canaviais, na área rural de Barreiros (PE).

Fonte: foto do próprio autor.


223

Fotografia 6 – Trator tenta avançar num lamaçal em estrada vicinal entre canaviais, na área rural de Barreiros (PE).

fOnte:fOtO dO própriO autOr.

Tal qual um sistema de capilares que se comunicam

temporariamente, mas logo romperá as estradas e

e carreiam grandes quantidades de sedimentos,

(fotografias 7 e 8). Logo, afluentes e rios principais

as margens das estradas vicinais e os canaviais.

serão destruídas.

com vasos maiores, as águas ganham velocidade

pequenas passagens molhadas ou bueiros existentes

que são levados por canais que se formam entre

estarão assoreados, pontes e passagens molhadas

Se existe algum obstáculo, a água se acumula

Fotografia 7 – Desmoronamento no entorno de uma passagem em estrada vicinal no município de Barreiros (PE).

fOnte: fOtO dO própriO autOr.


224

Uma Análise Causal Das Enchentes E Enxurradas Na Zona Da Mata De Pernambuco À Luz Dos Princípios Da Prevenção E Da Precaução

Fotografia 8 – Passagem molhada destruída no município de Pombos (PE).

fOnte: fOtO dO própriO autOr.

Como os rios estão assoreados e recebem maior

Tais estruturas provocam acumulação de águas

invadirão os terrenos do entorno, destruindo

barragens, embora sem controle, podendo causar

volume de água na estação chuvosa, as águas

lavouras, casas e outras construções. A situação

é agravada pela construção de grandes passagens

molhadas ou pontes, cujos projetos são impróprios

para o local, pois deveriam interferir minimamente com a passagem das águas, mas oferecem grande resistência ao fluxo das águas, além de resíduos carreados.

e resíduos e funcionam temporariamente como

alagamentos no entorno (fotografias 9 e 10), além de erosão nas margens dos rios, o que provoca alargamento em seus leitos.


225

Fotografia 9 – Grande “passagem molhada” entre São Joaquim do Monte e Agrestina (PE)3

Fonte: foto do próprio autor.

fOtOgrafia 10 – a água ganha energia aO passar pelas tubulações desses tipOs de cOnstruções.

Fonte: foto do próprio autor.

Por vezes, as passagens molhadas são rompidas e

liberam as águas momentaneamente acumuladas e grande quantidade de energia, num efeito cascata (fotografias 11 e 12).


226

Uma Análise Causal Das Enchentes E Enxurradas Na Zona Da Mata De Pernambuco À Luz Dos Princípios Da Prevenção E Da Precaução

Fotografia 11 – Passagem molhada da Barra do Riachão, destruída após a enchente de maio de 2011, em São Joaquim do Monte (PE).

Fonte: foto do próprio autor.

Fotografia 12 – Área severamente degradada no entorno da passagem molhada da Barra do Riachão, em São Joaquim do Montem (PE)4.

v§v

Fonte: foto do próprio autor


227

Nesse efeito cascata, de maiores altitudes e de

processo erosivo está associado à exploração de areia

afluentes, e chegando a altitudes cada vez menores

no canal fluvial.

e ganham mais energia e velocidade. Barragens

Estima-se que 73,5% dos efeitos da extração de areia

enxurradas ou enchentes.

irreversível (LELLES, 2005). Dentre os mais de 15

e aos rios principais assoreados, as águas se juntam transbordarão e nos rios ocorrerão grandes

Nos municípios mais baixos, próximos ao litoral,

dos rios são negativos, alguns dos quais de natureza efeitos negativos relacionados, destacam-se estes:

todo o volume de água e sedimentos liberados

• incidência de processos erosivos no solo;

todos os municípios ao longo do percurso dos rios,

• indução a uma instabilidade do solo nos ambientes

precocemente pelos solos e matas fragilizados, em

não encontrarão maior resistência: pontes, estradas

ribeirinhos;

e prédios públicos serão destruídos, cidades inteiras

serão inundadas, milhares de famílias perderão suas casas e ficarão desabrigadas, especialmente aquelas

multidões de pobres que ocupam as áreas próximas aos rios.

Trata-se de um ciclo autodestrutivo, porém

cada vez mais prejudicial. Observa-se aqui uma conjunção de fatores, tal qual foi descrito para

a sociedade de risco: produção social de riqueza acompanhada sistematicamente pela produção

social de riscos; socialização dos danos à natureza; risco abstrato; e irresponsabilidade.

• alteração da calha original dos cursos d’água; • possibilidade de interferência na velocidade e direção do curso d’água;

• desregularização da vazão dos cursos d’água, devido à erradicação da cobertura vegetal e da compactação do solo.

A extração de areia é irregular quando feita na ausência de licenciamento ambiental ou em

desconformidade com o licenciamento obtido,

causando degradação ambiental e contribuindo para a

4.4 - EXTRAÇÃO ILEGAL DE AREIA NOS RIOS DA ZONA DA MATA SUL DE PERNAMBUCO E O AGRAVAMENTO DAS INUNDAÇÕES

gênese ou para o agravamento das inundações. Daí a

maior atenção requerida no licenciamento ambiental,

na fiscalização e no combate às irregularidades, devido ao elevado potencial de dano ambiental decorrente da referida atividade.

Crimes ambientais de extração de areia de rios

são objeto frequente de notícias e de ações civis

A extração irregular de areia foi constatada em

nenhuma notícia relaciona diretamente a lavra

Pernambuco, a exemplo de Barra do Riachão entre

inundações.

(Batateiras), Bonito, Palmares e Barreiros, conforme

movidas pelo Ministério Público. Entretanto,

diversos municípios da Zona da Mata Sul de

ilegal às calamidades públicas decorrentes de

Agrestina e São Joaquim do Monte, Belém de Maria

Numa pesquisa realizada em Santa Catarina por Santos e colaboradores (2006), observou-se que o

exemplificado nas fotos a seguir (fotografias 13 e 14).

Todos esses são municípios atingidos pelas inundações em 2010 e 2011.


228

Uma Análise Causal Das Enchentes E Enxurradas Na Zona Da Mata De Pernambuco À Luz Dos Princípios Da Prevenção E Da Precaução

Fotografia 13 – Draga extraindo areia na Barra do Riachão, em São Joaquim do Monte (PE), divisa com Agrestina5.

Fonte: foto do próprio autor.

Fotografia 14 – Trator movimenta areia num terreno na Barra do Riachão (no alto, à esquerda), mesma localidade da foto anterior; no alto, à

direita, caminhão carregado de areia manobra na saída do terreno6.

Fonte: foto do próprio autor.


229

Outro caso foi documentado num terreno às

margens do Rio Una, na área urbana de Barreiros.

As fotos a seguir evidenciam a remoção de grandes quantidades de areia e o seu transporte para uso

em obras (fotografias 15 e 16). Em consequência, formou-se uma pequena enseada no rio, que

influencia a dinâmica hídrica, ocasiona erosão e assoreamento do rio (fotografias 17 e 18).

Fotografia15–Máquinamovimentaareiaparacarregamentodecaminhões,emterrenoàsmargensdo Rio Una, no lado oposto à área urbana de Barreiros (PE), no acesso a Baeté.

Fonte: foto do próprio autor.

Fotografia 16 – Caminhão sai carregado de areia do terreno apresentado na foto anterior7.

Fonte: foto do próprio autor.


230

Uma Análise Causal Das Enchentes E Enxurradas Na Zona Da Mata De Pernambuco À Luz Dos Princípios Da Prevenção E Da Precaução

Fotografia 17 – Pequena enseada já se formou nas margens do rio, no mesmo terreno das fotos anteriores8.

vvv§

Fonte: foto do próprio autor.

5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na pesquisa que originou o presente trabalho,

constatou-se que são crescentes os gastos públicos

decorrentes dos desastres ambientais – com ênfase nas enchentes –, nos quais os mais pobres sofrem desproporcionalmente mais danos.

certas práticas predatórias na exploração de atividades

econômicas – incluindo a monocultura da cana-de-açúcar e a extração irregular de areia dos rios –, associados a

um cenário de alta vulnerabilidade e pobreza, tendem

a agravar os desastres ambientais na região, juntamente com os prejuízos decorrentes destes; e também podem

O tripé condicionante da gênese e agravamento

das inundações na Zona da Mata de Pernambuco

é constituído por causas naturais, pela degradação ambiental no campo e pela ocupação e uso

desordenado do ambiente urbano. Neste contexto,

contribuir para aumentar o contingente de pessoas

afetadas, o que induzirá o aumento na demanda por

recursos públicos para reparar os prejuízos ocasionados pelas inundações.

é possível o uso de indicadores como auxiliar na

Os agentes que exploram os recursos naturais de forma

reparação de danos e convivência com as

do capital investido, mas às custas de intensa degradação

implantação de políticas públicas para prevenção,

predatória buscam a maior eficiência possível na aplicação

inundações.

ambiental e da elevação dos riscos de desastres naturais,

O crescimento das densidades populacionais,

vulneráveis situadas a distâncias variáveis dos locais em

das taxas de urbanização, os crimes ambientais e

os quais atingirão, no presente ou no futuro, populações que os danos ambientais são provocados.


231

Não obstante a existência de muitas evidências do liame causal entre a exploração de certas atividades econômicas e a ocorrência ou o

BAHIA, Carolina Medeiros. Dano Ambiental e Nexo de Causalidade na Sociedade de Risco. In: LEITE, José Rubens Morato (Coord.). Dano Ambiental na Sociedade de Risco. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 55-80.

agravamento de diversos danos ambientais, dos

quais decorrem as inundações na Zona da Mata

de Pernambuco, ainda que houvesse dúvidas sobre a relação de causalidade entre essas atividades e a ocorrência dos desastres, tais dúvidas não

justificariam a inércia do Estado. Com fundamento no princípio da precaução, pode ser aplicada a

inversão do ônus da prova contra o agente que

degrada o meio ambiente, e também aplica-se a

demonstração do liame de causalidade mediante

BANCO INTERAMERICANO DE DESARROLLO. Indicadores de Riesgo de Desastre y de Gestión de Riesgos. Programa para América Latina y el Caribe, Informe Resumido. 2. ed. 2007.

BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: Rumo a uma outra modernidade. São Paulo: 34, 2010.

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verossimilhança e probabilidade, com flexibilização

495-505, 2012.

responsabilização e o ressarcimento dos danos.

BRASIL. Lei 12.651, de 25 de maio de 2012. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 maio 2012.

dos critérios probatórios. Cabem a prevenção, a

6 - REFERÊNCIAS AGEVAP. Plano de Recursos Hídricos da Bacia do Rio Paraíba do Sul – Resumo. Anexo 7 do Relatório Contratual R-10. Disponível em: <http://www.ceivap.org.br/ downloads/ cadernos/GT-FOZ.pdf>. Acesso em: 4 maio 2013.

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7 - FOOTNOTES 1 - Maior valor da produção em reais e maior efetivo dos rebanhos, respectivamente.

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2 - A estrada foi recuperada antes da estação chuvosa, meses antes, para a colheita da cana-de-açúcar, segundo informado por moradores locais. 3 - Na verdade, uma estrutura intermediária entre uma passagem molhada e uma ponte, mas que exerce efeito análogo a uma barragem. 4 - Nota: Ocorreu destruição de algumas casas após a enchente nessa localidade.

NACIONES UNIDAS. Anexo 1 - Terminología: Términos


233

5 - A areia é depositada no terreno às margens do rio. O leito do rio está em primeiro plano e a draga já formou lagoas, às margens do rio, com extensa degradação ambiental. 6 - Em primeiro plano, a passagem molhada parcialmente destruída pela enxurrada, após recuperação da inundação de 2010. 7 - Diversos caminhões estavam no local e houve outros carregamentos na localidade.

8 - A retirada de areia do local já compromete a forma e integridade do terreno, além de afetar a circulação de água. 9 - A imagem do satélite não reflete mais a situação atual do terreno, pois nela ainda são visíveis diversas árvores em estado preservado e a margem do rio em seu estado normal, ainda com vegetação.


235

C IDADES E D ESASTRES N ATURAIS – DA V ULNERABILIDADE À R ESILIÊNCIA Carlos Machado de Freitas Elisa Francioli Ximenes 1 - INTRODUÇÃO

Dentre os sete temas prioritários para debates na Rio+20 em 2012, dois se encontram intimamente relacionados entre si e constituem desafios para o

século XXI: Cidades e Desastres. Para desenvolver de modo articulado esses dois temas, de grande importância na atualidade, organizamos este capítulo. Primeiramente, abordamos o que são os “desastres naturais”, dentro de um enfoque ampliado que tem como base a Estratégia Internacional para a Redução de Desastres (EIRD) da Organização da Nações Unidas.

Em seguida, demonstramos como, a partir da Revolução Industrial, a

humanidade mudou o padrão energético, cresceu muito e passou a viver

nas cidades, demonstrando como esses processos foram simultaneamente produzindo desigualdades e gerando condições e cenários de risco que consolidam as atuais vulnerabilidades socioambientais nos territórios, propiciando assim a ocorrência dos desastres.

Seguimos abordando o tema – as cidades e os desastres – trazendo dados

sobre o crescimento populacional e urbano global, os cenários futuros para as cidades e a ocorrência dos desastres, assim como algumas características físico-ambientais do espaço urbano que acabam por consolidar o risco dos mesmos.


236

Cidades E Desastres Naturais – Da Vulnerabilidade À Resiliência

Por fim, enfatizamos a redução de riscos e a

Um desastre não se realiza sem que haja ameaças,

principal estratégia de enfrentamento ao problema

eventos físicos que podem ser gerados pela dinâmica

construção da resiliência nas cidades como

dos desastres, principalmente em ambientes

urbanos, que deve estar acoplada aos processos de redução da vulnerabilidade socioambiental

sem se prender somente a mudanças pontuais e focadas no comportamento de indivíduos,

comunidades e instituições, mas se estendendo também a mudanças estruturais no modelo de desenvolvimento das sociedades.

2 - O QUE SÃO OS “DESASTRES NATURAIS”

que se relacionam com qualidade dos fenômenos e da natureza, envolvendo eventos geológicos ou

geofísicos ou os relacionados às mudanças no clima, como os eventos meteorológicos (furacões, ciclones tropicais e extratropicais, tornados e vendavais), os hidrológicos (alagamentos, enchentes, inundações graduais e bruscas) e os climatológicos (estiagem

e seca, queimadas e incêndios florestais, chuvas de granizo, geadas, ondas de frio e de calor).

Esses eventos apresentam qualidades específicas a

depender da localização geográfica onde ocorrem, magnitude, intensidade e frequência (EIRD, 2009; NARVÁEZ et al., 2009). As ameaças podem ser

Tendo como referência a definição que consta no

individuais, combinadas ou sequenciais em suas

glossário da Estratégia Internacional de Redução

origens e consequências.

um evento que apresenta duas características

Para que as qualidades associadas de determinados

interrupção do funcionamento normal de uma

meio ambiente e/ou populações, é necessário que

através de perdas e danos; excede a capacidade de

exige que haja tanto a exposição como condições de

de Desastres (EIRD), desastre natural constitui

importantes, combinadas ou não: resulta em séria

eventos físicos se convertam em ameaças para o

comunidade ou sociedade, afetando seu cotidiano,

sejam intermediadas pelas ações humanas, o que

uma comunidade ou sociedade afetada em lidar

vulnerabilidade (NARVÁEZ et al., 2009).

podendo resultar na ampliação das perdas e danos

Exposição é um conceito que permite estabelecer

ocorreu (EIRD, 2009; NARVÁEZ et al., 2009).

determinados grupos populacionais (crianças, idosos,

Para que um evento se constitua em um desastre,

as situações ambientais alteradas pelos eventos físicos

e/ou tecnológicas), exposição, condições de

A exposição ocorre em um contexto espacial (país,

medidas para reduzir as consequências negativas

assentamento rural etc.) e temporal específico (dias,

com a situação utilizando seus próprios recursos, para além dos limites do lugar onde o evento

as possíveis inter-relações entre a população ou

mulheres etc.) presentes em um determinado lugar e

é necessário que combine ameaças (naturais

ou por condições latentes de degradação ambiental.

vulnerabilidade e insuficiente capacidade ou

estado, município, cidade, bairro, setor censitário,

e potenciais do risco (NARVÁEZ et al., 2009). Para

semanas, meses, anos) (FREITAS et al., 2012).

conceitos que permitem compreender esses fatores

A exposição é diferenciada pelas condições de

facilitar a compreensão, vejamos cada um dos de riscos.

vulnerabilidade, que tanto podem resultar na

propensão de uma comunidade ou sociedade


237

sofrer maiores impactos dos desastres como

riscos presentes e futuros, bem como a preparação,

resiliência diante desses desastres. Tais condições

de sociedades ou comunidades afetadas. Resulta

limitar as capacidades de redução dos riscos e

de vulnerabilidade resultam de processos sociais e mudanças ambientais que denominamos

vulnerabilidade socioambiental, pois combinam: a) os processos sociais que resultam na precariedade

respostas, reabilitação, recuperação e reconstrução também em menor resiliência das comunidades ou sociedades, sendo esta compreendida como capacidades e habilidades para responder

adequadamente aos eventos, monitorá-los, antecipálos e aprender com eles, fortalecendo sua capacidade

das condições de vida e proteção social (trabalho,

de adaptação após os desastres, mantendo um

ligados a infraestrutura, como habitações

restabelecer-se, recuperar-se e reconstituir-se, não só

entre outros) que tornam determinados grupos

como também em condições ainda mais sustentáveis

crianças), principalmente entre os mais pobres,

(FREITAS et al., 2012).

renda, saúde e educação, assim como aspectos

nível aceitável de funcionamento e estrutura para

saudáveis e seguras, estradas, saneamento,

retornando à normalidade de sua vida “cotidiana”,

populacionais (por exemplo, idosos, mulheres e

e seguras do que as anteriormente existentes

vulneráveis aos desastres;

b) as mudanças ambientais resultantes da

degradação ambiental (áreas de proteção ambiental ocupadas, desmatamento de

encostas e leitos de rios, poluição de águas,

solos e atmosfera, entre outros) que tornam determinadas áreas mais vulneráveis diante da ocorrência de ameaças e seus eventos subsequentes.

Em síntese, a vulnerabilidade socioambiental

que resulta de estruturas socioeconômicas que

produzem simultaneamente condições de vida precárias e ambientes deteriorados também se

expressa como menor capacidade de redução do risco e baixa resiliência (NARVÁEZ et al., 2009;

ALVES et al., 2010; MARANDOLA; HOGAN, 2009; NATENZON, 2002).

A insuficiente capacidade ou medidas para

reduzir as consequências negativas e potenciais do risco é produto e produtora das condições

de vulnerabilidade. Expressa-se em limitações ou mesmo incapacidades para a prevenção de

Além desse conjunto de fatores, é importante ter em conta também as características dos desastres, que podem ser intensivos ou extensivos. Os desastres

intensivos são caracterizados por possuírem baixa

frequência de eventos, porém são geograficamente concentrados e com grande potencial de perdas, danos e mortalidade. Já os desastres extensivos correspondem a 96% dos eventos, sendo

caracterizados por possuírem baixa severidade

de perdas e danos e alta frequência de eventos. Os desastres extensivos não causam números

significativos de óbitos, mas são responsáveis por

grande proporção de danos à infraestrutura local, às

habitações e às condições de vida das comunidades e sociedades de baixa renda.

Além disso, importante observar que, por suas

próprias características e dinâmica, um desastre não só atualiza uma situação de risco e vulnerabilidade, mas também cria novos cenários de riscos e

vulnerabilidades, de modo que exige políticas contínuas para a redução destes (figura 1).


238

Cidades E Desastres Naturais – Da Vulnerabilidade À Resiliência

Figura 1 : Transformação do cenário de risco atual em novo cenário após um desastre

Provável ocorrência de um evento físico

Ocorre um evento físico

Condições Físicas, Sociais e sanitárias

CAUSAS

DESASTRE

EFEITOS

CENÁRIO DE RISCO ATUAL

CENÁRIO DE DESASTRE

NOVO CENÁRIO DE RISCO

Adaptação de Naváez e col., 2009

Na atualidade, a vulnerabilidade socioambiental que cria condições para que determinados

fenômenos da natureza sejam percebidos como ameaças encontra-se diretamente relacionada

3 - MUDAMOS O PADRÃO ENERGÉTICO, CRESCEMOS RAPIDAMENTE E PASSAMOS A VIVER NAS CIDADES

à nossa história recente, de pouco mais de

dois séculos, quando estruturou-se o modelo

de desenvolvimento atual que resultou não só

nas estruturas socioeconômicas que produzem simultaneamente condições de vida precárias

e os ambientes deteriorados, mas também no aumento das emissões que vem contribuindo para as mudanças climáticas e seus efeitos

através de eventos meteorológicos, hidrológicos e climatológicos.

Há pouco mais de dois séculos, a exploração dos combustíveis fósseis permitiu constituir as bases

do mundo em que vivemos, com o uso de fontes

inanimadas de energia para alimentar o processo de industrialização, que terá um papel cada vez

mais central na produção de bens em larga escala, e uma população crescente que rapidamente se concentrará nas cidades.


239

Como observa Ponting (1995), embora a invenção da máquina a vapor e o desenvolvimento da

tecnologia industrial tenham sido importantes na expansão da produção e uso de novos materiais com a Revolução Industrial, a mudança mais

4 - CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO E DA URBANIZAÇÃO

fundamental foi a troca das fontes de energia

A combinação entre maquinaria para a produção

as não renováveis (carvão, petróleo e gás natural),

de energia permitiu não só aumentar a escala

para os processos de produção e transporte. A

crescimento e ampliação das cidades e do processo

inanimadas e não renováveis de energia se tornou

torna-se uma tendência crescente, com grandes

com a natureza, submetendo esta, nas áreas urbanas

melhores condições de vida e trabalho. As cidades

(2000), a Revolução Industrial mudou tudo ao

econômico, uma vez que propiciavam disponibilidade

através do uso de estoques de energia acumulados

economia de escala e maior compartilhamento no

renováveis (homens, animais, água e madeira) para

e o uso em larga escala de fontes não renováveis

que passaram a fornecer cerca de 90% da energia

da produção e da população, mas também o

industrialização possibilitada com o uso de fontes

de urbanização. A urbanização da população mundial

o eixo principal da interação dos seres humanos

fluxos migratórios para as cidades, em busca de

e rurais, à sua lógica de produção. Para McNeill

foram vitais para a industrialização e o crescimento

possibilitar a utilização de maquinaria movida

de grande contingente de mão de obra barata, a

na crosta terrestre por centenas de milhares de

uso de recursos, infraestrutura e oportunidades de

anos.

produção e comercialização.

Essa combinação de maquinaria e utilização de

Temos neste processo dois fenômenos conectados:

grande revolução em nosso planeta, através da

que alcançou um bilhão em 1825, 2 bilhões em 1925,

estoques de energia do planeta propiciou uma

combinação da exploração de recursos naturais e humanos de modo jamais visto antes, tornando

cada vez mais tênue a linha que separa o natural do social. Assim, não foi por acaso que a partir

de 1825 não só atingimos o primeiro bilhão de

habitantes no planeta, como também passamos a reduzir o intervalo de tempo para acrescentar mais um bilhão. O binômio industrializaçãourbanização é a marca desta segunda grande mudança.

o primeiro é o crescimento da população mundial, 3 bilhões em 1960, 4 bilhões em 1975, 5 bilhões

em 1990, 6 bilhões em 2000 e 7 bilhões em 2011; o segundo é o crescimento da população urbana

mundial, que passou de pouco mais de 10% dos 1,6 bilhões de pessoas que viviam em 1900 para mais

de 50% dos mais de 7,5 bilhões que hoje habitam o planeta. O número de cidades em que a população excede mais de um milhão passou de 17 em 1900 para 388 em 2000. Até 2050, a China terá 221

cidades com mais de um milhão de pessoas. Cada

vez mais pessoas vivem nas cidades, que ocupam hoje pouco mais de 2% da superfície de nosso planeta, o

que corresponde a apenas 3,6 milhões de quilômetros quadrados. No Brasil, mais de 80% da população

vivem em áreas urbanas, ocupando uma área menor do que 1% da área total do País.


240

Cidades E Desastres Naturais – Da Vulnerabilidade À Resiliência

No início do século XXI, cerca de um bilhão de

Este período de grande mudança representa

nas cidades, em áreas densamente povoadas com

impactos ambientais. Passa-se para uma escala

pessoas vivia em condições similares as das favelas ausência de serviços básicos, como acesso a água

potável e saneamento, entre outros. Estima-se que a cada ano 25 milhões de pessoas migrem para as cidades em busca de condições de vida melhores e passem a viver em favelas ou assentamentos

precários, de modo que, mantidas as tendências atuais, estima-se que até a primeira metade do

também transição em termos de escala e de

global, conectando as diferentes partes do planeta e suas populações não só aos processos de produção, transporte, comercialização e consumo de bens, mas também aos processos de degradação dos

ambientes e seus impactos sobre as condições de vida.

século XXI 1 em cada 3 habitantes das cidades

Principalmente ao longo do século XX, realizamos

contingente vulnerável social e ambientalmente

ambiente, sendo importante situar nesse contexto o

2008).

mudanças climáticas. Aumentamos a capacidade

viverá nessas condições, tornando-se um grande

mudanças que transformaram o mundo e seu

(WI, 2007; WARD, 2007; DAVIS, 2008; BARTH,

aumento das emissões de CO2 e seus impactos nas

5 - CRESCIMENTO DAS EMISSÕES DE CO2 E DA DEGRADAÇÃO DOS AMBIENTES

de produção industrial em 40 vezes, para uma

economia que cresceu 14 vezes, que demandou 16 vezes mais energia e emitiu 17 vezes mais dióxido de carbono (CO2) (ver quadro 1). Diminuímos as

áreas de florestas, aumentamos as áreas irrigadas e

passamos a utilizar cada vez mais nitrogênio como fertilizante para solos sempre mais empobrecidos,

Seria impensável pensar esse crescimento da

população e das cidades dissociado das mudanças profundas que ocorreram a partir do processo de industrialização e de mudanças no padrão

energético, resultando em aumento das emissões de CO2 e degradação dos ambientes.

não só com impactos nos ecossistemas terrestres,

mas também acidificação das águas e contribuição para a redução da camada de ozônio


241

Quadro 1 – Mudanças que transformaram o mundo entre 1890 (=1) e 1990

PRODUÇÃO INDUSTRIAL

40

PESCA MARINHA

35

EMISSÕES DE CO2

17

USO DE ENERGIA

16

ECONOMIA MUNDIAL

14

POPULAÇÃO URBANA MUNDIAL

13

DISPONIBILIDADE DE NITROGÊNIO REATIVO

9

PRODUÇÃO DE CARVÃO

7

POLUIÇÃO DO AR

5

ÁREAS IRRIGADAS

5

POPULAÇÃO HUMANA MUNDIAL

4

ESPÉCIES DE MAMÍFEROS E PÁSSAROS

0.99

ÁREAS DE FLORESTAS

0.8

POPULAÇÃO DE BALEIAS AZUIS

Fonte: McNeill (2000) e Millennium Ecosystem Assessment (2005).

Diferentes forças motrizes através de atividades

econômicas e processos foram combinadas, indo da

extração de minérios à produção industrial, do consumo e uso de veículos aos resíduos, gerando poluentes que

impactam de diferentes modos as mudanças climáticas (ver quadro 2).

0.0025


242

Cidades E Desastres Naturais – Da Vulnerabilidade À Resiliência

Quadro 2 – Forças motrizes importantes para as mudanças climáticas

POPULAÇÃO

O crescimento na demanda de energia por pessoa, produtos e transporte que demandam combustíveis fósseis vem resultando no aumento das emissões.

PRODUÇÃO AGRÍCOLA

O crescimento da produção e as mudanças no uso do solo resultam no aumento das emissões de óxido nitroso (N2O), através de desmatamento e queimadas, e metano (CH4) (potencial 20 vezes maior do que o CO2), em cultivos de arroz inundado, decomposição de resíduos orgânicos e emissões de gases no processo digestivo de herbívoros.

DESFLORESTAMENTO E QUEIMADAS

O contínuo desmatamento, a destruição da vegetação natural e queimadas resultam na emissão de grandes quantidades de CO2, causam danos à biodiversidade, exposição do solo à ação das intempéries, intensificam processos erosivos e afetam os recursos hídricos.

PRODUÇÃO INDUSTRIAL

Fonte importante de emissões, concentrada nos EUA e na Europa ao longo do século XX e aumentando em outras regiões, como na Ásia, em especial na China.

PRODUÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA

Fonte importante de emissões e que vem sendo uma força motriz crescente, principalmente quando consideramos as termoelétricas.

PRODUÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA

Fonte importante de emissões e que vem sendo uma força motriz crescente, principalmente quando consideramos as termoelétricas.

TRANSPORTE

Fonte importante que vem aumentando as emissões com o crescimento do número de veículos que utilizam combustíveis fósseis.

Fonte: UNEP (2007)

A produção de energia a partir do uso em larga

escala de combustíveis fósseis, vitais para alimentar a maquinaria a partir da Revolução Industrial, nos fornece um exemplo bastante claro deste processo (ver quadro 3). Primeiro a produção de carvão

aumentou 100 vezes entre 1800 e 1900, e depois

mais 5 vezes entre 1900 e 1990. Depois a produção de petróleo e gás aumentou 150 vezes entre 1900 e 1990, com grande parte desse crescimento ocorrendo a partir de 1950.


243

Quadro 3 – Produção mundial de combustíveis entre 1800 e 1990 PRODUÇÃO (EM MILHÕES DE TONELADAS MÉTRICAS) TIPO DE COMBUSTÍVEL

1800

1900

1990

BIOMASSA

1.000

1.400

1.800

CARVÃO

10

1.000

5.000

PETRÓLEO

0

20

3.000

Fonte: McNeill (2000).

O aumento na produção de combustíveis e

da população mundial, podemos considerar que

aumento no consumo per capita. Como podemos

capita, não podemos deixar de considerar como

era duas vezes maior que um século antes. Em

em 1990 um americano médio consumia de 50

vezes mais do que dois séculos antes. Se, na média

Bangladesh (McNEILL, 2000).

no consumo de energia registrou também um

houve um crescimento no consumo de energia per

ver no quadro 4, o consumo per capita em 1900

esse crescimento se deu de modo desigual, já que

2000, 3 vezes maior do que um século antes; e 6

a 100 vezes mais energia do que uma pessoa em

Quadro 4 – Consumo de energia total e por pessoa no mundo entre 1800 e 2000 (em toneladas equivalentes de petróleo)

CONSUMO DE ENERGIA POR PESSOA

CONSUMO TOTAL DE ENERGIA

1800 250 milhões

CONSUMO DE ENERGIA POR PESSOA

CONSUMO TOTAL DE ENERGIA

CONSUMO TOTAL DE ENERGIA

1900 0,27

800 milhões

CONSUMO DE ENERGIA POR PESSOA

2000 0,5

10 bilhões

1,7

Fonte: McNeill (2000).

A Revolução Industrial inaugura um padrão

séculos ou mesmo milhares de anos, como

ambiental no âmbito local, mas também global.

global. Por exemplo, o CO2 pode permanecer

atingem as camadas mais altas da atmosfera, com

12 anos; os clorofluorcarbonetos 11 (CFC-11),

como também ampliamos a escala temporal dos

hidroclorofluorcarbonetos 23 (HFCs-23), 260

podem permanecer na atmosfera por décadas,

mais na atmosfera.

de utilização de combustíveis e de degradação

alguns gases que contribuem para o aquecimento

Não só passamos a emitir mais poluentes que

entre 5 e 200 anos; o metano (CH4), cerca de

impactos que atingem até mesmo a estratosfera,

45 anos; o óxido nitroso (N2O), 114 anos; os

seus impactos, já que alguns desses poluentes

anos; e o perfluorometano (CF4), 50 mil anos ou


244

Cidades E Desastres Naturais – Da Vulnerabilidade À Resiliência

Nesse contexto, o crescimento do uso de

combustíveis fósseis e processos produtivos

conectados à lógica da industrialização, seja nas

cidades ou no campo, vêm contribuindo para que, pela primeira vez, as atividades humanas não só

resultem no aumento das emissões e concentrações de poluentes na atmosfera (ver quadro 5), mas

também ampliem a escala espacial e temporal dos seus impactos.

Quadro 5 – Exemplos de poluentes atmosféricos com impactos ambientais globais e níveis de concentração em partes por bilhão (ppb)1 entre 1900 e 1990

POLUENTE

ATIVIDADES HUMANAS DE GERAÇÃO DOS POLUENTES

IMPACTOS AMBIENTAIS

CONCENTRAÇÕES EM 1900 (PPB)

CONCENTRAÇÕES EM 1990 (PPB)

CO2 – dióxido de carbono

Queima de combustíveis fósseis; desflorestamento e queimadas

Mudanças climáticas e aquecimento global

290.000

350.000

CH4 – metano

Campos de arroz; pecuária; lixo; extração de combustíveis fósseis

Mudanças climáticas e aquecimento global

900

1.700

CFCs clorofluorcarbonetos

Processos de refrigeração; aerossóis; sprays; espumas

Redução da camada de ozônio e aquecimento global

0

Redução da camada de ozônio e aquecimento global

285

N 2O óxido nitroso

Fonte: McNeill (2000).

Agrotóxicos; queima de biomassa (incluindo queimadas); desflorestamento

310


245

O crescimento do consumo de combustíveis

fósseis tem como um dos resultados o aumento das emissões de CO2, que contribuem imensamente para as mudanças climáticas e o aquecimento

global do planeta, passando de pouco menos de 2 bilhões de toneladas em 1900 para quase 25 bilhões de toneladas em 2000.

Só no período

de 100 anos, mais precisamente entre 1900 e 1999, um único país, os Estados Unidos da América (EUA), foi responsável por quase um terço do

total de emissões de CO2, mais do que todos os países dos continentes asiático, africano, latino-

americano e a Oceania. O Japão, sozinho, emitiu

quase a mesma quantidade que a América Latina; e o Canadá, quase a mesma quantidade da África

ou Oriente Médio. As desigualdades no consumo

de energia e emissões de CO2 são apenas parte de desigualdades estruturais mais profundas do atual modelo de desenvolvimento (FREITAS, 2011).

consomem e contribuem para as mudanças

ambientais globais se encontram exatamente

nos países mais ricos, vivendo mais anos (maior

expectativa de vida) e com menores números de

mortes de crianças (menores taxas de mortalidade infantil), temos de modo inverso os que menos consomem nos países mais pobres, com menor expectativa de vida, vivendo em ambientes

degradados e com maiores taxas de mortalidade infantil (FREITAS, 2011).

Como observado no título do relatório do Banco Mundial de 2011, Natural Hazards, UnNatural

Disasters, se eventos geológicos, como terremotos, e hidrológicos, como chuvas fortes, podem ser

considerados ameaças naturais, os desastres não são naturais (WB, 2010). São produzidos socialmente

e a vulnerabilidade das sociedades ou comunidades encontra-se estreita e inversamente relacionada

com o nível de desenvolvimento econômico e social

4 - DESIGUALDADES PRODUZEM CONDIÇÕES VULNERAVÉIS E DESASTRES

(UNCSD, 2012a).

Os processos sociais que resultam na maior ou

menor vulnerabilidade a desastres nas sociedades ou comunidades envolvem forças motrizes e

O modelo de desenvolvimento inaugurado a partir da Revolução Industrial, baseado no uso intensivo

de combustíveis fósseis, transformou radicalmente o mundo em que vivemos, nos seus aspectos

econômicos, sociais e ambientais. Produzimos

mais riquezas e bens, mas produzimos igualmente

mais desigualdades e degradações ambientais, com mudanças em ciclos fundamentais, como os do

clima e das águas, com consequências imprevisíveis (FREITAS, 2011).

Na atualidade, cerca de 20% da população mundial consomem cerca de 80% dos bens produzidos mundialmente. Se, por um lado, os que mais

pressões oriundas do modelo de desenvolvimento

econômico e social predominantes. Nesse modelo, fenômenos como as mudanças climáticas e

processos políticos, os relacionados às capacidades de governança por exemplo, são combinados

de tal modo que resultam em fatores que, em

escalas global e local, poderão ampliar os riscos e os desastres (ver figura 2) (ISDR 2009). Por exemplo, o crescimento econômico de uma

região, ao mesmo tempo que contribui para o

aumento do Produto Interno Bruto, também pode resultar em um grande aumento da população

atraída pelas oportunidades de trabalho e em um rápido e intenso processo de urbanização não

planejado acompanhado de degradação ambiental,


246

Cidades E Desastres Naturais – Da Vulnerabilidade À Resiliência

resultando tanto em comunidades vulneráveis

Assim, se o crescimento da população contribui

A combinação desses processos que envolvem

e ocupação do solo segue um padrão acoplado ao

intensivos, os extensivos e os cotidianos agravados

que populações em condições de vulnerabilidade

agravando o impacto dos desastres para as referidas

com carência de serviços essenciais e infraestrutura,

como na baixa capacidade de redução de riscos.

para o crescimento das cidades, as formas de uso

tais forças motrizes amplia e sobrepõe os riscos

modelo de desenvolvimento que contribui para

pelas condições de pobreza e baixa proteção social,

social (vivendo em favelas e palafitas, por exemplo,

populações.

Figura 2 – Forças Motrizes, Riscos e Desastres

RISCOS INTENSIVOS - Agudos FORÇAS MOTRIZES GLOBAIS

FORÇAS MOTRIZES SUBJACENTES

Modelo de desenvolvimento econômico e urbano

Governança local frágil

Mudanças climáticas Governança frágil e baixa capacidade endógena para Redução Risco de Desastres

Maior concentração de populações vulneráveis e bens econômicos expostos à ameaças extremas

RISCOS EXTENSIVOS - Crônicos Dispersos geograficamente e exposição da população e bens econômicos à ameaças de baixa ou moderada intensividade

Precário planejamento urbano Degradação ambiental Comunidades vulneráveis Precárias políticas de Redução Risco de Desastres e proteção social

RISCOS COTIDIANOS Comunidades e moradias expostas à insegurança alimentar, doenças, criminalidade, acidentes, poluição e ausência de saneamento e água adequada

POBREZA Fonte: Adaptação de EIRD, 2009

Pobreza de recursos econômicos e políticos, exclusão e discriminação com precário acesso a educação e oportunidades de acesso a bens

IMPACTOS DOS DESASTRES Maior mortalidade e perdas econômicas Danos as habitações, infraestrutura local e produção e acesso aos alimentos

RESULTADOS DA POBREZA Impactos de curto e longo prazos sobre os rendimentos, consumo, bemestar e equidade

como água potável, esgoto e coleta de lixo) ocupem

dignidade e bem-estar, como acesso aos alimentos

de morros ou margens de rios e igarapés que

educação e saúde, podendo trazer riscos de

áreas de vulnerabilidade ambiental, como encostas sofrem processos de desmatamento e degradação ambiental. Em condições de vulnerabilidade

socioambiental, as perdas e danos causados pelos desastres se ampliam, afetando principalmente os países e populações mais pobres. Além da

ocorrência de perdas e danos, a sobrevivência e meios de vida também são ameaçados, devido

ao comprometimento dos elementos básicos de

e água de qualidade, habitação adequada e segura, inúmeros agravos, doenças e óbitos.

Conforme vimos no item anterior, através

do quadro 2 (forças motrizes das mudanças

climáticas), quadro 3 (produção de combustíveis

fósseis), quadro 4 (consumo de energia) e quadro 5 (emissões de poluentes que contribuem para as mudanças em nossa atmosfera no âmbito


247

global), as tendências no aumento da frequência

pequeno e médio porte, com enorme pressão sobre

e desastres já não permite mais estabelecer

transporte, água potável, rede e tratamento de

natural e o que é estritamente social. Esta

outros), mas envolvendo também megacidades

sobre o próprio conceito de “ameaças naturais”

BARTH, 2008; DAVIS, 2008).

e intensidade dos eventos climáticos extremos

as já limitadas infraestruturas (educação, habitação,

claramente as fronteiras entre o que é estritamente

esgotos, coleta e disposição de resíduos, entre

dissolução das fronteiras nos obriga a refletir

com mais de 10 milhões de habitantes (WI, 2007;

nos desastres. Se as ameaças se relacionam à

qualidade dos fenômenos e eventos físicos que

podem ser gerados pela dinâmica da natureza, não podemos deixar de considerar que os ciclos do

clima e das águas que estão na origem dos eventos

hidrológicos, meteorológicos e climatológicos vêm sendo alterados pelas forças motrizes que estão na raiz do modelo de desenvolvimento que se

relaciona com os processos de industrialização e

degradação ambiental, crescimento da população e sua concentração nas cidades, produção de riquezas, desigualdades e vulnerabilidades.

4 - AS CIDADES E OS DESASTRES

Dados organizados para a Rio+20 apontam que

60% da população mundial que vive nas cidades encontram-se localizadas em regiões expostas a

pelo menos um tipo de risco de desastre natural, principalmente nos países em desenvolvimento.

Nos últimos quarenta anos, mais de 3,3 milhões de óbitos por desastres estiveram concentrados

nos países mais pobres (WB, 2010), e a cada ano

cerca de 226 milhões de pessoas são afetadas por

esses eventos. Em média, 102 milhões de pessoas

são atingidos por enchentes a cada ano no mundo; 37 milhões, por ciclones, furacões e tufões; e 366

mil, por deslizamentos de terra. Secas e estiagens

encontram-se associadas à perda de 558 mil vidas e afetam 1,6 bilhões de pessoas no mundo desde

Não foi por acaso que, dentre os sete temas

prioritários para debates na Rio+20 em 2012, Cidades e Desastres estiveram inclusos, pois

encontram-se intimamente inter-relacionados na atualidade e, se não enfrentados adequadamente, constituem a ampliação de riscos futuros.

Em 2007, registrou-se, pela primeira vez na

1980. Se esses eventos impactam de modo mais grave a saúde das populações nos países mais

pobres, é importante observar que alguns grupos

populacionais encontram-se ainda mais vulneráveis, como mulheres e crianças, que possuem 14 vezes

mais chances de óbito em um desastre (UNCSD, 2012a).

história, que 50% da população do planeta viviam

Embora enchentes e inundações constituam

percentual aumente para 60%; e, em 2050, 85%

Estratégia Internacional de Redução de

o dobro dos 3,2 bilhões em 2007). As estimativas

da população exposta a esses eventos e 95%

nas cidades ocorrerão principalmente nos países

países com renda per capita menor do que

nas cidades. A projeção para 2030 é de que esse

(aproximadamente 7,7 bilhões, que é mais do que

um problema global, dados de 2009 da

Desastres (ISDR, 2009) revelam que 96%

apontam que 80% do crescimento da população

dos óbitos encontram-se concentrados nos

em desenvolvimento, principalmente em cidades de

3.705 dólares por ano (ver gráficos 1 e 2).


248

Cidades E Desastres Naturais – Da Vulnerabilidade À Resiliência

Gráfico 1 - Pirâmide da distribuição da população exposta as enchentes e inundações no nível mundial por faixas de renda per capita

dólares por ano

4% dólares por ano

96%

Gráfico 2 - Pirâmide da distribuição óbitos por enchentes e inundações no nível mundial por faixas de renda per capita

dólares por ano

5% dólares por ano

95%

Fonte: ISDR (2009) Assim, embora nem todos os desastres ocorram nas cidades, os de maior impacto em termos de

vítimas e de perdas sociais e econômicas acontecem nelas, contribuindo para isto a concentração de populações em condições de vulnerabilidade.

por outro, na dinâmica atual do modelo de

desenvolvimento, tornam-se lugares vulneráveis e

comprometem a própria capacidade de resiliência, e a de suas populações, pois as cidades tal como as conhecemos nos países em desenvolvimento possuem um alto custo social (desigualdades

Se, por um lado, ao longo da história, as cidades

constituíram-se em lugares de busca de proteção, compartilhamento e acesso a serviços, como

educação e habitação, transportes, água potável e alimentos (LE GOFF, 1998; FREITAS, 2011);

sociais, pobreza, vidas precárias, entre outros

aspectos) e ambiental (degradação ambiental) (PELLING, 2003).


249

Se, por um lado, as cidades ocupam apenas 2%

Assim, se os processos de redução de riscos

vez mais concentrar a maior parte da população,

cidades envolvem medidas locais e regionais de

da superfície do planeta, por outro, passam a cada consomem 75% da energia e dos recursos

naturais do planeta, produzem até 80% das

emissões de CO2 e degradam os recursos naturais (desmatamento e destruição de ecossistemas de rios, costas e encostas). A pegada ecológica das

cidades amplia-se se consideramos que o processo de urbanização rompe com os processos naturais

de amortecimento dos eventos climáticos devido ao massivo desmatamento e impermeabilização dos solos, aterro de mangues, restingas, lagoas e

várzeas, assim como construção de avenidas e ruas sobre os rios, além da ocupação de moradias em áreas de proteção ambiental, como a mata ciliar e encostas dos morros. Desta forma, o processo

de urbanização atual retira toda barreira natural estrategicamente construída pela natureza ao

longo dos séculos, comprometendo profundamente os serviços dos ecossistemas imprescindíveis à

resiliência local aos desastres. A falta da proteção costeira natural, de árvores para purificar o ar

e estabilizar o solo e de áreas permeáveis para

infiltração das águas das chuvas no solo é cenário

de desastres e construção da resiliência nas

reorganização do uso e ocupação dos espaços urbanos e restabelecimento dos serviços

dos ecossistemas, serão insuficientes sem o

enfrentamento das forças motrizes globais, regionais e locais que tanto contribuíram para que as cidades

tenham se configurado como são e para os riscos de desastres. Torna-se necessário acoplar aos processos locais mudanças nos padrões de desenvolvimento

que vêm contribuindo para os processos globais de

mudanças no clima através das emissões de CO2 e

outros poluentes associados à degradação ambiental, bem como para a produção de desigualdades e

inequidades sociais, econômicas e ambientais que

geram a sobreposição de riscos extensivos, intensivos e cotidianos combinados com situações de pobreza, como representado na figura 2.

5 - A REDUÇÃO DE RISCOS DE DESASTRES E A CONSTRUÇÃO DA RESILÊNCIA NAS CIDADES

comum na maioria das cidades. A retificação dos

rios é outra técnica muito adotada para maximizar a expansão urbana, e contribuiu bastante para

a instabilidade hídrica das regiões. Essa prática impossibilita o amortecimento e retardamento

natural que as curvas dos rios proporcionam às

águas da chuva, aumentando muito a velocidade média de escoamento, permitindo uma rápida concentração dos volumes de água a jusante, aumentando significativamente o risco de

inundações nessas áreas (PELLING, 2003; WARD, 2007).

Os riscos de desastres se constituem socialmente

através de processos que se estruturam na dinâmica do desenvolvimento econômico e social, bem

como da proteção social e ambiental (FREITAS et al., 2012; NARVÁEZ et al., 2009). É sobre esses

processos que devem se fundamentar os conceitos

e práticas que constituem as bases para redução do risco de desastres e da vulnerabilidade, bem como

para a construção da resiliência. A redução do risco

de desastres deve combinar um conjunto de políticas que previnam a ocorrência e limitem (mitigação e preparação) as consequências (perdas e danos)

oriundas dos desastres. Isto envolve um conjunto

de estratégias para a construção da resiliência que


250

Cidades E Desastres Naturais – Da Vulnerabilidade À Resiliência

torne as sociedades e comunidades aptas a se

adaptar, restabelecer, recuperar e reconstituir após a ocorrência dos desastres, não só retornando à

normalidade de sua vida “cotidiana”, como também em condições ainda mais sustentáveis e seguras

do que as anteriormente existentes (PELLING, 2003).

os países de baixa e média-baixa renda respondem por 95% dos países com baixa capacidade de governança.

O rápido crescimento econômico de muitos países, principalmente os de renda média, como o Brasil,

tem contribuído para reduzir a pobreza e melhorar as condições de vida de milhões de pessoas, ainda

A construção de capacidades de redução de

que não tocando estruturalmente na redução

envolve mudanças de padrões, desde os

principalmente nesse grupo de países, os riscos de

ao redor e seus eventos, desnaturalizando as

capacidades de governança para a redução do risco

os próprios desastres) até as políticas e ações

rapidez que o crescimento econômico (FREITAS

riscos de desastres e de resiliência nas cidades

das desigualdades. Paradoxalmente, crescem,

cognitivos (o modo como se interpreta o mundo

maiores impactos, incluindo os econômicos, pois as

ameaças, as condições de vulnerabilidade e

e a resiliência não se desenvolvem com a mesma

que resultam nos macrodeterminantes sociais,

et al., 2012; ISDR, 2011).

nos aspectos básicos do viver (acesso a trabalho,

No Brasil, foi a partir da década de 70 do século

econômicos e ambientais que resultam não só

renda, alimentação, educação, saúde, habitação, saneamento ambiental, entre outros), como

também nos de onde se vive e trabalha (uso e ocupação do solo, de gestão ambiental e

apropriação dos recursos naturais, entre outros),

articulados e integrados com políticas sistêmicas orientadas para a sustentabilidade ecológica e a justiça social como pilares do desenvolvimento

sustentável (PELLING, 2003; FREITAS et al., 2012).

Se considerarmos que o fortalecimento das

capacidades de redução de riscos de desastres e

construção da resiliência tem como forças motrizes os processos de governança global e locais,

envolvendo não só o Estado e sua capacidade

de formular políticas públicas, mas os diferentes

atores sociais e as capacidades de implementação para o bem comum, os desafios são imensos.

Aproximadamente 90% dos países com forte

capacidade de governança para a redução de riscos

de desastres são os de alta renda. Em contraposição,

XX que a maior parte da população passou a

viver nas cidades com tendências à concentração em algumas. As 16 cidades brasileiras que

concentravam mais de um milhão de habitantes em 2013 (6 no Sudeste, 4 no Nordeste, 2 no

Centro-Oeste, 2 no Norte e 2 no Sul) (PRATES, 2013) reuniam mais de 43 milhões de habitantes, significando que, em cerca de 0,3% das sedes de municípios predominantemente urbanos,

encontravam-se mais de 25% da população do

País. Essa tendência à concentração da população em determinadas cidades e municípios reflete

uma tendência geral do País, já que no Censo de

2010, dos 5.565 municípios brasileiros, apenas 9% possuíam população superior a 50.000 habitantes,

mas concentravam 2/3 dos mais de 190 milhões de habitantes.

Quando analisamos os dados do Perfil dos

Municípios Brasileiros de 2011 (IBGE, 2012),

verificamos que os municípios de menor possuíam menor capacidade de redução de riscos de


251

desastres. Somente 3,3% dos municípios com

Outro aspecto relevante aos desastres nas cidades

entre 20 mil e 50 mil habitantes possuíam planos

redor do mundo e principalmente nos países

municípios correspondem a cerca de 90% do País e

cidades” ao longo do tempo, não possuindo um

até 20 mil habitantes e 8,1% dos municípios

brasileiras é que, como a maioria das cidades ao

municipais de redução de riscos de desastres. Esses

em desenvolvimento, elas foram se “tornando

concentram 1/3 da população.

planejamento prévio nem tendo como subsídios

Esses dados revelam uma série de desafios para o

de desastres. Um risco que, em países como o

da resiliência nas cidades do País. Por um lado, os

e com crescimento e concentração da população

e médio porte, localizadas nos municípios com

ambientais globais, como no caso das mudanças

cenários prospectivos que considerassem os riscos

tema da redução do risco de desastres e construção

Brasil, que se tornou cada vez mais rico, desigual

necessários investimentos nas cidades de pequeno

em áreas urbanas, pode ser ampliado por aspectos

até 50 mil habitantes, combinando os necessários

climáticas.

local e regional com políticas de redução de riscos.

Outro aspecto importante sobre os desastres nas

investimentos para o desenvolvimento sustentável

Por outro, o enfrentamento dos riscos de desastres acoplados ao planejamento do desenvolvimento

das grandes cidades, principalmente aquelas que concentram mais de um milhão de habitantes e

que convivem com grandes quantidades de áreas e contingentes populacionais em condições de vulnerabilidade socioambiental.

cidades é o fato de que, mesmo que existam cidades mais e cidades menos suscetíveis, todas elas irão possuir características ambientais degradadas,

geradas em sua própria estruturação histórica, o

que facilita a ocorrência de um desastre mediante um evento climático. Exemplos disso são as

cidades da região serrana no Rio de Janeiro: todas possuíam um IDH acima da média do País e

5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos que as cidades vêm coevoluindo historicamente com os desastres. Mesmo que

o crescimento econômico de alguns países nas

últimas décadas, como é o caso do Brasil, venha contribuindo para reduzir a pobreza e melhorar

as condições de vida de milhões de pessoas, esse

processo tem sido acompanhado do crescimento de aumento na frequência e gravidade dos desastres, pois, como já observado, as capacidades de

governança para a redução de riscos de desastres

e a resiliência socioambiental não se desenvolvem com a mesma rapidez.

eram consideradas excelentes em quase todos os indicadores tradicionais de qualidade de vida.

Um último e muito importante aspecto para a

compreensão da coevolução dos desastres com

as cidades é a própria intervenção humana nos

processos naturais climáticos, que acaba retirando a característica de “naturalidade” dos eventos. Se

os seres humanos, em seu padrão de crescimento e desenvolvimento urbano e industrial baseado nos

combustíveis fósseis, vêm colaborando para efeitos globais, como o efeito estufa e a degradação da

camada de ozônio, e estes fenômenos influenciam na dinâmica climática planetária, isto significa

não só que os desastres não são mais tão naturais

como parecem, mas que as medidas de redução de riscos e resiliência devem envolver esse conjunto


252

Cidades E Desastres Naturais – Da Vulnerabilidade À Resiliência

de processos sociais e ambientais. Ondas de frio e de calor, secas e inundações sempre existiram; mas agora parecem que têm sua frequência,

intensidade e gravidade agravadas pelos modelos de desenvolvimento adotados nos dois últimos séculos.

Sendo assim, se os desastres não são naturais,

6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, H. P. F.; ALVES, C. D.; PEREIRA, M. N.; MONTEIRO, A. M. V. Dinâmicas de urbanização na hiperperiferia da metrópole de São Paulo: análise dos processos de expansão urbana e das situações de vulnerabilidade socioambiental em escala intraurbana. Rev. Bras. Estud. Popul., v. 27, n. 1 p. 141159, 2010.

mas sim socialmente constituídos nos territórios, seja através das vulnerabilidades socioambientais criadas ou através das macroalterações nos

ciclos planetários, é possível mudar o “rumo

do barco” que navegamos ao longo dos séculos

no processo de urbanização, a fim de construir cidades mais resilientes e menos suscetíveis a

BARTH E. How Can the Study of Demographics Help to Achieve the Millennium Development Goals? World Resources Institute – Earthtrends. May 2008, Monthly Update.

DAVIS, C. Urbanization and Environmental Sustainability. World Resources Institute – Earthtrends. February 2008, Monthly Update.

desastres naturais. Para isso, as estratégias de

redução das vulnerabilidades sociais e ambientais, de fortalecimento das capacidades de prontidão e resposta institucionais e comunitárias, que

inclui o alerta e alarme, as obras estruturais e não estruturais, assim como as medidas de educação, sensibilização e comunicação para os desastres, necessitam estar fortemente acopladas a uma

mudança do modelo de desenvolvimento vigente para um modelo de desenvolvimento sustentável

e cooperativo, que respeite os limites ambientais e garanta recursos e qualidade de vida às presentes

ESTRATEGIA INTERNACIONAL PARA LA REDUCCIÓN DE DESASTRES (EIRD). Glosario de la Estratégia. Panamá: EIRD, 2009.

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e futuras gerações. Em outras palavras, devem-

se conjugar políticas e ações para a redução das

vulnerabilidades socioambientais (vidas precárias e ambientes degradados), com mudanças estruturais

do modelo de desenvolvimento nas suas dimensões econômica, política, social e ambiental vigentes.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICAS (IBGE). Perfil dos Municípios Brasileiros 2011. Brasília, 2012.

INTERNATIONAL STRATEGY FOR DISASTER REDUCTION (ISDR). Global Assessment Report on Disaster Risk Reduction – Revealing risk, redefining development. Geneva: United Nations, 2011.


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7 - (FOOTNOTES) 1 - Partes por bilhão (ppb) expressa a medida de concentração para massa (por exemplo, 1 parte em 1 bilhão de nanogramas – ng – que corresponde a 1 ppb) ou volume (por exemplo, 1 parte em 1 milhão de

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nanolitros – nL – que corresponde a 1 ppb).


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