Joaquim Silveira Santos
Joaquim Silveira Santos
São Roque de outrora editado por Demétrio Vecchioli
1ª edição
São Roque Merlot Comunicação 2010
Copyright © Merlot Comunicação Edição de texto Demétrio Vecchioli Revisão de texto Laura do Prado Editoração Com-Arte Jr. Projeto gráfico Lívia Furtado e Pietro Ferrari Diagramação Bruna Mazzilli, Carla Nascimento, Erika Jurdi, Eugenia Gabriela Souza e Silva, Marilia Lima, Mayara Menezes, Melanie Metzen, Natália Mori, Victor Barbosa, Sebastian Ribeiro Revisão final Lívia Furtado e Quezia Cleto Tratamento de imagens e Roque Gabriel Rodrigues, banco de dados de fotografias o Roquinho Colaboradores Rafael do Prado e Guilherme Lion
Catalogação na publicação Serviço de Biblioteca e Documentação – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Santos, Joaquim Silveira S237s São Roque de outrora / Joaquim Silveira Santos ; editado por Demétrio Vecchioli – São Paulo: Merlot Comunicação, 2010. 416 p. : il. Bibliografia ISBN – 978-85-64146-00-6 1. História do Brasil – São Paulo – São Roque I. Vecchioli, Demétrio II. Título.
CDD 21.ed. – 981.61
Sumário O professor Joaquim Silveira Santos, nosso avô
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Prefácio
19
I. Pedro Vaz, o fundador
25
II. S. Roque de Carambeí, Capela — os primeiros povoadores
29
III. S. Roque antes de ser freguesia — o padre Belchior de Pontes
33
IV. De capela a freguesia — figuras principais do século xviii
39
V. No século xix — S. Roque elevada a vila
45
VI. O ensino público da vila — outros informes
49
Parte 1 | O começo de tudo
10 | Sumário
Parte 2 | Personagens históricos VII. Os Rosa
57
VIII. Os Morais — o valor das genealogias
63
IX. Os Morais-Rosa e os Rosa-Morais
69
X. Um homem de valor — o Capitão Messias
77
XI. D. Ana Teresa
83
XII. Um chefe que desaparece e outro que desponta — a visita do imperador
91
XIII . A Guarda Nacional — a rebelião de 1942 — um grande sanroquense
95
Parte 3 | Irmãos Rosa
XIV. Ainda o Comendador — os dois 101 irmãos Rosa XV. O Barão de Piratininga — o político 107 XVI. O Barão de Piratininga — o escritor 113 XVII. O Barão de Piratininga — o poeta 121
O trabalho que se vai ler enfeixa a série de 57 artigos publicados no jornal O Democrata, de São Roque, pelo distinto Prof. Joaquim Silveira Santos. Merece ser perpetuado nestas páginas como mais uma contribuição de indiscutível valor para a história regional do Estado de São Paulo.
— Prefácio da edição usada como base, editada por Paulo Silveira Santos.
Parte 1 O comeรงo de tudo
São Roque ainda com poucas casas, no início do século passado
i
Pedro Vaz, o fundador
N
estas ligeiras e despretensiosas crônicas, farei por evocar a S. Roque d’antanho, tal como conheci de há 60 anos para cá, com o seu aspecto físico e com algumas figuras que, por um motivo ou por outro, mereçam ser recordadas. São notas escritas ao decorrer da pena, sem pretensão literária, e inspiradas na crença de que terão algum interesse para a geração atual. Comecemos pela sua fundação. Azevedo Marques, nos seus Apontamentos Históricos, Geográficos, Biográficos, Estatísticos e Noticiosos da Província de S. Paulo1, diz: São Roque – Provação fundada a oeste da capital, na margem esquerda do ribeirão Aracaí pelo lado oriental, e pelo ocidental de ribeirão Carambeí2, que atravessando a povoação pelo lado sul vai fazer barra naquele, defronte da povoação. Foi fundada pelo rico paulista capitão Pedro Vaz de Barros na segunda metade do século XVII, estabeleceu aí uma vasta fazenda de cultura e erigindo uma capela com a invocação do mártir que deu o nome à povoação; mas a capela de São Roque de Carambeí, tendo passado por diversas transformações, já não conserva hoje [isto foi escrito em 1872] traço algum de sua primitiva arquitetura. A povoação foi criada freguesia 1 Livro de Manuel Eufrásio de Azevedo Marques (1825-1878), de 1879, uma das principais referências sobre a história do Estado de São Paulo. 2 A grafia da época era Aracahy e Carambehy. Aqui também são corrigidas as grafias de livros antigos, enquanto Silveira Santos variava a grafia original com aquela utilizada quando da redação deste material.
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em 1768, elevada a vila por decreto de 10 de julho de 1832, e é cidade por lei provincial de 22 de abril de 1864.
Este Pedro Vaz de Barros era filho do capitão-mor3 do mesmo nome, nascido em Portugal, e que viera para S. Vicente em 1600 com o seu irmão Antônio Pedroso de Barros, ambos “fidalgos de ilustre ascendência”. De seu casamento com d. Luiza Leme tivera o capitão-mor oito filhos, sendo um deles o fundador de S. Roque. Pela opulência e vida faustuosa que levara, juntou-se-lhe o cognome Guassú – isto é: Grande –, Pedro Vaz Guassú, ou ainda, Pero-Guassú, segundo o dr. J. de P. Leite de Barros4. Este mesmo genealogista informa: Foi fundador e capitão-mor da atual cidade de São Roque, onde possuía enorme fazenda com cerca de 1.200 índios, seus administrados. Gozou de grande tratamento e muita riqueza; possuía baixelas de prata no peso de muitas arrobas. A pedido do governador Alexandre de Souza Freire, marchou em maio de 1671 para a Bahia, que andava sendo devastada pelos índios do Recôncavo, demorando-se por lá cerca de dois anos. Fez milhares de prisioneiros que foram repartidos entre os conquistadores e seus sequazes. Foi, talvez, o maior potentado de seu tempo na capitania. Faleceu em 1676, sem descendência legítima, deixando nove bastardos, todos de diversas índias.
Pedro Taques5 estende-se demoradamente na descrição da abastança de 3 Oficial militar responsável pelo comando das Tropas de Ordenança em uma determinada localidade do império português. Eram tropas de terceira linha. 4
NA: Nas Notas Genealógicas da Família Paulo Leite.
5 Pedro Taques de Almeida Paes Leme (1714-1777) escreveu diversos livros, entre ele História da Capitania de São Vicente, que pode ser lido na íntegra em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/sf000043.pdf.
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Pedro Vaz, da grandeza de sua fazenda e da prodigalidade do trato que dispensava aos seus frequentes e numerosos visitantes. Quanto à sua co-participação na expedição à Bahia, é assunto ainda não bem elucidado. Pode ser que tomasse parte, mas não como chefe, pois dr. Afonso de Taunay6, a maior autoridade em matéria de bandeirismo e em historia do período colonial, mostra que Pedro Vaz foi realmente convidado e com muita instância pelo governador da Bahia, Alexandre de Sousa Freire, para organizar a expedição, fazendo-lhe promessas vantajosíssimas, mas recusou Vaz Guassú as vantagens e honrarias que bem sabia quanto seriam de aquisição penosa. Alegou, provavelmente, a idade. Não queria deixar os cômodos de seu grande e belo feudo e da vida opulenta. Em seu lugar partiu Bayão Parente7.
Informa ainda: Era um dos mais ricos paulistas do seu tempo, e pertencia à irmandade ilustre de sertanistas de que tanto nos temos ocupado citando as façanhas de Luiz Pedroso de Barros, chamando a atenção dos leitores para as de Valentim de Barros, Antônio Pedroso de Barros, e, sobretudo, Sebastião Paes de Barros.
Como foi, porém, que veio o grande capitão fixar-se nestas paragens – nesse tempo sertão bruto, só habitado por tribos indígenas? É ponto sobre o qual não se encontra a menor referência nos cronistas e historiadores, e do qual se ocupou meu tio Antônio Joaquim dos Santos em interessante manuscrito, que, justamente com outros papéis e livros, me confiou. Esse ma6 Afonso d’Escragnolle Taunay (1876-1958), contemporâneo de Joaquim Silveira Santos. Foi o segundo ocupante da Cadeira 1 da Associação Brasileira de Letras – ABL. 7
NA: Em História Geral das Bandeiras Paulistas, Vol. V.
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nuscrito que, além de dados biográficos sobre sanroquenses notáveis, continha também informações geográficas de S. Roque, achava-se desfalcado e, posso dizer, por culpa minha. Em fins do século XIX, esteve em S. Roque o geógrafo Moreira Pinho8, que para obter in loco, informes seguros para seu grande Dicionário Geográfico Brasileiro, percorria as cidades de S. Paulo. Mostrei-lhe os apontamentos de meu tio: achou-os interessantes, e me pediu que lhos confiasse, que ele os devolveria sem demora. Levou a parte que tratava de geografia do município e nunca mais as recebi. É desses apontamentos que me vou servir, no que eles possam esclarecer os primeiros e nebulosos tempos da nossa terra. Dele também, os informes sobre figuras que influíram na vida da S. Roque primitiva.
8 Alfredo Moreira Pinto (1847-1903), um dos mais influentes geógrafos do país.
ii s. roque de carambeí, capela — os primeiros povoadores
N
a opinião do meu tio Antônio Joaquim dos Santos, exarada no manuscrito citado, a fundação de S. Roque prende-se à influência social de um paulista de grande notoriedade nos tempos coloniais – o padre Guilherme Pompeu de Almeida, “Doutor em teologia com o título de bispo missionário pela Santa Sé”. Em sua fazenda de Araçariguama, que, pela suntuosidade, fausto e imponência, fazia lembrar os castelos solarengos dos tempos feudais, ele construiu uma capela sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição. Pela riqueza e pelo prestígio pessoal que gozava, o “Creso9 paulista”, como no livro Cruz do Cedro, o denominou o barão de Piratininga – a sua residência era frequentada pelas maiores figuras do tempo, tornado-se por vezes o centro de reuniões ruidosas e brilhantes. Uma dessas reuniões vem descrita com traços vigorosos e vivo colorido no romance O Padre Belchior de Pontes, de Júlio Ribeiro10: foi aquele em que esse virtuoso e modelar sacerdote opinou, como árbitro, pela continuação da luta com os emboabas, em Minas. O padre Guilherme faleceu em 1713, e os jesuítas, tomando conta, por disposição testamenteira, da fazenda de Araçariguama, estabeleceram ali um colégio, que teve curta duração; mas o nome “Colégio” ficou, dando denominação ao bairro situado, como todos sabem, a duas léguas de S. Roque, e 9
Último rei da Lídia, na atual Turquia.
10 Júlio César Ribeiro (1845-1890), escritor e criador da bandeira do Estado de São Paulo. Ocupou a cadeira 24 da ABL. O romance citado foi publicado em dois volumes, entre 1867 e 1868.
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uma de Araçariguama11. Em 1882 e 83, tive ocasião de frequentar esse bairro: lá estava ainda, embora em estado de abandono e com as paredes nuas, a velha capela onde se celebrava ainda por aquele tempo as festas anuais da Padroeira. Ao lado, no meio do mato, uns restos de taipas –certamente os últimos vestígios da fidalga habitação de há quatro séculos. Ora, segundo os apontamentos citados, o capitão Pedro Vaz de Barros era amigo íntimo e comensal do padre Guilherme, seu companheiro de caçadas. Numa destas excursões venatórias, chegaram ao alto da serra do Ibaté, donde descortinaram todo o vale do Carambeí. Pedro Vaz, que já havia deliberado tomar terras por sesmaria, agradou-se da paisagem, deu os passos para obtê-la e dentro em breve entrava na posse desse vasto domínio. Veio então novamente com domésticos do padre Guilherme e, depois de percorrer as zonas circunjacentes, escolheu para sede de sua propriedade o trecho situado entre as margens do Carambeí e do Aracaí. Construiu logo a casa residencial, que era assobradada e de taipa, conforme o uso do tempo. Ficava próximo ao atual largo da Matriz, à esquerda de quem desce; e logo depois, em frente ao sobrado, no lugar em que, diz o manuscrito, está hoje a capela-mor, erigiu uma igrejinha, que colocou sob a invocação de S. Roque. Entre a residência e a capela, fez construir um passadiço de madeira que lhe permitia assistir mais comodamente às festas e cerimônias do culto. Desde aí, a fazenda do grande potentado passou a ser Capela, sujeita à paróquia de Parnaíba. Cabe aqui uma pergunta. Por que Pedro Vaz escolheu S. Roque para padroeiro? As crônicas não dizem; mas, atendendo-se ao costume geralmente seguido pelos descobridores e povoadores do Brasil Colonial, é lícito supor que o dia 16 de agosto tivesse significação especial para ele: talvez a data da chegada, ou a em que começou a edificação ou mesmo a posse da sesmaria. Outra informação sobre a São Roque primitiva é que o leito da antiga 11 Uma légua corresponde a 6,6km. O antigo Colégio ficava onde hoje está o bairro Rio Acima, em Araçariguama.
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rua da Estação (que nome ela terá hoje?12) passa justamente pelo lugar em que ficava a represa do Carambeí, construída por Pedro Vaz; e que ao lado esquerdo dessa rua ainda se via, nos fins do século XIX, uma fração de pedra de moinho, última relíquia, diz meu tio, do primeiro proprietário de São Roque. Uma vez aí estabelecido, tratou o fundador de lavrar a terra, de povoá-la, de melhorá-la; e com tanto empenho o fez que, diz Azevedo Marques: Foi a casa e fazenda de Pedro Vaz de Barros uma povoação tal, que bem podia ser vila. Teve grande tratamento correspondente ao grosso cabedal que possuía, entre o qual contava-se uma copa de prata de muitas arrobas. A sua casa era diariamente frequentada de hóspedes e parentes e nela se fabricava o pão e o vinho em abundância.
Homem viajado e pertencente à antiga fidalguia paulista, trouxe de Portugal muitos colonos que, casando-se com indígenas, foram tronco de numerosa descendência. “As famílias Pinto, Moreira, Toledo, Telles, Oliveira, foram colonos do capitão Pedro Vaz”, diz meu tio. As informações que possuo não esclarecem com precisão a série de sucessões de Vaz Guassú na posse de seus vastos domínios de S. Roque. Como se vê da monografia do dr. Argemiro Silveira13, a que adiante me referirei, assim como de um fragmento do testamento de fundador , de que tratarei a seu tempo, o primeiro sucessor foi seu filho Braz Leme e em seguida Pedro Vaz de Barros, neto de Vaz-Guassú. Sem podermos recompor a cadeia de sucessores, o certo é que, segundo o referido manuscrito, a posse veio a parar finalmente às mãos do paulista Matheus de Matos, sobre cuja individualidade nada pude averiguar. Anos depois, “Matheus de Matos fez a doação de terra a S. Roque, ficando a admi12
Rua João Pessoa, caro Joaquim.
13
NA: Breve Memória Histórica Sobre a Fundação de S. Roque, de 1889.
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nistração destas a cargo dos religiosos da ordem de S. Bento, e estes, em 1787, as venderam ao cadete Antônio da Cunha Raposo Leme”. É o que informaram os referidos apontamentos.