Memória em Trânsito

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BRUNA EDILAMAR

MEMÓRIA EM TRÂNSITO REDESCOBRINDO OFÉLIA E NARBAL FONTES


S U M Á R I O

04 NARBAL , JUVENTUDE E

09 ASCENSÃO

OFÉLIA

15 OFÉLIA E O MUNDO

20 CONSIDERAÇÕES E MAIS


OFÉLIA E NARBAL FONTES O casal paulista que se fixou na cidade do Rio de Janeiro ficou conhecido pela escrita original e a quatro mãos sendo difícil identificar nas obras quais eram as contribuições de Ofélia e quais eram as de Narbal. Cativaram leitores de todas as idades através dos escritos biográficos em que escreveram sobre figuras de relevância nacional como Santos Dumont e Rui Barbosa, traduções como a obra Victória do escritor norueguês Knut Hamsun, as cartilhas didáticas e as fantásticas aventuras destinadas ao público infantil e juvenil que fizeram grande sucesso junto a Série Vagalume como O Gigante de Botas, Coração de Onça e Cem Noites Tapuias, obra vencedora do prêmio Jabuti no ano de 1976. Este trabalho tem como objetivo manter viva a memória dos escritores Ofélia de Avelar (1902 – 1986) e Narbal Fontes (1899 – 1960) através da disponibilização dos conteúdos aqui inseridos.


Sem memória, não há cultura. Sem memória, não haveria civilização, sociedade ou cultura. Elie Wiesel



NARBAL, JUVENTUDE E OFÉLIA


A paixão pelos livros começa ainda quando pequeno. Talvez por influência de seus pais, sr. Joaquim que além de leitor era poeta e Dona Emília que também era leitora assídua e gostava muito de versos. Na infância e juventude, Narbal quando doente, reunia os meninos da vizinhança para contar as histórias de Júlio Verne, Victor Hugo e outros escritores conhecidos pelas crianças. Com a família, ainda na juventude, participava de eventos dos mais diferenciados, desde cerimônias civis à beneficente, que por vezes junto a sua irmã Maria Emília, declamava poesias de cunho autoral ou outros poetas e declamadores quem declamavam os escritos dos jovens poetas. . Estudou na Escola Normal Secundária de São Paulo (atual Secretária da Educação do Estado) e em seu último ano, discursou para o então presidente Venceslau Brás, que estava de passagem pela cidade e decidiu visitar a escola modelo no ano de 1918, como registrado na foto ao lado. Apaixonado pela escrita, poesia e principalmente pela sua pátria, Narbal Fontes compôs Paraíso Verde, poema que ganha a admiração de Monteiro Lobato, como escreve Ofélia em sua obra Ascenção:

FONTE DESCONHECIDA

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"Sua vibração patriótica era conhecida. Por ocasião dos festejos do centenário de nossa independência, em setembro de 1922, contando vinte e três anos apenas, você compôs um poema de grande envergadura, passando em revista a História pátria. Sob o título “Paraíso verde” (Glória a Ti, grande Pátria!), a Revista do Brasil, por sugestão de Monteiro Lobato, publicou-o em seu número daquele mês." No ano de 1921, Narbal é nomeado para dar aulas na antiga Penitenciária de São Paulo, popularmente conhecida como Carandiru.

Apresentando problemas de saúde pede exoneração do cargo de professor no ano de 1926. Não se deixando levar, se matricula na Faculdade de Medicina e começa a trabalhar na redação dos jornais Diário da Noite, Revista Ariel e Folha da manhã em que escrevia sobre suas paixões como a música, literatura, poesia e teatro.

PENITENCIÁRIA DE SÃO PAULO, 1938 FONTE DESCONHECIDA

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Participava com Maria Emília, que já era declamadora conhecida no meio artístico, dos eventos culturais de São Paulo, como saraus musicais, homenagens a grandes escritores e mais. Na fotografia é possível ver Narbal em pé, da direita para à esquerda. Sua irmã aparece na foto, mas não foi possível identificá-la. Em 1930 o escritor e poeta se forma em medicina, pouco exerce a função, entretanto não deixava de ajudar os mais carentes quando os via e quando eles o procurava. No ano de 1933 o jornal A Folha da Manhã divulgou o resultado de um concurso em que o público escolhia os maiores poetas vivos de São Paulo, Narbal Fontes estava entre eles. Ainda em 1933, o poeta publica a obra No Reino do Pau Brasil. Ofélia escreve que, no começo do namoro um dos companheiros de quarto de Narbal lhe falou que o poeta apaixonado tinha a fotografia de uma atriz muito parecida com ela e que atrás tinha algo escrito. Certo dia, Ofélia pede ao namorado para ver a foto e ao virá-la encontrou o poema:

REUNIÃO NO ATELIÊ DO CASAL PINTO DO COUTO, 1929 JORNAL CORREIO PAULISTANO

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Beijo Roxo Ela veio de longe, suavemente, para vendar meus olhos, de surprêsa: - Sabes quem sou?! Se és capaz, adivinha... - É fácil... este aroma pelo ambiente, estas mãos de magnólia... com certeza és tu, amada minha! - Enganas-te, poeta enamorado. Nem sou a tua amada, nem me queres... Eu não sei equecer o bem pasado... Sou muito diferente do resto das mulheres!... E me beijou na boca longamente. Meu coração não ignora o sabor das bebidas traiçoeiras e nesse beijo viu que ela mentia e em nada diferia das outras companheiras... A culpa é tua, amada minha... Deixas esta alma sozinha e não lhes atendes à velha queixa, e aqui me vem tentar esta senhora, tua rival perturbadora, Dona Saudade, que não me deixa...

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ASCENÇÃO


Ofélia e Narbal Fontes tinham formação no magistério e não demorou muito a se dedicarem à escrita. Já perto de noivar, decidiram participar de um concurso de livros didáticos pela rede estadual de São Paulo. O prazo era curto mas o prêmio poderia ajudá-los mais a frente no casamento, então decidiram adiar o noivado e focar na escrita de Pindorama. Apesar da difícil decisão e muito trabalho, uma boa notícia, que mudaria para sempre a vida do casal apaixonado, o livro foi premiado e adotado pela rede. Ofélia escreve ainda:

"E como foi a aceitação que o público deu a essa obra que nos animou a escrever as que seguiram, podemos dizer que desse sacrifício provieram todos os nossos livrinhos." Os problemas de saúde de Narbal persistiam, o casal então decide se mudar para o Rio de Janeiro. O casal começa a participar dos eventos culturais da cidade e a frequentar a Academia Brasileira de Letras, Biblioteca Nacional, Instituto Nacional de Música e Real Gabinete Português de Leitura, faziam tudo juntos. Na nova residência decidiram preservar a Roseira Narbal Fontes. Criação de Joaquim, pai de Narbal, feita em homenagem ao filho. Plantaram também um Pau-Brasil, pois Narbal acreditava que todo brasileiro deveria ter em casa.

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Após Pindorama, o casal continuou elaborando livros didáticos para as redes de ensino e começam a dar andamento a novos projetos literários. Juntos escrevem as biografias de Santos Dumont (A Vida de Santos Dumont), Rui Barbosa (Rui, O Maior) a vida de Villegagnon (Um Reino sem Mulheres) e Jânio Quadros (Jânio, o Homem que não tem Preço). O poeta Narbal Fontes também tinha certo apreço para a música, e em meados dos anos 30 compõe a música Bonequinha de Seda para o filme com o mesmo nome, dirigido por Oduvaldo Vianna e canção interpretada na voz da atriz Gilda de Abreu. Em 1940, Narbal traduz a ópera La traviata, de Verdi e dois anos depois compôs com Silvia de Barros a marcha Brasileirinho erroneamente confundida com o choro intitulado com o mesmo nome mas composto por Waldir de Azevedo em 1947. A música composta para a obra Bonequinha de Seda está disponível nos acervos públicos de canções nacionais e mais facilmente encontrada no site Discografia Brasileira em que podemos encontrar outra composição do escritor e poeta. Também é possível acessar através do link copiando-o e colando na barra de pesquisa. Aprecie sem moderação: https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/_author/narbal%20fontes/

NARBAL FONTES EM 1936 JORNAL DO BRASIL

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Um grande projeto pensado pelo casal foi o programa de rádio para crianças e jovens como Ofélia detalha: "Pensávamos em contar-lhes lendas Brasileiras e estórias folclóricas; em descrever-lhes nossas festas tradicionais e certos fatos históricos; em focalizar a vida dos que se distinguiram pelo caráter, dedicação, às grandes causas, capacidade de trabalho, amor à honestidade, à liberdade e à justiça." Os livros infantis e juvenis caracterizaram definitivamente o casal. Talismã de Vidro; Aventuras de um Coco da Bahia; Esopo, O Contador de Histórias e mais foram algumas das obras do casal, entretanto três obras em especial fizeram grande sucesso entre o público: Coração de Onça, O Gigante de Botas e Cem Noites Tapuias (obra ganhadora do Prêmio Jabuti em 1976). Um leitor a ser destacado é o escritor e desenhista Ziraldo, o criador do grande sucesso O Menino Maluquinho. Em entrevista ao jornal eletrônico Cruzeiro do Sul em 2014, conta sobre suas preferências literárias:

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"Diferente da maioria dos adultos que, normalmente, ao lembrar da sua infância, cita o escritor Monteiro Lobato e seus personagens como Emília e Narizinho, Ziraldo comenta que quando criança lia com mais frequência outros nomes. "Não gostava muito das aritméticas da Emília", confessa. Ele cita Viriato Corrêa, Clemente Luz, e o casal de educadores Ofélia e Narbal Fontes. Estão entre as obras de Viriato - para o público infantil - a "História do Brasil para crianças", "Cazuza" e "História da liberdade no Brasil"; Clemente tem o título "Bilino e a Jaca"; enquanto o casal de educadores e escritores são conhecidos até por gerações atuais, com os livros "Cem Noites Tapuias" e "O Gigante de Botas". Narbal Fontes falece em 1960, com apenas 61 anos. O Brasil perdeu muito cedo um grande homem, um grande poeta e escritor que muito contribuiu para a cultura nacional através dos seus escritos em conjunto com sua esposa.

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OFÉLIA E O MUNDO


Poucos meses após a morte de Narbal Fontes, Ofélia começa a escrever um livro de memórias sobre o casal e o intitula Ascenção - Poemas de Amor. A obra é publicada em 1962 e não demora muito a esgotar. Do casamento nasceram Míriam, Narbal e Ameríndio. Com Ameríndio escreveu um roteiro cinematográfico para juntos concorrerem ao Prêmio Roquette Pinto, hoje extinto, elaborado pelo Ministério da Educação e Cultura em 1968 que premiaria os melhores roteiros cinematográficos do Brasil. Pensaram o script nomeando-o Filho do Diabo Velho, baseado no romance O Gigante de Botas, de Ofélia e Narbal. Não conquistaram o prêmio, mas receberam uma menção honrosa pela qualidade do roteiro. É a partir dos anos 70 que acontece o auge da carreira da escritora. Foi convidada a participar de um concurso realizado pela Universidade de Londres em parceria com o Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura e patrocinado pela UNESCO cujo objetivo era a criação de uma obra sobre o tema Heróis da Comunidade Mundial com o objetivo de falar sobre a compreensão entre os homens. Outra brasileira concorria com Ofélia, a escritora Terezinha Eboli.

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O concurso contou com a participação de 126 países e 2 mil inscritos, conquistando Ofélia o 4.º lugar.

JORNAL DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1970 FONTE: BIBLIOTECA NACIONAL

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De modo a melhor explicar a trajetória da escritora, seguirá listado abaixo alguns acontecimentos em ordem cronológica. A forma se dá também pela escassez de documentos e informações: 1971 - Se torna colunista do Jornal do Brasil (RJ), escrevendo na coluna literária Seção do Mês em que comentava sobre as obras infantis e juvenis recém lançados; 1972 - Publica a obra Heróis da Comunidade Mundial pela editora Expressão e Cultura/MEC. Participou de encontros e reuniões para debater a literatura infanto-juvenil como o Seminário de Literatura Infantil realizado no Real Gabinete de Português de Leitura sobre a temática da História da Literatura no Brasil e no Mundo. Comumente era convidada por escolas, jornais e editoras para falar sobre o tema; 1974 - Recebe pelo Club Naval do Rio de Janeiro, o título de Cidadã Carioca; 1978 - A Obra índio Brasileirinho é lançada pelo Museu do índio, de Darcy Ribeiro situado no Rio de Janeiro.

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1979 - É convidada por Lenyra Fraccaroli - organizadora das Bibliotecas Públicas de São Paulo para a reunião inaugural da Academia Brasileira de Escritores de Literatura Infantil e Juvenil, e torna-se uma das cadeiras da academia. Recebe o título de Personalidade do Ano Internacional da Criança, concedido pela União Brasileira de Escritores. O escritor Carlos Drummond de Andrade escreve em sua coluna no Jornal do Brasil sobre a vida de Joaquim Fontes (pai de Narbal), cuja obra descrita foi doada por Ofélia.

JORNAL DO BRASIL, 1979 FONTE: BIBLIOTECA NACIONAL

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1983 - Ofélia visita à Biblioteca Pública Narbal Fontes, em São Paulo para participar da comemoração em homenagem ao patrono. A escritora falece em 1986 na cidade do Rio de Janeiro. Com todo o carinho e dedicação, é homenageada se tornando patrona de uma das premiações da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil com o Prêmio FNLIJ Ofélia Fontes - O Melhor Livro para a Criança. Há quem vá dizer que Ofélia Fontes é uma das pioneiras na escrita de livros infantis, pois por volta de 1981 quando começa a publicar seus livros (fora os já escritos com Narbal Fontes) o nome de Monteiro Lobato reinava só no gênero.

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CONSIDERAÇÕES E MAIS


QUEM SOU EU

Meu nome é Bruna Edilamar, tenho 24 anos e estudo teatro. Quando pequena sempre mexia nos livros que encontrava em casa e foi na adolescência que conheci o paraíso dos livros, a biblioteca. Ainda na adolescência, estudei na Escola Estadual Professor Narbal Fontes, anos depois, através do programa Jovem Monitor Cultural, estava atuando na biblioteca com o mesmo nome, Narbal Fontes.

Curiosa sobre esse "acaso" e para saber quem era esse moço, dois anos de pesquisa resultaram neste trabalho que puderam apreciar. Nem tudo está neste documento, como a história do pai de Narbal que era um florista renomado internacionalmente, mas que pouco material encontramos. Inclusive as rosas que compõem o trabalho é uma pequena homenagem a Joaquim Fontes. Também não há muito material sobre a infância de Ofélia, pois o material é escasso. Apesar das dificuldades encontradas durante a execução do projeto, ele foi pensado com muito carinho e cuidado a fim de que mais pessoas possam conhecer esse casal que foi muito importante para a literatura brasileira.

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Pode-se dizer que o projeto Memória em Trânsito é a continuidade de um trabalho iniciado em 2019 na Sala Juvenil da Biblioteca Pública Narbal Fontes que teve como objetivo intitular a sala com o nome de Ofélia, procurando dar também visibilidade a essa grande escritora. A Sala Juvenil Ofélia Fontes conta com uma placa biográfica (a ser revisada), uma fotografia de Ofélia e capas de algumas obras que escreveu com Narbal e sozinha.

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O projeto de nomeação da sala aconteceu graças a toda equipe da biblioteca que abraçou a ideia e me ajudou na montagem, pesquisa e execução. Meus eternos agradecimentos a: Dona Regina, que sempre muito me ensinou. Raquel. o

Marlete. Dona Vera, que também me apoio muito durante a atuação na biblioteca Val. Stefan e David.

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Também sou eternamente grata aos netos do casal, Charles e Fabiana (que estão da esquerda para a direita) pelo encontro e conversa.

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A Biblioteca Pública Narbal Fontes está localizada em um dos bairros mais antigos da Zona Norte de São Paulo, Santana. Patrimônio histórico para a história do bairro, seu acervo é diverso, sendo possível encontrar desde audiolivros, filmes a livros didáticos e literatura universal. Também conta com uma sala de estudo e programações culturais variadas e acessíveis à comunidade santanense. Uma atividade a se destacar é o Clube do Livro, recentemente criado. O prédio tombado em 2018 pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo, conta com uma arquitetura de estilo normando e pertenceu à família Baruel, no Século XX fazendo parte da antiga Chácara Baruel.

Fotografia de 1940

25 Fotografia atual


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