plástico bolha
@ O P l a s t i c o B o l h a | j o r n a l p l a s t i c o b o l h a . b l o g s p o t . c o m | w w w. j o r n a l p l a s t i c o b o l h a . c o m . b r
Distribuição Gratuita
A n o 7 ° - N ú m e r o 31
aparentemente insólito...
Construção Quando um lúcido, claro dia recai todo sobre a vida espera-se com paciência o ocaso que a noite reinventa, organiza, pois não há cristão que aguente, a duração das certezas, a dureza da alegria, breve instante que promete, a construção dos barracos, de casas soltas, palafitas, sobre o tempo erigidas, escoradas por um prazo, igual ao termo da vida, pois não há alma que more, longe, fora do meu corpo, longe, fora do teu corpo, sem ter por Deus companhia. Chão das almas, chão de dunas, move o branco das espumas que se ergueram sobre o dia, lúcido, claro, forte e curto, como nuvem dada ao vento, como o galo, que do canto, borda a noite sobre o ocaso, sobre as casas e o pensamento.
www.angeloabu.com.br
DESTAQUES Entrevista com Cristiane Costa sobre a literatura digital, por Marilena Moraes
(Deus do céu não faz as casas, Deus do céu não ponte visa, Deus do céu não dá tijolo, nem compara, quando canta, a cigarra com a formiga.) Osmar Filho
Clara Lugão e o clube da esquina na coluna Por dentro do tom Antonio Mattoso interpreta o significado do canto das cigarras na coluna Oráculo Mauro Ferreira analisa o novo disco de Qinho na coluna Notas no Plástico Dobradinha poética entre Alice Sant’Anna e Diego Grando Ilustrações de Ingrid Bittar, Raïssa Degoes, Ângelo Abu e Heinz Langer Textos de Mariana Milani, João Arthur da Silva Souza e Carlos Andreas Poemas de Pedro Bastos, Marcelo Moraes Caetano, Sofia Vaz, Luíza Provedel, masé lemos, Diogo Dupree, Breno Cesar de Oliveira Góes, Silvia Castro e Domingos Guimaraens
BOLHETIM equilíbrio poético
Editorial Sabe aqueles filmes de ficção científica em que, num futuro desconhecido, os ambientes têm um asfixiante aspecto clean, sem estante alguma, nenhum papel amassado em cima da mesa e, sobretudo, nada de livros? Então, não é porque as pessoas deixarão de ler, é que os milhares de páginas que compõem uma biblioteca estarão compactados em um (ou, dependendo da quantidade, alguns) dispositivos eletrônicos, livres da poeira e dos eventuais ácaros que a acompanham. Sobre o início dessa revolução que se dá com o surgimento dos e-readers, você pode saber mais na entrevista com a professora da ECO-UFRJ Cristiane Costa. Ela explica, entre outras coisas, o impacto desse novo suporte nos hábitos de leitura. Nós, com nosso tabloide, esperamos que as tecnologias novas e antigas ainda convivam em harmonia por muito tempo. Além disso, esta edição vem recheada de vencedores do Prêmio Paulo Britto de Prosa e Poesia, realizado pelo Departamento de Letras da PUC-Rio, entre outras colaborações preciosas. Para completar este Bolhetim, abrimos a caixa postal do PB para mostrar as mensagens que recebemos e nos dão força para continuar com este trabalho.
Heinz Langer
Carta 1
Carta 2
Carta 3
Pô galera,
Salve, salve, meus camaradas!
Então, galera, eu pergunto a vocês: Cadê o meu jornal literário repleto de sentimentos?
Queria dar os parabéns ao Plástico Bolha, por tantas edições, pela obstinação; não deve ser fácil manter esse trabalho da forma como vocês mantêm, independentemente. Meu primeiro poema no blog do PB foi meu primeiro texto em um blog que não fosse meu, e acredito que isso tenha acontecido a muitos outros que enviam textos e tudo o mais. Agora estou com um livro pronto, vou procurar meios de publicá-lo ainda este ano, e vou fazer isso inspirado na força de vontade de vocês. Mando também um trecho do meu livro, pra ser encaixado lá no blog, quando der. Valeu, forte abraço!
Bruno
Danilo
Sou fã, mas muito fã mesmo, de vocês e do trabalho que vocês desenvolvem com o Plástico Bolha. Inclusive passei a receber, a cada edição, uma quantidade plausível de exemplares para distribuir aqui em BH. Mas, de um tempo pra cá, parei de recebê-los, e a galera fica me cobrando, na faculdade, a cada passo, é um “Cadê o jornal das palavras?”, “Eu quero meu jornal que envolve palavras”, “Cadê a poesia em jornal?”.
EDIçÃo Lucas Viriato | Isabella Pacheco Conselho Editorial Alice Sant’Anna | Felipe Wircker | Gabriel Matos | Marilena Moraes DIAGRAMAÇão Mariana Castro Dias Revisão Gabriel Matos | Marilena Moraes Equipe Felipe Wircker | Pepê Canongia | Fernando Fernandes | Ana Helena da Fonseca webdesign Henrique Silveira Edição dedicada à memória do professor Jürgen Heye
Como anda a vida, com os pés ou com as mãos? (de cabeça pra baixo) Acabei de pegar na livraria Bossa Nova e Companhia o jornal Plástico Bolha n°30! Confesso que me senti um “poeta QUASE de verdade” hahuahuahu (ainda faltam algumas coisas para eu me considerar um “poeta de verdade”, se é que poetas são de verdade). No meio de tantos poetas bons, ver Breno & Bráulio rabiscando as folhas de papel em uma página do Jornal fez com que o meu EGO (como dizem os psicanalistas) abrisse os olhos! (ou eu é que abri os olhos pro EGO, vai saber?) Enfim, dizem que essas coisas do EGO atingem os arianos (dizem). Mas enquanto eu não sei de verdade nenhuma, eu vou continuar escrevendo... (escrevendo a gente inventa verdades.) Valeu mais uma vez pelo espaço!
Edição Abril de 2012 / Junho de 2012
Grande abraço e até os próximos jornais & saraus espalhados pela vida.
TIRAGEM 13.000 | IMPRESSO na ZM Notícias
Breno
DISTRIBUÍDO no estado do Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, São Paulo, Vitória, Brasília, Salvador, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre
ENVIE SEUS TEXTOS PARA textos@jornalplasticobolha.com.br
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Leia mais!
Potência de Fênix O palito de fósforo contém o fogo estacionário dos incêndios; com o vento, em seu harém, amansa-os, empresta-lhes, reacende-os. O poema e a ferrugem não são nem bem, nem mal. Não penetram sem que se sujem no nauta, no pavio, no mar, na cal. Um verso que se domina pode-se ver do erro da régua da indisciplina do carvão da neve do ferro. O fato mais comezinho é que poesia dorme: cedo acorda e vai passarinho, águia, embora (ou) conforme. Escrever é falar sem manto, começo no ponto final? Segue-se, apesar do entretanto, mirando-se, estátua de sal. Escreve-se porque não se escuta a fala, tão pouco loquaz. Tampouco se espera que a luta acabe. E acaba-se em paz. Acento, o silêncio e seu ensaio, fogo se desfia; Pássaro adentro. Pensai-o Poesia. Marcelo Moraes Caetano
Ingrid Bittar Ingrid Bittar
Tradição Luzes em Neon Sob a Tóquio high-tech jaz um haicai Tomás Duque Estrada Rosati
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A poesia em crise
Oficina
Cesse tudo que a musa canta Que outro valor mais alto se levanta. Camões All art is quite useless. Oscar Wilde Tive uma ideia para um poema Um poema que há de pôr em questão Tudo aquilo que se pensa e já se pensou Sobre o mundo E sobre a poesia E sobre a arte em geral. Tive uma ideia para um poema Só falta escrevê-lo Um poema que falará de uma coisa só E falando dela falará de tudo. Um poema que não falará de poesia E por isso mesmo dirá mais do que qualquer outro poderia.
Meu poema me levará aonde nenhum homem Nenhuma mulher Jamais sonhou em ir. Tive uma ideia para um poema Só falta escrevê-lo.
Todos, unidos e munidos de martelos, chaves notas, sílabas e acentos amores dolores aventuras e esperanças
Não quero mais saber do lirismo Nem do modernismo Nem do pós-modernismo Nem do pós-pós-coisanenhuma. Quero que minha poesia suma Como algodão-doce na boca. Minha poesia será leve como uma pluma E terá a força de impossíveis tanques de guerra E de cima deles, lá do alto, de braços abertos Gritarei: Abram-me todas as portas porque hei de passar! Minha senha? T.S. Eliot!
Vou fazer um poema sem disfarce E sacudir a dura estrutura do mundo Com graça e seriedade.
Mas não passo. Sequer conheço a porta que quero abrir. Estou perdido nos destroços, nas ruínas Dessa cidade irreal. Não tenho para onde ir. (Tinha uma pedra... mas uma pedra aonde, Se não há nem caminho?)
Com meu poema transcenderei tudo e todos Trocarei esta minha forma efêmera Pela imortalidade das ideias.
Este meu poema, A verdade é que este poema Não vale coisa alguma.
Tive uma ideia para um poema Só falta escrevê-lo.
Duas vezes por semana grandes mestres têm encontro onde vinte afoitos anônimos aguardam a abertura de arquivos
(e um passaporte diplomático) observam no canto — sempre, é claro, à esquerda Luis, Gregório, Augusto, Carlos e Manel sempre os mesmos a contar nos dedos alexandrinos Fim da festa, Parnasianas ficam com gregos Modernas com norte-americanos E, senhoras e senhores, o mundo ganha rápido às pressas, um poeta. Diogo Dupree
Luíza Provedel
Toda última quarta do mês às 20h com o quadro Espaço Plástico Bolha
PÃES ANTEPASTOS MASSAS MOLHOS PIZZAS SALGADOS DOCES TORTAS www.ettore.com.br | @EttoreCucinaIT | www.facebook.com/ettorecucinaitaliana Av. Armando Lombardi, 800 - lojas C/D/E Condado de Cascais, Barra da Tijuca - RJ Tel.: 2493-5611 / 2493-8939 Rua Conde Bernadotte 26 - loja 110 Leblon - RJ Tel.: 2512-2226 / 2540-0036
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Só indo. Só vendo. Ouvindo. Vivendo.
http://cep.zip.net Teatro Sérgio Porto, Humaitá, Rio de Janeiro
Casa dos desejos Na sua casa não havia tapetes. Foi isso que lembrou quando os pés sentiram o macio. Naquela outra casa não se admitiam tapetes nem pelúcia, porque a mais nova era cheia das alergias e, mesmo depois de curada, agora tinha o caçula, e “Deus me livre outra vez”, era o que se dizia. Naquela outra casa também não se acordava de calafrio porque na Barra da Tijuca não faz frio como na zona sul, e isso era outra coisa que ela havia descoberto. Ainda era tempo de se acostumar à mudança. Por enquanto ainda acordava com a surpresa de estar em outro lugar, como quando se viaja e, ainda de olhos fechados, dá para lembrar que não se está em casa. Mas ela estava naquela idade de se prever e sabia que era questão de tempo até lembrar, um dia, quem sabe na hora do almoço, dos anos passados no outro lar. A partir daquele dia, as tardes seriam vazias. O problema em desejar certas coisas por muito tempo é que, quando a gente as tem, sente falta de desejá-las. Talvez não tivesse tanta graça assim dormir às três e acordar ao meio-dia, nem ver TV em paz, nem cantar sossegada, sem choro de criança, sem “atende a porta” ou “traz o telefone”. Na casa nova não tinha café na cama, não tinha beijo do pirralho. Não só sentiria falta de desejar o que agora a aprisionava, como passaria a desejar, com força, todas as outras coisas que já não tinha. O caminho do tapete até o espelho era dos menores possíveis, mas era um caminho enorme, arrastado. Ela sabia que, naquela mania de se prever, acabava sempre antecipando tudo e, por isso mesmo, tentou adiar ao máximo a hora de se ver refletida. De fato, chegando ao espelho, viu uma velha prematura exibindo sua solidão nos olhos cansados. Fez que ia correr, mas voltou. Parou quase de perfil, os olhos ainda alcançando o reflexo. Era uma velha sozinha. Num choque, correu ao telefone. Na pressa, discou um número a mais, agendando uma visita que, lhe foi dito — e era óbvio —, não precisava ser agendada. Logo que chegou, soube que a casa ainda lhe pertencia — ou que ela ainda pertencia à casa — quando percebeu que não estranhava cheiro nenhum. Pediu um abraço, ganhou um outro, um “alô” da cozinheira gorda. Cada vez mais gorda, para mostrar que o tempo passava. Atravessou a sala sem tapete, o triplo da sua, afundou no sofá e ali ficou para sempre, por alguns minutos. Prestes a criar raízes e virar parte do assento, tomou outro choque e foi parar no corredor. Ele era tão minimamente enorme e arrastado como o caminho do tapete ao espelho. Isso porque ela teria, e o sabia, que se encarar ao final. E, como não poderia não ser, lá estava, pendurada na parede, a menina de olhos viris, a franja malcortada, um tênis de cada cor e um vestido azul de festa. Dessa vez, não fez que ia correr e nem pensou em ligar, porque ninguém atenderia. Mas, agora sim, ficou em pé, descobrindo que era, ali, tão livre para desejar ser velha quanto seria, lá, para desejar ser moça. Mariana Milani
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Cobra
Catarata
Y Tu és cobra encouraçada. Só és dobra, Nada sobra, És selada: Trancafiada No teu claustro Sem parede Que se mede Só no rastro Da sua crosta. Toda costas, Nada frente, És serpente Intraçável. Não dolente, Não doente, Só um ente Impermeável. -Inefável?Que não para Ou se refuta, Tu que és clara, Tu que és rara, Tu que és tara Absoluta. Nada glosa Toda mote Que me mata E me resgata Sinuosa Dá-me o bote
da minha janela o que vejo é muro com grade ainda tecendo uma divisão o que enxergo são os limites das plantas verde-escuras, senão e suas sombras projetadas numa parede branca — mais cinza que essa que então — desenhando molduras mais duras que a grade a janela moldaram em nãos o sol, qualquer traço de luz só me chega refletido : sou beirada num muro de solidão e as cortinas brancas leves, que voam a qualquer brisa só transparecem a mentira que são tentam confundir-me a liberdade como que se eu pudesse de fato ter vontade não tendo nem ainda visão eu recortada em verticais entre / meadaentre / cortada longe dos limites da razão vejo as plantas que caem, final de vida despencam e proibidas que são de me fazer ver mais além saem do meu campo de visão que não entra mais nada mais ninguém
Breno Cesar de Oliveira Góes
www.leonardodavinci.com.br Av. Rio Branco, 185 – Subsolo – Ed. Marquês do Herval Centro – Rio de Janeiro/RJ Tel.: (21) 2533-2237
não sou cega porque não me dizem enquanto não dizem não sou nem o quê só percebo que resisto nas marcas da chuva, na ferrugem do metal, na visão do imundo, talvez nas palavras que desejo, mas daqui nada vejo nada é o mundo nada mesmo e sendo só beira toda vez que o vento entra só me entra na alma poeira e nesse muro branco, é essa a minha deixa: eu sigo a vida lá fora nas suas rachaduras, pela sua sujeira. Sofia Vaz
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Um Épico entro numa farmácia tenho 30 anos entro para pedir um remédio para calvície não que seja calvo mas um certo medo precoce da idade uma vaidade que a invenção do espelho nos impôs não é culpa do espelho antes todo mundo queria ser velho logo hoje todo mundo quer ser jovem sempre o fato é que peço o remédio para calvície o atendente é mais novo que eu e careca durante alguns segundos me olha descrente pega o remédio pergunta se eu tenho o cartão de desconto segue o protocolo e me entrega o remédio descrente vou andando pela rua de uma terra inventada de uma terra sonhada e olho o mundo que passa a pé de carro bicicletas skate patins para que tanta roda meu Deus? o mundo passa descrente o meu remédio para calvície sacoleja líquido na bolsa plástica pedi para o atendente não me entregar a bolsa plástica mas ele seguiu o protocolo descrente
olho a bolsa plástica e penso no continente de plástico que boia hoje no meio do pacífico deserto de polímeros lembro dos pássaros encontrados mortos com bolsas plásticas no estômago sempre me sinto um assassino de pássaros quando carrego uma bolsa plástica matador de passarinho sigo andando e lembrando que não é de hoje que me sinto assim assassino no primário uma professora me olhou fundo nos olhos com olhos lacrimosos por uma vírgula comida ela contou que na segunda guerra mundial um batalhão avançado perguntou se deviam matar prisioneiros de guerra NÃO TENHAM PIEDADE! foi a resposta mataram todos mas faltou a vírgula não, (vírgula) tenham piedade. Não era para matar ninguém Sempre que erro uma vírgula me sinto um assassino um criminoso de guerra as vírgulas balas perdidas assassinando as frases e um carro freia forte assovia borracha no asfalto buzina me xinga eu no meio da rua distraído pelo plástico pela vírgula
meu primo sempre diz que eu não tenho medo dos carros para mim parecem mesmo burrinhos pacatos ruminando piche mas não são alguns não freiam outros comem piche ou melhor petróleo e os pássaros com plástico no estômago cobertos de petróleo num acidente ecológico e os peixes tentando respirar na superfície pastosa deserto de piches andar de carro é ser um assassino de peixes tenho 30 anos me chamo Domingos sou um dia inútil da semana caminhando pela utilidade dos dias as inutilezas que salvarão o mundo a preguiça de um domingo que salvará o mundo sou Domingos me chamam Dodô sou uma ave extinta de uma terra inventada uma terra sonhada num domingo de sol quando Deus cochilou inventaram o Brasil. Domingos Guimaraens
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POR DENTRO DO TOM
organização Santuza Cambraia Naves
“Sou do mundo, sou Minas Gerais” Autora Convidada: Clara Lugão também houve referências a outras cidades e países no contexto da globalização. O uso de instrumentos andinos, muita percussão e elementos que lembram música de procissão, de igreja ou de festas folclóricas colabora para o registro dessas marcas locais.
A letra de “Para Lennon e McCartney” mostra a visão dos autores sobre o modo como sua região se articula com o mundo, além de uma crítica à posição de esquecimento e marginalização da América Latina em relação à ideia de Europa e Estados Unidos como “globo”.
Na Europa e nas cidades latino-americanas formadas a partir de modelos europeus, sobretudo espanhóis e portugueses, as cidades cumpriram funções modernizadoras e integradoras dos migrantes, tanto estrangeiros como de diversas regiões do país. Mesmo estabelecendo uma separação entre Se na modernidade as culturas e identidades na- bairros ricos e pobres, centro e periferia, as cidades cionais dominam, se sobrepõem ao que é mais fomentam a convivência interétnica. Foi um modo particularista ou local, na pós-modernidade, com a desigual, mas, em geral, menos segregador, de arglobalização, elas ainda têm força, mas começam a ticular o local com o proveniente de outras partes ser enfraquecidas pela valorização das identidades da nação e de outras nações. locais e regionais. O que há de mineiro é muito mais forte e perceptível na música do Clube da Esquina Assim, a música do Clube da Esquina se aproxima do do que as características que podem ser conside- conceito das cosmopolíticas, formadas por discurradas brasileiras. Mesmo essas questões de cultura sos que tratam dos assuntos globais de forma intrínnacional são tratadas de uma maneira muito local. seca e conscientes de sua natureza política. Sobre Ao mesmo tempo, a identificação com questões essa consciência evidente, o depoimento de Márcio internacionais também está muito presente, tanto Borges, um dos compositores do grupo, pode ser revelador. Ele afirma que criava estimulado pelas na melodia quanto nas letras. discussões sobre cultura, revolução e socialismo, temas obrigatórios dos papos daquela época, e que O Clube da Esquina reuniu músicos de diversas partes do Brasil, mas Belo Horizonte, além de ser o via Belo Horizonte, mais do que nunca, como parte local de reunião e produção de músicas, era tam- integrante do mundo. Assim, percebia o surgimento, bém um tema claramente identificável nelas. Para pela primeira vez na província, da consciência de Bruno Viveiros Martins, nas narrativas do Clube, as pertencermos a uma civilização planetária. cidades seriam o local, por excelência, do viver coletivo, e cada um de seus integrantes trouxe, com O discurso de Márcio Borges mostra como havia, por suas referências históricas e culturais particulares, parte desses músicos, um apreço pelo universal. A também um pouco de sua cidade natal, o que fez par dos exemplos já citados daquilo que é caracteristicamente mineiro nessas canções, outros temas da capital mineira um solo aglutinador. presentes são referências muito fortes. As guitarras e as melodias com clara influência dos Beatles são Você pega o trem azul/ O sol na cabeça aspectos que fazem parte do universo pop. Guajajaras, Tamoios, Tapuias/ Tubinambás, Aimorés1/ Todos no chão/ A cidade plantou Porque vocês não sabem do lixo ocidental/ no coração/ Tantos nomes de quem morreu/ Não precisam mais temer/ Não precisam da Horizonte perdido no meio da selva/ Cresceu solidão/ Todo dia é dia de viver/ Eu sou da o arraial/ Arraial América do Sul/ Eu sei, vocês não vão saber/ Mas agora sou cowboy/ Sou do ouro, eu sou Se Belo Horizonte se mostra para o Clube da Esquivocês/ Sou do mundo, sou Minas Gerais na como o solo aglutinador das cidades mineiras,
Para outro integrante do grupo, Flávio Venturini, o Clube da Esquina realizou uma mistura de várias coisas que aconteciam nos anos 1970 de uma forma “muito bonita e muito mineira; abriu as portas (de Minas) para o mundo”.
O Clube da Esquina, grupo de amigos e produtores de música cujo auge da produção se deu no início dos anos 1970, teve como lugar de encontro a cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Pela intuição de que tanto melódica quanto tematicamente as canções do grupo tratam de elementos locais que se articulam com o global, é possível perceber o envolvimento dos integrantes do Clube da Esquina com a ideia recorrente à época de união do continente latino-americano e o desenvolvimento, na cidade, do apreço pelas informações de caráter universal.
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Os nomes citados são denominações de grupos indígenas e também de ruas da cidade de Belo Horizonte.
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O desejo de união do continente latino-americano ganha força na música produzida pelo grupo e revela uma posição quanto à política internacional, como demonstram as gravações em língua espanhola e a grande influência de ritmos latinos nas melodias em questão. As horas não se contavam/ E o que era negro anoiteceu/ Enquanto se esperava/ Eu estava em San Vicente/ Enquanto adormecia/ Eu estava em San Vicente/ Coração americano/ Um sabor de vidro e corte Que distância tão sofrida/ Que mundo tão separado/ Jamás se hubiera encontrado/ Sin aportar nuevas vidas A repressão, a violência e a luta por liberdade, pulsantes no contexto brasileiro nos anos 1970, marcam as músicas do grupo. Para além disso, percebemos um hibridismo na sua capacidade de unir o religioso, o barroco, o hippie, o indígena, o latino, o roqueiro, o tradicional e o moderno. Eles não são os únicos nem os primeiros, mas se posicionam no contexto mundial reconhecendo a heterogeneidade, fazendo dela seu discurso e mostrando como, pelo menos estética ou artisticamente, ela pode construir uma harmonia. Se o Clube da Esquina “abre as portas”, deixando Minas ver o mundo, também mostra ao mundo o que é Minas.
NOTAS NO PLÁSTICO
por MAURO FERREIRA
Qinho consegue soar pop entre as estranhezas de seu segundo CD solo
Ingrid Bittar
Frida Sol a pino na metade do céu Vísceras Abertas Dali vão brotando todas as cores Fio Fátuo de dor e susto Pulsando Dando a Forma É frida
Segundo disco solo de Qinho, O Tempo Soa flagra o cantor e compositor em momento pop. Marcos Coelho Coutinho, vulgo Qinho, é natural do Rio de Janeiro (RJ) e foi na cidade natal que abriu seu caminho no mercado fonográfico independente. De início, como líder da banda VulgoQinho&OsCara. Depois, já pavimentando trilha individual, lançou Canduras (2009), disco calcado em sua voz opaca e em seu violão. Produzido por Bernardo Palmeira, O Tempo Soa encorpa o som de Qinho com banda sem eliminar as estranhezas de sua música indie, mas acenando cada vez mais forte para a cena pop. “Macia Bahia” (Qinho), tema introduzido pela cítara pilotada pelo guitarrista Fábio Lima (coprodutor do CD), confirma de cara esse aceno ao abrir o disco com melodia assoviável. Elba Ramalho amacia seu vocal agreste para repaginar com Qinho “Morena”, título menos ouvido do cancioneiro de Gonzaguinha (1945 - 1991). O acordeom de Ricardo Rito dá leve sotaque nordestino à faixa sem reeditar toques-clichês do universo forrozeiro. Mais expansiva, a faixa-título “O Tempo Soa” (Qinho) ostenta guitarras e certo peso de acento roqueiro sem desconstruir de todo a leveza em que se sustenta o disco. “Mesmo Assim” (Qinho) reitera a salutar estranheza na qual está embebida a brasilidade black do som de Qinho. “Troca” (Qinho) se banha nessa negritude suingante, ao passo que “Segredinho” (Qinho) — faixa turbinada com a participação bem apropriada de Mart’nália — se insinua sem vulgaridade para as rádios, até mais do que “Irmã Forte” (Qinho, André Carvalho, Rodrigo Cascardo e Miguel Jost), música gravada por Qinho com Amora Pêra e escolhida para iniciar os trabalhos promocionais do disco. No fim do álbum, “Caminhada” (Qinho) se diferencia pela intensidade crescente do coro enquanto “Coração Gigante” (Qinho e Botika) expõe o progressivo burilamento pop da música ainda estranha de Qinho, artista em trânsito por trilha nada óbvia. Confira mais Notas Musicais em blognotasmusicais.blogspot.com
Silvia Castro
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CHUCRUTE&BRONZE Sábado, como é de costume a cada 15 dias, fui à Feira do Troca. Sempre na Praça XV, a feira ocorre embaixo do viaduto da Perimetral, para ser mais exato. O lugar não é dos mais convidativos na minha opinião, mas o cheiro das velharias, das raridades e do bom preço me agrada demais. Nesse dia, apesar de não ser de costume, não queria me demorar, estava cansado e não queria ficar procurando coisas novas, nem pechinchar. Uma das minhas raras visitas com objetivo. Fui comprar uma agulha nova para minha vitrola, que alguém havia me feito o favor de quebrar (morar com os pais tem seus pontos baixos). Assim que saí da barca, fui a passos largos em direção às barracas de discos e, logo na primeira, encontrei o que havia ido buscar. Com a minha agulha novinha em folha na mão, decidi voltar a passos também largos para as barcas, mas fui tão rápido que nem me lembrei de que aos sábados as barcas funcionam com intervalos de meia hora. Pensei em ir até o ponto de ônibus, mas minha preguiça “sabatomatutina” me impedira. Pensei, então, em dar uma volta pela feira até a barca chegar e eu voltar para casa. Passei pelas barracas de quadrinhos, nada de novo. Nas barracas de DVDs, os preços continuavam altos e os vendedores, irredutíveis. Cambada de mal-amados que vão morrer abraçados aos filmes! Já assisti à maioria, mas queria alguns para minha coleção, por isso os invejo e não é inveja boa, se que é existe esse negócio de inveja boa. Perto da escadaria, como sempre, estavam os “vendedores” de celular. Dizem que com eles você consegue comprar os aparelhos mais modernos a preço de banana. Mas, nem quando meu último celular “morreu”, eu cheguei perto daqueles caras. Meu amigo que me levou à feira pela primeira vez resolveu um dia fazer barganha com eles, achando que faria um ótimo negócio. Enquanto negociava, se arrependeu ou, em outras palavras, percebeu, num arroubo moralista, que os aparelhos eram roubados e resolveu não participar da receptação, digo... “negociação”. Quando entrou no carro, percebeu que havia perdido seu celular. O dele mesmo, que havia levado cogitando uma troca. Resolveu, então, voltar e comprar “qualquer coisa” para não ficar incomunicável. Voltou apenas para que lhe fosse oferecido o seu próprio celular. Ai! Como eu amo essa feira! Tem dessas coisas, mas é só não dar mole. Mais perigoso do que ser furtado, só o caldo de cana da barraca central. Bebeu, Morreu e Arsênico da Moenda são os apelidos do líquido (não merece ser chamado de caldo de cana) vendido nessa barraca, logo, acho que não preciso falar muito sobre a qualidade e os efeitos (que seu humilde cronista já sentiu) provocados por ele. Já perto da hora de partir, me dirigi à estação das barcas, olhando os produtos expostos nas barracas. Acho sempre muito engraçado como a maioria delas tem sempre as mesmas coisas à venda. É possível até utilizar alguns produtos como ponto de encontro. O enorme catálogo cultural de capa dura estampada por um palhaço de sorriso singelo e o vestido florido de grávida expostos logo no início da feira são ótimos pontos de encontro. Cansei de dizer “Me encontra no palhaço!” e “Te vejo embaixo do vestido!”. Vez ou outra alguém ouvia por alto e franzia a testa, o que era muito engraçado. Resolvi dar uma olhada em uma barraca que sempre me chamou a atenção, mas da qual, não sei por que motivo, nunca havia chegado perto. Ela é bem parecida com as outras, um pouco mais organizada talvez, chamava atenção pela enorme bandeira Dixie hasteada num enorme mastro improvisado ao lado. Quando cheguei mais perto, percebi que havia todo tipo de material relacionado a guerra. Cantis, facas, capacetes e até fardas. “Tudo original e usado em combate!” Era assim que um senhor que parecia ser o dono da barraca, com uma energia ironicamente belicosa, descrevia alguns itens para um rapaz. Achei aquilo muito interessante, o cheiro de história que dali exalava era forte. Como um bom adorador de coisa velha, resolvi levar algo de lembrança, nada caro. Olhei para um mural pendurado do meu lado e vi vários patches bordados, daqueles que você passa a ferro e eles colam na sua roupa. Enquanto meus olhos curiosos corriam o enorme quadro de feltro, o rapaz esticou um braço, passando na frente do meu rosto para pegar uma bandeira do mural. Eu, absorto com a minha difícil escolha diante de tantas opções, tomei um susto. Mas meu susto maior foi ver que o patch que o rapaz estava segurando era todo preto com as letras SS, em branco, no meio. Pois é, era o símbolo da Schutzstaffel, uma espécie de polícia nazista. Olhei em volta e, numa epifania muda e em preto e branco, vi que ninguém parecia constrangido. Olhei de novo para o mural, à procura de uma suástica. Queria ver a seriedade da coisa. Não vi nenhuma, mas fiquei com a sensação de que elas “aparecem” se você souber como pedir. Fiquei também com uma pergunta na cabeça: “Quem usaria um símbolo daqueles?”. Sei que em São Paulo há alguns grupos neonazistas e que de vez em quando fazem uma besteira digna de noticiário, mas, aqui no Rio, não esperava uma coisa dessas. Acho que por estas bandas não fizeram nada digno de noticiário. Ainda. Me senti ingênuo e com medo. Medo dos nazistas bronzeados da Praça XV. João Arthur da Silva Souza
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DESAFIO POÉTICO
O minotauro pós-moderno
A caverna de Platão Caçado pelos dogmas,
outros tempos. Aqui vão alguns
Liberto de seu casulo – Invólucro sintético anticoncepcional – O minotauro pós-moderno ganha as ruas Causando perplexidade e admiração Transgride a luz dos postes Penetrando o lado oculto De uma nova geração:
dos poemas que recebemos
Metade mulher
Neste desafio poético, convidamos nossos leitores a rememorarem a grandeza de
para o desafio de versar a partir de um mito. Penélope Em tela o tramado é tecido em nós fios novelos contornos contrastes consensos cores cem textos tramam com-tatos tocam e tremam textura de trezentos traços trocentos troços
tapetes taciturnos traem trançam e traçam tecidos em tantos pontos contos, cantos, contas e esperas palavras pa-lavras lavram hiatos histórias início fim ... no texto trama o contexto onde o drama tece a sina e o tecido diz o texto e a espera aqui termina. Lucia Helena Ramos
Oprimido pelos homens, Inocente sábio Platão, Torturado por mentes más. O que fazem esses jovens? A caverna onde esteve, Abriu sua mente, A luz refletiu os doentes,
Metade coisa
Julgado por olhos famintos, Virou apenas um mito.
Desnuda a moça liberdade Tapada a vergonha material Peitos de virgem E pernas de pau Dão à vida (de uma vez só) Uma ninhada de ninfas Cobertas de pó
Insanos têm razão, Obcecados pelo seu mundo, Enxergam sombras fictícias. Possuídos de fanatismo, Morrem de orgulho. Bruno Borja
Estão acorrentados em suas poças, Poças de mentiras, E na lei da vida, Hipocrisia é divina,
Olimpo frustrante
A verdade é que mata.
Amores platônicos, Enfureço-me com Eros, A mente vazia de arte, Enfureço-me com Apolo.
As vozes enlouquecem os homens Sugadores de sangue. É proibido pensar,
Eu que prometi ser meu próprio deus, Eu que sou meu próprio inimigo, Meu próprio herói. Sou meu tudo dentro do Caos (nada) Que também sou.
Várias mentes não pensam, Uma morre ao pensar. Manuella Kleemann
Para a próxima edição, entraremos no clima esportivo: quem topa fazer uma poesia sobre futebol? O poeta aponta o lápis, mira a ponta em cima da folha de papel, escreve e... poeeeeeeeeeeeema! É poeeeeeeeeeema!!
As verdades se confundem se entrelaçam conhecimento e confusão, a sina/acima da humanidade. Enfureço-me com Atenas. Ó, minha bela Psiquê! Por onde anda Eros? Iago Souza
Envie suas poesias futebolísticas para desafio@jornalplasticobolha.com.br
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ORÁCULO
por Antonio Mattoso
Ouçam este mito.
A ciclovia
Nesta edição, a coluna Oráculo conta com a participação especialíssima de Sócrates, o mais sábio dos homens segundo o oráculo de Delfos, contando-nos o mito da origem das cigarras como consta no diálogo Fedro de Platão 258e– –259d, que ora apresentamos em nossa tradução. Não deixem que a prática hodierna de uma leitura dirigida aos olhos nos impeça de experimentar o sentido original de mito, ou seja, fala e narração. Em grego, conversar diz-se dialégesthai, que pode ser empregado tanto com um sentido comum e cotidiano, como ocorre na fala de Sócrates, quanto filosófico de perguntar e responder, tendo em vista o conhecimento; nesta acepção, conversar significa praticar a dialética.
- Meu caro, você conhece o terror que tenho de motos e carros. (e dos pedestres)
Um passante de bicicleta se destaca no horizonte. Sua intenção é atingir a ciclovia perfeita. Ele reclama: - “A pista da ciclovia é inútil, ela termina, ela desemboca na rua”. O ciclista sabe que precisa passar pelos carros para atingir a ciclovia. O ciclista sabe que precisa passar pelas motos para sair da ciclovia. Ele pedala altaneiro por alguns minutos respira a sensação enfim esse espaço.
Mariana Dias
Sócrates – As cigarras cantando também acima de nossas cabeças, no calor abafado e conversando umas com as outras, me parecem observar-nos. Se então elas nos vissem do alto a nós dois, ao meio-dia, como muitos não conversando, mas dormindo e seduzidos por elas, por causa do ócio do pensamento, justamente ririam de nós, supondo alguns escravos terem chegado à sua pousada como cordeirinhos para fazer a sesta, junto à fonte. Mas se nos virem conversando e navegando ao largo delas como das Sereias sem ser seduzidos, elas admiradas talvez nos possam conceder a honra da parte dos deuses que concederiam aos homens. Fedro – Que honra elas podem conceder? Pois eu nunca ouvi falar. Sócrates – Não convém que um amante das Musas nunca tenha ouvido falar de tais honras. Dizem que outrora as cigarras eram os homens dentre os que existiam, antes de terem nascido as Musas. Quando nasceram as Musas e apareceu o canto, então alguns homens foram arrebatados pelo prazer, de modo que, cantando, descuidaram de comer e beber e esqueceram-se de si mesmos, tendo morrido. Originária deles surge a raça das cigarras, recebendo da parte das Musas esta honra: desde o nascimento não precisar de nutrição, mas cantar sempre sem comer nem beber até a morte. Depois vão junto às Musas relatar quem dos daqui honra a qual delas. Então relatando, por um lado, a Terpsícore, aqueles que a têm honrado nos coros, tornam-nos mais caros a elas; por outro a Erato aqueles que a têm honrado no que concerne ao amor (éros), e assim às outras quanto à espécie de honra de cada uma delas, e à mais veneranda, a Calíope, e a Urania relatam aqueles que dedicam seu tempo ao amor à sabedoria (philosopía) e que honram aquela arte que lhes é peculiar, as quais dentre Musas, principalmente por se ocuparem com o céu e com assuntos divinos e humanos, emitem o mais belo canto. Então, por muitos motivos, deve-se, de algum modo, conversar e não dormir ao meio-dia.
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O espaço da ciclovia se confunde com a calçada. O pedestre flana. O pedestre invade a ciclovia. Na superioridade de sua preferência sua prioridade absoluta facilita o acidente [alguém adverte]. Manoel me disse que o carro deve manter a distância de dois metros da bicicleta. Qual a distância que o pedestre deve manter da bicicleta? O pedestre vive seu estado de exceção. O pedestre turista vive seu estado de imposição. - Ele tem Razão! Isso não é uma razão, diz Michel. [Outro dia Marília esbarrou com Deguy de bicicleta] João quer pedalar continuamente mesmo não sendo um atleta. Sem interrupções, de ponto a ponto, da esquina até Ipanema, até a Lagoa. As pernas retraídas esticam-se continuadamente. Se esforçam formando ondulações. Elásticas as pernas na bicicleta ondulam. [Marília depois me contou] Deguy saiu da ciclovia chegou na avenida de bicicleta. Naquele momento interrompido em que caía. Ridículo na lama. Quando o poeta se estatelava no chão.
Masé Lemos
Fuga do campo das flores I bocas fechadas repletas de terra bocas com línguas aterradas dentes com raízes céu da boca encoberto ácido torrencial veneno gástrico II bocas e beijos secos cascalhos trocados feito sentimentos fáceis de encontrar e jogar fora do chão lábios áridos pedindo irrigação por alguém que chegue de verdade bocas pedem sementes elas germinam como pedras para o plantio das flores Pedro Bastos
Ingrid Bittar
Currículo Lattes Evidentemente este texto é excelente: fui eu que escrevi. A história começa em um edifício moderno, coberto de pichações e escadas de emergência. Vivo num quarto escuro nos fundos da garagem. Tenho um duende desenhado nas costas. Meu quarto é praticamente todo ocupado por uma grande cama estilo império. O resto do espaço é ocupado pela estante onde estão reunidas minhas cruzes, medalhas, terços, escapulários, candelabros, altares, crucifixos de porcelana e o pote de haxixe. Sei esculpir, tecer, trançar, bordar, coser, moldar, apertar, colorir, envernizar, cortar, montar e até reconstituir. Apesar de meus inumeráveis talentos, não sou um homem de negócios. Durante anos fui contramestre na marinha mercante; trabalhava no setor de exportação de pulôveres de bolinha. Quando saíram de moda, segui para o ramo do barbante: tornei-me o maior fabricante do continente. Quando o nylon surgiu no mercado, perdi a fábrica, a casa e a esposa. Me recusava a trabalhar com nylon. Com a falência me vi obrigado a migrar para o ramo das artes e fundei um grupo especializado em cançonetas patrióticas que tiveram um êxito incontestável, mas que durou poucas semanas. Em seguida, resolvi renunciar à carreira artística, mas, não querendo fugir do mundo dos espetáculos, tornei-me empresário de um célebre acrobata. Percebi que começava a envelhecer quando, depois de passar uma noite fora, precisei passar dois dias inteiros em casa. Carlos Andreas
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DOBRADINHAS
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por ALICE sANT’ANNA & Diego Grando travelling
mafua.ufsc.br
Pistas para Carol
travelling—
1.
esse papel só serve para ocupar
A estrada tem razão (fora do mapa)
o banco do lado, poema-carona
e vias vicinais, acostamento, mato.
em que se resume uma impressão a um esqueleto, uma frase, uma fórmula e quando ela brota, igualzinha, na vez seguinte não precisa mais sentir nenhuma dor
2. Fora do mapa a estrada é o não haver de vento de varanda e vista conversível
lembra daquele poema
Hank Williams com chiado no dial
que diz a sereia de papel
ou quarto de motel por qualquer nota amarrotada
e pronto: já aprendi
contudo brisa de ar-condicionado
essa rua que sobe em curva lá de cima pipocam casas onde você nunca vai morar, mesmo que more, na lateral os carros te atravessam em câmera lenta tudo o que há nesta cidade é um ponto de ônibus em frente ao supermercado
e iPod na entrada auxiliar. 3. Fora do mapa
suspiro na cintura, a manga arregaçada pavlova nas datas especiais
Alice Sant’Anna
escrevendoalice.wordpress.com Ela assina como L. e se define como “desesperadamente alice”. Colocando em poemas, prosas e cartas seus conflitos e angústias, Alice, como na história de Carroll, não para de se encantar e se surpreender com o mundo em que se encontra. No entanto, aqui se trata do mundo explicitamente concreto e supostamente real que vivemos e vemos diariamente, seja ao vivo ou em sonho.
escrevalolaescreva.blogspot.com
estéril de cinema e literatura a estrada é o carro azul que a percorre
onde se vendem ovos para bater
A revista Mafuá, iniciativa de pesquisadores do Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Linguística (NUPILL) da Universidade Federal de Santa Catarina, está em sua 16ª edição e, ao contrário da maioria das revistas acadêmicas, é dedicada, principalmente, a ensaios e artigos de alunos de graduação. Há também espaço para criações literárias e visuais, entrevistas e ensaios de profissionais que atuam fora do meio acadêmico. A ideia é mesmo misturar as artes e as mídias e abrir espaço para experimentações.
depois da noite branca da véspera (como a criança que sente fome senta à mesa e não come) é o rumo a tomar na interseção em y o estrabismo do limpador de para-brisa uma ideia que se desfaz (porque se faz) a urgência de não saber o que dizer se não há nada a ser dito o medo que não tira férias
Lola Aronovich é professora da Universidade Federal do Ceará e doutora em língua inglesa pela Universidade Federal de Santa Catarina. No entanto, em seu blog não trata de assuntos estritamente acadêmicos mas, entre muitos outros, de cinema, literatura, mídia e, principalmente, assuntos políticos, em especial relacionados a questões de gênero, sexo e a diversos preconceitos que vemos se manifestar (muitas vezes sutilmente) em situações corriqueiras. Seu toque de ironia e seu humor peculiar dão um tom e um gosto especiais às postagens.
tremaliteratura.com
e vai junto viajar a estrada — ainda não é tempo de esticar as pernas — sou eu no banco do carona. 4. De ir e vir é a estrada (nós dois que a inventamos).
Diego Grando
Escritores vindos de diferentes áreas do saber encontram-se no Trema Literatura. Alguns se conheceram em uma oficina do escritor Antonio Torres na UERJ e, para manter o que os juntou ali, Eloise Porto criou o Trema e foi convidando outros autores a se juntarem à equipe ao longo do tempo. A movimentação no site é grande. Dois autores fixos, que se revezam quinzenalmente, produzem textos diários. Em poemas, contos ou crônicas, o importante é trabalhar o contato inquietante com a escrita, afiar as palavras na relação cortante com a literatura.
Vale o clique!
Raïssa Degoes
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ENTREVISTA
por Marilena Moraes
Cristiane Costa: A revolução dos hábitos de leitura
Diante das revoluções tecnológicas que vêm transformando os suportes de leitura, a pergunta que mais se tem feito é: o livro impresso pode acabar? Essa é uma discussão que ainda assusta muita gente. Mas não devemos esquecer que o livro tal como conhecemos hoje também é uma tecnologia. Ao longo da história da humanidade, as palavras já foram difundidas em blocos de pedra, rolos de pergaminho, livros manuscritos e depois impressas por meio dos tipos móveis de Gutenberg, impressoras a laser e agora por e-readers. Em vez de lamentar e cogitar o fim do livro impresso, devemos nos preparar para viver a realidade dos dispositivos eletrônicos de leitura. Apesar de inflamar corações e mentes, a discussão sobre o fim do livro é apenas a ponta do iceberg de outra revolução em curso: a das novas possibilidades de narrar e ler abertas pelas tecnologias digitais. Essas inovações convergem de tal forma que, no futuro, as experiências de ler, ouvir e ver não serão mais distintas. Com a internet, uma nova semântica já começa a se instaurar. Os próprios conceitos de “livro” e “literatura” já não parecem mais tão claros diante das novas mídias. E qual tem sido a opinião da academia sobre o assunto? Como em todas as discussões milenaristas, os debatedores podem ser divididos em duas correntes: os “apocalípticos” e os “integrados”, para usar os termos do filósofo italiano Umberto Eco, que é, aliás, uma voz importante também nessa questão. Na obra Não contem com o fim dos livros, ele e o escritor francês Jean-Claude Carrière procuram tranquilizar, numa série de conversas, os que temem que a era tecnológica se transforme num apocalipse que não deixará página sobre página. Ao mesmo tempo, é um exemplo de como a discussão sobre o fim do livro é inútil, porque na maior parte do tempo é baseada em “achismos” e experiências pessoais que não são necessariamente compartilhadas pelas novas gerações, mesmo quando o debate é liderado por pensadores de renome.
Qual o impacto desse novo suporte na leitura?
Divulgação
Num mundo que parece não ter limites, em que absurdas previsões se fizeram realidade, os e-readers vêm revolucionar os hábitos de leitura. Para falar sobre o “novo livro”, o PB convidou a professora CRISTIANE HENRIQUES COSTA, doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora do pós-doutorado do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC-UFRJ), pelo qual desenvolve pesquisas sobre novas estratégias narrativas em mídias digitais. Cristiane é professora e coordenadora do curso de Jornalismo da ECO/UFRJ e autora de Pena de aluguel: escritores jornalistas no Brasil 1904-2004 e de Eu compro essa mulher: romance e consumo nas telenovelas brasileiras e mexicanas. Por e-mail, ela nos contou das últimas (talvez já penúltimas) novidades. Você sabia que os livros digitais já têm até “cheirinho de livro”?
Os e-readers prometem revolucionar os hábitos de leitura, assim como o codex fez com os rolos de papiro. Em vez de duas páginas lado a lado, teremos uma única página, que também servirá para exibir vídeos, acessar a internet e nos comunicar com os amigos. Podemos retomar o hábito de fazer anotações nas margens, sublinhar e usar tags para catalogarmos o que nos interessa. Em vez de comprar livros, poderemos baixá-los numa livraria virtual imediatamente. E, depois de lidos, eles não vão mais ocupar as prateleiras de casa. Teremos bibliotecas gigantes ao alcance de um clique. Mas ainda não se sabe qual será o custo disso para o universo da leitura tal como conhecemos hoje. Seria essa, então, a chamada “quarta tela”? Sim, a revolução que torna incerto o futuro do livro e das livrarias, questiona a noção de autoria, abala as bases da indústria editorial e promete mudar completamente a forma como o leitor se relaciona com os livros já é chamada pelos especialistas de “Quarta Tela”. As três primeiras seriam as telas da televisão, do computador pessoal e do telefone celular. A quarta tela com que vamos nos acostumar a interagir diariamente será a do tablet. Como são os livros já nascidos digitais? Os novos livros podem prescindir da leitura linear, integrar-se à internet, misturar palavra, vídeo, foto, som e animação, e literalmente explodir em 3D nas telas com cenários em realidade aumentada. Neste novo universo literário, real e virtual não são mais mundos separados. Objetos tridimensionais saltarão das páginas para interagir com movimentos do leitor e cenários reais. Cientistas da computação preveem que, assim como a web 1.0 foi guiada pela comunicação, e a 2.0 pela interatividade, a realidade aumentada e o 3D darão a tônica da internet 3.0. Já se pode medir o impacto dos livros eletrônicos na criação literária? Ainda é cedo para medir o impacto na criação literária dessa literatura sem papel. O desenvolvimento dos meios tecnológicos afeta a atividade criativa. Boa parte das obras produzidas em novos formatos ainda é experimental e não tem mais de 10 anos. Sua produção pode ser conferida em sites como o do ELO (Eletronic Literature Organization) e o portal dedicado à cyberliteratura da Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes. No entanto, as editoras comerciais já começam a fazer suas próprias experiências, como a Simon & Schuster, que criou o vook (videobook). Outras, como a Penguin e a Macmillan, já colocaram na rede vídeos demonstrando como seus livros serão reinventados, ganhando recursos interativos, áudio, vídeo, mapas, espaço para anotações e comentários, mecanismos de busca e comunidades virtuais de leitores para trocar ideias.
O mundo de hoje exige novos suportes para o velho e bom livro? Nem sempre essas novas formas de narrativa são capazes de formar um “livro” no exato sentido do termo. O próprio livro deixa de ser um modelo absoluto, uma vez que esses novos gêneros narrativos se utilizam de vários suportes para sua “publicação” (no sentido original de “tornar público”, e não de “imprimir”, do senso comum). Embora alguns já encontrem aplicações comerciais, em geral não são desenvolvidos necessariamente para suprir uma necessidade da indústria editorial. E, sim, para viabilizar necessidades de seus autores se expressarem de uma forma mais coerente com o mundo contemporâneo. Tudo isso parece muito novo, experimental demais. No entanto, o hipertexto é forma de leitura/escrita anterior ao computador. Há décadas lemos obras que permitem criar combinações entre suas partes, assemelhando-se à escritura multilinear do hipertexto digital. Entre elas estão clássicos que já na sua época revolucionaram a estrutura narrativa, como O livro da areia, de Jorge Luis Borges, O jogo da amarelinha, de Julio Cortázar, e Se um viajante numa noite de inverno, de Italo Calvino. Do livro-labirinto de Borges às construções hipertextuais de Cortázar, experimenta-se outra ordem de leitura, assim como o hipertexto digital, que tenta romper com a linearidade da página impressa. É verdade que já há livros digitais com “cheirinho de livro”? Para quem não abre mão do “cheirinho de livro”, uma história divertida é a relatada pelo historiador americano Robert Darnton em A questão dos livros: passado, presente e futuro. Ele conta que uma pesquisa constatou que 43% dos estudantes entrevistados consideravam o cheiro uma das maiores qualidades dos livros. E a única que aparentemente não poderia ser suplantada pelos livros eletrônicos. Mas uma editora online, a CaféScribe, já apareceu com uma solução: oferecer um adesivo com aroma similar para ser colado em computadores.
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Buraco negro
f.f.
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