Jornal Plástico Bolha #25

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plástico bolha

www.jornalplasticobolha.com.br | jornalplasticobolha.blogspot.com

Há três anos, em um dia úmido de verão, voavam folhas carregadas por uma brisa bem leve, na justa medida para alçá-las no ar, nos corredores da PUC do Rio de Janeiro. Os passantes que esbarravam com os papéis ou que se davam o trabalho de recolhê-los do chão deparavam-se com uma grande folha aberta envolvendo palavras. De maneira aparentemente insólita, eles começavam a ler aquelas palavras e logo percebiam que estavam tendo contato com a primeira edição do jornal Plástico Bolha. Cada um formava sua opinião; alguns riam, alguns comentavam e alguns simplesmente não pensavam no assunto, pois o que é involuntário quase sempre também é literário. Hoje, após três anos, algumas folhas a mais e muitas conquistas, vários daqueles passantes e muitas outras pessoas continuam lendo, levando e, algumas vezes, até participando. A grande diferença é que o vento não mais consegue carregar estas dezesseis páginas nas suas mãos ou na internet, por mais generosas que sejam; somente quem consegue são os nossos leitores que, depois de todo este tempo, permanecem fiéis ao leve estouro do Plástico Bolha.

Distribuição Gratuita

Ano 4 - Número 25 - Fevereiro/Março de 2009

leve literatura

Heinz L anger

Clint Eastwood importante esperar pelo último minuto,

DESTAQUES Entrevista com

pela dor inexplicável que nos fará jus à cruz que carregamos, invisível ferro, que gela nas artérias e antecipa o tiro.

Silviano Santiago, por Luiz Coelho

importante esperar pelo momento vazio

na coluna “Puzzles”

em que a dor trespassa então por pouco

A continuação de Jean Paul Sartre

e já não é mais dor, é tensão do mundo,

na coluna “Oráculo”

enxergar sem rédeas o terreno aberto.

Antonio Mattoso fala sobre novo cd de Adriana Calcanhotto A música em análises, notas e previsões por Santuza C. Naves, Mauro Ferreira & Raïssa Degoes textos de

não se colocar entre este e aquele século. seguir sem nome (pois o nome na pele) então engolir os séculos, regurgitar mais.

Camila Justino, Ciro Trevisan, Fábio Reis Vianna,

para remexer o caldo fundo sob a terra

Camila Felicori, César Urbano & Laura Erber

aparentemente árida, de cerne difícil,

Poemas de

e só então cuspir fora o sumo — dar o tiro.

Ramon Mello, Catharina Wrede, Ismar Tirelli Neto, Aline Miranda, Letícia Simões & Ricardo Domeneck

Leonardo Marona


BOLHETIM O jornal Plástico Bolha começou a circular em março de 2006, com quatro páginas e uma tiragem de duas mil edições. Ao longo destes anos, passamos por muitas transformações. A tiragem foi crescendo aos milhares até atingir as oito mil cópias no número 11, edição que também ficou marcada pelo fato de o jornal dobrar de tamanho, vindo agora com oito páginas. Assim ficamos até o número 17, quando novamente acrescentamos mais uma folha ao jornal, passando a ficar com doze páginas. A terceira grande transformação ocorreu no número 22, que, além do novo projeto gráfico, passou a vir com dezesseis páginas. No número 23, a tiragem cresceu para os dez mil exemplares e, desde a edição passada, já estamos com treze mil. E vocês, estão curiosos para saber onde é que isso vai parar?

Cartas Olá, Conheci recentemente o trabalho do jornal e muito me felicitei ao ler palavras em versos num jornal, coisa que há muito se perdera. Me comovi, me animei, me inspirei. Gostaria de enviar alguns textos meus para vocês por puro deleite. Ler que, além de montarem um jornal com poesias, vocês abrem espaço para ler os versos dos leitores e deixam a palavra fluir entre os que gostam foi realmente gratificante. Quem ama a palavra entende do que falo. Estão de parabéns!

Anita Coutinho via e-mail

Blog do Bolha Agora é de vez! O jornal Plástico Bolha chega com tudo na internet e, além do nosso site (www.jornalplásticobolha.com.br), temos um blog: o Blog do Bolha. Lá, nossos leitores podem encontrar parte do conteúdo que não saiu no jornal e informações sobre os nossos autores consagrados. Além disso, o espaço é usado para a divulgação de lançamentos, shows e eventos. Tudo regado a muita poesia!

Daniel Piras

jornalplasticobolha.blogspot.com

EDITORES Lucas Viriato | Paulo Gravina Editora-Assistente Marilena Moraes Conselho Editorial Luiz Coelho | Gregório Duvivier | Isabel Diegues Comissão Avaliadora Constanza de Córdova | Carlos Andreas | Nadja Voss | Mauro Rebello | Letícia Simões | Maria Silvia Camargo

Alice Sant’Anna | Bruna Piantino | Edson Santana | Manoela Ferrari | Cristiane Mendes | Rosimery Trindade | Nathanna Alves | Raïssa Degoes

Coordenação Daniela Pinheiro | Lucas Viriato Revisão Marilena Moraes | Rubiane Valério | Rafael Anselmé | Gabriel Matos DIAGRAMAÇão Mariana Castro Dias Equipe Márcia Brito | Beatriz Pedras Agradecimentos Carlos AA. de Sá | Jovino Machado | Maria Peres da Silva | Marília Rothier DISTRIBUÍDO no estado do Rio de Janeiro e nas cidades de Belo Horizonte, Vitória, Brasília, Salvador e Porto Velho | TIRAGEM 13.000 | IMPRESSO na CUT Graf ENVIE SEUS TEXTOS PARA redacao@jornalplasticobolha.com.br

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O Plástico Bolha já adotou a nova ortografia. Encontre as grafias novas!


2 poemas de Letícia Simões

Noite saí tropeçando fuligens. rastro de pólvora cola, descola medo da sua língua na minha — segurei. a mão quente medrosas gotículas brotaram do útero. essa flor é para você. Angelo Abu

Sopros escrevi bolhas de sabão. pois tive medo das palavras ficarem marcadas em sangue. e você bem sabe como é difícil limpar manchas vermelhas em pele tão branca.

aabu@bol.com.br

Derradeira madrugada Não tinha por que chorar, tudo já estava resolvido dentro do peito. Este ponto de ônibus neste nada, escuro e no meio de tudo. Porque o mundo está desabado bem aqui na minha cabeça. Mais uma vez, esperando a Kombi que me levará para a estação das barcas, neste ponto de ônibus de cimento, caindo aos pedaços e rodeado por mato com cheiro de queimado. Talvez este cheiro não me deixe nunca mais. Não é só cheiro de mato queimado, sinto também cheiro de pneu queimando misturando-se ao lixo. Aqui algumas pessoas transformam terreno baldio em depósito de lixo, depois ateiam fogo. O cheiro é horrível, mas não sei, acho que sentirei saudades. Sim, ela é a única pessoa que um dia me entendeu. Aquele sorriso sarcástico, a mão direita a segurar o cigarro e o olhar de pomba-gira rindo da minha desgraça. Mas ela entendia, e ria, porque talvez a desgraça dela fosse maior, e quando ela caía em desgraça era um pote cheio de mágoa; me ligava a qualquer hora da madrugada. Nós somos seres da madrugada. A lua sempre nos acolheu. Esta noite houve a conversa derradeira, acabou. Ao me despedir, antes de cruzar a porta, ela estava com os olhos marejados; então os virou, olhou para o chão e deu uma tragada. Caminhei pela estrada de terra até o ponto de ônibus. Foi ela quem terminou, disse que estava apaixonada por um cara, um cara mais velho. Sinto uma tristeza profunda, mas ao mesmo tempo certo alívio, não sei, é tudo muito forte, tanto que cansa. É como se estivesse voltando da guerra, meu corpo está pesado. Não há ninguém neste ponto de ônibus, apenas uma alma perdida, a minha. O céu, cheio de estrelas, parece que vai me engolir. Hoje é sábado, duas da madrugada, e as pessoas devem estar se divertindo.

www.leonardodavinci.com.br Av. Rio Branco, 185 – Subsolo – Ed. Marquês do Herval Centro – Rio de Janeiro/RJ Tel.: (21) 2533-2237

Avisto uma Kombi ao longe. Ao entrar, peço ao motorista que me deixe na estação das barcas. As ruas estão desertas, os subúrbios distantes do Rio de Janeiro, estão todos assim. A Kombi para. Um grupo de pessoas entra. Estão todos animados, parece que estão retornando de um baile funk. Conversam alto e riem. Eu estou lá atrás. Sinto-me protegido pela Senhora Madrugada, ela nunca me faltou. Rumo a Copacabana. Fábio Reis Vianna

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PUZZLES

por Nastassja Saramago de A. Pugliese

Jean-Paul Sartre: condenado à liberdade — Parte II A náusea é uma experiência que representa a fonte da percepção existencial; vem a ser um símbolo de autenticidade por revelar o âmago da sensação de existir. Deste modo, ela acaba por anular o peso de todo o valor pré-estabelecido. Fugir da existência é impossível, “existir é ser, apenas. Tudo é gratuito, este jardim, esta cidade, eu mesmo. Quando acontece de nos darmos conta, isso nos torce o coração e tudo passa a flutuar”. Essas são as questões existencialistas por excelência: como lidar com a liberdade absoluta e com o absurdo que é estar vivo. A filosofia existencialista se sustenta o tempo todo sobre essas bases. Nas memórias de Simone de Beauvoir, companheira de Sartre, ela relata que Raymond Aron, amigo do casal, quando volta de Berlim para Paris, vai com eles ao bar. Ali Simone se dá conta do que ela procurava na filosofia. Aron, tomando um coquetel de abricó, aponta para seu copo, olha para Sartre e diz: “Como vê, meu caro, fazer fenomenologia é ser capaz de falar deste coquetel e, dele, fazer filosofia”. Simone se emociona diante do que vê; porque, para ela, fazer filosofia era justamente isto: recriar a experiência cotidiana voltando-se para as coisas e capturando-as exatamente do modo como ao lado dos trabalhos propriamente literários, havia elas se apresentam para as ideias. o resto, quer dizer, tudo: o amor, a amizade, a política, Depois da guerra, ele funda a revista Les Temps Mo- as relações comigo mesmo... o que é que eu sei?” dernes. Muitos acusavam Sartre de ser uma influência O ser e o nada foi escrito ao mesmo tempo que o perniciosa para a juventude. Violentamente atacado, nazismo ocorria e foi publicado em 1943, no auge ele também foi extremamente mal interpretado. da Segunda Guerra Mundial. A principal tese do livro Sartre recebeu críticas ferozes como esta que saiu no está exposta na conferência “O Existencialismo é um jornal de direita Le Figaro: “Não há obra mais ofensiva Humanismo”. Seu princípio é “a existência precede a ao ser humano, mais degradante que a sua. O ódio é essência”, que quer mais ou menos dizer que a realia sua profissão e escrever é o seu hobby”. Isso porque dade concreta é anterior a qualquer abstração sobre queria desconstruir os costumes, dissolver as institui- ela. A primazia da existência sobre a essência implica ções e preconizar a imoralidade. Mas Sartre era sério a condição inacabada do homem, que precisa se por demais e sua ética era muito mais dura do que a criar, se fazer, se definir em sua própria existência. de qualquer moralista da época. Se não há lei moral a Desse modo, Sartre afasta-se de uma tradição que ser corroborada e se cada um deve viver sob a égide afirma que o homem possui uma essência intrínseca de seu próprio bom senso, a responsabilidade sobre e prévia e por isso está limitado e determinado por as ações recai toda sobre o indivíduo que a pratica. ela. Sartre assume que, na consciência do homem, refletir e existir são o mesmo e, portanto, é sua consPortanto, não há desculpas. ciência que determinará o correr de suas ações e o Sartre escrevia em meio ao público, sentado em sentido de sua própria vida. Desse modo, denuncia seus cafés prediletos em Saint-Germain-des-Prés. Ao que o homem erra ao acreditar que deus o criou. contrário da maioria dos filósofos, que se recolhem Para ele, é o homem que cria a ideia de deus. Nesse em bibliotecas e trabalham imersos em solidão e sentido, cada um é responsável pela realidade que silêncio, Sartre achava propício escrever em lugares cria para si próprio e pelos efeitos que essas formulotados de gente. “A única tarefa de minha vida lações causam no mundo. O homem deve, portanto, era escrever. Eu queria escrever e isso não era uma assumir sua condição de liberdade e, virtuosamente, questão, isso não foi jamais uma questão. Apenas, ter uma existência autêntica.

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Pequena advertência teórica: Existem vários tipos de existencialismo e é falaciosa a ideia de que Sartre inaugurou o movimento. Kierkegaard foi inspiração para as reflexões existencialistas, e suas ideias chegaram à França nos anos 1920 e 1930, graças aos imigrantes russos Nicolau Berdiáev e Leon Chestov. Mas as maiores influências foram Heidegger e Husserl. Este, tendo como lema “de volta as coisas mesmas”, desenvolve o método fenomenológico, na intenção de superar a oposição entre sujeito e objeto, entre realismo e idealismo. Para Husserl, a consciência se caracteriza pela intencionalidade e sua experiência reflexiva, em que o mundo, para ser capturado e ter seu modo de constituição apreendido, precisa “ser colocado entre parênteses”. Mas a filosofia existencial de Sartre é singular e por isso vai além: ele não apenas coloca o mundo entre parênteses, mas captura-o em hífens, infere travessões, joga-o frente ao vazio dos dois-pontos e deixa as interpretações terminarem em reticências...

Sugestões de Leitura: Sartre, Jean-Paul. O muro. —A náusea. — Entre quatro paredes — Idade da razão — O existencialismo é um humanismo; A imaginação; questão de método in Os pensadores. Editora Abril, 1973. — O ser e o nada. Da Penha, João. O que é existencialismo. Coleção Primeiros Passos, Editora Brasiliense, 1992. Rowley, Hazel. Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre Tête-a-Tête. Editora Objetiva, 2006. COHEN-SOLAL, ANNIE. Sartre Un Penseur pour le XXIe Siècle. Decouvertes, Gallimard, 2005.


MULHERES-DAMAS por Nicole O’Hara Carmem Miranda Veio Maria do Carmo Logo ganhando outra alcunha Mira como anda Essa tal Carmem Miranda Cabrocha que veio do Porto Trazer pra cidade O samba rasgado Veja o que ela usa Essa cabeça cheia de frutas Com sua boa vizinhança Fez-se um raio de esperança Explodindo em música Terminando barbitúrica

Depois do fim

Para ler em voz alta por Vivian Pizzinga Mala desfeita Abrindo a mala, desfez-se de tudo, desfez-se da mala, das roupas, da vida. A mala vazia, diante de si. A mala aberta, vazia e calada. Abriu-se de tudo que antes trazia, fechou-se de ontens, de dias, de quases. Queria um novo espaldar. Cadeiras quebradas não a sustentavam. A casa vazia e a mala aberta, a vida murchava. A mala murchara, a casa embargara. A vida alongava-se pra frente e pra trás, a vida era aberta, era incerta, era torta, era morta. A mala já morta olhava sem rumo, a mala opaca de dias felizes. A mala encarnava um passado distante. A mala cansada de muitas viagens, abrira-se toda. E ela, diante da mala, diante de si, diante da casa, vazia, silente, sonâmbula, pensava em bobagens. Abria-se a mala sem nada a lhe dar. E ela, então, levantou-se. Diante da mala, diante de si e diante da vida, guardada na casa, deserta. Olhou para os lados, míope que era. Via-se toda, e sem nada por perto, e sem nada por dentro. Via-se ausente. E a mala também. E a casa, de vidro. Paredes translúcidas. Não havia mais nada. Apenas ela, apenas a mala. Sobre o chão, descascado, azedo. E a vida, descascada, amarga. E a mala, sem casca, sem casa, sem rumo. Ela e a mala, dentro da casa, cansadas da vida, viagens, visões, não tinham o quê. Não tinham qualquer. Não sabiam de onde, não sabiam pra onde. Não se sabiam, tampouco. Não havia o que fazer, e o mundo caía. Sobraram lembranças, soçobraram vinganças — a vida era rouca, a mala era surda, a casca era tênue. Acabara-se o prumo, a casa apagou-se.

joguei fora a carne seca que apodrecia sob o sol poeirento do meio-dia no meio da sala do apartamento no corredor que leva aos quartos empurrei o primeiro cristal que derrubou o segundo que derrubou o terceiro até que sobrou só o ruído dos meus passos pisando o vidro entrei no quarto tirei o sapato e comecei a dançar Renato Nogueira Neto

Na casa de minha avó tinha aquele espelho grande com dois espelhos móveis laterais. Eu os abria e me via refletida ali, infinitamente. E brincava com os diversos ângulos que meu rosto poderia ter. Aline Miranda

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BOLHAS GERAES Amores d’além mar

Mudo

Acordou pensando ter escutado seu nome, mas era apenas o despertador que o chamava para mais um dia naquele lugar estranho. Londres era fria e não tinha sonhos durante a maior parte do ano. Sentia vontade de chorar, mas não fazia seu gênero. Era forte. Nem mesmo sua despedida havia sido melancólica. No fundo, sentia, realmente, vontade de chorar.

Foi ontem; eu descobri que não tenho mais voz. Eu empurrava minha própria cabeça no travesseiro. Eu me erguia de costas. Fechava os olhos. Sentia o calor da grama no meu corpo. Inspirava profundo e sentia o cheiro da terra molhada pela chuva. Hoje mesmo eu me vi, estou tão cansado. Hoje mesmo eu me vi, eu não tenho mais rosto, eu não tenho corpo. Eu descobri que eu choro por um olho só. O corpo na minha frente, as palavras escorregavam. Eu tinha logo um tumulto. Meu corpo, minha mente, toda bagunçada. Que perda de tempo. Eu não sirvo pra nada. Você tá me ouvindo? Claro que não, ontem eu descobri que eu sou mudo. Tá vendo esta marca no meu rosto? Este corte no meu peito? Pois é, eu sou mudo. E eu acho que é até prazeroso permanecer calado. Esse lugar parece uma montanha, seu corpo parece uma montanha. A televisão continua falando. E continua chovendo. Acho que nunca vai parar de chover. E a culpa é minha. Talvez minha dor de cabeça seja só um aviso. Esta lágrima, este pranto todo diz alguma coisa. Não diz? Hoje mesmo, eu me olhei no espelho. Talvez eu seja mais bonito que eu imagino. Tá chovendo, está tudo sumindo, está sumindo sem fazer nenhum barulho. E eu estou entendendo. Eu acho o amor uma mentira. Eu acho felicidade uma mentira. Eu acho que já está amanhecendo. Tem cheiro de morte saindo da terra. E talvez este bicho, este verme que está me comendo vivo seja prazer.

Aquele aperto no coração havia lhe perturbado outrora, tanto que já, até mesmo, havia sido indicado a um cardiologista, mas este teimava em atestar que era forte como touro. Sentia falta de lugares d’além mar. Sentia falta daquele cheiro. Sentia falta dos seus sonhos. Sentia falta daqueles cabelos longos em sua cara todas as manhãs. Eram lindas aquelas manhãs. Aquela terra fria não era bem o que sonhara. Quando pequeno, sonhava em morar em uma praia cheia de palmeiras verdejantes. Adorava clichês. Com o passar do tempo os sonhos foram se desgastando assim como a idade. Não aguentava mais ouvir falar em sonhos. Deixara tantos para trás que nem mais se importava se ainda tinha algum em sobejo nos confins da alma. Não somente sonhos deixara para trás. Pessoas também. Morria de vontade de ligar e falar que sentia falta, mas era deveras orgulhoso. Saudade era uma palavra que não falava mais, no máximo dizia um singelo miss you. Nem de longe tinha o mesmo impacto. Ainda deitado, perdido em seus próprios pensares, não fazia questão de levantar, não fazia questão de acordar. Perdera toda a noite anterior olhando as estrelas e fazendo contas para descobrir quanto tempo levaria para nadar todo oceano de volta pra casa. Sim, era o que pensava, seria impossível. Quando chegasse, se chegasse, já estaria velho demais até mesmo para se reconhecer no espelho, mais ainda para reconhecê-la. Depois de tanto tempo nem a voz adocicada, que no passado o conquistara, seria a mesma. O telefone tocou. Nunca o chamavam. Podia ser ela. O que diria? O que conversariam? O telefone tocou mais uma vez. Como ela estaria? Estaria com alguém? Mais um toque. Estariam realmente felizes? ... Fez-se um silencio mórbido. O pior que já escutara. O telefone não tocava mais. Caiu-lhe uma lágrima perdida. Outro dia começava. Será melhor assim — pensou. Levantando-se, não percebeu, mas deixara mais um sonho para trás — talvez, não só um sonho, mas deles, o último.

César Urbano

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Ciro Trevisan

O outro Carmelina gostava de procurar cacos seus nos outros. De modo contente e alegre, ela sabia sempre os melhores caminhos, os melhores percursos, para chegar aonde quer que fosse. Às vezes caminhava muito, mas chegava, ela sempre chegava, e o que lhe permitia certa tranquilidade, aquilo chamado pelos gregos de ataraxia, era a quase certeza que chegaria. Isso porque se considerava uma moça de sorte, tudo acabava dando certo e se ajeitando; a única coisa que não era definitivamente ajeitada era ela: cabelos despenteados, rosto de expressão cansada, corpo trêmulo, mas sempre um sorriso, um sorriso verde que refletia sempre a sua tranquilidade esperançosa. Para ela, era como se não houvesse liberdade, portanto ela não teria que se preocupar com quaisquer escolhas que fizesse, pois, ao final, ela sempre chegaria ao mesmo lugar. Com essa visão determinista da

vida, ela não via motivos para se afligir e assim seguia a vida, sorrindo. Um dia, seguindo um dos caminhos que escolhera, se deparou com o espelho. Levou um susto enorme ao enxergar não apenas cacos de si, mas ela toda, completamente traduzida em um outro, o seu outro. No primeiro momento não se assustou, apenas pensou tranquilamente, [que pessoa estranha esta que acabei de conhecer], mas logo percebeu o que ocorria. Não era ele, não outro, mas ela, completamente identificada, em um espelho no qual poderia tocar, sentir, ouvir, um eu-outro completamente externo a ela. Começou, então, a sentir-se incomodada com o sorriso esverdeado dele e com toda a leveza como ele via as coisas, a vida e as cores, e teve uma vontade imensa de fugir. Olhou para os lados e viu não haver qualquer obstáculo que a impedisse de fugir e, logo em seguida, percebeu viver um momento muito distante da ataraxia, outrora imperativa em sua vida. Sentiu uma pequena dor no peito quando ele a olhou com aqueles dois olhos imensos. Totalmente vulnerável, pensou o que lhe poderia dizer, mas não conseguia dizer, nem correr, nem fugir. Ficou ali em pé, parada, tremendo, violeta, brilhante. Olhou para o chão e ali encontrou algum apoio para o que sentia, o chão não refletia sua imagem, o problema era o espelho, o espelho logo descobriria todos os seus segredos e ânsias, todo o seu sofrer sorridente, toda sua alegria lenta, toda sua presença aparentemente tranquila, mas verdadeiramente leve. Ele a olhou e viu uma pessoa totalmente diferente dele, totalmente outra, [que mulher estranha esta que me olha assim, tão assustada, como se eu fosse capaz de feri-la, de parti-la em pedaços]. Olhou para os lados e não havia ninguém perto que o pudesse ajudar na compreensão daquela estranha tremendo frente a ele. Que novidade era esta de momentos estranhos como aqueles? Pensou em dizer algo para expressar o estranhamento, mas isso poderia parecer a ela um pouco... rude. Olhou-a novamente e logo o sentimento de estranhamento mudou. Vontade de apreender aquela alteridade e buscar compreender-se a partir dela. Ensaiou um sorriso, sentiu vontade de abraçá-la e assim o fez. Ela, que não teve forças para desvencilhar-se nem sorrir, deixou-se abraçar e chorou todas as lágrimas de sua presença ambígua. Camila Felicori


CONTOS INSÓLITOS Ovulação segundo dia de Ovulação ninguém dá um vintém para minha ovulação. o mundo não se importa porque todos estão com contas atrasadas para pagar, todos têm que se preparar para o verão malhando numa bicicleta que não sai do lugar sem perceber se o vento lá fora está soprando mais forte. se a tempestade está chegando. não querem saber se a reação química do meu corpo é magia divina, é dádiva da vida, assim tão cheia de complexidades simples. tão puro-cheio. não. de jeito maneira, o dia tem 24 horas, o ano, 365 dias e corre porque agora é agosto, depois é dezembro e existem filas pra enfrentar trânsito, ponte aérea, reunião, médico, dentista, buscar o filho na escola, ligar pro marido comprou o rabanete? e eu. eu ovulando tentando captar uma borboleta voar, eu carrego a esperança dentro de mim. eu acalmando meus óvulos inquietos. eu tentando entrar nos olhos do guardador de carro, eu estou ovulando, percebe? não. o importante é que o contrato milionário está para ser fechado. e o meu contrato em aberto só segue ao que não existe no papel, ao que não depende de ponteiro, de pontuação ou de qualquer assinatura. é o meu corpo se desenrolando no seu ritmo próprio. calmamente e pulsante. mas é besteira porque é preciso atender o telefone. ligação de gente importante. internacional, tá sabendo? então fechado. ah! e não esquece de avisar pra empregada arrumar aquela baderna, uma incompetente, não faz nada do jeito certo. eu ovulando. as pessoas se cruzando na rua, no ônibus, no carro, o tempo passando, o dia chegando ao fim. é mais importante do que pensar que o mundo está quase no fim. as estrelas aparecem mas a janela deve ser fechada porque o tiro pode chegar pela culatra ou não, ele chega, não se sabe de onde. as portas trancadas. os sonhos perdidos. as preocupações. emergências devem causar insônia. eu deixando de ovular. amanhã tem que acordar cedo. e comprar rabanete. como se deu a Ovulação acordei sonhando que meu ginecologista subia em cima de mim, eu cedia passivamente a cada movimento que ele insinuava. depois de breviamente sóbria, um leve susto pairando: de onde tirei esse sonho? depois

de pôr o pé no assoalho frio, depois do banho, do pão, de bochechar Colgate, de pentear o cabelo, e, logo em seguida, uma chacoalhada nos fios dando um ar natural, suuuper natural, e de passar o olho no jornal, as últimas notícias, as de sempre. parti. parti para a jornada com o Carlton aceso e um friozinho na espinha. meu destino era o Doutor S. lá, tira a roupa, a vergonha fica, o nervoso da pinça torcendo meu útero, e raspa ali, olha dali e daqui, passa um cano, uma câmera passando por minha vagina, os dedos de Doutor S. também passando, gesticulando. o que mais suporta minha vagina? eu segurando o braço da Dona Miriam. ai, meu Deus. nada de Doutor S. subir em cima de mim com as mãos fortes. eu só vejo os olhos azuis que adentravam minha vagina por cima do tecido também azul que cobria minha doce piriquita (assim Doutor S. chama). — minha filha, você está ovulando. você está realmente ovulando. olha a tela. ele agora focava seus olhos na tela, embasbacado com minha ovulação, assim suponho. uma bola enorme, uma bomba de chocolate piscando. quanto aos exames, toneladas de papel e potinhos com isso e aquilo, eu já nem escutava o que Doutor S. falava. não me importava. porque eu estava ovulando. e para quem ovula o mundo é outro, é diferente. carregava dentro de mim princípio de vida e agora eu entendia o que meus quadris estavam querendo dizer ao sair dali. eu derramava um mel afiado que escorria dos meus óvulos que maduros cintilavam. eu sentia meus óvulos pulsando, dando cambalhotas na trompa. sim, eu estava ovulando. e cada passar de mãos nos cabelos era iniciativa da minha ovulação, cada passo minuciosamente calculado. cada gesto fazendo minha pele arrepiar pelo vento que esbarrava, nos meus óvulos. a minha ovulação. e sorri para as crianças, para o senhor, para a moça, para a secretária, para o poste, para o carro, para as placas, para a calçada, o senhor das balas, balas açucaradas de caramelos, para a rua, quanta gente passando, quanto suor, quanta respiração ofegante. o mundo devia ser habitado por mulheres que ovulam permanentemente. do celular mandei mensagens que deixassem subentendido o que meu corpo exalava. não me importava se é segunda-feira, muito menos se são nove horas da manhã. eu sabia e o mundo precisava saber. eu estou ovulando e estou no cio.

Sempre dúvida cheguei com uma dor nublada no peito e aquela voz fora de foco que você conhece bem. Leio calada o detalhe da sua boca quieta que diz tanto. Mudamente lhe pedi socorro Mudamente me socorreu. Catharina Wrede

Eu escrevi cartas de amor que ficaram perdidas em uma velha gaveta. Agora, revendo-as Vejo Que elas falam e entendem de amor Muito mais do que tenho falado ou entendido Luciano Lanzillotti

Camila Justino

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POR DENTRO DO TOM

por Santuza Cambraia Naves

O mestiço e o negro na música brasileira O mestiço (1) Mário de Andrade postulou, no Ensaio sobre a música brasileira, de 1928, a recriação das sonoridades populares, sobretudo as folclóricas, no âmbito da música de concerto. Esse procedimento em muito contribuiria, segundo ele, para a constituição da identidade nacional, na medida em que os traços essenciais da brasilidade estariam contidos nas cantigas do povo. Assim, caberia aos compositores “interessados” nesse projeto construtivo pesquisar os sons populares cujas origens remontam às “três raças” (a ibérica, em si mesma híbrida, a amarela, representada pelo indígena, e a negra ou africana) e desenvolvê-los num registro erudito. Heitor Villa-Lobos, entre outros músicos do período modernista, levou a cabo essa proposta de Mário, ao mostrar-se atento para os sons miscigenados das mais diferentes regiões do país — do choro carioca às toadas tradicionais de outros estados — e trabalhá-los em formas sinfônicas ou camerísticas.

que qualquer outra forma artística, comentasse o período conturbado que se seguiu ao golpe militar de 1964.

Foi a partir desse momento que o compositor popular no Brasil agiu como crítico e intelectual. A atuação crítica se deveu à retomada do estilo bossa-novista de compor, que utilizava, como os artistas vanguardistas do início do século XX, recursos metalinguísticos e intertextuais. Lembremos, a propósito, que a formação de Tom Jobim não passou por conservatórios tradicionais, mas por professores particulares que valorizavam atitudes experimentais no campo artístico, como é o caso de Hans-Joachim Koellreuter, músico alemão que, ao aqui se radicar, no final dos anos 30, introduziu a música dodecafônica e fundou o movimento Música Viva. A educação de Tom deveu-se também a figuras ligadas ao modernismo que aqui se instaurou, tais como Tomás Terán, pianista espanhol que veio morar no Brasil em 1930, a convite de Villa-Lobos. Algumas décadas depois, em meados dos anos 60, E não são poucos os músicos e críticos que veem foram os compositores populares que deram con- convergências nas sensibilidades musicais de Villatinuidade à prática de recriar os sons oriundos das Lobos e Tom Jobim. Edu Lobo, por exemplo, em três etnias em questão. Esse fenômeno aconteceu entrevista a mim concedida, declarou que “a bossa a partir do surgimento de uma nova categoria no nova tem a alma do Villa”. cenário cultural do país: a Música Popular Brasileira, representada pela sigla MPB. Em comum com a Se o procedimento crítico remetia ao próprio procesproposta modernista, a MPB não apenas visava for- so de composição, a conduta intelectual, por outro talecer a identidade nacional pela música (no caso, lado, voltava-se para o compromisso do compositor a popular) como também procurava representar o com o seu tempo. Trata-se aqui de uma concepção Brasil por esse triângulo racial. Assim, compositores mais ampla de intelectual, que remonta à experiênda estirpe de Chico Buarque de Holanda e Edu Lobo cia de vincular a arte e o conhecimento às questões atuaram no sentido de reunir em suas canções infor- da vida pública e teve início com o engajamento de mações poéticas e musicais tanto locais quanto uni- artistas e escritores franceses no caso Dreyfus, na versais, tanto referenciadas à “baixa cultura” quanto virada do século XIX. Os modernistas, de maneira à “alta”, burilando-as, como na receita modernista, geral, atualizaram essa atitude, procurando vincular num registro que destoava da concepção corrente a arte com a vida. Entre nós, os artistas vinculados ao movimento assumiam compromissos públicos, de cultura popular. a exemplo de Mário de Andrade e Villa-Lobos, que Os dois compositores citados criaram seus estilos desenvolviam projetos culturais, ocupavam cargos musicais com base no processo de selecionar de- e envolviam-se em polêmicas culturais. terminados repertórios legados pela tradição, conciliando-os, a exemplo dos músicos bossa-novistas, Os músicos da MPB incorporaram do modernismo, com informações provenientes do jazz e outros junto com o ideal da mestiçagem, a concepção gêneros estrangeiros. E de maneira semelhante a filosófica fundamentada na ideia de “arte interesVilla-Lobos, que transpunha músicas folclóricas ou sada”. A bandeira da mestiçagem, portanto, nesse populares para um registro erudito, os emepebistas, contexto, significou não apenas uma receita esembora operassem no registro considerado popular, tética, mas também e principalmente um projeto recriavam sonoridades locais — certa tradição do construtivo voltado para a conformação da idensamba carioca, no caso de Chico Buarque, e ritmos tidade brasileira. pernambucanos, no de Edu Lobo — pelos parâme- Na próxima coluna, discutirei o tema da negritude tros de sofisticação musical inventados pela bossa na música brasileira. nova. Investiu-se também na ideia de MPB como o centro de confluência de questões políticas e culturais, fazendo com que a canção popular, mais do

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NOTAS NO PLÁSTICO por MAURO FERREIRA Disco celebra a poética obra musical de Cacaso Já está em fase conclusiva de gravação um disco que celebra a obra musical de Antônio Carlos Ferreira de Brito, o poeta Cacaso (1944-1987), apelido que virou nome artístico usado pelo mineiro para assinar seus livros e letras de música. Idealizado e bancado com recursos próprios pelo produtor Heron Coelho, o CD já despertou o interesse de duas gravadoras indies, Biscoito Fino e Lua Music. Intitulado Cacaso: letra e música, o disco apresenta regravações inéditas da obra musical do letrista de sucessos como “Amor amor”, “Dentro de mim mora um anjo” e “Face a face”. Na lista de intérpretes, constam parceiros de Cacaso — revelado em disco de 1964, com João amor e Maria, parceria com Maurício Tapajós — como Danilo Caymmi, Francis Hime, João Donato, Sueli Costa e Zé Renato.

Orixá da Mangueira, Xangô sai de cena aos 85 Carioca, ele foi criado no bairro do Estácio, se iniciou no samba numa escola de Rocha Miranda e chegou a ingressar na Portela. Mas foi ao entrar em 1939 na Mangueira — a escola de samba que adotaria até no sobrenome artístico — que o bamba Olivério Ferreira, mais conhecido como Xangô da Mangueira, logo se consagrou. Inicialmente como puxador — função que ocupou até 1951, ano em que passou o bastão para Jamelão (1913-2008) — e, mais tarde, como hábil diretor de harmonia. Essa trajetória luminosa na escola verde e rosa se encerrou na noite de quartafeira, 7 de janeiro de 2009, data em que Xangô da Mangueira saiu de cena, aos 85 anos. Nascido em 19 de janeiro de 1923, Xangô foi também mestre no improviso e — não por acaso — seu primeiro (tardio) LP, editado em 1972 pela extinta gravadora Copacabana, foi intitulado Rei do partido alto. A discografia solo do artista teve seu auge nos anos 70 e se encerrou em 1982, com o álbum Xangô chão da Mangueira. No mundo do samba, Xangô sempre foi tratado com respeito e a devoção de um orixá. Fora desse universo, contudo, que o compositor nunca conseguiu a popularidade obtida — por exemplo, por seu fã Cartola (1908-1980). Que o tempo corrija a injustiça!... Para ler mais notas musicais, acesse http://blogdomauroferreira.blogspot.com


FUTUROS ESTOUROS

por Raïssa Degoes

DoAmor Eles já tocaram na banda Carne de Segunda; na verdade, começaram a tirar som juntos em 1993, ainda meninos. “Aqueles meninos tocam muito” — era o que se ouvia por aí. Desde cedo impressionaram e marcaram a cena carioca. Pois é, agora já são uns caras e, dedicados, não somente “tocam pra caralho”, como também são alguns dos melhores músicos da hora. Os caras são mesmo da hora, mora? Eles são DoAmor, e Do Amor são Ricardo Dias Gomes, Marcelo Callado, Gustavo Benjão e Gabriel Bubu. Certamente vocês os viram por aí, na nova banda de Caetano Veloso (Ricardo e Marcelo), na finada Los Hermanos (Gabriel Bubu) ou com Lucas Santana (Gustavo Benjão), e com muitos outros artistas que, sem querer marcar bobeira, contratam alguns ou todos eles. Mas o bom mesmo é vê-los juntos nesse projeto próprio. O show é incrível, o balanço é bom, as letras, inteligentes, e as referências, múltiplas. A lista de influências no MySpace passeia por Metallica, Ween, Carnaval, Beatles, Devo, Pepeu Gomes, Zumbi do Mato e Lúcio do Leblon.

porque já vinha fazendo essas gravações na casa do Gustavo. Na época, a Nina Cavalcanti tava produzindo e pensando em ter um selo também; aí lançamos o EP”, completa Gabriel. “A gente chamou o Moreno (Veloso) para participar da parada, precisou de um upgrade e o Moreno pilhou de mixar”, diz Marcelo. “Foi um cara que entendeu a pilha e usou suas madrugadas para fazer a parada”, comenta Ricardo. O tal EP já está esgotado, mas os rapazes estão gravando um disco com Chico Neves e pensam em lançar outro EP enquanto esperam pela finalização do CD. Há DoAmor começou de uma vontade de o grupo voltar também o registro no MySpace. O fato de a banda fazer a se juntar e, a sério, formar uma banda para tocar suas muito show pelo país empresta cada vez mais força à músicas e versões. Encontravam-se na casa do Gustavo, sua música e gera diferentes registros. isso no início de 2006; gravavam os ensaios e refaziam aquilo que ouviam. Desses encontros saiu um CD gra- Eles contam que começaram investindo muito, indo pra vado com o microfone aberto e sem muita preocupa- todo lugar, topando vários shows até chegar ao ponto ção. “O CD foi parar na mão do Diego, lá do sul (Medina, onde estão hoje. “Muito legal desse nosso começo foi ex- Video Hits). Ele botou no soulseek e nosso amigo tocar em festivais pelo Brasil; em Cuiabá, Rondônia, cdf, Pedro Montenegro, baixou e mandou de volta. Aí, Porto Velho, tem bandas dos mais diferentes estilos e o tínhamos um CD, um registro. A banda nem tinha no- público desses festivais é muito esperto, interessado em me”, conta Bubu. Depois disso veio a ideia de gravar um conhecer coisas novas”, diz Ricardo. “Uma galera que, EP, que seria o cartão de visitas da banda. “A gente se antes do festival, já entrou no MySpace para conhecer pirulitou para Vargem Grande por uma semana. Ficava a banda”, fala Gustavo. O encontro com essa galera o dia inteiro gravando no estúdio montado pelo Chico de fora do Rio, longe dos amigos, trouxe uma maturiNeves. É um ponto de cultura, o Chico ensinou essa coi- dade para a banda. Embora todos já tivessem rodado sa técnica de estúdio para a molecada da comunidade; pelo país, e até fora dele com outros artistas, esta foi hoje eles administram o estúdio e gravaram a gente. Foi a primeira vez em que isso aconteceu com o projeto “do caralho”, lembra Benjão. “A gente foi ágil no processo próprio — como explica Ricardo, “A gente dá a cara a

tapa, mesmo. Falo por mim; quando comecei a cantar, não me sentia confortável, nunca tinha cantado. Tem uma coisa interessante, vem da maturidade, mesmo; fazer o seu trabalho é um desafio de outra ordem, um eterno encontro com seus limites”. Gabriel Bubu concorda: “O acúmulo da experiência legitima toda a coisa; quando a gente toca com outro artista, a experiência é mais daquele artista, a gente pode enxergar aonde está chegando com o nosso trabalho”. “E a gente não tem controle sobre o que as pessoas vão pensar do trabalho e isso é fundamental, senão, seria uma neurose”, afirma Ricardo. “Aprendemos isso tocando por aí; poderíamos nos colocar da seguinte maneira: Brasília é mais rock; São Paulo, mais indie rock; e a gente tira uma música mais Bahia ou mais suingue, deixando o rock. Mas a gente deixou o contraste acontecer. E acabou que isso foi um diferencial”, avalia Bubu. “Mas isso pode ser diferente é uma coisa que a gente tem e pode brincar do jeito que for”, diz Marcelo. “A banda tem uma característica desencanada, chega chutando canela mesmo”, fala Ricardo. “A gente chuta de maneira simpática”, lembra Gustavo. Sim, de maneira muito simpática, carismática e alto astral. Onde passam são bem recebidos e podem conquistar todo tipo de público. Assim, não fique de bobeira se arrastando pelos pilotis; corra até a internet e vá ouvir este novo estouro: DoAmor. http://www.myspace.com/doamor

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Os pés alheios nos próprios glúteos

3 poemas de Ramon Mello

a Hilda Machado e Angélica Freitas Ninguém que engula

VINIS MOFADOS

espera de Medeia

o brio feito broa se o kit-sobrevivência dita às vezes vingança: direciona a proa do orgulho à jusante das consequências a Jasão & que claudique Gláucia, furunculose na fuselagem do meu ego fusível, sem eco e sindicato. Até eu, Brutus, não saberia precisar o que Arthur diria estes dias de Guinevere. Não me importa a balança deste déficit ou se o senhor promotor ousa o sucesso na condenação do processo em prol de Troia das árvores para o cavalo de seu calvário. Que traia quem toma-se por troféu. Não sei quem indique onde assino que aceito o ponto de combustão do meu empalhe, o ângulo que auxilie a gota d´água à véspera da queda, se não choramingo ao fogo que me poupe escamas ou não me lamba o estofo: tal qual descalço não hei-de sentir descaso nas bolhas que separam, com água, as solas da brasa, a derme das cinzas: que me arda até extinguir *eu, mucosa hidratada a sal de Ló, ensinaria a Bishop a arte da perda de loterias como hábito e destino, e discursaria a cummings algo de lonetude em ser o terceiro ornitorrinco de contrabando em qualquer arca de Noé distraído. Isto, sim, one art.

Ricardo Domeneck

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resolvi organizar a bagunça na estante: palavras empoeiradas fotografias letras de música vinis mofados e uma coleção de romances fracassados

LADO B desculpa mas essa música não quero mais ouvir sua voz arranhada já não convence vira o lado do disco aproveita e dorme

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DESAFIO POÉTICO Na última edição desafiamos nossos leitores a escreverem um poema que dialogasse com algum poema canônico. Drummond e Bandeira seriam de longe os escolhidos pelos leitores para um bate-papo numa mesa de bar. Para o próximo mês, o desafio será escrever um poema narrativo, ou seja, além de lírico, ele deve contar uma história.

Desconstrução Entrou no botequim como se fosse um pássaro Pediu um “mé” que fosse bem mais aromático Ergueu a aguardente como se fosse um lábaro Os breves goles só lhe deixaram mais trêmulo Bebeu a aguardente como se fosse o último Gole de anis, licor de hortelã ou de pêssego Olhava pra uma senhora se achando o máximo Piscava e paquerava em gestos nada lógicos Queria ainda que o tratassem como o único Cliente, porque se dizia muito assíduo Foi posto para fora e ficou estático Lançou depoimentos altamente apócrifos Gritou, esbravejou e tropeçou nas sílabas Falou muita besteira sem nenhum escrúpulo Perdeu todo seu respeito feito um decrépito E atravessou a rua extremamente bêbado Sentou no meio-fio e debulhou-se em lágrimas Morreu anos depois com problemas no fígado.

Então, estão esperando o quê?

Paulo Henrique Motta

NOVA QUADRILHA João fornecia a Teresa que mandava a Raimundo que repassava a Maria que entregava a Joaquim que vendia a Lili que não dava a ninguém. João trazia dos Estados Unidos, Teresa, da Colômbia, Raimundo morreu de overdose, Maria injetava na veia, Joaquim suicidou-se e Lili passou a comprar de J. Pinto Fernandes que era do morro rival. Pedro Rabello

Era uma vez... Envie seu Desafio Poético para jornalplasticobolha@gmail.com.br

O bicho do “Manel” O bicho não saiu da minha cabeça Tal como relatou Bandeira Comia restos Engolia poeira Devia andar de quatro Se é que parecia um rato. Só assim para confundir seu rastro Pensei num cão Que chupa o osso da janta E vive cheio de comichão Na verdade não, Ele era gente, Gente indigente Gente doente, Um homem em decomposição. O homem, meu Deus, era um bicho

ZEN NO MEIO DA PEDRA TINHA UM CAMINHO. TINHA UM MEIO NO MEIO DA PEDRA. UM CAMINHO DO MEIO NO MEIO DA PEDRA Carlos Junio

Henrique Fagundes Carvalho

Veja outros Desafios Poéticos em nosso site: www.jornalplasticobolha.com.br

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ORÁCULO

por Antonio Mattoso

MAR DE POSÍDON, MAR DE IEMANJÁ ou VAMOS BEBER CALCANHOTTO Após uma incursão pelo heterônimo Partimpim (2005), o CD Maré (Sony-BMG, 2008) traz de volta o ortônimo Calcanhotto e, mais uma vez, o mar como tema. Durante a temporada portuguesa do show Maré, a cantora vivenciou um surto psicótico devido a um coquetel de remédios, relatado em primeira pessoa em seu livro de estreia Saga lusa (Cobogó, 2008). Phármakon, traduzido para latim por medicamentum, significa qualquer substância pela qual se altera a natureza de um corpo — daí veneno, droga e remédio. Segundo Jacques Derrida, “o phármakon, mesmo usado para fins terapêuticos como um remédio, não é inofensivo”. Em Saga lusa ocorrem duas viagens: uma química, que leva à alteridade; outra “em alto-mar, a meio caminho entre a Europa e a América”, que traz a ipseidade. Se Odisseu, após sua viagem, precisa se fazer conhecer para os seus, Calcanhotto, para si mesma. Mas sobre o livro falaremos em nossa próxima coluna. Voltemos ao CD. Assim como a contemplação do mar nos convida para navegar, Maré seria a carta de navegação de Calcanhotto por toda sua polissemia. Limitar-nos-emos ao mar mitológico, ao mar de Posídon, ao mar de Iemanjá e ao imaginário marítimo. Pelo que se pode depreender da cosmogonia homérica na Ilíada, Oceano é um rio imenso que habita um espaço informe, anterior à existência do Céu e da Terra e Tétis, uma massa d’água que ainda não se diferencia muito de Oceano. A origem do mundo e dos seres relaciona-se, portanto, ao elemento hídrico, cujos principais atributos são a fluidez e o dinamismo. Nem a grande força do Oceano de corrente profunda De onde todos os rios e todo mar E todas as fontes e os poços profundos fluem

(Hom., Il., XXII, 95–97)

Como os deuses em Homero se revelam em suas ações e genealogias, Oceano se uniu a Tétis e gerou todos os seres, conforme o verso “Oceano, gênese dos deuses, e a mãe Tétis” (Il., XIV, 201 e 302). Quando o mundo se organiza sob a ordem da cultura, no centro dos principais acontecimentos encontra-se Zeus, exercendo o princípio de soberania e fecundação; por isso, Oceano e Tétis, o casal original, segundo Homero, passam a viver na periferia do universo e não mais dormem juntos. Por terem perdido seu poder de geração, tornaram-se deuses ociosos. Zeus, no entanto, divide o poder com seus dois irmãos: a Hades coube o mundo ctônio e a Posídon, o mar. Há, na mitologia grega, muitas divindades associadas aos rios e ao mar, mas é justamente a partilha do universo que outorga a Posídon a soberania das águas salgadas simbolizada pelo seu tridente. Os navegadores sacrificavam touros ao deus em prol de travessias seguras pelas vias úmidas de Posídon, e os pescadores de atum consagravam-lhe oferendas em alto mar e ofertavam-lhe as primícias de suas pescas. Com a nereida Anfitrite, rainha do mar, Posídon gerou Tritão, um ser híbrido, um homem-peixe, representado por uma concha, kókhlos, que também serve de instrumento de sopro. Existe em grego outro vocábulo para concha, kónkhe, que, por empréstimo linguístico, corresponde ao latim concha, -ae. Os meninos, levando essas conchas aos ouvidos, acreditam ouvir o rugir do mar e suas ondas. Em seu simbolismo, as conchas evocam as águas e seus sons.

No segundo CD da trilogia dedicada ao mar, de seu maior poeta Dorival Caymmi, Calcanhotto escolheu “Sargaço mar”, acompanhada ao violão por Gilberto Gil. O “eu” da canção de Caymmi está diante de uma “doida canção” que, num jogo de palavras e sonoridade com odoiá, saudação ritual à deusa, já prefigura sua natureza divina. Concluída essa canção, só lhe resta, então, alucinado, lançar-se no mar para viver em unicidade e uníssono com Iemanjá. Curiosamente, o verbo alucinar, do latim (h)allucinari, é um derivado do grego (h)alúein, estar perturbado, perplexo. Sabe-se que o poder de sedução da palavra cantada na Antiguidade tinha como paradigma o canto das sereias. O canto de Calcanhotto segue os três movimentos que a própria canção sugere; por isso, transcrevemos a canção como consta no encarte do CD, acrescentado-lhe a numeração dos versos. Quando se for Esse fim de som Doida canção Que não fui eu que fiz Verde luz verde cor 5 De arrebentação Sargaço mar Sargaço ar Deusa de amor, deusa do mar Vou me atirar, beber o mar 10 Alucinado, desesperar Querer morrer para viver Com Iemanjá Iemanjá, Odoiá Iemanjá, Odoiá 15 Iemanjá, Odoiá Do verso um ao doze, encontramos o “eu” diante da doida canção da deusa. A inversão do atributo doida no sintagma, contrariando-lhe a ordem natural em português, enfatiza sua espécie e, ao mesmo tempo, a caracteriza em sua diferença com as canções e harmonias humanas, conservando-se, porém, na clave da sensação. O poeta fabrica sonoramente seu poema de modo a idear a canção e presentificá-la por meio de aliterações das sibilantes e fricativas surdas e sonoras; de repetições dos vocábulos verde, sargaço e deusa, conferindo-lhe ritmo; das rimas, de ecos e também da quebra da expectativa, até o quinto verso só há vocábulos monossílabos ou dissílabos, inclusive o quarto verso, um hexassílabo composto apenas por monossílabos, “Que/ não/ fui/ eu/ que/ fiz”, contrasta com o sexto, um pentassílabo, “De a/rre/bem/ta/ção”, com um único vocábulo polissílabo — enfim a linguagem se fazendo música divina. O segundo movimento se compõe apenas do décimo terceiro verso, “Com Iemanjá”, em que pela primeira vez é dito o nome Iemanjá, presentificando seu ser numinoso. Em seu canto, Calcanhotto imprime a cada nota a mesma duração ressaltando-o. O terceiro, o refrão, “Iemanjá, Odoiá”. Adriana Calcanhotto, como cantora e compositora, sabe que essa canção não carece de arranjo; basta-lhe um violão para evidenciar as palavras e a melodia de Caymmi e o seu próprio canto e emissão. Em Maritmo (Columbia, 1998), o primeiro CD da trilogia, Calcanhotto já gravara em dueto com próprio Caymmi, “Quem vem pra beira do mar”, em que se evidencia o irresistível e fatal chamado das águas de Janaína.

“Sargaço mar”, a última faixa do CD, dialoga tanto com a canção de Péricles“Cavalcanti Porto Na Nigéria, Iemanjá, mãe dos peixinhos, (< yeye, mãe + omon, diminutivo de animais Alegre” (“Nos braços de Calipso”), vista em nossa última coluna numa relação de ruptura + edja peixe), uma grande-mãe africana, filha de Olocum, divindade dos mares, era com o relato homérico, quanto com a primeira faixa “Maré”, de Moreno Veloso e Adriana o orixá do rio Ogum. Com o advento dos iorubás no Brasil, seu culto foi transposto Calcanhotto, em que o mar, representado como imagem e linguagem, se justapõe ao mar para o mar, tornando-se, assim, a deusa das águas salgadas e também protetora dos evocado por meio do canto de uma de suas sereias. O título do CD contém uma ambivalência, homens do mar e Oxum, orixá do rio homônimo, a deusa das águas doces. No entanto, isto é, pode ser lido tanto como Maré, o movimento das águas do mar salgado, quanto Mar a saudação ritual de Iemanjá, Odoiá, mãe do rio, (< odo, rio + ya, mãe) conserva sua é, deixando ao ouvinte todas as suas possibilidades de predicação, além das apresentadas relação original com o rio. O sincretismo religioso também foi responsável pela sua na carta de navegação de Calcanhotto, e termina com uma evocação ritual a uma de suas associação com as sereias europeias seirenes, as que encadeiam, atraem < seirá, -âs, deusas, Odoiá Iemanjá, Odoiá. Adriana Calcanhotto apresentou o show Maré apenas em corda, laço, armadilha, segundo Carnoy e as iaras ameríndias < yara, em tupi senhora, um final de semana de junho no Rio de Janeiro. Ficamos todos aguardando sua volta. sereias dos rios e lagos. Segundo Agenor Miranda Rocha, o professor Agenor, é de Para o nosso editor Paulo Gravina. Iemanjá que “vêm todas as águas da Terra”.

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Pensando imagens

formatos e contextos que muitos documentaristas passaram dard, Antonioni, Coppola). Como aponta Dubois, esse projeto a recorrer ao vídeo nos anos 1980. Por ser um meio dócil e de se ancorava num sonho de fusão, numa utopia de integração fácil manipulação, o vídeo permite estar colado às imagens e, total entre esses dois suportes, ao ponto de alguns cineastas Parece haver consenso na constatação de que nossa época ao mesmo tempo, passear, deslizar sobre elas, propondo um terem acreditado que o cinema cessaria de existir em seu molde se caracteriza por uma produção excessiva e, até mesmo, tipo de pensamento visual diretamente atrelado ao seu objeto. tradicional e se converteria completamente no dolce stil nuovo hemorrágica de imagens — imagens da violência, da abjeção, O que estou sugerindo aqui é que o vídeo passou a constituir de filmagem que o vídeo incentivava. A partir dos anos 1980, os do corpo, imagens de si, imagens posadas, documentais, sedu- uma forma alternativa de ensaio crítico. E isso não significa caminhos entre vídeo e cinema se ramificaram, de modo que toras, cruéis, brutais, artificiosas. De fato, a lista é longa e não um retorno às formas paternalistas de narração (embora elas hoje cada qual funciona como um olho para olhar o outro, agora para por aí. Diante desse estado proliferante, duas recepções persistam em boa parte da produção documental); quando uti- com a consciência da distância que os difere. Hoje já se tornou antagônicas se desenham com insistência: uma delas encarna lizado em seu potencial plástico-elástico, o vídeo dribla o tom bastante comum a prática do vídeo no campo expandido do a nova iconoclastia, que demoniza e entende como catastrófica onipotente e se deixa envolver pelas imagens sobre as quais cinema, e de maneira análoga o cinema vem sendo cada vez a superabundância de matéria visual; já a outra faz questão de reflete, criando jogos maliciosos entre o objeto de reflexão e mais incorporado aos espaços de circulação da imagem digital. acolher a heterogeneidade desse fluxo produtivo, tendendo a a sedução do olhar provocada por esse mesmo objeto. Nesse No campo expandido do cinema, o vídeo tende a atuar como celebrar todo tipo de produção visual contemporânea, espe- sentido, a visada crítica brota muito mais da capacidade de um modo de pensar o olhar cinematográfico, promovendo, cialmente aquelas que incorporam as novíssimas tecnologias. articular, montar, cortar, ampliar, descolar, repetir e transformar muitas vezes, a sobrevida de suas imagens. É o que faz, por A fé cega na promessa das novas mídias como algo que viria o material visual do que numa voz narrativa preocupada em exemplo, o artista Douglas Gordon, ao dilatar drasticamente o expandir ou dilatar nossa capacidade de percepção é tão conduzir passo a passo o pensamento do espectador. tempo interno do filme — como Psicose, de Hitchcock — em problemática quanto os ataques que recusam chegar mais uma de suas mais conhecidas videoinstalações. perto dos fenômenos da visualidade contemporânea. Nem O vídeo como «estado» os discursos iconoclastas nem os discursos da exaltação dão Se considerarmos as máquinas de imagem como instru- Imagens do corpo em movimento conta das complexas e variadas formas de pensar, produzir mentos colocados entre o homem e o mundo em função Também no campo da dança e da performance, as novas e consumir imagens hoje em dia. Este texto, por sua vez, não do desejo de «ver mais» ou de «ver melhor», percebermos tecnologias da imagem vêm se impondo de forma decisiva. pretende esgotar a questão, mas apontar algumas vertentes que a imagem videográfica surgiu de impulso semelhante. Desde as experiências de Maya Deren (ainda utilizando película, do entendimento da imagem, enfocando o papel desempe- O aparato videográfico foi criado com finalidade bélica: uma mas sustentando um olhar e uma atitude «videográficos»), que nhado pelo vídeo e pela arte contemporânea. máquina de visão que permitisse captar e armazenar imagens acabaram engendrando verdadeiras coreografias «feitas para a em movimento de forma rápida e eficiente (já que a imagem câmera» (isso é, incluindo essa presença como instância mobiliO artista não trabalha à revelia das questões acima apontadas digital não passa pelos delicados e demorados processos zadora do movimento), passando pelas propostas precursoras — pelo contrário, opera a partir (mesmo que por oposição) químicos de revelação e ampliação dos quais dependem a de Merce Cunningham, que, de forma ousada, incorporou o das consequências perceptivas e socioculturais provocadas imagem do cinema e da fotografia tradicionais). Ao extrapolar vídeo aos espetáculos de dança (Life forms, Character studio), as pelas transformações que vêm redesenhando as formas de sua destinação inicial, o vídeo passou a seduzir cineastas tecnologias da imagem oferecem novas percepções do corpo circulação do visível nas últimas décadas. Quando uma nova que se interessaram por sua extrema maleabilidade e pelo em movimento que modificaram, e muito, as relações entre economia visual se impõe, inevitavelmente todo o sistema impacto que isso poderia ter sobre processos de construção o corpo e sua própria imagem. No campo da dança, uma das de valores que regula a percepção e a recepção de imagens de um filme. O vídeo como máquina parece ser atravessado perguntas que inquietam atualmente artistas e críticos é mais é afetado. O artista não está, nem pretende estar, acima, dis- por aquilo que Roland Barthes chamava de «energia surda da ou menos a seguinte: o que tem levado tantos dançarinos e tante ou à parte desse terreno minado; porém, quando a arte passividade», uma energia que provém de certa capacidade coreógrafos a utilizarem o vídeo, as tecnologias de interação e engendra visões instigantes, é porque o artista conseguiu de acolher amorosa e criticamente o objeto de reflexão. a tecnologia cibernética em suas estratégias criativas? Ou cocavar brechas, propor recuos, desvios, rotas de fuga que nos locado de outro modo: o que leva os artistas a investirem física permitem penetrar poeticamente e/ou interferir criticamente O teórico belga Phillipe Dubois tem desenvolvido uma interes- e corporalmente a tecnologia? Será esse apenas um sintoma numa determinada situação visual aparentemente fechada ou sante reflexão a esse respeito. Para Dubois, não interessa pensar da substituição do corpo pelas imagens do corpo? Para alguns caduca. É impossível determinar, de forma definitiva, os crité- o vídeo em termos de uma ontologia da imagem ou tentar artistas, o uso das tecnologias digitais fez com que o corpo da rios sob os quais se pauta a atitude visual contemporânea, do determinar a especificidade da linguagem que produz. O que dança se convertesse num corpo prolongado em próteses, um mesmo modo que se tornou muito difícil determinar até que lhe interessa é, ao contrário, tornar produtiva a resistência que corpo-máquina indistinto. Para o coreógrafo francês Jean-Marc ponto a produção de arte contemporânea subverte as novas o vídeo impõe ao tipo de definição ontológica. Dubois pensa Matos, no momento em que os artistas começam, também, a tecnologias da imagem ou se submete a elas tais. O importante o vídeo como um «estado» da imagem, uma forma que pensa. tomar consciência do perigo que representa para o corpo a exé sublinhar que hoje, diferentemente do que ocorria até os Isso porque a videografia estaria situada numa zona transicio- cessiva tecnologização, a convergência entre o corpo da dança anos 1970, cada trabalho, cada percurso artístico estabelece nal, entre a cinefilia e a imagem sintética, funcionando como e os novos dispositivos de imagem torna-se especialmente imseu pacto — quase sempre provisório — entre o real, o ficcio- mediador das relações entre esses dois momentos da história portante, pois, além de estabelecer um horizonte de conexões nal, o imaginário, o tecnológico e o ético, entre o estético e o da imagem. Vista por esse prisma, a imagem eletrônica seria possíveis entre cognição, fisicalidade e materialidade, coloca em político; ou seja, cada artista se esforça por configurar uma um processo e não mais a promessa de uma nova tipologia da pauta a espinhosa questão da «desrealização» do corpo. poética visual singular — mas não pretensamente exemplar imagem. Assim, o vídeo se desobriga da missão de fundar uma —, seja recombinando o material visível disponível, seja criando nova linguagem audiovisual e torna-se um modo de pensar Se o progressivo incremento das máquinas de visão acabou por seus próprios instrumentos, técnicas de produção, códigos de imagens por elas mesmas. De fato, sua grande força tem sido ampliar ainda mais o intervalo entre o Sujeito e o Real, redimenvisibilidade e legibilidade da imagem. permitir pensar os enigmas da figuração e questionar os limi- sionando drasticamente a relação entre o olho humano e os tes da visão, interrogando a materialidade da imagem, de sua artifícios da visão, isso significa que as tecnologias da imagem Na busca por outras dinâmicas de abordagem do visível, o duração, intensidade, ritmo, o imaginário que ela transporta agiram em sentido inverso ao qual estavam originalmente vídeo sempre se apresentou como um modo particularmente e aquilo que faz questão de obliterar. destinadas: distanciaram ainda mais o homem do mundo e interessante não apenas de captar imagens, mas também das coisas que ele desejava capturar. Utilizada hoje como um de pensá-las criticamente. Por ser um meio «desfigurado» — Se durante a primeira década de sua existência o vídeo serviu modo de pensar o visível, a imagem digital não visa suturar esisto é, por sua identidade ser extremamente precária —, o como meio de perturbar, questionar e desconstruir a lingua- se rasgo — pelo contrário, investe nesse intervalo encarando-o vídeo permitiu, desde seus primórdios, a criação de novos gem televisiva (um exemplo claro seria a obra de Nam June não como o abismo da visualidade moderna, mas como um elos entre diferentes tipos de imagem, conferindo-lhes novo Paik) a partir dos anos 1970, alguns importantes cineastas espaço profanador, no qual pode emergir uma visibilidade ao uso, inserindo-as numa nova trama de significação. Foi por incorporaram o vídeo como abertura a uma nova experiência mesmo tempo questionadora e inventiva. sua capacidade de metabolizar imagens dos mais variados da imagem (entre os quais figurariam certamente Wenders, GoLaura Erber

breves notas sobre as máquinas de visão

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DOBRADINHAS

por ALICE sANT’ANNA & iSMAR tIRELLI nETO

Poema Idiossincrático

mania de listas

gosto de veludo. De ter barba, bigode e p&b. Gosto de vento e de ângulos. Sou simpático ao bocado mais branquelo do meu braço. Gosto de felpo, de colchão de mola, de gente que sabe tracejar a nanquim, de estalar dinheiro novo, gosto de você e não passo sem certas palavras reposteiras que sobem dos livros e vêm fazer cócegas no nariz.

franja na cara piscar os olhos com força andar engraçado gargalhada sem barulho roer as unhas dos pés dois laços no cadarço cortar os próprios cabelos reconhecer alguém pelo cheiro prender a respiração no túnel sonhar com piscinas

Ismar Tirelli Neto

mania que é mania a gente só percebe quando alguém ri

Alice Sant’Anna

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Raïssa Degoes

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ENTREVISTA

por luiz coelho

A Sabedoria de Silviano Santiago Silviano Santiago é um cosmopolita irremediável, seja qual for o lugar em que circule e os assuntos que ataque. Tende, a exemplo de um de seus escritores prediletos — Machado de Assis —, a considerar sempre os muitos lados da mesma questão em seus trabalhos, sem cair na tentação da superficialidade, como no caso daqueles que desejam tratar de muitas perspectivas. Silviano é crítico, ficcionista, poeta, ensaísta, professor e, antes de qualquer coisa, um leitor que não se restringe às páginas, mas se deixa provocar por culturas, paisagens e sua própria trajetória. Você já afirmou, em um dado momento, ter sido iniciado na literatura por livros “difíceis”. O que é um livro “difícil”? São aqueles que criam o leitor. Você vira outro depois da leitura. Deixa a mesmice de lado. Sua visão de mundo se alarga, abrange outros territórios, outros seres, outras experiências, que lhe “faltavam” no dia-a-dia. A curiosidade sentimental e intelectual se alimenta e enriquece dessas “faltas”, se alimenta e se enriquece, tornando mente e sensibilidade mais ágeis e mais flexíveis frente aos embates da vida. “Viver é perigoso”, alertou Rosa. Ler um bom livro de literatura é tão perigoso quanto viver. Faz parte da Educação sentimental, para retomar o título de Gustave Flaubert. Um livro de literatura difícil é semelhante a um livro de filosofia. Requer um conhecimento prévio da tradição (em geral, ela deveria ser transmitida pela escola — mas nada impede que alguém assuma a tradição de maneira autodidata), requer paciência com a descodificação dos recursos retóricos, requer dedicação e abertura para experiências e ideias alheias e/ou estrangeiras. Destas podemos discordar no íntimo, mas eventualmente poderão nos fortalecer em situações existenciais que, ao sabor do acaso, estarão à nossa frente. A boa literatura e a filosofia nos trazem a sabedoria (wisdom, em inglês). O livro de literatura difícil é diferente, portanto, do livro de história ou do de sociologia, que nos trazem conhecimento (knowledge, em inglês). Na boa formação do cidadão responsável, sabedoria e conhecimento devem se casar. No mais, como diz Machado de Assis: “O maior defeito deste livro és tu, leitor. ‘Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu amas a narração direita e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem...”. De que modo seus textos críticos e seus textos literários se misturam ou se diferenciam? Cada autor tem suas particularidades. Uma das minhas originalidades é a tranquilidade na mistura. Misturei gêneros (ficção, poesia, ensaio), misturei atividades (professor, tradutor, jornalista bissexto), misturei línguas (sou fluente em francês, inglês e espanhol) etc. Tranquilidade na mistura não significa necessariamente ambição desmedida. Significa, antes, o modo como resolvi significar a mim no universo cultural a que quero pertencer. Busco uma linguagem para cada gênero, busco um estilo

para cada atividade, seleciono a língua nacional que possa corresponder à minha curiosidade angustiada. Vivo, penso, ajo e escrevo sempre em formas misturadas. É minha originalidade, e pode ser também o caminho mais áspero para chegar ao fracasso.

Humanas e Sociais, um companheirismo universitário, que se dissipa hoje, talvez pelo sopro do(s) Departamento(s) de Comunicação. Simplificando, a medida era outra. Os tempos eram outros. Não esperem lágrimas, mas não exijam otimismo hipócrita.

Você foi por muitos anos professor do departamento de Letras da PUC-Rio, tendo dado aulas a muitos professores hoje atuantes. De que modo suas ideias como crítico e teórico entravam em suas aulas? Qual a influência de suas ideias nos estudos de literatura hoje no Brasil? Essa pergunta deveria ser feita aos que foram meus alunos. Na falta de resposta deles, aventuro-me a dizer que nunca minimizei — em sala de aula — as várias facetas de minha personalidade, tal como a descrevi sumariamente acima. No mais, tive a sorte de ter recebido bolsa do governo francês e ter tido uma boa formação universitária francesa (meu doutorado foi defendido na Sorbonne). Aliei a essa formação anos e anos de trabalho na universidade norte-americana, naquela época totalmente diferente do sistema europeu, bastante influente na constituição da universidade brasileira (veja o caso da USP e da UFRJ). À formação européia e à experiência de ensino nos Estados Unidos somei constantes viagens — totalmente gratuitas — pelo México, onde pude entrar em contato com uma América Latina indígena, que escapava ao comum dos mortais brasileiros. Acrescento que, nos Estados Unidos, mantive sempre bom contato com professores de francês e de literatura comparada, de história e de sociologia, não tendo me restringido ao convívio com os colegas do departamento de espanhol e português. Diria, finalmente, que fui um pouco precoce em minhas conquistas universitárias, já que — a partir dos anos 1970, com a implantação das agências de fomento à pesquisa, como a CAPES e o CNPq — a formação e a experiência que tive passaram a ser norma para todo aluno de Letras que se distinguia. Como você pensa e vê o panorama da crítica literária no Brasil hoje? Não se deve fazer esse tipo de pergunta a um velho professor, já aposentado. Por sorte nossa tudo muda. Nada é o mesmo. Querer que a crítica literária apresente hoje o rigor, o padrão e a abrangência que teve num momento meio que ideal dos estudos literários — que se situaria nas décadas de 1970 e 1980 — seria um contrassenso, a ser punido com tiro de revólver. A entrada da questão da “linguagem” (ou da “écriture”, para ficar com Jacques Derrida) nas ciências humanas e sociais trouxe um privilégio aos estudos literários que não se repetirá. De repente, a teoria literária poderia servir de “modelo” (uso a palavra com todo o cuidado e evito necessariamente qualquer tonalidade autoritária) para a psicanálise, a história, a antropologia, a filosofia e assim por diante. O Departamento de Letras — em particular, na sua pós-graduação — não só difundia autores, metodologias de leitura e ideias, como também propiciava ao grande texto literário (nacional ou estrangeiro) lugar de destaque. Naquela época era comum encontrar psicanalistas ou historiadores que se valiam da literatura nos seus trabalhos. Havia um congraçamento nas

Márcia Brito

Que texto ou autor você sugeriria como uma leitura fundamental para entender a literatura contemporânea? Há livros e há literatura. Há, portanto, autores que escrevem um ou dois livros que são julgados de boa qualidade e desaparecem ou passam a escrever bobagens. Há autores que dedicam toda uma vida à literatura. O modo de ler um livro não corresponde ao modo como lemos uma obra. Um livro pode ser uma experiência fascinante, que tem a duração regulamentada pela disponibilidade do leitor. Acompanhar uma obra é um tipo de experiência completamente diferente. Passamos uma vida em sua companhia. Crescemos com ela. Para responder diretamente à sua pergunta, diria que o bom leitor contemporâneo é aquele que opta por acompanhar uma obra (de contemporâneo seu ou de autor já canônico). E compete a ele, só a ele, escolher o nome do contemporâneo ou do autor canônico. Isso não quer dizer que ele não deva ler livros ao sabor do varejo, já que é no varejo que ele descobrirá o autor, cuja obra será sua constante companhia por anos e anos de vida & leitura & reflexão. Vista dessa perspectiva, toda literatura (a propriamente atual e a canônica) é contemporânea. Em outras palavras, a contemporaneidade da literatura é dada pelo leitor.

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Cartões-Postais, por CARLOS AA. DE SÁ

Corcovado

Candelária

Se o Cristo pudesse desceria à cidade?

ade Virou as costas à cid não por orgulho mas envergonhada da brutalidade bana. e da insensatez ur

Pão de Açúcar Turistas se refrescam na gaiola balançada pelo vento. A seus pés a cidade sua se esfalfa e nem ousa olhar para cima.

Maracanã e corações A bola explod tes amortece men dessensibiliza inuar vivendo e permite cont iano. o estupro cotid

Rio antigo Não fossem recatados os velhos prédios vos humilhariam os mais no com o risco delicado de suas fachadas.

Favela Encarapitados é a palavra certa para descrever barracos que se agarram aos morros com unhas e dentes?

Aterro do Flamengo

Igreja da Penha

Entre muralhas de água e de concreto árvores sufocadas estendem para o céu os braços verdes.

Esfolando joelhos pela escadaria os fiéis se punem por haver tentado suborn ar a santa com rezas e velas. Praça Quinze Pedras pisadas por imperadores fedem a mijo e peixe estragado. Constrangida, a antiga catedral se acinzentou.

VIU?

Carnaval gria, Tanto riso, ó, quanta ale ia tas tanta cor e tanta fan s desfilam inconsequente ia. sér em meio a tanta mi

Você não foi o único

ESPAÇOS A PARTIR DE R$ 75. contato@jornalplasticobolha.com.br  16 


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