plástico bolha
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Distribuição Gratuita
Ano 4 - Número 27 - Novembro/Dezembro de 2009
leve literatura
O rio e o mar Afogaram-se os peixes no mar por falta d’água, morreu meu cão inchado feito uma bola, morreu Bolota. Mas eu fui ao enterro não, que a enchente a levou. Pra onde, eu não sei não, talvez pra água seca que afogou os peixes de ar. Ah, talvez você comece a me entender agora. É pena que eu te engane. Lê de novo este início, depois. O rio barracento era uma torrente só. Muita casa caiu, muita gente sumiu e outro tanto de gente chorou na tristeza que a chuva pariu. E ali, bem perto dali, tudo há dias era só sequía. Mas o barro do rio da rua lambeu as fendas do chão salgado do que já fora oceano, inundando suas rugas. Só que, tadinhos, nesse impossível, os mil de mais de mil peixinhos embeberamse de um marrom gosto de esgoto: cadê o sal do nosso azul? Veio a Bolota, durinha de tão inchada, e se juntou aos sofás que boiavam, aos pneus que boiavam e àqueles miles de peixinhos com as boquinhas em beijo pedindo ar, ah! Que cardume fúnebre. E foi que no dia seguinte tava lá eu, a Bete, Pedrinho e o Alex, mergulhando naquele rio de mar, incomodando o urubu na Bolota, jogando peixe um no outro, felizes na nossa desgraça, criando montões de anticorpos. E as ideias que se misturam, as coisas que não casam, dizem que sou leso da cabeça, mas a Bete ainda fala comigo — eu acho. A minha mente... às vezes boia. Luciano Prado da Silva
DESTAQUES Entrevista com Georges Lamazière, por Paulo Gravina Desafio Poético: poemas brevíssimos Na coluna Puzzles, Stella Caymmi escreve sobre como era cotidiano do avô, Dorival Poemas de Adélia Prado, Chiara di Axox, Leandro Jardim, Alice Sant’Anna, Mariano Marovatto, Paulo Vitor Grossi, Ismar Tirelli Neto, Jovino Machado, Miguel Del Castillo, Wilmar Silva & Chacal Textos de Fred Coelho, Isabel Diegues, Rita Brás, Fabio Bastos & Antonio Mattoso
Angelo Abu
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BOLHETIM Enfim, ploct!
Carta
Recebemos muitos e-mails de leitores dizendo que andávamos um pouco sumidos. Então, para os que ficaram preocupados, estamos aqui! O Plástico Bolha continua funcionando a todo vapor. Inclusive, a edição #28 já está em fase de produção, e os que quiserem participar a hora é esta; estamos abertos aos textos. E quem sentir muito nossa falta entre uma edição e outra do impresso pode nos visitar na internet, pois o Blog do Bolha traz diariamente textos e novidades do jornal para nossos leitores, assim como a divulgação de eventos e lançamentos. Esperando o quê para nos visitar?
Ei, plásticos A gente nem se conhece, pô! Como cês conseguem publicar as pessoas assim? Confesso que nem sou muito simpático, nem fui, das vezes que lhes enviei material. Enfim, posso consertar isso. É foda ficar sempre sem saber de porra nenhuma, e nem conheço muita gente que mexe com literatura. Bom, meu tel é 8xxx-xxxx — o de casa não dou porque ainda nem tenho! O endereço da postagem é da casa da minha mãe — tô desempregado, mãe serve para isso também!! Se forem fazer, participar de algo, me avisem que nos encontramos pra papear. O livro que também envio pra vocês é pura piada, e o editor, fictício. Acho que dá pra dá uma coçada, ainda que tenham sido poucas impressões. Espero que se divirtam! Tô preparando um romance, nos moldes desse livrinho, coisa grande, uh... Até, Paulo Vitor Grossi
Caça-palavras Esta vai deixar até o listrado Wally de cabelo em pé: é o novo e emocionante jogo do jornal Plástico Bolha. Encontre em algum lugar nesta edição as seguintes cinco palavras: (embornal, rebobinando, desengonço, formigueiro, antipercussivo)
Heinz
Lange r
EDIçÃo Lucas Viriato | Paulo Gravina | Marilena Moraes Conselho Editorial Luiz Coelho | Gregório Duvivier | Isabel Diegues | Gabriel Matos Comissão Avaliadora Carlos Andreas | Nadja Voss | Mauro Rebello | Letícia Simões | Alice Sant’Anna | Edson Santana | Manoela Ferrari Rosimery Trindade | Nathanna Alves | Raïssa Degoes | Maria Silvia Camargo
DIAGRAMAÇão Mariana Castro Dias Revisão Marilena Moraes | Rafael Anselmé | Gabriel Matos Equipe Márcia Brito | Mary Viriato | Beatriz Pedras | Gisele Lemos webdesign Henrique Silveira DISTRIBUÍDO no estado do Rio de Janeiro e nas cidades de Belo Horizonte, Vitória, Brasília, Salvador, Porto Velho, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. TIRAGEM 13.000 | IMPRESSO na ZM Notícias
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Inscrito em Belém São três horas de voo. Não, quatro. Não sei. De todo o modo, é tempo suficiente para escrever. Tenho à mão o que preciso: papel, lápis, silêncio, mas não a ideia. Tento dormir, mas o pouco espaço impede o corpo de ficar à vontade. Fecho os olhos e cubro o rosto. Entre a vigília, o sono e o assombro, o tempo passa. No ar, em pleno voo, não estou mais onde estive antes, e ainda não cheguei ao novo lugar. Estou a meio caminho entre o que fui e o que estou por ser. Em trânsito, a ideia da memória me visita. Uma certa melancolia de voltar, 16 anos depois, a um antigo e conhecido lugar, a um estado de alma, de liberdade do eu. São poucos os lugares-momentos que transformam você no que você será para o resto da vida. Essas experiências impregnadas por baixo da pele lhe fazem o que você é. Belém viveu em mim por nove meses. Um lugar onde me tornei dona do meu tempo. Temo não reconhecer a cidade, os odores, os sorvetes. Temo descobrir nunca ter vivido o que sempre acreditei ter experimentado; temo a ilusão de um lugar onde talvez nunca tenha estado. Lugar criado com a ajuda de fotografias amareladas, borradas, cheias de mofo, esquecidas num fundo de gaveta. Fotografias que são ativadores de memórias — como os diários —, e confirmam a veracidade de construções imaginárias de nossas vivências. Eles são, fisicamente, a prova concreta da existência de um acontecimento, de um romance, de um corte de cabelo, de um estado de coisas, de um estado de alma. Alma capturada pela lente, congelada no tempo e aprisionada neste hard disk externo imagético. Entre a vigília e o sono, entre turbinas e nuvens, me pergunto se não seria mais justo simplesmente jamais voltar. Deixar o coração aquecido pela lembrança da luz, dos cheiros, dos rostos da memória; e escrever sobre esses traços que ficaram em mim. Mas é tarde demais. O piloto anuncia a descida. Já não há mais como abrir o paraquedas. A queda, forçada, é livre. Não sei quanto tempo estive quieta, de olhos fechados, decidindo sobre algo que não estava sob meu comando. Parece que se passaram não mais que vinte minutos. Vinte exaustivos minutos a questionar a ideia de voltar a viver algo que não sei se de fato vivi. É tarde. O nariz e a garganta coçam, imploram ar puro. As luzes se acendem. É iniciada a descida. Depois o pouso brusco, o barulho das máquinas, tudo me parece muito real. Ao se abrirem as portas do avião, o choque. A memória vem de onde não imaginaria jamais; vem na pele, no tato, na sensação do ar espesso e molhado tocando a pele, o rosto, os braços, o pescoço. Posso fechar os olhos e me transportar a um passado de suores melados, lisos. Tudo pode estar fora do lugar, tudo pode nunca ter estado ali. Mas eu estive. É a minha pele quem diz. Belém, 08.09.06 Isabel Diegues
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PUZZLES
por Stella Caymmi
Suave Cotidiano É um ser compreensivo. Jamais reclama. Tem um humor manso, para ser ouvido como quem escuta João Gilberto sussurrar ao violão, ou a mulher amada, como diria Vinicius. “Necessariamente, para O dia a dia de Dorival é bem simples. Não há viver feliz tem que ter o ingrediente mais sério: grandes mudanças na sua rotina quer esteja em humor. Consulte Millôr Fernandes, que é o definiCopacabana, Pequeri ou Rio das Ostras. Costuma tivo” — explica. Suas tiradas são inteligentíssimas. acordar por volta das seis da manhã. Até antes. Fica Noutro dia disse: “Gostar é um fenômeno da hora”. na cama, esperando o movimento da casa começar Enxuto. Não é à toa que lê, apaixonado, a poesia para não acordar ninguém. Faz, em silêncio, a Orados Manuéis, o Bandeira e o de Barros. Adélia Prado ção da Manhã, que conhece desde menino. é poupada, para não acabar. A Bíblia, Dom Quixote, Depois da oração, medita e espera o café da de Cervantes, e Cândido, ou o otimismo, de Voltaimanhã. Por causa da diabetes, não costuma abu- re, ordenadamente dispostos na sua mesinha de sar na alimentação. Mas sempre que pode não cabeceira, são sempre revisitados, fertilizando sua dispensa uma balinha ou lascas de rapadura, pacientemente cortadas por Cristiane, que trabalha na casa há anos, e colocadas num vidro que fica em seu escritório. Disciplinado, não comete extravagâncias. Sabe se conter. É metódico. Gosta de se aproximar da janela a qualquer hora do dia — critica muito quem encosta móvel Interditando o livre acesso a ela. Se está em Minas, onde tem passado longas temporadas, abre a janela de manhã e enche os pulmões com o ar puro da montanha. Se passa alguém, apressa-se em acenar e recebe um alegre “Bom dia, Seu Dorival”, do primeiro passante do dia. Responde com imaginação. “Eu sou escravo de um personagem, alegria. É bom estar vivo. eu sou escravo de Dom Quixote de la Mancha” — É uma bonita caminhada desde o mar até a montanha. Um caminho de sabedoria. As músicas que canta para os montes de Minas só ele sabe. Costuma ler. Na última vez em que eu perguntei, ele tinha relido as obras completas de Machado de Assis. À sua maneira, é tão sábio quanto o Conselheiro Ayres. Ou mais, pois não se afastou das mulheres. Observa a vida que corre. Aceita cada um como é. Nada exige. Nada impõe. É a favor da liberdade total. Perguntem a Denise, João Gilberto, Juliana, João Victor, Gabriel ou Alice. Só sabe o que lhe contam. Não faz da vida alheia um alimento da sua curiosidade. Invadir, jamais. Conversa com criança pequena como se fosse gente grande. Ele as respeita. Elas o amam. Não existe melhor ombro para chorar. Eu mesma já chorei ali muitas vezes e saí consolada. Deitei, mesmo depois de adulta, na sua barriga — quando ela era grande, era ainda melhor.
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duas lentes de aumento, por causa de uma catarata que não pode mais ser operada. Não desgruda de Stella. Quando cochila — ele sempre cochilou — na hora da novela, Stella repete: “Caymmi, vá se deitar”. Não adianta nada, ele fica ali sentadinho, até ela ir junto. Sonha em reunir a família completa para um longo fim de semana. Infelizmente, isso nem sempre é possível para as agendas dos filhos, netos e bisnetas. Gosta do movimento da mulher com as amigas e colaboradoras no zelo com a casa. Alda, Cristiane, Telma, Elaine, Sonia, Celena, Mara e Vandréia lembram-lhe as mulheres de saia de sua infância. Vive rodeado de mulheres. Ainda tem Maryara, que é sua amiga há anos; mas só se conhecem por telefone. Uma amiga virtual. Batem longos papos. A vida para ele não teria a menor graça sem a mulher. Fernando Rabelo
“Primeiro: não fale. Espere que te entendam.” (Dorival Caymmi – 13.07.87)
Às vezes, fica longos períodos em silêncio, com os olhos no longe. Tem uma vida interior impossível de ser comunicada. Ninguém o incomoda quando está quieto. Stella, que vive com ele há mais de sessenta anos, instruiu a todos da casa que quando fosse assim não o interrompessem. “Sem a ação contemplativa você não consegue reunir a capacidade de absorção. Você larga os olhos no espaço e a memória, aí, tem mais atividade” — ensina. Sobre a música, disse certa vez que “o artista não deve morrer de amor pela primeira coisa que faz”. Quando escuta Bach, seu compositor favorito, atinge regiões impensáveis para a maioria de nós. Sobre a morte, costuma dizer que já está no lucro. Tem muita consciência de si. Quem se aproxima dele percebe que está diante de um homem realizado. Ele é irresistível.
confidenciou-me certa vez. Como Millôr gosta de dicionários, ele gosta de enciclopédias. E as lê, de A a Z. Cultiva a memória. Faz palavras cruzadas. E descreve seu dia em agendas há quase quarenta anos (eu que o diga!). É um profundo admirador da tecnologia, mas não chegou ao computador. Tem preguiça. Deixa para os mais jovens. Seu ídolo é Thomas Alva Edison, o inventor da lâmpada incan- Vê beleza onde as pessoas menos desconfiam. Interessa-se por pequenas coisas, como a trajetória descente e o precursor do cinematógrafo. da formiga até o formigueiro carregando uma foConversar com Caymmi é uma arte. E quando isso lha três vezes maior que o seu tamanho, ou como acontece exige sua total atenção. É detalhista. a visita do beija-flor, que costuma pousar em seus Cinematográfico. Pinta o cenário antes de desen- cabelos brancos. Você não sabia? Caymmi conversa cadear a ação no imaginário do seu interlocutor. É com os pássaros. plástico. É um homem informado. Sabe tudo o que está acontecendo, lê jornais, revistas e vê televisão, mesmo que para ler tenha de usar, além dos óculos,
MULHERES-DAMAS
Para ler em voz alta
por Leonardo Marona
por João Gabriel d’Alincourt da Fonseca Sabia Sabrina, sentir é sem sentido se solto de saber-se seu
Ana C. a poesia se insiste se é cisma (instinto?) é um passo na direção do abismo (infinito?) ou então são
Papéis
Carta para uma prima
dois passos
O corte no meio
querida minha,
e um colapso
formava um coração.
(suicídio?)
Era a parte vazia
nos casos
do papel
de poesia
por onde passava
mais rara
o que de mim saía.
(primitiva?)
A branca borda
ou então coice
me protegia,
patada de pena
cobria o assento
porque as asas
do vaso, não sanguíneo,
(comprimidos?)
a privada mesmo
estão na cabeça
do banheiro do shopping
e não nas pedras
(ironicamente limpo e útil).
portuguesas.
Leandro Jardim
PÃES ANTEPASTOS MASSAS MOLHOS PIZZAS SALGADOS DOCES TORTAS De volta ao Leblon! www.ettore.com.br
chove muito nesta madrugada (é claro que ainda estou de pé. na verdade acabei de fazer café) e só queria dizer que penso em ti todas as vezes que estalo os dedos porque me lembro de que suas mãos são maiores que as minhas. e também lembro que quase nunca conseguimos ficar em silêncio, e que delícia — acho que só eu sei que você não suporta o silêncio. que pena que fui embora correndo daí, mas é que achei que alguém estivesse me esperando aqui. me enganei e agora quero voltar, quero tanto voltar. penso sempre em você caminhando e carregando o seu charme, e desengonço pelas ruas do 5ème, se bem que a esta altura você já deve estar caminhando em knightsbridge, enfim. quando será que te encontro de novo? preciso de ti pra sorrir. um brinde, como aqueles, loucos, com aqueles vinhos de 2 ou 3 euros que só a gente bebia, um brinde querida. saudades sempre. B. Isabel Wilker
Av. Armando Lombardi, 800 - lojas C/D. Condado de Cascais, Barra da Tijuca - RJ Tel.: 2493-5611 / 2493-8939 Rua Conde de Bernadote 26 - loja 110. Leblon - RJ Tel.: 2512-2226 / 2540-0036
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BOLHAS GERAES
por Mulheres Emergentes
Neste número a coluna Bolhas Geraes abre espaço para o projeto Mulheres Emergentes, um mural poético que enfatiza o feminino nas artes e é coordenado pela poeta Tânia Diniz desde 1989. Quem é de Minas certamente já ouviu falar no projeto, agora é a vez dos leitores do Bolha conhecerem um pouco da poesia que emergiu ao longo destes anos todos de trabalho.
Veleiro noturno flutua. A rede pesca estrelas O mastro roça a lua. Lívia Tucci
Artefato nipônico
Depende
Boto
Às vezes sou corda de aço outras corda de harpa Depende da mão que me alcança.
Tuas mãos trançam Em meu rosto Chama e anseio Tua voz clama O verso Face no espelho Tua sede esculpe Em meu corpo A forma do desejo.
Zulmira da Silva Pinto
A borboleta pousada Ou é Deus Ou é nada
Alzira Umbelino
Canope Adélia Prado
Luas Na lua nova de recurvo brilho a paixão renovas No meu céu de cio crescente a chama alteia E serpente e sereia me encontro vindo: lua cheia E quando, bacante, mesmo minguante, me prendes a cintura na quadratura de cada mês, a cada vez, desvendas com arte a sanguínea face de minha lua escarlate.
uma multidão de peregrinos atravessa o canal do meu corpo tudo é preparado para produzir relaxamento e prazer eu espero Estrabão com um jacinto nos cabelos.
Mexer nos papéis Da memória. Desarquivar Os sentimentos Que o corpo Não ignora, Rememora. Lúcia Serra
Denise Costa Almeida
Vigília
Violoncelo
Vazia velejo pelo meu ventre entre o vão e o dente versejo vaga plena em que (di)vago e velo meu corpo tantas vezes (re)velado
No berço De seu braço Sons Adormecem. Quando despertam Para a viagem E aportam estrelas, Até anjos estremecem. Tânia Diniz
Yeda Prates Bernis Vejo no céu Trabalho de abelhas Lua de mel! Ana Carol Diniz
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Adriana Ferreira Melo
CONTOS INSÓLITOS Ontem será amanhã Acordou na hora de sempre, foi ao banheiro e depois, para a cozinha, onde preparou uma xícara de café, colocou uma fatia de pão na torradeira, abriu a porta e pegou o jornal. Sentou-se então para tomar o café e dar uma olhada rápida no jornal. Estranhou a manchete, que parecia ser a mesma da véspera. Notou também que todas as notícias da primeira página eram as mesmas do dia anterior. Olhou então a data do jornal e verificou que era quarta-feira, ou seja, o entregador havia deixado um jornal do dia anterior. Isso nunca havia acontecido antes, mas para tudo existe uma primeira vez. Acabou de tomar seu café e saiu para trabalhar, avisando o porteiro do jornal do dia anterior.
ao jogo na véspera e vibraram muito com a vitória por 2 a 1. Resolveu não contar para o filho o resultado do jogo, até porque não sabia como explicar o que estava acontecendo, e assistiram novamente ao jogo que transcorreu exatamente como no dia anterior. Era como se fosse um videoteipe e não um jogo ao vivo. Lembrou-se então de um filme em que o personagem vivia sempre o mesmo dia, mas aquilo era ficção e não aconteceria com ele na vida real. Mesmo assim, foi dormir preocupado.
Acordou antes da hora no dia seguinte, levantou-se rapidamente e foi direto pegar o jornal. Não acreditou no que viu: o jornal era de terça-feira e a primeira página Chegando ao trabalho, ligou o computador e verificou estampava a foto do enterro de um famoso cantor que que as mensagens do correio eletrônico que apareciam havia morrido em acidente de carro no fim de semana como novas ele já havia lido na véspera. Achou estranho, anterior. A notícia havia tomado conta de toda a mídia mas como de um computador pode-se esperar qualquer e o enterro havia sido na segunda-feira. Sentou-se na coisa não ligou muito para o fato. Quando encontrasse cadeira da cozinha e ficou ali por algum tempo tentando alguém da área de Informática, comentaria o fato e certa- encontrar uma explicação para tudo aquilo. mente receberia mais uma explicação sem lógica. Seguiu trabalhando até que sua secretária veio avisá-lo que ele Foi quando sua mulher entrou na cozinha e ele perguntou estava atrasado para a reunião do comitê, do qual ele assim que a viu. “Que dia é hoje?” Ela respondeu prontaera o coordenador. Ele respondeu que a reunião havia mente: “Antes de qualquer coisa, bom dia; hoje é terça-feira sido no dia anterior e ela retrucou que era hoje, quarta- e não se esqueça de ligar para sua irmã para dar os parafeira, e que era melhor ele se apressar porque já estavam béns pelo aniversário dela. Não chegue muito tarde porque todos na sala de reunião esperando por ele. Olhou para hoje vamos jantar na casa dela para comemorar”. o relógio e descobriu que realmente ele marcava quartafeira. Ficou sem entender o que estava acontecendo e Vestiu-se e foi para o trabalho, preocupado com o que encontraria. Chegando lá, constatou que tudo que resolveu ir para a sala de reuniões. havia feito nas duas quartas-feiras e na terça-feira havia Ao entrar na sala, verificou que sua secretária estava sumido. Verificou também que em cima de sua mesa falando sério; todos os membros do comitê estavam ali estava a pasta de um cliente que ele tinha certeza que sentados esperando por ele. Achou que deveria ser al- não deixara ali na véspera. Lembrou-se então de que na guma brincadeira e decidiu colaborar. Sentou-se e abriu última terça-feira teve uma reunião com aquele cliente a pasta com a pauta com os itens que seriam discutidos e, pelo visto, teria que ter novamente. Não lhe restava e notou que todas as anotações que ele havia feito na outra opção senão refazer o trabalho dos últimos dois véspera haviam sumido. Se fosse uma brincadeira, já dias. O que estava acontecendo com ele, fosse o que estavam indo longe demais; e como explicar o caso do fosse, estava começando a irritá-lo. jornal e da data no seu relógio? Deu seguimento à reunião e notou que tudo transcorria exatamente como na À noite comemorou pela segunda vez na semana o véspera; as sugestões, as discussões e os apartes eram os aniversário da irmã e, ao voltar para casa, pouco antes mesmos. Era como se fosse um replay da reunião anterior. da meia-noite, resolveu fazer um teste. Ficou sozinho na sala, olhando para o relógio; quando deu meia-noite, Estava confuso e não sabia o que pensar. sentiu tudo apagar em sua volta, como se a energia de Terminada a reunião, voltou para sua sala e verificou que o seu corpo tivesse sido desligada, até que, em fração relógio do seu computador também marcava quarta-feira. de segundos, viu-se deitado na cama, lendo o jornal Estava convencido que o dia era realmente quarta-feira e de domingo. Olhou assustado em volta e checou o ele estava vivendo pela segunda vez aquele dia. Lembrou- relógio na mesa de cabeceira que marcava zero hora se de que na primeira quarta-feira havia preparado um de segunda-feira. Sentiu vontade de chorar; aquele importante relatório e enviado para um cliente. Não pesadelo ia continuar. encontrou qualquer cópia e registro do relatório nem na pasta do cliente nem nas correspondências enviadas. Foi E a vida continuou assim para ele, sempre andando para obrigado a refazer o relatório e enviá-lo novamente. Pas- trás no tempo. Sua semana começava numa sexta-feira sou o resto do dia sem saber exatamente o que fazer e não e terminava num sábado. Via-se obrigado a refazer tudo que já havia feito antes. Aos poucos foi perdendo o sentiu ânimo para comentar o que estava se passando. interesse pelo que fazia já que, além de estar fazendo Em casa, não notou nada diferente na sua família; todos novamente, não tinha como verificar o resultado de suas agiam como se fosse uma quarta-feira como todas as ações. Acordava sempre com a esperança de aquilo tudo outras. Durante o jantar seu filho lembrou do jogo do terminar e sua vida voltar ao normal, mas à medida que time deles que ia ser televisionado. Eles haviam assistido constatava que continuava retrocedendo no tempo foi
ficando deprimido. De que adiantava viver se não sentia prazer no que fazia? Descobriu que era um homem sem futuro e passou então a reconhecer o valor exato dessa palavra. Tudo que se faz na vida, se faz com a intenção de tirar algum proveito no futuro; e se o futuro dele era o passado... Pensou em se aproveitar daquela situação já que tinha condições de voltar ao passado. Poderia, por exemplo, sabendo o resultado da loteria, apostar e ficar milionário. Mas de que adiantaria, se ele nunca poderia usufruir o dinheiro do prêmio? De que adiantaria assistir a um jogo de futebol, se ele já sabia de antemão o resultado? O campeonato para ele começava com o anúncio do time campeão e terminava na primeira rodada. A angústia foi tomando conta dele, que já não tinha mais prazer em viver nem esperanças de retornar à vida normal. Outro ponto que o incomodava é que todos em volta não notavam qualquer mudança nas suas atitudes e agiam como se ele estivesse normal. Descobrir o que estava acontecendo tornou-se uma obsessão. Tudo havia começado naquela quarta-feira, e ele fez então um esforço para se lembrar de tudo que havia se passado naquele dia. No trabalho, havia participado da tal reunião pela manhã e, à tarde, preparado o relatório; nada de anormal. Em seguida, lembrou-se muito bem de por que e quando começaram a viver novamente o dia anterior. À noite, após o jantar com a família, assistiu com o filho ao jogo do seu time. Com esforço, foi se lembrando do que se passou após o jogo e, finalmente, tudo ficou claro. Havia passado mal após o segundo gol do seu time, suando frio, com falta de ar e uma dor no peito. Ao terminar o jogo, entrou no banheiro pensando em lavar o rosto, quando se sentiu sem forças e caiu no chão. Tentou pedir socorro, mas sua voz não saiu da garganta. Ficou por algum tempo caído no chão do banheiro até ouvir vozes em volta, mas tudo muito longe. No início sentiu frio, mas depois se sentiu bem, livre de qualquer sensação de dor e incômodo. Ao recordar tudo aquilo, descobriu finalmente o que acontecera: ele havia morrido naquela noite de quartafeira, no chão frio do banheiro. A descoberta, ao invés de assustá-lo, trouxe-lhe uma paz interior muito grande. O que se passava devia ser o caminho natural após a morte. Ele estaria vivendo a segunda metade de sua passagem por esse mundo, como se alguém estivesse rebobinando o filme da vida. Sua missão dali para frente não seria mais de realizar algo, de deixar sua marca no mundo, mas sim de participar como mero espectador. Não estava vivendo para mudar o que já havia feito na vida, mas sim para refletir. Era uma chance de repensar seus atos; de rever tudo que havia feito de bom e de ruim, seus erros e acertos, suas alegrias e tristezas. Reencontraria pessoas queridas que já haviam partido e de quem sentia saudades. Veria seus filhos novamente crianças e sentiria uma vez mais a alegria de vê-los nascer. Seria jovem outra vez e poderia rever seus amigos de infância. Voltaria a ser menino até chegar ao útero materno, quando cairia o pano do último ato da sua existência. Fabio Bastos
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POR DENTRO DO TOM
por Santuza Cambraia Naves
O mestiço e o negro na música brasileira O negro (3) - Convidado Frederico Oliveira Coelho o enxugamento da parte percussiva ao mínimo. Uma das prin- sobre sua condição étnica em suas canções — reflexão que cipais contribuições africanas para o samba, isto é, sua base viria com força total quase dez anos depois, em trabalhos rítmica, de batucada e pressão, foi desmontada e deslocada por como Refavela e Realce. grandes como Jobim e João Gilberto, em direção a um novo formato, conciso e distante dos barracões das Escolas ou dos O tropicalismo, em todas suas manifestações públicas, tamterreiros e das rodas. bém foi um movimento em que as bases étnicas da nossa música e da nossa cultura ficaram em segundo plano, ou O que eu gostaria de destacar na letra de Chico Buarque é uma Baden Powell e Vinicius de Moraes foram uns dos poucos mú- melhor, em um plano silencioso. É interessante pensarmos ressalva. Ele diz, na voz em primeira pessoa de Tom, que, mesmo sicos que atuaram nos anos 1960 a abordar a questão racial e a em trabalhos posteriores de Gil e Caetano dedicados por que sua música não seja de levantar poeira, ela pode entrar no presença da cultura negra e mestiça na música popular de seu completo a esses temas, como os referidos de Gil e o embarracão. Essa deferência ao universo do carnaval e das escolas tempo. Em seus antológicos Afrosambas (1966), eles revertem ra- blemático Noites do Norte, de Caetano. Ao contrário de Chico de samba é, ao mesmo tempo, uma demarcação de espaços dicalmente o tratamento antipercussivo da bossa nova e injetam Buarque — ou até mesmo de João Gilberto —, o samba não da cidade. Afinal, o piano (que está na rua, na Zona Sul) precisa atabaques e agogôs em quase todas suas canções sobre Orixás, esteve sempre no centro do interesse estético dos tropicasubir o morro, chegar ao coração da escola (e do samba?) para sobre a negritude, sobre a Bahia e nos demais temas ligados a listas. Durante o período do movimento (1967-1969), não há que finalmente Tom realize os versos proféticos de Vinicius em esse universo. Vale registrar que, ao longo de sua carreira, Tom um só samba composto por eles a não ser “Aquele abraço”, “O morro não tem vez”: “quando derem vez ao morro, toda ci- Jobim não gravou trabalhos parecidos, dedicados ao estudo de Gil. Caetano e Gil seriam depois exímios compositores de dade vai sambar”. Se toda a cidade não samba, ao menos Tom desses ritmos — mesmo gravando canções de Pixinguinha e samba, mas no período tropicalista tinham mais interesse e sua música sambam em perfeita harmonia. O interessante é Ary Barroso. Tom dialogava com Radamés Gnatalli e Villa Lobos, na cultura negra norte-americana do que na cultura negra que a ressalva da música que não é de levantar poeira faz uma e não com os sambistas tradicionais. É por isso que a subida de brasileira. E isso, claro, não é acusação ou tentativa de crítica alusão direta às composições de Tom, cuja marca camerística seu piano ao morro é quase um acerto de contas entre o ma- aos seus trabalhos, mas uma forma de constatarmos certos e apolínea não estão diretamente relacionadas ao universo estro e o mundo do samba que ele tanto prezou e divulgou ao traços de uma relação (in)tensa entre a música popular brapopular e dionisíaco do carnaval, sintetizados na imagem do longo de sua vida — mas não ao longo de sua música. sileira e a questão racial. barracão. Chico nos fala, de certa forma, que o piano sempre Os Afrosambas foram gravados em um período quando o país Tom Jobim nunca precisou fazer uma música cujo tema fosse esteve distante das ladeiras sonoras das favelas cariocas. se encontrava na transição do pêndulo descrito mais acima. explicitamente sua opinião ou visão particular sobre a questão Essa subida tardia do piano de Jobim até a Mangueira é talvez Durante a primeira metade da década de 1960, os músicos racial brasileira, seus dilemas, derrotas e vitórias. Suas canções uma pista para entendermos por que alguns dos principais envolvidos com a bossa nova iniciaram divisões ideológicas a de inspiração impressionista e eruditas conseguem sintetizar nomes e movimentos da música popular brasileira passaram respeito do papel do músico popular frente às questões políticas em seus acordes e melodias um imaginário sonoro do que ao largo da questão da mestiçagem e da negritude em sua e sociais que os rodeavam. Durante os anos de funcionamento podemos chamar aqui de ser brasileiro. E todos entendem isso, história. A distância entre as classes sociais cariocas — resumi- dos CPCs da UNE (1961-1964), Carlos Lyra, Nara Leão, Vinicius seja qual for sua etnia, sua tradição cultural, sua história de vida das esquematicamente no binômio morro/asfalto — sempre de Moraes e outros se aproximaram dos sambistas ditos de e de bolso. É por isso que, em “Piano da Mangueira”, vale a pena foi, de algum jeito, uma força-motriz de nossa música popular. raiz, como Zé Ketti, Cartola, Nelson Cavaquinho, Ismael Silva ressaltarmos a felicidade poética de Chico Buarque quando Força ativada tanto para o bem quanto para o mal. Em um e passaram a divulgar seus trabalhos — principalmente Nara mostra a conciliação — não de uma briga, mas de uma distânmovimento pendular, ora músicos ricos e pobres, brancos e Leão. Foi a época áurea do espetáculo Opinião (1964), do Bar cia histórica — entre o piano do compositor mais brasileiro e negros, espontâneos e acadêmicos se reúnem criativamente, Zicartola e dos textos e livros como Música popular: um tema os morros e as favelas do Rio de Janeiro. Espaços por excelência em debate (1966), de José Ramos Tinhorão; um momento em do que muitos chamam de raízes ou tradição da música poora se afastam radicalmente. que se acusavam formalmente de colonizados e alienados (acu- pular, os morros e as favelas eram distantes na vida cotidiana Nos anos modernistas das décadas de 1920 e 1930, por exemplo, sações estéticas e políticas) os compositores da bossa nova que dos compositores da bossa nova ou dos músicos tropicalistas. o pêndulo pendeu decisivamente para o lado da integração das permaneciam alheios — ao menos musicalmente — a esse Era justamente essa distância cotidiana que críticos como José partes, nos dando compositores como Noel Rosa e Assis Valente, universo autêntico do samba. Ramos Tinhorão usavam como arma para acusar tais músicos Lamartine Babo e Ismael Silva, Ary Barroso e Geraldo Pereira, de ladrões do verdadeiro samba, o que era feito não nas areias propiciando a expansão da cultura das escolas de samba e a Esse breve acerto de contas entre os músicos ditos de classe de Copacabana, mas sim nas ruelas do Buraco Quente e do invenção de uma linguagem carioca, mestiça e popular. Já no média e os sambistas populares (pobres e negros em sua Pendura Saia. período desenvolvimentista da bossa nova, da poesia concreta e maioria), mesmo assim, não transforma substancialmente as de JK, quando as cidades e sua modernidade urbano-industrial fronteiras entre classes e cores no tecido da música popular Seja em Copacabana seja na Mangueira, o que precisa ficar passaram a ser o foco dos projetos nacionais, a música popular brasileira. Basta pensarmos que o movimento musical que registrado é que a música popular brasileira e a questão da definiu claramente as fronteiras entre uma música sofisticada, marcaria o país de forma tão intensa quanto a bossa nova — mestiçagem e da cultura negra demoraram muitos anos para classe média, moderna e branca e uma música folclórica, brega, o tropicalismo — também não tematizou a questão racial ou serem vistas como elementos de um mesmo universo criativo. popularesca, nordestina e pobre. A aversão ao samba-canção, a cultura mestiça brasileira como valor positivo e identitário. A bossa nova e o tropicalismo foram momentos fundamentais às batucadas dos sambões e aos ritmos nordestinos — do baião Apesar de seus membros serem baianos e paulistas, mulatos, na constituição de um imaginário e de um cancioneiro popular ao forró — era uma das marcas da juventude dourada carioca brancos e negros, o Brasil moderno, urbano, caótico e desi- e nacional, mas deixaram de lado algumas das matrizes étnicas gual era maior como tema de crítica e pesquisa do que essas e culturais que formam hoje em dia a variedade desse imagique criou e ratificou a bossa nova. questões. Caetano celebra a mulata e a bossa nova, Carmem nário e desse cancioneiro. Na década de 1970, essas matrizes É claro que a bossa nova entrou para a história como o ritmo Miranda, Iracema e Ipanema, mas não celebra orixás ou a cul- foram incorporadas de forma definitiva — seja na ampliação que incorporou e modernizou de forma definitiva o samba e tura africana como Vinicius e Baden celebraram. Gil narra as da base étnica da canção popular, seja na penetração maciça suas contribuições melódicas, harmônicas e líricas na música complexidades da vida capitalista no terceiro mundo, a morte dos lemas e dos estilos do Black Power norte-americano e do popular brasileira. O samba da bossa nova, porém, é um samba e a geleia geral, o misticismo da contracultura ou o surgimen- reggae jamaicano, no âmbito da cultura pop brasileira. Mas de piano e violão, em que a grande invenção era justamente to de uma cultura eletrônica, porém não reflete criticamente aí já são outras histórias e outras canções. Em 1994, Tom Jobim grava em seu último álbum, Antonio Brasileiro, a canção “Piano na Mangueira”. Parceria com Chico Buarque, sua letra diz, trinta anos após o período da bossa nova, que o morro veio chamar o compositor e que ele aceita o convite. No carnaval de 1992, Jobim foi tema do enredo da Estação Primeira de Mangueira na avenida.
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NOTAS NO PLÁSTICO
por MAURO FERREIRA
Ilessi segue tradições da MPB no belo ‘Brigador’
As Apostas
Afirma Paulo César Pinheiro, em texto feito para o encarte do primeiro álbum de Ilessi, Brigador, que a cantora carioca começa bem. Embora suspeito, já que é um dos compositores da parceria celebrada no disco, Pinheiro tem razão ao listar adjetivos como afinada, segura e corajosa quando se refere à intérprete diplomada pela professora Amélia Rabello na Escola Portátil (RJ). De fato, Ilessi se mostra afinada, segura e corajosa ao abordar a obra (bela e ainda pouco ouvida), composta por Paulo Pinheiro, em parceria com o bandolinista Pedro Amorim, convidado afetivo do samba Julgamento. Já no afrosamba que abre e dá título ao ótimo CD, gravado em 2007 mas circunstancialmente lançado somente neste ano (de 2009), em que estão sendo festejados os 60 anos de Pinheiro, as qualidades vocais de Ilessi saltam aos ouvidos com seu timbre, que evoca ligeiramente o de Maria Rita. Entre o suingue nordestino de “Barraqueiro de Caruaru” e a melancolia de “Ponto de punhal” (choro no qual a aluna já profissional dueta com a professora Amélia Rabello, ao som da flauta chorosa de Marcelo Bernardes), a voz de Ilessi realça a poesia lírica da canção “Olhos Azuis”, se embrenha pelos campo na toada “A Pena do Sabiá” (faixa em que a viola de João Lyra acentua o clima ruralista) e sustenta bem o tom camerístico de “Serena”, valsa-canção que conta com o piano e o arranjo de Cristóvão Bastos (nas demais faixas, os bons arranjos são de Luis Barcelos, produtor do CD, ao lado da própria Ilessi). No fim, tudo acaba em samba. “Sestrosa” tem balanço buliçoso que evoca as rodas baianas. “Linha de Caboclo” — o tema veloz que Maria Bethânia acabou tendo a primazia de apresentar no recém-editado álbum Encanteria — reforça o elo afro de Amorim e Pinheiro. Já “A Sina do Negro” destila o orgulho da raça no compasso majestoso de um samba-enredo. Todo gravado à moda tradicional, sem concessão aos sons eletrônicos que adornam a atual música brasileira, Brigador segue tradições da MPB e põe a promissora Ilessi na briga pelo título de intérprete de um dos melhores discos deste ano de 2009.
ao Leonardo Gandolfi
Pedro Sá azeita rock-samba de Ronei e os Ladrões de Bicicleta Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta é um grupo da Bahia que cruza samba com rock sem fazer exatamente samba-rock. O fato de Pedro Sá — o guitarrista que é a alma da BandaCê — ser o produtor do segundo álbum da banda já informa muito a respeito de Frascos comprimidos compressas. Pedro Sá não toca no disco, porém azeita o rock-samba de Ronei Jorge. A guitarra roqueira que conduz o ritmo do samba “Você sabe dessas coisas” (Nega) evoca a guitarra tocada por Pedro em Zii e Zie, cuja ambiência também está refletida de alguma maneira no instrumental da balada “A respeito do sono”. Enfim, o CD tem lá seus encantos próprios — apesar de o repertório nem sempre ser inspirado — e vai contentar os fãs da sonoridade indie de Ronei Jorge e dos Ladrões.
Para ler mais notas musicais, acesse http://blogdomauroferreira.blogspot.com
um pardal ruinado de regresso de Las Vegas, ou qualquer outro povoado de roletas; este poema se posta à tua frente e te adversa — quieto. Já o desafio que te coloco — trato-me duma terceira separação — é, senão claro, bem menos tortuoso — descobrir ao pássaro que, parado (lentes fundas) à tua frente, dá de asas — alguma ternura, vexada que seja. Acho que não sei transbordar para lá
Poema do cajueiro
Ismar Tirelli Neto
O cajueiro se esparrama e acaricia o chão com dedos retorcidos de desejo. Não há delicadeza no desenho ou na textura de suas folhas mas parasitas laboriosas aplicam refinados arranjos florais em seus galhos rugosos.
A cidade em rewind
Não é tempo de frutos nem cabem ninhos em sua fronde sem aconchegos mas há sempre passarinhos e amantes eternos em sua sombra.
todo caminho é de volta. Telhados e diagonais
Sentado de costas no trem a cidade vai em rewind –
rasgam o céu cinza de São Paulo, traçam
Sábio é o cajueiro impassível a assistir à passagem das flores dos frutos dos pássaros e dos apaixonados.
minha volta do Tietê pro Paraíso.
Carlos AA. de Sá
Miguel Del Castillo
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Anu
Defesa do Amor de Cleo e Toni Mote: Para ambos, o suicídio não foi pecado, mas castigo. O que seria o suspiro Sem ter por quem suspirar? Contra a solidão conspiro A favor de suplicar O perdão para o casal Que junto permaneceu No pecado mais mortal. Conhecemos Prometeu Cujo fogo tem trazido Não só a sabedoria Para humanos mais franzinos, Mas também a orgia Para os mais desinibidos. Já diante dos seus olhos Senhores do júri, eu rogo: Lembrem de Cleo como era, Que maldição ser tão bela! Concedam o seu perdão, Que Toni já tem sofrido De embriaguez de paixão: Enquanto trocavam beijos Era um colar com calor Línguas loucas de tremor, Seios duros como seixos Apertados contra o peito Muito antes de no leito Consumarem seu amor.
Wilmar Silva
Olhares
Para as criaturas digo: Não há pior castigo!
É notável a presença do rato em cima dos livros. Ele é grande, robusto, cinza e fedorento. O gato, oculto em sombras, observa sua presa com seus olhos vis e brilhantes. Um homem chega, puxa a cadeira e se senta diante do animal cinzento e dos livros. O roedor, assustado, foge; o predador, decepcionado, vai embora; o recém-chegado, entediado, apanha um livro e lê. Logo mais, dorme. O dia amanhece e o cão observa o galo cantar.
Como pena alternativa Que eles juntos permaneçam Como os dois eram em vida Pois que ambos só mereçam O veneno que os matou. Pior pecado seria viver como quem nunca amou.
Renan Mendonça Ferreira
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Bruno Papito Nascimento
Yoga Karana – Hatha Yoga – Yoga para Gestantes Meditação Mântrica – Alinhamento Energético Reiki – Cromoterapia – Massagem Ayurvédica Aromaterapia – Palestras Mensais Gratuitas Downtown – Bloco 21 – Sala 226 – Barra da Tijuca – RJ Telefone: (21) 3982-2324 - espacokarana@gmail.com
DESAFIO POÉTICO Nesta edição, nossos astutos
Súbito, senti de longe um forte aroma... Dama-da-noite!
leitores foram convidados a
Yara Shimada
brincando de nada
enviar seus haicais ou poeminhas curtos. Veja aqui treze dos selecionados. Para a próxima edição, o Desafio é enviar um
saltita no lago a pedra depois submerge dois olhos no vago
ontem chorei hoje chorinho amanhã chope
Octávio Roggiero Neto Jovino Machado
poema inspirado em um filme. O resultado: em breve num Plástico Bolha perto de você! Envie seus poemas para jornalplasticobolha@gmail.com
Além da fronteira Continua sempre o mesmo O Verde sumindo
Leonardo J. Melo
Marcos Queiroz mas que frio no pé! o menino descalço depois do xixi
poeminha sujo
versinhos
Me lamba, se lambuze Me abra com cuidado Que eu sou só uma lata De leite condensado.
whisky com guaraná tequila com limão seu copo eu aceito você eu não quero não Daisy Miller
Bovarismo
seu corpo no meu recheio de nós café da manhã
Taiyo Omura
Luciana Mutti
No morro só há Bem lá no topo um pé De jequitibá Luisa Noronha
Brisa
De tanto ler Ficou com L.E.R. Nicole O’Hara
Assopro de inverno na flor de maracujá. Desgostos eternos.
haicai de verão Franklin Pacífico
de infinitas lágrimas e farelo de polvilho são feitas as praias Lucas Viriato
Navalhas No mundo parede Nunca chove nem navalhas Ninguém sente sede Felipe Ribeiro
Veja outros Desafios Poéticos em nosso site: www.jornalplasticobolha.com.br
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ORÁCULO
por Antonio Mattoso
Cinema Cantado, Cinema Falado ou Tudo Azul
Passar(o)
Exibido em 2008 e agora disponível em dvd, O mistério do samba, documentário dirigido por Carolina Jabor e Lula Buarque de Hollanda, pretende resgatar o samba carioca de Oswaldo Cruz por sua melhor representação, a Velha Guarda da Portela. O documentário se constitui a partir de duas fontes: tanto de imagens de arquivo — isto é, fotografias e filmes quanto de imagens e depoimentos captados pelos próprios diretores. Desde 1998 Marisa Monte, para produzir o cd Tudo azul da Velha Guarda (EMI, 1999), inicia sua pesquisa conversando com seus componentes, ouvindo e redescobrindo seus sambas, até 2007, quando foram feitas as últimas tomadas, em uma roda de samba na Portelinha, em Oswaldo Cruz. No filme, essa pesquisa funciona como um singelo enredo, organizando a narrativa e o material filmado, porém não é senão um pretexto para aflorar, a nosso ver, suas principais questões: a memória e a inspiração de seus compositores. O filme conta ainda com a participação de Paulinho da Viola e Zeca Pagodinho, que possuem vínculos afetivos e efetivos com a Velha Guarda. Paulinho produziu o primeiro registro fonográfico da Velha Guarda, o antológico Passado de glória (RGE, 1970); Zeca, por outro lado, afirma que sua referência de samba bom ocorreu no terreiro da tia Doca.
na massa do trânsito por entre as buzinas de atraso um passarinho imperturbável pousado no teto de um ônibus à procura do tempo
Na mitologia grega, Mnemósina (Mnemosýne), Memória, uma abstração divinizada, é uma titânida, filha de Úrano e Gaia, portanto uma deusa de primeira geração a qual unida a Zeus concebeu as nove Musas. A raiz indo-europeia *mna, que se realiza em grego sob a forma mne, significa tanto lembrança, em relação a um objeto material por exemplo, monumento, tumba — como memória enquanto faculdade de lembrar, de suma importância para as culturas orais. É justamente esse sentido de memória a que assistimos no filme. Originalmente as Musas eram divindades das montanhas e das fontes, mas foram logo associadas ao Olimpo e ao Hélicon — segundo Homero e em Hesíodo, respectivamente. Além disso, tinham como função presidir à inspiração poética. A antiguidade considerava o poeta um intérprete e um veículo das Musas.
Os depoimentos, além de recuperar o passado atualizando-o, revelam a intimidade e o cotidiano de cada componente, fonte de inspiração para seus sambas. O samba, segundo Casquinha, “entra numa inspiração mesmo forte, bate no coração, aquele entra e fica”. Fundamentalmente são os homens que compõem, fazem melodia e letra oferecendo a segunda parte ao parceiro. Seus temas versam A primeira palavra dita no filme é antigamente, en- sobre a mulher, o amor e a própria escola. Embora as quanto a câmera percorre pelo bairro, em uma de mulheres não compusessem, eram determinantes suas casas está inscrito 1927. Coincidentemente foi para o sucesso do samba no terreiro. Se as pastoras nos anos vinte que o samba, então um ritmo novo, foi não cantassem, como diz Monarco, o samba não levado do Estácio para Oswaldo Cruz e que a Portela acontecia. foi fundada, tendo se originado dos blocos do bairro. Desfilou primeiramente com o nome Vai Como Pode O mistério do samba retrata o subúrbio carioca de entre 1932 e 1934, adotando em 1935 o nome Grêmio Oswaldo Cruz com sua linha do trem, com seus Recreativo Escola de Samba Portela. Desde o início do quintais, com suas rodas de samba e seu miudinho filme, fica caracterizado o afastamento temporal evo- — enfim, o universo ao redor de seus bambas. Eticado pela palavra antigamente e trará de volta esse mologicamente, a palavra mistério provém do grego passado a memória viva dos componentes da Velha mystérion e significa segredo revelado pelos deuses. Guarda, daqueles que conviveram com os fundadores O filme busca elucidar e desvendar o segredo e o e puderam, portanto, compartilhar do tempo forte mistério do samba; mas, pelo fato de ser mistério, da fundação da escola trará de volta esse passado. contém algo que só o verdadeiro sambista, como Eloquentes, nesse sentido, são os depoimentos de um iniciado, conhece e sabe. O filme é dedicado a Seu Jair do Cavaquinho, dizendo que originalmente dois sambistas da Velha Guarda falecidos durante a Portela não saía com bateria, mas com trombone, as filmagens, seu Argemiro e seu Jair — e mais reclarinete, flauta, violão, cavaquinho e violino — e centemente, tia Doca. Ficamos todos gratos a Marisa também o depoimento de tia Eunice. Ensinando o Monte e ao seu selo Phonomotor pelo quanto têm miudinho às crianças, ela afirma que aprendeu com feito em prol da Música Popular Brasileira ao registrar Paulo da Portela, com Paulo Benjamin, figura emble- em vídeo e áudio esses sambas e preservá-los para sempre em nossa memória. Salve Marisa. mática para a escola.
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Chiara di Axox
O objectivo é tentar conciliar a vida mental com a minha vida prática. Em caso de dúvida contactar o nº 960043006. As manhãs e as tardes estão por conta da Dona Rita. A senhora, que dorme durante a noite, ficava toda contente se fosse lá dizer-lhe olá, entregar-lhe esta carta de recomendação para se manter acordada. Há frustrações que se sente que ninguém percebe. Rita Brás
POEMA DO IMORTAL
Carne Viva
I – Do nada, do tudo
No trabalho, pegando elevador
Na poesia, dum trovador, desses de taverna e bar, viola e cantar, um homem vislumbrou ser tudo. A caminhar, sem muito que pensar, levou suas pernas a um caminho que outrora jamais imaginou trespassar. Foi-se em direção a um rio: não era o Nilo nem o Eufrates; não era Tigre nem o Ganges. Foi-se e, na ida, a cambalear com o sol, com o calor, com as noites inversas, teve sua mão decepada num duelo que ele mesmo viu motivar. A delirar a dor no torpor com o horror de sua fisionomia (refletida no estúpido espelho que levara), viu seu rio correr no leito da secura. II – De nada ao tudo
— Ai, quem me dera ter um cabelo liso e bonito assim. Cê é filho de índio? — É, eu tenho ascendência — mas pensei mesmo é em dizer: “Se cê quiser, gostosa, eu te faço um menino lindo com um cabelo igual a esse...” Frango-assado
Era curto, porém suntuoso, profundo e veloz. Ao ver, descer da quase ausência, tomando para si tudo o que o circundava; apoteótico, a pairar na prostração do nada, o homem, agora ferido, carcomendo a própria angústia (da dor), mergulhou seu corpo quase por inteiro naquelas águas. Não eram límpidas nem agradáveis. A textura de argila a carregar seu corpo numa veleidade imprópria para as águas de um rio atribuiu à dor o irremediável. A ferida ardida em seu peito fundou a frustração de encontrar no nada tudo o que um trovador lhe confessou. Era agora tudo: a ferida não lhe gritou, a pele — dilacerada — reconstituiu-se, dando-lhe novo membro; a morte não podia mais digerir as entranhas: era infinito o homem.
— Esses ricaços devem achar que vão conseguir comer meu cu! Babacas, eles nem — Carlinhos!!! — Oi... vai querer alguma coisa, Marajá? Jovenzinhos Foi depois do aborto... e o jovem casal sentiu
III – De tudo ao nada
alívio, suas vidas não tavam mais condenadas
Pois de infinitude e longevidade seus passos remoeram. Caminhou terras demais para uma só memória; fornicou até não ver na sexualidade o torpor; viu a morte e nela depositou, ao par da condição, a ambição. Não mais sozinho se fazia, mas na sua lida o outro se jazia. Era pernóstico, não por se fazer assim (as circunstâncias o faziam); era angustiado, carregado na sobriedade do infinito. Não era tudo e, no vazio, faziam-se suas motivações. Morrer nada mais é do que findar, dizia; mas sua fala, sabia, era para os tolos, sorria. Ao sorrir, encabulado, resignado, sem se envelhecer, sem morrer, sem viver, doía. E ao doer — a dor do imortal, do infinito, do infindável — queria que, na canção dum trovador, ou nalgum escrito, achasse, porém, a mística do fim. Deu-se a impostura da procura: correu bibliotecas, frequentou trova e poesia, estudou séculos a fio. Por fim, já desgostoso com o saber, inconstante com o querer, o homem — o mesmo que há muito percorreu geografia — desejou ser nada, desejou findar. E no seu desejo, ímpar na vontade e par na grandiosidade, fez-se seu abrigo: o que julgava ser tudo agora era nada; do nada, porém, fez-se tudo e agora, sim, podia morrer.
naquele tipo de prisão invisível. Agora, depois do feto estar no formol, cada um foi pro seu canto e se esqueceram mutuamente, como se não fosse nada... Poligamia E na festa de aniversário do Sheik, as esposas rolavam no chão, uma puxando os cabelos da outra, espumando de ciúmes uma com a outra, devido aos presentes melhores que os seus, uma com a outra A perda da libido
IV – De novo tudo Rumou para o leito daquele rio, ajoelhou-se, quieto, agora sem resignação no olhar ou prostração no cantar, e começou, devagar, a entoar a melodia de sua danação. Devagar, com curtos passos, ainda a cantar, foi entrando novamente no rio. As águas, que outrora com argila parecia, agora leve corriam e, sem o levar, deram a sangrar. A mão se desfez e o peito novamente encheu. A sua amargura, na secura, agora era anterior à dor. E, em vez de agonizar, o tolo homem, mais humano que nunca, continuou a cantar e sorrir, deixando que o rio — lúcido e suave — o levasse, sem qualquer dor ou rancor. E muito do sofrimento e da angústia concerniu para seus olhos; olhos esses que viram coisas demais pra um homem só, pois a imortalidade — para esse homem — foi senão o monótono exercício da solidão.
Não foi de uma hora para outra, ah, não. Veio com as viagens, o prazer de estar só, a fatiga do antigo namoro, novas prioridades da maturidade adultinha. Daí apareceu o egoísmo, cês sabem... Mais tarde nem punheta me acendia, nada, nada e nada vinha, já que não conseguia pensar no assunto... Nem é triste, é loucura!!! Paulo Vitor Grossi
Felipe Aguiar Chimicatti
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DOBRADINHAS
por ALICE sANT’ANNA & Mariano Marovatto
O CORAÇÃO, O CORAÇÃO
praia do leblon
Eu que nunca fui marinheiro tomaria um barco, envolto em visões de países distantes, no ressoar do calor náutico, cheirando a beira de cada mar do mundo enquanto você me cruza a jato o coração, o coração
te ver no inverno é como verter pela metade meus pés afundados na areia, às cinco a luz é pouca: hoje é terça de tarde e não me sinto de férias nesse verão ao avesso te dobro um barquinho pra navegar no mar
Mariano Marovatto
Alice Sant’Anna
CLIQUE AQUI http://chacalog.zip.net O blog do poeta Chacal, um dos autores mais ativos da geração mimeógrafo, divulga poesias novas e antigas desde 2004. O poeta carioca mantém o espaço sempre atualizado com poemas, relatos, fotos, imagens e divulgação de eventos.
http://palomarorizespinola.blogspot.com/ O Jardim de Filiana é o nome do blog criado recentemente por Paloma Espínola. Nele a poeta, que já publicou diversos textos no jornal, mostra seus demais talentos ilustrando os textos com pinturas de sua autoria.
http://lucasviriato.blogspot.com/ O Atos de Medeiros é o blog do poeta e escritor Lucas Viriato de Medeiros, autor dos livros Memórias Indianas e Retorno ao Oriente, além de editor do jornal literário Plástico Bolha, que você tem em mãos neste exato momento.
Raïssa Degoes
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Entregas em Domicílio
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http://www.livralivro.com.br/ Com o objetivo de democratizar o acesso aos livros, Samur Araujo, mestre em Web Semântica pela PUCRio, desenvolveu um projeto para troca de livros pela Internet, motivado pela própria necessidade e pelo desejo de aplicar seus conhecimentos. O site é gratuito e apenas faz o link entre os usuários, a quem caberá pagar a postagem. O site hoje conta com 130 mil cadastrados em português, e cada usuário cria um lista com os livros que possui e os que deseja. Um mecanismo inteligente permite a troca simultânea entre múltiplos usuários, maximizando as possibilidades de troca.
ENTREVISTA
por Paulo Gravina
Georges Lamazière — Da investigação à criação
Você declarou em sua dissertação de mestrado que a poesia e a filosofia seriam maneiras de a linguagem sair de férias. Você diria que tenta realizar esse projeto em seus romances?
autores, do acervo histórico da literatura mundial. A vida cotidiana me é crucial como material literário, na medida em que permite experiências e observações que acabam nos livros, conscientemente ou não. Provavelmente, tanto faz a profissão de cada um, a não ser pelo que possa proporcionar como ocasiões para experimentar e observar. Neste sentido, e neste sentido apenas, a vida diplomática sem dúvida permite uma gama muito variada de vivências.
Acervo pessoal
Georges Lamazière é o que pode se chamar de um intelectual antenado. Estudou direito, filosofia e ciência política; após ter sido professor universitário, ingressou na carreira diplomática e chegou a atuar como portavoz da Presidência da República. Pode-se considerar que a carreira literária começou com sua tese de mestrado, que trata do filósofo Ludwig Wittgestein, autor até hoje bastante estudado nas teorias de literatura e linguística. Lamazière publicou dois romances policiais — “Um crime quase perfeito”, em 1995, e Bala perdida em 1999 — e um ensaio sobre o pós-guerra do Golfo chamado “Ordem, hegemonia e transgressão”. Seus livros são coroados por uma vasta erudição e por um humor refinado — marcas quase sempre presentes no grande escritor brasileiro.
A dissertação de mestrado já vai longe, assim como Wittgenstein. Agora, não há dúvida de que qualquer uso não utilitário da linguagem tem esse caráter de gratuidade, de algo lúdico, de feriado. Só que a filosofia leva, talvez, a umas férias meio chatas, pretensiosas, que lembram o anátema francês contra bronzer idiot, algo como a obrigação de ter férias inteligentes, talvez levando Proust para a praia. Já a poesia, e por extensão a literatura, seria a linguagem de férias com tudo o que isso conota de liberdade, imaginação, prazer.
Suas experiências pessoais incluem estudos nas áreas de direito, filosofia e ciência política e trabalhos como professor, diplomata e embaixador. Você diria que essa diversidade favorece suas construções ficcionais? O que mais fornece elementos para a construção ficcional é a vida, claro, além da leitura de outros
O protagonista de Bala perdida declara que os conhecimentos teóricos seriam vistos como um simples rito de passagem. Qual sua posição em relação à teoria literária? Você diria, seguindo Wittgenstein, que “é preciso jogar fora a escada depois de ter subido por ela”? Só posso falar de mim; não tenho nenhuma aspiração a julgar uma disciplina tão respeitável. Mas, pessoalmente, prefiro cada vez mais ler o original, e não o comentário — sobretudo se esse comentário for muito complicado. Você é um grande defensor e entusiasta do gênero policial. Por que a preferência por esse gênero?
Em sua obra, há algumas citações da poesia de João Cabral de Melo Neto, que é, como você, escritor e diplomata. Como o poeta influencia sua escrita e carreira e que outros autores contribuíram em sua formação? Tenho admiração sem limites pela obra de João Cabral, talvez o Prêmio Nobel que a literatura brasileira deveria ter recebido, na minha opinião pessoal. Nele, como em Graciliano Ramos, encontro qualidades que prezo particularmente, como precisão, austeridade, secura da linguagem. Para além dessa convivência como leitor, não penso que houve nenhuma influência, nem na escrita nem na vida profissional, nesta última inclusive porque nunca cheguei a ter oportunidade de trabalhar com ele ou conhecê-lo pessoalmente.
que, assim, ficaria melhor naquele caso preciso para resolver um problema específico, surgido no próprio fazer do romance, sem querer nem inovar nem inaugurar nada. É o caso do livro em questão. Como o personagem era um escritor iniciante, que tinha seu primeiro manuscrito recusado, surgiu a ideia de fazer eco, ou reflexo, da história em um comentário sobre o livro, e a coisa tomou corpo, nutriu-se de si mesma de forma inesperada. Só isso. Quanto a perspectivas para o futuro, todas são possíveis, ao contrário do que pensavam as vanguardas de tempos atrás. Podemos ter formas novas com ideias velhas, formas velhas com ideias novas, fatos novos contados de forma conservadora ou inovadora. Tudo isso será a cada escritor de decidir, fora de escolas e movimentos, e a cada leitor de julgar, soberanamente.
Seu romance Bala perdida é uma obra comentada, misturando ficção e crítica; além disso, é admitidamente experimental em termos de gêneros e linguagem. Quais seriam as novas possibilidades de criação literária nos dias de hoje e quais seriam as perspectivas para o futuro?
Talvez já não seja mais nem tão grande defensor nem tão entusiasta. Num primeiro momento, tinha um quê de novidade escrever nessa linha no Brasil, como reação ao regionalismo do passado, buscando retratar a vida urbana em uma linguagem mais direta. Aí o marco óbvio é a obra de Rubem Fonseca, que foi para mim uma libertação. Depois, a coisa se banalizou e comercializou muito, como sempre, com uma miríade de coleções especializadas. Fica, porém, de positivo um traço primordial do gênero policial: o fato de que, depois de tanta narrativa sem começo nem fim, sem sujeito e sem desenho claro, havia a possibilidade de uma estrutura coercitiva, de uma regra do jogo, mesmo que para brincar com ela, subvertê-la.
É próprio da teoria literatura, ou da crítica de arte, atribuir intenções mais gerais ou, pelo menos, efeitos mais abrangentes a decisões singulares e individuais em determinada obra de determinado Qual seu conselho a nossos leitores caso se veartista. Pode-se falar da abolição do personagem, jam confrontados com alguma investigação? da estrutura narrativa, da rima, da figuração na pintura, etc. etc. E isso pode e deve ter sido o caso da maioria dos grandes gênios revolucionários da arte. Se investigação policial ou científica, que procurem Também podemos fazer uma obra porque pensamos ser o sujeito e não o objeto da própria.
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VÁRIOS POEMAS
por Chacal
bem-vinda
Vento Vadio
ressarcir
às vezes vem um vento
engendrar
e levanta a aba do pensamento jogando meu chapéu pra lá da possibilidade.
a toda hora em todo lugar
mirabel você passa e fica figura contra o sol colada na retina de repente quando
nasce uma palavra
você me ultrapassa
— bem-vinda! quando perderes o sentido
Prezado cidadão
fica a impressão
colabore com a Lei.
presa você fica
que se eu piscar o olho
colabore com a Light.
esvoaça daqui
mantenha luz própria.
descansa em paz
você passa e brilha farol na minha neblina quando você passa seu ectoplasma fica
Ópera de pássaros A objetividade da fotografia é uma falácia. Erra quem acha que ela retrata o real. O que há é que quando o fotógrafo diz: — olha o passarinho!! Uma ave de asas oblongas sai de dentro da câmera com uma paleta de cores e um embornal de pinceizinhos. Sobrevoa a cabeça do fotógrafo... sobrevoa a cabeça do fotógrafo e de lá, pinta a cena. Em suma, a fotografia é uma ópera de pássaros.
e as couves deixa pra lá
Drama familiar
sabe essas unhas do pé
mais um berro histérico
que a gente tira com a mão
e mato um
e as couves de bruxelas? quem — a não ser eu — ouve elas?
pra ficar brincando? pois é, naquela loucura toda
ninguelas
perdi a que mais gostava
ninguelas
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