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plástico bolha aparentemente insólito... Distribuição Gratuita
Nesta edição:
Marília Rothier Sabrina martinez Gregório Duvivier
ana chiara Mary Blaigdfield Alluana ribeiro
pAULO gRAVINA Constanza de córdova
Alice Sant´anna
heinz langer Luiz Coelho henrique meirelles
Lasana Lukata
Sueli Rios Milene Portela
Isabel Diegues Rosa Mattos Marcela Sperandio Rosa
Lázaro Cassar
yuri amorim
Ano 2 - Número 11 - Abril/2007 Se quando dissemos que o ano seria cheio de novidades, você pensou que era brincadeira, saiba que estávamos falando sério. Neste número Marília Rothier, professora de Letras da PUC-Rio, nos presenteou com um Aos alunos com carinho tão especial, que todo o jornal precisou ser reformulado para ficar à sua altura. Dobramos de tamanho; a tiragem ficou ainda maior; o slogan foi rebatizado a partir das palavras de seu texto; estreamos novas colunas, com novos parceiros; tudo para receber mais e mais pessoas na divertida ciranda das escritas e leituras, reescritas e releituras. Ana Cristina Chiara, professora de Letras da UERJ com quem já havíamos flertado em uma entrevista na edição de número 8, retorna ao jornal como colaboradora, com uma série de poemas sobre mulheres da literatura na coluna Mulheres-Damas. Os Invasores de Corpos Frederico Coelho e Mauro Gaspar Filho, da pós-graduação de Letras da PUC-Rio, apresentam o Manifesto Sampler, que será publicado aos pedaços, ao longo das próximas edições. Entrevistamos Sabrina Martinez, da Gemini Vídeo, responsável pela tradução de diversos programas da TV a cabo, que deu boas dicas sobre o mercado de legendagem para a TV. Na estréia da nova coluna Puzzles, recortamos um trecho de um e-mail da professora de estudos da linguagem da PUC-Rio, Helena Martins, contando interessantes curiosidades da biografia do filósofo Ludwig Wittgenstein. A coluna Subjetivas, de Gregório Duvivier, ficou maior e, para comemorar, vem com duas novas receitas, bem ao seu estilo. Nosso companheiro Rodrigo N.C. continua notório com novo conto na celebrada coluna Notas Cáusticas. Alluana Ribeiro escreveu um ensaio original sobre a peça Frederico Garcia Lorca: pequeno poema infinito. No Clique Aqui, confira uma boa dica sobre os sebos on-line. No mais, contos, poemas, além da saga de Mary Blaigdfield, a mulher que não queria falar sobre o... Juntamos diversas peças neste quebracabeças: Ana Chiara, Rodrigo N.C., Helena Martins, Gregório, Marília... mas a última peça só se encaixa agora, quando você tem o plástico bolha nas mãos.
O PIANO COM A CAPA PRETA OPRESSORA empacotado, o piano se impede de piar, de pintar melodias de pontos, pranto de energia puntiforme que pontuadamente, ou não, se espalham pelas pradarias de meu corpo:mente.
Marcela Sperandio Rosa
SUICIDA PÓS-MODERNO por sua causa Raquel ele foi para a frente dos carros mas eram carros de brinquedo por sua causa ele pulou da ponte Rio-Niterói mas praticando bungee jump por sua causa ele ia tomar chumbinho mas deu ao rato mesmo: não se deve cobiçar as coisas alheias
Lasana Lukata
SIMPLESMENTE INACREDITÁVEL
Marilena Moraes
fred Coelho Mauro gaspar
Rodrigo N.C. Helena Martins
a estrada é sinuosa mas eu não enjôo ao contrário – escolho palavras & acordes que te embalam no banco de trás.
Alice Sant’anna
Heinz Lange r
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Aos alunos com carinho Instigante — este é o adjetivo que me vem, imediatamente, à cabeça, quando penso na convivência com os estudantes de Letras da PUC. Para ficar, como propõe o poeta, no “reino das palavras”, começo afirmando que tédio e monotonia são termos que desapareceram do meu vocabulário, nesses dez anos de trânsito constante e animado entre aulas, cumprimentos de corredor, seminários, um café no balcão, uma conversa mais tranqüila para orientação de trabalho. Tudo parece rápido e passageiro, as tarefas se acumulam, as turmas se sucedem a cada semestre, quase que se pode ver os jovens amadurecendo; mas ficam lembranças muito fortes, experiências decisivas de aprendizagem. No fim de cada curso ou período de orientação, quando dou um balanço nas horas de trabalho, encontro, invariavelmente, um saldo positivo a meu favor. Aprendo muito com esses meninos e meninas, que me cercam; percebo pontos de vista alternativos, deixo-me fascinar por autores que jamais haviam-me atraído, descubro caminhos incríveis de raciocínio, sem contar a variedade de estilos de discurso de que, mesmo inconscientemente, vou-me apropriando. Só espero que, daqui a algum tempo, quando também contabilizarem os ganhos e despesas (intelectuais e afetivos) dos anos de estudo de Letras, os alunos de hoje encontrem haveres produtivos. É mais que um privilégio, nessa altura de minha vida, poder envolverme com um trabalho, que me põe ativa e alerta, pois, embora contratada como professora, a prática me convoca, de fato, é para aprender. Vou sendo surpreendida por uma variedade de novos conhecimentos, que me alcançam, nas tarefas formais e na informalidade das trocas com amigos, professores e alunos, indistintamente, mas com a distinção de ser acolhida num grupo, onde a curiosidade é permanente e todos se dispõem a falar do que acabaram de descobrir. E como é que se exercita a nova aprendizagem? Escrevendo, ou melhor, entrando na ciranda, sem começo nem fim, de escrita e leitura, de comentário dos discursos ouvidos ou lidos, que se escrevem para ser, por sua vez, divulgados e comentados. A ciranda não pára, mas tem momentos de lentidão e momentos vibrantes — estes são os da troca imediata, no diálogo e na interlocução (mais livre e também mais exigente) que se faz mediada pela internet ou pelos periódicos impressos. O jornal é, com certeza, um espaço cobiçado, pois a palavra dita no calor da hora ganha destaque sobre a permanente. Nessa parte, em especial, alegre da ciranda, onde fui recebida e vou-me deixando levar, circula, com a potência, que lhe imprime a inventividade de seu redator e colaboradores, um veículo, aparentemente insólito, mas de solidez confiável pela competência, demonstrada no cumprimento de suas propostas — o Plástico Bolha. Nenhuma responsabilidade é maior do que ocupar uma coluna, quando convidado, neste jornal. De minha parte, fiquei feliz com a honra do convite, mas venho adiando o privilégio, que não deixa de ser uma tarefa exigente. Leio os números anteriores e reflito: estarei pronta? De imediato, preparar-se para escrever no Plástico Bolha soa como um contra-senso: o que o jornal propõe é uma brincadeira atraente, uma desculpa cômoda para a leitura quase compulsiva de puro prazer. E quem disse que o jogo sedutor é fácil? Quem se ilude com a suposta gratuidade do humor? Estudantes que imaginam e conseguem manter, pelos doze meses do ano, quatro páginas de graça inteligente são nada menos que gênios obstinados. Conseguem, no dia a dia da escola, a proeza de divertir-se — e divertir um número imponderável de leitores — com o mais rigoroso dos trabalhos! Plástico Bolha, visto por esse ângulo, é uma metáfora perfeita para o conceito de “literatura” — uma articulação inesperada de signos comuns, cotidianos, sem compromisso com referências legitimadas como verdadeiras e, por isso mesmo, produtores de um saber atraente, cujo sabor — marcado pelo toque ácido da crueldade crítica — é difícil recusar. De minha parte, reconheço a impossibilidade de inventar um texto com as vantagens do útil e do fútil. Pois o texto, oferecido como plástico bolha, é o que encadeia as palavras de modo a protegê-las dos choques da incompreensão e, ao mesmo tempo, revela o gosto disfarçado dessas palavras, obrigando seu receptor a agarrá-las num ímpeto, com todo o gosto e nenhuma cerimônia. (Encantada com o convite e a oportunidade de também soprar algumas frases compondo minha pequena bolha, nesse conjunto plástico que explode a qualquer toque – mesmo apressado e leve —, quero entrar no ritmo dos ruídos alegres, mostrando, no final das contas, que aprendi a lição dos meus alunos.)
Marília Rothier Professora de Literatura Brasileira
Subjetivas por Gregório Duvivier
Série Receitas
Bater palmas
Para se bater palmas é preciso, e nesse ponto seremos bastante rígidos, duas mãos, que podem não estar inteiras: os dedos, no caso, fazem pouca ou nenhuma diferença. Em seguida, levar de cada mão a palma em direção à outra palma, da outra mão, de modo a produzir barulho. Este produto do encontro de cada palma será batizado de palmas (a total ausência de originalidade não é minha.) Quanto a gostar ou não gostar do objeto aplaudido, confesso: pouco importa.
Janela
Duas Mãos inspirado na Volta do Filho Pródigo de Rembrandt
A que afaga, a que sustenta. A de fada, a calejada. Em ombros, caídas. Em outro, acolhida. Tudo na moldura Envolto em púrpura. Disposições distintas, Díspares. Tudo resumido, No mudo acolhido. Nessas duas Eram outras. Dois pincéis, Destoantes tons Distantes impressões. Tudo na moldura Ainda envolto em púrpura.
Luiz Coelho
plástico bolha produzido pelos alunos da graduação de Letras da PUC-Rio Tiragem: 8.000 Impresso na CUT Graf
Editor Lucas Viriato Editora Assistente Marilena Moraes Conselho Editorial Luiz Coelho; Gregório Duvivier; Isabel Diegues
Erguer, antes de tudo, uma parede – a parede no caso é importantíssima, pois as janelas só existem sobre paredes, as janelas sobre nada são também nada e não são sequer vistas. Em seguida quebrá-la até fazer nela um grande buraco, não maior que a parede, pois precisamos vê-la, nem menor que seus braços – as janelas sobre as quais não se pode debruçar não são janelas, são buracos. Pronto. Ou quase: agora basta construir um mundo do outro lado da parede, para que possas vê-lo, emoldurado.
Comissão Julia Barbosa; Isabel Wilker; Paulo Gravina; Mauro Rebello; André Sigaud; Flora Bonfanti Revisão Rubiane Valério Coordenação Luiza Vilela Equipe Márcia Brito; Marcelo Tapajós; Rebecca Liechocki; Camila Justino; Marcela Rosa; Esthér Oliver; Henrique Meirelles; Andrew McAlister Colaboradores Bruno Giorgi; Felipe Gomes; LuizaVilela; Raquel Pereira; Luane Pontes; Esther Ruth; Isabel Diegues; Gregório Duvivier; Julia Barbosa; Luiz Coelho; Marilena Moraes; Glaucia Sposito; Léa Diva Vilela Envie seus textos para: jornalplasticobolha@gmail.com
Instantâneo O circo acende sob a tenda As crianças crescem nas arquibancadas Os leões bailam sobre o picadeiro
CORRUPIO Um breve ensaio sobre a peça de teatro Frederico García Lorca: pequeno poema infinito Quando el rio es lento y se cuenta com uma buena bicicleta o caballo si es posible bañarse dos (y hasta três, de acuerdo com las necesidade higiénicas de cada quien) veces en el mísmo rio. Augusto Monterroso
As bocas abertas das crianças dos leões do pipoqueiro (que passou a noite em claro com o tiroteio no morro) em casa não tem palhaço não tem pipoca nem bailarina só malabaristas Isabel Diegues
Salgada
Ensaio
3 Alluana Ribeiro
Rosa Mattos
Dissimuladamente, Sal, Te permito penetrar Meus poros E assim Se alojar Em mim. E me enobreço Desse cheiro Que adquiro E saboreio O prazer inenarrável De teu estar; Embora já saiba Que apesar De tua satisfação-instinto Em minha pele fazer ninho, O mar te chama. Ao grito de tua mãe Tu não podes negar, E assim me arrastas Ao seio materno, Sedento de tua nobreza identidade De tua natureza, santidade, E assim: mergulhada te deixo Para que mergulhada Ainda mais te tenha, Eu, aderida ao eterno ciclo de tua estadia Em meu corpo: Teu-meu retorno À causa Mar.
De uma das 50 nascentes de Granada brota a primeira lágrima. Com o vento, desliza pelo rosto, pelas encostas, ganha força e vira rio de três margens. Ao acariciar cada uma delas a água faz um som diferente - ritmo forte de correnteza. E nós estamos naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. É novembro, mas nesta Granada venta nas quatro estações. A brisa refresca quando o menino e a menina loira catam pedrinhas brancas, mas causa frio quando ela precisa ficar nua para lavar sua única roupa. Frio no corpo da menina, no coração do menino, frio no teatro. Todos vestem seus casacos mas a menina não tem o que vestir. Venta; e tudo que não é mais necessário se desfaz. Resta apenas a poesia e o respeito ao que as coisas comunicam sem o auxílio das palavras. Ah menina, você vai ser como sua mãe e seus filhos vão ser como você... Resta um respeito de criança, de um pobre garoto apaixonado e silencioso que, quase como o maravilhoso Verlaine, tem dentro uma açucena impossível de regar. O rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Ele não pode dar palavras nem água para sua flor. Mas quando o ancinho penetrou o solo seco, abriu caminhos para o ar entrar. E a terra se tornou rarefeita, leve, cheia de poesia. Ali Lorca encontrou a arte. Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu. Sua cor não se percebe. Suas pétalas não se abrem. Seu nome não está nos livros. Ela nasceu do que é suficiente. Garanto que uma flor nasceu: a açucena de Lorca apareceu quando Zé abriu as janelas e ventou no teatro. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Duplo Particípio Há conjugação mais triste Do que a do verbo morrer? É semelhante a perder No particípio do ter. Há conjugação mais triste Do que a do verbo morrer? É semelhante a romper No particípio do ser.
Paulo Gravina
O que eu trago Eu costuro uma colcha de retalhos, multicolorida, divertida como riso fácil de criança, que enche os olhos e o coração como roda gigante, com pedacinhos disformes, cortados minuciosamente, outros rasgados com desleixo proposital, confirmado e reafirmado, com forro da cor da lua, que aquece no verão e esfria no inverno. Se alguém a puxa pra cima, ela descobre os pés, e se pra baixo vai, a cabeça fica ao vento. Nem nisso ela tem audácia, não almeja comprimento, ser pequena é só vantagem, portátil é tremenda qualidade, vai a toda parte e comigo está em lugares diversos, eu a estendo e a amasso nas oscilações do meu temperamento-maré. Eu tenho um calabouço mágico, que se refestelou em pó de pirlimpimpim, e de relance se mostra paraíso, oásis utópico, céu dos deuses, e quando lá adentra enfeitiçado, a névoa se desfaz cruelmente. É lugar com cheiro e presença infecta de mofo, úmido, molhado, gélido com direito a vento ártico, chão escorregadio e paredes sem cor, lisas, sem forma, sem prumo, sem graça. O pédireito adjetiva-se humilhante de tão baixo, que triste ambiente com direito à vista apenas pro rodapé de gelo. Não há como descansar, pernas esticadas e joelhos sem flexão, tocar o chão é desaconselhável e insano, talvez os sensores dele possam ser disparados e então se iniciará um processo vagaroso de aproximação de paredes. Não há intuito de reduzir a pó, mas tão-somente garantir a inércia e a desesperadora impossibilidade de fuga. Eu apresento orgulhosamente minha caixa madrepérola, sem fundo, com abertura fácil, mas delicada e frágil, muito frágil. Invólucro de surpresas, guarda perdidos e achados raros, e não há só uma chave; esperançosas cópias já foram lançadas por aí. O que a abre não é tão-somente a combinação segredofechadura, o ABRE-TE SÉSAMO encerra o mistério. Vislumbrar seu conteúdo requer espetáculo mínimo, de palavras certinhas, gestos exatos, intenções que agradem à proprietária e brilho no olhar ininterrupto. Tudo que lá dentro está é interessante e ao mesmo tempo, trivial, é diferente e é comum, simples e complexo. Atraente caixa de Pandora cospe labaredas, asperge cristais de neve, ela chove sobriedade e pontua desejo escandaloso, ela dissemina esdrúxulas moribundas dúvidas, mas murmureja exuberantes certezas pulsantes. Eu convido com sorriso, e mais à frente cobro lágrimas, quero e preciso do suor, do arder e do choro, eu construo uma base de diamantes, e depois tiro o chão, dou o céu, mas puxo o tapete, de uma vez só, de uma severa vez só. (Des)Complico-me pela negação: eu não sou de vidro mas um peteleco por vezes é nocaute, eu não sou brisa e não sou Babilônia, não sou João Bobo e nem consigo manter olhos estatelados o tempo todo, não sou coisa única e definida, não sou fechada porém tenho fronteiras, não sou chegada à oratória e não só cerro os lábios, não sou atípica e nem vulgar, não sou perfume importado e nunca serei nariz empinado. Eu trajo uma alma aflita, cujo passatempo lúdico é o mexer e remexer nas questões cruciais da minha existência Fênix. Transporto um tempero ácido com gosto residual doce, exótico e inesquecível. Ser mulher é desafio meu rotineiro, cansativo e horripilante, e por causa disso e apesar disso, faço e desfaço rimas, eu vendo versos, negocio vocábulos, troco letras e coloco linhas em escambo. Prazer, sou indigna do rótulo de escritora, eu troco em miúdos escritos esses ventos que correm, formam e dilaceram meu labirinto. Eu escrevo porque não basta dizer a mim e não conheço paz. Eu escrevo porque já não cabe aqui, e não sei o que é silêncio. Eu escrevo, escrevo e escrevo porque nunca coube em mim.
Milene Portela
Anjos Urbanos uma comédia veneno de Rosane Svartman direção Isabel Diegues com Anna Markun e Juliana Martins de 4 de maio à 24 de junho sex. e sab. 21h e dom. 20h Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea)
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Condição O nome era Rodolfo: chegou numa caixa, pequenos furos, laçarote azul. Rotina de sol, pernas, alguma caça. Tudo era chato e fácil, quase óbvio: se espreguiçar de manhã sob o sol amarelo, fixar o olhar num ponto ao pé da escada, dormir quatorze horas por dia. O difícil mesmo era se acostumar com a condição de gato. Constanza de Córdova
Sumiregusa (Violeta Selvagem)
Henrique Meirelles
Para além dos confins de meus jardins externos, se encontra a flor que sobreviveu ao dilúvio dos tempos antigos. Suas pétalas únicas são luas silenciosas que cobrem céus sem estrelas. Seu odor, perfume lúdico, viaja por mares profundos, terras distantes e topos malditos. Sua luz guia tolos por entre as árvores gigantes e imponentes. Seu caule de seda, letal, nasceu dos fios de cabelo das mais belas fadas e seu pólen, etéreo, é o manjar dos Deuses decadentes. Eis meu maior tesouro. Eis meu maior tormento. Eis aqui minha blasfêmia. Eis meu desejo crescente. Para além dos confins de meus jardins externos, existe, em silêncio, a Violeta Selvagem. Dama lírica das noites quentes, rainha impura entre as sílfides cintilantes e transparentes. Sua aura emana luz de eclipse, com gosto das frutas sagradas e, ao pé do verão, constelações de pecados surgem ao seu redor, incandescentes. Sua voz é orvalho em teia de aranha furta-cor e seus desejos, em lua crescente, se tornam raivosas tormentas de amor. Para além dos confins de meus jardins externos, reside aquela de quem sou aprendiz. Seu doce veneno corre em veias estranhas, de demônios, de padres e em labirintos sutis. Sua beleza já espalhou o caos. Sua tristeza já plantou a dor. Suas raízes sustentam palácios, mas só lhe falta a posse do amor. Lá, bem para além de meus jardins, se encontra aquela que conquistei inutilmente por eras. Aquela que, ao vestir seu manto, não quis ouvir a música das esferas. Lá, bem para além de meus jardins externos, governa aquela que possui meus dias e minhas noites como bobagens. Aquela que possui minh’alma presa em suas pétalas roxas de violeta... Violeta Selvagem...
m u l h e r epors - d a m a s Ana Chiara
Amor cortês Perdoa-me causar-te mágoa Desta humana, amarga, demora! – de ser menos breve do que a água, mais durável que o vento e a rosa Cecília Meireles
Sou tua vassala, querida, Estendo um tapete, fico de quatro Mordo fronha Por tuas cantigas, teus romanceiros, Tuas mãos deixando escorrer teus sonhos Tão tristinha... Teus olhos de cristal, pastora de nuvens, Tua vaga música. Todo este instrumental da sublimação dos nossos corpos Sofrendo a beleza de espumas, nuvens, poeira Mas agora, chega, donzela, Vem cá e faz!
Posto que está frente a frente Mi’a seo’ra, dona cousa Seo’ra dona do mundo Si non me calo, mi’a seo’ra Mi’a dor me cala mais fundo. Mi’a seo’ra, Dona Fea Seo’ra de D. Manoel Si non me calo, mi’a seo’ra Mi’a dor me cala no céu. Mi’a seo’ra renascentista No seu palácio de ouro me enterro Seo’ra de toda ametista Si non me calo, mi’a nobre tão quista Mi’a dor me cala no inferno.
Lázaro Cassar
Banca da PUC Tel.: 2512-7109
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Puzzles
INVASORES DE CORPOS: MANIFESTO SAMPLER É PRECISO NASCER Mais que um. É preciso ser sempre mais que um para falar, é preciso que haja várias vozes. Que importa quem fala? A verdadeira atividade literária não pode ter a pretensão de desenrolar-se dentro de molduras. A atuação literária significativa só pode instituir-se em rigorosa alternância de agir e escrever. A crítica tem que falar na língua dos artistas. Pois os conceitos do cenáculo são senhas. E somente nas senhas soa o grito de batalha. O escritor não diz mais do que pensa (e pensa mais do que diz). O crítico não é o intérprete de épocas artísticas passadas. O crítico é um estrategista na batalha da literatura. O leitor-ouvinte está entregue aos seus próprios recursos. FOTOGRAMA I: CORTAR O CORDÃO UMBILICAL Escrever não se aloja em si mesmo. Não ponho aspas. As palavras são minhas. Não importa quem fala. Sou quem pode dizer o que disse. Fui eu quem escreveu. Agora abro as comportas e deixo que elas, as palavras, as vozes, se espichem, se multipliquem, se fortaleçam. Aglutinação pela dispersão. Ele(s) redige(m), mas sou quem escreve. Um corpo em disponibilidade para si e para o outro. Todo es de todos, a palavra é coletiva e é anônima. Nosso prazer não tem sido mais do que o ossário natal do tempo morto. Pensar e escrever novamente como uma violência e um prazer. Ser feliz significa poder tomar consciência de si mesmo sem susto. A ESTÉTICA SAMPLER nasce da física. Somos movidos por impulsos elétricos espúrios provenientes de atividade elétrica na atmosfera terrestre. A escrita sampler é uma OPERAÇÃO. Não é um projeto, mas a realização constante dessa operação. O que “é incorporado” vira ruína junto com “o que já existe”. Só sobra o abismo do desgarrado. O novo solto sem referências. Esse é o bom sample: sem pai nem mãe. A escrita como regime errante da letra órfã. O escritor não é mais soberano, é também presa dessa letra órfã que circula. Só uma letra órfã pode pedir uma escrita viva. Pelas mudanças a que se expõe, a escrita sampler adquire uma espécie de desarraigamento crônico: nunca mais se sentirá em casa, em lugar nenhum, permanecerá psicologicamente mutilada. É preciso nascer, sair do plasma que cobre os corpos invadidos, romper o cordão umbilical. Você abre os olhos: sua mãe está ali, deitada sobre a cama. Seu pai segura o cordão umbilical. Você está no mundo. Bem-vindo! Mas você não está
devotado apenas ao que o inédito umbigo circunscreve, o corte do cordão umbilical te lança à perda da pureza, estás liberto da origem, estás liberto do mito. Invadir o corpo do mundo, e ser invadido por ele é o que você faz agora (e para sempre). Que importa quem fala? A escrita sampler acumula por afeto, pelo que a afeta, tudo aquilo que vê, ouve e experimenta à sua soma. Quem trabalha com a escrita sampler não é aquele que não tem o que dizer, é aquele que tem coisas demais a dizer, tem vozes demais falando dentro de si, e as expressa musicalmente, como um fluxo, como um processador de linguagens e sensações. Apropriar para produzir, e não para reproduzir. A escrita sampler como uma forma de “dobrar” a matéria, a referência, o sujeito que existe criar uma nova/outra/ diferente subjetivação do texto/música/matéria. Uma escrita não começa nem conclui, ela se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. Tem como tecido a conjunção ‘e... e... e...’ Há nesta conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ser. Viajar e se mover a partir do meio, pelo meio, entrar e sair, não começar nem terminar. Instaurar uma lógica do E, reverter a ontologia, destituir o fundamento, anular fim e começo. Uma escrita pragmática. É que o meio não é uma média; ao contrário, é o lugar onde as coisas adquirem velocidade. Entre as coisas designa um movimento transversal que carrega uma escrita e outra. Um “e” que vem em qualquer lugar: antes, no meio, depois, e cria um espaço para si, para fora ou para dentro do corpo invadido. Um estímulo ao que não necessariamente precisa ser estimulado, a não ser aos olhos de quem está ali invadindo, e sendo invadido. Não mais imitação, mas captura de código, mais-valia de código, aumento de valência. Produzir na abertura de um espaço onde o sujeito que escreve não pára de desaparecer. A busca do esvaziamento do eu. O eu não torna-se mais referência absoluta pois a escrita sampler opera com diversos eus. A escrita torna-se o exercício do eu + 1, do eu somado a outros “eus” que falam – refalando – em seus textos. A escrita sampler esvazia a figura do autor-ego, e seu papel em relação ao discurso, criando um novo jogo de forças e oposições possíveis. A linguagem não pode mais se deixar prender à teatralidade filosófica do seu objeto. Deve se tornar, também ela, um atentado por fascinação. Não significa que, daqui para a frente, não haverá forma na arte. Significa apenas que haverá uma nova forma, e que essa forma será de um tipo que admitirá o caos, sem tentar dizer que o caos é na verdade outra coisa. Encontrar uma forma que acomode a desordem: eis a tarefa do artista hoje. As possibilidades analíticas precisam convergir, e não se digladiar.
Helena Martins
Ué, vocês não sabiam não? Eles estudaram na mesma escola e nasceram no mesmo ano, parece que com alguns dias de diferença. Mas não foram colegas, porque, ao entrarem nessa escola, o Hitler tinha repetido um ano, ao passo que o Wittgenstein tinha saltado um. Há especulações sobre um certo recalque especial do Hitler com relação ao brilhantismo do Wittgenstein, a quem ele teria chamado de “judeu porco” em uma ocasião. Tem também a história das pretensões artísticas do Hitler, frustrada quando ele teve sua candidatura rejeitada em uma escola de arte, numa época em que o pai do Wittgenstein era um conhecido mecenas; financiava muitos artistas e compositores judeus e não judeus (sob encomenda dele, o G. Klimt pintou um retrato da irmã do Wittgenstein, etc.) Um pesquisador australiano polêmico, chamado Kimberly Cornish, chega a especular que “aquele menino judeu dos tempos de escola”, que Hitler cita com desprezo em Mein Kampf, como parte de seu “despertar” anti-semita, teria sido ninguém menos do que o nosso W. Mas parece que isso é meio viagem. O que não é viagem é que W. e sua família foram vítimas da perseguição nazista, tendo sido espoliados em grande parte dos seus bens durante o domínio fascista na Áustria. Para quem quiser conhecer de forma mais confiável e menos vaga este e outros aspectos até bem mais intrigantes da biografia do Wittgenstein, eu recomendo Wittgenstein: o dever do gênio, obra biográfica escrita por Ray Monk e traduzida pela Cia. das Letras em 1995. Outra coisa boa é ver o filme Wittgenstein, do Derek Jarman (disponível, acho eu, na locadora do Estação Botafogo). Helena Martins, em e-mail enviado recentemente a alguns alunos que se intrigaram com a presença “improvável” das duas crianças na mesma foto.
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Gênesis: Tudo do Nada
Cantiga das meninas das calçadas
De Yuri Amorim
As meninas deslizam sinuosas, soturnas, seus corpos franzinos na navalha do destino, o meio-fio do colar da princesinha do mar.
No começo era o nada. O mais absoluto nada. Não havia luz, ar, água. Também não havia contas pra pagar. Tudo era vácuo. Vago. Vão. Tudo era nada. Então, do nada, o nada se fez tudo. E se fez tudo por causa de nada: umas poucas palavras danadas. O universo - ao inverso do que o homem em conversa com si mesmo desconversa - teve seu berço em versos. Versos proferidos do nada, muito provavelmente pelo Nada, que, ao contrário do que se espera, é muito mais do que se pensa. Sempre foi difícil aos olhos humanos notar que na escuridão devastadora, no frio mortal, no mais profundo abissal, também pode haver vida. E vida inteligente! Pois o nosso Nada, sem muito que fazer naquele imenso nada, resolveu fazer tudo. E fez em versos. E, pra facilitar a vida do relator, versos em português. Facilitando ainda mais, versos livres, sem formas nem estruturas pré-determinadas - afinal de contas não havia nada em que pudesse se basear. Começou achando que todo aquele nada não ia levar a lugar nenhum. Além do mais achou tudo muito escuro por ali. Pôs-se a compor: “Sob o manto tenebroso de nada deitem-se infinitas janelas luminosas!”. E assim, de uma só vez, milhares e milhares de estrelas brotaram no que veio depois a se chamar espaço. Apesar do susto que tomou, o Nada viu que era bom. Então deixou. Logo percebeu que tinha em mãos um momento histórico então resolveu inventar alguém para registrar aquilo tudo. Dos versos seguintes pendeu no espaço sideral alguém a quem resolveu chamar de Paulo Coelho. Mas não gostou não. Então jogou fora. Na seqüência, corrigindo nos versos as imperfeições que geraram a aberração, acabou chegando a uma fórmula um tanto mais acertada e o resultado foi o meu nascimento. Dessa forma eu fui a única criatura viva, além do Nada e do Paulo Coelho, que testemunhou a criação do universo (ou parte dela). Com o tempo o poeta Nada foi pegando o jeito da coisa. Em seus versos surgiram os planetas, a roda, as galáxias, os elefantes, as pizzas e, por fim, a Internet. Depois de uns 5 dias (ele também já tinha inventado os dias, os minutos e os anos), pensou: “Sacanagem! Ainda não parei de trabalhar por nem um minuto!”. Nisso ele inventou o fim de semana. Não foram os melhores versos que o universo já ouviu, mas vá lá, foi uma puta invenção! Depois que o Nada, antes de partir pro fim de semana, inventou os nomes dos dias da semana, nunca mais fez nada! Sabe como é, né? Domingão... nada pro Nada fazer! Ficou acomodado. Desde então tem sido isso tudo que a gente conhece: alimentar os peixes, fritar omeletes, falar besteiras, assistir à televisão, falar besteiras ainda piores e, de vez em quando, pensar no sentido da vida, na origem do universo e outras coisas mais (“Quem veio primeiro? O ovo ou a galinha?”). Diz-se que um dia do nada, o Nada, cansado de tudo, vai dar fim a essa baderna. É o que muitos preferem chamar de Apocalipse, acreditando naquele papo de que o céu vai se abrir e anjos com trombeta vão vir separar o joio do trigo. Isso no máximo pode dar em um cereal novo. Se der tempo.
Entre mesas apinhadas tulipas alouradas limões açucarados flanam as meninas olhos gulosos, arregalados, nos petiscos variados. Tão nuas e famintas, gafanhotos perdidos desvalidas na vida, o imaginário inibido, choram por comida, não sonham com vestidos. Empurradas esfaimadas, pra fora da calçada lá está a vilania, não a pé, negocia, disfarçada, a troca de ingênuos aromas por sanduíche e picolé. No caminho aprendido, serpentes de pobre luxúria anjos ou demônios anêmicos embalsamados de cola, não choram levantam cotos de saias, trejeitam, deitam e rolam. Vão perpassando pela infância pobres de serem crianças, mosquinhas drosófilas fatigadas, em bananas estragadas. Cecília choraria copiosas gotas,
Nota do autor: Ao abandonar pelo espaço aquilo que chamou de Paulo Coelho, o Nada só não sabia que estava inventando mais uma coisa tremenda: a literatura esotérica de auto-ajuda. É que o tal sujeito, depois de vagar pelo universo por milênios infindos, se radicou num planeta chamado Terra e, por incrível que pareça, se tornou Best-Seller. Alguém definitivamente achou bom.
Sueli Rios
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Entrevista por Marilena Moraes
Traduzindo para a televisão
M. Brito
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SABRINA MARTINEZ é sócia-fundadora da Gemini Vídeo, empresa responsável pela tradução de grande parte das séries e programas a que assistimos na tv a cabo. Professora de Tradução para Legendagem na PUC-Rio, achou um tempo no atarefado período que antecede a defesa de sua dissertação de mestrado para conversar com o plástico bolha Qual a sua formação? Você faz outro tipo de tradução, além da legendagem para televisão? Qual?
Eu me formei em Comunicação Social (Jornalismo) pela PUC em 1992. Depois, fiz o curso de Formação de Tradutores pela CCE (2 anos). Em 2002, fiz a Especialização em Tradução na PUC e agora estou finalizando o Mestrado em Tradução, também na PUC. Eu me apaixonei pela tradução ainda na faculdade de Jornalismo, depois de cursar o quinto período na Universidade de Missouri através de um intercâmbio promovido pela PUC. No sétimo período, quando eu era estagiária do Jornal da PUC, fui cobrir uma palestra com a Monika Pecegueiro do Amaral. Ela falava sobre a tradução para legendas com tanto entusiasmo que me contagiou. Naquele momento eu percebi que também queria trabalhar com legendas e, assim que me formei, me inscrevi no curso de Formação de Tradutores. Meu primeiro emprego em tradução já foi com legendagem. Assim que terminei a formação, passei no teste da Globosat. Portanto, sempre trabalhei com legendagem para a TV. Quais as principais diferenças entre a tradução de cinema e a de televisão?
As principais diferenças são técnicas. Por exemplo, enquanto na tradução para a televisão a unidade de referência básica é o segundo, no cinema, a unidade básica é o pé de película. Um segundo de um programa de TV gravado no formato NTSC possui cerca de 30 frames (ou quadros), enquanto um pé de película contém 16 quadros. Os legendadores precisam saber essas coisas para fazer o cálculo de caracteres por segundo (ou pés de película), o que tanto no cinema quanto na TV fica por volta de 15 caracteres por segundo. Essa é a velocidade média na qual uma pessoa adulta consegue ler uma legenda. Há algumas outras diferenças técnicas e de padrões em função das dimensões das telas, mas, no geral, o trabalho é o mesmo. Há um fator complicador na tradução para cinema. Muitas vezes, o tradutor recebe apenas o script original para traduzir. Ele não tem o auxílio das imagens para a tradução, o que dificulta imensamente o seu trabalho. Ou seja, enquanto o original nesse caso é o script impresso, no caso da legendagem para TV, o original é sempre o arquivo de imagens. Quais as principais qualidades do bom tradutor de legendas? Que formação precisa ter, além de conhecer os programas de computação utilizados? Um bom tradutor de textos pode ser, automaticamente, um bom tradutor de legendas?
Vou começar pela última pergunta. Não. Um bom tradutor de textos não necessariamente se adapta automaticamente à legendagem. Isso acontece principalmente por causa do nível extremo de resumo exigido pela tradução para legendas. Enquanto que na tradução de textos pode-se recorrer a notas do tradutor e a traduções explicativas, na legendagem as coerções espaço-temporais impedem isso, o que faz com que muitos tradutores de textos não se acostumem à tradução para legendas. Quanto às qualidades de um bom legendador, é importante que ele tenha formação
em Letras ou áreas afins e que conheça intimamente o português e seus diferentes registros, assim como, é claro, a língua da qual traduzirá. É vital que ele tenha um ótimo ouvido, poder de síntese e que seja ágil, pois os prazos do mercado de tradução para TV são em geral muito curtos. O profissional tem de ser eclético e aceitar trabalhos sobre assuntos diversos?
Se ele for, melhor para ele. Nos últimos anos, a TV por assinatura foi inundada de programas sobre culinária, por exemplo. Na minha empresa, temos muita dificuldade de encontrar tradutores versados em culinária que aceitem traduzir uma série dessas. O mercado precisa de tradutores de culinária! E também de tradutores com familiaridade com games, por exemplo. Esse é outro assunto do qual todo tradutor foge. Hoje em dia, um legendador que entenda de games e de cozinha é disputadíssimo pelo mercado. Sendo o Brasil um grande consumidor de programas estrangeiros, que requerem legenda, o mercado só tende a crescer? Quais os principais softwares utilizados?
Sim, a tendência do mercado é crescer, principalmente com a popularização do DVD, que comporta versões legendadas em até 32 línguas de um mesmo filme. Ou seja, até 32 tradutores podem participar da legendagem de um mesmo filme! No Brasil, os softwares mais usados hoje são o Horse e o Subtitle Workshop, que pode ser baixado gratuitamente pela internet.
Para canções e poesias, por exemplo, a maioria dos clientes pede que o tradutor priorize o conteúdo, e não a forma. Ou seja, o importante não é quebrar a cabeça buscando uma rima ou tentando manter a métrica do original, mas tentar passar o conteúdo da mensagem presente no original. Se essa mesma pergunta fosse dirigida a um tradutor para dublagem, a resposta seria completamente diferente. Quais as principais dificuldades do profissional de legendagem no Brasil?
Os glossários sempre auxiliam o tradutor, assim como os consultores para assuntos específicos. Mas a internet é sem dúvida a melhor fonte de pesquisa e auxílio ao tradutor. Sabendo como e onde pesquisar, encontra-se praticamente de tudo na internet, inclusive dicionários de gírias e dialetos muito bons.
Não existem cursos de formação de legendadores, o que, a meu ver, é um problema. O mercado ainda é bastante amador. Existem cursos e oficinas de treinamento, mas eles costumam ser rápidos, de poucas horas de duração, e a legendagem é um tipo de tradução tão peculiar, tão específico e que exige o desenvolvimento de tantas habilidades, que, na minha opinião, apenas um curso extenso de formação seria capaz de realmente suprir o mercado de profissionais bem-preparados. No Brasil, uma das poucas universidades que oferecem uma disciplina de Tradução para Legendagem na graduação é a PUC. Acho que é assim que a formação do legendador deve começar, na universidade.
Há legendas feitas em português no exterior para consumo no Brasil. São sempre ruins, feitas por amadores?
Qual o seu conselho para quem está interessado em traduzir legendas?
Alguns canais de TV por assinatura legendam seus programas no exterior, sim, mas recentemente, devido principalmente às reclamações constantes na imprensa, temos notado um esforço por parte desses canais de concentrar a legendagem de seus programas para consumo no Brasil aqui mesmo. Essa é uma providência recente. Vamos ver se vai dar resultado.
Observar as legendas da TV e do cinema, tendo sempre em mente que as coerções de espaço e tempo exigem que o legendador sintetize em pelo menos 30% o original. Sabendo isso, fica mais fácil entender por que muitas vezes os tradutores usam o recurso da paráfrase ou deixam tantas informações de fora das legendas. Quem tem interesse em traduzir para legendas deve procurar desenvolver as habilidades que já mencionei, como agilidade com o computador, poder de síntese, redação, ouvido, etc., além das competências exigidas de todo tradutor, é claro.
A quem o profissional recorre se tem de legendar um filme sobre um grupo específico, com um dialeto próprio? Ele deve formar glossários? Quais as melhores fontes?
O tradutor tem de ser humilde e não meter a colher no original? Como ele faz no caso de canções e poesias?
Esse é um assunto polêmico e que depende muito do tipo de tradução, do público-alvo e das exigências do cliente. Generalizações são sempre perigosas. No caso da legendagem, é praticamente impossível não meter a colher, devido ao nível de resumo exigido nesse tipo de tradução.
Fundada em 2000, a Gemini Vídeo oferece curso de treinamento de 40h para novos profissionais, através de seu centro de formação em legendagem. Os interessados podem fazer contato pelo e-mail gemini@geminivideo.com.br
8 Contos de Mary Blaigdfield – A mulher que não queria falar sobre o Kentucky De Lucas Viriato
O Café estava mais cheio naquela manhã, disso ela tinha certeza. E o clima do lugar estava diferente também. Uma atmosfera estranha no ar, pessoas que nunca havia visto ali, garçonetes novas. Tudo muito estranho, como um sinal de que algo de ruim estava prestes a acontecer. Ela caminhou por entre as mesas até chegar no seu cantinho preferido, sua mesa de sempre, e se deparar com uns estrangeiros ali sentados. Maldita imigração, maldita globalização – pensou, nervosa. Caminhou até o outro canto do Café e sentou-se em uma mesa qualquer. Por que o clima havia de estar diferente logo hoje? Justamente hoje, quando ela havia marcado um encontro tão importante naquele local, sempre tão pacato. Sentou no banco de couro vermelho e chegou bem perto do vidro da janela. Sempre gostou desse cantinho, desde pequena. Até hoje se lembra das brigas com o irmão quando os pais os levavam à lanchonete. Uma eterna luta pelo cantinho sem saídas e sem entradas, onde ela estaria segura e isolada. Vivendo no seu próprio mundo. Pediu um café bem forte para a garçonete e começou a se distrair olhando os carros passarem na rua. Carros de todas as cores, todos os tipos. Tantos carros, e ela não sabia nada sobre carros. Mas nem por isso deixava de se distrair vendo os carros passarem. - Mary Blaigdfield! Mary é sugada de volta ao mundo real assim que se deu conta de que alguém gritará seu nome. Era quem ela estava esperando. - Andrezza Pascuoletto! - Quanto tempo! - É, faz muito tempo realmente. - O seu cabelo está diferente. - É, eu cortei. - Ficou ótimo. - Obrigada. Sente-se. Andrezza Pascuoletto senta-se no banco em frente ao dela e também se arrasta até o cantinho, deixando a bolsa e a pasta do seu lado. - Este lugar é sempre assim? - Não, hoje está diferente, mais cheio. – respondeu Mary olhando ao redor – Mas, Andrezza, nós não combinamos de nos encontrar aqui para analisar o movimento da casa. O que você tem para me mostrar? Andrezza tira a pasta do banco e a coloca no colo. Começa a procurar algo. É interrompida pela garçonete trazendo o café de Mary. Pede um capuccino, e continua a procurar até tirar de dentro da pasta um envelope pardo, que coloca na mesa. - O que é isso? – pergunta Mary, enquanto adoça o seu café. - Fotos. Fotos mostrando o momento em que Larie Boferman aceita dez milhões de
Yuri Guriskch no saguão de um hotel em Moscou. - Como você teve acesso a esse material? - Eu sou muito próxima de várias pessoas lá dentro. Tenho influências no projeto. - Isso não explica o fato de você ter tido acesso a esse tipo de material. - O que você queria que eu fizesse? Recusasse? Dissesse que não estava interessada neste tipo de informação? – Fala nervosa em um tom de voz mais elevado, beirando o choro. - Se acalme, alguém pode prestar atenção em nós. - Desculpe... - Algo me diz que não foram apenas as fotos que a levaram a marcar esse encontro. Tem algo mais a dizer? - Não... ...Quer dizer... ...Tenho sim... - Então diga logo, cada segundo que passa é um segundo a menos. - É sobre algo que uma fonte do projeto me informou. E diz respeito a você. - Como assim? – pergunta espantada. - É algo pessoal, mas, como sou sua amiga, me senti na obrigação de... São interrompidas pela garçonete deixando o capuccino na mesa. A garçonete se afasta e a conversa continua: - Andrezza Pascuoletto, ou a senhora vai direto ao ponto ou eu sou capaz de perder a cabeça! - Mary, eu vim aqui para conversar, para saber se você esta precisando conversar... - Sobre o quê!?!? - Sobre... sobre.... - Sobre????? - Sobre o que ocorreu no Kentucky... Mas sinta-se à vontade, eu não quero forçar na.... – é interrompida pelo olhar de Mary Blaigdfield piscando incessantemente. Nos últimos momentos em que ainda pôde, ela balbuciou: - Eu... não quero... falar... sobre o Kentucky. É, naquele dia o café estava bem diferente mesmo, mas na verdade ninguém mais parou para prestar atenção nisso depois do show de horrores de Mary Blaigdfield. Convulsões, gritos de dor, histeria, tremedeiras, soluços. Dessa vez ela chegou a urinar nas calças em meio à tremedeira. Andrezza, assustada, se aproximou para ajudar. Brewewreerr. O grupo de turistas ficou horrorizado quando Andrezza Pascuoletto passou toda engosmentada de preto ao lado deles. Realmente o fedor era horrível. Ela é Mary Blaigdfield e ela não quer falar sobre o Kentucky.
Notas Cáusticas Mosquito
por Rodrigo N. C.
Certas pessoas são tão relevantes quanto um mosquito. Mas nem todas são assim tão relevantes; há as que são menos — e é preciso que se lhes diga isso na cara, do contrário, andam por aí diminuindo os mosquitos, que já são pequenos. (Eis por que teve início a rixa entre essas duas espécies, muito antes do nascimento do próprio Creso. Foram os homens os primeiros a ofender a outra parte, uma vez que, em sua arrogância, diminuíram-na; e a outra parte, que era a dos mosquitos, que considerava a diminuição um ataque ao seu direito de existir, declarou guerra aos homens. E então, as picadas, o inseticida, o mata-mosquito, a dengue, o jornal dobrado, a leishmaniose e... O resto está nas crônicas antigas, quem quiser que as vá ler.). Pois bem, foi levando em conta esses fatos históricos que, certa vez, não faz muito tempo, eu não disse nada a um passante que passeava bem na minha frente, que nem um mosquito, mas pior do que um mosquito pelas razões que eu já referi. Não lhe disse nada, porque não o diria sequer a uma mosca, quanto mais a uma pessoa. O passante, notando isso, me perguntou: — Por que é que você tá me tratando que nem mosquito? E, novamente, não lhe disse nada; porque ele não era mosquito, era gente; porque, ainda que ele fosse uma porcaria de um mosquito, eu não ia responder, porque mosquitos não falam, nem entendem; e porque os mosquitos merecem mais respeito do que ele, ainda que não falem, nem entendam. E porque... Ah! — Te peguei, bandido! — foi o que eu disse, e dei com o jornal bem no meio do nariz dele.
Khrónos Sim, ela quis acreditar Que o tempo podia parar Enquanto o marido pagar Seu rosto não vai enrugar A toda hora um repuxar Sem medo de a cara entortar De tanta injeção de botox Não passa de mero xerox Marilena Moraes